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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA
ROSE DOS SANTOS MAIA
GEOGRAFIA E LITERATURA: UM DIÁLOGO COM O SERTÃO NO ROMANCE “O
QUINZE” DE RACHEL DE QUEIROZ.
FORTALEZA – CEARÁ
2016
ROSE DOS SANTOS MAIA
GEOGRAFIA E LITERATURA: UM DIÁLOGO COM O SERTÃO NO ROMANCE “O
QUINZE” DE RACHEL DE QUEIROZ.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Geografia. Área de concentração: Análise geoambiental e ordenação do território nas regiões semiáridas e litorâneas. Linha de pesquisa: Estrutura dinâmica do espaço regional, urbano e rural.
Orientador: Prof. Dr. Otávio José Lemos Costa.
FORTALEZA – CEARÁ
2016
ROSE DOS SANTOS MAIA
“GEOGRAFIA E LITERATURA:UM DIÁLOGO COM O SERTÃO NO ROMANCE ‘O
QUINZE’ DE RACHEL DE QUEIROZ”
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Acadêmico em Geografia do
Programa de Pós-Graduação em Geografia
do Centro de Ciências e Tecnologia da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Geografia. Área de Concentração:
Análise Geoambiental e Ordenação no
Território nas Regiões Semiáridas e
Litorâneas.
Aprovada em: 31 de agosto de 2016
BANCA EXAMINADORA:
Dedico este trabalho à Maria Matilde e Mário
(pais), Ruth e Raúl (irmãos), e ao querido
Diego (esposo). E pelo grande aprendizado à
Profª Cláudia Grangeiro (In memoriam).
AGRADECIMENTOS
Após anos de trabalho árduo sinto-me recompensada por tudo. Quantas horas de
estudo e trabalho dedicados, quantas pedras que tiveram que ser ultrapassadas,
enfim, tudo valeu a pena. Para que alcançássemos nosso objetivo alguns se fizeram
importantes.
Agradeço primeiramente a Deus, por seu infinito amor, oferecendo o dom da vida e a
oportunidade de crescimento enquanto espírito na escola da Terra.
Aos meus pais Mário e Matilde, por me aceitarem enquanto filha, pela dedicação e
imenso amor em prol de nossa família, fortalecendo meu crescimento pessoal e
profissional. Agradeço em especial minha Mãe por nunca soltar minha mão quando
necessitei, por sempre acreditar e apoiar minhas escolhas, por estar disponível à me
ouvir, obrigada por ser minha mãe, sei que não poderia ter feito escolha melhor. Aos
meus irmãos Ruth e Raul, pela oportunidade de amar e dividir, não consigo sentir
minha existência sem vocês, amigos de sangue e coração. Ao meu esposo Diego,
pelo amor, parceria e paciência ao longo dessa caminhada.
À Professora Cláudia Grangeiro (In memoriam) por seu exemplo e apoio. Por me
mostrar que podemos ser profissionais movidos pelo coração. Nunca esquecerei sua
torcida e apoio na conquista de mais essa etapa. Eis imensamente especial.
Ao meu orientador Professor Otávio Lemos por aceitar o desafio junto comigo, por sua
orientação e aprendizado acumulado. Que sua carreira seja sempre marcada pelo
sucesso. E aos colegas do Laboratório de Estudos em Geografia Cultural pelo
aprendizado em nossas tardes do grupo de estudos.
Aos professores Drª. Cleudene Aragão (UECE) Dr. Solonildo Almeida (IFCE) por
participarem das bancas de qualificação e defesa. Todas as análises e sugestões são
de suma importância para a construção da pesquisa, na qual tentarei fazer as devidas
correções.
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estatual do Ceará
por todo conhecimento e infraestrutura dispensada a nós pesquisadores. Ao corpo
docente do Curso de Metrado em Geografia, que muito contribuiu na construção
desse trabalho, através das aulas, palestras e seminários. Pela paciência e simpatia
das queridas Julia, Adriana e Aparecida.
À querida Yara Castro pela amizade e apoio nessa jornada acadêmica, sei que sem
sua mão amiga seria mais difícil.
Ao Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Geografia, da Universidade
Estadual do Ceará, por me aceitarem enquanto parte do grupo durante minha
graduação. Os anos que passei trabalhando e estudando com o PET me marcaram
eternamente, influenciaram no meu crescimento enquanto pessoa e futura profissional
da educação. Jamais esquecerei a longas e ricas tardes de leituras geográficas, as
horas dedicadas às mais diversas atividades, as amizades que construí que vão durar
por toda a vida.
Aos meus colegas de turma pelo aprendizado construído em nossos encontros, pelos
conselhos e indicações, aprendi muito com cada um.
À gestão da EEFM Parque Presidente Vargas, pois sem seu apoio jamais conseguiria
alcança o objetivo de me tornar mestre em Geografia. Pela paciência em ceder
horários flexíveis para que pudesse está presente em minhas aulas e encontros. Pelo
incentivo dado a nós professores que temos à formação como base de nossa
profissão.
Gostaria de agradecer as minhas amigas “De Quinta” pela amizade e torcida nessa
nova etapa da minha vida profissional, com vocês meus dias são mais alegres.
Aos meus queridos alunos por me oferecer a oportunidade diária de ser uma
professora em constante superação. Por serem a utopia de minha vida, que me faz
caminhar sempre em direção ao melhor que podemos ser.
Enfim, agradeço à todos que direta ou indiretamente me apoiaram nessa jornada de
crescimento pessoal e profissional.
[...]
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois a barra não tem
Ai, ai, ai, ai
Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai
Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai
Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai
Nós vamos a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá e pro mesmo
cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai
[...]
(Triste Partida – Patativa
do Assaré)
RESUMO
Trabalhos de cunho interdisciplinar vem tendo novas conotações no meio acadêmico,
se mostrado de extrema relevância, pois busca um diálogo entre áreas, antes, sem
afinidades aparentes. O diálogo entre Geografia e Literatura objetiva novas
possibilidades de investigações, dando ênfase a perspectivas humanistas com base
na filosofia fenomenológica. Alguns estudos de Geografia Cultural recorre ao texto
literário como fonte de análise, com o objetivo de encontrar nas obras literárias
informações sobre lugares e/ou épocas. Desde modo, temos como objetivo
estabelecer um diálogo entre Geografia e Literatura, com o intuito de perceber novas
espacialidades contidas na literatura. Para a experiência do diálogo entre Geografia e
Literatura, trabalhamos com o romance “O Quinze”, escrito por Rachel de Queiroz em
1930, que tem a seca de 1915 enquanto fio condutor da narrativa e como forma de
compreensão da paisagem do sertão. Nesta perspectiva, escolhemos o conceito de
paisagem para a pesquisa, o qual entendemos enquanto resultado de uma dada
cultura, que através de seus elementos, estabelece a mediação na transmissão de
conhecimento, valores e símbolos. Observamos que o sertão se apresenta sob a
paisagem da seca, seja no sertão de Quixadá ou na cidade de Fortaleza, a seca se
apresenta enquanto mediadora na estrutura do romance, culminando em uma serie
de problemáticas sociais, tais como o êxodo rural, a miséria, a fome e a morte. Ao
longo do romance a paisagem sertaneja ganha movimento e profundidade, a partir de
sua vivência e imaginação Rachel de Queiroz cria uma ligação entre o leitor e o sertão,
recriando-o a partir de seus signos e símbolos.
Palavras-chave: Geografia. Literatura. Paisagem. Romance. “O Quinze”.
ABSTRACT
Papers on interdisciplinary nature come with new connotations in academia, if shown
of extreme relevance, because it seeks a dialog between areas, before, without
apparent affinities. The dialog between geography and literature aims to new
possibilities of investigations, with emphasis on the humanistic based on
phenomenological philosophy. Some studies of Cultural Geography refers to the
literary text as a source of analysis, with the goal of finding the literary information
about places and/or times. In this way, we aim to establish a dialog between geography
and literature, with a view to realize new spatialities contained in literature. For the
experience of dialog between geography and literature, we work with the novel "O
Quinze", written by Rachel de Queiroz in 1930 which has the drought of 1915 while
conducting wire of the narrative and as a way of understanding the landscape of the
hinterland. From this perspective, we chose the concept of landscape for research,
which we understand as a result of a given culture, which through its elements,
establishes the mediation in the transmission of knowledge, values and symbols. We
observed that the hinterland presents itself in the landscape of drought, either in the
Quixadá hinterland or in the city of Fortaleza, the drought presents itself as a mediator
in the structure of the novel, culminating in a series of social problems, such as the
rural exodus, poverty, hunger and death. Throughout the novel the country landscape
gains movement and depth, from her experience and imagination Rachel de Queiroz
creates a connection between the reader and the hinterland, recreating it from its signs
and symbols.
Keywords: Geography. Literature. Landscape. Novel. "O Quinze".
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Esboço de organização das abordagens de estudo da relação Geografia-Literatura em trabalhos de geógrafos brasileiros – Pós-1990...................................................................................
41
Quadro 2 – Histórico de secas no Nordeste................................................. 67 Figura 1 –
Depressão sertaneja, município de Quixadá, Ceará.................
60
Figura 2 – Vegetação de Caatinga, município de Quixadá, Ceará.............. 61 Figura 3 – Rede de Viação Cearense de 1924........................................... 75 Figura 4 – Capa da 1ª Edição de O Quinze, publicado em agosto de 1930. 84 Figura 5 – Contra capa da 1ª Edição de O Quinze, publicado em agosto
de 1930...................................................................................... 84
Figura 6 – Posse na Academia Brasileira de Letras.................................... 85 Figura 7 – Manuscrito escrito à mão de “O Quinze”, primeira página.......... 87 Figura 8 – Fazenda “Não me deixes”.......................................................... 89 Mapa 1 –
Localização de Quixadá – Ceará...............................................
81
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................... 11
2 UM DIÁLOGO ENTRE GEOGRAFIA E LITERATURA............................ 19
2.1 BASES CONCEITUAIS DA GEOGRAFIA CULTURAL E AS NOVAS
LINGUAGENS ESPACIAIS.......................................................................
19
2.2 ESPAÇO E LITERATURA......................................................................... 29
3 O TEXTO LITERÁRIO E OS ASPECTOS SUBJETIVOS DA
PAISAGEM...............................................................................................
44
3.1 A LITERATURA ENQUANTO EXPRESSÃO DA PAISAGEM................... 44
3.2 O SERTÃO NO ESPAÇO REGIONALISTA BRASILEIRO......................... 53
3.3 O CENÁRIO: A SECA ENQUANTO FIO NARRATIVO DO ROMANCE “O
QUINZE.....................................................................................................
66
4 DIALOGANDO COM O ROMANCE “O QUINZE” ................................... 80
4.1 RACHEL DE QUEIROZ E O ROMANCE DE 1930.................................... 80
4.2 O SERTÃO ENQUANTO PAISAGEM NO ROMANCE “O QUINZE” ........ 92
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 106
REFERÊNCIAS......................................................................................... 110
11
1 INTRODUÇÃO
A ciência geográfica ao longo de seu desenvolvimento, vivenciou diferentes
fases, sempre marcadas por mudanças de paradigmas, fazendo dela uma ciência
complexa e rica em conhecimento. Embora tenha se aprofundado em seu interior,
uma intensa especialização do conhecimento, a Geografia se mostra no fim do século
XX, uma ciência capaz de dialogar com os mais diversos ramos de conhecimento
dentre elas, a literatura.
Nos dias atuais, trabalhos de cunho interdisciplinar têm ampliado espaço
no meio acadêmico, pois os mesmos têm se mostrado de extrema relevância, uma
vez que, buscam um diálogo entre áreas, antes, sem afinidades aparentes. Dentro
desta ótica, a relação entre Geografia e Literatura busca novas possibilidades de
investigações, nas quais a visão positivista perde espaço. Alguns estudos de
Geografia Cultural recorrem ao texto literário como fonte de análise, com objetivo de
encontrar nas obras informações sobre lugares ou épocas passadas, a exemplo das
narrativas de viagens.
Em um contexto internacional, a partir da década de 1970, a Geografia
Cultural ressurge rompendo com o racionalismo e propondo novos temas como a
religião, as questões de gênero, a identidade espacial e a interpretação de textos. O
uso de textos literários pela Geografia Cultural, parte do argumento de que o espaço
se apresenta como componente indispensável da narrativa, uma vez que, o romance
deve ser contextualizado no espaço-tempo, podendo o espaço ser estrutura do real,
materializado dentro de uma estrutura social concreta, pela qual se dará o desenrolar
dos acontecimentos, e como espaço simbólico, carregado de signos e significados
(MOREIRA, 2008).
Diante de um novo contexto político, econômico e social a Geografia
Humanística, juntamente com a Geografia Crítica, inicia duras críticas à Nova
Geografia, resultando em uma transformação nas bases geográficas da época. O
espaço ressurge, enquanto conceito referencial e objeto de estudo da Geografia, bem
como os conceitos de lugar e paisagem, tendo como foco a relação entre homem e
meio, a partir de seus aspectos subjetivos e experiências.
Neste contexto, a Geografia passa a dialogar com a literatura, sendo o texto
literário objeto de análise no qual podemos perceber a visão do autor expondo suas
experiências, no qual o lugar é o encontro entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo.
12
Neste sentido podemos observar que o discurso literário possibilita uma construção
interpretativa do espaço, objetivada, sobretudo no lugar e na paisagem, categorias
estas mediadoras do entrecruzamento das experiências do sujeito e seu espaço
vivido.
Desta forma temos enquanto objetivo central de nosso trabalho estabelecer
um diálogo entre Geografia e Literatura, com o intento de perceber novas
espacialidades subjetivas contidas no romance “O Quinze”, de Rachel de Queiroz,
tento como foco o sertão. Para compreender a relação entre Geografia e Literatura,
faz-se necessário desenvolver um levantamento teórico-conceitual, no sentido de
estabelecer uma prospecção sobre o tema abordado. Constitui, portanto uma busca
importante para a presente pesquisa, com o objetivo de oferecer contribuições para
nossa análise. Observamos a necessidade de uma discussão em torno de alguns
conceitos considerados por nós de suma importância, a saber: o conceito de
paisagem (SAUER,1998; HOLZER, 1997; CORRÊA,1995; TUAN, 1983, 2012;
DARDEL, 2015; COSGROVE, 1998); relação entre Geografia e Literatura
(BROSSEAU, 2007; ALMEIDA, 2003; VILANOVA NETA, 2005, MARANDOLA JR e
OLIVEIRA, 2009); e a literatura regionalista (ARAGÃO, 2012; VICENTINI, 1998;
TELES, 1983, LANDIM, 2005).
Na perspectiva da Geografia Cultural, o estudo da estrutura romanesca
ganha força com o intuito de apreender relações afetivas existentes no lugar, bem
como a importância da paisagem enquanto mediador para o desenrolar da trama
literária.
Nesta perspectiva escolhemos enquanto conceito-chave para a pesquisa a
paisagem, que na tradicional concepção saueriana, é resultado da relação entre
cultura enquanto agente e a área natural enquanto meio para sua existência (SAUER,
1998). Neste sentido, nos informa Sauer (op. cit.) que a paisagem não é simplesmente
uma cena real, mas é, sobretudo, uma generalização derivada de observações. A
paisagem se caracteriza por ser, de um lado o resultado de uma dada cultura e de
outro, constitui-se de uma matriz cultural (CORRÊA, 1995), que, através de seus
elementos, estabelece a mediação na transmissão de conhecimento, valores e
símbolos. Completando, Corrêa afirma:
Trata-se da paisagem cultural, um conjunto de formas materiais dispostas e articuladas entre si no espaço como os campos, as cercas vivas, os caminhos,
13
a casa, a igreja, entre outras, com seus efeitos e cores, resultante da ação transformadora do homem sobre a natureza. (1995, p. 04)
Para COSGROVE apud CORRÊA (1995) a paisagem geográfica possui
uma carga simbólica, uma vez que é produto da apropriação e transformação da
natureza por um grupo humano, imprimindo sua linguagem, símbolos e traços
culturais, tendo o geógrafo o papel de analisar a paisagem a partir da leitura de seu
significado.
Objetivando uma análise, tendo como base o conceito de paisagem,
elegemos o texto literário enquanto modo de sentir o mundo. O encontro entre a
Geografia e a Literatura não é recente nos estudos geográficos. Desde tempos
passados, o espaço é utilizado por autores como recurso essencial para instauração
da trama ficcional. A descrição de lugares tornou-se uma forma para configuração do
mundo e daqueles que o habitam. Antes da renovação da Geografia Humanista e
Cultural na década de 1970, a Literatura era utilizada por geógrafos de modo
instrumental, como complemento de análises regionais, a exemplo dos relatos de
viagens.
A partir da década de 1970, o uso do romance ganha novas abordagens a
partir da adaptação do método fenomenológico pela Geografia, neste momento a
ciência geográfica passa a se preocupar com o modo pelo qual o homem interioriza
ou representa sua experiência do espaço, assim, privilegiam o romance por oferecer
o suporte ideal de um encontro entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo
(BROSSEAU, 2007).
Na busca de sustentação dessa nova fase para a Geografia, a
fenomenologia é colocada como base para estudos dos aspectos subjetivos da
espacialidade, enquanto que o positivismo tem sua base na razão cartesiana, na qual,
atribui apenas às ciências naturais o que é racional, objetivo e científico, “para a
fenomenologia a razão objetiva se refere a existência humana independentemente de
que possa ser expressa em categorias de quantidade.” (HOLZER, 1997, p.78).
Ainda segundo Holzer (1997), fenomenologia e geografia possuem
objetivos comuns, o de estudar a constituição do mundo. Tal estudo é possível a partir
das experiências concretas do homem no mundo e sua intencionalidade para
perceber como se produz o sentido dos fenômenos, assim, incluindo o mundo na
14
consciência estabelece-se uma nova relação entre sujeito e objeto, como ser-
envolvido-no-mundo. Deste modo,
A intencionalidade torna possível a redução fenomenológica, a "colocação entre parênteses" da realidade como é concebida pelo senso comum. A redução fenomenológica nos remete às experiências e ao mundo originais, sem considerar as teorias que lhe foram acrescentadas pelas ciências. Nos colocando duas questões: o da constituição do mundo, que interessa diretamente aos que estudam a geografia; e o da distinção entre ciência fenomenológica e ciência positivista. (HOLZER, 1997, p.78)
Os geógrafos humanistas encontraram na fenomenologia novas
possibilidades de renovação de seus objetos, estudos e práticas, abrindo novos
campos de possibilidades estimulando o interesse pelas percepções, representações
e atitudes perante o espaço (BESSE, 2006). Sendo “compreendida menos como um
objeto do que como uma representação, um valor, uma dimensão do discurso e da
vida humana, ou ainda, uma formação cultural” (BESSE, 2006, p. 78)
A Geografia Humanista e Cultural retoma os conceitos de lugar e
paisagem sob novas perspectivas para a ciência geográfica. Segundo TUAN apud
HOLZER (2008, p.137) o movimento humanista na Geografia surge enquanto
“tentativa de análise das ações e produtos da espécie humana a partir de uma visão
que amplia a perspectiva científica cartesiana, incorporando os estudos das
humanidades na leitura abrangente de temas geográficos”. Para consolidação desse
processo, teóricos como Tuan (1976), Lowenthal (1961), Relph (1970), Meinig (1971)
e Buttimer (1974) se remetem ao início do século XX e iniciam uma revisão teórica e
metodológica na busca de constituir uma ciência que superasse os parâmetros
cartesianos vigentes, nesse sentido
Uma geografia que fosse ao encontro desses novos valores deveria basear-se em uma “aproximação humanística”, tendo como objeto a apreciação da paisagem enquanto ambiente natural e humanizado, o que contribuiria para a preservação e valorização do ambiente terrestre. (HOLZER, 2008, p.139)
TUAN apud HOLZER (2008, p. 139) se refere à “aproximação humanística”
como sendo: as atitudes do indivíduo em relação a um aspecto do ambiente; atitudes
15
do indivíduo com relação às regiões, as atitudes em relação à natureza focalizando a
atenção nas paisagens que adquirem um significado simbólico especial. Além do
grupo que passou a se preocupar com o aporte teórico, um outro grupo se destaca,
formado pelos geógrafos culturais que trabalhavam com a interface entre geografia e
humanidades.
Deste modo, para a experiência do diálogo entre Geografia e Literatura,
escolhemos o romance “O Quinze”, escrito por Rachel de Queiroz e publicado pela
primeira vez na década de 1930, como aporte de nossa pesquisa. O romance tem
como pano de fundo a seca de 1915, e dentro desta temporalidade, o sertão surge
como cenário e fio condutor das tramas; o flagelo e angústia do sertanejo é exposta,
de modo que o conflito entre o sair de sua terra e caminhar em direção à cidade são
retratados com realismo pela autora. Dentro deste contexto, procuramos compreender
a visão de sertão, bem como seu significado para o sertanejo, dentro do espaço-tempo
retratado no romance, o semiárido do Ceará no início do século XX.
Além de uma breve contextualização sobre a Geografia Humanística e
Cultural e do método fenomenológico, devemos expor também os procedimentos
metodológicos que seguimos. A metodologia utilizada nesta pesquisa foi de suma
importância para nos orientar na iniciativa de uma melhor aproximação e apreensão
de nosso estudo. Deste modo, entendemos como metodologia o conjunto de
“procedimentos utilizados pelo pesquisador, material e métodos, em uma determinada
investigação, sendo as etapas a seguir em um determinado processo.” (ALVES, p.
230, 2008)
Entre os procedimentos utilizados na presente pesquisa, se destaca a
pesquisa bibliográfica, com o objetivo de fomentar todo um aparato teórico sobre
temas como paisagem, paisagem cultural, lugar, experiências, pertencimento, análise
literária, entre outros. “A pesquisa bibliográfica é passo decisivo em qualquer pesquisa
científica, uma vez que eliminar a possibilidade de se trabalhar em vão” (MEDEIROS,
p. 50, 2007). Coloca-se também a importância de uma pesquisa documental que é
decisiva na elaboração das hipóteses e rumos da presente pesquisa. Destacando-se
buscas de documentos e dados da época fornecidos por órgãos históricos, com o
objetivo de aprofundamento de análise.
16
Analisar o sertão do Ceará durante a seca de 1915 é problema inicial de
nossa pesquisa, uma vez que Rachel de Queiroz se utiliza desse fenômeno natural e
suas implicações sociais para apresentar sua percepção diante da problemática.
Desta forma, observamos em primeiro plano, que Queiroz traz à tona uma leitura de
sertão pobre e sem perspectivas, marcada por um ponto de vista realista expondo um
sertão subdesenvolvido. Na busca por respostas definimos os objetivos.
Objetivo Geral:
- Estabelecer um diálogo entre Geografia e Literatura, com o intuito de
perceber novas espacialidades subjetivas contidas no romance “O Quinze”, de Rachel
de Queiroz, tento como foco o sertão.
Objetivos Específicos:
- Estudar o diálogo entre Geografia e Literatura, como nova perspectiva de
análise na ciência geográfica;
- Destacar o texto literário a fim de revelar os aspectos subjetivos da
paisagem enquanto construção do mundo;
- Observar a construção de concepções sócioespaciais em textos literários,
com foco na escola regionalista.
Dessa forma estruturamos a presente dissertação em cinco capítulos,
sendo o primeiro de caráter introdutório, que visa uma apresentação de nossa
pesquisa. O segundo capítulo, intitulado Um diálogo entre geografia e literatura,
procuramos realizar uma breve discussão sobre o processo de renovação da
Geografia Humanista, a partir de seus principais expoentes, tendo como objetivo
específico estudar o diálogo entre Geografia e Literatura, como nova perspectiva de
análise na ciência geográfica, subdividido em dois tópicos: no primeiro realizamos
uma leitura sobre o trilhar da Geografia a partir da década de 1970, proporcionando o
surgimento de novas prospecções e métodos de analises. No segundo tópico,
buscamos analisar a retomada do conceito de espaço na Geografia, bem como sua
abordagem junto à literatura. É sabido que antes da década de 1970, os geógrafos
culturais detinham suas preocupações nos aspectos materiais da cultura, aqui
representados por: vestuários, habitat, utensílios e as técnicas, ou seja, analisava os
modos de vida dos grupos humanos, porém, com a renovação da Geografia
Humanística, a Geografia Cultural ressurge trazendo novas relações e possibilidades.
17
Neste contexto a obra literária surge como uma dimensão espacial, que se objetiva
na paisagem, por exemplo, no momento em que o autor expõe suas experiências
tornando o lugar de encontro entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo. Neste
sentido, podemos observar que o discurso literário possibilita uma construção
interpretativa do espaço, objetivada, sobretudo no lugar e na paisagem, categorias
estas mediadoras do entrecruzamento das experiências do sujeito e seu espaço
vivido.
No terceiro capitulo, O texto literário e os aspectos subjetivos da paisagem,
tentamos ampliar nosso olhar diante desse novo mundo que se abre para a ciência
geográfica, a literatura. Neste ponto objetivamos destacar o texto literário a fim de
revelar os aspectos subjetivos da paisagem para a construção do mundo. Na
perspectiva da Geografia Cultural o estudo da estrutura romanesca ganha força com
o intuito de apreender além da paisagem descrita, as relações afetivas existentes na
paisagem, partindo da relação do autor com o lugar e retratado no vivido de seus
personagens. Entendemos que a literatura se apresenta como fonte de pesquisa por
seu poder de retratar de modo conotativo aspectos da realidade social. Sendo
difundida nos bancos acadêmicos, o uso de fontes que priorizam a linguagem
conotativa mostra-se importante, enquanto possibilidade de se contrapor ao
positivismo científico.
Sob o título Dialogando com o romance “O Quinze”, temos nosso quarto
capítulo, no qual realizamos uma leitura sobre a vida de Rachel de Queiroz e sua
importância no cenário regionalista, e o diálogo com o romance a partir do sertão.
Nosso objetivo está em observar a construção de concepções sócioespaciais em
textos literários, com foco na escola regionalista. Dentro do romance o sertão é
retratado em diferentes visões, dada por cada um dos personagens. Dentro desse
contexto é enfatizado pela autora o sertanejo, seu olhar diante do sertão, os signos e
significados construídos ao longo de sua sobrevivência, seu sofrimento diante da seca
voraz, seus costumes e hábitos, e suas escolhas.
Finalizando nossa pesquisa com nossas considerações finais, a fim de
responder nossos objetivos de forma satisfatória. Estes aspectos teóricos discutidos
têm como intuito chegar ao diálogo entre geografia e literatura, sendo necessário um
retorno das teorias gerais do sujeito em análise, qual seja o romance “O Quinze”, como
mediador entre o mundo do homem e sua subjetividade. Sendo importante ressaltar
18
que não se trata de uma “fórmula perfeita” e engessada de ver a realidade, pois este
processo prática-teoria-prática, que ao nível de exposição pode parecer linear,
acontece a todo o momento e é construído durante todas as etapas da pesquisa.
19
2 UM DIÁLOGO ENTRE GEOGRAFIA E LITERATURA
Conhecer o desconhecido, atingir o
inacessível, a inquietude geográfica precede
e sustenta a ciência objetiva.
(DARDEL, 2015, p. 1)
O processo de renovação vivenciado pela ciência geográfica a partir da
década de 1970 proporciona o surgimento de novas ideias e perspectivas. Com a
incorporação do método fenomenológico, muitos geógrafos deixam de lado o
positivismo e se debruçam sobre um campo de estudos abrangente e fértil, ligando
seus pensamentos à subjetividade e à experiência do homem. Assim, as pesquisas
iniciam um valoroso e profícuo diálogo com as artes e as letras, resultando em um
novo olhar sobre a existência do homem na Terra.
2.1 Bases conceituais da Geografia Cultural e as novas linguagens espaciais.
Para pensarmos uma Geografia Cultural no século XXI, temos que
regressar ao desenvolvimento da ciência geográfica, para que possamos vislumbrar
um futuro. A Geografia que conhecemos hoje, é fruto de um processo que se iniciou
no Iluminismo, proporcionando sua consolidação enquanto ciência acadêmica. Os
precursores do pensamento geográfico sistematizado foram J.R. Forster e Immanuel
Kant, nos planos teórico-metodológico e epistemológico, respectivamente.
Forster estabelece como objeto da geografia o estudo da superfície terrestre, e como seu método a comparação, do qual deriva a descrição e a explicação como categorias analíticas das paisagens. [...] Para Kant interessa ao seu sistema de ideias descobrir como a geografia pode ajudar na tarefa da constituição do entendimento de natureza. (MOREIRA, 2008, p. 16)
A partir desse momento, a Geografia amplia e fortalece suas bases teórica-
metodológicas através dos estudos desenvolvidos por Carl Ritter, Alexander von
Humboldt, Friedrich Ratzel e Paul Vidal de La Blache. Quanto à cultura, o interesse
20
por parte dos geógrafos nos aspectos culturais se dá no mesmo momento em que se
desenvolve o interesse pela Geografia Humana, ainda no século XIX, podendo ser
destacados três momentos de seu desenvolvimento.
Final do século dezenove até os anos cinquenta, do século XX: os geógrafos adotavam uma perspectiva positivista ou naturalista, não estudando a dimensão psicológica ou mental da cultura. O interesse voltava-se para os aspetos materiais da cultura, as técnicas, as paisagens e o gênero de vida. [...] Anos 1960 e 1970: a evolução da Geografia Cultural deu-se numa tentativa de utilizar os resultados da “Nova Geografia” para uma sistematização metodológica. Esta perspectiva não me interessa atualmente. Após os anos setenta do século XX: ocorreu uma mudança significativa, haja vista a Geografia Cultural deixar de ser tratada como um subdomínio da geografia humana, posicionando-se no mesmo patamar da Geografia Econômica ou da Geografia Política. (CLAVAL, 2002, p. 19-20)
O primeiro a falar sobre uma Geografia Cultural foi Friedrich Ratzel, a partir
de seus estudos, que resultaram no clássico Antropogeografia (1882). Mesmo com
forte influência naturalista, Ratzel tornou-se o precursor, ao enfocar a temática sobre
cultura na Geografia, além de ser considerado o fundador da Geografia Humana,
inaugurando a sistematização da geografia humana, de forte tendência cultural. Sob
influência de Alexandre von Humboldt e Karl Ritter, desenvolve e aprofunda seus
estudos na Geografia. Diante de seus estudos, afirma que a Geografia está dividida
entre três ramos: Geografia, Biogeografia, e a Antropogeografia (RATZEL apud
CLAVAL, 2007), se debruçando, mais especificamente, neste último. Tendo como
base a discussão de três questões: a primeira, sobre a influência do ambiente na
diversidade dos povos, já que os homens dependem do ambiente onde vivem para
sobrevivência, seja total ou parcialmente; a segunda, sobre a mobilidade das
sociedades como necessária à sua subsistência e sobrevivência, sendo de natureza
do homem; e por fim, a formação dos territórios, a partir da importância dada ao papel
do Estado. Percebe que o avanço das técnicas e utensílios são essenciais para o
estabelecimento da relação entre o homem e seu meio circundante, sendo a cultura
um conjunto de utensílios e técnicas que permite os homens se apropriarem do
ambiente. (RATZEL apud CLAVAL, 2007)
A extensão geográfica ampla, uniforme e pouco contrastada por razões culturais (povos sem história, ou Naturvölker) configura o primeiro objeto da antropogeografia, que pode explicar muito claramente está extensão sobre a base de relações simples (que estabelecem com o ambiente). (RATZEL apud
CLAVAL, 2007, p. 22).
21
Embora seus estudos valorizem os aspectos culturais como essenciais
para o desenvolvimento dos grupos sociais, Ratzel tornou-se para a geografia o
grande iniciador do ambientalismo, ao contrário dos antropólogos, que se debruçaram
sobre suas análises de difusão da cultura. Outro aspecto elencado por Ratzel no
estudo dos povos, está na importância dada ao Estado, sendo considerado
instrumento basilar na relação com o espaço, a partir análise dos povos
essencialmente agrícolas e aqueles em processo de industrialização. Nesses últimos,
o Estado exerce um papel dominante. “A seleção dos seres vivos pelo meio que
Darwin postulava é substituída por Ratzel pela seleção das sociedades pelo espaço:
a política se impõe, assim, ao cultural.” (Grifos do autor) (RATZEL apud CLAVAL,
2007, p. 23). Assim, Ratzel passa a ver o homem e sua relação com a natureza
mediada pelo espaço do Estado, ou seja, o espaço passa a ser visto como conjunto
das relações entre natureza e a sociedade, tornando-se o introdutor de uma geografia
política. (MOREIRA, 2008). Os estudo culturais de Ratzel estão alinhados à
concepção de cultura desenvolvida ao longo do século XIX, considerado o “conjunto
daquilo que é transmitido e inventado” (CORRÊA, 1995, p. 2).
No mesmo momento, na França, são desenvolvidos estudos sobre
Geografia Humana a partir das análises já trabalhadas pelos geógrafos alemães. O
principal nome da escola francesa é Paul Vidal de La Blache. La Blache parte da
mesma concepção de Ratzel, na qual o meio influencia o desenvolvimento da
sociedade a partir do uso das técnicas e utensílios, porém adiciona os hábitos
humanos. Para que haja sentido temos que analisar a forma como o homem se utiliza
das possibilidades impostas, seus hábitos e maneiras de fazer, seu modo de vida. A
partir de seus estudos, percebe-se como a “elaboração das paisagens reflete a
organização social do trabalho”. (CLAVAL, 2007, p. 33)
Os estudos em torno dos gêneros de vida, nos permitem perceber a forma
como os grupos lidam com o que lhes é ofertado, a forma como se adaptam com o
que lhes é oferecido pelo ambiente. “Ele sublinhou o papel da ‘força do hábito’ que lhe
parecia como a causa mais importante da rigidez dos gêneros de vida” (CLAVAL,
2003, p. 149).
22
A Noção de gênero de vida introduz, assim, na geografia humana francesa, uma lógica que estimula a integração, em seu campo, de aspectos comportamentais cada vez mais variados e complexos. Naturalistas pela sua origem e justificações, ela deriva rapidamente para posições mais humanas. (CLAVAL, 2007, p. 35)
Além da Europa, observamos o desenvolvimento de estudos sobre cultura
na Geografia também na América sob influência dos alemães. A geografia cultural,
até então negligenciada na América, ressurge a partir dos estudos sobre paisagem
com Carl O. Sauer, a partir de seu artigo The Morphology of Landscape, publicado
originalmente em 1925. Ao ingressar como professor na Universidade da Califórnia,
na cidade de Berkeley, Sauer se aproxima da antropologia e inicia trabalhos sobre
grupos indígenas do Sudoeste americano, tornando-se fundador da Escola de
Berkeley se opondo à de Middle West, escola até então dominante e de forte rigor
científico. Em seu artigo, Sauer apresenta sua concepção sobre a geografia, trazendo
discussões sobre ciência, fenomenologia e paisagem. Para ele, a geografia deve se
preocupar com o que é legível à superfície da Terra, ignorando, assim como os
alemães e franceses, os aspectos sociais e psicológicos. “A tarefa da geografia é
concebida como o estabelecimento de um sistema crítico que envolva a
fenomenologia da paisagem, de modo a captar em todo o seu significado e cor a
variada cena terrestre” (SAUER, 1998, p.22). Como resultado de seus estudos temos
a realização de diversos cursos sobre “geografia cultural”, a partir de trabalhos de
campo e da percepção dos não-geógrafos.
Além da abordagem dada por Sauer, outro importante geógrafo
estadunidense desenvolve suas análises sobre cultura, tendo foco na geografia
histórica. John Kirtland Wright incentiva a exploração pela “terra incógnita”, ou seja,
um território inexplorado. Suas ideias estão expostas em discurso proferido no ano de
1946 na American Geographical Society, no qual expressa a necessidade de se
valorizar a imaginação e a subjetividade enquanto qualidades indispensáveis a um
bom geógrafo (WRIGHT, 2014).
Atualmente, os geógrafos raramente ou nunca têm a oportunidade de entrar em alguma das terrae incognitae literais – um território totalmente inexplorado – e em um primeiro vislumbre pode parecer artificial comparar o encanto de tais desconhecidos com a atração que nos levam às regiões e aos problemas com os quais devemos efetivamente nos preocupar. No entanto, o canto das
23
Sereias ouvido por um Colombo, um Magalhães ou um Livingstone diferem apenas em intensidade, mas não no tom e qualidade, daquele que nos chama a explorar as nossas aparentemente mais prosaicas terrae incognitae. Permita-nos, portanto, examinar mais profundamente a natureza das terrae incognitae de várias magnitudes e tipos. (WRIGHT, 2014, p.16)
Wright abre novos caminhos para a ciência geográfica, pois defende uma
geografia para além dos muros acadêmicos, sendo o conhecimento uma construção
dos saberes formal e informal. Ele destaca a importância dos artistas nessa
construção. A partir de sua sensibilidade, realiza leituras sobre a realidade de
interesse não somente dos geógrafos, mais historiadores, antropólogos, filósofos,
sociólogos etc. O papel do geógrafo está em transformar a terra incógnita da ciência
em terra cógnita da ciência, estimulado pelo desconhecido e pela imaginação.
(WRIGTH, 2014). Em sua análise sobre o discurso proferido por Wrigth, Marandola Jr
considera que
Esta incorporação possui pelo menos dois eixos principais: (1) como relato documental, apegando-se à realidade retratada e àquilo que ela traz de facticidade histórico- geográfica; e (2) como imagem-imaginário ou símbolo-representação, que traz/produz uma visão de mundo (valores e símbolos), desenhando geografias e proporcionando a reflexão sobre a própria condição humana; um conhecimento universal portanto. (MARANDOLA JR, 2010, p.9)
Wrigth desenvolve seus estudos sobre o conhecimento geográfico ou,
como ele próprio denominou, “geosofia, composto de geo que significa ‘terra’ e sofia
que significa ‘conhecimento’” (WRIGTH, 2014, p. 14) (Grifo do autor). Tal perspectiva
nos permite, enquanto geógrafos, “compreender melhor as relações da geografia
científica, com suas condições históricas e culturais das quais ela é produto” (Ibidem,
p.15), partindo de qualquer ponto de vista. Com um posicionamento divergente aos
geógrafos de sua época, marcados pelo naturalismo, sugere a necessidade de uma
maior aproximação com as ciências humanas, sendo um dos primeiros a trabalhar a
relação entre Geografia e Literatura, sem foco instrumental. Wrigth privilegia a
imaginação do homem como motor para o desenvolvimento do conhecimento
geográfico.
Deste modo, ela se estende muito além do núcleo da geografia, do conhecimento científico, ou da geografia do conhecimento como é sistematizada pelos geógrafos. Levando em consideração todo o domínio
24
periférico, que cobre as ideias geográficas, tanto as verdadeiras quanto as falsas, de todo tipo de pessoa – não apenas geógrafos, mas fazendeiros, pescadores, executivos e poetas, romancistas e pintores, beduínos e hotentotes – e por esta razão ela necessariamente precisa lidar em alto grau com concepções subjetivas. De fato, mesmo partes dela que lidam com a geografia científica devem considerar os desejos humanos, motivações e preconceitos, porque a menos que eu esteja enganado, em nenhum lugar há geógrafos mais prováveis de serem influenciado pelo subjetivo do que nas discussões sobre o que deve ser a geografia científica. (WRIGTH, 2014, p. 15)
Na mesma vertente desenvolvida po Wrigth, temos o pensamento de Eric
Dardel. Embora suas análises sejam datadas da década de 1940, seus estudos são
utilizados como aporte teórico para os geógrafos somente a partir da década de 1970,
primeiro nos Estados Unidos, através dos trabalhos desenvolvidos por Tuan (1971) e
Relph (1973), e na década de 1980 por seus compatriotas franceses. Com sua obra
“O Homem e a Terra: natureza da realidade geográfica”, Dardel exerceu forte
influência na geografia cultural estadunidense, resultando no aparecimento de uma
geografia humanista. (HOLZER, 2010). Os temas centrais de sua obra foram de
grande utilidade para os geógrafos nesse momento de grande renovação. Sobre
Dardel, Holzer afirma que
[...] a relação primordial entre o homem e a Terra, as distâncias e direções na formação dos conceitos de lugar e de paisagem, todos os aspectos abordados a partir de uma perspectiva fenomenológica e interdisciplinar, onde a arte tem um papel preponderante como fonte de informação para a compreensão dos fenômenos. O centro das investigações está na intencionalidade voltada para os fenômenos espaço-temporais, sendo o “lugar” sua referência principal. (2010, p. 2-3)
Para Jean-Marc Besse, “a geografia é frequentação do mundo e paixão
pelo mundo na sua densidade e variedade fenomenal, ao mesmo tempo que é uma
ciência do espaço” (2006, p.82), tendo o geógrafo o papel de habitar e de
compreender as estruturas e os movimentos. O espaço, antes ignorado pela geografia
clássica, ganha nova perspectiva a partir de estudiosos como Dardel, deixando de ser
um espaço geométrico e neutro, passa a ser visto enquanto espaço diferenciado.
Suas diferenças tornam cada espaço geográfico único, tornando-se espaço vivido. É
importante deixar claro que o espaço, embora possua suas dimensões de sentido,
sendo assim, um espaço subjetivo a partir das experiências do homem, é antes de
25
tudo um espaço “material” (BESSE, 2006). Refletindo sobre a materialidade do espaço
geográfico para Dardel, Besse conclui que esse espaço
[...] possui uma “solidez” que resiste as operações combinatórias do entendimento científico, mas também aos esforços da ação voluntarista. É um relevo, um céu, um modelo, uma cor, um horizonte, que, segundo Dardel, resistem a uma redução subjetiva, que não são construídos pelo homem, que não são queridos por ele, mas que, ao contrário, impõem-se, por assim dizer, a ela na experiência e dão a essa experiência uma tonalidade fundamental. Um relevo não é para Dardel uma simples representação produzida pelo sujeito; é uma forma, e se, na sua potência, essa forma vem animar a vida material daquele que a visualiza, ela o faz a maneira de um acontecimento ou de um movimento transpassante. (BESSE, 2006, p. 88
Como observamos, a primeira fase da geografia cultural, foi marcada pelo
naturalismo alemão, no qual foi dada ênfase às técnicas e utensílios dos homens e as
transformações ocorridas na paisagem. Nesta fase, a paisagem já é considerada um
conceito essencial para análise geográfica, porém, sua importância se restringe a sua
forma tangível. “Ela pode ser, portanto, definida como uma área composta por uma
associação distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e culturais” (SAUER, 1998, p.
23). Mas, é a partir dos estudos de David Lowenthal, que revisa a obra de Wrigth, e
Tuan apoiando-se na obra de Bachelard, que temos assentados os primeiros passos
de uma renovação radical na geografa cultural (HOLZER, 2008).
Lowenthal e Tuan aprofundam seus estudos em uma geografia cada vez
mais preocupada com as humanidades e com o que é apreendido pessoalmente, além
da paisagem, que adquire um significado simbólico especial.
Realizando a leitura dos trabalhos de Lowenthal e Tuan, Holzer afirma:
O principal problema da geografia, dizia ele, é que só se preocupa com o primeiro tema, considerado como o “mundo real”. O “meio pessoalmente apreendido”, ligado ao comportamento humano e ao modo como a paisagem é modelada e construída, vinha sendo negligenciado. (LOWENTHAL apud HOLZER, 2008, p.139)
............................................................................................................................
Por sua vez, Tuan também falava em dois modos de se ler os conceitos geográficos: 1) a partir dos processos físicos que afetam as formas da Terra; 2) nas marcas que o homem imprime na natureza como agente. Sendo que este segundo modo se relacionaria com as humanidades. O referido autor levanta e enumera diversas “aproximações humanistas”, tais como: as atitudes
26
do indivíduo em relação a um aspecto do ambiente; atitudes do indivíduo com relação às regiões; a concepção individual da sinergia homem-natureza; a atitude dos povos acerca do ambiente; e as cosmografias nativas. (TUAN apud HOLZER, 2008, p. 139)
Esse processo de renovação é construído junto a uma transformação do
mundo. A partir da segunda metade do século XX, o mundo inicia um processo de
mutação, em diferentes ramos da sociedade. A ciência pautada no positivismo
científico, como o uso intensivo dos modelos matemáticos e da lógica como base para
compreensão da realidade, não responde mais aos anseios do mundo,
principalmente, nos aspectos sociais. Neste contexto, estudiosos das ciências sociais
iniciam uma busca por novas formas de observar e entender o mundo, mundo este
movido por mudanças profundas nas relações políticas, econômicas e sociais nas
diferentes escalas.
É um esforço na direção da geograficidade, tal como trabalhada por Dardel (1952), enquanto envolvimento visceral entre homem e meio, produzindo a essência do relacionamento espacial do homem e de sua natureza geográfica. Incorporar esta geografia (conhecimento informal) à nossa Geografia (conhecimento formal) é um desejo humanista que tem sido perseguido no contexto acadêmico em especial por um grupo de geógrafos que tem se identificado com os princípios do Humanismo. (MARANDOLA JR, 2010, p. 12)
A partir do pós-guerra uma Nova Ordem Mundial se impõem, dividindo o
mundo entre duas ideologias. Sob a égide de uma ordem bipolar, o mundo sofre
profundas mudanças, principalmente, de ordem territorial e econômica. No aspecto
econômico mundial, o sistema capitalista amplia consideravelmente sua escala de
influência, atingindo uma escala global. A expansão das empesas multinacionais
passa a proporcionar uma maior fragmentação da produção, bem como uma tentativa
de homogeneização de determinados hábitos, que acaba por resultar na ampliação
de uma “cultura de massa”. Diante desse contexto os movimentos antes concentrados
pelos trabalhadores passam a ser protagonizados por novos atores: negros, jovens,
mulheres, homossexuais, ambientalistas. Deste modo, os geógrafos percebem a
impossibilidade de continuar a negligenciar os aspectos culturais para além das
técnicas; logo, novos parâmetros necessitam urgentemente de atenção.
27
Os geógrafos evidenciam o papel dos sistemas institucionais de relações sociais na estruturação dos grupos e na organização do espaço, o que melhora consideravelmente a compreensão dos aspectos econômicos e políticos das distribuições humanas (Claval, 1937;1978) (CLAVAL, 2007, p. 51-52)
Do ponto de vista do conhecimento das críticas ao modelo positivista se
ampliam nos anos 1970, acentuando a necessidade de se buscar novas
possibilidades de leitura da realidade, tornando-se necessário a procura por novos
caminhos, em particular na Geografia Cultural, dando início a uma mudança radical
no desenvolvimento do pensamento geográfico. “Há uma preocupação com a crítica
dos fundamentos da geografia clássica posta ao lado da necessidade de formular-se
uma teoria nova” (MOREIRA, 2009, p. 77). Diante desse processo de renovação na
Geografia, observamos ainda a perspectiva humanista, tal como afirma Melo.
Posicionando-se contra testes hipotéticos, teorias e leis, a Geografia humanística é crítica e radical por não perfilar com aqueles que excluem de suas pesquisas os sentimentos, significados, intenções, valores, enfim as experiências dos homens que criam, atuam e vivem no espaço, o que se contrapõe aos positivistas que falam de um mundo sem homens ou contados aos montes como gado, ou meramente transformados em números. (MELO, 1990, p. 93)
Para Moreira (op. cit.) esse processo de renovação é marcado por uma
pluralidade de enfoques, na qual o espaço é uma referência a todos, consolidando-se
como objeto da Geografia, porém como linhas teórico-metodológicos diferenciadas,
como o materialismo histórico e dialético e a fenomenologia.
Como o intuito de se buscar uma nova base teórica metodológica para seus
estudos, a Geografia Cultural busca na fenomenologia, pensada e desenvolvida por
Edmund Husserl (1859-1918), o seu alicerce necessário. O primeiro passo é dado por
Buttimer (1969) que sugere o existencialismo, mas é com Relph (1970) que a
fenomenologia é vista enquanto suporte filosófico para Geografia (HOLZER, 2008).
“O método fenomenológico seria utilizado para se fazer uma descrição rigorosa do
mundo vivido da experiência humana e, com isso, através da intencionalidade,
reconhecer as “essências” da estrutura perceptiva” (Ibidem, p. 140). Os geógrafos
humanistas encontraram na fenomenologia novas possibilidades de renovação de
seus objetos, estudos e práticas. Deste modo abriram-se novos campos de
perspectivas estimulando o interesse pelas percepções, representações e atitudes
28
perante o espaço (BESSE, 2006). A aproximação entre geografia e fenomenologia
se realiza, a partir do filósofo Maurice Merleau-Ponty, especialmente, com sua obra
Fenomenologia da percepção (2011). Sua discussão está centrada na relação entre
natureza e consciência, na qual a relação homem com a natureza se constrói a partir
da percepção, realizando uma revisão do conceito de sensação (LENCIONE, 2003).
O prefácio de sua obra, Merleau-Ponty (2011), inicia-se com uma grande pergunta:
“O que é fenomenologia?”, sendo o “estudo das essências, e todos os problemas,
segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência
da consciência por exemplo”, sendo também uma filosofia “que repõe as essências
na existência”, na qual o homem e o mundo só podem ser compreendidos a partir de
sua “facticidade” (p. 1)
O conhecimento geográfico é inerente à própria realidade e está sendo constituído no cotidiano das pessoas, na efetivação de políticas no campo, em intervenções urbanas, em escritos literários, em manifestações culturais, em crenças religiosas. Toda ação humana possui uma dimensão espacial que se revela por meio de uma espacialidade que conduz o vir-a-ser do fenômeno. (MARANDOLA JR., 2010, p. 11)
A partir desse novo alicerce, a Geografia Cultural passa a desenvolver um
imenso leque de possibilidades de estudo, o espaço geográfico, antes visto somente
por seus traços objetivos, tem sua subjetividade emersa. Torna-se possível enxergar
o espaço através de suas ligações objetivas e subjetivas. A percepção, os sentidos,
os valores humanos, as imagens, as artes e a cultura se tornam novas fontes de leitura
do mundo. E essas novas leituras nos permitem descobrir belezas antes escondidas.
O ponto de vista fenomenológico, em geografia, permitir abrir novos campos de pesquisa, suscitando o interesse pelas percepções, representações, atitudes diante do espaço. Além disso, tornou possível a utilização de novos métodos, demandando recursos para interpretação, descrição, introspecção, ou análise das comunicações. Ele fez aparecer, enfim, novos corpos de informações: os “discursos”, as tradições literárias, filosóficas e religiosas, ou ainda as artes plásticas, são consideradas hoje como portadores de saberes e significações geográficas. (BESSE, 2006, p. 78)
29
A partir de sua renovação, a Geografia Humanista e Cultural proporciona a
oportunidade de ligar duas vertentes de conhecimento até então, pouco exploradas,
a parceria entre ciência e a arte induz a uma forma de conhecimento mais ampla.
Uma geografia cultural renovada procura vencer algumas dessas fraquezas com uma teoria cultural mais forte. Ela ainda consideraria a paisagem como um texto cultural, mas reconhece que os textos tem muitas dimensões, oferecendo a possibilidade de leitura diferentes simultâneas e igualmente validas. (COSGROVER,1998, p. 101)
Diante desse contexto de renovação, na qual a paisagem passa a ser vista
como texto cultural, onde as relações entre sociedade e natureza são vistas e
interpretadas, novas linguagens surgem como possibilidades interpretativas. Para
Besse o conceito de paisagem se destaca por esta ser entendida menos como objeto
e mais “como uma representação, um valor, uma dimensão do discurso e da vida
humana, ou ainda, uma formação cultural” (op. cit, p. 78), sendo dessa forma uma
mediadora entre o homem e o mundo em que vive. As artes, renegadas pelo
positivismo, tornam-se um amplo leque de possibilidades de análise social, dentre elas
a literatura ganha força.
2.2 Espaço e literatura
O uso da literatura como base para análise no seio da ciência geográfica
não é recente, os relatos de viagem, já proporcionavam ao leitor uma primeira visão
da paisagem vista e explorada pelos navegantes. Embora de uso marginal durante
séculos, é somente na década de 1970, com a renovação da geografia humanista e
cultural, que as artes, em especial os textos literários, surgem como fonte para estudos
geográficos tendo o homem no seu centro, tornando-se uma nova possiblidade de
análise geográfica. (BROSSEAU, 2007).
Antes disso, geógrafos como La Blache e Humboldt, já davam os
primeiros passos no campo da literatura e das artes, embora timidamente. “Mas não
se tratava tanto de uma promoção da literatura como um novo campo de pesquisa
30
para a geografia, e sim de testemunhos que conseguiram despertar esse tipo de
interesse” (BROSSEAU, 2007, p.18). Até então, os poucos trabalhos que se
debruçaram sobre a literatura, se detinham a uma utilização instrumental. Sobre esse
trajeto na relação entre Geografia e Literatura, Brosseau (2007) nos mostra o
processo de retomada da literatura enquanto objeto de estudo, a partir de uma
apanhado bibliográfico das principais correntes de pensamento na Geografia
Humanista. A princípio, a retomada da literatura por geógrafos está relacionada ao
processo de renovação da Geografia Humanista e Cultural a partir da década de 1970,
até então, são raros artigos e estudos sobre o tema, que tinha basicamente a literatura
enquanto complemento dos estudos regionais. Diante desse processo e a utilização
de novos métodos de análise, como a fenomenologia, a literatura torna-se fonte para
compreensão dos lugares e apreciação das paisagens.
É com Eric Dardel que observamos o uso concreto da literatura por um
geógrafo como forma de analise geográfica. Em seu livro “O homem e a Terra”,
publicado em 1952, está repleto de trechos literários, como forma de imprimir uma
geograficidade latente, porém pouco explorada pela Geografia. Dardel (2015) possui
um olhar holístico ao falar de Geografia, e de pensar e observar o espaço,
considerando-o não apenas seu aspecto material, mas sua ligação com o homem e
como ambos interagem, estabelecendo assim uma relação de ser-estar-no-mundo –
portanto geograficidade.
Em seu percurso de estudo, Brosseau (2007) traça os passos percorridos
pelos geógrafos diante dessa nova possibilidade que se apresenta. O primeiro trata-
se da literatura vista como complemento de uma geografia regional, na qual “recorrem
frequentemente às fontes literárias para nelas encontrar informações sobre lugares
ou épocas passadas” (p. 22). Nesse processo alguns pontos são trabalhados, como
a leitura literal das paisagens, ou seja, é de interesse saber a veracidade das
informações dada pelo autor, se “ele realmente vive nos lugares que descreve”, e seu
“sentimento de pertencimento” (p.24) que dirá o nível de conhecimento que o autor
tem sobre os lugares retratados. Outro ponto refere-se ao romance enquanto
“testemunho das pessoas ‘reais’ que ele traz para a cena sob a capa da ficção” (p.
25), na qual o romance toma o papel de porta-voz das populações descritas.
31
Ele nos mergulha nas atitudes, nos valores, nos conflitos das pessoas de uma região determinada, face ao seu meio ambiente. O presumido realismo das obras estudadas seria, portanto, um realismo subjetivo coletivo que o romance conseguirá explicar e saberia descrever adequadamente. Isso, evidentemente, evoca a questão da verossimilhança, mas também de representatividade a que uma obra de ficção pode pretender. (BROSSEAU, 2007, p. 25)
O próximo passo dado pelo autor, refere-se à literatura vista enquanto
transcrição da experiência dos lugares, trabalhada de formas distintas pelas escolas.
A geografia humanista anglo-saxã aprecia a “originalidade dos lugares, a carga
subjetiva da qual eles são investidos pela experiência”, propondo uma “ciência dos
lugares para o homem” (Ibidem, p. 29). Na França, o foco se estabelece na noção de
“espaço vivido”. Diante do desafio de desenvolver teses nas quais se buscava
aspectos não quantificáveis, esses estudiosos encontraram nos romances variadas
possibilidades para análise da relação entre o homem e o mundo.
Sob o pretexto de que não cabe necessariamente à pesquisa apresentar informações positivas sobre um lugar preciso (não fazer uma leitura referencial ingênua), a assimilação da literatura como transcrição de um ato de percepção (diferenciado ou não) apenas desloca o preconceito realista. Se admitirmos que é difícil buscar na literatura uma informação positiva sobre os lugares, estaremos dizendo que o romance, ao evocar de maneira eloquente o ressonante interior de uma experiência dos lugares, pode servir para enriquecer as teses sobre identidade espacial, o enraizamento do homem, o sentido que este atribui aos lugares. (BROSSEAU, 2007, p. 31)
Por fim a literatura vista como crítica da realidade ou da ideologia
dominante, que surge como contraponto ao quantitativismo, sendo uma corrente dita
radical. “A literatura pode, assim, servir para se opor ao ‘monopólio da realidade
estabelecida’” (Ibidem, p. 47), adquirindo um papel revolucionário e de cooperação
junto aos movimentos sociais contrários à ideologia dominante.
Olhar as artes e as letras como novas formas de perceber a realidade traz
consigo o que foi renunciado pela ciência durante séculos, assim, olhar o romance
como expressão da realidade surge como uma nova forma de diálogo. Essa relação
entre geografia e literatura não é recente, o que muda é a forma como enxergamos o
texto literário, pois a descrição de lugares tornou-se um dispositivo artístico para
configuração do mundo e daqueles que o habitam. Neste sentido somos consonantes
ao pensamento de Nuñez (2010) ao afirmar que
32
Tecnicamente, o texto literário se compõe da interação de categorias ficcionais (narrador, ponto de vista, tempo, espaço, personagem, recursos estilísticos, estrados imagético etc.), dentre os quais o espaço é um dos mais importantes, sem poder ser, todavia, dissociado dos demais; a abordagem geográfica se centra no espaço e nos lugares que se compreende, focalizando, essencialmente, a análise de seus elementos. (NUÑEZ, 2010, p. 74-75)
O uso de textos literários pela Geografia Cultural, parte do argumento de
que o espaço se apresenta como componente indispensável da narrativa, uma vez
que o romance deve ser contextualizado no espaço-tempo. Podendo o espaço ser
estrutura do real, materializado dentro de uma estrutura social concreta, pela qual se
dará o desenrolar dos acontecimentos, e como espaço simbólico, carregado de signos
e significados (MOREIRA, 2008).
Dardel acredita que o espaço geográfico é formado por diferentes espaços,
“tem um horizonte, uma modelagem, cor, densidade. Ele é sólido, líquido e aéreo,
largo ou estreito: ele limita e resiste” (2015, p. 2). Desta forma enxerga a Terra como
o texto repleto de signos a ser decifrados por nós, geógrafos.
Dessa interpretação feita por um geógrafo, temos acesso quase sem transição para o mundo do romancista em que a feição da Terra se anima com as vibrações coloridas do momento. [...] A escrita tornando-se mais literária, perde clareza, mais ganha em intensidade expressiva, devido ao estremecimento da existência que é dada pela dimensão temporal restaurada. [...] A geografia não implica somente no reconhecimento da realidade em sua materialidade, ela se
conquista como técnica de irrealização1, sobre a própria realidade. (DARDEL,
2015, p. 3-5)
Em “O Homem e a Terra”, Dardel nos apresenta uma Geografia
imaginativa, assim como pensada e idealizada por Wrigth, fruto de uma inquietação e
preocupação de descobrir o mundo, na qual o homem é visto como componente
indissociável do espaço, [...] “a inquietude geográfica precede e sustenta a ciência
objetiva” (DARDEL, 2015, p. 1). O espaço geográfico não é visto somente por sua
1 (Nota do tradutor) Esse termo refere-se a Sartre: “Uma das principais contribuições de Sartre a fenomenologia da imaginação refere-se à definição da consciência imaginante (imageante): para que uma consciência possa imaginar, é necessário que transcenda o mundo e o coloque à distância. A possibilidade de imaginar implica uma ‘irrealização’ (irréalisation) que permite se presentificar (présentifier) uma coisa ou uma pessoa a título de sua ausência. Na sua intenção mesma, a consciência visa o objeto ainda que ausente, ela o ‘nadifica’ (néantise). A partir de um representante analógo (l’analogon), a consciência imaginante irrealiza um objeto, que transforma em imaginário.” (FRANÇOIS NOULDELMANN apud HOLZER, p. 15, 2015)
33
atribuição material, mas como o mundo da existência, no qual se agrupam o
conhecimento, a ação e a efetividade, culminando desse modo, a um mundo vivido,
“o mundo ambiente da existência cotidiana dos homens” (DARDEL apud BESSE,
2015, p. 114).
Trazendo uma reflexão em torno da leitura de espaço e literatura a partir
da imaginário, Almeida nos chama a atenção sobre os lugares vividos que
“são frutos das relações tecidas entre os homens e o meio e os sentimentos de pertencimento; sentimentos que correspondem às práticas e às aspirações, estando estas relações codificadas por signos que lhes dão sentido. Entre os espaços da vida próximos ao distante e apenas imaginado, todos os territórios vividos ou pensados o são através de categorias que refletem situações de experiência relacional de vida. Portanto, pela reconstrução das tramas do imaginário espacial compreende-se como se instalam e desenvolvem os gêneros de vida sobre os territórios e as práticas que resultam destes”. (2003, p.73)
No centro da teoria de Dardel, a geografia é vista não somente enquanto
ciência, mas como um prolongamento da existência humana, pois é a forma como o
Ser experiencia o mundo, ou seja, primeiramente, o mundo “da existência”. Dessa
forma a realidade geográfica de Dardel é experimentada de diferentes formas e em
múltiplas direções, na qual o homem imprime em cada lugar sua particularidade,
sendo o papel da Geografia esclarecer esses signos particulares. As dimensões da
realidade estão distribuídas entre o “espaço material”, o “espaço telúrico”, o “espaço
aquático”, o “espaço aéreo”, e o “espaço construído”.
O espaço geográfico é antes de tudo material, visto em sua imensidão
como um oceano navegável pelo homem a partir de seus sentidos. Realidade
percebida, atribuímos qualidades de distância como forma de impor as coisas ao
nosso alcance, resultando em uma espacialização cotidiana de afastamento e direção.
A distância geográfica não é uma medida objetiva, “é experimentada não como
quantidade, mas como uma qualidade expressa em termos de perto ou longe”
(DARDEL, 2015, p. 10). Como resultado observa-se que afastamento e direção
definem a situação, que para geografia não se situa apenas no plano material, mas
atinge a experiência do homem no mundo, construindo seu espaço vivido. “A
‘situação’ de um homem supõe um ‘espaço’ onde ele ‘se move’; um conjunto de
34
relações e de trocas; direções e distâncias que fixam de algum modo o lugar de sua
existência” (Ibidem, p. 14)
O espaço telúrico é visto por Dardel por suas qualidades de solidez,
profundidade e plasticidade percebidas a partir de uma experiência primitiva. Ao longo
de sua construção histórica o homem teve no telurismo um aliado para afirmar sua
liberdade. O espaço telúrico também é visto enquanto movimentos, que “fazem brotar,
em certa medida, a espessura e a profundidade da matéria terrestre, sua substancia
telúrica” (Ibidem, p.18)
O espaço aquático é o espaço da vida, é a partir dele que o homem se
organizou ao longo de seu desenvolvimento, por isso transmite segurança. Por ser
líquido é um espaço móvel, “a água corrente, porque é movimento da vida, aplaina o
espaço” (Ibidem, p. 20). A atmosfera forma o espaço aéreo, fornecendo à existência
humana seu sentido afetivo apropriado. “Essa geografia atmosférica transmite bem
imagens expressivas da linguagem moral: ‘frieza’ de um olhar, ‘ardor’ ou ‘calor’ de um
discurso, acolhida ‘calorosa’ ou ‘glacial’ etc”. (Ibidem, p, 25).
Por fim o homem encontra o homem, o espaço construído. Fruto de um
conjunto de determinações e amarrações dadas pelo homem, a partir de sua
construção histórica. Apresenta traços distintos como o hábitat, as vias de
comunicação e transporte, as culturas, apresentando espaços diferenciados,
paisagens próprias.
Além de Dardel, daremos ênfase ao pensamento de Yi-Fu Tuan (1983), a
partir de sua obra “Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência”. Como foi ressaltado
anteriormente, Tuan foi um dos geógrafos responsáveis pelo processo de renovação
da Geografia Humanista e Cultural, a partir do resgate de autores como Wright, Dardel
e Sauer. Tuan realiza um diálogo constante entre espaço e lugar, considerando-os
termos familiares que proporcionam ao homem, experiências comuns. Para responder
a pergunta “Que é espaço?” Tuan resgata um pouco da vida do teólogo Paul Tillich, a
partir de seu olhar frente às experiências vividas em sua cidade natal, bem como suas
viagens ao litoral, permitindo uma “sensação de amplidão, de infinito, de espaço sem
limitações” (TUAN, 1983, p. 4). Assim como em Dardel, o espaço de Tuan parte da
experiência do homem frente ao mundo, uma vez que temos o privilégio de acesso ao
estado de espirito, sentimentos e pensamentos.
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Mas como o homem tem a possibilidade de atribuir significado ao espaço e
organizá-lo? Para Tuan, isso torna-se possível pela cultura, uma vez que é
desenvolvida apenas por nós, humanos. “Ela influência intensamente o
comportamento e os valores humanos” (TUAN, 1983, p. 6). Na experiência os
significados de espaço e lugar se fundem, à medida que vivenciamos o espaço e o
dotamos de valor transforma-se em lugar, não podendo ser vistos separados. “A partir
da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da liberdade e da
ameaça do espaço, e vice-versa” (TUAN, 1983, p. 6).
A experiência constitui-se enquanto termo chave para o pensamento de
Tuan, sendo o modo com o qual a pessoa conhece e constrói a realidade, assim fala-
se em espaço experiencial. “A experiência implica a capacidade de aprender a partir
da própria vivência” (TUAN, 1983, p. 10). Para Tuan apud Holzer (1999, p.69), “o
mundo é um campo de relações estruturado a partir da polaridade entre o eu e o outro,
ele é o reino onde a história ocorre, (...) e deste ponto de vista deve ser apropriado
pela Geografia.” Ainda segundo Tuan, juntos, espaço e lugar são a natureza da
geografia, espaço enquanto conjunto complexo de ideias, e lugar o constructo de
nossa experiência do mundo.
Nesta perspectiva Relph apud Holzer (1995, p. 71) faz uma análise de
diferentes tipos de espaço, nos conduzindo aos significados do lugar, dentre eles, o
de espaço existencial ou espaço vivido, sendo este, a união do espaço sagrado com
o espaço geográfico, remetendo assim ao lugar atributos de personalidade e sentido.
A essência do lugar é ser centro das ações, onde se desenvolvem as experiências e
eventos relevantes à existência. A partir disto, o lugar adquire qualidades de
identidade e de estabilidade, uma vez que, vivencio a experiência, estabeleço
relações e alimento emoções. Para atingir esta relação tem-se a necessidade de
estabelecer uma convivência temporal prolongada, ou seja, criar um sentimento de
pertencimento, uma estabilidade.
Tomando por base Bachelard, Ozires Filho (2008), realiza uma análise, ou
melhor, uma topoanálise do espaço em obras literárias, com o objetivo de analisar a
construção de espacialidade contida nos textos literários. Para o autor a topoanálise
se refere ao estudo sobre o espaço com base nas suas diferentes abordagens:
psicológica, sociológica, filosófica etc. “Ela também não se restringe à análise da vida
íntima, mas abrange também a vida social e todas as relações do espaço com a
36
personagem seja no âmbito cultural ou natural” (Ibidem, p. 1). Para ele o espaço
possui funções dentro do texto literário, sendo difícil elencar todas elas, mas destaca
sete principais: 1. Caracterizar as personagens em seu contexto sócio econômico e
psicológico na qual vivem, desta forma, torna possível por exemplo antecipar ações
do personagem; 2. Influenciar as personagens além de sofrer suas ações, neste caso,
o espaço pode determinar a ação do personagem, comum nos romances naturalistas;
3. Propiciar a ação, neste caso o espaço favorece determinada ação do personagem;
4. Situar os personagens geograficamente, na qual o espaço assume uma função
denotativa, porém, importante na arquitetura da obra; 5. Representar os sentidos
vividos pelos personagens, caracterizados por ser espaços casuais, construindo uma
analogia entre o espaço da ação e o sentimento do personagem; 6. Estabelecer
contraste com os personagens, mostrando um espaço indiferente, um espaço
heterólogo; 7. Antecipar a narrativa. Sua metodologia não visa analisar as relações
existentes entre o espaço e personagens, mas de perceber de modo instrumental
como se realiza a construção do espaço nas obras literárias.
Diante da retomada do espaço como conceito primordial para ciência
geográfica a partir do processo de renovação humanista e cultural na década de 1970,
ampliaram-se os estudos que se detinham nas artes enquanto fonte, esses estudiosos
passam a se debruçar sobre a literatura, por que nela se observam aspectos
subjetivos da relação com o mundo.
Tanto a literatura quanto as artes são muito úteis para o geógrafo humanista, como fontes de informação e para melhor compreensão do desenvolvimento ou da aparição de nossa sensibilidade no que diz respeito ao meio ambiente; além disso, elas nos ajudam a colocar ou a confirmar nossas hipóteses de pesquisa (POCOCK, 1984, p. 140, apud BROSSEAU, 2007, p. 30)
Desse modo, a literatura surge como o registro de lugares a partir da
percepção dada pelo autor, como transcrição de uma realidade concreta, sendo a
literatura realista do século XIX a principal fonte de análise. Para Foucault, a
importância dada ao autor literário emerge a partir da Idade Média. “O autor é aquele
que dá à inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de coerência, sua
inserção no real” (1999, p. 28), dada a necessidade de articular suas experiências
vividas. A literatura enquanto fonte é distinta, por permitir ao geógrafo uma visão mais
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ampla da realidade, que passa a ser vista não apenas de forma objetiva, mas também
lê as entrelinhas do subjetivo, pouco valorizado pelo positivismo, como nos aponta
Cosgrover.
Consequentemente, nossa geografia deixa escapar muito do significado contido na paisagem humana, tendendo a reduzi-la a impressão impessoal de forças demográficas e econômicas. A ideia de aplicar à paisagem humana algumas das habilidades interpretativas que dispomos ao estudar um romance, um poema, um filme ou quadro, de trata-la como uma impressão humana intencional composta de muitas camadas de significados, isto é o que proponho explorar, sugerindo maneiras de tratar a geografia como uma humanidade e
como uma ciência social. (COSGROVE, 1998, p. 97)
A respeito de estudos desenvolvidos sobre o tema, Marandola Jr. e Oliveira
identificam diferentes abordagens na qual Geografia e Literatura dialogam. Segundo
os autores o interesse por parte da Geografia na Literatura se justifica pela
espacialidade, implícita ou explícita, existente nas narrativas, ressaltando aos olhos a
veracidade e a realidade contidos nos romances, “daí o texto poder ser considerado
como um entrelaçar as linhas reais e fictícias” (MARANDOLA JR. e OLIVEIRA, 2009,
p.497). Tal interesse amplia-se à medida que mudanças socioespaciais se consolidam
a partir da segunda metade do século XX.
Diante de um novo contexto mundial, observamos que o diálogo entre
Geografia e Literatura tem encontrado campo fértil desde o início do século XXI, como
um reflexo das revoluções tecnológicas e culturais. A expansão tecnológica gera
novas necessidades de produção e comunicação, as distâncias geográficas são
vencidas em tempo e velocidades maiores, os fatos tornam-se imediatos e em muitos
casos efêmeros, exigindo de nós, novas posturas e um novo olhar sobre o que está
acontecendo, além de uma preparação para o porvir.
Ao longo de seu desenvolvimento, a geografia construiu conceitos e
métodos próprios para leitura do espaço, permitindo assim uma interdisciplinaridade
com outras zonas de conhecimento, pois trabalha-se os conceitos de lugar, paisagem,
região, território e espaço a partir de um olhar próprio. Assim, o diálogo com a literatura
tornou-se inevitável, promovendo um enriquecimento das análises socioespaciais.
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Pensar a relação Geografia-Literatura não é apenas aproximar dois campos do conhecimento. Envolve aproximar duas visões de mundo que, enquanto tais, possuem suas especificidades, virtudes e limitações. Uma aproximação simplista reduziria o potencial compreensivo de uma ou de outra. Quer dizer: ler literariamente a Geografia ou ler cientificamente a Literatura, numa transposição de discursos, produziria deformações e reduções, diminuindo assim a riqueza da interação e a sua permeabilidade. (MARNDOLA JR E OLIVEIRA, 2008, p. 488)
A partir desses novos questionamentos, muitos geógrafos humanistas e
culturais se debruçam sobre novos métodos de análises nas ciências humanas
objetivando respostas. Buscando colocar o sujeito no cerne das análises
socioespaciais, a geografia humanista e cultural buscou apoio nos preceitos teóricos
da fenomenologia, promovendo o uso da literatura como fonte de análise do real.
Eles procuram uma concepção de mundo que seja diversa da cartesiana e positivista que tem dominado a ciência nos últimos séculos. Sua pretensão é de relacionar de uma maneira holística o homem e seu ambiente ou, mais genericamente o sujeito e o objeto, fazendo uma ciência fenomenológica que extraia das essências a sua matéria prima. (HOLZER, 1997, p.77)
No Brasil observamos uma maior intensidade de trabalhos na Geografia
que recorrem à dimensão da literatura a partir da análise de romances realistas.
Muitas pesquisas se centram no confronto entre a “experiência dos lugares” dos
escritores com aqueles observados pelos geógrafos. São vários os autores que se
debruçam sobre a história e a geografia para dar forma aos seus romances. Citado
por Marandola Jr. e Oliveira, Araújo nos mostra a importância da literatura brasileira.
A literatura brasileira incorpora em várias de suas obras mais relevantes elementos de interpretação histórica e geográfica do país em formação. Apropriada pela crítica literária, a ideia de “formação” ganha eficácia explicativa em duas direções aparentemente opostas, mas na realidade complementares: a literatura, ao mesmo tempo, é formada e transforma o chão social, cultural, histórico e geográfico sobre o qual nasceu, e que lhe conforma organicidade e sentido. É formada, pois incorpora problemas de seu tempo e de seu espaço; transforma, pois, cria e cimenta identidades locais, regionais e nacionais, impondo-se como representação coletiva que funda práticas e vínculos culturais e sociais. (ARAÚJO, 2002-2003, p. 46, apud MARANDOLA JR. e OLIVEIRA, 2009, p. 492)
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As escolas literárias no Brasil tem um forte papel na formação da identidade
brasileira. Depois se superar a ligação em relação à literatura portuguesa, a discussão
em relação ao desenvolvimento de uma literatura capaz de expor uma identidade
nacional, emerge no fim do século XIX. “O problema da ‘brasilidade’ já não se definia
em termos de Colônia e Metrópole, mas em Regional e Nacional, Particular e Geral”
(ARAGÃO, 2012, p.37). José de Alencar é um dos primeiros a ambicionar uma
literatura nacional, com sua vasta obra de romances coloniais e indígenas. Mas para
Pereira apud Aragão (2012), não podíamos idealizar um único espirito brasileiro, pois
temos que levar em conta as diferentes “realidades brasileiras”, que em seu conjunto
revelam o Brasil.
Outro momento importante se dá pelo movimento modernista da década
de 1920, sendo considerado um marco para as artes nacionais, principalmente, na
literatura, mesmo sendo um movimento autenticamente paulista. O modernismo tinha
como objetivo a busca de uma “identidade nacional” que deveria romper com a
influência europeia. Neste processo, na década seguinte, um grupo de autores inicia
um novo movimento na produção literária brasileira, o regionalismo. Segundo Antonio
Candido (1989) apud Vallerius (2010) o regionalismo está dividido em três fases:
antes de 1930, marcado pelo pitoresco e exótico sem consciência do
subdesenvolvimento; período de 1930 a 1940, regionalismo problemático, no qual
constrói-se uma consciência de subdesenvolvimento, também marcado por forte
influência do romantismo; pós-1940, regionalismo que mostra um consciência
destroçada do subdesenvolvimento.
Em sua dissertação de mestrado intitulada “O regionalismo na literatura
brasileira: o diagnóstico de Antonio Candido”, Marcelo Guadagnin (2007) traça um
panorama da construção e desenvolvimento do regionalismo no Brasil a partir da obra
do crítico literário Antonio Candido. A partir de um leitura cronológica das obras de
Candido, aliadas ao momento histórico brasileiro, Guadagnin analisa a evolução do
posicionamento do crítico frente ao modo com que o regionalismo vem se
desenvolvendo no Brasil, como forma de expressar a formação de uma identidade
nacional. Dentre os estudos desenvolvidos por Candido, está a análise das “variações
sobre a função humanizadora da literatura” (CANDIDO, 2002, p.77 apud
GUADAGNIN, 2007, p.96). O mesmo afirma que todo homem necessita de um pouco
de fantasia, pois através dela o homem se humaniza. Portanto, a literatura possui uma
“função humanizadora”, ou seja, contribui para formação da personalidade do
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indivíduo, adquirindo uma função educativa, resultando em um conhecimento do
mundo e do ser. “O crítico registra que muitas correntes estéticas identificam três elementos
básicos do que é literatura: 1) a literatura é uma forma de conhecimento; 2) uma forma de
expressão; e 3) uma construção de objetos semiologicamente autônomos.” (Ibidem, p. 96)
Torna-se importante ressaltar a importância dos romances de cunho
regional, enquanto obras densamente geográficas, com destaque aos “romances de
1930, que incorporam em suas tramas um realismos a partir das denúncias sociais
expostas. Autores como Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Graciliano
Ramos utilizam fortemente em seus romances aspectos históricos e geográficos.
Na virada do século XX para o XXI, concretiza-se um maior número de
estudos sobre a aproximação entre a Geografia e Literatura, que passaram a produzir
novas orientações sobre o sentido do lugar, significado da paisagem, além do uso de
uma linguagem mais literária por parte dos geógrafos em seus trabalhos
(MARANDOLA JR e OLIVEIRA, 2009)
Este tipo de leitura prenuncia dois aspectos que caracterizam a aproximação Geografia-Literatura no final do século XX e início do XXI. O primeiro é o recurso ao metafórico, a uma linguagem que busca os símbolos e os significados nas formas e signos presentes na obra (discurso) e no próprio espaço (telúrico). O segundo é um esforço, por parte dos geógrafos, de exercitar uma escrita mais solta, mais fluida, incorporando elementos pessoais e “literários” a seus textos. (MARANDOLA JR e OLIVEIRA, 2009, p. 494)
No contexto brasileiro pode-se identificar algumas abordagens e
tendências, referentes à análise literária na Geografia, seja em uma leitura realista
que se aproxima dos romances regionalistas, ou uma leitura mais humanista a partir
de diferentes elementos estéticos e interpretativos. Marandola Jr e Oliveira (2009)
nos apresentam um esboço dos estudos desenvolvidos sobre a relação geografia e
literatura por geógrafos brasileiros pós-1990 (Quadro 1).
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Quadro 1 – Esboço de organização das abordagens de estudo da relação
Geografia-Literatura em trabalhos de geógrafos brasileiros – Pós-1990
Fonte: MARANDOLA JR e OLIVEIRA, 2009, p. 496.
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A partir desse quadro síntese observamos uma evolução nos trabalhos
geográficos sobre o tema, que nos ajudam a pensar nos diversos caminhos que
podemos trilhar na busca por uma análise geográfica direcionada na relação entre o
homem e seu mundo, focando não somente em sua carga realista, mas em seu mar
de signos e símbolos.
A partir do quadro apresentado, observamos que a literatura brasileira, por
sua riqueza de obras e autores, apresenta-nos uma série de possibilidades,
permitindo uma pluralidade de estudos, emergindo dois focos principais de análises:
um primeiro, dedicado a estudos sobre espacialidade (materialidade); e um segundo,
direcionado a uma geograficidade (imaterialidade) (MARANDOLA JR e OLIVEIRA,
2009). Devemos salientar que não existe ainda um método ou metodologia
consolidada no que tange ao tema em questão, prevalecendo construções teóricas
que se adequem a cada pesquisa.
Desse modo, afirmamos que o interesse da geografia pela literatura parte
da espacialidade contida nas tramas, pois todo texto literário situa-se em um espaço-
tempo, seja explícito ou implícito em sus linhas. A geografia debruça-se sobre uma
realidade pensada e imaginada pelo autor para assim trabalhar suas análises.
Levando em consideração o regionalismo brasileiro, considerados romances
densamente espaciais, notamos que o foco não está somente na materialidade dos
objetos espaciais, podendo ser observado um sentido de geograficidade próprio.
Estes podem ser identificados em alguns romances e lidos em algumas análises feitas por literatas que têm se ocupado em investigar o espaço e a Geografia nas obras literárias. Segundo Dimas (1987), há três formas de o espaço aparecer na literatura: (1) de forma tão importante a ponto de alcançar estatuto igual ao dos outros componentes da narrativa; (2) de forma diluída, tendo uma importância secundária; e (3) de forma a se descobrir a funcionalidade e a organicidade gradativamente, haja vista que o escritor conseguiu dissimulá-lo a ponto dele estar harmonizado com os demais elementos narrativos. (MARANDOLA JR e OLIVEIRA, 2009, p. 499)
Podemos enumerar alguns estudos que tem como objeto de análise o
diálogo existente entre Geografia e Literatura, são eles: estudos sobre as obras de
Machado de Assis desenvolvido por Barcelos (2009); análises dos romances de
Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, por Monteiro (1988); estudo de Carvalhal sobre
a obra de Érico Veríssimo (1993) dentre outros. Deste modo, a literatura não está
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alheia à realidade do homem, embora tendo como linguagem a subjetividade do signo,
é sim, mais um modo de representação e interpretação do real.
Na perspectiva da Geografia Cultural, o estudo da estrutura romanesca
ganha força com o intuito de apreender além da paisagem descrita, as relações
afetivas existentes na paisagem, partindo da relação do autor com o lugar e pautado
no vivido de seus personagens. Assim, buscamos desenvolver um trabalho sobre a
interligação entre Geografia e Literatura a partir da ótica da Geografia Cultural
renovada que elege o significado como mote principal de sua temática.
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3 O TEXTO LITERÁRIO E OS ASPECTOS SUBJETIVOS DA PAISAGEM
O texto de uma interpretação geográfica da
paisagem é o meio através do qual
transmitimos seu significado simbólico,
através dos quais re-interpretamos esses
significados.
(COSGROVE, 1998, p. 110)
Elegemos o conceito de paisagem como balizador de nossa pesquisa, por
que acreditamos na sua importância perante à ciência geográfica, principalmente pós-
1970, bem como um conceito que melhor pode explicar e dar respostas para nosso
anseio, ou seja, dialogar com a literatura para entender o sertão de Rachel de Queiroz
em seu romance “O Quinze”.
3.1 A literatura como expressão da paisagem
A paisagem pode ser vista como um conceito polissêmico, muito
incorporado ao senso comum, considerado ser tudo aquilo que a vista alcança, o olhar
pela janela, o contemplar de uma colina, sentir a brisa no rosto, “ela possui formas,
cores, volumes, odores, sons e funções” (PANIZZA, 2014, p. 14). A paisagem também
está incorporada a diferentes áreas do saber, seja na geografia, na história, na
filosofia, na ecologia, na arquitetura, nas artes etc.
A paisagem é um conceito transversal e sua conotação geográfica é inevitável. [...] Paisagem é um conceito polissêmico e de uso popular. Nos meios acadêmicos e científicos sua polissemia, isto é, sua multiplicidade se sentidos, foi entendida durante muito tempo como um problema: um termo impreciso e por isso cômodo, pois cada um o utiliza como quer. A paisagem também era entendida como uma “importante seção da realidade ingenuamente perceptível e não uma ideia sofisticada”. Hoje, novos olhares e novas leituras a reabilitaram. (PANIZZA, 2014, p. 14-15)
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O desenvolvimento do conceito de paisagem, caminha com a construção
da Geografia enquanto ciência, Claval (1999) apud Corrêa (2012) aponta uma
periodização sobre os estudos geográficos sobre a paisagem. O primeiro período se
estende do final do século XIX à década de 1940, caracterizado por uma visão
materialista da paisagem, na qual se analisa suas formas (morfologia) e sua gênese.
No decorrer de seu desenvolvimento enquanto conceito basilar para geografia, a
paisagem, à princípio, estava fortemente influenciada pelo naturalismo. Ainda no
século XIX, Humboldt estabelece as bases para uma sistematização da paisagem.
Era considerado um holista, pois possuía uma visão integradora, que analisava o
mundo a partir da perspectiva de unidade (MOREIRA, 2006). Humboldt enxerga a
paisagem a partir de suas características fitogeográficas, assim, “causaria uma
impressão do observador, que, somada à observação sistemática dos elementos e do
raciocínio lógico, levaria a explicações, baseadas na causalidade das conexões
existentes” (PANIZZA, 2014, p. 24). Seguindo a lógica naturalista, de base cultural,
Ratzel afirma que paisagem e sociedade estão ligadas ao meio pelos recursos
naturais que existem em seu entorno enquanto possibilidade de desenvolvimento do
homem. Desse modo a paisagem pode ser vista e concebida
[...] como um conjunto de formas materiais como campos, caminhos e habitat rural, distribuídas espacialmente e dotadas de funções que as articulam, gerando um quadro integrado e funcional para a vida do grupo que ali vive e que criou, nas sociedades longamente enraizadas, um gênero de vida. (CORRÊA, 2012, p. 29-30)
Com La Blache a ideia de gênero de vida surge partir do pressuposto de
que a natureza determina as ações humanas, a partir das condições que lhe são
oferecidas, aliadas às possibilidades criadas pelo homem. Assim, a paisagem é vista
como resultado da transformação do meio natural pelo homem, ou seja, analisá-la
implica na busca por sua gênese, os processos, agentes e condições bem como suas
formas, seu resultado.
Na década de 1990, na América, uma nova linha de estudos desenvolvida
pela Escola de Berkeley a partir das ideias de Sauer retoma a paisagem enquanto
conceito basilar para a Geografia, na qual afirma ser o resultado da relação entre
cultura como agente e a área natural como meio para sua existência, a partir de uma
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visão supraorgânica de cultura (SAUER, 1998). “Para os teóricos da Escola de
Berkeley, o conceito de paisagem é, ele próprio, um modo especial de compor
estruturas e dar significado a um mundo externo, cuja história tem que ser entendida
em relação à apropriação material da natureza” (COSTA, 2009, p. 50). Quanto a
cultura, é entendida de modo supraorgânico nas ciências humanas principalmente na
primeira metade do século XX, sendo vista enquanto meio no qual a sociedade
transforma aspectos cotidianos da vida material em símbolos, atribuindo-lhes valor.
Ou seja, uma categoria ontológica necessitando ser compreendida, desse modo, “a
cultura ‘em si’, sutilmente teorizada e compreendida como estando ligada a outras ‘esferas’
da atividade humana, é cada vez mais adotada na geografia contemporânea como
explicação para as diferenças materiais que marcam o mundo” (MITCHELL, 2008, p. 83).
Para Mitchell (o. cit.) cultura adquire entre as ciências sociais diferentes
conceituações, contudo, em todos os casos, “é simbólica, ativa, constantemente
sujeita a mudanças e marcada por relações de poder” (Ibidem, p. 81).
Diante do desenvolvimento de seus estudos, Sauer afirma que o papel da
geografia está em estabelecer um sistema crítico que abarque uma fenomenologia da
paisagem de forma a “captar em todo o seu significado e cor a variada cena terrestre”
(1998, p. 22), sendo a paisagem o conceito unidade da geografia. Neste sentido, nos
informa Sauer, que a paisagem não é simplesmente uma cena real, mas é, sobretudo,
uma generalização derivada de observações.
Ela pode ser, portanto, definida como uma área composta por uma associação distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e culturais. Os fatos da geografia são fatos de lugar; sua associação origina o conceito de paisagem. [...] Por definição, a paisagem tem uma identidade que é baseada na constituição reconhecível, limites e relações genéricas com outras paisagens, que constituem um sistema geral. Sua estrutura e função são determinadas por formas integrantes e dependentes. A paisagem é considerada, portanto, em um certo sentido, como tendo uma qualidade orgânica. (SAUER, 1998, p. 23)
O segundo período, compreendido entre 1940 e meados da década 1970,
marcado pelo quantitativísmo, a paisagem perde expressão, emergindo o conceito de
região, com as análises regionais, o que no Brasil marca a criação do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse período baliza à expansão
econômica das grandes empresas, a ideia de desenvolvimento é difundida e na
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Geografia, é seguida por uma “revolução teorética-quantitativa”, também nomeada de
Nova Geografia, “com o uso de modelos matemáticos e questões associadas à
racionalidade capitalista do espaço” (CORRÊA, 1995, p. 30).
Por fim, o terceiro período corresponde ao pós-1970 que se estende até o
presente. Norteado pelo ressurgimento dos conceitos de espaço, paisagem e lugar,
bem como uma forte crítica à Nova Geografia. A crítica ao positivismo faz com que
muitos geógrafos recorram a novos métodos, emergindo uma Geografia Crítica a
partir do materialismo histórico e dialético, que busca analisar a sociedade através de
suas contradições. No caso da Geografia Cultural, recorre-se ao existencialismo e à
fenomenologia como novas possibilidades de análises, passando a enxergar o
homem por meio de sua subjetividade. Para Corrêa (1995), a visão de paisagem do
primeiro período passa a ser alvo de críticas. “A visão simples e, aparentemente, não
problemática foi questionada no que diz respeito a se considerar a cultura, da qual a
paisagem é uma expressão, como homogênea, estática e sem contradições e
conflitos” (Ibidem, p.31), resultando em uma ruptura com o pensamento saueriano.
Diante desse contexto um novo consenso surge, a paisagem não pode ser vista
apenas por suas formas, mas na sua relação com o homem e subjetividade.
Pensar a paisagem enquanto resultado da relação sociedade e natureza,
faz emergir novas propostas de estudos, dentre elas a incorporação do método
fenomenológico nos estudos de Geografia Cultural. Para consolidação desse
processo, autores como Tuan (1961; 1967; 1976), Lowenthal (1961; 1967), Buttimer
(1969), Relph (1970, 1973), Meinig (1971) entre outros, remetem ao início do século
XX e iniciam uma revisão teórica e metodológica na busca de constituir uma ciência
que superasse os parâmetros cartesianos vigentes (HOLZER, 2008). Nesse contexto,
pensar o conceito de paisagem incorpora ideias subjetivas em relação ao homem
diante de seu contexto natural e social.
Uma geografia que fosse ao encontro desses novos valores deveria basear-se em uma “aproximação humanística”, tendo como objeto a apreciação da paisagem enquanto ambiente natural e humanizado, o que contribuiria para a preservação e valorização do ambiente terrestre. (HOLZER, 2008, p.139)
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É importante mencionar que nesse momento os estudos em torno do
conceito da paisagem são retomados por diferentes concepções teóricas, sendo elas:
uma corrente marxista, que propõe sua análise enquanto espetáculo; uma linha
comportamental, que surge na América do Norte e que visa uma Geografia das
representações; e por fim uma Geografia Cultural francesa, que busca na paisagem
sua base, a partir de aspectos do mundo vivido. (HOLZER, 2004)
Cosgrove (1998) traz o contraponto em relação a Sauer, enquanto que este
concentrou-se nas formas visíveis da paisagem, aquele evidencia a necessidade de
rever a paisagem e a cultura enquanto conceitos na geografia. Segundo Cosgrove, a
paisagem está diretamente ligada à geografia humana, a partir da cultura e da ideia
de formas visíveis da superfície terrestre, sendo “uma ‘maneira de ver’, uma maneira
de compor e harmonizar o mundo externo em uma ‘cena’, em uma unidade visual’ (p.
98), enquanto texto cultural, a paisagem possui diferentes dimensões, possibilitando
diferentes leituras. Cosgrove teve forte influência no processo de renovação da
Geografia Cultural, bem como o resgate do conceito de paisagem. A paisagem
geográfica possui uma carga simbólica, imprimindo sua linguagem, símbolos e traços
culturais, tendo o geógrafo o papel de analisar a paisagem a partir da leitura de seu
significado (COSGROVE, 1998).
Em Prospect, Perspectives and the Evolution of Landscape Idea, publicado em 1985, Cosgrove aponta para o fato de que a ideia de paisagem (landscape) no mundo ocidental tem suas origens no Renascimento. A paisagem, segundo Cosgrove, deve ser considerada como “um modo de ver”, associado às transformações econômicas, sociais, políticas, técnicas e artísticas do século XVI e do início do século XVII. A ideia de paisagem que emerge vincula-se à ação prática em um período de transformações na sociedade, envolvendo a apropriação e o controle do espaço, incluindo-se as medições, as representações cartográficas e a pintura, esta última baseada, então, nos avanços da geometria, especialmente da perspectiva linear, que permite representar uma cena, a paisagem, em três dimensões em um plano de duas dimensões. A forma (shape/scape) da terra (land) pode assim ser pictoricamente representada. (CORRÊA, 2011, p. 12)
A leitura da paisagem humana pelos geógrafos, na busca por seu
simbolismo, pode ser realizada em diferentes fontes documentais e, frequentemente,
nos produtos culturais, como pinturas, romances, filmes, poemas, músicas. Segundo
Cosgrove, tais fontes, “podem fornecer uma firme base a respeito dos significados que
lugares e paisagens possuem, expressam e evocam, como fazem fontes
49
convencionais ‘factuais’” (1998, p. 110). Corrêa também aponta a importância política
em torno da paisagem, “constituindo-se em uma ideologia visual” (CORRÊA,2011, p.
12), assim em suas observações identifica dois tipos gerais de paisagens “a primeira é
a 'paisagem da cultura dominante', um dos meios através dos quais o grupo dominante tem seu
poder […], o segundo tipo é constituído pelas 'paisagens alternativas' criadas por grupos não-
dominantes e que por isso apresentam melhor visibilidade'” (CORRÊA, 1995, p. 5-6).
Dardel (2015) aponta uma concepção mais subjetiva sobre paisagem, em
um primeiro momento entende a paisagem como meio natural que está no entorno do
homem, sendo “um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação
interna, uma ‘impressão’, que une todos os elementos” (Ibidem, p. 30). A paisagem é
vista para além de suas formas, se constitui em uma totalidade afetiva, expondo ao
homem suas ligações existenciais com a Terra, “como lugar, base e meio de sua
realização” (Ibidem, p.31), ou se optarmos sua geograficidade.
A paisagem não é círculo fechado, mas um desdobramento. Ela não é verdadeiramente geográfica a não ser pelo fundo, real ou imaginário, que o espaço abre além do olhar. [...] A paisagem é um escape para toda a Terra, uma janela sobre as possibilidades ilimitadas: um horizonte. Não uma linha fixa, mas um movimento, um impulso. (DARDEL, 2015, p.31)
Para Berque (1998) a paisagem é vista erroneamente apenas por seu viés
analítico, sendo negligenciada sua instância primeira, ou seja, “sua existência
enquanto uma relação coletiva (eu diria intersubjetiva) operada pela sociedade que a
produz, reproduz e transforma.” (HOLZER, 2004, p. 57), sua visão permite a
elaboração dos conceitos de paisagem-marca e de paisagem-matriz. Que são
definidas por Berque.
A paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas é também uma matriz, por que participa de esquemas de percepção, de concepção e de ação – ou seja, da cultura – que canalizam, em um certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza e, portanto, a paisagem do seu ecúmeno. E assim, sucessivamente, por infinitos laços de co-determinação. (BERQUE, 1998, p. 84-85)
50
Berque afirma que geografia cultural deve ser entendida enquanto estudo
do sentido que uma sociedade adquire a partir de sua relação com o espaço e com a
natureza, sendo a paisagem sua expressão concreta. Devemos compreendê-la de
dois modos, o primeiro “ela é vista por um olhar, apreendida por uma consciência,
valorizada por uma experiência”, e o segundo, como matriz, pois, em contrapartida,
determina “esse olhar, essa consciência, essa experiência” (1998, p. 86)
Ao realizar uma leitura sobre a paisagem a partir de Humboldt e La Blache,
Besse (2006) afirma que na modernidade a noção de paisagem faz dela uma
representação estética tendo sua origem na arte pictórica. Em linhas gerais é uma
“construção cultural”, não podendo ser confundida com o “ambiente natural, nem com
o território ou o país”, sendo desse modo da “ordem de imagem, seja está imagem
mental, verbal, inscrita sobre uma tela, ou realizada sobre o território ( in visu ou in
situ)” (p. 61). Porém, segundo ele, a paisagem deve ser vista para além da estética,
não se pode desconsiderar outros olhares que são investidas no espaço, existem
“outros universos de significação, a outros conceitos e a outras práticas [...]. Em cada
caso, o território é afetado por qualidades paisagísticas particulares, próprias ao
interesse daquele que o considera” (p. 62). Assim, a paisagem visível conta algo,
sendo manifestação de uma realidade da superfície terrestre, construindo signos, “que
se trata então de aprender a decifrar, a decriptar, num esforço de interpretação que é
um esforço de conhecimento, e que vai, portanto, além da fruição e da emoção. A
ideia é então que há de se ler a paisagem” (p. 64). Assim “a paisagem faz parte da
realização humana, eivada de um significado pleno no seu sentido fenomenológico,
marcada pelas ações e interelações coletivas dos grupos humanos que através da
mediação simbólica irão modificar continuamente o seu entorno” (COSTA, 2009, p.
49).
Denis Cosgrove também está entre os autores que trouxeram uma nova
visão de paisagem no contexto da Geografia Humanista. Para o autor “a geografia
está em todo parte” (1998, p.93), desta forma cabe ao geógrafo o papel de ler essa
paisagem que se apresenta. A geografia durante muito tempo deixou de perceber a
paisagem humana em sua profundidade, acabando por reduzi-las a impressões
demográficas e econômicas, mas com a emergência do processo de renovação da
geografia humana o significado emerge acrescentando a humanidade que faltava na
ciência geográfica. Cosgrove apresenta a paisagem como “uma ‘maneira de ver’, uma
51
maneira de compor e harmonizar o mundo externo em uma ‘cena’, em uma unidade
visual” (Ibidem, p. 98), ou seja, está ligada a um novo modo de vermos o mundo, que
nos é apresentado através de outras formas como em pinturas, poemas, romances e
teatro.
Assim, paisagem é um conceito unicamente valioso para uma geografia efetivamente humana. Ao contrário do conceito de lugar, lembra-nos sobre a nossa posição no esquema da natureza. Ao contrário do meio ambiente ou espaço, lembra-nos que apenas através da consciência e razão humana este esquema é conhecido por nós, e apenas através da técnica podemos participar dela como seres humanos. Ao mesmo tempo, paisagem lembra-nos que a geografia está em toda a parte, que é uma fonte constante de beleza e feiura, de acertos e erros, de alegria e sofrimento, tanto quando é de ganho e perda. (COSGROVE, 1998, p. 100)
O autor nos apresenta uma paisagem cultural, construída a partir da
relação do homem com o seu meio, intermediada pela cultura e os símbolos erguidos,
na qual a paisagem deve ser vista enquanto texto cultural. Vale ressaltar que os textos
oferecem diferentes possibilidades de leitura. Assim, “revelar os significados na
paisagem cultural exige a habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de
maneira auto-consciente e então, re-presentar essa paisagem num nível no qual seus
significados possam ser expostos e refletidos” (COSGROVE, 1998, p. 103). Esse
processo de compreensão dos significados embutidos na paisagem cultural pode ser
realizado através da leitura dos símbolos, ou seja, pela linguagem empregada, uma
vez que “todas as paisagens possuem significados simbólicos” (Ibidem, p.108), pois
são produtos da assimilação e alteração do meio pelo homem.
Diante do contexto de renovação e retomada do conceito de paisagem,
assim como o trato subjetivo da existência humana, novas fontes de análises ganham
espaço na academia. A busca pelas artes e letras, até então negligenciadas pelo
pensamento cientifico para análise da relação entre sociedade e meio, ganha novo
fôlego. Pensar e enxergar a paisagem a partir de obras literárias ganha novas formas
de se relacionar; o olhar geográfico diante de uma trama romanesca demonstra novas
possibilidades, permitindo um diálogo interdisciplinar. Marc Brosseau (2007), um dos
principais estudiosos do tema, afirma que o romance não deve ser visto enquanto
objeto, mais o enxergar como sujeito, que proporcionar a oportunidade de um diálogo,
entre sujeitos (pesquisador-romance).
52
Procurando colocar o sujeito (um pouco abandonado, em favor dos bancos de dados) no centro de seus trabalhos, numerosos geógrafos, evocando mais ou menos direta a fenomenologia, promoveriam a utilização da literatura. Esta podia servir de fonte preciosa, capaz de avaliar a originalidade e a personalidade dos lugares (sense of please) e fornecer exemplos eloquentes
de apreciação pessoal de paisagens. (BROSSEAU, 2007, p. 19-20)
O romance permite realizar diferentes análises pois, a partir do olhar do
escritor, as paisagens podem ser lidas em sua profundidade. Consoante ao que afirma
Brosseau (2007), a literatura é um modo do autor expressar sua visão sobre os
espaços e a paisagem. “O escritor consome experiências, emoções, linguagem,
memória e produz o texto, fruto de um complexo sistema de escolhas determinado
por valores que pressupõem uma ideologia que orienta a produção do discurso em
dado momento” (BASTOS, 1998, p. 57).
É importante citar que dentro do espaço textual, o sujeito pode ocupar
diferentes posições resultando em diferentes representações assim, “indicam as suas
diferentes funções enunciativo-discursivas” (ORLANDI, 1988, p. 76). Orlandi (1988)
considera as seguintes funções enunciativas do sujeito: de locutor, representando o
eu no discurso, a de enunciador, sendo a perspectiva que esse eu constrói, e por fim,
a de autor, “em que o sujeito falante está mais afetado pelo contato com o social e
suas coerções” (Ibidem, p. 77). A função de autor atribuída por Orlandi se baseia no
“princípio de autoria” de Foucault, no qual “o autor é o princípio de agrupamento do
discurso, unidade e origem de suas significações” (apud ORLANDI, 1988, p. 77).
O autor do romance é peça fundamental para a arte literária bem como o
espaço geográfico pois, a partir da leitura que realiza da paisagem, consegue
transmitir significado e assim, estimular e alimentar a imaginação do leitor, além de
expressar mediante o texto posturas e sua visão de mundo. Ele é visto como sujeito
que se constrói historicamente, a partir de sua relação com a linguagem, que acabar
por sofrer transformações ao longo do tempo. Assim, podemos afirmar que ao se
pensar em discurso falamos também em forma-sujeito (PÊCHEUX, 1975 apud
ORLANDI, 1988).
A relação com a linguagem, da forma-sujeito características das nossas formações sociais, é construída da ilusão (ideológica) de que o sujeito é a fonte do que diz quando, na verdade, ele retoma sentidos preexistentes e inscritos em formações discursivas determinadas. (ORLANDI, 1988, p.77)
53
Foucault (1999) entende o autor como um princípio de limitação do
discurso. Na ordem do discurso literário o papel do autor é essencial, sendo lhe exigido
contas do texto escrito, o sentido oculto do que é escrito, que articule seus textos a
sua vida e experiências vividas, tal qual um agrupamento, “como unidade e origem de
suas significações como foco de sua coerência” (1999, p. 26).
Dialogar com áreas até pouco tempo consideradas sem afinidades
demonstra uma necessidade de enxergar o mundo para além de suas formas, bem
como o modo como o homem interage com ele, ou seja, em sua geograficidade. No
conjunto da ciência geográfica estudar o homem em toda sua subjetividade representa
um desafio, uma vez que somos marcados por percepções e representações
individuais, e para vencermos o desafio incorporamos a fenomenologia como guia na
procura por respostas e o conceitos de paisagem enquanto base para análise
espacial.
3.2 O sertão no espaço regionalista brasileiro
Ao longo do processo de organização da literatura nacional, diferentes
correntes de pensamento surgem no Brasil fortemente influenciados pela cultura
europeia. O século XIX marca o fim da relação de dependência da literatura feita no
Brasil em relação a literatura portuguesa com José de Alencar, pioneiro na produção
de uma literatura moderna e na tentativa de criação de uma literatura brasileira, com
suas obras que perpassam temas diversos, – como O Guarani (1857), Iracema(1865)
e Ubirajara (1874) de cunho indianista, romances urbanos como Senhora (1875), e
regionalistas como O Gaúcho (1870) e O Sertanejo (1875) – tenta realizar, através de
sua vasta obra, um retrato do Brasil.
Com a chegada do século XX, emerge uma forte ideia de construção de
uma identidade nacional, reflexo de um novo panorama, pautado em uma
modernidade latente que tem como base o movimento modernista. Diante de um
profundo processo de transformação da imagem brasileira, as artes vão exercer papel
relevante na consolidação de uma identidade genuinamente brasileira, e com a
literatura não será diferente. Para Albuquerque Junior (2011, p. 38) “a identidade
nacional ou regional é uma construção mental, são conceitos sintéticos e abstratos
54
que procuram dar conta de uma generalização intelectual, de uma enorme variedade
de experiências efetivas”
Sobre essa questão, Aragão (2012) defende que antes de buscarmos uma
identidade nacional para literatura, devemos levar em conta as diversas “realidades
brasileiras”, que “somente pelo reconhecimento e valorização das diversas
manifestações culturais do país podemos chegar a uma consciência nacional”
(ARAGÃO, 2012, p. 37). Desse modo, emerge nos vários pontos desse imenso
território, diferentes formas de fazer literário, que para Aragão “os vários retratos
literários de cada ‘Brasil particular’ e as características peculiares da literatura de cada
núcleo cultural formam, quando unidos, um imenso painel, ou seja, a imagem maior
da literatura brasileira”. (2012, p. 42)
Realmente desde a eclosão do romance Brasileiro, na primeira metade do século XIX, surge a certeza de sua importância não só estética, como documentária. Cenários, acontecimentos, problemas, figuras humanas e tipos sociais são arrolados como testemunhas de uma evolução social, política e econômica que marcaria uma marcha definida para afirmação cada vez mais radical do instinto da nacionalidade há uma século preconizada por Machado de Assis. (MONTENGRO, 1983, p. 13-14)
Nesse processo de busca identitária, cresce no bojo do modernismo uma
corrente literária marcada por uma representação regional, sendo denominada de
regionalismo, que, segundo críticos literários, nasce nas últimas décadas do século
XIX, na qual “o homem aparece em conflito ou tragado pela terra” (CAMARGO, 2001,
p. 30). Pautada no sertanismo romântico e adentra até a segunda metade do século
XX, sob influência dos modelos naturalista e realista (VALLERIUS, 2010). Fortemente
criticada pelos modernistas, uma vez que reacende as diferenças regionais do Brasil
entre Norte versus Sul, ou seja, antinacional. Tal divergência surge devido ao
enfraquecimento do modernismo diante das alterações vivenciadas pelo país. No
plano político-social a estrutura da velha república entra em ruina, nas cidades a
produção industrial impulsionada pelo novo capitalismo estimula mudanças no
comportamento do homem, no campo a velha aristocracia agrária assiste a ascensão
da classe burguesa.
Diante desse movimento que nasce no seio da modernização nacional,
novos temas ganham corpo e expressão. Como exemplo podemos destacar o
55
chamado “Romance de 30 no Nordeste” (MONTENEGRO, 1983, p. 13) que traz
consigo uma serie de temas até então pouco trabalhados pela literatura, bem como
apresentando o Norte do país e seus aspectos particulares, como: a seca, o cangaço,
a religiosidade, a exploração do homem pelo homem e o sertão. Diante do contexto,
Montenegro (1983) enfatiza a importância do movimento de renovação literária no
Brasil.
O regionalismo contrariava as pretensões a uma “brasilidade programática” e homogeneizadora por parte dos modernistas. A uma literatura “localista”, “rural”, “limitada”, centrada no “pitoresco” e na “artificialidade da linguagem”, opunha-se, então, o vanguardismo dos anos vinte. [...] Desse modo, o regional torna-se incompatível com o universal; o rural, incompatível com o urbano. (VALLERIUS, 2010, p. 64)
Sobre à crítica a escola regionalista, Vicentini (1998) realiza uma análise
sobre a relação existente entre o sertão e nossa literatura em artigo publicado no ano
de 1998, intitulado “O sertão e a literatura”. O sertão, enquanto paisagem natural e
social emerge como personagem dessa nova forma de literatura. Segundo Vicentini a
temática sobre o sertão se insere em uma corrente literária intitulada literatura
sertanista ou literatura sertaneja que se incorpora a corrente regionalista.
A discussão sobre o sertão se inscreve como tema polêmico, com
dificuldades de aceitação por parte da crítica, principalmente por aqueles defensores
de uma identidade brasileira pautada por uma cultura sulista, influenciada
principalmente por São Paulo. Albuquerque Junior (2011), observando como se
efetivou a construção da imagem de sertão e, consequentemente de Nordeste ao
longo da história brasileira, afirma que tal visão contrária ao norte resultou em uma
invenção do Nordeste. Pautada no exótico e pitoresco, o Nordeste é visto enquanto
região marcada pela pobreza, ignorância, misticismo, modo de falar peculiar,
construindo uma imagem estereotipada a partir de um discurso regionalista. Ainda
com Albuquerque Junior, esse processo se deu a partir de condições favoráveis, ou
seja.
A invenção do Nordeste, a partir da reelaboração das imagens e enunciados que construíram o antigo Norte, feita por um novo discurso regionalista, e como resultado de uma série de práticas regionalistas, só foi possível com a crise do paradigma naturalista e dos padrões tradicionais de sociabilidade que possibilitaram a emergência de um novo olhar em relação ao espaço, um nova
56
sensibilidade social em relação a nação, trazendo a necessidade de se pensar em questões como a identidade nacional, trazendo, ainda, a necessidade de se pensar uma cultura nacional, capaz de incorporar os diferentes espaços do país. (2011, p, 52)
Retomando a relação sertão e literatura, Vicentini (1998) aponta algumas
polêmicas para o estudo. O estereótipo construído em torno do sertão, neste caso na
literatura, se refere a um determinado espaço geográfico, a uma paisagem especifica
e socialmente delimitada, “ao sertão, ao Centro-Norte e Nordeste, e aos pampas do
Sul”. (VICENTINI, 1998, p. 41-42). Ampliando a escala, Almeida (2003) se refere aos
“sertões nordestinos”, que abrange o norte de Minas Gerais e a área central dos
estados nordestinos, bem como Piauí, e o “sertão brasileiro”, sendo parte dos estados
de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Outro ponto está na diferença existente entre escritor e o mundo sertanejo,
ou seja, o sertão é exposto pelo escritor citadino se fingindo de sertanejo, como dito
também por Almeida (2003), o sertão visto pelos “de fora”, em que viajantes e
cronistas dedicavam sua escrita com o objetivo de “saciar a curiosidade de outros e
ensinar o que havia no Brasil” (p.72), sendo alguns deles responsáveis pelo primeiro
olhar em relação ao sertão, estabelecendo modos de apreender a paisagem, até
então desconhecida.
Esse comportamento é fruto da forma como o sertão foi construído no
imaginário social, reflexo do processo de colonização, a começar pelo origem da
palavra sertão. “De fonte etimológica duvidosa, a crença geral é de que essa palavra
foi uma invenção dos portugueses para definir ‘desertão’ africano, por onde se
aventuravam antes das navegações. O termo seria então uma corruptela de grande
deserto” (ALMEIDA, 2003, p. 74). Fazendo referência à Amado (1995) em seu
trabalho de mestrado, Leitão Junior (2012)2 argumenta que desde os século XII sertão
é utilizado para designar regiões distantes da capital portuguesa, e a partir do século
XV passou a se referir a espaços vazios, interiores, das novas terres conquistadas.
Durante o período marcado pela expansão ao interior do Brasil o termo foi
absorvido, sendo usado para designar as terras a serem descobertas, sendo assim,
2 LEITÃO JUNIOR, Artur Monteiro. As imagens do sertão na literatura nacional: o projeto da
modernização na formação territorial brasileira a partir dos romances regionalistas da geração de 30. Dissertação defendida em 2012.
57
“uma forma de nomear o desconhecido, expressando o pensamento do europeu sobre
o novo continente” (Ibidem, p. 75), reforçando um significado hierarquizado,
representando o ponto de vista do europeu, associando a deserto, lugar pouco
povoado, terra inóspita, passível de ser conquistada. Com o olha “de fora” a
exterioridade é o ponto que melhor ressalta um simbolismo com que vemos o mundo
sertanejo, também representação da colonização, “o nosso imaginário quase nunca
pergunta pelo que vai na cabeça do sertanejo; mas o distingue prontamente nos seus
traços característicos” (VICENTINI, 1998, p. 48). Sobre a visão a respeito do sertão,
Leitão Junior (2012) assevera.
Destarte, para além das áreas despovoadas da hinterlândia, duas outras conotações mostraram-se possíveis, desde o século XIX, para a compreensão reduzida e simplificada de “sertão”, no Brasil: na primeira concepção, próxima ao uso atual, os espaços sertanejos são associados ao semiárido do atual Nordeste brasileiro; na outra, também usual nos autores contemporâneos, associa-se o “sertão” a um padrão específico de atividades econômicas e modos de organização social, aproximando-o à “civilização do couro” (LEITÃO JUNIOR, 2012, p. 85)
Trazendo o contra-ponto, Almeida fala do sertão dos “de dentro”,
representando o lugar, “espaço de experiência e vivência do sertanejo” (2003, p.72),
ou seja, o espaço vivido, no qual estão representados os diversos sertões construídos
pelos sertanejos através de suas relações sociais que se realizam a partir do vivido e
dos processos de percepção. Com base em Almeida, consideramos Rachel de
Queiroz uma “de dentro”, que escreve e falar sobre o seu lugar, o sertão no qual se
criou e nunca esqueceu, sempre ressaltando sua identidade sertaneja. Outro ponto
que deve ser ressaltado quando se trata de sertão é a oposição existente em relação
ao litoral, no qual, o litoral transformado em cidade e capital do Império, da República,
ou do Estado, “e que de fato sempre recebe o que vem de fora, acaba por ser tornar
impuro, artificial, inautêntico [...]. Só o sertão restou puro. Ser nacional está no ser tão
nacional [...]” (VICENTINI, 1998, p.51). Diante dos vários olhares sobre o sertão
Oliveira (1998) afirma que as definições de sertão
fazem referência a traços geográficos, demográficos e culturais: região agreste, semi-árida, longe do litoral, distante de povoações ou de terras cultivadas, pouco povoada e onde predominam tradições e costumes antigos. Lugar
58
inóspito, desconhecido, que proporciona uma vida difícil, mas habitado por pessoas fortes. A força de seu habitante aparece relacionada à capacidade de interagir com a natureza múltipla. O cabra – o cangaceiro – aparece como a encarnação do herói sertanejo. Para além destes atributos, aparece no imaginário social a idéia de que não há um sertão mas muitos sertões e que o sertão pode e deve ser tomado como metáfora do Brasil. (OLIVEIRA, 1998, p.196-7 apud LEITÃO JUNIOR, 2012, p.89).
Vale salientar que falar de sertão é um ponto específico de alguns autores
regionalistas, desse modo, tem-se que ter em mente a exposição do conceito de
região, sendo apreendido enquanto mundo elaborado, que enfatiza “espaços físicos,
história, usos, costumes, imaginários específicos e regimes interpessoais (exótico ou não),
coberto pela experiência no sentido benjaminiano do termo, cujo conteúdo só se resolve
num poema ou narrativa, ambos fictícios” (VICENTINI, 2007, p. 187).
Ou seja, de fato, a literatura regionalista trabalha sempre a um passo da estereotipia da paisagem, da personagem e da ação, da reprodução da linguagem, seguindo de perto um imaginário que se encontra pronto – matéria feita, elaborada pela realidade na sua concretude física e pela história e pelo apelo social nos seus valores. Caso contrário, não consegue se identificar como região, ou como sertão. (VICENTINI, 1998, p, 42)
Iná de Castro em seu livro “O mito da necessidade” (1992), discorre a
respeito do discurso apreendido em torno do regionalismo nordestino, tendo como
ponto de partida a análise do conceito de região. O espaço geográfico é constructo
das relações entre sociedade e natureza, resultando em uma heterogeneidade. Nesse
contexto surge a necessidade de se ler suas subdivisões, que se impõem mediante a
categoria de escala, “a noção de fração do espaço dentro do espaço total” (CASTRO,
1992, p. 30). Desde modo, a região se concentra no nível de análise do território,
representando o fator social a partir do local onde ele ocorre. “A região, portanto, é
escala sócioespacial, que possui uma especificidade funcional, definida nos
processos sociais, que condiciona e são condicionados por espaços diferenciados”
(Ibidem, p. 30). De forma mais abrangente, fruto de sua herança positivista e da leitura
empírica da terra, tem-se a noção de “diferenciação de áreas”.
Outro dado importante ao conceito de região é a construção de uma
identidade territorial, pois o espaço é antes de tudo morada do homem, na qual acaba
por estabelecer laços necessários a sua reprodução. “Como o espaço é produzido
59
pela sociedade, a região é o espaço da sociedade local, em interação com a
sociedade global, porém configurando-se de forma diferenciada” (Ibidem, p. 32).
Desse modo a identidade se forma em duas perspectivas, uma primeira individual, a
partir do imediato e individual, que podemos chamar de topofilia3 (TUAN,2012), e um
segundo, estruturado a partir do coletivo, que se caracteriza por um espaço mais
amplo, acedendo a uma identidade em escala maior. Sobre a região, Castro (1992)
complementa.
A região é, portanto concreta, observável e delimitável. Como qualquer segmento de espaço, a região é dinâmica, historicamente construída, e interage com o todo social e territorial. Portanto, suas características internas são determinadas e determinantes desta interação.
.............................................................................................................................
[...], possui uma dimensão territorial e uma dimensão social que interagem e configuram uma escala particular do espaço. Em outras palavras, a região é o espaço vivido, ou seja, espaço das relações sociais mais imediatas e da identidade cultural. (p. 33)
Desse modo, o sertão, trabalhado por nós e tão bem quisto por Rachel de
Queiroz, como paisagem se caracteriza por uma formação geoambiental típica do
Nordeste, sendo percebida por um conjunto de características próprias (relevo – clima
– vegetação). Denominada de depressão sertaneja semiárida, os grandes sertões,
chamado por Ab’Saber de Nordeste seco, possuem cerca de 700km², habitados por
uma população que mantém “uma relação telúrica com a rusticidade física e ecologia
dos sertões sob uma estruturação agraria particularmente perversa” (1999, p.7),
sendo a região semiárida mais povoada do globo.
Destaca-se por uma formação de relevo marcado por depressões
interplánaticas, situadas entre planaltos sedimentares ou cristalinos, com terras
situadas abaixo do nível de 400m de altura, com grande diversidade de solos, sendo
comum a existência de solos rasos, afloramentos rochosos e pedregosos (Figura 1).
O clima predominante é o semiárido, caracterizado por inverno seco e quase sem
chuva, com duração de cinco a oito meses, e verão chuvoso, com quatro a sete meses
de precipitações pluviais, ficando sujeitos a períodos de secas, convertendo-se em
3 “Topofilia é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. Difuso como conceito, vivido e
concreto como experiência pessoal.” (TUAN, 2012, p. 19)
60
problemas socioeconômicos. Devido à predominância de rochas cristalinas, existe
grande quantidade de rios e riachos com escoamento intermitente e sazonal. Quanto
à formação dos solos, essencial pra produção agrícola, nas regiões sertanejas os
solos possuem pouca espessura, como frequentes afloramentos rochosos e chãos
pedregosos, caracterizando o ambiente típico do semiárido das caatingas (Figura 2).
(LIMA; SOUZA; MORAIS, 2007) E para finalizar, Ab’Saber descreve sua formação
vegetal.
Completa o quadro um revestimento baixo de vegetação – arbustivo arbórea, ou arbóreo-arbustiva, e, muito raramente, arbórea, comportando folhas miúdas e hastes espinhentas, adaptadas para conter os efeitos de uma evapotranspiração muito intensa. Vegetação quase totalmente caducifólia – cinza-calcinada nos meses secos, exuberantemente verde nos chuvosos – com algumas intrusões de pleno xerofitismo, representado por diversas espécies ou comunidades de cactáceas: mandacarus, coroas-de-frade, facheiros, xique-xiques e outros cardos alastrantes. Uma flora constituída por espécies dotadas de longa história de adaptação ao calor e à secura incapaz de restaurar-se, sob o mesmo padrão de agrupamento, após escarificações mecânicas de seu suporte edáfico. As capoeiras de caatingas – os marmeleiros, mofumbos e juremais – atestam as dificuldades de retorno da vegetação original, enquanto as áreas de empréstimo de terra usadas para a construção de estradas comprovam a rapidez de alastramento do xerofitismo e a irreversibilidade das condições dominantes, a partir desse tipo de degradação. (1999, p. 11)
Figura 1 – Depressão sertaneja, município de Quixadá, Ceará
Fonte: Elaborado pelo autor, 2009.
61
Figura 2 – Vegetação de Caatinga, município de Quixadá, Ceará
Fonte: Elaborado pelo autor, 2009.
Os sertões se concentram na maior parte do território da região Nordeste.
Vale lembrar que a divisão regional do Brasil, como conhecemos hoje (Norte, Sul,
Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste) se concretiza somente na segunda metade do
século XX, pois até então os estados eram denominados genericamente entre Norte
e Sul. Em relação a elaboração de escritos e estudos, a Região Nordeste tem recebido
maior atenção ao longo do século XX, embora sua situação em relação ao seu
desenvolvimento não tenha recebido igual atenção. Os estudos em torno da região
nordestina estão relacionados a uma “questão do Nordeste” enquanto problemática a
ser discutida. Historicamente o Nordeste é visto enquanto região problema, por sua
condição de dependência em relação ao Sul do país, por sua pobreza populacional,
por sua produção agrícola insuficiente, baixo nível industrial e pelo domínio de uma
oligarquia agrária. Segundo Castro (1992) podemos analisar três abordagens em
relação à questão do Nordeste, a primeira refere-se à seca e às reinvindicações de
obras ou recursos para combate-la. Neste sentido, “tratava-se de um pedaço do país
pouco aquinhoado pela natureza. A culpa da miséria era dos céus e não dos homens”
(Ibidem, p. 59). A política é vista como outra abordagem, onde o Nordeste é o espaço
dos “coronéis”, da oligarquia latifundiária, marcada por eleições fraudulentas, além de
62
forte disputa pelo poder político. E por fim o Nordeste do açúcar, marco inicial da
colonização brasileira, o qual projeta uma imagem de berço da cultura brasileira na
qual reivindica seu papel.
Diante do exposto, percebemos que toda narrativa é primeiramente
temporalidade que se espacializa, lugar no qual se realiza acontecimentos que
intermediam a relação entre personagens. Analisando o romance “O Quinze”,
observamos que o espaço é o sertão do Ceará. Aliado ao espaço-tempo se corporifica
um discurso narrativo que cria uma representação possível de mundo, ou seja, acaba
por criar uma representação que expressa um imaginário e uma mentalidade, visão
de mundo ou ideologia.
Por expor um imaginário4 intrínseco, os romances e autores regionalistas
foram duramente criticados em sua primeira fase, devido, sobretudo, à forte influência
do romantismo, marcado pelas particularidades de determinada região brasileira, em
grande medida pelo sertão do Nordeste. “Portanto, região, em literatura, tem sido
região nos seus aspectos físico, geográfico, antropológico, psicológico etc.,
subsumidos na história relatada (a temporalidade), seja ela dominantemente política,
econômica, social e cultural” (VICENTINI, 2007, p. 188). Novamente assevera Castro
(1992).
O discurso regional foi identificado como instrumento ideológico do regionalismo e utilizado como recurso de dominação das elites regionais.
.............................................................................................................................
Portanto, uma região pensada apenas política ou economicamente torna-se fluída e conceitualmente pode desaparecer, porém a sua realidade espacial permanece, apesar de o instrumento teórico indicar o contrário. (p. 67 e 68)
Com o início do século XX, mais especificamente a década de 1930, um
novo regionalismo surge, resultado das mudanças ocorridas no Estado, no qual as
pequenas espacialidades perdem espaço em detrimento de uma visão de Brasil
4 “Pelinser e Arendt (2009) evidenciam que a literatura é um processo de identificação de determinada
sociedade por meio de representações simbólicas presentes na história, que moldam cultura e passam a ser por elas moldadas. De posse desses elementos, ela vai construindo seu imaginário numa relação inter e transdisciplinar, dialogando com outras áreas do conhecimento humano e extrapolando o simples deleite, pois leva o leitor a transcender da ficção para a reflexão”. (SICSÚ, 2014, p. 129)
63
integrado. O “Romance de 30” surge a partir de um referente especifico, a realidade
da região nordestina, marcando a transformação da literatura regionalista em
“literatura nacional” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2011).
A emergência da análise sociológica do homem brasileiro, como uma necessidade urgente, colocada pela formação discursiva nacional-popular, dá ao romance nordestino o estatuto de uma literatura preocupada com a nação e com o seu povo, mestiço, pobre, inculto e primitivo em suas manifestações sociais. A literatura passa a ser vista como destinada a oferecer sentido às várias realidades do país; a desvendar a essência do Brasil real.
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2011, p. 123)
O “Romance de 30” é fruto de uma sociedade moderna e mais complexa,
dessa forma os escritores passam a incorporar em seus romances uma necessidade
de entender a nação e seu povo, “emerge preocupado em conhecer e definir vários
tipos humanos e as características sociais que compunham a nação”
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2011, p. 126) entrelaçando os pontos de vista sociológico
e psicológico. Tem por objetivo expor as várias realidades do Nordeste, e mostrar um
outro olhar do homem do sertão, que “deixa de ser visto como um ser exótico e pitoresco,
[...], e passa a ser abordado na sua construção sociológica e psicológica, denotando seu
pertencimento a um todo social e não mais um ser estranho, apartado da realidade as
civilização”. (Ibidem, p. 127)
Nesse processo de transformações, inquietações surgem no meio literário
alimentados pelo senso crítico dos autores “os escritores de 1930 já não precisavam
mais brigar pela imposição da linguagem coloquial, instrumento de que se valeram
para valorizar tematicamente o conflito entre os velhos padrões de vida e o
aparecimento de novas ideias liberais” (TELES, 1983, p. 46). Diante desses aspectos
é importante citar a existência de uma geração de escritores ideologicamente críticos
e com discursos direcionados para os problemas políticos e sociais de seus Estados
de origem: José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Jorge de Lima, Graciliano
Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, não deixando de mencionar Gilberto
Freyre, que mesmo não sendo ficcionista foi importante na consolidação de um
regionalismo, a partir de seu “Manifesto regionalista”, publicado em 1926.
Na visão de Albuquerque Junior (2011), o espaço (meio natural) se
“desnaturaliza”, devido ao avanço tecnológico dos meios de transporte e
64
comunicação, a cidade ascende em seu papel, ganha cada vez mais expressão e
tamanho. Porém, outro ponto convergente nesse processo é a necessidade de
mudança dos saberes, a emergência de uma nova forma discursiva, um novo modo
de olhar e um novo objeto a ser visto.
A emergência da forma discursiva nacional-popular, a partir dos anos vinte, provoca o surgimento de uma consciência regional generalizada, difusa no espaço, que consegue ir se ligando às várias existências individuais, mas principalmente à própria vida coletiva. No entanto, essa forma discursiva reservava para o recorte regional uma posição subordinada, quando não desarmônica. (Ibidem, p. 61)
Assim, vêm à tona os conflitos em torno da construção de um discurso
nacional, uma vez que se pensava em uma conceituação homogênia de nação, uma
identidade para o Brasil, que eliminasse as diferenças. Porém, o que se observa são
realidades diferenciadas cada vez mais visíveis, “determinadas práticas
diferenciadoras dos diversos espaços são trazidas á luz, para dar materialidade a
cada região “. (Idem.). Para o autor a imagem da região precisa ser reconstruída, se
opondo a visão moderna, sendo o discurso regionalista não somente um discurso
ideológico, mas que tem por objetivo instituir uma imagem regional. “Nesse discurso, o
espaço surge como uma dimensão subjetiva, como uma dobra do sujeito, como produto
da subjetivação de sensações, de imagens e textos por inúmeros sujeitos dispersos no
social”. (Ibidem, p. 62). Diante desse contexto a década de 1930 se torna marco de
transformações culturais, políticas e sociais. No âmbito da literatura regionalista Teles
estabelecer uma cronologia.
Para não ficar exagerando a denominação e usá-la até para romances da atualidade, cremos que ela deva abranger os romances que se situam, no Nordeste, entre os anos que vão da publicação de A Bagaceira, em 1928, à publicação de Seara Vermelha, em 1946. Nesses anos se verificam alguns acontecimentos capitais para a compressão da ideologia e da literatura que se produziu. (TELES, 1983, p. 46)
Para Almeida (1980) a produção literária da década de 1930 marca uma
nova fase, particularmente rica no âmbito de uma produção ficcional no Brasil, tendo
como destaque escritos do Nordeste, que para muitos associa-se o “Romance de 30”
65
ao romance nordestino. “Em linhas gerais, essa nova ficção representa, tanto na
técnica como na temática, uma nítida retomada da tradição realista, herdada do século
XIX” (ALMEIDA, 1980, p. 176). Segundo Teles (1983), os romances que se situam na
geração de 1930 transcorrem entre as temáticas: “literatura das secas, ciclo da cana-
de-açúcar, do cacau, romance de testemunho” (p. 45). Essa nova fase marca também
uma nova postura dos escritores diante da realidade, produções voltadas para as
denuncias políticas e sociais, tornando-se a forma narrativa predominante, sem
“ignorar uma importante tendência de natureza psicológica e existencial”, além de uma
“descentralização da produção literária” (Idem).
A literatura recupera aqui a sua sociabilidade e o mundo do homem nordestino, carente e desvinculado, mas obstinadamente incrustado em sua moldura ecológica, procura vencer imperativos técnicos, econômicos e sociais, institucionalizados a sua revelia. Sua linguagem desce ao fundamento do real para, no exercício de uma realismo aberto, enfrentar as exigências e as limitações do circuito comercial que o tenta dominar (MONTEIRO, 1983, p. 14)
Com o objetivo de analisar o modo com o qual a imagem de sertão e de
Nordeste vem se construindo na literatura brasileira, escolhemos o romance “O
Quinze”, publicado originalmente em 1930. Por sua postura realista diante da temática
por ela abordada – vivência social diante da problemática da seca de 1915, que dá
título à obra – Rachel de Queiroz se destaca no âmbito da literatura nacional, e logo
se incorpora à escola regionalista, compondo o grupo de autores da geração de 1930,
mais especificamente a vertente intitulada “Romance de 30”. Em “O Quinze” o sertão
se faz central, deixando de ser apenas o cenário para o desenrolar da trama, para se
destacar enquanto personagem que dialoga com os demais, determinando o
enquadramento de Queiroz na corrente sertaneja.
Observamos que o sertão é visto de modo diferenciado no escopo da literatura
regionalista, em um primeiro momento, visto meramente por suas características
diferenciadas na visão daqueles que vivem no litoral, mas que ganha força e voz através
das linhas de escritores que o enxergam por dentro, assim como fez Rachel de Queiroz.
Em seu romance de estreia, Queiroz, mesmo residindo na cidade, nos apresenta sua
relação íntima com o sertão, reflexo de suas origens e raízes fincadas no município de
Quixadá, do interior do Ceará. Filha da terra, a autora nos proporciona um sertão marcado
pela estiagem prolongada, com uma paisagem aparentemente seca e pobre, porém, no
66
seu íntimo é regida por uma força mítica, um modo de pensar e agir do homem religado ao
seu meio, sua terra, que constrói em seu cotidiano uma geograficidade.
3.3 O cenário: a seca de 1915 como fio narrativo do romance “O Quinze”
O tema sobre a seca é recorrente nos romances considerados
regionalistas, seja na fase realista-naturalista, seja na modernista, pós-1920. Nesse
contexto a seca é retratada como fenômeno natural que acaba por resultar em
problemas humanos e sociais, sendo acrescentado outras temáticas coadjuvantes
como o banditismo e a religiosidade. Conforme nos aponta Landim (2005) a temática
da seca se inicia com José de Alencar em “O Sertanejo” de 1875, mas o ciclo
regionalista rico em material sociológico se inicia com José do Patrocínio com seu
romance “Os Retirantes” de 1879, tornando-se relevante para o estudo dos aspectos
sociais do Nordeste, de grande valor documental. Embora muitos críticos afirmem que
somente com o modernismo as questões socais emergem no regionalismo, Landim
defende o romance de Patrocínio por já apresentar a realidade do cenário político e
social da região, além de associar a seca ao cangaço e o misticismo, bem como o
drama dos flagelados da seca de 1877.
A seca não é um fenômeno recente na história do Brasil. No ínicio do século
XX, Rodolfo Teófilo já realizava um panorama sobre a seca, afirmando que “o Ceará
é uma terra condenada mais pela tirania dos governos do que pela inclemência da
natureza” (1980, p. 31), confirmando o que há muito tempo sabemos, que a
problemática da seca no nordeste está ligada à falta de políticas públicas voltadas à
adaptação do povo as vicissitudes da região, marcada por seu clima semiárido.
Em seu livro “Vida e morte no sertão” (2000) Marco Antonio Villa resgata
os registros das secas vividas ao norte da colônia portuguesa, demonstrando a partir
de registros históricos a problemática vivenciada pelos sertanejos e a omissão do
Estado diante de tamanho flagelo. A partir do quadro 2, observamos que o fenômeno
da seca se caracteriza em um processo recorrente na região nordestina, fazendo parte
da cultura e imaginário do povo sertanejo. Os primeiros registros sobre as secas são
encontrados em documentos de Portugal do início do período colonial, tendo como
67
primeiro registo uma menção feita pelo padre Antonio Pires, datada de 15525. A partir
desse fato podemos compreender os deslocamentos realizados pelos indígenas antes
da colonização, justificadas por períodos de estiagem e disputa por terras ricas em
recursos hídricos.
Quadro 2 – Histórico de secas no Nordeste
Anos de estiagem
Duração das secas (em anos)
Anos de estiagem
Duração das secas (em anos)
Anos de estiagem
Duração das secas (em anos)
Século XIX 1888-1889 2 1966 1
1803-1804 2 1898 1 1970 1
1808-1810 3 Século XX 1976 1
1814 1 1900 1 1979-1983 5
1817 1 1903-1904 2 1990 1
1824-1825 2 1915 1 1992-1993 2
1833 1 1919 1 1997-1998 1
1844-1846 3 1931-1932 2 Século XXI
1860 1 1942 1 2002-2003 2
1869 1 1951-1953 2 2012-2016* 5
1877-1879 3 1958 1
* Acrescentamos os anos de 2014, 2015 e 2016. O estudo original faz registro somente até 2013. Fonte: Jornal O Povo. (Disponível em, http://especiais.opovo.com.br/app/osquinzes/capitulo2/2015/08/25/osquinzesnoticia,262/multiplicador-de-rebanho.shtml, acesso em novembro de 2015. (Adaptado)
No início da colonização o domínio de Portugal restringia-se à faixa
litorânea, somente no século XVII, devido às várias incursões holandesas bem como
a produção de gado extensivo que dará início de forma mais efetiva a ocupação do
interior, do sertão. A sobrevivência no primeiro momento da ocupação é dura e difícil,
e foi realizada em grande parte por escravos ou prepostos.
Carne e leite havia em abundância, mas isso apenas. A farinha, único alimento em que o povo tem confiança, faltou-lhes a princípio por julgarem impropria a terra à plantação da mandioca, não por defeito do solo, mas pela falta de chuva na maior porte do ano. O milho, a não ser verde, afugentava pelo penoso do preparo naqueles distritos estranhos ao uso do monjolo. As frutas mais silvestres, as qualidades de mel menos saborosa eram devoradas com avidez. (ABREU, 1976, p. 126-127 apud VILLA, 2000, p. 18)
5 “Em Pernambuco havia quatro ou cinco anos que não chovia” (PIRES apud VILLA, 2000, p. 17)
68
Desde o princípio da ocupação no território brasileiro a problemática da
seca é tratada com descaso pelo poder central. Os diversos períodos de estiagem
vividos na parte norte do Brasil demostra uma constância do fenômeno natural.
Durante o século XVII a região vivenciou seis grandes secas, que atingiram
principalmente os estados hoje, da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, sendo
marcadas por conflitos de terras entre colonizador e indígenas (VILLA, 2000). Durante
o século XVIII, foram registradas sete grandes secas como consequências mais
drásticas devido ao aumento da população na região motivada pela pecuária.
As sucessivas secas enfraqueceram o processo de ocupação do sertão. Os anos de bons invernos acabaram permitindo um renascimento agropastoril, o crescimento das cidades, o aumento do comércio e certa prosperidade econômica. Diversas vezes, nos períodos mais intensos de uma seca, comunidades indígenas foram obrigadas a se vender para os conquistadores em troca simplesmente de comida. [...] Assim, a chegada de uma seca encontrava o sertão absolutamente despreparado para resistir aos seus efeitos: a história acabava se repetindo, somente aumentando as proporções da tragédia devido ao crescimento populacional. (VILLA, 2000, p. 21)
É somente no período regencial que pela primeira vez se aprova verba
oriunda do poder central para o enfrentamento da seca. Segundo Villa (2000), essa
mudança no trato em relação a seca se deve ao novo bloco político que ascende ao
poder, após a abdicação de D. Pedro I, tendo forte apoio de políticos nordestinos.
Com isso a população cria condições para o enfrentamento das secas, resultando na
construção de açudes, cacimbas e perfuração de poços. Com as constantes
estiagens, passam a surgir estudos, livros e ensaios com o objetivo de explicar e
pensar em formas de melhor lidar com o flagelo, a exemplo de Thomaz Pompeu de
Sousa Brasil, cearense que em 1859 escreve “Memória sobre a conservação das
matas, e arboricultura como meio de melhorar o clima na província do Ceará”, que
defende formas de acabar com o “sistema de devastação de nossas matas”
(POMPEU, 1997 apud VILLA, 2000, p 23).
Com o fato, inicia de forma tímida o histórico de projetos que tem como
objetivo a tentativa de amenizar os impactos resultante das secas, assim, podemos
destacar o importante projeto pensado durante o Império de D. Pedro II, que consiste
na obra do canal que liga o rio São Francisco ao Jaguaribe, pelo Riacho dos Porcos,
69
tendo seu levantamento técnico feito pelo engenheiro alemão Henrique Halfed, entre
as décadas de 1840 e 1850, e entregue após oito anos de intensos trabalhos. Em
suas palavras o “projeto é gigantesco”, que em caso de execução “terá o benefício
resultado de incalculável transcendência para as províncias do Ceará, Pernambuco,
Piauí e Goiás e particularmente para a província do Ceará”, na qual teria
aproveitamento de suas águas para irrigação, enquanto meio “certo e eficaz de
providenciar contra terrível flagelo das grandes secas que lá, quase anualmente,
põem em consternação grande parte dos habitantes daquela província” (HALFED
apud VILLA, 2000, p. 37). Mesmo sendo de interesse pessoal de D. Pedro II, o projeto
não chegou a sair do papel.
Com a chegada da segunda metade do século XIX, o assunto sobre as
secas é posto de lado pelo poder central, se ocupando de assuntos relacionados a
produção de café e ao fantasma da emancipação do trabalho escravo.
Mas antes de findar o século XIX, uma nova seca, agora de grande
proporção, atinge o sertão. Logo no início de 1877 a falta de chuva já sinalizava um
longo sofrimento, que só irá ultimar no fim de 1879. Tal flagelo foi retratada por Rodolfo
Teófilo em seu romance “A Fome”. Durante esse período o sertão e seu povo passará
por inúmeras dores. Segundo Villa as primeiras notícias sobre a seca chega ao sul
em abril a partir de publicação no Jornal do Comércio, porém é somente em agosto
de 1877 que o Parlamento descobre a seca.
Em 20 de março, sem nenhum sinal de chuva, estava selada a sorte de centenas de milhares de sertanejos. Da cidade do Crato, no Ceará, chegavam notícias alarmantes: “Estamos em uma terrível seca em perspectiva e só Deus sabe quando nos será doloroso este flagelo”. Em Icó, segundo O Cearense, alguns salteadores querem aproveitar o pretexto para dar largas à rapinagem e já dizem de público que hão de brevemente saquear as casas que têm dinheiro”. Logo apareceram solicitações para que o governo agisse, “porque a fome pode produzir a explosão de instintos ferozes de nossa raça e os desatinos da miséria” (VILLA, 2000, p. 45)
Logo a população começou a se retirar em direção às cidades maiores do
sertão, buscavam fugir dos efeitos devastadores que a seca poderia ainda mais
causar. Todos, sem exceção, foram atingidos, desde o sertanejo ao pequeno e médio
proprietários, saíram de suas terras, que naquele momento não possuía mais tanto
valor comercial. “Pelas estradas perambulavam milhares de retirantes, famintos e com
70
sede” (Ibidem, p.47). No Ceará, a partir do segundo semestre de 1877, os primeiros
retirantes começam a chegar em Fortaleza, vindos tanto do interior do Ceará como do
Rio Grande do Norte e Paraíba, em poucos dias já se contavam mais de 50 mil
retirantes, sem dizer outros tantos espalhados por outras províncias. Chegando as
cidades, os flagelados se concentravam em campos denominados de
abarracamentos, caracterizados pela ausência das mínimas condições de
sobrevivência, sem higiene, falta de água potável, alimentação insuficiente e de má
qualidade, que transformaram os abarracamentos em “campos da morte” (Ibidem, p.
69), pois muitos morreram de fome e doenças que atingiram os retirantes. Muitos
foram os mortos durante a seca, entre setembro e dezembro de 1878 Fortaleza se viu
diante de uma epidemia de varíola, a maior de sua história, que deixou “no seu rastro
30 mil mortos, milhares de órfãos, centenas de cegos e defeituosos. E ainda restavam
80 mil sobrevivendo nos abarracamentos.” (VILLA, 2000, p.72)
A fome ampliou diversas doenças, como a hemeralopia, ou cegueira noturna, causada pelo enfraquecimento prolongado do organismo. [...] Cólera, febre amarela, varíola começam a atacar os grupos de retirantes. A utilização de água contaminada agravou ainda mais a proliferação de doenças. O desequilíbrio ecológico trazido pela seca provocou uma praga de cobra cascavel no sertão. (VILLA, 2000, p. 49)
Durante este período a imagem de D. Pedro II entra em desgaste, muito
devido a sua ausência durante a maior parte da seca, em virtude de viagem realizada
pelo exterior desde 1876, perpassando pelos Estados Unidos, Ásia, África e Europa,
retornando ao Brasil somente em setembro de 1877. Mesmo após seu retorno, quase
nenhuma ajuda foi encaminhada aos flagelados, o imperador se vez omisso diante
dos sofrimentos do povo no sertão. Tal atitude se deve ao momento político vivido à
época, pois o assunto que mais importava aos parlamentares era a reforma política,
que passa a vigorar em 1881.
Diante de tantas dificuldades muitos nordestinos se veem obrigados a
emigrar de suas províncias, em direção a Amazônia. Levados por uma profunda
esperança de melhorar suas vidas, milhares de homens, mulheres e crianças
enfrentam uma longa e precária viagem em direção ao Amazonas. O próprio estado
incentivava a ida de emigrantes, a partir de medidas das quais: a redução da ração
dada aos retirantes nos campos, bem como pagando sua passagem. A busca pela
71
Amazônia se dá por conta de sua economia, que se encontrava “na primeira fase de
expansão da borracha, favorecida pelo aproveitamento industrial do látex extraído da
seringueira, especialmente após a descoberta do processo de vulcanização da
borracha” (VILLA, 2000, p. 64)
Passados tantos sofrimentos, o século XX inicia sob as bases de uma nova
estrutura política, a República militar proclamada em 1889. Apesar da pouca influência
política dos republicanos, o federalismo se estabelece, suprindo uma demanda antiga
das oligarquias. O poder político se centraliza no Sul, com destaque para os estados
de São Paulo e Minas Gerais, desta forma as demandas dos estados do Norte ficam
em segundo plano. Nesse período consolida-se o poder das oligarquias, no qual, os
coronéis estabelecem constituições estaduais visando seus privilégios, transformando
“a máquina estadual em um apêndice dos seus interesses familiares” (VILLA, 2000,
p. 90). Em relação às obrigações entre os poderes, fica estabelecido na Constituição
de 1891 que os Estados tem a “tarefa de prover, as expensas próprias, as
necessidades do seu governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao
estado que, em caso de calamidade pública, o solicitar” (Ibidem, p. 89).
Ao final do século XIX, ainda por ordem de D.Pedro II, inicia-se as primeiras
obras que visavam amenizar as consequências resultantes das secas no Nordeste,
com destaque a construção do açude do Cedro, localizado no município de Quixadá,
no Ceará, motiva após a grande seca 1877. Com a ascensão de Campos Sales ao
governo federal, estabelece-se o serviço de transporte gratuito, para quem tivesse o
interesse de emigrar do Nordeste, significando um grande deslocamento forçado por
parte da população em direção a Amazônia. Segundo Villa tal postura do Estado.
Reforçava também a estratégia do governo central de enviar para o Nordeste o menor número possível em recursos orçamentários e de paulatinamente deslocar a população sertaneja para outras regiões carentes de força de trabalho. Em outras palavras, desejava-se o despovoamento do sertão. (2000, p.93)
No ano de 1915 mais uma seca assola o semiárido brasileiro, considerada
uma das mais emblemáticas do século XX, aquela que “matou mais em Fortaleza do
que as precederam, à exceção de 1878 e 1879” (TEÓFILO, 1980, p. 126). Por seu
contexto histórico, passou a ser contada em diferentes formas, seja em romances,
72
livros, cordel, música etc, recriando os horrores vividos pelos sertanejos. Como já dito,
o Brasil se encontra em plena República Velha6, período marcado pela implantação
do federalismo no Brasil, na qual as demandas dos Estados passam a ser tratados na
esfera local, tento forte repercussão nas políticas de combate às secas. Neste
período, a primeira mensagem enviada ao poder central em referência as secas no
Nordeste será realizada em 1897, oito anos após o estabelecimento da República no
Brasil (VILLA, 2000).
O dia 19 de março, dia de São José, carrega em si um significado especial
para os nordestinos, pois caso chova nesse dia é sinal de “bom inverno”, garantindo
uma boa safra. Mas o mês de março de 1915 chega sem aviso e acompanhada da
falta de chuva. Não tinha melhor hora para se impor uma grande calamidade, pois foi
antecedida de diversos problemas de ordem social, política e econômica. O mundo
estava em meio à Primeira Guerra Mundial, a qual detinha todas as atenções da
imprensa e governo brasileiro. A intelectualidade nacional travava fervorosos debates
em torno da disputa, enquanto a elite se mostrava solidária ás famílias europeias. A
guerra trouxe consigo inúmeros prejuízos ao Nordeste, pois o que se importava teve
seus valores aumentados, enquanto que a exportação ficou por tempos em saída.
Diante desse contexto, a falta de chuva se mostrava uma problema eminente, mesmo
as notícias tento chegado no Sul somente em março de 1915. Antes disso, a economia
dos estados nordestinos já se encontravam em crise, gado perecendo e lavoura
perdida; como resultado, aumento no valor dos alimentos, a fome se alastrar-se e a
emigração, em direção a núcleos mais desenvolvidos, torna-se solução e rotina. Esse
contexto se justifica pelo desmantelamento das relações sociais à época.
Em seu livro “A seca de 1915”, Rodolfo Teófilo (1980) expõe de forma
jornalística os acontecimentos da grande seca, em especial, no Estado do Ceará. No
decorrer de sua obra vai tecendo os fatos que antecederam e sucederam a estiagem.
No Ceará, a calamidade se impõem anos antes da seca, reflexo de alguns
acontecimentos como o período marcado pela oligarquia de Acioly e, posteriormente,
a deflagração da sedição de Juazeiro, “por onde hordas de bárbaros protegidos pelo
6 O período denominado de República Velha no Brasil foi de 1889 à 1930, também considerada de
Primeira República. Estabelecida a partir de uma golpe militar liderados pelo Marechal Deodoro da Fonseca, foi marcada pelo controle políticos dos estados de São Paulo e Minas Gerais, estabelecendo a política do “café com leite”.
73
governo do Marechal Hermes passou, tudo ficou devastado!”, além do
estabelecimento das “sociedades mutuárias7” (TEÓFILO, 1980, p. 43).
A sedição de Juazeiro corresponde a um dos capítulos mais tristes da
guerra travada contra a oligarquia Acioly no Ceará. O controle de Ceará ficou nas
mãos de Nogueira Acioly em dois momentos, o primeiro entre os anos de 1896 a 1900,
eleito em eleição direta, a primeira do estado do Ceará, que não resultou em
mudanças sociais consideráveis. Foi sucedido por Pedro Borges, após um acordo, no
qual, permanecia a forte influência de Nogueira Acioly no governo, deixando aberta a
porta para seu segundo mandado, iniciado em 1904 até 1912, após uma revolta
popular que resultou na sua deposição8. “Seu governo foi marcado por práticas de
corrupção, estelionato, nepotismo, fraudes, deportações, espancamentos e
assassinatos (FERREIRA, 2009, p. 26). Sobre a sedição de Juazeiro Teófilo assevera.
A onda exterminadora atemorizou de tal modo a população dos lugares em que passou, que está abandonou as casas e fugiu aterrada, deixando à discrição dos bandidos os seus haveres. [...] Quando está desgraça passou pelo Ceará era precisamente no tempo de se plantarem os roçados, de se fazer as sementeiras. [...] Em um percurso de mais de cem léguas tudo ficou arrasado, destruído, como se um incêndio lavrado naquelas paragens, excetuando as casas dos animais sediciosos. (1980, p. 43-44)
Somando-se tais acontecimentos o regime de chuvas se mostrava irregular
desde o ano anterior, 1914. As chuvas típicas do fim e início não ocorrerão como o
esperado, com exceção de fevereiro, que “logo no primeiro dia trouxe-nos uma forte
trovoada e chuvas copiosas, que elevaram o pluviômetro à altura de 75mm na Capital”
(TEÓFILO, 1980, p.47), contudo março inicia-se seco.
7 Segundo Rodolfo Teófilo (1980) essas associações foram fundadas em Fortaleza e posteriormente
se espalhou pelo estado, tornando-se uma armadilha, iludindo tolos e homens de má fé. “Os estelionatários que as criaram recebiam uma quantia e, no fim de trinta dias, pagavam a quantia recebida, porém decuplada. Quem recolhia quatro mil réis recebia quarenta mil réis” (p. 44) 8 “Em 1912, a oposição apontou como candidato o tenente-coronel Franco Rabelo representante da “política das salvações” do presidente Hermes da Fonseca. O candidato opositor de Accioly teve grande apoio e aceitação da população da Capital. Iniciou-se, assim, uma campanha eleitoral conturbada. Os acciolystas combateram as campanhas ferozmente, sufocando três passeatas “pró-Rabelo”, inclusive uma liderada por mulheres cearenses, reunindo 600 menores. Então, gerada pelo descontentamento em relação ao governo de Accioly, começou uma revolta popular que foi marcada por tiroteios, barricadas, trincheiras, depredações e mortes pelas ruas da Capital Fortaleza, o que provocou a deposição do governo Accioly22. As eleições aconteceram logo após a revolta, sendo eleito para presidente do Estado o tenente-coronel Franco Rabelo. No entanto, o candidato da oposição não ficaria mais de dois anos no poder estadual, por causa da sedição de Juazeiro” (FERREIRA, 2009, p.26).
74
Um forte característica da seca de 1915 foi o intenso fluxo de emigrantes,
reflexo da política de incentivo por parte do Governo Central, a partir da entrega de
passagens gratuitas. Tal política visava o despovoamento do sertão nordestino em
direção aos estados que pudessem proporcionar melhores condições de trabalho,
como a Amazônia e o Mato Grosso (VILLA, 2000). No Ceará o processo migratórios
se direcionava, principalmente, em direção à Capital Fortaleza através da estrada de
Ferro de Baturité (Ver figura 3). As primeira levas começaram a chegar ainda em
março de 1915, e neste primeiro momento se abrigaram na para do Passeio Público,
e diferentemente das secas anteriores, estavam em condições física melhores e tão
logo formam transferidos para o Alagadiço, esses locais receberam o nome de “campo
de concentração”9 e o povo batizou de “curral”. (VILLA, 2000; TEÓFILO, 1980).
A situação dos campos é caracterizada por uma calamidade, sem a mínima
condição de higiene; crianças, mulheres, enfermos e animais conviviam justos no
mesmo espaço. Logo as doenças que acompanham a seca fizeram padecer os
retirantes, principalmente, as crianças “pela paratífica, pela enterite, pelo sarampo,
pela disenteria, e morriam aos centos” (VILLA, 2000, p.109). Assim descrevia Rodolfo
Teófilo.
Em um quadrilátero de quinhentos metros de face estavam encurralados cerca de sete mil retirantes. Percorri todos os departamentos daquele depósito de seres humanos. Abrigavam-se à sombra de velhos cajueiros. Via-se aqui e ali, uma ou outra barraquinha coberta de esteira ou de estopa, mas tão miserável era a coberta que não impedia que a atravessassem os raios de sol. A cozinha era também ao tempo. Em algumas dúzias de latas, que haviam sido de querosene, ferviam em trempes de pedra grandes nacos de carne de boi, misturados a maxixes, quiabos e tomates. Achei esquisitas as verduras e mais ainda os tomates. Pendia de um galho de cajueiro um quarto de boi. Pude então avaliar a péssima qualidade da carne, só digna de urubus. Informaram-me que aquela era boa, comparada a outras que mandara o fornecedor. Disse-me pessoa idônea que as reses que morriam de magras ou do mal, eram mandadas para o “campo de concentração”. (1980, p.57)
A problemática que envolve as secas é de ordem política e social. Realidade que se
torna viva em todos os estados do Nordeste, de tal forma que, muitos escritores passaram a
expor tais problemas através de em sua arte, ou seja, encontraram na literatura uma forma de
denunciar das calamidades imposta pela falta de políticas sociais mais justas para o sertanejo.
9 Os campos de concentração surgem com a seca de 1915 como forma de substituir os abarracamentos. Tal mudança se justifica pelo projeto de embelezamento da cidade, inspirada em Paris, na qual o retirante é visto como aspecto de feiura e de contaminação dos ares da Capital (NEVES, 1995; TEÓFILO, 1980)
75
Figura 3 – Rede de Viação Cearense de 1924
Fonte: http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/Transnordestina/1924redeViacaoCearense.shtml, acesso em 16 de agosto de 2015.
76
É através dos textos literários que os horrores vividos pelos sertanejos
durante períodos de seca chega ao conhecimento de um número maior de pessoas.
Em sua análise sobre a abordagem da seca nos romances regionalistas Landim
(2005) divide tecnicamente o fenômeno da seca em quatro enfoques. O tradicionalista,
a partir da concepção da população menos esclarecida, no qual a religiosidade está
presente enquanto explicação para estiagem, quanto para sua solução. “A solução
para o problema da seca se encontra nas rezas individuais e coletivas, no apelo dos
santos protetores” (Ibidem, p. 11). O enfoque tecnicista, “o problema da seca se
resume na irregularidade das precipitações pluviométricas” (Idem). É uma visão
unilateral, pois possibilitando o acúmulo de água em açudes ou poços o problema
será resolvido. São encontradas em muitos romances ações protagonizadas pelo
Governo, a exemplo das frentes de trabalho citada por Queiroz em “O Quinze”. O
enfoque ecológico que justifica a seca pelo processo de devastação ocorrido devido
séculos de produção agropecuária predatória, o homem procura retirar tudo de que
necessita da terra semiárida, sem realizar a contrapartida necessária. E por fim, o
enfoque sociopolítico, que atribui a seca um fator social e político de grande
significado, podendo ser resumido
“[...] em primeiro lugar, a desarticulação do processo de acumulação em termos regionais e de classe social; em segundo lugar, a desagregação das famílias e aglomerados humanos, sobretudo entre camponeses e trabalhadores sem-terra; finalmente a pressão social e política que as classes subalternas e a classe dominante da região exercem sobre o poder público municipal, estadual e federal para que ponha em execução uma política de amparo às populações flageladas pela seca (dela decorrem o coronelismo e o cangaço muitas vezes)”. (LANDIM, 2005, p.12).
Na “Geração de 1930” se estabelece uma variedade de imagens em torno
da seca, resultando em um alcance considerável da região. “O Nordeste do fogo, da
brasa, da cinza e do cinza, da galharia negra e morta, do céu transparente, da
vegetação agressiva, espinhosa, onde só o mandacaru, o juazeiro e o papagaio são
verdes” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2011, p.137). Embora de conteúdo social forte,
os romances expõem um panorama de inferno da região, marcada por uma paisagem
desértica, desnuda, ressequida, como se o sertão tivesse como destino único a
desolação, o sofrimento, a dor e a fome. As personagens são dirigidas por “destinos
marcados, por esse encontro, com a desgraça irreconhecível, com um mundo de
77
fatalidades, mas também com um mundo de injustiças sociais cometidas pelos novos
grupos sociais dominantes”. (Ibidem, p.139)
Com a ênfase dada à problemática da seca, a partir de 1877, a elite do
Nordeste se vê diante da possibilidade em captar recursos, para obras e cargos de
Estado, “o discurso da seca e sua ‘indústria’ passam a ser a ‘atividade’ mais constante
e lucrativa nas províncias e depois nos Estados no Norte, diante da decadência de
suas atividades econômicas principais: a produção de açúcar e algodão”
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2011, p. 72). Desta forma a seca se transforma em
estandarte de dimensões nacionais, como estratégia de chamar atenção para
interesses da elite do Nordeste. Tal discurso auxilia na formação de uma imagem de
região deficiente, na qual o meio é determinante para seu atraso econômico e social.
Com a chegada dos recursos para amenizar os problemas resultantes da seca, muitos
se apropriam desses recursos, manipulando os parcos socorros em benefício próprio
e/ou de sua clientela.
Mesmo diante de um retrato de mazelas, para muitos o sertão ainda é visto
como o melhor lugar para se viver. É nele que encontramos homens e mulheres que
lutam por sua terra e pelo direito de permanecerem mantendo suas relações e
experiências culturais. Para Tuan (1983) a experiência é fator essencial na construção
do lugar. O povo nordestino tem como marca o apego pela terra, pelas relações
sociais vigentes, fruto de uma construção social baseada no patriarcalismo. Nesse
processo a experiência “implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência”
(p. 10), também constituída de sentimentos e pensamento.
Esse posicionamento é compartilhado por autores como Rachel de Queiroz
e José Américo, reafirmando o sertão num lugar de sociabilidade e respeito familiar,
no qual se diferenciam dos modos e valores da civilização capitalista moderna,
pautada no individualismo, no conflito e na mercantilização das relações. Valoriza uma
sociedade patriarcal e hierarquizada, na qual as relações de poder se estabelecem
pelo sentimento, deixando de lado um olhar racionalista, “é o ‘democrata racial’ e
social, aquele que se solidariza e ajuda os hierarquicamente inferiores, desde que
estes ‘o respeitem’ e conheçam seu lugar” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2011, p. 41).
O romance “O Quinze” tem sua primeira publicação datada de 1930, seu
título faz referência à seca que ocorreu em 1915, uma das mais devastadora do século
78
XX e vivida indiretamente pela autora, uma vez que sua família se viu obrigada a sair
de sua fazenda no município de Quixadá, no Ceará no ano de 1917 em direção ao
Rio de Janeiro. Para Adonias Filho apud Teles (1983) “O Quinze” renova as bases do
romance nordestino, enquadrando-se enquanto documentário enxuto e realista do
Nordeste. “A ficção se põe a serviço da brasiliana no sentido de, refletindo uma região
típica em todo sua fermentação social, valorizá-la no cerne mesmo dos problemas
humanos” (Ibidem, p. 67).
A obra se passa em três planos, o primeiro explora a relação de amor,
subtendida, entre os primos Conceição, moça culta e educada na cidade e Vicente
filho do Major, com alguma educação, mas escolhe o trabalho como modo de vida.
Em segundo plano Queiroz retrata o trabalho exaustivo de Vicente na lida da fazenda
durante a seca,
Em terceiro plano está Chico Bento e sua família, homem pobre e vaqueiro
da fazenda Aroeiras, também na região de Quixadá. Devido às mazelas da seca, o
sertanejo se vê obrigado a sair do sertão com destino ao Norte, para trabalhar na
extração de borracha. A partir de Chico Bento, verifica-se o foco de Queiroz, a
denúncia social vivida pelo pequeno agricultor e família durante a seca, sem a
assistência necessária para sobrevivência, se vê obrigado a se desligar de sua terra
e se retirar. A seca é utilizada enquanto fio narrativo para expor o trama social,
referenciando o romance enquanto testemunho das problemáticas existentes
historicamente na região do Nordeste.
A partir de suas vivências no sertão, Rachel de Queiroz expõe o modo de
vida e as dificuldades enfrentadas pelo povo sertanejo durante a seca, realizando sua
leitura de paisagem, rica em simbolismos. Sobre a importância do poder simbólico que
existe no espaço, Bonnemaison afirma que o “espaço cultural é uma espaço
geossimbólico, carregado de afetividade e significado” (2002, p.11), sendo a dimensão
simbólica assumida pelo homem a partir da identidade construída.
Chico Bento parou. Alongou os olhos pelo horizonte cinzento. O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho. O próprio leito das lagoas vidrara-se em torrões de lama ressequida, cortada aqui e além por alguma pacavira defunta que retorcia as folhas empapeladas. (QUEIROZ, 2006 p. 24)
79
Neste ponto é importante salientar que o sertão é caracterizado por um
clima semiárido, com precipitações concentradas ao longo do ano, entre os meses de
janeiro e maio. Tem como vegetação predominante a caatinga, adaptada a pouca
umidade, formada, principalmente, por arbustos de galhos retorcidos e com raízes
profundas. Durante a seca, costuma perder sua folhagem, pequena, como uma forma
de evitar a perda de água. Algumas espécies de plantas adaptadas á baixa umidade,
tem a capacidade de acumular água, como o mandacaru e o xique-xique, sendo
utilizada como alimento durante a seca.
Com o avanço da estiagem, proprietário de terras e seus trabalhadores se
veem diante de circunstâncias duras e penosas, dessa forma, a lida do sertanejo é
retrata pela autora no momento em que o trabalhador se vê forçado pelas
circunstâncias a soltar o gado a mando dos patrões, pois devido à seca prolongada
deixa de existir trabalho, evidenciando uma relação hierarquizada entre os patrões e
o trabalhador rural, que torna-se, durante a seca, um expropriado de seu trabalho.
Mesmo de cunho fortemente social, Queiroz explora um dos aspectos mais
tradicionais do homem sertanejo, sua religiosidade. Diante da estiagem a forma de
melhor lidar com tamanha desolação é se apegando à fé; é diante de sua fé e infinita
esperança que o sertanejo tenta superar seus dias de batalha e fome, é através da fé
que a seca vai embora, de que um dia Deus e São José irá rogar por todos e trará a
chuva de volta, e assim, no momento que a primeira gota d´agua cai, a esperança é
renovada, como o verde da caatinga que floresce nas primeiras chuvas.
A partir da paisagem semiárida da caatinga e do momento de seca no ano
de 1915, Rachel de Queiroz consegue expressar seu olhar diante da instabilidade
social do interior nordestino. Seu posicionamento na obra reflete um tom de
expressividade do sertão, bem como uma denúncia em relação à omissão do Estado
frente a pobreza e miséria da população. Sua obra se enquadra na vertente
regionalista, intitulada “Romance de 30”, pautada na procura de desvendar o sertão e
seu povo, a partir de seus aspectos sociais e políticos, na qual proporciona aqueles
que estão “de fora” do sertão, a oportunidade para que conheçam sua realidade e seu
povo. A autora demonstra a preocupação de mostrar o homem, sertanejo, pouco
conhecido, em suas qualidades e fragilidades, aspecto pouco explorado por outras
escolas.
80
4 DIALOGANDO COM O ROMANCE “O QUINZE”
O sol poente, clamejante, rubro, desaparecia
rapidamente como um afogado, no horizonte
próximo.
Sombras cambaleantes se alongavam na tira
ruiva da estrada, que se vinha estirando sobre
o alto pedregoso e ia sumir no casario
dormente dum arruado.
Sombras vencidas pela miséria e pelo
desespero que arrastavam passos
inconscientes, na derradeira embriaguez da
fome.
(QUEIROZ, 2006, p. 75)
Neste capítulo, pretendemos realizar a leitura do interior da vida e obra de
Rachel de Queiroz, assim como, concretizar nossos objetivos. Dividimos em dois
tópicos com o objetivo de observar a construção de concepções sócioespaciais em
textos literários, com foco na escola regionalista, com destaque para o “Romance de
30”. Realizar uma leitura de sertão como paisagem central no romance “O Quinze” e
sua influência na formação social do Nordeste brasileiro. A partir do olhar da sertaneja
Raquel de Queiroz, buscaremos realizar o diálogo entre geografia e literatura, usando
a paisagem para compreendermos a forma como o sertão do Nordeste é percebido e
apreendido.
4.1 Rachel de Queiroz e o Romance de 1930
Rachel de Queiroz desde muito pequena já era ávida escritora, embora
sempre tenha deixado claro que sua profissão era o jornalismo, tinha grande talento
no trato com as letras e textos. Nascida em 17 de novembro de 1910 na cidade de
Fortaleza, era filha de Daniel de Queiroz, juiz de Direito em Quixadá, e de Clotilde
Franklin de Queiroz. Descendia dos Alencar por parte materna, pois sua bisavó, Dona
Miliquinha, era prima do escritor José de Alencar, e por parte paterna, os Queiroz,
81
tradicional família de Quixadá. Dias após seu nascimento retorna com a família para
a fazendo o Junco em Quixadá, lugar onde finca suas raízes.
Mapa 1 – Localização de Quixadá – Ceará
Fonte: HAIASHIDA, 2014 (Adaptado)
Por conta da nomeação de seu pai para o cargo de Promotor, em 1913
mudam-se para Fortaleza, e passam a residir no Alagadiço, próximo ao futuro “campo
de concentração” (QUEIROZ, 2014), citado em seu romance de estreia. Diante da
seca prolongada e dos sofrimentos vividos nesse período a família se transfere em
1917 para o Rio de Janeiro, passando curto período, pois no mesmo ano se mudam
novamente, agora para Belém, estabelecendo residência por dois anos. É no Pará
que a família passa a seca de 1919, “já maior e mais atenta ao mundo, tive notícia
dela através de meu pai que era uma dos ‘comissários’ da colônia cearense em Belém,
organizada para a acolhida e ajuda aos retirantes recém-chegados” (QUEIROZ, 2014,
p. 408).
82
Sua formação educacional inicia-se no lar, sob os cuidados de seu pai –
que lecionou Geografia temporariamente no Liceu do Ceará – e de sua mãe Clotilde
e sua avó materna, que desde muito cedo iniciou a menina Rachel na leitura de
autores como Eça de Queiroz, Machado de Assis, Júlio Verne, Herman Melville (Moby
Dick), Jonathan Swift (Viagens de Gulliver) e Daniel Defoe (Robinson Crusoé). Desde
muito pequena via nas páginas dos livros um mundo para além da imaginação, tendo
como resultado uma grande admiração pelas paisagens geográficas, que acabou por
influenciar em suas narrativas (CAVALCANTE, 2013). Rachel era ávida leitora,
aprendeu a ler muito cedo, aos 5 anos de idade, iniciando com o livro Ubirajara de
José de Alencar, mesmo sem compreender uma única palavra (QUEIROZ apud
ARAGÃO, 2012). Com muita insistência sua e de sua avó materna, aos 8 anos
ingressa no ensino regular no Colégio Imaculada Conceição, após o retorno da família
para o Ceará, formando-se no ano de 1925 aos 15 anos como professora primária,
passando a lecionar história no mesmo colégio. Aos 16 anos inicia sua carreira de
jornalista em O Ceará, de Júlio Ibiapina, sob o pseudônimo Rita de Queluz (LEITÃO
JUNIOR, 2012), tornando-se colaboradora regular, na qual escreve poemas e
crônicas de cunho modernista e publica um romance em formato de folhetim intitulado
História de um nome, sobre o desejo de escreve já “pensava num romance, mas não
queria fazer a simples história de amor que os meus dezoito anos pediam, queria nele
também a terra, a gente do Ceará” (QUEIROZ, 2014, p. 409). Por ser grande leitora
estava saturada de boa literatura, queria agora escrever.
De volta a Fortaleza, em meados de 1929, passa a residir com a família no
Sítio do Pici, sob os cuidados de sua mãe, pois fica doente devido uma congestão
pulmonar. Nesta fase inicia a escrita de seu primeiro romance, que se tornará o marco
inicial de sua carreira como escritora. Segundo a própria Rachel (apud ARAGÃO,
2012), a escrita não foi uma opção, foi fluindo de forma natural, sem uma ideia inicial
fechada, sem um projeto de escrita. O tema sobre a seca já estava no seu âmago à
tempos, queria escrever sobre sua terra e via que seu caminho tinha que ser a
literatura da seca, mesmo já escrita por outros autores (QUEIROZ, 2014).
Isso conto para explicar que, ao escrever o livrinho, eu nunca vira uma seca com os meus próprios olhos. Mas a tradição local era tão forte a lembrança em todos são presentes, os relatos repetidos com tanta frequência, as referências locais tão cotidianas: (“...aqui no meio do açude, onde agora dá duas braças d’água, foi que o povo cavou a cacimba, no Quinze, este rebolado de mandacaru não sei como escapou, foi cortado até à raiz, no dezenove” ... “esse
83
menino véio é assim movido porque nasceu na seca, coitado...”) (QUEIROZ, 2014, p. 408-409)
O processo de escrita foi realizado à mão e as escondidas de sua mãe,
“tinha medo de me ver doente, perseguia minhas noitadas em claro” (Ibidem, p. 410),
sob à luz do lampião de querosene. Esperava a casa adormecer, se direcionava a
sala e deitada sob o assoalho, diante da luz, escrevia, “parecia-me que a criação
literária só poderia ser feita assim, no mistério noturno, longe do testemunho e dos
comentários da casa ruidosa cheia de irmãos” (Idem). Finalizado a escrita do livrinho,
entregou-lhe aos pais para que lessem, sendo aprovado por eles. Então decidem
“emprestar” o dinheiro para a primeira publicação.
Em agosto de 1930 O Quinze é publicado (Figuras 4 e 5), com tiragem
inicial de mil exemplares. Sua obra teve pouca receptividade da crítica local, surgindo
até o rumor de quem teria escrito não seria Rachel, mas seu pai, Daniel de Queiroz.
Mesmo diante da pouca expressividade de sua obra no Ceará, Rachel decide envia-
la a autores conhecidos nacionalmente, como Augusto Frederico Schimidt, no Rio de
Janeiro, sendo o primeiro a tecer elogios ao romance, e Graça Aranha em São Paulo.
Ao contrário de sua terra natal, o romance foi muito elogiado pela crítica do Sul. Com
sua escrita objetiva e de tom ácido, foi bem aceito pelo uso do tom realista e de fundo
social, que mostra a lida e o sofrimento do sertanejo diante das mazelas causadas
pela seca de 1915.
Em 1931 O Quinze é condecorado pela Fundação Graça Aranha com o
prêmio de melhor romance. Por conta da premiação Rachel de Queiroz viaja ao Rio
de Janeiro, o que acaba resultando na sua aproximação com integrantes do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), consequência de sua inclinação socialista. Em seu
retorno para o Ceará se compromete na fundação do Partido Comunista Cearense.
Pouco depois escreve seu segundo romance João Miguel10.
10 Romance publicado em 1932, se diferencia dos outros romances de Rachel de Queiroz, por sua abordagem psicológica do personagem título, Joao Miguel. A trama se passa em uma prisão no interior, na qual narra o drama de uma homem simples que, sob efeito do álcool, mata um desafeto e vai para prisão. Transpondo ao romance sua postura esquerdista e militante.
84
Figuras 4 e 5 – Capa e contra capa da 1ª Edição de O Quinze, publicado em
agosto de 1930
Fonte: BEZERRA, José Augusto. SCHWAMBORN, Ingrid. SOARES, Maria Elias. Um novo olha sobre O Quinze de Rachel de Queiroz. Fortaleza : Ed. UFC, 2014.
Devido sua ligação com o PCB, é informada de que teria que submeter a
obra para avaliação de um comitê do Partido, que acaba por indeferir o romance por
considerá-lo inapropriado, sob a justificativa de tratar-se da história de um operário
que no meio de uma bebedeira assassina um colega. Está atitude culmina na ruptura
prematura da escritora com o Partido, pois considera que o partido não tem autoridade
e competência legítima para censurar sua obra. (LEITÃO JUNIOR, 2012). Este fato
não impede a publicação do romance no ano de 1932 pela editora Schmidt. Com sua
consolidação enquanto jornalista e escritora fixa residência em São Paulo, e sem se
desligar de sua postura socialista se aproximando do grupo trotskista.
Diante da repercussão de seu romance inicial, Rachel de Queiroz passa a
figurar no grupo de autores nordestinos da geração de 1930, que tem como pontos
em comum romance de cunho social sobre as problemáticas do Nordeste, mesmo
sendo avessa a classificações e rótulos.
Olhe, eu não acredito muito em classificações literárias, fulano é regionalista, fulano é naturalista... eu acho que são rótulos que tem que apertar muito você pra caber dentro deles, não é? Por exemplo, eu sou regional, mas eu não sou só regional... eu falo da terra que eu vivi mas, por exemplo, se as cidades de vez em quando entram nos meus livros, eu creio que é, deles, no Dôra Doralina tem uma enorme participação no Rio. (QUEIROZ apud ARAGÃO, 2012, p. 69)
85
A partir de então Rachel de Queiroz torna-se escritora e jornalista de
renome e sucesso, construindo carreira em diversos jornais como Correios da Manhã,
O Jornal e Diário da Tarde, que posteriormente, passa a dedicar-se exclusivamente
ao O Cruzeiro até 1975, com a publicação periódica de crônicas. Contudo sua carreira
de escritora permanece paralelamente, aventurando-se em outros gêneros além do
romance como: peças de teatro, livros infanto-juvenis e obras memorialistas,
resultando em sucesso e prêmios (LEITÃO JUNIOR, 2012)
O ano de 1977 torna-se uma marco em sua carreira de escritora. No mês
de agosto, por 23 votos a 15 é condecorada com uma cadeira na Academia Brasileira
de Letras, tornando-se a primeira mulher a compor a Academia (Figura 6). Passou a
ocupar a cadeira de número 5, causando grande alvoroço, principalmente entre a
femininas da época, mas reage de modo sóbrio diante da situação, declarando em
entrevista: “Eu não entrei na Academia por ser mulher. Entrei, porque, independente
disso, tenho uma obra. Tenho amigos queridos aqui dentro. Quase todos os meus
amigos são homens, eu não confio muito nas mulheres” (QUEIROZ, apud LEITÃO
JUNIOR, 2012, p. 226), causando polêmica. Devemos lembrar que polêmica faz parte
de sua personalidade, não como forma de se autopromover, mas por ser muito firme
em suas opiniões e ações.
Figura 6 – Posse na Academia Brasileira de Letras
Fonte: BEZERRA, José Augusto. SCHWAMBORN, Ingrid. SOARES, Maria Elias. Um novo olhar sobre O Quinze de Rachel de Queiroz. Fortaleza : Ed. UFC, 2014.
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Rachel de Queiroz tem como marcar uma personalidade forte e de grande
intelectualidade, talvez fruto de seu processo educacional. De grande talento literário
e jornalístico, sempre foi muito crítica a sua própria obra literária, ao ponto de expor
um desamor por seus romances. Em entrevista à Folha de São Paulo11 afirma que
detesta seus livros. “Nunca releio um livro meu, tenho um pouco de vergonha de todos
os meus livros, de O Quinze tenho antipatia mortal, esse livro me persegue a 60 anos.
Detesto eles todos” (QUEIROZ, 1998, p.6), e sempre afirmava, desde de muito nova,
que sua profissão era o jornalismo.
Mesmo negando, o romance “O Quinze”, escrito de forma despretensiosa
aos 19 anos, torna-se sua primeira obra-prima (Figura 7). Quando lançado em 1930
causa alvoroço, pois inaugura uma nova fase para os romances regionalistas da
época, que traz como tema chave a seca de 1915, e o sertão. A partir de sua
publicação outros romances se seguem, resultando em notoriedade para Romance
de 30, trazendo consigo além da seca, outras temáticas de cunho mais político e
social.
Com ponto de partida dessa nova fase da literatura moderna brasileira,
estão os romances: “A Bagaceira” (1928), de José Américo de Almeida; “O Quinze”
(1930), de Rachel de Queiroz; “O país de carnaval (1931), de Jorge Amado; e “Menino
de engenho” (1932) de José Lins do Rego. Segundo Montenegro (1983) esse novo
movimento literário instaura um questionamento social que busca romper com o
sistema oligárquico vigente e reformular a estética literária. O narrador deixa de ser
mero observador e se insere como participante no ritmo da trama, tendo a linguagem
como mudança significativa, antes retórica, agora mais despojada, “capaz de traduzir
paisagens e ambiente, e, sobretudo, de captar os seres aí localizados”
(MONTENEGRO, 1983, p. 14), observa-se uma aproximação da linguagem literária à
fala brasileira.
Mas o Romance de 30 não foi só isso. Não só no Nordeste, mas em todo o Brasil, os romancistas da época trouxeram inovações da ordem estrutural, na arte de contar e descrever, no estilo, nos artifícios retóricos e estilísticos que seus antecessores não adotaram, porque outros princípios estéticos e de filosofia de vida os norteavam. (MONTENEGRO, 1983, p. 14)
11 Entrevista à Folha de São Paulo em 26 de setembro de 1998, disponível em
http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/1998/09/26/136, acesso em janeiro de 2016.
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Figura 7 – Manuscrito escrito à mão de “O Quinze”, primeira página
Fonte: BEZERRA, José Augusto. SCHWAMBORN, Ingrid. SOARES, Maria Elias. Um novo olha sobre O Quinze de Rachel de Queiroz. Fortaleza : Ed. UFC, 2014.
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Desse modo, a literatura recupera o mundo do homem nordestino,
desprovido de conhecimento, mas que busca superar as vicissitudes técnicas,
econômicas e sociais institucionalizadas. Essa nova proposta literária consegue
colocar a sociedade em contato como essa múltipla realidade sociocultural do
Nordeste brasileiro, aparentemente distante. Seus principais nomes (já citados)
conseguem a partir de seus romances, se aproximar do gosto do leitor, que sem
perder seu caráter de ficção, exerce também o papel de documento ao revelar os
problemas vivenciados pelo sertanejo, sendo considerados romances testemunho.
Para Portella (1983) esse nova estrutura do romance regionalista permite
um ampliação da forma de ler o Nordeste, antes restrito a estruturas de dominação ou
relações de violência, agora permite-se enxergar que tal realidade é fruto de uma
divisão do trabalho desigual e excludente. Assim, “a sabedoria comunicativa do
romance nordestino, empenha-se precisamente na construção de um discurso vazado
de subjetividade, despreconceituoso, pronto para reconhecer e recorrer à impureza
das formas simbólicas” (PORTELLA, 1983, p. 23).
Vale ressaltar que o “Romance de 30” traz consigo um discurso literário
próprio marcado pela abordagem de diferentes temas tendo como foco principal o
contexto social da região nordestina. Segundo Gilberto Teles (1983) o Romance de
30 pode ser classificado a partir do seu referencial, que podem ser divididas em:
geográfico (Norte/Nordeste), cronológico (romance de 30), literário (regionalismo,
modernismo, realismo, neorrealismo, naturalismo) e temático (literatura das secas,
ciclo da cana-de-açúcar, do cacau, romance testemunho).
Os temas trabalhados pelos romancistas de 1930, estão presentes na obra
de Rachel de Queiroz, pois sua “nordestinidade” está expressa em seus romances,
contos, crônicas, seja em maior ou menor intensidade. Mesmo tendo saído do Ceará,
sempre que podia retornava ao seu refúgio, a fazenda “Não me deixes” (Figura 8)
situada o município de Quixadá, e hoje transformada em Reserva Particular do
Patrimônio Natural – RPPN, a partir de um ato voluntário da própria escritora, em carta
ao presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA da época, Eduardo de Souza Martins (CAVALCANTE, 2014).
Para Queiroz, a fazenda representa sua ligação com o sertão e sua família. Tal ligação
se constrói logo ao nascer, quando com poucos dias de vida vai morar com a família
na fazenda Junco, em Quixadá, cercada pelo semiárido nordestino e palco de suas
primeiras descobertas. “O sertão tornou-se essencial para ela. Misturou-se aos sons
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e às formas, às cores e aos gostos da sua infância de extrema densidade. Nunca mais
o sertão a abandonou. Nunca mais ela esqueceu-se do sertão” (VILLAÇA apud
GURGEL, 2014, p. 40).
Figura 8 – Fazenda “Não me deixes”
Fonte: BEZERRA, José Augusto. SCHWAMBORN, Ingrid. SOARES, Maria Elias. Um novo olhar sobre O Quinze de Rachel de Queiroz. Fortaleza : Ed. UFC, 2014.
Sua ligação com a terra é fortemente notada por suas palavras dedicadas
ao sertão, estando sempre em seus pensamentos. De forma recorrente o Nordeste
aparece em suas obras, seja rural ou urbano. “Nas páginas de Rachel de Queiroz, o
Nordeste é palco onde desfilam seus temas universais, suas preocupações sociais e
suas figuras femininas tão bem delineadas, tão nordestinamente fortes – e, por isso
mesmo, tão parecidas com a própria Rachel” (GURGEL, 2014, p. 41)
Rachel de Queiroz tinha uma amor imenso por sua terra, era dela que tirava
grande parte de sua inspiração para escrever. É notório observar ao longo de sua obra
traços de seu sertão, de seu respeito pela cultura nordestina e de sua eterna saudade,
acalentada sempre que ia passar uns dias na querida Não me deixes. Essa forte
90
relação com o sertão, fez de Queiroz uma admiradora da paisagem sertaneja, fruto
de sua intensa leitura de obras que lhe permitiam um profundo conhecimento
geográfico (CAVALCANTE e OLIVEIRA, 2013). Quando se insere no núcleo de
escritores da década de 1930, Rachel traz em sua bagagem uma aguçada percepção
de mundo, permitindo-lhe destaque. Sobre o Romance de 30, Albuquerque Junior
afirma que
À medida que a formação discursiva nacional-popular tinha como uma das problemáticas centrais pensar a nação na sua essência, e a medida que a diversidade das condições sociais se acentuava, o “romance de trinta” emerge preocupado em conhecer e definir os vários tipos humanos e as características sociais que compunham a nação. Ele cruzará o ponto de vista psicológico com
o sociológico. (p. 126, 2011)
Diante do papel de se criar uma identidade nacional, o Romance de 30
emerge pelas palavras de seus filhos, que através de suas lembranças, imagens,
enunciados e expressões recriam sua realidade com o objetivo de dar voz aqueles
historicamente esquecidos. O sertanejo deixa de ser visto enquanto ser exótico, que
não se enquadra nos padrões da cidade, destacando seus aspectos sociais e
psicológicos. Nesse contexto de exposição de um Nordeste, Rachel de Queiroz se
destaca por expor o sertão como um espaço tradicional, que dá originalidade ao
Nordeste. “O espaço nordestino vai sendo dotado de uma visibilidade e de uma
dizibilidade; desenhado por uma agrupamento de imagens rurais ou urbanas, do litoral ou
do sertão, domadas de sua diversidade pelo trabalho interativo de poetas e escritores”
(ALBUQUERQUE JR, 2011, p. 134). Neste sentido para Albuquerque Jr.
O romance, na década de trinta, participa de grande esforço de reterritorialização de uma sociedade em crise, em transição entre novas e velhas sociabilidades e sensibilidades. Esta identidade estará ligada diretamente aos objetivos estratégicos e políticos que dirigem a produção literária. (2011, p. 235)
Através da geração de 1930, observa-se a retomada na abordagem dos
temas regionais (as economias açucareira e cacau; o cangaço; o coronelismo;
religiosidade; a seca e a retirada), que ressurgem como forma de denuncia das
condições da sociedade. É importante salientar que tais temas também são discutidos
por outras correntes artísticas, como música, cordel, pinturas e o teatro. E foi a partir
da junção de alguns desses temas que Rachel de Queiroz inicia sua carreira literária.
91
Em seu romance, “O Quinze”, embora o tema central seja a seca, observamos a clara
discursão de outras temáticas, como a religiosidade, a retirada para a cidade, as
diferenças entre classes. A seca é abordada de forma tradicional, visto como agente
transformador da vida das pessoas, na qual desorganiza as famílias em seus aspectos
sociais e morais. Porém, em seu romance, Queiroz destaca a responsabilidade do
Estado diante de tal calamidade e sua falta de auxilio em relação ao sertanejo, na qual
acaba resultando no processo de retirada.
Embora muito menina durante a seca de 1915, Rachel de Queiroz ouviu ao
longo de sua infância e juventude as histórias que atormentaram o povo sertanejo,
nesse período, assim como sua família, que diante da situação de dificuldade, se
retiram para o Rio de Janeiro. É a partir desses aspectos que as palavras tomam vida,
resultando na criação de um romance ficcional, que tem como base a paisagem da
caatinga nordestina. “O Quinze” se constrói com base nas recordações, ao ouvir suas
histórias e um pouco do que passou em família recria o flagelo através de suas
páginas. “Tornaram-se assim, costumeiras e indeléveis para ela as impressões da
devastação da natureza e suas consequências sobre as histórias de vida humanas”
(COUTINHO, 2014, p. 56).
É notório se observar a presença da poética do sertão nas obras de Rachel
de Queiroz, reflexo dos aspectos culturais de seu núcleo familiar. Segundo Alexandre
Martins (2014) o romance “O Quinze” possui um lirismo próprio, que apresenta uma
realidade denunciada. Embora o romance traga em si um forte teor realista, podemos
sentir uma poética intrínseca entre suas palavras, a forma suave e quase musicada
com que a autora recria suas paisagens e personagens. Essa forma de escrita reflete
a veia poética de Queiroz, que iniciou sua trajetória como escritora ainda adolescente,
sob o pseudônimo “Rita de Queluz”, na qual publicou vários poemas. Alguns de seus
poemas foram reunidos por Ana Miranda em 2010 sob o título “Serenata”, composta
por 35 poemas publicados originalmente entre os anos 1927 e 1930. Seus poemas
provam o alcance da criatividade da autora, mesmo tão jovem, mas que desponta uma
poética refinada (MARTINS, 2014). Para alguns críticos “O Quinze” se destaca por
diferentes fatores, dentre eles a linguagem simples, mesmo tento expressões
puramente regionais.
A linguagem de O Quinze é natural, direta, coloquial, simples, sóbria, condicionada ao assunto e à região, própria da linguagem moderna brasileira. Embora seja feita por um narrador onisciente, que usa uma linguagem
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econômica de regionalismos, a narrativa revela a variação regional nos diálogos, especialmente, das pessoas do interior, sem instrução formal, ou mesmo na linguagem coloquial dos personagens escolarizados. (SOARES, 2014, p. 359)
Apesar de sua escrita simples, “O Quinze” se destacou no meio literário
nacional e internacional, apesar da falta de pretensão por parte de sua autora. Como
admitido por Rachel de Queiroz, o romance nasce sem grandes pretensões nem
planejamento, mas a partir do desejo de uma jovem, que tem grande talento com as
letras e as palavras, sendo comprovado por sua vasta obra literária e jornalística.
Diante desses aspectos, o romance se mantem atual ao longo dos anos. O
ano de 2015 marcou os 100 anos dessa seca histórica, contudo, pouco mudou, pois
atualmente vivemos uma grande estiagem desde o ano de 2013. Sendo considerada
a pior seca dos últimos 50 anos, devido ao tempo e abrangência, atinge o Nordeste e
outras regiões brasileiras, como o Sudeste. Apesar de estamos no século XXI,
verificamos semelhanças e diferença entre os dois momentos – vale ressaltar que
nosso objetivo não é traçar uma paralelo entre os dois momentos, mas citar que
apesar do desenvolvimento continuamos vivenciando problemas históricos. Dentre as
semelhanças estão o esvaziamento dos reservatórios e da falta de projetos que
permitam ao sertanejo e pequeno produtor lidar com as adversidades de sua terra;
quanto a diferença percebe-se uma queda na intensidade em relação ao êxodo rural,
justificado por políticas públicas implantadas pelo Estado que visa oferecer uma renda
mínima a população mais pobre. Sendo assim, “O Quinze” é um romance que
ultrapassa o tempo e as fronteiras.
4.2 O Sertão como paisagem no romance “O Quinze”
No presente tópico faremos uma discussão sobre a espacialidade sertaneja
presente no romance “O Quinze” que se apresenta através da paisagem, objetivando
analisar a forma como o sertão do Ceará é trabalhado por Rachel de Queiroz. Como
já citado, a obra se enquadra no contexto de renovação do movimento artístico
brasileiro, iniciado no ano de 1922, marcado pela Semana de Arte Moderna. Tal
movimento teve como principal objetivo a construção de uma arte genuinamente
brasileira. Embora seu teor fosse a consolidação de uma arte nacional, acabou
93
colaborando para o aprofundamento de processos criativos regionais, sob a influência
do realismo e naturalismo.
Nosso foco consiste em trabalhar com a arte literária, mais especificamente
o romance, o qual se caracteriza em prosa narrativa que surge em meados do século
XVIII com o Romantismo, expondo as transformações sociais da época, tornando-se
porta voz dos desejos e ambições de uma nova sociedade que surge com a Revolução
Industrial (MOISÉS, 2006). Segundo Massaud Moisés (2006) o romance chega ao
Brasil tardiamente no século XIX, tendo como principal expoente José de Alencar que
propunha a trabalhar temas nacionais, adquirindo grande relevância a partir do
Modernismo, principalmente com a Geração de 1930, na qual se encaixa nosso
romance.
“O Quinze” busca discutir algumas das questões sobre o Nordeste
brasileiro, tornando-se um clássico do regionalismo nordestino, compondo o grupo
denominado Romance de 30 e sendo lembrado até os dias atuais. Nossa escolha por
esse romance se justifica por sua importância diante do processo de consolidação de
um movimento literário marcado pela denúncia diante das vicissitudes às quais o
Nordeste vem se submetendo ao longo de sua história, bem como pela importância
da figura de Rachel de Queiroz, mulher e nordestina, passou a exercer no meio
literário, até então majoritariamente masculino.
Diante do contexto de estiagem Queiroz percorre sua trama, marcada pela
linguagem coloquial, – tendo em muitos momentos o uso de termos próprios da região
– clara e objetiva. Com seu estilo enxuto, que revela uma dura realidade de forma
poética, a autora consegue gravar em papel as angústias e esperanças do sertanejo
em época de sofrimento. No momento de seu lançamento o romance gerou surpresa
por ser escrita por uma jovem escritora desconhecida do meio literário, e por sua forma
particular de abordar um tema já trabalho por tantos escritos de renome, como Rodolfo
Teófilo e seu romance “A fome”.
Grande leitora dos clássicos, a jovem Rachel de Queiroz estava ávida em
escrever suas próprias histórias, e logo em sua estreia se destaca, muito por seu olhar
diferenciado sobre o tema da seca, talvez pelo fato de ser uma “de dentro” (ALMEIDA,
2003), ter nascida do sertão, ou devido a sua leitura de paisagem, construída desde
a infância. Independe desses aspectos, fica claro o tom realista apresentado ao longo
da trama, como exposto por Moisés, o aspecto realista trazido nos romances é uma
faculdade, que “reconstrói o fluxo da existência com meios próprios, de acordo com
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uma concepção peculiar, única e original” (2006, p.165), no caso de Queiroz, um
importante traço de sua escrita, marcada pela linguagem local que transborda o
cotidiano dos personagens.
Rachel de Queiroz tem uma relação íntima com a geografia, seu pai, Daniel
de Queiroz lecionou a disciplina por uma tempo e quando criança produziu uma
pequeno diário geográfico, sob o título de “Cadernos de Geografia”, onde registrava o
que aprendera e resumos de seus estudos (CAVALCANTE e OLIVEIRA, 2013). Sua
preocupação em produzir um material sobre geografia nós faz entender sua estreita
relação com o geográfico, sendo percebido em suas obras futuras, seu cuidado em
revelar as paisagens através da escrita, a começar pelo “O Quinze”.
Mesmo a seca sendo seu tema central, o sertão se apresenta enquanto
paisagem central exposta sob as características da sofrida estiagem. Os enredos vão
se desenvolvendo a partir da paisagem ressequida e dura, encaminhando às ações,
muitas vezes irreversíveis. O romance é composto de três histórias centrais que se
enlaçam ao longo da trama, que ultrapassa o poder do tempo. Mesmo sendo histórias
fictícias, fica difícil não ler através de suas páginas histórias vividas por muitos
nordestinos. Os núcleos se intercalam ao longo do livro, a partir do sertão até a
chegada ao litoral, dando origem a uma jogo temporal e espacial, sem interferir na
cronologia do romance. O narrador consegue interligar a diferentes situações através
dos capítulos, demostrando a relação entre causa e efeito, “constituindo uma
verdadeiro organismo” (BARBOSA, 1999, p. 34)
A escolha pela temática da seca traz consigo a discussão de outras
questões, como o papel da mulher na sociedade, a religiosidade do povo nordestino,
a mudança na feição da caatinga, a necessidade de se retirar da terra na busca por
sobrevivência, a falta de auxílio do Estado diante da estiagem. Queiroz resgata
através de seus personagens, uma identidade socioterritorial, se fazendo perceber a
forte presença do sertão. Segundo Hasesbaert, “trata-se de uma identidade em que
um dos aspectos fundamentais para sua estruturação está na alusão ou referência a
um território, tanto no sentido simbólico quanto concreto” (2013, p.238)
Na primeira história temos a relação entre os primos Conceição e Vicente.
Conceição, jovem professora normalista residente na capital Fortaleza, que vinha a
fazenda Logradouro, perto do Quixadá, sempre durante as férias escolares saciar a
saudade de Mãe Inácia, que a criou desde criança e recompor as energias, “chegava
sempre cansada emagrecida pelos dez meses de professorado; e voltava mais gorda
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com o leite ingerido à força, resposta de corpo e espírito graças ao carinho cuidadoso
da avó” (QUEIROZ, 2006, p.13). Já Vicente, filho do Major, nunca foi dado aos
estudos, escolheu a lida do sertão, trabalhando na labuta da fazenda da família, “todo
dia a cavalo, trabalhando, alegre e dedicado, Vicente sempre fora assim, amigo do
mato, do sertão, de tudo o que era inculto e rude” (Ibidem, p 21).
Só pouco a pouco foi verificando que a prima o fitava com grandes olhos de admiração e carinho; considerava-o, decerto, um ente novo e à parte; mas à parte como um animal mal superior e forte, ciente dessa sua força, desdenhosamente ignorante das sutilezas em que se engalfinham os outros, amesquinhados de intrigar, amarelecidos de tresler... (QUEIROZ, p. 48-49, 2006)
Conceição era moça de personalidade forte, “tinha vinte e dois anos e não
falava em casar”, tinha ideias incomuns para uma jovem, fator enfatizado por Queiroz,
contrariando o desejo de sua avó. Sempre tinha um livro à mão, sobre os mais
diferentes temas, “chegará até a se arriscar em leituras socialistas”, que para Dona
Inácia era influência negativa, mas não para Ceição, que estava “acostumada a
pensar por si, a viver isolada, criara para seu uso ideias e preconceitos próprios, às
vezes largos, às vezes ousados, e que pecavam principalmente pela excessiva marca
de casa” (QUEIROZ, 2006, p.14). Entendemos que a marca da casa é a educação
liberal dado por seu avô, livre-pensador, maçom e herói da Guerra do Paraguai, de
quem herdará os velhos livros e a sede por leitura, na qual se debruçará a até altas
horas da noite. “Aqueles livros – uns cem, no máximo – eram velhos companheiros
que ela escolhia ao acaso, para lhes saborear um pedaço aqui, outro além, no
decorrer da noite”. (Ibidem, p. 12). Segundo Barbosa “Conceição talvez seja, das
protagonistas de Rachel de Queiroz, a que mais demonstra preocupação intelectual,
pois além da leitura variada, escrevia poemas e um livro sobre pedagogia e, ainda,
citava Nordau e Renan” (1999, p. 35).
Conceição juntamente com a seca é a personagem que liga os núcleos da
trama partir de sua relação com a avó, com Vicente e com a família de retirantes
quando estes chegam a Fortaleza. Com exceção de seu romance João Miguel (1932),
todos os romances de Rachel de Queiroz trazem mulheres como protagonistas,
Caminho de pedras (1937), As três Marias (1939), Dorâ, Doralina (1975) e Memorial
de Maria Moura (1992), dando a “entrever sua predileção pelos temas que tratam da
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questão feminina” (BARBOSA, 1999, p. 15), além de seu testemunho sobre as
condições sociais.
Rachel de Queiroz, como mulher consciente e sensível, comoveu-se com a condição feminina, sua natureza e conflitos, revelando em sua ficção vivências múltiplas; porém o fez através da ação, dos diálogos, da sondagem psicológica, sem a afetação e o ranço de ultrapassadas teses que insistem na dicotomia: opressão masculina versus submissão feminina. Suas personagens vivenciam diferentes situações, em diversas épocas e lugares, ainda que haja o predomínio da região nordestina, o que possibilita ao leitor descortinar um largo panorama da situação da mulher. (BARBOSA, 1999, p. 17)
Já Vicente sempre amou a terra e o trabalho no sertão, ao contrário de seu
irmão Paulo que se formou bacharel, “sempre o conhecera querendo ser vaqueiro
como um caboclo desambicioso, apesar do desgosto que com isso sentia a gente
dele” (Ibidem, p. 21) principalmente sua mãe Idalina. Nas páginas do livro Vicente é
retratado enquanto homem viril e trabalhador, de uma grande generosidade, que não
se deixa abater diante dos infortúnios que a lida da seca proporciona. Sua ligação com
o sertão é vista no seu dia-a-dia no trabalho e no trato com os animais. “Encostado
em uma jurema seca, defronte ao juazeiro que a foice dos cabras ia pouco a pouco
mutilando, Vicente dirigia a distribuição de rama verde ao gado. Reses magras, com
grandes ossos agudos furando o couro das ancas [...]” (QUEIROZ, 2006, p. 14)
A relação entre os primos era marcada por um sentimento não revelado de
carinho e admiração, sentida por ambos, mas que as diferenças de interesses e no
modo de enxergar a vida os fez distanciar. Após uma visita de Vicente à Fortaleza,
Conceição percebe o fosso existente entre eles.
Ele dizia sempre que, de livros, só o da nota do gado... Num relevo mais forte, tão forte quanto nunca o sentira, foi-lhe aparecendo a diferença que havia entre ambos, de gosto, de tendências, de vida. O seu pensamento, que há pouco se dirigia ao primo como a um fim natural e feliz, esbarrou nessa encruzilhada difícil e não soube ir adiante. .............................................................................. Pensou no esquisito casal que seria o deles, quando à noite, nos serões da fazenda, ela sublinhasse num livro querido um pensamento feliz que quisesse repartir com alguém impressão recebida. Talvez Vicente levantasse a vista e lhe murmurasse um “é” distraído por detrás do jornal... Mas naturalmente a que distância e com quanta indiferença... (QUEIROZ, 2006, p. 84-85)
Conceição tem o espírito livre e não via no casamento um modo de vida, “–
Nunca achei que valesse a pena...” (Ibidem, p. 131), encontrando outros formas de
realização, como sua dedicação aos livros e aos menos favorecidos, “senão a vida
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fica vazia demais... (Idem). Conceição não aceita a dupla moral do casamento,
pautada em uma cultura patriarcal, com base na legitimação da liberdade do homem,
que possui “necessidades” a serem saciadas, mesmo depois de se casar; e da mulher,
a quem é exigido um comportamento reto até o casamento. Contrariando a formação
social da época, Conceição acredita que o casamento deva ser pautado no
companheirismo mútuo, assim reavaliando seus desejos, percebe a grande diferença
entre ela e Vicente. Desta forma, tem sua vida dedicada aos estudos, ao trabalho e a
auxiliar os mais pobres, abrindo mão de uma vida em família, tendo como forma de
preencher a vazio de ser mãe com a adoção de seu afilhado Manuel, filho de Chico
Bento.
Dona Inácia, avó de Conceição, viúva que toma conta da fazenda
Logradouro desde a morte de seu esposo, se destaca por sua religiosidade e apego
ao sertão. Sua fé transborda as páginas em orações e súplicas à São José por chuva.
“Dignai-vos ouvir nossas súplicas, ó castíssimo esposo de Virgem Maria, e alcançai o
que rogamos. Amém” (QUEIROZ, 2006, p. 11), abre o romance. A fé é um traço
marcante no comportamento do sertanejo, fruto do processo de ocupação da capitania
cearense, a partir do “encontro entre o catolicismo ibérico e a cosmologia nas aldeias
missionárias fundadas por jesuítas nos séculos XVII e XVIII, tendo prosseguimento
com as missões representadas por ordens religiosas até o século XIX” (COSTA, 2011,
p. 63), tendo o catolicismo forte papel na legitimação do Estado na ocupação do
território.
Sendo o sertão cearense marcado pela periodicidade do fenômeno das secas, fenômeno que enseja um elenco de motivações, entre as quais se destacam os rituais de solicitar um bom inverno, associados às ideias de milagres e providências, pelo qual o homem irá se valer da religião para melhorar sua vida. (COSTA, 2011, p. 67)
O aspecto religioso enraizado na cultura nordestina reflete práticas
simbólicas construídas a partir da identidade de um povo “em um espaço simbólico,
social/ historicamente produzido” (HAESBAERT, 2013, p. 238), na qual os indivíduos
se reconhecem. Percebemos que a fé do sertanejo se notabiliza enquanto parte da
identidade desse povo.
A partir de suas vivências no sertão, Rachel de Queiroz expõe o modo de vida
e as dificuldades enfrentadas pelo povo sertanejo durante a seca, realizando sua
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leitura de paisagem, rica em simbolismos. O misticismo religioso incorporado à cultura
do Nordeste traz em si parte da essência da paisagem sertaneja. Além de sua
religiosidade, Mãe Inácia possui grande apego ao sertão, tanto que durante a seca,
mesmo com as dificuldades não queria ir para Fortaleza, aguardar as chuvas próximo
à sua neta Conceição.
- Que é isso, Mãe Inácia, ainda chorando? Pois achou pouco toda a noite, a despedida, a visita à tia Idalina, a viagem na cadeirinha? Os olhos ainda não cansaram? [...] - Deixar tudo assim, morrendo de fome e de seca! Fazia vinte cinco anos que não saía do Logradouro, a não ser para o Quixadá!... (QUEIROZ, 2006, p. 38)
Paralelamente aos primos, Queiroz desenvolve a história de Chico Bento e
sua família. Vaqueiro da fazenda Aroeiras, também localizada no munícipio de
Quixadá, tem que tomar a difícil decisão de se retirar do sertão devido à falta de
trabalho durante a seca, assim como muitos. É através de sua jornada em direção à
Fortaleza, que Queiroz vai expondo a face mais dramática da seca. “Chegou a
desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos
vazios, na descarnada nudez das latas raspadas” (Ibidem, p. 51). Ao longo de sua
trajetória de fuga da miséria e da fome, a família vive as mais diferentes dores que a
falta de auxilio pode proporcionar. A saída do sertão não é uma escolha, mas uma
imposição diante das condições de sobrevivência, principalmente em período de seca,
aliada ao incentivo na emigração para o Amazonas, “sem legume, sem serviço, sem
meios de nenhuma espécie, não havia de ficar morrendo de fome, enquanto a seca
durasse. Depois, o mundo é grande e no Amazonas sempre há borracha...” (Ibidem,
p. 31). Diante das circunstâncias a família sai do Quixadá na busca por melhores
condições de sobrevivência.
Junto a Chico Bento está Cordulina, que através de sua saga ao lado do
marido, nos mostra um outro olhar diante dos percalços vividos, o olhar de mulher e
mãe. Mulher que apoia a decisão do marido de se retirar diante da esperança de uma
vida melhor, e mãe pela dor sofrida pela perda de seus filhos. “Cordulina não chorava
mais. Na véspera, quando fora se despedir de Duquinha, parece que esgotara as
lágrimas; e com os olhos secos olhava fixamente as ondas que iam e vinham, batendo
nos pilares de ferro” (QUEIROZ, 2006, p. 118).
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Com o avanço da estiagem, proprietário de terras e seus trabalhadores se
veem diante de circunstancias duras e penosas, dessa forma, a lida do sertanejo é
retrata pela autora no momento em que o trabalhador se vê forçado pelas
circunstâncias a soltar o gado a mando dos patrões, pois devido à seca prolongada
deixa de existir trabalho.
Encostado ao mourão da porteira de paus corridos, o vaqueiro das Aroeiras aboiava dolorosamente, vendo o gado sair, um a um, do curral. […] Da janela da cozinha, as mulheres assistiam à cena. Choravam silenciosamente, enxugando os olhos vermelhos na beira dos casacos ou no rebordo das mangas. Saída a última rês, Chico Bento bateu os paus e foi caminhando devagar, atrás do lento caminhar do gado, que marchava à toa, parado as vez, e pondo no pasto seco os olhos triste, como numa agudeza de desesperança. (QUEIROZ, 2006, p.23-24)
Através da jornada realizada pela família de retirantes Rachel vai nos
apresentando os aspectos naturais e sociais do sertão, até chegar ao primeiro destino
que é Fortaleza. A trajetória da família é marcada por muitos obstáculos, a começar
pela falta de passagens dadas pelo governo, obrigando a família se retirar por terra,
“- Mas meu senhor, veja que por terra, com esse magote de meninos, é uma morte!”
(Ibidem, p. 34), mas por essa altura a situação já era grave no Ceará.
No início de março, o Ceará já estava com a economia em frangalhos: a pecuária perdera 50% do rebanho, a agricultura, quase 100% da produção, o os operários do açude Agarape não recebiam havia mais de seis meses. Começou a migração de milhares de sertanejos para os núcleos urbanos mais desenvolvidos. Em Crateús, o vigário e as autoridades municipais telegrafaram para o governador pedindo ajuda, pois a “situação é desesperadora, morrendo muita gente de fome” (VILLA, 2000, p. 100-101)
Até a chegada em Fortaleza a família se depara com as mais diferentes
situações, mas a fome é a mais dura delas, por conta dela o homem acostumado a
lida do trabalho se vê diante da necessidade de mendigar o mínimo que fosse.
Chico Bento estendeu o olhar faminto para a lata onde o leite subia, branco e fofo como um capucho... E a mão servil, acostumado a sujeição do trabalho, estendeu-se maquinalmente num pedido... mas a língua ainda orgulhosa endureceu na boca e não articulou a palavra humilhante. A vergonha da atitude nova o cobriu todo; o gesto esboçado se retraiu, assadas nervosas o afastaram. Sentiu a cara ardendo e um engasgo angustioso na garganta.
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Mas dentro de sua turbação lhe zunia ainda aos ouvidos: “Mãe, dá tumê...” (QUEIROZ, 2006, p. 54)
O leitor não tem como se mostrar indiferente diante da caminhada da
família, na qual compartilham com outros retirantes a sorte dos infortúnios
encontrados pela estrada ressequida. A partilha do pouco que se tem torna-se atos
de generosidade e incerteza do dia seguinte. A busca por alimento pode trazer consigo
a dor da morte, quando a criança por fome e curiosidade abocanha a raiz de mandioca
crua, levando a despedida de um filho. “Em O Quinze a relação com a comida é evidenciada
com a descrição de sofrimento e dor. De inicio, já a fome aparece, pois a quantidade parca dos
alimentos maltrata as crianças pelo estômago a roncar de fome, ou pelas gargantas com sede,
naquele mundo sem água” (COUTINHO, 2015, p. 60).
Durante a caminhada o narrador exibe a transformação da mãe e dos filhos
pela fome e a impotência do pai, marcando o processo de desumanização da família.
O aspectos físicos vão aos poucos definhando sob um céu sem nuvens. O ambiente
marcado pelo sofrimento embrutecem os pais, marcados pela morte de Josias e o
desaparecimento de Pedro, que sonegam de seus filhos um pouco de carinho
necessário, além da resignação em entregar o caçula, Manoel, para que a madrinha
possa criar em melhores condições. Mesmo diante de todas as provações, o casal
mantém suas virtudes sertanejas, na busca pela sobrevivência.
Ao longo do romance a autora vai cruzando os personagens com a
paisagem sertaneja a partir do drama da seca, nos apresentando a relação que cada
um mantém com o sertão. É interessante notar a forma com que o sertão se apresenta
ao longo da trama, mostrando suas diferentes paisagens e as relações afetivas
construídas no seu interior. Como dito por Dardel, a paisagem é “muito mais que uma
justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência,
um momento vivido, uma ligação interna, uma ‘impressão, que une todos os
elementos” (2015, p. 30), sendo justamente essa impressão sobre o sertão que
podemos enxergar através de cada personagem, é percebido e sentido o pulsar da
paisagem tão viva, mesmo aparentemente seca.
Novamente a cavalo no pedrês, Vicente marchava através da estrada vermelha e pedregosa, orlada pela galharia negra da caatinga morta. Os cascos dos animal pareciam tirar fogo nos seixos do caminho. Lagartixas davam carreirinhas intermitentes por cima das folhas secas no chão que estalavam como papel queimado. O céu, transparente que doía, vibrava, tremendo feito uma gaze repuxada.
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Vicente sentia por toda a parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casa toda raspada em grandes zonas brancas. E o chão que em outro tempo a sombra cobria, era uma confusão desolada de galhos secos, cuja agressividade ainda mais se acentuava pelos espinhos. (QUEIROZ, 2006, p. 17-18)
O sertão é visto como espaço da inclusão do homem no mundo, o lugar
onde se trava a luta pela vida, onde se manifesta o seu ser e sua relação com o outro,
sendo a base do seu ser social.
A paisagem verde típica da caatinga perde suas feições diante da seca,
sendo a paisagem vivida ao longo de todo o romance de Queiroz. Durante a trama a
autora entrelaça a descrição da paisagem, fazendo uso de linguagem poética e
metafórica, para mostrar ao leitor as faces que o sertão pode adquirir. “Chico Bento
parou, Alongou os olhos pelo horizonte cinzento. O pasto as várzeas, a caatinga, o
marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho” (QUEIROZ, 2006, p.
24). A caatinga é a vegetação típica do semiárido nordestino, tipo único no mundo,
composta, principalmente, por plantas xerófilas de grande biodiversidade, com
destaque para o juazeiro, aroeira, palma, xiquexique, adaptas à pouca umidade,
sendo muitas vezes as mais fortes em tempo de seca. “Debaixo de um juazeiro
grande, todo um bando de retirantes se arranchara” (Ibidem, p.43). Segundo
Ab’Saber, o sertão é comumente apresentada como “terra das chapadas, dotada de
solos pobres e extensivamente gretados, habitada por agrupamentos humanos
improdutivos, populações seminômades corridas pelas secas, permanentemente
maltratadas pelas forças de uma natureza perversa” (1999, p. 08).
O geográfico em Rachel reside em seu mundo vivido, no sertão onde
nasceu e o lugar onde guarda suas origens, o qual expõe e explora as relações do
homem com a natureza e a transborda através de sua escrita, “relação existencial que
é ao mesmo tempo teórica, prática, afetiva, simbólica, e que delimitar justamente o
mundo” (BESSE, 2015, p. 114), o seu mundo. E é através dos páginas de “O Quinze”
vislumbramos o mundo de sua infância, e ao mesmo tempo resgata um pouco das
dores desse mesmo mundo, através de uma história sobre a seca.
A infância com os tempos passados na fazenda, portanto, faz parte da gênese de O Quinze, antes mesmo que a jovem autora Rachel de Queiroz, começasse a dar vida ficcional às narrativas de êxodo familiar tão comuns na época, em
102
função da peculiaridade das nuvens, que retinham todas as gotas de água, sem permitir que se transformassem em chuva. (COUTINHO, 2015, p. 56)
A seca é um fenômeno natural que atinge o Nordeste de temos em tempos,
caracterizada pela falta de chuva na região semiárida da caatinga. Embora seja um
fenômeno conhecido do povo local, sempre que ela chega traz consigo a dor e a
miséria, “o próprio leito das lagoas virara-se em torrões de lama ressequida, cortada
aqui e além por alguma pacavira defunta que retorcia as folhas empapeladas”
(QUEIROZ, 2006, p. 24). O romance de Rachel se insere enquanto documento de
denúncia da situação em que se encontrar a população mais frágil em tempo de
estiagem, através de Conceição a autora nos apresenta uma série de situações
desencadeadas pela falta de auxílio do governo, como a criação do “Campo de
Concentração”.
Como já dito, Rachel não conhecerá a seca com os próprios olhos, durante
a seca de 1915, tinha apenas quatro anos, passou esse período em Fortaleza, no
Alagadiço, em imensa chácara adquirida por seu pai (QUEIROZ, 2015), mas as
memórias daqueles que sofreram em tempo de seca permanece forte no imaginário.
Em 1915 “a seca seguia seu curso, deslocando a população sertaneja. Cada trem que
chegava de Iguatu despejava em Fortaleza centenas de retirantes” (TEÓFILO, 1980,
p. 67) Assim as impressões daqueles tempos de devastação tornaram constantes em
sua vida à cada visita que fazia ao sertão. Foi no Alagadiço que a menina conheceu
o abarracamento, que na seca de 1915 recebera o nome de “campo de concentração”.
Segundo Teófilo “os retirantes estiveram no Passeio Público até se preparar no
Alagadiço o futuro ‘abarracamento’, o qual tomou, não sei por quê, nome de ‘campo
de concentração’ e o povo batizou de ‘curral’” (1980, p.54). Mesmo ido ao campo
quando pequena, Rachel se recorda pouco do lugar, mas a partir das memórias vivas
de quem viu e vivenciou o momento deram base para a jovem o descrevê-lo em seu
romance.
Conceição atravessava muito depressa o Campo de Concentração. Às vezes uma voz atalhava: Dona, uma esmolinha... Ela tirava um níquel da bolsa e passava adiante, em passo ligeiro, fugindo da promiscuidade e do mau cheiro do acampamento. Que custo, atravessar aquele atravancamento de gente imunda, de latas velhas, e trapos sujos! (QUEIROZ, 2006, p. 61) ........................................................................ Quando transpôs o portão do Campo, e se encostou a um poste, respirou mais aliviada. Mas, mesmo de fora, que mau cheiro se sentia!
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Através da cerca de arame, a apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso. Até a miséria tem fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros. Uns debaixo dum cajueiro, estirados no chão, quase nus, conversavam. Outros absolutamente ao tempo, apenas com a vaga proteção de uma parede de latas velhas, rodeavam um tocador de viola, um cego, que cantava numa melopeia cansada e triste. (Ibidem, p. 63)
Segundo Villa (2000), a formação dos “abarracamentos” ocorrem nas cidades
mais centrais e está associada à chegada de levas de retirantes, muitas vezes sendo
abrigados nas praças, como o Passeio Público. Muitos chegavam, por trem pela
estrada de ferro de Baturité12, que acabou facilitando a migração para a cidade, mas
aqueles que não conseguiam passagem, não tinham outra forma a não ser vir por
terra. As condições nos campos eram das piores, em visita durante a seca de 1915,
Teófilo (1980) afirma a permanência de, aproximadamente, sete mil retirantes,
abrigados sob a sombras de cajueiros, sem as mínimas condições de sobrevivência,
jogados a sorte e às doenças, principalmente, a varíola, companheira inseparável da
seca. Homens, mulheres, crianças, doentes e animais, conviviam em um pequeno
espaço, sob o lixo e fezes. As doenças se alastram com mais facilmente diante das
condições, sendo as crianças as mais afetadas, saído “diariamente carro cheios de
crianças mortas por infecções diversas” (VILLA, 2000, p. 110).
Sobre a organização política e econômica no ano de 1915, o Brasil está
sob a presidência de Venceslau Brás (1914-1918), que tinha como lema a restauração
da “política do café com leite”. Considerado um governante ausente e apático, que
chegam ao poder a partir de estratégia política dos grandes estados. Assume a
presidência durante a Primeira Grande Guerra e com o país sobre crise política após
o governo de Hermes da Fonseca – que sai do poder sob estado de sítio (VILLA,
2000). Durante os primeiros meses de seca o governo fica em absoluto silêncio diante
dos pedidos de auxílio. Mesmo com a existência da Inspetoria de Obras Contra as
Secas (1909), quase nada foi feito para amenizar a situação, uma das poucas ações
foi a criação das “frentes de trabalho” com a construção de açudes e barragens, dando
trabalho a uma parte da população sertaneja. Esse fato é citado por Rachel de
Queiroz.
Armado com um cartãozinho do bispo e um bilhete particular de Conceição à senhora que administrava o serviço, Chico Bento conseguiu obter o ambicionado lugar no açude do Tauape.
12 Ver mapa no capitulo 03.
104
No bilhete, a moça fazia o possível para comover a destinatária; e a senhora apesar de já se ter habituado e esses pedidos que falavam sempre numa pobreza extrema e em criancinhas famintas, achou jeito de desentulhar um pá, e ela mesma guiou o vaqueiro aturdido, com seu ferro na mão, e o entregou ao feitor. Duramente Chico Bento trabalhou todo o dia no serviço da barragem. (QUEIROZ, 2006, p. 106)
O flagelo da seca era sentido em todos os estados do Nordeste, mas no
Ceará a calamidade se apresentava mais agravante. Diante do silencio do governo
Federal, após várias mensagens solicitando auxílio, a seca começa a ocupar o espaço
da imprensa. “Artigos e mais artigos são escritos apresentando soluções, comentando
ou acusando os supostos responsáveis pela seca” (VILLA, 2000, p. 105). Diante do
contexto de miséria e fome os jornais iniciam campanhas em defesa da emigração
dos sertanejos para em direção à outras regiões, principalmente São Paulo.
A população de Fortaleza assistia revoltada à indiferença do governo, que não se doía de ver aqui um agente do governo de outro Estado socorrendo os retirantes, promovendo-os de tudo, imunizando-os contra a varíola e depois embarcando-os para o Pará! De alguns Estados do sul havia agentes aqui aliciando soldados para suas milícias ou trabalhadores para suas lavouras! (TEÓFILO, 1980, p. 39)
Fato também apresentado por Queiroz. Quando a família de retirantes saiu
do Quixadá seu destino era o Amazonas, que desde o fim do século XIX vivenciava
grande crescimento econômico por conta da borracha. Muitos nordestinos escolheram
o Norte como destino, formando o “exército da borracha” e consolidando uma dos
maiores fluxos de migração interna da história brasileira. Porém seu destino final foi o
Sul, especificamente, São Paulo, que com a alta na produção do café, vai se
consolidando como importante espaço de atração de imigrantes, principalmente
nordestinos.
Subitamente, Conceição teve uma ideia: – Por que vocês não vão para São Paulo? Diz que lá é muito bom... Trabalho por toda parte, clima sadio... Podem até enriquecer... O vaqueiro levantou os olhos, e concordou, pausadamente: – É... Pode ser... Boto tudo nas suas mãos, minha comadre. O que eu quero é arribar. Pro Norte ou pro Sul... (QUEIROZ, 2006, p. 114)
Após a decadência da economia da cana-de-açúcar – muito bem
trabalhada na literatura por Lins do Rego –, bem como a chegada da família Real
portuguesa em 1808 o Nordeste brasileiro deixou de ser o centro do Brasil. Aliado a
105
esses fatores temos a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais e a
cafeicultura, concentrada em São Paulo. A partir isso o Nordeste se torna a principal
região de “repulsão” populacional no Brasil, resultado de um contexto po lítico e
econômico centralizado no Sul brasileiro. É claro, para nós, que os vários fluxos
migratórios que tem o Nordeste como origem, desde o século XIX ocorrem de modo
forçado, uma vez que a população sertaneja diante das baixas condições de
sobrevivência, não encontra outra escolha senão arribar. “Iam para o destino, que o
chamara de tão longe, das terra seca e fulvas de Quixadá, e os trouxeram entre a fome e
mortes, e angústias infinitas, para os conduzir agora, por cima da água do mar, às terra
longínquas onde sempre há farinha e sempre há inverno” (QUEIROZ, 2006, p. 120).
A partir da paisagem semiárida da caatinga Rachel de Queiroz consegue
expressar seu olhar diante da instabilidade social do interior nordestino. Seu
posicionamento na obra reflete um tom de expressividade do sertão, bem como uma
denúncia em relação à omissão do Estado frente à pobreza e miséria da população.
Sua obra se enquadra na vertente regionalista pautada na procura de desvendar o
sertão e seu povo, dando a oportunidade para que os leitores que estão de fora
possam conhecer essa realidade. A autora demonstra a preocupação de mostrar o
homem, sertanejo, pouco conhecido, em suas qualidades e fragilidades, aspecto
pouco explorado por outras escolas.
106
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa pesquisa se centrou no diálogo entre Geografia e Literatura, a fim
de perceber novas espacialidades, para tanto, recorremos ao romance “O Quinze”, de
Rachel de Queiroz, enquanto mediador dessa análise, tento como foco a paisagem
do sertão.
Estudar o possível diálogo entre ciência e arte se tornou o objetivo de
muitos estudiosos das ciências humanas. Olhar para as artes e as letras como forma
de análise do real é uma desafio para a Geografia, História, Sociologia, Linguística,
entre outras. Neste contexto amplia-se o interesse pelo estudo da Literatura sob as
mais diferentes óticas cientificas, no caso a Geografia. A estrutura romanesca se
mostra frutífera no que tange à observação do sentir humano diante do meio. A forma
poética com a qual a realidade nos é apresentada através dos romances nos permite
percorrer os mais diferentes lugares e paisagens, nos oferecendo enquanto
pesquisadores uma nova perspectiva de analise para a ciência geográfica.
Essa rica possibilidade de análise demostra a crescente preocupação por
parte do meio científico de se recorrer ao sentir do homem como possibilidade de
estudo. Segundo Merleau-Ponty “o pensamento científico ignora o sujeito da
percepção” (2011, p.279), e é justamente no intuito de resgatar esse sujeito que
muitos estudiosos estão recorrendo à arte como forma de compreender sensações
que não são perceptíveis pela forma positiva de se fazer ciência. Diante desse
contexto se vivencia uma mudança no paradigma cientifico. Esse revolução “gera
grandes desdobramentos que levam a ligar, contextualizar, e globalizar os saberes
até então fragmentos e compartimentados, e que, daí em diante, permitem articular
disciplinas, umas às outras, de modo mais fecundo” (MORIN, 2010, p. 26). Para Morin
um novo espirito científico está em ascensão como forma de reagrupar as diferentes
formas de conhecimento, dentre elas a Geografia, considerada por ele
“multidimensional” pois “vai da Geologia aos fenômenos econômicos e sociais”
(Ibidem, p. 27).
Consoante ao pensamento de Morin, Dardel (Op. cit) nos apresenta essa
Geografia múltipla, que tem como preocupação compreender o mundo
“geograficamente”, a partir de suas mais diferentes extensões, na qual o homem se
107
sinta ligado à Terra. Entendendo como realidade geográfica aquela na qual o homem
vivencia suas experiências cotidianas (TUAN, op. cit).
Diante desse contexto nos interessamos em estudar esse profícuo diálogo
entre a ciência geográfica e a arte literária como forma de realizar uma leitura
diferenciada da realidade. “Este interesse original se dá pelo que os romances tinham
de realidade, de conhecimento sobre os lugares e regiões. Tanto na descrição da
paisagem e dos costumes dos lugares quanto de processos físicos. (MARANDOLA
JR. e OLIVEIRA, 2009, p. 490).
Ao longo de seu romance Rachel de Queiroz estabelece uma profunda
ligação como a paisagem do sertão, destacando através do romance os aspectos
subjetivos da paisagem enquanto construção do mundo. Em sua escrita no “O Quinze”
lemos o mundo do sertanejo que migra; o mundo do sertanejo que trabalha
diariamente para manter sua raiz; o mundo da fome, da miséria e da morte, todos sob
a sombra do sertão.
É sabido que a autora possui profundas raízes na ciência geografia, uma
vez que a mesma, ainda na infância, produziu um pequeno manuscrito intitulado
“Caderno de Geografia”. Cunha apud Cavalcante e Oliveira (2013, p.63) afirma que
“em cada paisagem e rabisco, uma espécie de ensaio de uma vida literária, expressão
de um sonho, de um desejo de autoria”, assim, percebemos que desde sua infância
já demostrava interesse pela literatura e pela ciência geografia, expondo seu olhar e
sentimentos logo de seu primeiro romance.
Sobre “O Quinze” podemos observar a presença de três mundos retratadas
pelo narrador, dois tipos de sertanejos, embora em condições diferentes, mas que são
impactados pela seca implacável. O primeiro simbolizado pelo vaqueiro Chico Bento e sua
família, um mundo sem perspectivas que culmina em pegar a estrada como forma de
garantir um futuro, trabalhada de forma determinista pelo narrador sob a conservação do
trágico. No segundo temos Vicente, um vaqueiro dono do próprio rebanho, que luta contra
a seca pra salvar seu gado e garantir seu lucro. Enquanto elo entre os mundo temos
Conceição, que ao encontrar a família de retirantes, ajuda-os no que pode e garantindo
sua ida para o Sul, que segundo Landim, “os retirantes vão de uma escravidão para outra”
(2005, p.92), situação mantida e incentivada pelo Estado.
108
O romance “O Quinze” se destaca por seus aspectos sociológicos, tendo
como foco as diferentes relações sociais estabelecidas entre os personagens
mediadas pelas diferentes paisagens na qual se passa a trama. “A literatura das secas
muito frequentemente enfatiza a mobilidade, a retirada, a transferência de seus
personagens principais de um lugar para outro, levando com eles a própria seca, que
de outra forma pouco influiria no lugar de destino” (SCOVILLE, 2011, p.107). Em “O
Quinze” a retirada está representada por Chico Bento e sua família. Quando Dona
Maroca das Aroeiras, ordena “tomar seu rumo ou, se quiser, fique nas Aroeiras, mas
sem serviço na fazenda” (QUEIROZ, 2006 p. 25), o vaqueiro não vê outra saída. Com
isso percebemos que as intemperes da seca atingem de formas diferentes o povo,
seja no sertão ou no litoral.
No desenvolvimento do núcleo de Chico Bento, percebemos a
desumanização do homem. O vaqueiro antes forte e trabalhador se transforma, agora
anda corcunda e triste, “como uma interrogação lastimosa” (Ibidem, p. 29), sendo
forçado a sair de sua terra agarrado na “imaginação esperançosa” que “esquecia
saudades, fome e angústias, penetrava na sombra verde do Amazonas, vencia a
natureza bruta, dominava as feras e as visagens, fazia deles rico e vencedor” (Ibidem,
p.31)
Observamos que o sertão se apresenta sob a paisagem da seca, seja no
sertão de Quixadá ou na cidade de Fortaleza, a seca se apresenta como mediadora
na estrutura do romance, culminando no processo de emigração populacional, seja
temporária – caso de Dona Inácia – ou permanente – Chico Bento e sua família.
“Repetidas experiências das secas, não somente por parte do analfabeto, mas até daquele
que detêm certo saber, deram origem há uma visão fatalista – a seca é uma lei da natureza,
e portanto, está nordestino inexoravelmente subjugado a seus caprichos” (LANDIM, 2005,
p. 29). O sertanejo passa a vida na tentativa de prever se o inverno será bom ou não,
através de suas experiências construídas a partir da observação empírica, e quando o sinal
não é bom, recorre a crença religiosa (o dia de São José), como forma de fortalecer a
esperança. Sendo esses aspectos passados através das gerações alimentando seus
aspectos culturais, que em um primeiro momento foi retratada como pitoresco e exótico
pela literatura regionalista.
Rachel de Queiroz se destaca no ramo literário por suas características
próprias, embora seu romance tenha qualidades identitárias da cultura regional do
109
Nordeste, seu romance foge do aspecto maniqueísta narrado por “pobres bons e sofridos”
e “ricos maus”. Percebemos que seu objetivo é mostrar uma realidade pulsante do sertão,
que ocorre de forma recorrente, na qual todos acabam por se tornarem vítimas, em graus
diferenciados, de uma realidade que se mantem até os dias atuais. Sua escrita se destaque
pelo neorealismo, justificado por sua postura de denúncia da realidade. Através de seu
romance Queiroz buscou mostrar sua leitura sobre a seca e a população sertaneja, além
da permanência do Nordeste como região subdesenvolvida. Mesmo que seus
personagens e histórias sejam fictícias, vemos a história de um povo sendo contada.
Em “O Quinze” o sertão deixa de ser apenas um cenário do desenrolar da
trama para torna-se também uma das personagens. Ao longo do romance a paisagem
sertaneja ganha movimento e profundidade, a partir de sua vivência e imaginação,
Rachel de Queiroz cria uma ligação entre o leitor e o sertão, recriando-o a partir de
seus signos e símbolos. A fé, a religiosidade, os costumes e hábitos, as normas
sociais, os conflitos, a miséria, o sofrimento e a esperança são transplantadas em
suas páginas como forma de mostrar o entrecruzamento de uma sociedade e seu
espaço geográfico.
110
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