UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO UEMA CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E ... · 2015. 9....

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO UEMA CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS CECEN DEPARTAMNETO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA INGRID JANNE BELFORT MENDES NAÇÕES, IDENTIDADES ÉTNICAS E ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA ESCRAVA EM DOCUMENTOS HISTÓRICOS DO MARANHÃO. SÉCULOS XVIII E XIX. São Luís 2014

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA

    CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS – CECEN

    DEPARTAMNETO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

    CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA

    INGRID JANNE BELFORT MENDES

    NAÇÕES, IDENTIDADES ÉTNICAS E ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA ESCRAVA EM

    DOCUMENTOS HISTÓRICOS DO MARANHÃO. SÉCULOS XVIII E XIX.

    São Luís

    2014

  • INGRID JANNE BELFORT MENDES

    NAÇÕES, IDENTIDADES ÉTNICAS E ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA ESCRAVA EM

    DOCUMENTOS HISTÓRICOS DO MARANHÃO. SÉCULOS XVIII E XIX.

    Monografia apresentada ao Curso de História Licenciatura

    da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção de

    Grau em História Licenciatura.

    Orientadora: Prof.ª Drª Tatiana Raquel Reis Silva

    São Luís

    2014

  • Mendes, Ingrid Janne Belfort.

    Nações, identidades étnicas e espaços de resistência escrava em

    documentos históricos do Maranhão séculos XVIII e XIX / Ingrid Janne

    Belfort Mendes – São Luís, 2014

    73f

    Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do

    Maranhão, 2014.

    Orientadora: Prof(a). Dra. Tatiana Raquel Reis Silva.

    1.Diáspora africana. 2.Grupos identitários. 3.Religiosidades. 4.Maranhão.

    I.Título

    CDU: 94(812.1)

  • NAÇÕES, IDENTIDADES ÉTNICAS E ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA ESCRAVA EM

    DOCUMENTOS HISTÓRICOS DO MARANHÃO. SÉCULOS XVIII E XIX.

    INGRID JANNE BELFORT MENDES

    Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para a

    obtenção do Título de Licenciatura em História.

    Aprovada em ___/____/___

    BANCA EXAMINADORA

    Profª Drª Tatiana Raquel Reis Silva

    1° EXAMINADOR (A)

    2° EXAMINADOR (A)

  • Agradecimentos

    Primeiramente à Deus, por nunca me abandonar quando acreditei que não havia mais

    saídas.

    Aos meus pais, Pedro Francisco por me mostrar qual caminho eu não devo seguir e

    pelas conversas e principalmente à minha mãe, Sônia Maria meu porto seguro, minha melhor

    amiga, se eu cheguei até aqui foi por você mãe.

    Ao meu irmão mais velho Francisco que sempre está ao meu lado em todos os

    momentos da minha vida.

    Aos meus familiares, tios (as), primos (as), sobrinhos (as).

    À minha madrinha Providência, que sempre foi um anjo em minha vida!

    À Tia Elisa, a mulher mais alegre que conheço, agradeço pelo apoio que sempre deu

    para a minha família. Seus conselhos são de ouro!

    Ao professor Nielson Rosa Bezerra, por me confiar seu projeto de pesquisa e pelos

    conselhos ao longo dos anos, tu és um amigo valioso! Muito obrigada!

    À minha orientadora de projeto de iniciação científica e da monografia Tatiana Raquel

    Reis Silva, muito obrigada pela paciência, obrigada pela orientação, pelos ensinamentos, pela

    confiança, pelos puxões de orelha quando mereci, pelos livros emprestados, sua ajuda foi

    fundamental para a construção desse trabalho, MUITO OBRIGADA MESMO!

    Ao professor Reinaldo Barroso, pela ajuda nas referências bibliográficas e

    documentais.

    Aos professores da UEMA, pelos ensinamentos passados ao longo desses quatro anos

    de estudos, vocês são sensacionais.

    Aos integrantes do grupo NEÁFRICA.

    Aos órgãos FAPEMA e UEMA, por financiarem por dois anos o projeto de iniciação

    científica na qual participei como bolsista pesquisadora.

    À Gráfica e Editora SEGRAF, pela colaboração das impressões realizadas ao longo

    desta obra.

    Aos meus amigos (a) de longa data que me ajudaram direta e indiretamente na

    construção desta obra e aos meus amigos da UEMA, mas principalmente à Josena, por estar

    sempre comigo, pelas conversas, pela parceria nos estudos, pelo incentivo. Descobrir uma

    amiga-irmã, esses anos na graduação não seriam os mesmos sem a sua companhia.

  • Peço desculpas às pessoas que não mencionei aqui diretamente, são poucas linhas para

    falar de todos que me ajudaram na construção deste texto, mas saibam que sou muito

    agradecida por tudo.

  • RESUMO

    A escravidão representou mudanças sociais, políticas e econômicas na história da

    humanidade, fato este que modificou a vida dos sujeitos escravizados e o cotidiano dos

    lugares onde o tráfico de escravos africanos era vigente. Este trabalho tem por objetivo

    oferecer uma breve análise da serialização de informações e fontes históricas através dos

    documentos disponíveis no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). Com isso,

    também, intenciona identificar as procedências dos sujeitos escravizados que aportaram no

    Maranhão, utilizando como documentação os passaportes emitidos a escravos e forros durante

    os séculos XVIII e XIX e analisar os espaços de sociabilidades religiosas através das Cartas

    de Compromissos das Irmandades de Nossa Senhora do Rosário de Santa Efigênia, ambas

    com altares na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de São Luís e do Bom Jesus da Cana

    Verde com altar na Igreja de Nossa Senhora das Mercês também da capital e de a análise do

    Livro número 09 de Registro de Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória (1825 –

    1835), na tentativa de identificar as procedências africanas que se mantiveram na província

    maranhense.

    Palavras-chaves: Diáspora africana – Grupos identitários – Religiosidade – Séculos XVIII e

    XIX – Maranhão

  • ABSTRACT

    Slavery represented social, political and economic changes in the history of humanity, fact

    that modified the lives of slaved people and the quotidian of places where the slave’s traffic

    was present. This work has the objective of offering a brief analyses of the information series

    and historical fonts through the available documents at the Public Archive of the State of

    Maranhão (PASM). Besides, this work intends to identify the origin of slaved subjects that

    apported in Maranhão, making use of passports emitted to slaves and freed slaves during the

    XVIII and XIX centuries and analyse the spaces of religious sociability through the Letters of

    Commitment of the Nossa Senhora do Rosário of Santa Efigência Fraternity, both with altars

    in the Church of Nossa Senhora do Rosário at São Luís and of Bom Jesus da Cana Verde with

    an altar in the Church of Nossa Senhora das Mercês also from the capital, and of analyzing

    the Book number 09 of Deaths Register from the Parish of Nossa Senhora da Vitória (1825-

    1835), in the attempt of identifying the Africans origins that kept presence in Maranhão’s

    province.

    Key-words: African Diaspora – Identity groups – Religiousness – XVIII and XIX Centuries -

    Maranhão

  • SUMÁRIO

    Agradecimentos ........................................................................................................05

    Resumo .....................................................................................................................07

    Abstract .....................................................................................................................08

    Introdução..................................................................................................................10

    1 CAPÍTULO 1 – ESCRAVIDÃO NA ÁFRICA E O TRÁFICO

    TRANSATLÂNTICO ............................................................................................14

    1.1 Escravidão e os africanos no Maranhão ..................................................17

    2 CAPÍTULO 2 – NAÇÕES E IDENTIDADES ÉTNICAS NO CONTEXTO

    ESCRAVISTA ........................................................................................................24

    2.1 Nações, Identidades étnicas e escravidão no Maranhão: o passaporte

    como fonte documental............................................................................28

    3 CAPÍTULO 3 - IDENTIDADES ÉTNICAS E ESPAÇOS DE RESISTÊNCIAS:

    o papel das irmandades negras ..........................................................................42

    3.1 Instituições negras no Maranhão: as Irmandades de Nossa Senhora do

    Rosário dos Pretos, de Santa Efigênia e do Bom Jesus da Cana

    Verde..............................................................................................................48

    3.2 Análises documentais sobre as Irmandades negras do Maranhão: a

    utilização do Livro de Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória de

    São Luís.........................................................................................................54

    Considerações Finais .................................................................................................. 64

    Referências ................................................................................................................. .. 66

    Anexos ......................................................................................................................... 71

  • 10

    INTRODUÇÃO

    A escravidão constituiu uma forma de exploração cuja característica principal

    era a retirada de privilégios, tornando o sujeito escravizado uma propriedade. Iniciada

    no Mundo Antigo, logo nas primeiras sociedades, a escravidão não fazia distinção de

    cor ou raça, a pessoa tornava-se escravo através das dívidas, guerras e diferenças

    religiosas. Naquela conjuntura, eram bens móveis que poderiam ser vendidos ou

    trocados a qualquer momento e tornar-se-iam livres quando cumprisse ou pagasse a sua

    dívida, já que a escravidão era de ordem extremamente econômica.

    Estes registros demonstram que a escravidão não fora uma exclusividade do

    continente africano, tanto na Europa quanto no Oriente identificamos a presença escrava

    já em época antigas. Na África as dinâmicas escravistas se diferenciavam

    completamente daquela que será observada a partir do Tráfico Transatlântico no século

    XVI, os escravos poderiam ser de grupos étnicos derrotados por guerras, disputas

    territoriais, exploração da terra entre outros aspectos. Assim, as sociedades africanas

    que a priori se caracterizavam pela existência da população cativa, se tornaram a partir

    de então, sociedades escravistas.

    O comércio Atlântico de escravos deu origem a migração forçada mais

    contundente de toda a história da humanidade. Isso representa hoje um componente

    fundamental para a compreensão da história das sociedades americanas e das relações

    entre elas e a África. Este comércio acarretou transformações culturais e transposições

    demográficas que marcaram a vida de ambos os lados do Atlântico. Assim, o tema do

    Tráfico e Comércio Atlântico de Escravos Africanos tem se tornado uma chave

    fundamental para o aprofundamento das reflexões sobre as dinâmicas Atlânticas do

    ponto de vista econômico, político e cultural; ferramenta essencial para uma melhor

    visão da formação da sociedade moderna ocidental.

    Como forma de tentar melhor compreender este processo, a historiografia

    brasileira por algum tempo se baseou nas grandes rotas Atlânticas para pensar o

    comércio de escravos africanos. Os melhores exemplos dessas rotas foram às

    explicações construídas através das relações diretas entre a África Ocidental e a Bahia,

    onde o tabaco produzido nas fazendas do recôncavo baiano constituiu a principal

    mercadoria utilizada na aquisição de escravos na Costa da Mina.

    Da mesma forma, a aguardente foi consagrada como a principal mercadoria de

    troca por escravos na grande rota do Atlântico Sul, sobretudo aquela que ligava os

  • 11

    portos de Luanda e do Rio de Janeiro1. Durante os séculos XVIII e XIX, o Rio de

    Janeiro foi não apenas uma cidade escravista, mas a principal porta de entrada de

    escravos africanos no Brasil2. Estas análises muito contribuíram para obtermos maiores

    informações sobre as trocas que ocorriam nos dois lados do Atlântico. Todavia, nos

    últimos anos a historiografia brasileira tem buscado novas chaves de interpretação sobre

    a diáspora africana e as “rotas minoritárias” têm oferecido uma alternativa de reflexão

    sobre o tema3.

    Como forma de melhor compreender essas trocas, pesquisas sobre o comércio de

    escravos africanos têm se tornado peças fundamentais para o aprofundamento das

    reflexões sobre algumas das dinâmicas que se estabeleceram nos dois lados do

    Atlântico. Partindo de uma perspectiva política, econômica e cultural estes trabalhos

    ajudam a entender os mais diversos aspectos que marcaram a vivência destes sujeitos no

    “Novo Mundo”. Temas como agricultura, culinária, religião, língua, música, artes e

    arquitetura, também ganham destaque em meio a essas análises.

    As identidades das pessoas escravizadas que saíram do continente africano e

    chegaram a diferentes regiões do Brasil foram ressignificadas através da dinâmica do

    Tráfico Transatlântico de Escravos. Desta forma, o estudo das rotas comerciais

    Atlânticas e as identidades dos escravizados que trabalhavam no Maranhão setecentista,

    oitocentista e novecentista estão diretamente relacionados.

    Neste sentido, podemos destacar o papel que os Estados do Norte do Brasil

    possuíram na dinâmica do Tráfico Transatlântico de Escravos, Estados estes que são o

    Maranhão e o Estado do Pará, que a partir de Rafael Chambouleyron (2005), com a

    ideia de um Atlântico Equatorial. No caso, o objetivo desse conceito é caracterizar uma

    relação Atlântica que desse sentindo ao Maranhão e ao Pará entre os séculos XVIII e

    XIX, que pertencem ao recorte temporal que este autor utiliza para análise. O objetivo

    central de Chambouleyron é insistir que as conquistas de Portugal na América possuem

    espaços completamente distintos nas maneiras como se formavam e organizavam a

    1 Sobre este tema ver: Pierre Verger. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Corrupio, 1987; Manolo Florentino.

    Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo:

    Companhia das Letras, 1997; Luís Felipe de Alencastro. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no

    Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 2 BEZERRA, Nielson Rosa. Escravidão, Farinha e Tráfico Atlântico: um novo olhar sobre as Relações

    entre o Rio de Janeiro e Benguela (1790 -1830). Programa Nacional de Apoio á Pesquisa. Fundação

    Biblioteca Nacional. 2010. 3 Mariza de Carvalho (org.). Rotas atlânticas da diáspora africana: entre a Baía do Benim e o Rio de

    Janeiro. Niterói. EdUFF. 2007.

  • 12

    sociedade e economia dos dois locais. O autor expõe também que as cidades de São

    Luís e Belém detiveram relações comerciais diretas com Lisboa, vários locais do

    Atlântico (no caso os arquipélagos de Açores, Madeira e Cabo Verde) e o próprio

    continente africano, por isso, a importância de um estudo específico sobre esses lugares,

    separando-os da historiografia geral brasileira4.

    A partir desses apontamentos de Chambouleyron que esta pesquisa busca

    compreender as dinâmicas do Tráfico Transatlântico de Escravos na província

    maranhense entre os séculos XVIII e XIX, focando nas relações de “nação” e

    identidades desses sujeitos escravizados e os aspectos de sociabilidade e economia,

    utilizando como documentação base, primeiramente, os passaportes emitidos para

    escravos e forros e, em seguida, a documentação referente às irmandades negras no

    Maranhão oitocentista.

    Com isso o primeiro capítulo é construído na tentativa de explanação sobre

    como se decorreu o processo de escravidão primeiramente no continente africano

    explanado as principais características e as rotas do Tráfico Transaarianos para o

    Tráfico Transatlântico de africanos escravizados. Depois a análise segue em relação ao

    tráfico no Brasil, utilizando-se de um contexto geral para depois falar das

    especificidades da escravidão maranhense, apresentando dados e análises dos principais

    autores que discutem a temática.

    O segundo capítulo já se inicia a análise documental dos passaportes que se

    encontram no setor de avulsos e no Repertório da História da Escravidão do Maranhão

    disponível para consultas no Arquivo Público do Estado do Maranhão – APEM. É

    pensado qual é o papel desses documentos na identificação desse sujeito escravizado e

    forro que transitava dentro e fora da província maranhense durante os séculos XVIII e

    XIX. E também é feito os levantamentos bibliográficos sobre as discussões do que é

    “nação” no Brasil nessa época e o que esse eixo tem de importante para a compreensão

    desse sujeito na sociedade escravista vigente na época.

    Por fim, o último capítulo busca a compreensão social dos escravos e forros

    nessa sociedade a partir de suas participações nas instituições religiosas denominadas de

    Irmandades. È usada às cartas de compromissos das Irmandades de Nossa Senhora do

    Rosário da Capital e a da Irmandade de Santa Efigênia, ambas possuem altar na Igreja

    4 Entrevista de Rafael Chambouleyron, professor da Universidade Federal do Pará, sobre o tema “Escravidão”, concedida a Revista Outros Tempos. Volume 6, número 8, dezembro de 2009 - Dossiê

    Escravidão. Págs 163-165.

  • 13

    de Nossa Senhora do Rosário de São Luís e da Irmandade de Bom Jesus da Cana Verde

    que possuía seu altar alugado na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, também na

    capital. Para compreender o funcionamento dessas instituições na sociedade maranhense

    do século XVIII e XIX foram utilizados os Registros de Óbitos da Freguesia de Nossa

    Senhora da Vitória que fazem partem da documentação da Arquidiocese do Estado do

    Maranhão que se encontram disponíveis para pesquisa no Arquivo Público do Estado do

    Maranhão – APEM, documentos estes usados para a identificação de quais nações

    pertenciam às pessoas que se congregavam nas Irmandades negras maranhenses

    oitocentistas.

  • 14

    CAPÍTULO 1

    A ESCRAVIDÃO NA ÁFRICA E O TRÁFICO TRANSATLÂNTICO

    Em África a escravidão começou no século XV e durou até o século XX,

    inicialmente o comércio era feito internamente, especialmente no Mediterrâneo Antigo,

    onde os muçulmanos eram responsáveis pelas rotas do tráfico. Logo nos primeiros anos,

    de 1400 e 1600, uma das áreas mais importantes do tráfico interno partia da fronteira sul

    do deserto do Saara, passando pelas praias do Mar Vermelho até a Costa Oriental

    africana. Outra rota ia da Arábia Saudita até o Chifre da África, mais especificamente na

    chamada região de Abissínia, que compreende atualmente a Etiópia. De acordo com

    Alberto da Costa e Silva (2012), antes das investidas portuguesas, a influência europeia

    no continente era baixa em comparação ao islamismo.

    A presença política europeia na África era, portanto, muito

    limitada. Discreta. Não se comparava á do islame, que, desde o século IX, atravessara o deserto e se fora lentamente

    derramando pelo Sael e a Savana. Nos começos do século XI,

    um mansa ou soberano do Mali fazia peregrinação a Meca. Nos Duzentos, Tombucu e Jenné tornaram-se importantes centros de

    saber islâmico, seus passos sendo seguidos, mais tarde, pelos

    burgos amuralhados dos hauças. No início do século XIX, das

    savanas do Senegal ao planalto do Adamaua, as instituições políticas aspiravam a ajustar-se ao modelo muçulmano, e as

    elites liam o árabe e estudavam o Alcorão, ainda quando as

    massas continuassem fiéis ás crenças tradicionais. Em muitos lugares, muito antes do primeiro pregador muçulmano,

    chegavam do Egito, da Líbia, do Marrocos ou do Siel

    islamizado o turbante, a sela com estribo, com certos modos de vida e até mesmo volumes do Alcorão, com o prestígio de

    objeto mágico. (COSTA e SILVA, 2012, p. 57)

    A penetração europeia no continente se dá a partir de 1415, com a conquista de

    Ceuta, já em 1441 iniciou-se a deportação de africanos para Lisboa, marcando o

    prelúdio da imigração forçada destes sujeitos: o tráfico negreiro, que duraria até a época

    moderna. Avalia-se que entre os anos de 1450 até 1500, Portugal exportou por ano entre

    setecentos e novecentos escravos africanos para as Américas. Segundo Soares (2005)

    com a tomada de Ceuta, Portugal conquistou uma importante praça comercial,

    estabelecendo um contato regular com o mundo muçulmano, cujas caravanas mapearam

    por terra as cidades que os portugueses iriam atingir por mar. Neste momento, a Rota

    Transatlântica de Escravos tornou-se mais importante do que a Rota Transaariana,

    anteriormente efetivada através do Saara, modificando totalmente as dinâmicas de

  • 15

    efetivação do tráfico a partir do oceano Atlântico. Costa e Silva (2012) descreve a

    mudança significativa que houve na rota do tráfico.

    Os mercados transatlânticos se foram paulatinamente tornando

    mais importantes do que os antigos empórios transaarianos. A

    vinculação floresta-savana-Sael-deserto-Mediterrâneo foi parcialmente substituída pela ligação savana-floresta-praia, ou a

    ela, estendendo-se até o Mar Oceano, se somou. (COSTA E

    SILVA, 2012, p. 57)

    As rotas Atlânticas passaram a atender a lógicas bem específicas, Luis Nicolau

    Parés (2007, p.42), ao realizar uma importante análise das áreas geográficas de

    povoamentos e ciclos do tráfico em África, traz uma descrição da rota do tráfico feita

    por Portugal a partir da metade do século XVI, cuja formação se desdobrava em “três

    ciclos: o ciclo da Guiné, durante a segunda metade do século XVI; o ciclo da Angola e

    do Congo, no século XVII; e o ciclo da Costa da Mina, durante os três primeiros quartos

    do século XVIII”.

    Ainda sobre o processo histórico de constituição e expansão da escravidão no

    continente africano, Paul Lovejoy (2002) aponta para a reconfiguração de um “modo de

    produção escravista” especialmente após a chegada dos europeus. Esse processo, que já

    havia sido iniciado desde a dominação muçulmana, com a chegada europeia sofreu

    mudanças significativas afetando a organização da vida social das regiões que passou a

    vivenciar mais diretamente essa realidade. No tocante a este “modo de produção

    escravista”, o autor destacar que:

    Um “modo de produção escravista” existia quando a estrutura

    social e econômica de uma determinada sociedade incluía um sistema integrado de escravização, tráfico de escravos e

    utilização interna dos cativos. Os escravos tinham que ser

    empregados na produção [...] Essa transformação geralmente

    significava que os escravos eram utilizados na agricultura e/ou na mineração, mas também podia se referir a sua utilização no

    transporte como carregadores, capatazes e remadores de canoa.

    (LOVEJOY, 2002, p. 40)

    Com a implementação deste “modo de produção escravista” ocorreu um

    processo de reconfiguração das rotas do tráfico, os muçulmanos perderam espaços e os

    europeus iniciaram a jornada no continente africano. Não obstante, vale ressaltar que,

    ainda segundo Lovejoy (2002, p.45) os africanos tinham uma efetiva participação nas

    transformações que ocorriam na sociedade em que viviam, pois estavam conectados

  • 16

    desde o seu interior até o litoral por muitas possibilidades de interação que tinham

    acesso através do complexo Atlântico.

    Dentre as principais áreas que passaram a ganhar destaque neste momento,

    pode-se destacar: “primeiramente, a região Congo-Angola, que se manteve até o XIX;

    em segundo, a Costa dos Escravos ou Golfo do Benim, cuja movimentação ocorreu

    entre os séculos XVII e XIX; em terceiro, a área denominada de Costa do Ouro, do

    século XVIII até os anos de 1800; e por fim, a Baía do Biafra, que se iniciou no ano de

    1700 e prolongou-se por mais um século” (LOVEJOY, 2002, p.50).

    O chamado “Novo Mundo” constituiu o principal destino de africanos ao longo

    de toda a vigência do Tráfico Transatlântico, sendo as Américas o principal receptáculo

    dessa mão de obra escrava. Como assinala Reinaldo Barroso (2013):

    [...] A primeira e mais forte imagética de propagação da

    diáspora pelo Atlântico foi o tráfico de escravos, através do

    oceano cruzaram embarcações, intituladas durante o século XIX de tumbeiros, que carregavam uma quantidade variada de

    escravos africanos para o chamado “Novo Mundo” onde iriam

    sustentar o sistema de exploração colonial instituído pelas

    metrópoles europeias. (BARROSO JÚNIOR 2013, p. 89)

    Nas palavras de Costa e Silva (2012, p.54), houve uma forte vinculação das

    costas africanas com as costas americanas, permitindo assim que a dinâmica do tráfico

    acontecesse. Com isso o tráfico possibilitou o estabelecimento, desde o século XVII,

    mas, sobretudo a partir do século XVIII, de fortes vínculos entre certos pontos do litoral

    africano e as costas Atlânticas das Américas. O comércio de braços humanos não

    aproximou apenas as praias, mas se estendeu até o interior do sertão africano.

    O Brasil, sem dúvida, foi o local que mais recebeu africanos, “entre os séculos

    XVI e XIX, 40% dos quase dez milhões de africanos importados pelas Américas

    desembarcaram nos portos brasileiros” (CURTIN apud FLORENTINO, 1997, p.23.).

    Dessa forma, o século XVII conheceu o desenvolvimento do tráfico de escravos entre o

    Brasil e a África abrindo portas para escravos de vários locais do continente africano,

    adentrar na colônia portuguesa nas Américas (BEZERRA, 2010, p.08.). O tráfico além

    de ser um “comércio de almas” pode ser tratado, segundo Manolo Florentino (1997 p.

    24), em três grandes eixos: como variável do cálculo econômico da empresa escravista

    colonial, enquanto fluxo demográfico e como negócio.

    A expansão europeia pelo Oceano Atlântico a partir do século

    XV transformou-se num cenário de migrações intercontinentais

  • 17

    ao gerir o contato entre diferentes culturas e povos, dentre as

    quais se destacam os europeus, os africanos e os nativos deste

    imenso território [...] Afinal, para além dos múltiplos negócios que lhes forjaram um sentido econômico, importa não esquecer

    que os envolvidos nesse processo vivenciaram trocas culturais,

    conflitos, esperanças e angústias a partir do modo como foi dada a sua inserção no mesmo. (PEREIRA, 2013, p. 53)

    Assim, a entrada dos africanos no continente americano foi possível a partir do

    tráfico Atlântico que se tornou um dos maiores empreendimentos comerciais e culturais

    que marcaram a formação do mundo moderno, caracterizado como um sistema

    econômico mundial. O comércio entre a África e o Brasil além de bens de consumo

    envolvia seres humanos, o que representou um intenso processo de transformações

    culturais e transposições demográficas ao longo dos séculos XVIII e XIX,

    especialmente, entre os países que vivenciaram essa realidade mais diretamente.

    1.1 A escravidão e os africanos no Maranhão

    No Maranhão a introdução do africano escravizado aconteceu em grande

    quantidade a partir de 1755, com a fundação da Companhia de Comércio Grão-Pará e

    Maranhão pelo Sebastião José de Carvalho e Melo o Marquês de Pombal, então

    ministro do Rei de Portugal D. João I. A criação da companhia de comércio foi uma

    tentativa de reorganização da administração do império português na parte do norte da

    colônia portuguesa, num anseio de levantar a indústria e comércio no Maranhão e no

    Grão-Pará. A entrada dos africanos na região se deu a partir da necessidade de

    utilização destes no trabalho do cultivo de arroz e algodão.

    A ascensão da comercialização de produtos nas terras do Norte aconteceria com

    a entrada maciça e autorizada de africanos escravizados. Anteriormente, o comércio

    havia sido controlado pelos jesuítas e a mão de obra explorada era a indígena, mas tal

    prática fora cerceada com a “política indianista do período, materializada por meio da

    declaração de liberdade dos índios e da supressão do poder temporal dos religiosos em

    6 e 7 de junho de 1755 e, em especial do Diretório dos Índios de 1757” (RAYMUNDO,

    2005, p. 02.). Por isso a utilização do africano escravizado para o trabalho braçal foi de

    comum acordo entre fazendeiros e colonos. Letícia de Oliveira Raymundo (2005)

    assinala que:

    Neste momento começou a se configurar uma nova fase na

    gestão metropolitana o Estado do Maranhão Grão-Pará, o qual passou a constituir em 1751 o Estado Grão-Pará e Maranhão,

  • 18

    governado desde sua criação até 1759 por Francisco Xavier de

    Mendonça Furtado, meio irmão de Sebastião José. Tal Estado,

    há tempos, era palco de uma acirrada disputa entre colonos e religiosos, sobretudo, jesuítas pelo controle da população

    indígena, base da mão de obra local. Enquanto a economia

    missionária prosperava, em grande parte pelo poder temporal que estes exerciam sobre os índios e as isenções dos direitos de

    alfândega que possuíam, os colonos constantemente se

    queixavam da falta de acesso á mão de obra. Em meados do

    século XVIII a Coroa buscou reverter esta dinâmica econômica em benefício do reino, bem como ampliá-la, inserindo-a no

    sistema do tráfico africano, e consequentemente, no sistema

    mercantil do Atlântico Sul. (RAYMUNDO, 2005, p. 02)

    De acordo com a autora, o comércio realizado pelos padres jesuítas era

    prejudicial para a economia da província maranhense e a única forma de mudança seria

    a modificação do sistema econômico e também daqueles que administravam, por isso o

    incentivo e o apelo feitos pelos colonos ao governador da província para a

    implementação de um novo sistema de controle econômico. Para estes, o comércio

    praticado pelos eclesiásticos representava um entrave a ser superado, pois além de não

    pagar pela utilização do trabalho indígena, eles estavam isentos das tarifas

    alfandegárias, prejudicando assim a arrecadação dos cofres públicos (RAYMUNDO,

    2005, p. 05).

    Sobre a questão da ausência de mão de obra para o trabalho nos campos

    maranhenses, Regina Faria (2012) aponta que naquela conjuntura a não utilização

    maciça do escravo no Maranhão era vista como causadora da lentidão no processo de

    colonização das terras da província e consequentemente, dos processos econômicos e

    das plantações e, portanto, atrasava o crescimento agroexportador da época. Estes, entre

    outros problemas, estavam logo expostos na capital da província maranhense.

    [...] São Luís era uma cidade pequena e pobre, com pouco mais

    de mil habitantes, residindo em rústicas casas, uma de madeira,

    cobertas com folhas de palmeiras e outras de taipa ou de adobe,

    com coberturas de telhas-vãs. A Vila de Tapuitapera, futura Alcântara e segundo núcleo populacional da capitania, tinha tão

    somente quatrocentas pessoas. Nessa época, predominava a

    escravidão indígena em suas diferentes formas, apesar da vigorosa oposição dos jesuítas. Mas havia também escravos

    africanos, embora ainda minoritário. (FARIA, 2012, p. 62)

    Outro autor que analisa a entrada de escravos africanos na província maranhense

    é Rafael Chambouleyron (2005), uma das justificativas utilizadas pelo autor é da

    prosperidade econômica que o Estado do Brasil vivia em função da introdução dos

  • 19

    escravos africanos como mão de obra braçal, por isso houve o pedido urgente e o forte

    desejo dos colonos para o envio destes.

    Em inúmeros textos seiscentistas escritos do e sobre o Estado

    do Maranhão, a imagem de que o Estado do Brasil só havia

    prosperado graças ao uso de africanos torna-se um argumento fundamental para defender o urgente envio de escravos da

    África para a região, situação que também se projetou ao longo

    de todo o século XVIII, como demonstrou Dauril Alden. [...] Nada mais natural, então, que em épocas de crise se recorresse

    ao tráfico de africanos como alternativa para a falta de

    trabalhadores indígenas. (CHAMBOULEYRON, 2006, p. 02-

    04)

    Chambouleyron também usa palavras do Vigário-geral do Maranhão, na época o

    padre Domingos Antunes Tomás, que legitimava a entrada dos africanos na Província.

    A Igreja Católica, assim como os letrados coloniais, teve uma parcela de contribuição

    importante neste processo. Segundo o autor, para entender a constituição de uma

    incipiente rota escrava, torna-se fundamental considerar elementos específicos da

    formação da sociedade colonial no Estado do Maranhão.

    [...] Em primeiro lugar, o impacto das epidemias de varíola sobre os trabalhadores indígenas, que ensejou uma 'corrida' aos

    africanos, principalmente na década de 1690. Em segundo

    lugar, a delicada situação financeira da Fazenda real, que viu no comércio de africanos uma importante alternativa para

    viabilizar a reprodução do domínio militar português na região.

    E, em terceiro lugar, a experiência da Companhia de Comércio

    do Maranhão, de 1682, instituída para enviar escravos africanos ao Estado, em face de uma lei geral de liberdade indígena

    publicada em 1680, e cujo fim esteve determinado pela

    chamada "revolta de Beckman", em 1684-1685. Dois eixos caracterizaram os diversos empreendimentos para o envio de

    africanos ao Estado do Maranhão e Pará. Por um lado, as

    iniciativas partiram fundamentalmente da Corte. Diversamente

    de outras partes, a Coroa teve um papel crucial para definir, estabelecer e organizar as rotas do tráfico. Por outro lado, o

    tráfico negreiro para a região amazônica efetivou-se a partir de

    uma rota muito específica. Em vez de Atlântico sul, deveríamos falar antes de Atlântico equatorial. A ligação central aqui se

    fazia entre o Estado do Maranhão, a Guiné e a Mina.

    (CHAMBOULEYRON, 2006, p. 03)

    Neste último caso, podemos citar o comércio estabelecido entre o Maranhão e a

    Costa da Guiné iniciado após a falência da Companhia de Comércio Grão Pará e

    Maranhão (1774), um espaço importante de trocas comerciais, que também pode nos dá

    pista acerca da relação entre o Brasil e o continente africano, para além daquelas

  • 20

    análises que focam nas áreas consagradas pela historiografia brasileira. Sobre o tema e o

    forte interesse em relação aos escravos da etnia Cacheu, Barroso Júnior (2013)

    acrescenta que:

    [...] Posterior a falência da Companhia de Comércio, surgiu um

    contrato particular denominado de Comércio de Cacheu,

    novamente, sacramentando a relação entre a costa da Alta-

    Guiné e a capitania do Maranhão. O acordo era legitimo e a entrada de escravos da região africana era real. Além disso,

    destaco os anseios dos administradores do Estado do Maranhão

    e Piauí, o meio-norte da América Portuguesa, pelo escravo de Cacheu, porto da Alta-Guiné. (BARROSO, 2013. p.93)

    Após todos os motivos, desejos e pedidos, houve a entrada maciça de africanos

    no Maranhão, iniciando assim o forte comércio do qual o escravo foi peça chave. Ao

    longo dos anos o contingente populacional de africanos aumentou visivelmente,

    chegando ao ponto em que a população cativa ultrapassou os brancos e livres do Estado.

    De acordo com Mota (2013, p. 82), no início do século XVIII aproximadamente um

    terço da população do país era constituída de escravos. No Maranhão, correspondia a

    mais da metade da população.

    Regina Faria (2012) também fala sobre a grande quantidade populacional de

    escravos no Maranhão e de como a sua funcionalidade para o trabalho ajudou no

    aceleramento econômico da época.

    A aceleração do crescimento econômico, proporcionada pela agroexportação, atraiu a imigração portuguesa espontânea,

    gerou a entrada maciça de africanos escravizados e a vinda de

    açorianos, ocasionando um significativo aumento populacional. Um levantamento feito em 1778, no governo de Joaquim de

    Melo e Póvoas, indica que o Maranhão havia então 47.410

    habitantes. Em São Luís, ao final desse século, havia uma

    população de 6.000 habitantes [...] Se no início do século, os escravos chegaram a corresponder a 55,3% dos habitantes da

    província e a 77,7% das pessoas ocupadas em trabalhos

    agrícolas, o censo de 1872 indicou que eram, então, 20,8% dos habitantes e apenas 29,6% dos trabalhadores na agricultura.

    (FARIA, 2012, p. 62)

    O gráfico abaixo nos ajuda a explicitar melhor o contingente da população de

    homens livres e escravos que habitavam a província maranhense no ano de 1821.

  • 21

    TABELA 1- População Livre e Escrava no Maranhão 1821

    HOMENS MULHERES TOTAL

    LIVRES 68.359

    Brancos 12.647 11.347 23.994

    Índios 5.118 4.569 9.687

    Mulatos 13.419 11.874 25.111

    Eclesiásticos - - 259

    ESCRAVOS 84.534

    Mulatos 3.706 2.874 6.580

    Pretos 42.980 34.974 77.954

    TOTAL 152.893

    (FONTE: Lago 1822, Mapa 3 apud FARIA, 2012, p. 26)

    Essa porcentagem populacional de africanos no Maranhão só não foi maior pelo

    fato da travessia ser extremamente difícil, as péssimas condições do transporte

    ocasionavam inúmeras mortes, aproximadamente 40% dos negros escravizados

    pereciam durante o deslocamento até o litoral, outros 10% ou 20%, morriam antes do

    desembarque. Além disso, existiam também os naufrágios, sabe-se que dos 43 navios

    que transportavam escravos para a Companhia de Grão-Pará e Maranhão, durante a

    segunda metade do século XVIII, nada menos que catorze (32,6%) naufragaram

    (MOTA, 2013, p. 82).

    Não obstante a essas questões, a província se tornava cada vez mais rica após a

    formação da Companhia de Comércio Grão-Pará e Maranhão e a entrada maciça de

    africanos no Estado. Como parte da política de incremento da agricultura colonial

    desenvolvida pelo Marquês de Pombal, ocorreu o redirecionamento da estrutura

    administrativa, assegurando o financiamento e escoamento da produção, e facilitando

    aos grandes produtores o acesso a terra, criando a infraestrutura necessária para que

    esses governantes imprimissem um novo ritmo a economia da região, cujos efeitos não

    tardaram a aparecer (FARIA, 2005, p. 231).

    Com efetivação do trabalho escravo, a província maranhense viveu uma época

    de prosperidade e riqueza, a sujeição ao trabalho escravo rendeu ao Maranhão uma vida

    melhor do que aquela que era antes da concretização da Companhia de Comércio Grão-

    Pará e Maranhão, no caso com a chegada dos escravos as fazendas conseguia cumprir

    sua cota de plantação e assim suprir mercados, principalmente o mercado exterior, por

  • 22

    exemplo, o maior exportador de algodão para a Inglaterra era as Treze Colônias da

    América, mas com a Guerra de Secessão (1861 – 1865) houve o enfraquecimento desse

    mercado, justamente na época do auge do mercado maranhense de algodão, que acabou

    tornando o novo exportador de algodão para a coroa inglesa.

    O tráfico de escravos também movimentou os portos maranhenses, pois aqui

    acabou tornando-se ponto de rota dos navios tumbeiros cheios de escravos africanos e

    as praças da capital da província lotadas de escravos, pois estas serviam como ponto de

    venda de escravos para os senhores de escravos da província. Esses fatos podem ser

    percebidos em documentação como os vistos de saúde, pesquisado pelo Reinaldo

    Barroso, que faz um levantamento sobre a entrada de africanos na província

    maranhense.

    No Maranhão o africano escravizado foi utilizado principalmente no trabalho

    das fazendas para cultivo de arroz e de algodão, em áreas próximas aos rios, mas isso

    não quer dizer que era inexistente a convivência e a presença destes na vida urbana da

    capital.

    Desde então, e ao longo do século XIX, o mundo do trabalho,

    na área Norte da província do Maranhão, formada pelas ribeiras dos rios Itapecuru e Mearim, o litoral e a baixada ocidental,

    ficou definido basicamente em torno de duas atividades: a

    grande lavoura de exportação escravista (algodão e arroz) e o comércio importador e exportador; permeado, porém pelo

    tráfico de escravos, pela economia informal e por outras

    atividades, como: ofícios, serviços domésticos, comércio ambulante, as quais, também, envolviam um relativo

    contingente de trabalhadores escravos. (PEREIRA, 2005, p.

    182)

    Josenildo Pereira (2005, p.183) utilizando-se de Gayoso, explica que a

    necessidade de demonstrar opulência e desfrutar de alto prestígio social, exigia que uma

    grande parcela da elite maranhense fosse possuidora de numerosa escravaria, ainda que,

    para tanto, se endividasse junto aos vendedores de escravos. Como se pode notar, este

    comportamento indica o quanto estava presente no imaginário desta elite econômica os

    resíduos da mentalidade senhorial do Ocidente Medieval caracterizada, em grande parte,

    pelo desejo de ser servido e reverenciado por uma larga clientela.

    Essa ideia de prestígio social e econômico não era só compartilhada por brancos

    ricos ou pobres, no Maranhão do século XVIII e XIX, ex-escravos também seguiam a

    lógica de compra e venda de sujeitos escravizados, como foi percebido na descrição de

    um registro de óbito da escrava Dionízia “[...] Faleceu de catarro a inocente Dionízia,

  • 23

    filha natural de Vitória preta mandinga, escrava de Raimundo José preto forro da

    nação de Cacheu.” (APEM, Registro de Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora da

    Vitória, Livro 09, 1826), aqui fica clara a participação de escravos alforriados nas

    dinâmicas do Tráfico de Escravos.

    Dessa forma, podemos observar que interesses econômicos e de prestigio social

    se intercambiavam em meio às dinâmicas escravistas vigentes no Estado do Maranhão

    ao longo do século XIX. Tendo em vista a funcionalidade da escravização na colônia, os

    africanos escravizados exerciam atividades exploratórias para manter a estabilidade

    econômica do Estado e os status dos donos de escravos.

    Pelo fato do escravo africano a partir do inicio de sua sujeição perder a sua

    autonomia e direito de sua vida, foram voltados para o fortalecimento da empresa

    escravocrata. No pensamento da época, eram estes os mais bem dotados para o trabalho

    braçal, predispostos as atividades nas lavouras.

    [...] Suas elites afirmavam ser esta a única mão-de-obra com

    que podiam contar. E, tendo seu olhar direcionado por um etnocentrismo pautado na cultura europeia, viam esses africanos

    apenas como trabalhadores escravizados, aliás, os únicos que

    consideravam capazes de suportar os rigores do trabalho agrícola em regiões de clima quente e insalubre, em razão da

    proximidade do Equador, e de uma vegetação difícil de ser

    domada. Essa representação era, contudo, apanágio das elites do Maranhão. A pele negra, atribuída ao castigo ancestral de Cam

    e aos “humores” da terra africana, era vista como um sinal de

    que os filhos da África estavam predestinados a viver em

    condições inóspitas e a suportar os piores flagelos. Essa forma de representar/explicar a condição escrava a que eram

    submetidos os africanos, adquire, nas descomposturas

    cotidianas muito comuns no Maranhão, estatuto verdadeiramente sagrada no vaticínio: “Quando Deus os fez

    negros, não foi por boa coisa!”. (MOTA, 2013, p. 83)

    Ao serem arrancados de seus lugares de origem, transportados do interior da

    África pelos rios e pelas rotas terrestres, agrupados nos portos de embarque e depois da

    travessia do Atlântico, reagrupados nos plantéis, no sítio, nas casas em que trabalhavam

    (SOUZA apud PEREIRA, 2013. p. 60), os escravos tiveram que buscar novas formas de

    convivência e de apreensão da realidade em que passaram a viver. Foram muitas as

    estratégias de sobrevivências utilizadas no mundo do cativeiro. Tanto no Maranhão

    como em outras então províncias, é possível identificar este processo.

  • 24

    CAPÍTULO 2

    NAÇÕES E IDENTIDADES ÉTNICAS NO CONTEXTO ESCRAVISTA

    A reconfiguração das identidades étnicas no “Novo Mundo” constituiu uma

    realidade importante que permeou o longo processo de transferência dos africanos a

    partir do Atlântico. De fato a definição das novas identidades que foram formadas e

    transformadas no Brasil são reminiscências das “nações” que existiram e existem no

    continente africano:

    Na África, sempre houve nações, como definidas por Renan: povos unidos pelo sentimento de origem, pela língua, pela

    história, pelas crenças, pelo desejo de viver em comum e por

    igual vontade de destino. E sempre houve nações que se

    cristalizaram em estados. Basta lembrar Gana, construída pelos soninquês, e o Mali, com seu núcleo mandinga. O preconceito

    teima, entretanto, em chamar tribos ás nações africanas, sem ter

    em conta a realidade de que não são tribos grupos humanos de mais de sessenta milhões de pessoas, como os hauças (COSTA

    E SILVA, 2012, p. 58)

    De acordo com Parés (2007) a diversidade de identidades coletivas existentes no

    continente africano estava sujeita a transformações históricas, devido a diversos fatores,

    tais como alianças matrimoniais, guerras, migrações, agregações de linhagens escravas,

    apropriação de cultos religiosos estrangeiros ou mudanças políticas. Em muitos casos,

    as denominações de certos grupos eram criadas por povos vizinhos ou poderes externos,

    sendo apropriadas pelos membros dos grupos assim designados (PARÉS, 2007, p. 23).

    No entanto, as formas de interpretação do termo, que passaram a ser utilizadas nos

    séculos XVII e XVIII e XIX, estavam baseadas por novos critérios, como área de

    exportação - portos, língua, religião, músicas dentre outros aspectos.

    Ao lado de nomes como país ou reino, o termo “nação” era

    utilizado, naquele período, pelos traficantes de escravos,

    missionários e oficiais administrativos das feitorias europeias das Costa da Mina, para designar os diversos grupos

    populacionais autóctones. O termo “nação” pelos ingleses,

    franceses, holandeses e portugueses no contexto da África ocidental, estava determinado pelo senso de identidade coletiva

    que prevalecia nos estados monárquicos europeus dessa época,

    e que se projetava em suas empresas comerciais e administrativas na Costa da Mina. (PARÉS, 2007, p. 23)

    As definições dos sujeitos escravizados e alforriados, em vários documentos da

    época colonial e imperial brasileiro, apresentam um léxico de termos e conceitos

  • 25

    bastante diversos. Os africanos são descritos na documentação aqui utilizadas, neste

    caso os passaportes, por nomes de “nação”, “gentio” e “raça”, são essas as

    denominações mais recorrentes e encontradas para identificar o sujeito escravizado ou

    já liberto que habitava forçadamente fora da África.

    A palavra gentio está associada ás gentes, indicando povos que, á diferença dos cristãos e judeus, seguem a chamada lei natural.

    Já a palavra nação diz respeito “á gente de um paiz ou região,

    que tem língua, leis e governo a parte”. O termo é aplicado ainda à raça, casta e espécie. Nesse sentido diz respeito a povos

    que podem ser gentios, ou não, mas cujo reconhecimento se dá

    pelo uso partilhado de um território, uma tradição ou uma

    língua em comum. O termo gentio usado para designar os povos almejados pela catequese missionária. Já o termo nação se

    aplica a qualquer povo, infiel ou cristão, com o qual o Estado

    português se relaciona. Por fim, uma observação sobre o período de utilização dos dois termos. Enquanto “nação” tem

    utilização constante ao longo do tempo, desde o século XV até

    o XIX, “gentio” é aplicado á universos de amplitude variável,

    caindo em desuso ainda no século XVIII. A documentação permite ainda observar que, á diferença de angola e mina, que

    podem ser gentios ou nações, guiné é sempre um gentio.

    (SOARES, 2000 p. 103)

    Porém, segundo Renato da Silveira (2008), estas interpretações são

    extremamente vagas além de serem problemáticas, pois os termos “nação” e “gentio”

    acabam sendo utilizados como sinônimos. Para o autor, “nação” implica em uma

    particularidade e “gentio” em uma universalidade. “Gentio” constitui um substantivo

    mais genérico que não delimita uma população determinada, o caso contrário de

    “nação”, que delimita grupos restritos.

    Dentre as acepções aqui expostas a mais utilizada nas documentações é o termo

    “nação”. A palavra adentrou o cotidiano colonial e imperial e principalmente, passou a

    servir como definidor social da população escrava. No século XVII, todo o africano que

    habitava o solo brasileiro passou a ser pensado, e definido, em termo de “nação”.

    Tanto os governadores, quanto a sociedade colonial como um

    todo separavam e identificavam os africanos a partir de suas “nações”. A existência de diversas “nações” com qualidades e

    especificidades diferentes eram mantidas e divulgadas pelos

    administradores locais, pelos agentes do tráfico com grande recorrência e retomado pelos moradores da América

    portuguesa, incluindo aqueles do meio norte. (BARROSO

    JÚNIOR, 2013, p. 97)

  • 26

    No entanto, as “nações” identificadas nessas documentações não devem ser

    tomadas como as verdadeiras procedências dessas pessoas que vieram para o Brasil, em

    grande parte elas se referem aos portos de origem aos locais onde o africano foi

    comprado e exportado. Uma forma de se deduzir ou teorizar sobre a verdadeira origem

    destes indivíduos é quando estes, em condição de escravidão, conseguem a liberdade e

    nas escritas de outros documentos, como por exemplo, testamentos ou inventários,

    contam sua história de origem.

    Pode-se dizer que a discussão sobre “nação” no Brasil é recente, vem a partir do

    ano de 1974 quando o livro de Roger Bastide, “Les Amériques noires”, chegou ao país

    em sua versão traduzida ao português (SILVEIRA, 2008, p. 245). Neste livro Bastide

    tenta entender como ocorre á vinda das nações da África Negra para os países das

    Américas. Outra obra importante neste processo foi a “África e africanos na formação

    do mundo atlântico (1400-1800)” de John Thornton, publicado em 1992, que traz uma

    reinterpretação das “nações” africanas vindas para o Novo Mundo, incluindo um caráter

    inovador às dinâmicas realizadas pelos africanos em relação ao Tráfico Transatlântico

    de Escravos.

    Os anos 90 do século do XX foram marcados por um intenso debate sobre

    “nação”, culminando com a produção de obras importantes para a historiografia

    brasileira, dentre os quais podemos destacar: “Viver e Morrer no meio dos seus: nações

    e comunidades africanas na Bahia do século XIX” de Maria Inês Côrtes de Oliveira;

    “Jeje: repensando nações e transnacionalismos” de Lorand Matory; “Minha nação:

    identidades escravas no fim do Brasil Colonial” de Mary Karasch; o verbete intitulado

    “Nação”, do Dicionário do Brasil Colonial de Ronaldo Vainfas; e “Devotos da cor” de

    Mariza de Carvalho Soares. Já nos anos 2000, temos: “Reis negros no Brasil escravista”

    de Maria de Mello Souza; “No labirinto das nações” organizado por Flavio Gomes,

    Carlos Eugênio e Juliana Barreto Farias; e “A formação do Candomblé” de Luis

    Nicolau Parés (SILVEIRA, 2008, p. 246).

    Silveira (2008) realizou uma análise detalhada de cada de uma dessas obras, o

    que nos ajuda a melhor compreender o campo de debate referente ás definições e usos

    do termo “nação”. Maria Inês Cortes Oliveira, por exemplo, a partir de uma vasta

    documentação como os testamentos, os censos, títulos de residência, registros de

    batismos e policiais, apresenta ricas informações sobre a vida dos africanos. Oliveira

    também analisa a formação de novas famílias, sem sangue e sem parentesco que se

    formaram a partir de vivência no mundo do cativeiro, famílias por afinidade de língua,

  • 27

    cultura ou religião. Esses aspectos são bastante visíveis nas construções e formações de

    irmandades negras no Brasil durante o século XVIII e XIX, e que será estudado no

    capítulo seguinte.

    Mariana de Mello e Sousa (2002) aborda a problemática das “nações” africanas

    usando com fonte documental os registros de procedências e as rotas do tráfico

    exercidas pelos traficantes e feitas forçadamente pelos africanos escravizados. Já Marize

    de Carvalho Soares(2000) aponta para a necessidade de um estudo detalhado sobre os

    termos “gentios” e “nação”, pois em grande parte da documentação eles acabam sendo

    substituído indiscriminadamente. Ronaldo Vainfas (2000) e Luís Carlos Villata (1997)

    trabalham sobre a questão da linguística na sociedade colonial e imperial brasileira.

    A utilização das línguas africanas sem dúvida serviu como forma de resistências

    utilizada pelos sujeitos escravizados no Brasil, por isso uma das estratégias utilizadas

    pelos colonizadores europeus foi á separação dos grupos étnicos que falavam a mesma

    língua. Mas, segundo Villata (1997) as modificações linguísticas foram ressignificadas,

    pois a adaptação a essas novas línguas resultavam em novas formas de comunicação.

    “Contudo, foi à língua – a possibilidade de os africanos se comunicarem e de se

    entenderem – o que levou, no Brasil, á absorção dessas denominações como formas de

    auto-inscrição e á consequente criação de novas comunidades ou sentimentos de

    presença coletivos” (PARÉS, 2007, p. 29).

    Para Mary Karash (2000) as línguas africanas foram utilizadas como um idioma

    comum no Brasil, ocorrendo assim uma variação linguística que se difere de região para

    região, segundo ela, os africanos que foram enviados para as áreas rurais do país eram

    oriundos da África Central e estes, no século XIX, estabeleceram uma língua geral

    baseada no quimbundo-umbundo-quicongo. Assim pode-se conclui que cada área

    especifica do país pode ter tido uma língua africana dominante por certa época, um bom

    exemplo são as cidades do Rio de Janeiro e Salvador.

    Ainda pensando no termo “nação”, para Nicolau Parés (2007) os europeus, em

    contato com o continente africano, encontraram um forte sentimento de identidade

    coletiva o que acabou por sedimentar as “nações” que aqui aportaram, entretanto,

    Silveira adverte que as “nações” que predominavam em África pode ser algo

    completamente diferente das “nações” que existiram no Brasil. Esse fato aconteceu por

    causa da modificação populacional de africanos no território nacional, essa mistura de

    povos fez com que houvesse uma adaptação forçada á nova cultura, e isso teve como

  • 28

    resultado segundo Silveira, o desaparecimento das nações no Brasil no final do século

    XIX e início do XX, em alguns casos devido aos casamentos mistos e a miscigenação.

    Pensando na diferenciação de africanos na província maranhense é possível

    identificar as formas de identificação e as nações aqui existentes durante os séculos

    XVII, XVIII e XIX. Nestas análises a documentação utilizada foram os passaportes,

    especialmente aqueles que se referem ao sujeito escravo ou liberto. Entre os séculos

    XVII até o inicio do XIX, qualquer pessoa, não importa se era branco português, índio,

    africano alforriado ou escravo, que quisesse realizar viagens dentro e fora da província

    de habitação, tinha que ter como documento de identificação um passaporte, daí a sua

    importância como fonte documental da época5.

    2.1 Nações, identidades étnicas e escravidão no Maranhão: o passaporte como

    fonte documental.

    Dentre a documentação pesquisada foi possível identificar dois tipos de

    passaportes, os de conteúdo mais geral e sem aprofundamento e aqueles que continham

    informações completas e mais específicas de seu portador, ambos se encontram no

    Repertório de Documentos para a História de Escravos do Maranhão e localizados no

    setor de avulsos do Arquivo Público do Estado do Maranhão.

    Estes dois modelos de passaportes possuem funcionalidades diferentes: o

    primeiro muito mais como um simples documento de identificação e o segundo como

    um verdadeiro registro da pessoa, contendo o nome, local de nascença ou naturalidade,

    destino e justificativa para viagem. No caso do passaporte de um escravo, acrescentava-

    se outras informações: se o sujeito estava em condição de cativo ou liberto, a

    identificação do dono se era solteiro ou casado, a ocupação, idade, altura, formato do

    rosto, estilo do cabelo, cor dos olhos, formato do nariz e dos lábios e cor. No caso dos

    homens era descrito se possuíam barba ou não e se eram letrados.

    Outro detalhe importante é que se o sujeito escravizado tivesse uma

    característica específica (uma cicatriz, uma tatuagem ou alguma deficiência) esta

    também era descrita no texto, assim caso essa pessoa tentasse fugir durante sua viagem

    estas descrições ajudariam no processo de busca. Outro detalhe que consta os carimbos

    5O passaporte pode ser comparado aos nossos dias com a nossa carteira de identidade, pois neste

    documento era cheio de informações detalhadas sobre o seu portador.

  • 29

    dos portos pelo qual o dono do passaporte passou, e a quantidade de dias que a pessoa

    está liberada para circular fora de seu local de habitação. Para exemplo será usado

    quatro modelos de passaportes emitidos para uma mulher e homem libertos e para dois

    escravos africanos, na província Maranhense. Vamos exemplificar, utilizando fotos dos

    modelos de passaportes emitidos a um sujeito escravizado ou liberto e para um branco

    português.

    Modelo de passaporte emitido a um escravo (1843)

    (PASSAPORTE 1087, SECRETÁRIA DE POLÍCIA DO MARANHÃO) 6

    6 Secretária de polícia/ chefeatura de polícia passaportes (1843-1891). Setor de avulsos pertencente ao

    Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM).

  • 30

    Esse é a foto de um passaporte do setor de avulsos, emitido para um escravo

    chamado Antônio natural da África, “nação” Angola, podemos observar o estado de

    conservação do papel, o próprio estilo do papel, as poucas informações sobre ele, a

    validade do passaporte, suas descrições pessoais e seu senhor.

    Modelo de Passaporte emitido a um Português (1870)

    (PASSAPORTE 16, CONSULADO DE PORTUGAL NO MARANHÃO)

  • 31

    Esse é modelo de um passaporte do setor de avulsos emitido a um português por

    nome de Antônio Nunes de Almeida, filho de Antônio Nunes de Almeida, natural do

    Vale do Paraíso, sua profissão era de cirurgião, que seguiu viagem desacompanhado

    para a cidade de Lisboa com duração de dois meses. O passaporte segue com as mesmas

    informações que se é pedido no passaporte de um escravo ou forro, porém um trecho

    deste passaporte deve ser destacado, que se trata do diferenciamento do tratamento feito

    ao branco e ao sujeito escravizado ou forro o trecho diz que:

    Rogo por tanto as autoridades tanto civis como militares, a quem esse passaporte for apresentado, não ponham embaraço

    algum ao portador, antes lhe prestem todo o auxilio e favor de

    que possa necessitar para seguir sua viagem, visto que provou ser o próprio e não ter impedimento algum. (PASSAPORTE 16,

    CONSULADO DE PORTUGAL NO MARANHÃO)

    Esse trecho não consta nos passaportes do setor de avulsos emitidos para os

    escravos ou forros e não há nada parecido com esse trecho na documentação deles,

    outro ponto a ser percebido vem ser a qualidade do material e a sua montagem, possuí

    uma boa qualidade, metades de suas informações são impressas e possuí selos

    comprovando a sua veridicidade.

    Os trechos destacados a seguir são da documentação analisada e que apresentam

    dados importantes sobre a vivência escrava no Maranhão do século XIX, especialmente,

    as formas de identificação e os grupos de maior recorrência.

    Escrava: Margarida. Preta liberta, profissional de serviço

    doméstico, idade 14 anos, natural desta cidade, matriculada na ___ geral deste município em 31/ 06/ 1842, sendo termo de

    ordem da matrícula – 1958 e 13 da relação número 239,

    aparentada por Joaquim Manoel da Cunha, escrava do

    negociante Bittencourt e irmão para seguir viagem para qualquer província deste império com escala pelo Maranhão e

    Rio de Janeiro, a entregar a ordem de seus ditos serviços que

    ministrarão estas celas quanto da taxa sobre escravos no corrente escravo 1978 a 1879, teres pago a direito de ___ como

    contas conhecimento___ 102 datas de hoje da ___ sua província

    entre cidades e ____ ____. Seu visto consta ter passado pelo Maranhão e pelo Pará.

    Órgão Expedidor: Secretária de Polícia do Maranhão

    Data: 05/06/1879 Validade: ___

    Assinatura: não sabe escrever (PASSAPORTE [-], SECRETÁRIA DE POLÍCIA DO

    MARANHÃO)

  • 32

    As informações sobre Margarida são curiosas, pois em sua descrição ela é

    tratada como preta livre e escrava ao mesmo tempo e em seu próprio passaporte é

    apontada a negociação entre seus donos. Outro dado que chamou a atenção se refere á

    liberação concedida para que ela circulasse toda província sem data de limite ou

    validade para se manter fora do local de habitação. Como, ou melhor, por que, uma

    escrava de apenas catorze anos recebeu a permissão para fazer circulação livre por todo

    o reino? O seu registro não mostra se ela completou a viagem até o Rio de Janeiro como

    é descrito, pois os carimbos dos vistos acabam no Pará.

    Preto forro: Paulo

    Naturalidade: África, nação de Angola, solteiro, profissão

    negociante Destino: Comarca de Guimarães desta província, aguardado por Antônio Firmino Morães. Validade: 04 meses

    Dados: Passaporte n° 447 Idade: 38 anos Estatura: Alta

    Rosto: Comprido; Cabelos: Carapinhos; Olhos: Grandes; Nariz e boca: Regulares; Cor: Preta; Barba: Pouca; Assinatura: Não

    sabe escrever; Data: 08/03/1843

    Órgão Expedidor: Secretária de Polícia Do Maranhão (PASSAPORTE 447, SECRETÁRIA DE POLÍCIA DO

    MARANHÃO)

    Esse é o modelo de passaporte mais comum que era emitido a um ex-escravo na

    província, contém todas as informações básicas sobre ele. Aqui mostra qual “nação” ele

    pertencia segundo os relatos do documento, porém, não consta em quais portos ele

    passou e se cumpriu a meta de viagem. Os passaportes mostram que muitos escravos

    exerciam trabalhos urbanos e de ganho, trabalhos que homens e mulheres brancos livres

    e pobres também desenvolviam. O caso do Preto forro Paulo é um deles, ele poderia já

    ser negociante antes de sua alforria, o que teria ajudada na compra de sua liberdade. Em

    geral, o acesso a liberdade poderia ocorrer de duas formas: por consentimento de seu

    antigo senhor ou pode ter juntado dinheiro, o fato de ser descrito como solteiro também

    poderia ter ajudado neste processo. Sobre a sua nacionalidade esta pode ter se

    modificado ou não, muitos escravos quando saíam dessa sujeição mudavam o nome de

    batismo ou só o nome da “nação”.

    Escrava: Antônia

    Natural da Nação de Angola, África. Dono: Brigadeiro Manoel

    de Sousa Pinto Magalhães Destino: Para a fazenda denominada – Santa ___ distrito de Viana, leva em sua companhia o

    pretinho João, idade de 07 anos, por consentimento do seu

    senhor. Validade: 20 dias. Maranhão: 07/06/1843 Dados:

    Passaporte n° 1087; Idade: 60 anos; Estatura: Baixa; Rosto: Comprido; Cabelos Carapinhos; Olhos: Pretos; Nariz e boca:

  • 33

    Regulares; Cor: Preta; Barba: Não possui Assinatura: Não sabe

    assinar

    Órgão Expedidor: Secretária de Polícia do Maranhão (PASSAPORTE 1087, SECRETÁRIA DE POLÍCIA DO

    MARANHÃO)

    A escrava Antônia, já de idade avançada, fazia uma viagem para o interior da

    província, obteve permissão de poucos dias para realizar seu transporte e ainda

    autorização do seu dono para levar consigo mais uma criança, podemos supor que possa

    ser seu filho ou seu neto, ou algum menino que está resolveu tomar de conta. Pode-se

    concluir também que esta pode ser uma escrava de ganho ou de uso doméstico, pois de

    acordo com as transcrições só a este tipo de escravo era permitido realizar viagens

    desacompanhadas.

    Escravo: João

    Dono: José Frazão da Costa Natural: África Profissão: Serviço Destino: Maranhão no Vapor Paraná Afiançado por ___ e

    apresentou os competentes documentos

    Data: 14/05/1858 Dados: Passaporte n° 7090; Idade: 50 anos; Altura: Regular Rosto: Comprido; Cabelos: Carapinhos; Olhos:

    Pretos; Nariz e boca: Regular; Cor: Preta; Barba: Pouca

    Assinatura: Não sabe escrever Órgão Expedidor: Secretária de Polícia do Pará

    (PASSAPORTE 7090, SECRETÁRIA DE POLÍCIA DO

    PARÁ)

    O passaporte de João, descrito apenas como natural da África, não traz maiores

    informações sobre a “nação” que pertencia e já apresenta poucos dados do motivo para

    viajar, sabe-se que ele é vivia no Pará e fez viagem para o Maranhão. Pode-se inferir

    que é um escravo de ganho e que estava viajando a negócio por ordens de seu senhor.

    No seu passaporte também não contém os vistos que nos ajudam a fazer o mapeamento

    de suas viagens.

    O segundo modelo de passaporte utilizado na pesquisa são os do Repertório de

    Documentos para História de Escravos no Maranhão, volume I (1770 - 1830), o livro de

    número trinta e nove (1786 - 1811) e o livro de número quarenta (1821 – 1833), nesses

    livros a descrição sobre o escravo muda, pois este foca no dono dos cativos e vem com

    descrição mínima sobre eles. Aqui só são indicados quantos escravos estão em

    companhia do seu senhor, o gênero, se são adultos ou crianças, a cor da pele e “nação”.

    Quando se tem pessoas em condição de alforria vêm descrito com quem eles estão

    viajando e o destino da viagem e, se seguirão somente por terra, por mar ou pelos dois

  • 34

    meios. Abaixo tem-se um exemplo de como era feito os passaportes para o livro de

    registro.

    “Em 25 de Fevereiro de 1876, se passou por esta secretária

    Antonio Medeiros que levava em sua companhia quatro

    moleques da nação de Angola chamados Francisco, João, José e

    Pedro, seguindo viagem para o Pará na Galeria ____ do mestre Manoel Francisco”. (LIVRO N° 39, PASSAPORTE 30, FL. 02)

    As descrições realizadas nesses passaportes são simples e objetivas, quando o

    escravo é africano este é apresentado junto com o nome e idade. Em outros casos,

    existem registros em que consta somente a quantidade de escravos transportados sem

    maiores informações: “Passaporte passado [...] ao Doutor Narciso José de Almeida

    Guatimosim para a Bahia [...] levando [...] 12 escravos.” (LIVRO N° 40,

    PASSAPORTE 259, FL. 128v) 7.

    Os passaportes transcritos também serviram como instrumento para

    compreendermos a dinâmica da mudança identitária e para análises quantitativas de

    homens e mulheres, sua faixa etária, destino, naturalidade, designação de cor, quantos

    viajavam sozinhos e acompanhados, dentre outros. Ao final, as transcrições de

    duzentos e setenta e um passaportes, entre os anos de 1750 a 1886, permitiram o

    mapeamento de quinhentas e quatro pessoas, sendo que trezentos e oitenta e oito eram

    homens, cento e oito mulheres e oito que apareceram sem identificação.

    A partir do conjunto analisado somente cento e treze passaportes divulgaram a

    faixa etária destes indivíduos, as idades variavam entre nove a sessenta anos para os

    homens, e de catorze a seis anos entre as mulheres. Dentre os passaportes transcritos

    apenas trinta e dois descreviam a idade dos homens e somente quatro a das mulheres,

    havendo casos em essa idade não era mencionada, cerca de setenta e sete.

    Sem dúvida estes casos apresentados nos ajudam a sanar algumas lacunas

    ligadas a população escrava no contexto maranhense, contribuindo para uma maior

    percepção das suas vivências e identidades de “nação”. Um fator que dificultou a

    análise mais detalhada destes documentos se refere ao estado em que estes se

    encontram, pois o material utilizado para fazer o passaporte de uma pessoa em condição

    de escravo era de qualidade inferior ao de um branco, o que tem contribuído para que,

    com o passar do tempo, metade deste material tenha sido perdido.

    7 Repertório de documentos para História de Escravos no Maranhão, volume I (1770-1830). Disponível

    no Arquivo Publico do Estado do Maranhão.

  • 35

    Porém, através das análises conjunturais propostas obtiveram um resultado

    satisfatório, pois a maioria dos passaportes continha informações substanciais, que nos

    foram úteis no sentido de estabelecer novas considerações sobre esta temática,

    disponibilizando dados que não aparecem em outras documentações. Para uma melhor

    apresentação dos resultados encontrados nos passaportes optou-se pelos gráficos que

    melhor retratam os dados colhidos, cada gráfico se refere a uma problemática em

    específico, vejamos:

    Tabela 1

    Identificação dos Homens encontrados nos passaportes (1756-1886)

    Designação Quantidade %

    Homens escravos 331 87.79%

    Pretos forros 27 7.16%

    Crioulo forro 3 0.79%

    Mulatos forros 2 0.53%

    Negros forros 1 0.26%

    Pardos forros 1 0.26%

    Boçais 3 0.79%

    Ladinos 1 0.26%

    Cafuso forro 1 0.26%

    Não identificados 7 1.85%

    Total 377 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    Tabela 2

    Identificação das Mulheres encontradas nos passaportes (1756 – 1886)

    Designação Quantidade %

    Mulheres escravas 89 66.41%

    Pretas forras 15 11.20%

    Crioulas Forras 17 12.68%

    Mulatas Forras 2 1.50%

    Preta Boçal 1 0.74%

    Outras 3 2.23%

    Não Identificados 7 5.22%

    Total 134 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

  • 36

    Devido ao recorte temporal estabelecido para a análise documental, pode-se

    perceber nas informações encontradas nos passaportes transcritos uma a maior

    circulação da população cativa na província maranhense, isso aconteceu, pois em sua

    grande maioria viajavam acompanhando seus senhores. Outro fator observado é a

    predominância da condição de escravos, para os homens e mulheres, tanto de origem

    africana como nascidos no Brasil.

    Tabela 3

    Naturalidade (1756-1886)

    Local Quantidade %

    Maranhão 21 4.16%

    África 9 1.78%

    Angola 16 3.17%

    Lisboa 2 0.39%

    Outros Lugares 10 1.98%

    Não identificados 446 88.49%

    Total 504 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    No gráfico de número 3, podemos observar que a maioria dos sujeitos

    escravizados nasceu no Maranhão, além daqueles pertencentes ao continente africano,

    especialmente, Angola. Os números apontam para uma conexão entre Angola e

    Maranhão, mas vale destacar que o local de origem, indicado nos passaportes, pode não

    ser a verdadeira procedência desse escravo, uma vez que em geral os dados fazem

    referência aos portos de saída e não necessariamente aos locais de nascimento. Todavia

    há uma quantidade significativa de escravos sem a naturalidade reportada. Estes dados

    se aproximam daqueles apresentados por Mota (2013):

    A grande maioria dos escravos levados para o Maranhão

    provinha dos rios da Guiné, embarcados em Cacheu (44%), Bissau (43%) e Angola (12%). Ao lado dos escravos Mina,

    Angola, Benguela, Congo e Cabinda, apareceram

    especificadamente, sete etnias da Guiné: Mandinga, Papel, Bijagó, Fula, Balanta, Cassange e Nalu. Os Mandingas são de

    longe os mais freqüentementes mencionados, juntos com os

    escravos denominados Angola. (ASSUNÇÃO apud MOTA,

    2013, p. 180)

  • 37

    Com isso, vamos observar as informar extraídas da tabela de número.

    Tabela 4

    Designação de cor (1756-1886)

    Classificação Quantidade %

    Pretos 73 14.48%

    Mulatos 19 3.76%

    Pardos 15 2.97%

    Crioulos 17 3.37%

    Outros 6 1.19%

    Não identificados 374 74.20%

    Total 504 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    No gráfico sobre a designação de cor existe uma grande quantidade de pretos

    (como eram descriminados nos passaportes) presentes no Maranhão, embora muitos

    destes não tenham sidos identificados. Devemos lembrar que não constam aqui sujeitos

    escravizados que são mantidos em cativeiros nas fazendas ou que já viviam em

    quilombos, podemos então especular que a quantidade de escravos na província pode

    ser bem maior do que esta descrita.

    Tabela 5

    Destino (1756-1886)

    Local Quantidade %

    Pará 120 23.80%

    Rio de Janeiro 74 14.68%

    Europa 63 12.50%

    Maranhão 49 9.72%

    Nordeste 110 21.82%

    África 9 1.78%

    Qualquer lugar da

    província

    9 1.78%

    Não identificados 70 13.88%

    Total 504 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

  • 38

    Sobre o destino, a maioria viajava para o Pará, ou seja, a transição Pará-

    Maranhão era frequente devido a Companhia de Comercio Grão-Pará e Maranhão que

    estavam em pleno funcionamento no período escolhido para análise, o que garantia uma

    intensa comercialização entre os dois locais. Muitos comerciantes e donos de escravos

    mantinham negócios e propriedades nas duas províncias, ambas constituíam

    importantes centros comerciais na época.

    Tabela 6

    Viajavam acompanhados (1756-1886)

    Sexo Quantidade %

    Homens 302 59.92 %

    Mulheres 62 12.30 %

    Não identificados 140 27.77 %

    Total 504 100 %

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    Tabela 6.1

    Viajavam Sozinhos (1756-1886)

    Sexo Quantidade %

    Homens 67 13.29%

    Mulheres 24 4.76 %

    Não identificados 413 81.94%

    Total 504 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    No tocante as informações contidas nos gráficos referentes às viagens (gráficos 6

    e 6.1), é perceptível a predominância dos homens viajando acompanhados ou sozinhos,

    especialmente para os locais que foram destacados na tabela 5. Todavia ainda existe

    uma ausência de informações sobre as identificações de ambos os sexos, o que nos

    impossibilita de aprofundar as análises acerca dos elementos que ditavam essas lógicas.

  • 39

    Tabela 7

    Situação dos Escravos (as) encontrados nos passaportes (1756-1886)

    Designação Quantidade %

    Homens Escravos com trabalho

    definido

    7 1.38%

    Mulheres Escravas com trabalho

    definido

    2 0.39%

    Homens Escravos com trabalho não

    definido

    324 64.28%

    Mulheres escravas com trabalho não

    definido

    82 16.26%

    Não identificados 89 17.65

    Total 504 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    A tabela 7 demonstra que em geral os escravos realizavam atividades que

    geravam renda, no entanto, em sua maioria não é especificada o tipo de prática

    desenvolvida, o que nos impossibilita de tecer maiores considerações sobre esta

    realidade. De fato carecemos de dados que possam nos ajudar a melhor analisar a

    movimentação econômica que estes escravos realizavam na época pesquisada.

    Tabela 7.1

    Trabalhos realizados por homens escravos (1756-1886)

    Trabalho Quantidade %

    Sapateiro 1 0.20%

    Profissão? 2 0.39%

    Lavoura 1 0.20%

    Negociante 2 0.40%

    Empregado 1 0.20%

    Não Identificados 497 98.61%

    Total 504 100% Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    Nesse gráfico sobre o trabalho realizado por homens escravos além da atividade

    de negociante, sapateiro, do trabalho na lavoura ou empregado, aparece na

    documentação a descrição “profissão”, o que nos dificulta em identificar o tipo de

    prática desenvolvida. Seria importante entender se ele trabalhava no campo ou na

    cidade e, principalmente, qual trabalho seria esse que o fazia viajar.

  • 40

    Tabela 7.2

    Trabalho Realizado por mulheres escravas (1756-1886)

    Trabalho Quantidade %

    Profissional do serviço

    doméstco

    1 0.20%

    Roceira 1 0.20%

    Não Identificados 502 99.60%

    Total 504 100% Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    Em relação as mulheres somente duas profissões foram citadas na

    documentação: a de doméstica e a de roceira, aqui ficou muito limitado e pouco descrito

    as profissões que estas realizavam, sendo que aquelas não identificadas chega a metada

    de toda a população descrita e encontrada nos passaportes.

    Tabela 8

    Homens e Mulheres Forros que trabalhavam (1756-1886)

    Designação Quantidade %

    Homens libertos com

    trabalho

    8 1,58%

    Mulheres libertas com

    trabalho

    8 1.58%

    Homens libertos com

    trabalho não definido

    31 6.15%

    Mulheres Libertas com

    trabalho não definido

    30 5.95%

    Não identificados 427 84.72 %

    Total 504 100%

    Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    A situação também não é diferente para os homens e mulheres que alcançaram a

    liberdade, só conseguimos nos aproximar de uma estimativa para os libertos que

    possuíam identificação nos passaportes.

  • 41

    Tabela 8.1

    Trabalhos realizados por Homens Forros (1756-1886)

    Trabalho Quantidade %

    Negociante 1 0.20%

    Oficial de Pedreiro 2 0.40%

    Doméstico 3 0.60%

    Criado 2 0.40%

    Não Identificados 496 98.41%

    Total 504 100% Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    Em relação aos homens livres cuja pratica desenvolvia era descrita nos

    passaportes, foi possivel identificar uma maior citação para o uso doméstico, cerca de

    0.60%. Esses escravos encontravam-se em viagem a serviço, geralmente acompanhando

    seus patrões.

    Tabela 8.1.2

    Trabalhos realizados por Mulheres Forras (1756-1886)

    Trabalho Quantidade Designação

    Criadas 08 1.60%

    Não Identificados 496 98.41%

    Total 504 100% Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão. Passaporte de Escravos (1756-1886)

    A única citação em relação aos trabalhos feitos por mulheres forras é a de criada.

    Nas viagens realizadas é descrito a presença de crianças. Dessa forma pode-se concluir

    que os serviços desempenhados eram o de cuidar dos filhos dos senhores.

    Frente ao que foi acima exposto e após o levantamento significativo destes

    dados sentimos a necessidade de melhor compreender o cotidiano destes sujeitos,

    mergulhar na vivência de homens e mulheres que estiveram sob o julgo da escravidão.

    Neste sentido, na segunda etapa da pesquisa buscamos compreender os espaços

    religiosos de sociabilidade dos africanos escravizados e libertos, e as estratégias de

    sobrevivência que eles lançaram mão. Para tanto acrescentamos às nossas fontes de

    investigação os documentos referentes às Irmandades Negras e o papel que elas tiveram

    como importantes centros de interação e socialização.

    Essas instituições emergiram no decorrer de todo o regime colonial, não apenas

    no Brasil, mas em outras colônias europeias e ganharam força ao longo dos anos,

    sobrevivendo mesmo com o fim deste sistema. Tendo como base o poder de

    representatividade de muitas dessas confrarias e irmandades, vários estudiosos

  • 42

    procuraram melhor compreendê-las. De acordo com Elikia M’Bokolo (2009), no livro

    África Negra, a organização dessas instituições garantiu um grau considerável de

    integração dos africanos no “Novo Mundo” e se destacaram como estratégias de

    sobrevivência frente à sociedade escravista que os oprimia. Na maioria das vezes,

    funcionando como sociedade de ajuda mútua, elas constituíram um meio de articulação

    entre os africanos das mais diversas nações e grupos étnicos.

    Inicialmente essas confrarias funcionavam a partir de um caráter étnico,

    aceitando somente escravos de origem “jeje”, “angola” e ou “mina”. Todavia, ao longo

    dos anos foram ganhando caráter misto e aceitando todas as “nações” sem restrições.

    Segundo John Thorthon (2004), essas instituições serviram como importantes laços de

    solidariedade, proporcionando apoio moral, reforço cultural e familiaridade entre os

    grupos. No contexto brasileiro, podemos destacar alguns trabalhos que buscaram

    compreender o papel das Irmandades e Confrarias negras, como “Devotos da cor:

    Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII” de

    Mariza de Carvalho Soares (2002), a “Morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta

    popular no Brasil, século XIX” de João José Reis (1991), e os “Escravos e Libertos nas

    Irmandades do Rosário: devoção e sociabilidade em Minas Gerais – séculos XVIII e

    XIX” de Célia Maria Borges (2005). Trabalho este que iremos analisar no próximo

    capítulo, estabelecendo chaves de interpretação para a realidade maranhense.

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    CAPÍTULO 3

    IDENTIDADES ÉTNICAS E ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA: o papel das

    Irmandades Negras.

    Neste capítulo o material utilizado foram os documentos referentes às

    Irmandades negras que existiram no Maranhão, entre os séculos XVIII e XIX. Frente a

    atuação dessas instituições religiosas podemos percebê-las como espaços de resistência

    em que escravos e libertos buscaram se inserir. Mas antes, destas análises, se faz

    necessário desenvolvermos um apurado dos estudos sobre as Irmandades no Brasil.

    Iniciamos com o trabalho de Anderson José Machado de Oliveira (2013), que no

    artigo “As irmandades dos homens de cor na América Portuguesa: á guisa de um

    balanço historiográfico”, tem como intenção mostrar os estudos sobre as Irmandades

    de homens de cor na América Portuguesa e também a participação destes em

    instituições frequentadas por homens brancos.

    De acordo com o autor, a primeira a realizar estudos sobre as Irmandades de

    homens de cor foi Julita Scarano (1973) que ao analisar a Irmandade de Nossa Se