UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ - UNESPAR …matematicafafiuv.pbworks.com/w/file/fetch/88853258/UM...
Transcript of UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ - UNESPAR …matematicafafiuv.pbworks.com/w/file/fetch/88853258/UM...
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ - UNESPAR
COLEGIADO DE MATEMÁTICA
RUI ALEX JABLONSKI
UM ESTUDO TEÓRICO DA ETNOMATEMÁTICA
UNIÃO DA VITÓRIA
2014
2
RUI ALEX JABLONSKI
UM ESTUDO TEÓRICO DA ETNOMATEMÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual do Paraná –UNESPAR – Campus de União da Vitória, para obtenção do Grau de Licenciado em Matemática. Orientador: Prof. Celso da Silva
UNIÃO DA VITÓRIA
2014
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, por abrir meus caminhos, os quais
pude percorrer e chegar até aqui.
A minha mãe, Márcia, que apesar de não estar mais neste mundo, com
certeza, me iluminou para que esta jornada fosse cumprida.
A minha esposa, Luana, por estar presente em todas as minhas
conquistas, me apoiando e se mostrando atenciosa e compreensiva em todos os
momentos.
Aos meus familiares, pela compreensão e apoio em mais esta etapa da
minha vida.
Ao meu orientador, Prof. Celso, pela dedicação em me auxiliar ao
longo deste trabalho, contribuindo com valiosas sugestões.
Aos professores do Colegiado pelos ensinamentos durante toda a
graduação.
A todos os amigos e colegas que contribuíram de diversas formas para
a construção deste trabalho.
4
RESUMO
Na busca pela melhoria do ensino e da aprendizagem dos alunos temos várias tendências metodológicas, sendo uma delas a Etnomatemática, pouco conhecida entre os docentes. Desta forma foi realizada uma pesquisa bibliográfica, da origem a prática, com o intuito de verificar sua aplicabilidade. Este trabalho tem como objetivo deixar uma noção sobre sua origem, suas ideais e suas práticas. O estudo da Matemática presente em diversos grupos culturais, profissionais e sociais está em voga. O programa de pesquisa em Etnomatemática nasceu em 1985, criado por D'Ambrósio (2002), e defende que cada grupo possui uma matemática própria, construída pela evolução do meio social em que vive. Esta evolução da espécie humana está entrelaçada com a necessidade de sobrevivência, onde há a procura por soluções de problemas que surgem ao longo da história, de determinado grupo ou sociedade, e que geram o saber/fazer matemático. Ao mesmo tempo e a partir dos conceitos definidos pelo programa, surgem novas pesquisas na área. A relação da Etnomatemática com a Modelagem Matemática está presente em um modelo pedagógico formulado por Ferreira (1997), cujo a elaboração de modelos é primordial para a compreensão das diversas realidades em cada cultura e/ou grupo. Algumas tarefas já aplicadas tiveram sucesso em seus contextos, mas deve-se ter o cuidado em definir qual a ligação delas com as ideias da Etnomatemática. Fica claro que para sua utilização deve-se conhecer previamente o determinado grupo, verificar suas potencialidades e desenvolver o trabalho, sendo possível, desde que bem planejado.
Palavras-chave: Etnomatemática. Educação Matemática. Práticas escolares.
5
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: CICLO ............................................................................................ 16
FIGURA 2: CICLO VITAL ................................................................................. 19
FIGURA 3: RAÍZES DA PALAVRA .................................................................. 20
FIGURA 4: ZONA DE CONFLUÊNCIA ............................................................ 24
FIGURA 5: MODELO PEDAGÓGICO .............................................................. 31
FIGURA 6: REPRESENTAÇÃO DA TABUA QUADRICULADA 1 .................... 35
FIGURA 7: REPRESENTAÇÃO DA TABUA QUADRICULADA 2 .................... 36
FIGURA 8: REPRESENTAÇÃO DO QUADRADO ABCD ................................ 36
FIGURA9: FIGURAS GEOMÉTRICAS DO ITEM D ......................................... 37
FIGURA 10: VARETAS .................................................................................... 42
FIGURA 11: ATIVIDADE DO RETÂNGULO .................................................... 43
FIGURA 12: TRIÂNGULOS .............................................................................. 44
FIGURA 13: CANOA ........................................................................................ 44
FIGURA 14: UMA LEIRA ................................................................................. 46
FIGURA 15: UMA LEIRA COM 14 PÉS DE ALFACE ...................................... 47
FIGURA 16: UMA LEIRA COM 14 PÉS DE ALFACE EM GRUPOS DE 10..... 47
FIGURA 17: LEIRA VAZIA 1 ............................................................................ 48
FIGURA 18: UMA LEIRA COM 14 PÉS DE ALFACE EM GRUPOS DE 5 ...... 48
FIGURA 19: LEIRA VAZIA 2 ............................................................................ 49
FIGURA 20: UMA LEIRA COM 52 PÉS DE ALFACE ...................................... 49
FIGURA 21: LEIRA VAZIA 3 ............................................................................ 50
FIGURA 22: TÁBUA DE ADIÇÃO NA BASE10 ................................................ 50
FIGURA 23: TÁBUA DE ADIÇÃO NA BASE 5 ................................................. 50
FIGURA 24: TÁBUA DE MULTIPLICAÇÃO NA BASE10 ................................. 51
FIGURA 25: TÁBUA DE MULTIPLICAÇÃO NA BASE 5 .................................. 51
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 07
2 ORIGEM DA ETNOMATEMÁTICA ............................................................... 09
2.1 DIMENSÕES DA ETNOMATEMÁTICA ...................................................... 13
2.1.1 DIMENSÃO CONCEITUAL ..................................................................... 13
2.1.2 DIMENSÃO HISTÓRICA ......................................................................... 14
2.1.3 DIMENSÃO COGNITIVA ......................................................................... 15
2.1.4 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA ............................................................ 15
2.1.5 DIMENSÃO POLÍTICA ............................................................................ 17
2.1.6 DIMENSÃO EDUCACIONAL .................................................................. 18
2.2 A CONSTRUÇÃO DA PRIMEIRA DEFINIÇÃO .......................................... 19
3. ALGUMAS CONCEPÇÕES DA ETNOMATEMÁTICA ................................ 23
3.1 EVOLUÇÃO DAS PESQUISAS NA ÁREA ................................................. 25
3.2 ETNOMATEMÁTICA: UMA TEORIA EDUCACIONAL ............................... 29
4 ETNOMATEMÁTICA: ATIVIDADES APLICADAS ....................................... 34
4.1 TAREFAS - MARCENARIA ........................................................................ 34
4.2 TAREFAS - COMUNIDADE INDÍGENA ..................................................... 38
4.3 TAREFAS - CAIÇARAS ............................................................................. 41
4.4 TAREFAS - HORTALIÇAS ......................................................................... 45
5 ALGUMAS CRÍTICAS À ETNOMATEMÁTICA ............................................ 53
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 55
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 57
7
1 INTRODUÇÃO
O professor possui diversos desafios na sua prática, relacionado
principalmente a aprendizagem de seus alunos. A cada aula, tem-se uma nova
necessidade, um novo aspecto, uma situação inesperada. Sabe-se que há várias
metodologias que podem ajudá-lo a superar esses desafios. Algumas são julgadas
mais aplicáveis, outras nem tanto, o fato é, que surgem inúmeros encaminhamentos,
sendo que, a teoria e a prática podem não estar bem claras aos docentes que
resolvam inovar suas metodologias e os encaminhamentos dos conteúdos. Neste
contexto aparecem dúvidas como as seguintes perguntas: Gostei de determinado
trabalho, mas como aplicá-lo nas minhas aulas? Quais os processos prévios e as
premissas dessa suposta nova metodologia? Isto pode ser considerado uma
metodologia? As ideias surgiram aonde e quando? Será que é possível nas minhas
aulas?
Pode-se listar diversos trabalhos com métodos e ações que tiveram um
resultado positivo para uma determinada turma ou escola. Procurou-se escolher um
tema que não estava bem compreendido e conhecido pelos docentes, conforme
pesquisas e comentários em textos na área. A Etnomatemática aparece como uma
incógnita para diversos professores, pois ela possui diversos conceitos sobre sua
existência, origem e principalmente sua prática. Para conhecer a sua base, assim
como, os trabalhos e as aplicabilidades em sala, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica, visando uma melhor compreensão do assunto.
Em um primeiro capítulo será apresentado seu surgimento em congressos e
em trabalhos pedagógicos, a construção da primeira definição, do termo, dos
conceitos prévios, e as diversas dimensões dela no mundo como um todo. Depois
de interados das suas origens, o segundo capítulo contém outras definições da
Etnomatemática, que surgiram juntamente e posteriormente a definição de
D‟Ambrosio (2002), ou seja, mostra sua evolução ao longo dos últimos quarenta
anos. Neste aparecerá a visão dela como uma teoria educacional, que pode ser
trabalhada em conjunto com a Modelagem Matemática, evidencia-se uma ligação
forte entre elas. Ficará exposto que há uma grande evolução tanto nas definições,
como nas pesquisas sobre a teorização e a prática da Etnomatemática neste
capítulo.
8
O propósito deste trabalho é deixar uma noção sobre os objetivos, os ideais e
as práticas da Etnomatemática. Sabendo suas origens, sua evolução e seu conceito,
têm-se a introdução necessária para compreendermos os trabalhos, oficinas e
tarefas aplicadas com uma abordagem Etnomatemática, que tiveram sucesso nas
comunidades onde foram trabalhados. No terceiro capítulo conterá os relatos de
alguns professores que tiveram contato prático com as ideias que serão
apresentadas nos capítulos anteriores. Assim a sua aplicação ficará mais clara para
os docentes e acadêmicos que tiverem contato com este texto. De certa forma no
final algumas de suas potencialidades são apresentadas para que, em sala, haja
certa avaliação, ou seja, há ou não um modo de usufruir da Etnomatemática.
Para auxiliar os leitores nas suas avaliações, o último capítulo deste trabalho
contém algumas críticas relevantes, que a Etnomatemática tem enfrentado ao
decorrer da evolução de suas ideias, práticas e principalmente, as críticas referentes
a sua epistemologia. Com essa estrutura e ordem acredita-se que a Etnomatemática
fique mais compreensível para que, de certa forma, possa auxiliar os colegas a
entendê-la, visando a melhoria da aprendizagem e da educação Matemática como
um todo.
9
2 ETNOMATEMÁTICA
Quando nos deparamos com o termo Etnomatemática, num primeiro
momento pensamos, que pode ser o estudo das relações que há entre a Matemática
e diferentes etnias. De certa forma não está errado, mas verifica-se que é muito mais
do que isso. Para construir as ideias da Etnomatemática pensemos previamente em
três termos: Multiculturalismo, Ciência e Etnociência.
Segundo Esquincalha (2005) entende-se como multiculturalismo o
reconhecimento de que todas as culturas são importantes e que sofrem influências
umas das outras, num processo cuja sobreposição de uma cultura sobre a outra não
ocorra, mas que possamos aproveitar o seu melhor. Com isso podemos dizer que
todas as culturas de alguma forma foram importantes para a evolução do mundo em
que vivemos.
Ciência, “é um conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis, modelos,
etc., visando ao conhecimento de uma parcela da realidade, em contínua ampliação
e renovação, que resulta da aplicação deliberada de uma metodologia especial
(metodologia científica)”, (MAIA, 1990, p. 24). Para D‟Ambrósio (2002), em uma
definição mais relacionada com a evolução humana, é um corpus do conhecimento,
organizado e hierarquizado pelo seu grau de complexidade e de generalidade,
elaborados pelo homem na sua ânsia de desvendar as ordens: cósmica e natural,
esclarecendo o comportamento físico, emocional e psíquico dos indivíduos. Cada
cultura possui o que chamamos de sua etnociência, que conforme o pensamento
deste autor é o estudo de fenômenos científicos e tecnológicos que estão em uma
relação direta com a formação social, econômica e cultural.
Dessa maneira pode-se perceber que toda a ciência, que nos ajuda a
desvendar os mistérios da nossa existência, é fruto de um multiculturalismo, onde
notamos que todas as culturas dão e deram as suas devidas contribuições na
evolução do mundo. Ou seja, cada cultura, grupo social e classe profissional possui
sua etnociência, que é fruto de saberes maternos que passam por várias gerações e
que formam o conjunto de descobertas que beneficiam o próprio grupo.
Com isso espera-se que a etnociência atue de uma maneira multicultural
procurando entender os processos envolvidos na geração e transmissão de saberes,
no “como” cada grupo realiza sua ciência mantendo seus valores e práticas sociais,
10
religiosas, culturais e profissionais, e de que forma os resultados e as construções
podem contribuir em outras culturas sem que ocorra aculturação mútua. Todos os
grupos deveriam coexistir de uma maneira harmônica para que as identidades não
ficassem perdidas ou esquecidas.
Segundo D' Ambrósio (2002), quando pensamos na Matemática como
ciência, fica destacado algumas culturas originadas ao entorno do Mar Mediterrâneo.
Portanto quase toda a organização intelectual da Matemática está nessas
regiões.Sabe-se que os saberes da civilização ocidental resultaram dessas culturas
e grande parte da Matemática resultou da Grécia antiga, que também pertence a
essa região. Para Silva (2012, p. 1),
Um passo de fundamental importância para o desenvolvimento da matemática, como hoje a entendemos, foi dado durante o período grego. Grande parte dos fundamentos culturais da civilização moderna foi por eles estabelecida, particularmente nos campos do pensamento filosófico, científico e matemático. A eles se deve a fundamentação da disciplina por meio de axiomas e a construção progressiva de conclusões por meio do pensamento lógico-dedutivo, as provas ou demonstrações.
Com as grandes navegações e o descobrimento do novo mundo, o velho
mundo (Europa) teve a oportunidade de conhecer novos povos e explorar novas
terras, o que sabemos, de fato aconteceu. Estas descobertas influenciaram de certa
forma na evolução da ciência moderna, o único problema era que os povos e as
culturas das Américas foram consideradas inferiores e não tinham sua devida
importância para a sociedade da época. Exemplo disso é que antes dos portugueses
chegarem ao nosso país a língua mais falada era uma variação do Tupi. A
sociedade europeia se instalava nas terras encontradas e as culturas acabavam
submissas aos novos tempos.
O Programa Etnomatemática criado pelo professor Ubiratan D‟Ambrosio e
apresentado em agosto de 1984 no Quinto Congresso Internacional de Educação
Matemática na Austrália, busca de certa forma o reconhecimento tardio de outras
formas de pensar, não só em relação aos pensamentos matemáticos, mas também
sobre as outras ciências. Pesquisar e reconhecer, realizando reflexões sobre a
natureza das ideias matemáticas com uma visão cognitiva, histórica, social e
pedagógica é um dos seus objetivos. Também temos como um grande motivo para
a existência desta pesquisa, comentado pelo docente, a procura em entender o
saber/fazer matemático ao longo da história, contextualizado em diferentes grupos,
que pode ser um grupo profissional, social, e cultural que contenham os mesmos
interesses.
11
É importante já esclarecer que tanto nos trabalhos pesquisados quanto neste,
não consegue-se chegar a uma teoria final do saber/fazer matemático de uma
determinada cultura, pois há uma dinâmica de pesquisa em que deve-se estar
abertos para novos aspectos, novas metodologias e enfoques. Assim como a
evolução humana não cessa e se modifica a cada momento, e os indivíduos
desenvolvem seus conhecimentos, comportamentos que se modificam a cada novo
saber, a Etnomatemática também possui esta dinâmica de um processo interrupto.
Para continuarmos a refletir sobre o tema abordado e melhor entendermos as
ideias iniciais construiremos a noção de cultura, as razões iniciais da existência
humana, as primeiras necessidades e os saberes do cotidiano. Segundo Geertz
(1989, p. 103),
A cultura denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.
Para que as pessoas obtenham esses significados, D‟ Ambrósio (2002)
comenta que os indivíduos recorrem à natureza para sua sobrevivência e procuram
o outro para criar relações que intercambiam pensamentos, interesses em comum,
que de certa forma, são associados e pertencem então a uma sociedade, ou seja,
há uma necessidade humana de conviver e se relacionar com outras pessoas.
Nessa interação há uma troca de saberes e o grupo compartilha certos modos, a
linguagem, os mitos, a culinária, os costumes, e se comportam respeitando esse
sistema de valores, ou seja, podemos dizer que esses indivíduos pertencem a uma
cultura. E essa cultura sempre está em transformação, possuindo diversas maneiras
de fazer (práticas) e de saber (teorias).
Outra necessidade humana segundo D' Ambrósio (1998), talvez a mais
importante para a sobrevivência é a de se alimentar, sendo um grande estímulo para
o desenvolvimento de instrumentos, de maneiras para caça e agricultura ao longo da
evolução. As primeiras evidências de um instrumento foi o de pedra lascada há 2
milhões de anos que foram utilizados para descarnar animais. Ao procurar as
dimensões mais adequadas para a pedra lascada nos deparamos com a possível
primeira manifestação de Matemática da espécie humana. Das carcaças passa-se
ao abate de presas, que poderia ser maior e mais forte que os homens, disso surge
então as lanças que propiciavam mais segurança na caça. Com a possibilidade de
12
abater manadas cria-se grupos de caça, de forma que há uma organização e
avaliação do que cada membro grupo irá fazer.
Dessa maneira, tendo a necessidade de uma organização, as primeiras
sociedades são formadas há cerca de 40 mil anos. A cooperação entre os grupos,
com mitos e símbolos pode ser o provável responsável pelo surgimento de canto e
dança, que são associados com noções matemáticas de tempo e espaço. Com a
unificação de grupos que se tornaram maiores é provável que o desenvolvimento da
linguagem tivesse ocorrido. Essas invenções e a evolução das sociedades foram,
para D' Ambrósio (2002), o prenúncio para a agricultura que se desenvolveu há
cerca de 10 mil anos particularmente nas civilizações do Mediterrâneo. Como as
populações aumentavam ainda mais, surge outra necessidade a de planejar o
plantio, organizando a posse da terra e a produção organizada, dessa maneira com
a prática dos faraós resulta-nos grandes conceitos da geometria. Com isso também
surge os mitos e cultos ligados a fenômenos naturais que afetavam a agricultura, ou
seja, sendo necessário saber quando plantar e quando colher, precisavam então dos
calendários para terem mais sucesso nas colheitas. Apesar de utilizarmos o
calendário gregoriano, há mais de 40 atualmente em uso. A construção de
calendários, ou seja, a contagem do tempo pode ser considerada um exemplo de
Etnomatemática.
Esse conhecimento de cada sociedade que foi construído com a própria
evolução do grupo, foi compartilhado e registrado de uma forma que as gerações
futuras não perderam e deram continuidade formando o que conhecemos por
história, que podem ser de grupos, famílias, tribos, comunidades e nações. D'
Ambrósio (2002) sintetiza pelo exemplo da alimentação, que é a primeira
necessidade do ser humano, que várias necessidades ao longo do tempo
possibilitaram a evolução da espécie e da Matemática.
Pelos parágrafos anteriores pode-se perceber que há distintas maneiras de
saber/fazer, sendo algumas mais notáveis como comparar, classificar, quantificar,
medir, explicar, inferir, generalizar e avaliar. Esse saber/fazer matemático busca
explicações e maneiras para lidar com o ambiente, sendo ele contextualizando e
influenciado por fatores sociais e naturais. Temos então o cotidiano que está
impregnado em cada cultura. Os saberes que estão de certa forma no cotidiano, não
se aprendem na escola.
13
Temos vários exemplos que são citados por D' Ambrósio (2002) de trabalhos
e pesquisas de seus colegas, sendo alguns deles: Maria Luisa Oliveras trabalhou
com artesãos na Espanha, Teresinha Nunes pesquisou as práticas matemáticas de
feirantes em Recife, Adriana M. Marafon identificou práticas matemáticas de
borracheiros e como a profissão dos pais pode influenciar seus filhos na escola, Tod
L. Shockey identificou a Matemática inserida em cirurgias cardíacas, Maria do
Carmo Villa pesquisou a Matemática praticada pelos vendedores de sucos de frutas,
Sérgio R Nobre identificou a prática Matemática que bicheiros tinham para o
esquema de apostas, Marcelo de Carvalho Borba analisou como as crianças da
periferia construíam um campo de futebol, ou seja, com alguns exemplos
percebemos que cada grupo profissional, social tem sua prática Etnomatemática.
Um dos papéis da Etnomatemática é analisar criticamente todos os processos
em que nós estamos envolvidos na sociedade que pertencemos, ou seja, com
auxílio da Matemática podemos ver o mundo de uma maneira diferente.
2.1 DIMENSÕES DA ETNOMATEMÁTICA
Continuaremos a mencionar as ideias de D‟ Ambrósio (2002), pois vários
trabalhos relacionados com a Etnomatemática apareceram e foram apresentados no
mundo acadêmico após seus estudos sobre o tema e a criação do termo. Em seus
trabalhos o autor comenta sobre as dimensões que a Etnomatemática atinge e pode
ter em diversos contextos, sendo elas a dimensão conceitual, histórica cognitiva,
epistemológica, política e educacional.
2.1.1 DIMENSÃO CONCEITUAL
A Matemática é resposta das questões existenciais da espécie humana,
sendo a sobrevivência e a transcendência, criando práticas e teorias que são bases
para a construção do conhecimento. Essa construção influência o comportamento
social e cultural, criando assim as representações da realidade, ou seja, como um
14
determinado grupo vê e representa sua sociedade. Essas representações são fruto
da percepção do espaço (meio onde estão inseridos) e do tempo, sendo um grande
diferencial dos humanos para outras espécies de animais.
Pensando em comportamentos, para a sobrevivência temos comportamentos
imediatos, influenciada pelo momento real e por experiências já vividas, ou seja, o
comportamento tem bases no conhecimento e gera um novo conhecimento, essas
simbioses conhecemos como o instinto que atua na sobrevivência dos indivíduos de
qualquer espécie. Nós humanos além do instinto temos a transcendência, sendo que
o “aqui e agora” é amplificado para o “onde e o quando”. Nosso presente transita no
passado e no futuro, pois com nossa capacidade sensorial respondemos ao material
(artefatos) e ao imaginário (mentefatos).
A dimensão conceitual da Etnomatemática está relacionada com o acúmulo
de experiências e imaginações que forma a nossa realidade natural. Cada indivíduo
trabalha com informações que geram suas reações, o comportamento gera a
construção de novos conhecimentos, que é compartilhado pelos indivíduos de um
grupo. A união de saberes compartilhados tem a conseqüência de compatibilizar os
comportamentos, os saberes compartilhados e os comportamentos compatibilizados
formam a cultura de determinado grupo.
2.1.2 DIMENSÃO HISTÓRICA
A ciência moderna em sua história vem desenvolvendo instrumentos
intelectuais que dependem da interpretação dos saberes das civilizações que
habitaram a bacia do Mediterrâneo há aproximadamente 3.000 anos atrás. Sendo
elas os egípcios, babilônios, judeus, gregos e romanos, que de certa forma
representam a origem do conhecimento moderno. No passar desses anos temos as
transições entre o qualitativo e quantitativo quando são analisados os fatos e
fenômenos. A modernidade se fez com a incorporação do raciocínio quantitativo,
sendo um exemplo a aritmética. Mais recentemente temos uma busca intensa pelo
qualitativo, como exemplo a inteligência artificial.
Sem avaliarmos o momento cultural que estamos vivendo não há como
avaliarmos o estado da educação, ou seja, segundo D' Ambrósio (2002), precisamos
15
entender o comportamento da juventude, qual é momento cultural dos nossos
alunos, sendo assim saberemos o estado da educação. Essa avaliação de
momentos e fatos é a dimensão histórica da Etnomatemática.
2.1.3 DIMENSÃO COGNITIVA
As ideias matemáticas, particularmente, comparar, classificar, quantificar,
medir, explicar, generalizar, inferir e, de alguma maneira avaliar, são as formas de
pensar matematicamente. Como surge o pensamento matemático nos indivíduos é
um objeto de intensa pesquisa, estudando de certa forma a mente e a consciência.
Para realizarmos o estudo da mente precisamos conhecer a evolução da espécie
humana, começando pelos primatas que na emergência possuíam um pensamento
matemático quantitativo. Os precedentes, os Australopithecus foram se
transformando com a influência do clima, alimentação e desta forma, desenvolvendo
técnicas e habilidades que permitiram sua sobrevivência.
Nesta evolução criou-se ao longo do tempo um complexo sistema de
comunicação, cujas maneiras de sobreviver, assim como os modos de lidar com
diversas situações foram transmitidos, compartilhados e difundidos. O
comportamento de cada indivíduo está associado ao seu conhecimento e é
modificado pela presença do outro, que possui outros saberes que agregam o todo
em um grupo. Formando assim a Cultura, sendo o conjunto de conhecimentos
compartilhados e comportamentos compatibilizados.
2.1.4 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA
O autor cita que: “os sistemas de conhecimento permitem a sobrevivência [...]
são conjuntos de respostas que um grupo dá às pulsões de sobrevivência e de
transcendência [...] são os fazeres e os saberes de uma cultura" (D‟AMBRÓSIO,
2002, p.37). Há a necessidade então de sabermos como se estabelece as relações
16
entre os saberes e fazeres de determinada cultura, ou simplesmente olharmos para
a epistemologia da nossa própria cultura.
O mesmo autor entende essa relação como uma grande controvérsia na
história da ciência e divide em três questões diretas, e essa sequência serve de
base para entendermos a evolução do conhecimento (epistemologia):
1) Como passamos de observações e práticas para experimentação e
método?
2) Como passamos de experimentação e método para reflexão e abstração?
3) Como procedemos para invenções e teorias?
Das questões acima D' Ambrósio (2002) decorreu em um esquema
representado na figura 1, no qual não podemos fragmentá-lo.
Figura 1:Ciclo Fonte: D' Ambrósio, 2002.
Parte-se de uma realidade, que informa o individuo presente na sociedade,
que ao mesmo tempo em que serve a um poder, recebe saberes mistificados
(através de sistemas, institucionalizado) e também constrói um conhecimento
(através de códigos) que de várias formas explica e auxilia-o a entender a realidade.
O autor deste ciclo enfatiza que não podemos associar a fragmentação com a
17
historiografia para termos uma percepção integral de como acontece a evolução da
humanidade.
2.1.5 DIMENSÃO POLÍTICA
D' Ambrósio (1998) comenta, que esta dimensão é uma das mais importantes
para o conceito da Etnomatemática. Na história das civilizações sempre houve
alternância dos poderes em determinadas regiões, o governo mais estratégico e
poderoso foi o dominante, levando a eliminação ou escravidão do ser ou da cultura
dominada.
Se nós olharmos para as escolas, acontecem vários processos de exclusão.
Segundo o autor, hoje há um acesso social ilusório, pois se dá em função de
resultados, de sistemas de seleção que só os “merecedores”1 tem acesso, sendo
criado sobre justificativas convenientes as teorias de comportamento e de
aprendizagem. Ele cita como exemplo a linguagem, crianças acabam silenciando
por saberem que falam errado perante os outros, logo a Matemática também
assumiu um papel de instrumento de seleção, pois muitas crianças são de certa
forma punidas por fazerem contas com os dedos. Precisamos compreender que
cada indivíduo tem suas raízes e ao chegar a escola há um processo de
aprimoramento e transformação dessas.
Sabe-se que o momento de encontro cultural é um processo complexo, mas
esta dinâmica poderia ter resultados positivos e criativos, pois se aproveitarmos o
melhor de cada cultura poderíamos nos relacionar e possivelmente aprendermos
melhor. O que acontece segundo D' Ambrósio (2002), é um processo de
dependência, pois são retiradas as raízes da cultura dominada e consequentemente
ela se agarra a outra. Reconhecer e respeitar as raízes de um individuo significa não
ignorar e não rejeitar as raízes próprias ou do outro, mas num processo de síntese
reforçarmos nossas próprias raízes.
1 Sabe-se que nos últimos anos o acesso a educação em todos os níveis melhorou conforme dados
do INEP (2013).
18
2.1.6 DIMENSÃO EDUCACIONAL
Muitas pessoas se confundem ao pensar em Etnomatemática, acreditam que
ela nasceu para acabar com a Matemática acadêmica existente. De certa forma este
modo de pensar é um equívoco, pois não podemos substituir a boa Matemática
acadêmica que é essencial para termos um indivíduo atuante na sociedade
moderna.
A Etnomatemática de certa forma aparece para melhorar a Matemática
acadêmica mostrando um novo pensar sobre os conteúdos e novos aspectos sociais
e culturais da própria Matemática. Podemos entender que “o essencial da
Etnomatemática é incorporar a Matemática do momento cultural, contextualizada, na
educação Matemática. [...] privilegia um raciocínio qualitativo, [...] se enquadra
perfeitamente numa concepção multicultural e holística de educação"
(D'AMBRÓSIO, 2002, p.44). Há, portanto um respeito com todas as culturas e seus
pensamentos matemáticos.
Pensando em um futuro próximo, quando as crianças de hoje se tornarem os
líderes de amanhã, temos que oferecer para os alunos, instrumentos comunicativos,
analíticos e materiais, assim teremos pessoas críticas inseridas em uma sociedade
multicultural e cercada de tecnologia. Como a Matemática já aparece fortemente em
todas as áreas do conhecimento e ações do mundo moderno, sua presença no
futuro estará consequentemente mais intensa e aplicada talvez de maneiras
diferentes. Essa Matemática integrada com os saberes e fazeres de hoje ou no
futuro, depende e dependerá, do professor oferecer (idealizar, organizar,
compartilhar com colegas de profissão) aos alunos experiências enriquecedoras.
Neste contexto temos a proposta da Etnomatemática:
A proposta pedagógica da Etnomatemática é fazer da Matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo [agora] e no espaço [aqui]. E, através da crítica, questionar o aqui e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e praticamos dinâmica cultural. [...] Por isso, eu vejo a Etnomatemática como um caminho para uma educação renovada, capaz de preparar gerações futuras para construir uma civilização mais feliz. Para se atingir essa civilização, com que sonho e que acredito, pode ser alcançada, é necessário atingir a PAZ, nas suas várias dimensões: individual, social, ambiental e militar. (D‟AMBRÓSIO, 2002, p. 47).
Para chegarmos a uma ideia clara do “como” renovarmos a educação através
da Etnomatemática serão apresentados trabalhos e projetos já executados em sala
no quarto capítulo deste trabalho. É importante conhecermos primeiramente as
19
origens das ideias, suas retificações e ratificações ao longo da evolução do tema
desta pesquisa.
2.2 A PRIMEIRA DEFINIÇÃO
Para D‟ Ambrosio (1998), todo conhecimento é resultado de um processo
cumulativo, de forma que há estágios, não dicotômicos entre si, quando se dá a
geração, organização intelectual, organização social e a difusão desses saberes. A
geração desses saberes se dá no presente, que é a transição do passado e do
futuro. As reflexões do presente, sendo a nossa vontade de sobreviver e transcender
está associado com a ação e a prática. O presente é a interação do indivíduo com o
meio ambiente, natural e social, denominamos como o comportamento. Chamamos
de comportamento as ações, práticas e fazeres que estão no presente, ou melhor na
realidade. Temos então o ciclo vital idealizado pelo mesmo autor, no qual a
realidade, os indivíduos e as ações estão esquematizados, ficando claro que é um
ciclo que se repete por toda vida:
Figura 2: Ciclo Vital Fonte: D' Ambrósio. 2002.
20
Este ciclo não se restringe apenas pela motivação animal de sobrevivência,
mas também a transcendência, através da consciência do fazer/saber, isto é
segundo D‟ Ambrósio (2002, p. 53), "faz porque está sabendo e sabe por estar
fazendo”. Neste contexto temos várias dimensões na construção do conhecimento,
sendo elas: a intuitiva e emocional (conhecimento religioso) e a racional
(conhecimento científico).
O indivíduo não vive só, temos bilhões que passam pelo mesmo ciclo vital. O
comportamento e o conhecimento são diferentes e muitas vezes conflitantes. As
experiências vivenciadas por dois indivíduos ou mais são enriquecidas pela
comunicação, ou seja, várias percepções sobre algo são compartilhadas.
Novamente chegamos à concepção de cultura por D‟ Ambrósio (2002, p. 59):
A associação, simbiótica, de conhecimentos compartilhados e de comportamentos compatibilizados constitui o que se chama cultura. A cultura se manifesta no complexo de saberes/fazeres, na comunicação, nos valores acordados por um grupo, uma comunidade ou um povo. Cultura é o que vai permitir a vida em sociedade.
Sabe-se que o mundo possui diferentes culturas, povos e comunidades que
contêm diferentes formas de conhecer a realidade. Essa abordagem, sendo as
distintas formas de conhecer é a essência do Programa Etnomatemática. Como já
foi citado no início do texto, a Etnomatemática não é simplesmente as matemáticas
de determinadas culturas ou etnias. Como o próprio autor mencionado diz e repete
em vários trabalhos já publicados, na palavra Etnomatemática foi utilizado às raízes:
tica, matema e etno.
A aventura da espécie humana é identificada com a aquisição de estilos de comportamentos e de conhecimentos para sobreviver e transcender nos distintos ambientes que ela ocupa, isto é, na aquisição de modos, estilos, artes, técnicas de explicar, aprender, conhecer, lidar com o ambiente natural, social, cultural e imaginário.(D'AMBRÓSIO, 2002, p. 2)
Figura 3: Raízes da Palavra Fonte: D' Ambrósio, 2002.
21
Pensemos que as ideias são fascinantes, mas claramente teríamos algumas
implicações no currículo escolar para a aplicação deste programa no ensino. Para o
autor o currículo é uma estratégia da ação educativa e ao longo da história ele é
organizado conforme prioridades de grupos que estão no poder de uma determinada
sociedade, refletindo o que a sociedade espera das disciplinas que o compõe. Hoje
para ele uma educação de qualidade não pode ser avaliada pelos conteúdos
ensinados ou aprendidos, o que torna cada vez mais insustentável o binômio ensino-
aprendizagem. Diferente dessa forma espera-se que a educação possibilite ao
educando a aquisição e utilização de instrumentos comunicativos, analíticos e
materiais que são essenciais para o exercício da cidadania e a convivência em
sociedade.
Neste contexto D‟ Ambrósio (2002) descreve três palavras, no qual seriam as
diversas capacidades que o educando deverá conhecer e desenvolver. A Literacia:
capacidade de processar informações escrita e falada, incluindo a leitura
(instrumentos comunicativos). A Materacia: capacidade de interpretar e analisar
sinais e códigos, de propor e utilizar modelos (instrumentos analíticos). E a
Tecnoracia: capacidade de usar e combinar instrumentos, avaliando suas
possibilidades e limitações (instrumentos materiais).
Essas capacidades, de interpretar a escrita, a fala, os códigos e instrumentos,
podem constituir uma aprendizagem por excelência, ou seja, aprender não é
somente a aquisição de técnicas e habilidades, memorização de fórmulas,
explicações e teorias, mas sim o desenvolvimento dessas capacidades. A educação
formal, ensino teórico e expositivo, com exercícios práticos e repetitivos é totalmente
equivocada, afirma D‟ Ambrósio (2002). Tem-se então que analisar os processos
cognitivos, avaliando as habilidades cognitivas dentro de um contexto cultural. Para
Barton (2006, p. 55) em um contexto onde temos várias culturas inseridas, ou seja, o
que realmente encontramos nas escolas, temos a Etnomatemática como:
Uma tentativa de descrever e entender as formas pelas quais ideias, chamadas pelos etnomatemáticos de matemáticas, são compreendidas, articuladas e utilizadas por outras pessoas que não compartilham da mesma concepção „matemática‟. Ela tenta descrever o mundo matemático do etnomatemático na perspectiva do outro. Assim, como na antropologia, uma das dificuldades da Etnomatemática é descrever o mundo do outro, com os seus próprios códigos, linguagem e conceitos.
Cada indivíduo possui uma capacidade cognitiva, organizando o seu próprio
processo intelectual ao longo da vida. Na tentativa de compatibilizar as organizações
intelectuais não se deve eliminar a autenticidade de cada individuo. Para o autor
22
temos um grande desafio na educação, habilitar o educando a interpretar as
capacidades e as ações cognitivas, de forma não linear, nem estável e contínua
como acaba sendo característico nas práticas educacionais.
23
3. ALGUMAS CONCEPÇÕES DA ETNOMATEMÁTICA
No capítulo anterior apresentou-se parte da teorização de D‟ Ambrósio (2002)
para a Etnomatemática. Agora serão abordados alguns dos estudos que surgiram
antes, ao mesmo tempo e após as ideias deste autor, com termos e pensamentos
semelhantes em alguns pontos e divergentes em outros.
Ferreira (1997) argumenta que, após o fracasso da Matemática Moderna
(década de 70) apareceu entre os educadores matemáticos várias correntes
educacionais, que tinham um componente em comum, uma forte reação contra o
currículo onde só há uma visão da Matemática, sendo ela um conhecimento
universal caracterizado pelas verdades absolutas. Esses educadores avaliaram que
deveria existir mais espaço para os saberes que os alunos trazem de seu meio
social e cultural. Ou seja, começava a construção de um novo olhar para o currículo
e para a disciplina de Matemática no ensino. A partir disso nascem alguns termos
que nos remetem a ideias parecidas com a definição de D‟Ambrósio (2002) para a
Etnomatemática.
Sociomatemática: Termo criado por Cláudia Zaslavsky em 1973, para ela são as
aplicações da Matemática em determinados povos, em seus estudos focalizou os
povos africanos e sua influência exercida sobre a evolução da Matemática;
Matemática Informal: Para Posner e Sebastiani Ferreira em 1982, é toda
Matemática que se aprende fora do sistema de educação formal;
Matemática oral: Caraher e Schliemann também em 1982, mencionam este
termo no livro “Na Vida Dez, Na Escola Zero” que fala de meninos vendedores de
rua no Recife;
Matemática Oprimida: Paulus Gerdes menciona este termo em 1982 como a
Matemática desenvolvida em países subdesenvolvidos, onde existia algum
elemento opressor, que poderia ser entre outros, o sistema de governo, a
pobreza e a fome;
Matemática Escondida ou Congelada: Gerdes mencionou este termo em 1985
quando estudava as cestarias e desenhos em areia dos moçambicanos;
24
Matemática Popular: Mellin-Olsen em 1986 caracteriza este termo como a
Matemática desenvolvida no dia-a-dia, sendo ela um possível ponto de partida
para a Matemática acadêmica;
Matemática Não-Estandartizada: Gerdes, Caraher e Harris em 1987 utilizam o
termo para se diferenciar da Matemática “standar” ou acadêmica;
Matemática Codificada no Saber/Fazer: Sebastiani Ferreira em 1997 estudou a
Matemática inserida e muitas vezes não explícita no Saber/Fazer;
Dentro das primeiras tentativas de conceituação que foi publicada
(Newsletter) pelo grupo IGSEm em 1986 e descrita também por Ferreira (1997)
temos a Etnomatemática como a zona de confluência entre a Matemática e a
antropologia cultural2, como no esquema apresentado na figura 4 a seguir:
Figura 4: Zona de Confluência Fonte: Ferreira,1997.
Também na publicação existiam as metáforas: Matemática-no-Contexto-
Cutural ou Matemática-na-Sociedade. Outra definição peculiar que estava presente
no mesmo jornal é que a Etnomatemática era o caminho que grupos específicos
encontraram para classificar, ordenar, contar e medir.
2 Para Ferreira (1997), a Antropologia Cultural é o estudo do ser humano inserido nas diversas
culturas, investigando sua evolução, envolvendo seus costumes, mitos, valores, crenças, rituais, religião e língua.
25
Gerdes (1989) denomina de Acento Etnomatemático quando nos referimos a
pesquisas em geral na área, e de Movimento Etnomatemático quando utilizamos
pedagogicamente. Ele tem a visão de que a Etnomatemática são as influências dos
fatores socioculturais sobre o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento da
Matemática. Pode-se então concluir que a Matemática é um produto cultural, tendo
em mente que cada cultura produz uma Matemática específica, que surge das
necessidades de determinados grupos sociais.
Dessa forma, como é um produto cultural possui sua história, pois nasce de
determinados "tempos históricos", como a economia, a agricultura e o cotidiano de
cada grupo social e cultural que existe ou já se extinguiu, mas deixou sua
contribuição para os novos grupos que surgiram durante a história. Para Ferreira
(1997) há três visões diferenciadas de Etnomatemática:
1ª)É uma parte da Etnociência, e nesta visão estando dentro da pesquisa
antropológica;
2ª)É uma pesquisa em História da Matemática, crendo numa evolução cultural, e
que determinados grupos étnicos estariam em um estágio histórico da
Matemática, sendo a Matemática ocidental um estágio superior;
3ª)É uma teoria educacional, é nesta visão que Ferreira (1997) se aprofundou e
pesquisou sendo a forma como ele entende o termo Etnomatemática.
Este trabalho está pautado na terceira visão de Etnomatemática apontada
por Ferreira (1997). Na seção 3.2 deste capítulo tal teoria educacional estará melhor
apresentada, assim como, suas relações com a Modelagem Matemática.
3.1 EVOLUÇÃO DAS PESQUISAS NA ÁREA
Antes de chegarmos as características, faremos uma breve cronologia para
entendermos a evolução das pesquisas com foco e abordagem Etnomatemática.
Começa-se no ano de 1973, quando Zaslavsky publicou um livro que mencionava a
história e a prática Matemática de povos da África, demonstrou em seu trabalho que
a Matemática foi essencial para a vida cotidiana deste grupo e que auxilia de alguma
26
forma para o desenvolvimento de conceitos atuais. Este trabalho foi um dos
primeiros organizados com uma perspectiva pedagógica.
Em 1976, na seção “Why Teach Mathematics?”, com o Topic Group:
Objectives and Goals of Mathematics Education, durante o Third International
Congress of Mathematics Education 3 (ICME-3), em Karlsruhe, na Alemanha, foi
quando D‟ Ambrósio colocou em pauta a discussão sobre as raízes culturais da
Matemática em um contexto de Educação Matemática. O termo Etnomatemática
aparece em 1978 em uma mesa de discussão no Annual Meeting of the American
Association for the Advancement of Science, em Washington DC, nos Estados
Unidos.
O termo foi oficialmente apresentado no ICME 5 na Austrália em 1984, na
palestra “Socio-cultural Bases of Mathematics Education” proferida por D‟ Ambrósio
tendo origem o programa Etnomatemática como um campo de pesquisa. No ano
seguinte foi fundado o International Study Groupon Ethnomathematics (ISGEm),
quando o Programa Etnomatemática é lançado internacionalmente.
No final da década de 80, no ICME em Budapeste, Ferreira comenta que
Nebres, mencionou sobre os educadores matemáticos, no qual tinham como desafio
três linhas de uma corrente não delineada na época: Etnomatemática, Matemática
Escolar e Matemática Pura Superior. Para ele nos anos 60 buscava-se mais
vínculos entre a Matemática Escolar e a Matemática Pura e a partir do ano de 1988
(ano da conferência) iniciou pesquisas e estudos para vincular a Etnomatemática
com a Matemática Escolar.
Em Quebec no ano de 1992 em uma reunião do ISGEm, D‟Ambrosio (1992)
indagou sobre a necessidade de se buscar um conceito homogêneo para a
Etnomatemática, ou seja construir uma própria definição através de investigações
empírica e teorizações. Esta teoria não seria primordial, sendo o mais importante a
chegada em um consenso entre todos. Dessa maneira os pesquisadores se
mostraram preocupados em encontrar uma definição e teorização comum para a
Etnomatemática, isto porque segundo Ferreira (1997) esta corrente estava
crescendo e tomando seu espaço com pesquisas publicadas em conceituados
periódicos especializados em Educação Matemática.
Também na década de 90, segundo Ferreira (1997), Powell escreveu que
existiam duas vertentes de Etnomatemática a de D‟Ambrósio que é a estudada
neste trabalho e já foi mencionada no primeiro capítulo, sendo uma Matemática
27
espontânea, e a de Ascher (1991), que a definiu como a Matemática dos povos não
letrados.
Na busca por uma teoria e definição precisa D‟Ambrósio criou como já
comentado o Programa de pesquisa em Etnomatemática, com uma metodologia
ampla focalizando a geração, organização e difusão dos saberes sobre o tema na
Educação Matemática. Portanto o foco estava na cognição, epistemologia, história e
sociologia do saber, incluindo a educação. Como vemos o conceito utilizado pelo
autor tem uma abrangência ampla, há referências a fatos e acontecimentos
históricos, a grupos sociais e culturais, alguns específicos como grupos
profissionais, incluindo ainda a memória cultural, códigos e símbolos.
No ponto de vista de Ascher (1991), há a restrição ao conhecimento de povos
não-letrados. Para a autora as ideias matemáticas estão presentes nesses povos,
mas não existe a Matemática, pois essa Matemática nasceu do pensamento
ocidental. Observemos que os trabalhos e pesquisas desta autora não têm caráter
explicitamente pedagógico.
Knijnik (1996) teve suas pesquisas repercutidas internacionalmente ao
trabalhar com os Trabalhadores Sem-Terra no Brasil. A autora desenvolveu o que
denominou de uma abordagem Etnomatemática com a investigação das
concepções, tradições e práticas matemáticas deste determinado grupo social. Há
em seus trabalhos o intuito de incorporar esta investigação ao currículo como um
conhecimento escolar.
De Zaslavsky (1973) e D‟ Ambrósio (1978) até a atualidade, um número
grande de pesquisas tem mostrado que há práticas matemáticas sofisticadas em
diferentes grupos culturais. Anteriormente essas práticas eram consideradas
primitivas e que caracterizavam culturas com baixo potencial tecnológico. Um
exemplo disso é que, em poucas pesquisas realizadas com as práticas matemáticas
dos indígenas, as tarefas propostas em sala foram aplicadas somente nas séries
iniciais, isso segundo Eglash (1997) reforçava o pensamento de cultura primitiva.
Segundo Orey e Rosa (2006) a preocupação em mostrar e demonstrar que
existem várias formas diferenciadas de fazer Matemática e que ela está relacionada
com os diversos contextos sociais, sendo diferentes da Matemática dominante,
padronizada e institucionalizada, está presente na maioria dos trabalhos e pesquisas
investigadas. Para Bishop (1994), existem três abordagens investigativas com os
seguintes direcionamentos:
28
a) Conhecimento matemático em culturas tradicionais: com uma abordagem
antropológica com ênfase aos saberes e práticas no cotidiano de diversas
culturas. A linguagem, os valores e hábitos são bem significativos, os trabalhos
de Zaslavsky (1973), Gerdes (1988) e Ascher (1991) são bons exemplos desta
abordagem;
b) Conhecimento matemático nas sociedades não-ocidentais: tem bases em
valores históricos e estudos de documentos, a prática de investigação tem o
objetivo de constatar informações em documentos pesquisados com a prática
atual de cada grupo. Joseph (1991) e Gerdes(1991) são exemplos de trabalhos
com esta abordagem;
c) Conhecimento matemático de diversos grupos numa sociedade: é uma
investigação sociopsicológica, sendo construída socialmente pelos grupos
culturais que estão ligados a práticas específicas. Lave (1988), Saxe (1988) e
Abreu (1988) utilizaram esta abordagem.
As pesquisas sugerem várias críticas e propostas para o sistema de ensino
conforme cita Borba (1993), mas ainda pouca investigação como ação pedagógica.
Eglash (2002) comenta quatro abordagens para investigar o programa
Etnomatemática numa perspectiva de ação em sala:
a) Temas ligados ao cotidiano de cada grupo social: pesquisado o contexto social e
as práticas matemáticas, nota-se que elas não são triviais, e que refletem os
temas que estão fortemente ligados ao cotidiano do grupo estudado. Dessa
forma se conhece o sistema de conhecimento de cada grupo;
b) Representações anti-primitivistas: as pesquisas que divulgam práticas
matemáticas de grupos sociais minoritários promovendo o pensamento e
combate as ideias primitivistas;
c) Tradução e modelagem: é a utilização da Modelagem para tradução do sistema
de conhecimento de uma determinada cultura para a Matemática acadêmica,
onde suas essências podem ser desvendadas;
d) Dinamismo cultural: para que uma prática de determinada cultura seja
independente é primordial que ela se oponha ao primitivismo, sendo assim a
cultura estudada não será isolada. Dessa forma ocorre uma dinâmica cultural.
Com o objetivo de investigar a Etnomatemática como uma ação pedagógica,
que é o foco deste trabalho, Knijnik (2001) comenta que uma abordagem
Etnomatemática acontece através de várias investigações, sendo elas, das
29
concepções, tradições e práticas matemáticas de um determinado grupo social, o
autor tem a intenção de incorporar a investigação ao currículo matemático, desta
forma podendo ocorrer uma maior flexibilização do mesmo.
Neste mesmo contexto temos a abordagem diferenciada que também já foi
citada que é, a Etnomatemática como uma proposta metodológica escrita por
Ferreira (1997), onde há uma relação forte com a Modelagem Matemática. Para que
ocorra de certa forma as investigações citadas por Knijnik (2001) precisa-se de uma
estrutura metodológica para que o trabalho com os alunos tenha seus objetivos
atingidos. Dessa maneira temos os passos descritos por Ferreira que poderão
nortear o trabalho em determinada comunidade, sendo assim, investiga-se, modela-
se, valida-se e tornamos esse processo em uma verdadeira ação com o devido
retorno ao grupo. No próximo capítulo será mostrado as atividades com a
abordagem Etnomatemática proposta por Ferreira, assim como outros autores,
ficando mais claro o processo como um todo.
3.2 ETNOMATEMÁTICA: UMA TEORIA EDUCACIONAL
Ferreira (1997) perguntou para seus leitores qual seria o enigma da
Etnomatemática? Visto que se estudarmos a Etnomatemática como uma teoria
educacional, ela consequentemente terá seus paradigmas que naturalmente a
precedem. A resposta segundo ele, a este grande enigma, é como se apropriar dos
saberes étnicos em sala e buscando assim uma educação com significado. Ou seja,
como ligar os conhecimentos étnicos com o conhecimento matemático acadêmico.
Ferreira (1997) defende que uma das maneiras para resolver este enigma é a
Modelagem Matemática com um caráter espiral, mencionado na concepção de
Bassanezi, cujo a primeira fase desta Modelagem é o paradigma da Etnomatemática
dentro da Educação Matemática:
O sentido de espiral da Modelagem Matemática visa em modelar matematicamente conceitos, ideias, mitos, jogos, artefatos, etc., começando pelo saber-fazer do grupo (Etnomatemática), seguindo depois por modelar a realidade do grupo agora influenciada por fatores exteriores a ela, como meios de comunicação, seguindo com a modelagem agora a comunidade vista dentro de um grupo social mais amplo, etc. , este é o sentido espiral que dou à Modelagem Matemática.(FERREIRA, 1997, p.68)
30
Para estabelecer relações entre os saberes escolares com os saberes
étnicos, primeiramente perguntamos: Porque a Matemática aparece em todos os
currículos escolares do mundo? Cada educador tem sua resposta, Ferreira (1997)
acredita que esta é a ciência que nos permite chegar mais rápido a abstração,pois
uma criança de 7 anos já abstrai números, por exemplo. Como já mencionado no
capítulo anterior toda cultura possui uma Matemática materna, dessa maneira a
Matemática é um componente cultural que desenvolve a inteligência humana. Deve-
se utilizar uma pedagogia adequada para conduzir uma criança a abstrair os
conceitos, a mais adequada, tanto para D' Ambrósio quanto para Ferreira é partir do
saber-fazer (que vem do meio onde o aluno está inserido) do estudante e chegar
com ele na construção dos conceitos abstratos.
Então o concreto leva ao abstrato, e o trabalho com vários concretos
diferentes leva os alunos a abstração que queremos. O concreto para os estudantes
é aquilo que eles sabem fazer, já o abstrato é aquilo que configura e o que eles
podem se servir. Para Ferreira (1997) alguns matemáticos mais conservadores
conseguem chegar ao abstrato com demonstrações, ou seja, desenvolvendo
encadeamentos lógicos. Se iniciarmos com o concreto dos alunos (este, construído
e influenciado por sua cultura), passando por outros concretos que são incorporados
por eles, possibilitará uma nova postura, bem diferente do demonstrar por si só.
Em busca de uma melhor aprendizagem e estudando a Etnomatemática
como um recurso pedagógico, Ferreira (1997) caracterizou alguns passos na
aprendizagem, cuja Etnomatemática só conseguiria se incorporar no currículo
escolar com esses passos. Pensando em currículo num sentido mais amplo, como
menciona D' Ambrósio (2002), sendo uma estratégia da ação educativa que ao
longo da história foi organizado conforme as prioridades dos governos, refletindo o
que a sociedade espera das disciplinas que o compõe.
31
Na figura 5 temos um esquema com os passos descritos por Ferreira (1997):
Figura 5: Modelo pedagógico Fonte: Ferreira,1997.
Toda escola está inserida em uma comunidade de algum bairro ou região,
dessa forma cada uma pertence a um contexto social, sabe-se então que a maioria
dos alunos dessas escolas convivem com realidades parecidas. Nem sempre a
equipe pedagógica, professores e funcionários pertencem a esse mesmo contexto,
só estão ali para cumprir seus horários e acabam não participando do ambiente
social, isto para o autor do esquema da figura 5 pode levar os alunos a considerar a
escola distante de suas realidades. Com este exemplo Ferreira (1997) defende que
se deve inserir de fato a escola no contexto social e não somente suas instalações,
havendo uma reciprocidade de saberes e crescimento cultural mútuo.
Para que a interação entre a escola e o meio onde ela está ocorra, é
necessário um envolvimento do professor, no sentido que ele vai coordenar o
processo, conhecendo a realidade de seus alunos, seus problemas sociais e
dificuldades pertinentes a comunidade, assim como os anseios e as representações
culturais mais relevantes. Como na figura 5 acima, partindo do contexto social
realiza-se a pesquisa de campo, Ferreira comenta que o docente deve propor esta
pesquisa aos seus alunos, o tema deve ser idealizado conjuntamente e para o
professor participar dessa escolha do tema, é primordial conhecer a escola e a
realidade presente nela. Aqui o papel do professor aparece como orientador dos
temas que devem partir dos alunos, o objetivo é ir além da aprendizagem, ou seja,
que a escolha propicie o crescimento cultural da comunidade. Tendo o tema, parte-
se para a etnografia, que segundo Moreira e Caleffe (2006), é o enfoque no
32
comportamento social em algum cenário, obtendo dados qualitativos, cujo os
resultados da pesquisa de campo são interpretados conforme o grupo e a realidade
ali encontrada, e suas interações nos contextos: social e cultural, partindo da visão
dos sujeitos participantes, ou seja dos alunos.
Após a pesquisa temos a Etnologia que estuda os fatos e dados levantados
pela etnografia, e que para Ferreira (1997) é a análise da pesquisa. No modelo ela
também será feita conjuntamente com os alunos, e é nesse momento que as
maiores dúvidas aparecem, ou seja, os “porquês” surgem, sendo parte do processo
e muitas vezes para respondê-los tem-se que voltar a pesquisa de campo, aqui
aparece onde a Matemática pode servir como uma linguagem para as respostas.
Dessa maneira, conforme esquema da figura 5, a Modelagem Matemática aparece,
segundo Burak (1992, p.62) como um “conjunto de procedimentos cujo objetivo é
construir um paralelo para tentar explicar, matematicamente, os fenômenos
presentes no cotidiano do ser humano, ajudando-o a fazer predições e a tomar
decisões”.As soluções destes modelos na maioria das vezes requer técnicas e
conceitos ainda não disponíveis para os alunos, neste momento para o mesmo autor
o professor promove o acesso a instrumentos, sendo que pode aparecer várias
soluções, uma única solução ou não ter solução, mas todos os casos tem sua
identidade e importância.
Olhando para o esquema da figura 5 vemos que a partir dos modelos que
foram obtidos com conceitos e técnicas matemáticas, temos o processo de
validação que para Bassanezi (2004, p.30),
É o processo de aceitação ou não do modelo proposto – Nesta etapa, os modelos, juntamente com as hipóteses que lhes são atribuídas devem ser testados em confronto com os dados empíricos, comparando suas soluções e previsões com os valores obtidos no sistema real – O grau de aproximação desejado destas previsões será o fator preponderante para sua validação.
Esta validação para Ferreira (1997) deve ocorrer em todos os passos
anteriores, ou seja, tanto no campo, na análise e no modelo encontrado. Sendo
válido podemos partir para a ação, que para o autor do esquema é o retorno da
pesquisa à comunidade. Temos aqui o fruto do trabalho em benefício ao grupo onde
os alunos estão inseridos.
Essa ação deve ser trabalhada no sentido de alterar o contexto cultural, não a
sua identidade, mas sim como crescimento cultural. Portanto, toda a pesquisa, o
trabalho realizado e a atividade como um todo, deve necessariamente retornar seus
resultados a comunidade, pois parte-se dela. Este retorno é imprescindível no
33
processo estudado para sua possível permanência no grupo. Desta maneira para o
autor, dos passos o ensino será mais crítico e significativo para os estudantes
envolvidos, pois modelam partindo de sua própria realidade, realizando uma leitura
crítica do mundo em sua volta, refletindo seu contexto e usando a sua própria
história de vida.
Mas qual é o papel da Matemática neste esquema apresentado por Ferreira
que possui uma grande relação com a Modelagem Matemática? Todos os conceitos,
construções e esquemas matemáticos tem mais significado, pois a Matemática se
mostra como uma ferramenta primordial para a leitura crítica do mundo. Com isso o
aluno possivelmente terá uma formação que o torne um cidadão participante no seu
grupo social. A escola aparece realmente como parte integrante da comunidade,
onde contribuirá para seu crescimento econômico, social e cultural.
34
4 ETNOMATEMÁTICA: ATIVIDADES APLICADAS
Neste capítulo contém algumas atividades selecionadas de trabalhos
acadêmicos, que foram idealizadas para serem trabalhadas no ensino regular, em
escolas inseridas nos diversos grupos culturais e sociais, a maioria foi aplicada em
sala. Nota-se que a ordem dos conjuntos de tarefas está posta neste trabalho
conforme a complexidade vai aumentando. Desta forma os conceitos apresentados
anteriormente aparecem como base para que seus autores pudessem classificá-las
como atividades de Etnomatemática.
4.1 TAREFAS - MARCENARIA
Está presente em um trabalho de conclusão de curso que tem como título, A
Matemática do Cotidiano: Resultados ligados à Mecânica e à Marcenaria, sua
proposta foi a identificação de conceitos matemáticos no cotidiano, escrito por
Ricardo Kucinskas em 2013. Além de pesquisas literárias o autor realizou um estudo
de caso, onde a Matemática presente em uma Marcenaria Coletiva Feminina,
localizada em um assentamento rural de uma cidade do interior de São Paulo, foi
analisada. A marcenaria se caracterizava como um empreendimento de economia
solidária, que era composto por quatro mulheres. Este grupo teve origem na vontade
de consolidar um processo de aprendizagem em serviços provenientes do uso da
madeira como matéria prima.
As primeiras produções desta marcenaria foram componentes de madeira,
como por exemplo, janelas e portas, após vieram camas e cadeiras. Encomendas
externas apareceram juntamente com dificuldades, dentre elas a aprendizagem de
novos conceitos matemáticos para melhorar como um todo a produção. A
matemática estava presente nas primeiras produções deste grupo, porém não bem
clara para suas integrantes. Assim o autor utilizou as ideias da Etnomatemática,
para compreender a matemática conhecida pelo grupo e melhorá-la, sem discriminar
os conceitos já compreendidos pelas mulheres. Será apresentado algumas tarefas
elaboradas por Kucinkas (2013) com materiais confeccionados nesta marcenaria, no
35
qual podemos adaptar para a sala de aula, sendo uma escola desta própria
comunidade rural ou não, os conteúdos são do Ensino Fundamental.
Segundo o autor os pressupostos da Etnomatemática aparecem em duas
direções no seu trabalho. Primeiro no processo da produção de materiais didáticos
pela marcenaria, pois para tal produção precisa-se da Matemática. E depois nas
atividades que visam uma aprendizagem significativa, cujo o conhecimento prévio
dos alunos são valorizados e utilizados. O material didático inicial produzido é
chamado no texto por Kucinkas (2013) de "tábua quadriculada". A partir desta tábua
foram elaboradas as atividades abordando os conceitos iniciais do plano cartesiano,
com noções de localização e de distâncias.
A ideia do autor é que esta tábua possa ser utilizada na aprendizagem dos
conceitos de álgebra, geometria plana e analítica. Tendo também um papel inovador
na marcenaria do grupo de mulheres, onde ela se tornou um dos itens da produção,
sendo utilizado na sua confecção resíduos de madeira. As características da tábua
quadriculada são as seguintes: fina, graduada, de madeira, com uma sequência de
chanfros que formam um malha, dessa forma pode-se desenvolver tarefas
semelhantes às do geoplano. Segue a sequência de tarefas mencionadas por
Kucinkas (2013) e selecionadas para este trabalho, aborda distâncias, perímetro e
área, respectivamente, no texto do autor não há as resoluções:
a) Utilizando a tábua quadriculada, representada na figura 6, responda as questões
abaixo:
Figura 6: Representação da tabua quadriculada1. Fonte: Kucinkas ,2013.
36
1. Imagine que esta tábua representa a parte central de uma cidade, na qual as
linhas pontilhadas indicam algumas ruas e seus cruzamentos. Descreva um caminho
para chegar do ponto A ao ponto B.
2. Esse caminho é único? Tente achar outros.
3. Suponha que de uma esquina à outra tenha um metro de distância. Quantos
metros você percorreu do ponto A ao B?
4. Qual é o caminho mais curto que encontrou? E porque este seria o mais curto?
5. Tente encontrar um caminho bem longo para chegar do ponto A ao B.
6. Quantos metros esse caminho possui?
7. Você consegue encontrar um trajeto que dê exatamente o dobro da distância do
caminho mais curto? Descreva tal trajeto.
b)O perímetro de uma figura é a soma das medidas de todos os seus lados.
Suponha que o tamanho entre dois chanfros da tábua seja correspondente a
1unidade, conforme indicado na figura 7 abaixo.
Figura 7: Representação da tabua quadriculada 2. Fonte: Kucinkas ,2013.
1. Calcule o perímetro da figura 8 abaixo:
Figura 8: Representação do quadrado ABCD. Fonte: Kucinkas ,2013.
37
2. Ilustre uma figura que possua o dobro do perímetro dessa última.
3. Agora represente uma figura que possua o triplo desse perímetro. Você consegue
encontrar outras figuras com esse mesmo perímetro? Quais? Utilize a tábua para lhe
auxiliar a encontrar as respostas.
c) A área de uma figura plana é uma grandeza que representa a porção ocupada por
esta em um plano. Já a medida da área é um número que atribuímos a tal grandeza.
Suponha que o quadrado do item b seja a unidade de medida de área, ou seja, que
a área deste seja igual a 1 unidade de área. Sendo assim, qual a medida da área
das demais figuras encontradas?
d) Construa, na tábua quadriculada (figura 9), as seguintes figuras:
Figura 9: Figuras geométricas do item d. Fonte: Kucinkas ,2013.
1. Existem objetos do seu cotidiano que se parecem com as figuras que você fez
nesta tábua? Cite alguns exemplos.
2. Calcule a área de cada uma das superfícies construídas.
3. Quais superfícies têm a mesma área? Elas têm o mesmo perímetro?
4. Quando é que duas superfícies têm a mesma área?
38
5. Quando podemos afirmar que a área de uma superfície é maior do que a de outra
superfície?
É notável que estas tarefas devem ser adaptadas em diferentes anos do
ensino fundamental, conforme a complexidade dos conceitos vai aumentando. Pode-
se perceber que se olharmos somente para as tarefas, a princípio, parece que não
possuem ligação direta com os conceitos da Etnomatemática de D' Ambrósio (2002).
Mas a forma como a tábua foi construída, inserida na realidade social da
marcenaria, assim como os conceitos matemáticos utilizados na sua confecção, de
certo modo, por estar presente a pesquisa da realidade e da Matemática presente
no grupo de marceneiros, possui sim, relação com a Etnomatemática e é por este
motivo que estão no presente trabalho.
Esta primeira tarefa mostra que apesar das questões contidas nela, não
serem muito diferentes das que encontramos em livros didáticos, em um contexto
social, pode melhorar o aprendizado dos alunos. Até mesmo antes de utilizarmos a
tábua, já estamos trabalhando com a Matemática na sua produção. Vemos na
marcenaria várias outras possibilidades, que poderão conter as ideias da
Etnomatemática, sendo na utilização do processo de confecção de camas e
cadeiras para criar novas tarefas. Ou seja, temos uma boa sugestão para começar a
utilizar determinado grupo profissional, no caso os marceneiros.
4.2 TAREFAS - COMUNIDADE INDÍGENA
Buscando mostrar algumas tarefas com uma abordagem Etnomatemática
para que a teoria dos capítulos anteriores fique mais clara, temos aqui mais um
conjunto de tarefas presentes no artigo, cujo o título é, Projetos de trabalho e
Etnomatemática integrados em propostas de ensino e aprendizagem da Matemática
no ensino fundamental, das autoras Luzia Voltolini e Carmen Teresa Kaiber. As
atividades foram aplicadas na Comunidade Indígena Serra da Moça, no Colégio
Estadual Indígena Índio Ajuricaba, localizada no município de Boa Vista no Estado
de Roraima.
As primeiras atividades pertencem ao Projeto Pipas, desenvolvido em um
sexto ano e buscou segundo Kaiber e Voltolini (2013) agregar significado ao estudo
39
da geometria. Aproveitando que a escola estava em obras de ampliação, a
professora começou o projeto com os estudantes observado, questionando e
discutindo em grupos alguns elementos da geometria plana inseridos no
madeiramento da construção. Com isso os alunos buscaram exemplos fora da sala
identificando uma série de polígonos presentes na ampliação. Segundo as autoras
os alunos foram indagados a encontrar representações de polígonos nas
brincadeiras da comunidade, sendo assim surge a pipa, que transformou o projeto.
Em um outro momento conforme relata Kaiber e Voltolini (2013) cada aluno
desenhou sua pipa, identificando os ângulos, segmentos de reta e polígonos. Em
seguida cada um construiu a sua , eles trouxeram as varetas e o professora ficou
responsável pelos demais materiais. Na confecção das pipas introduziu-se o estudo
do perímetro e da área O perímetro foi medido a partir do comprimento da linha
utilizada no contorno da pipa. Com o contorno pronto a pipa foi coberta com o papel.
Neste momento, conforme relatam as autoras, foi possível visualizar, refletir e
discutir sobre a noção de área. Com as pipas prontas os alunos encerraram a
atividade empinando-as na área externa da escola.
Em sequência foi aplicado o Projeto Alimentação Saudável, que foi
desenvolvido no sétimo ano de um modo interdisciplinar, cujas disciplinas de
Matemática e Ciências estavam envolvidas. Começou com a elaboração de uma
tabela com os valores calóricos e a quantidade diária de alguns alimentos que eram
mais consumidos pelos alunos. Nessa fase, segundo Kaiber e Voltolini (2013)foi
possível retomar o estudo das operações básicas com números inteiros e decimais,
assim como porcentagens. Também foi abordado o cálculo do índice de massa
corporal (IMC) retomando a potenciação. No decorrer do trabalho foi feita a
construção da pirâmide alimentar, foi quando, conforme relato das autoras, os
alunos representaram diferentes triângulos e trapézios presentes na pirâmide,
utilizando a régua, o compasso e o transferidor .
No oitavo ano foi aplicado o Projeto Desenvolvimento Responsável que
subsidiava, conforme comentam as autoras, o estudo de grandezas e medidas,
associadas a situações reais, no qual, aproveitaram o período de realização da
Conferência Mundial Rio +20 (ocorrida em junho de 2012 no Rio de Janeiro).
Primeiramente foi solicitado que, com recortes e colagens, os alunos
representassem a comunidade no início da sua formação, nelas haviam muitas
árvores e animais, assim como, poucas construções e moradores.
40
Em um segundo momento os alunos representaram um período mais
avançado da comunidade, e num terceiro momento o período atual. Dessa forma,
para Kaiber e Voltolini (2013), ficou claro que com o passar do tempo as construções
e a população aumentavam, a medida que os animais e as árvores diminuíam. Com
esta análise foi introduzido o estudo de proporcionalidade, os alunos construíram
maquetes, cujo também verificaram as escalas, transformando as medidas
necessárias. Neste trabalho para as autoras foi possível discutir o desenvolvimento
sustentável da comunidade e do planeta, assim como os conteúdos matemáticos.
Os alunos do nono ano estudaram o tratamento da informação, cujo relato de
Kaiber e Voltolini (2013), mostra que foi realizado uma pesquisa na escola toda. O
assunto escolhido pelos alunos, foi pesquisar qual o tipo de merenda escolar era a
mais preferida pela maioria. O Projeto Sabor da Merenda começou com a coleta dos
dados, através de um quadro onde os alunos assinalavam suas preferências. As
respostas, conforme comenta as autoras, foram analisadas, registradas e
organizadas por turmas e turnos, e representadas em tabelas e gráficos, com isso
foram trabalhados métodos e cálculos estatísticos.
As tarefas aplicadas na comunidade indígena mostram alguns temas que
surgiram de brincadeiras do cotidiano dos alunos, apesar de ser uma comunidade
indígena, onde temos várias possibilidades oriundas da sua cultura, as autoras
Kaiber e Voltolini (2013), procuraram utilizar as brincadeiras e temas da escola. A
partir daqui, todas as tarefas foram aplicadas no ensino fundamental, com resultados
positivos, principalmente segundo as autoras quanto a motivação dos alunos.
Também neste conjunto de tarefas não há uma ligação concreta com os conceitos
da Etnomatemática apresentados por D' Ambrósio (2002). Faltou nas tarefas uma
pesquisa prévia mais detalhada sobre a cultura da comunidade e tarefas
relacionadas a cultura, mas pelo fato dos temas serem do dia-a-dia dos alunos as
suas autoras relacionaram com a Etnomatemática. Se as tarefas elaboradas
fossem provenientes da cultura indígena, o trabalho teria a abordagem
Etnomatemática defendida por este texto, temos aqui mais uma sugestão para
começar.
41
4.3 TAREFAS - CAIÇARAS
Estão inseridas as tarefas que compõe este subcapítulo, na dissertação de
mestrado de Gilberto Chieus Junior, produzida em 2002, cujo título, Matemática
Caiçara: Etnomatemática contribuindo na formação docente. A Etnomatemática
requer um estudo etnográfico do grupo pesquisado, tendo como finalidade a
compreensão do contexto social e cultural. Dessa forma o autor procurou
compreender as principais características das comunidades caiçaras, o
desenvolvimento desta pesquisa ocorreu na cidade de Ubatuba, localizada no litoral
norte paulista.
Chieus (2002) foi além das características culturais, buscando o
desenvolvimento, a história, e as causas das transformações que a comunidade
sofreu ao longo do tempo. Conhece-se por caiçara, segundo o autor, o habitante do
litoral paulista e carioca, descendente de várias etnias que emigraram para o Brasil,
cujo primeiro contato com as terras era pelo litoral. Sendo assim uma comunidade
caiçara tem uma cultura baseada no contato e respeito com a natureza e na
miscigenação. Há o manejo da pesca, caça, agricultura, contendo crenças e festas
ligadas ao ecossistema. A pesca mais tradicional é a da tainha, é realizado com uma
canoa, a bordo vão três pessoas, uma remando e as outras mergulhando a rede,
que fica na forma de meia lua. Os saberes sobre as marés e o silêncio são alguns
trunfos para se obter uma boa pescaria.
Após a pesquisa geral sobre a comunidade, Chieus (2002) apresentou em um
dos seus capítulos uma proposta pedagógica em Etnomatemática. Foi aplicada em
uma escola de ensino fundamental localizada no norte da cidade de Ubatuba-SP,
onde estava mais concentrado as comunidades caiçaras. A turma trabalhada foi
uma sexta série, hoje conhecemos por sétimo ano3 , tendo uma particularidade,
vários alunos repetentes. Comenta o autor que, segundo os professores, a turma era
muito desmotivada e possuía grande evasão. O conjunto de tarefas continha o
processo de construção da canoa, da rede e a pesca propriamente feita. Neste
tópico vamos analisar as tarefas provenientes do primeiro processo: a canoa.
3 Alteração na LDB, no qual o ensino fundamental passou de 8 para 9 anos, disponível no site do MEC (2006).
42
No primeiro contato com os alunos o autor indagou sobre como a Matemática
está presente no dia-a-dia, por meio de perguntas, soube que os alunos
relacionavam bem a Matemática com o cotidiano. Neste mesmo contato mostrou
alguns exemplos de atividades, cujo a participação dos alunos era mais presente e o
tema mais ligado a vida de determinado grupo. Também apresentou uma parte de
sua pesquisa, sobre a construção de redes, canoas e as características das
atividades pesqueiras. Neste momento o que mais chamou a atenção dos alunos foi
a construção de canoas, dessa forma foi apresentado o inicio do projeto pedagógico.
Tal projeto consistia em um trabalho extraclasse, com a observação da
construção de uma canoa, e posteriormente foi desenvolvido os conteúdos
matemáticos em sala. Deste modo os alunos foram deslocados com um ônibus
escolar para o local onde, um construtor de canoas previamente contactado iria
construí-la com a observação dos alunos. Essa atividade aconteceu no Parque
Estadual da Mata Atlântica, onde é proibido desmatar, mas como um vendaval, perto
dos dias do trabalho derrubou uma árvore (Ingá amarelo). Por um acordo entre a
administração do parque e os pescadores, as arvores caídas podem ser
aproveitadas, sendo assim esta árvore foi utilizada na construção da canoa.
Segundo Chieus (2002), além do trajeto de ônibus, os alunos caminharam por
vinte minutos até o encontro com a árvore, que já estava posicionada para o começo
da construção. Com o auxílio de uma serra elétrica e um machado, o construtor
deixou a tora lisa na parte superior, e fez na extremidade do tronco um relevo onde
teríamos a proa da canoa. O passo seguinte era encontrar o centro da canoa,
utilizando três varetas, um prego molhado com pó de carvão, e com o auxilio de
alguns alunos foi encontrado tal centro.
Figura 10: Varetas. Fonte: Chieus, 2002.
43
Com as marcações efetuadas conforme figura 10, o construtor com a serra
elétrica foi dando formato a nova canoa. Chieus (2002) comenta que a sequência da
construção requer tempo e precisão, e como o horário havia avançado não foi
possível prosseguir na observação. Para o autor mesmo com a interrupção os
alunos tiveram uma boa noção de como se constrói uma canoa. Um fato a ser
observado é que estes alunos nunca tinham realizado um trabalho extraclasse e a
repercussão segundo o professor foi muito positiva.
Na sala de aula em um segundo momento, os alunos trouxeram fotos com os
processo inicial de construção. O autor da dissertação, Chieus (2002), e o professor
regente da turma indagaram os alunos sobre o que mais tinha chamado a atenção
deles. Um dos alunos mencionou a colocação das varetas (figura 10), sendo que a
vareta do meio era maior do que as das pontas e as varetas das pontas tinham uma
diferença de 2 cm. A partir das respostas e colocações dos alunos, Chieus (2002) e
o professor regente elaboraram atividades que continham os conceitos matemáticos,
como ponto de equilíbrio e eixo de simetria.
A atividade do retângulo foi uma delas (figura 11). Realizada com um número
par de pessoas, acima de seis, formando um retângulo imaginário. O autor aplicou
com doze alunos, distribuídos com quatro alunos nos lados maiores e dois alunos
nos lados menores. Desta forma foi trabalhado o centro de equilíbrio, cujo os alunos
saiam de um lado, e outro aluno do outro lado também deveria sair, algo como uma
balança. Isto foi relacionado com o centro da canoa.
Figura 11: Atividade do retângulo. Fonte: Chieus, 2002.
44
Em uma outra atividade que utilizava papel cartão, tesoura, compasso, régua,
esquadro e barbante, os alunos mostraram o ponto de equilíbrio e o eixo de simetria
de figuras geométricas. O trabalho foi realizado em grupos de quatro integrantes,
que construíram os três tipos de triângulos: isósceles, escaleno e equilátero com um
papel cartão. Após traçaram as medianas, percebendo o baricentro conforme figura
12. Perfuraram este ponto e passaram um barbante para verificar o equilíbrio.
Figura 12: Triângulos. Fonte: Chieus, 2002.
Nesta tarefa Chieus (2002) ressalta um fato interessante, nem todos os
triângulos ficaram em equilíbrio, o que remete que o ponto de equilíbrio deste
triângulo representado pelos alunos não estava correto. Dessa forma o professor da
turma comentou que no caso das canoas se o ponto de equilíbrio, que é mais ao
meio, não estiver correto e interceptando o que na Matemática chamamos de eixo
de simetria a canoa ficaria "maluca", para explicar o professor fez na lousa algo
como temos na figura 13.
Figura 13: Canoa. Fonte: Chieus, 2002.
Segundo o autor, após ter perguntado para os alunos, se todos os triângulos
estudados tinham eixo de simetria, os mesmos mostraram e traçaram o eixo de
simetria no triângulo equilátero e isósceles, e disseram que não conseguiram
45
encontrar no escaleno. O professor ao final concluiu com os aluno que toda figura
geométrica tem ponto de equilíbrio, mas nem todas tem o eixo de simetria.
Sabe-se que com o contexto proposto pelas tarefas aqui apresentadas as
opções de continuidade são imensas, por exemplo, as figuras geométricas da última
tarefa poderiam ir além dos triângulos, assim como o estudo do eixo de simetria em
diversas formas. Chieus (2002) comenta que havia uma preocupação em continuar
os trabalhos na escola desta comunidade, e que ele de certa forma deu as ideias
iniciais para que as aulas de Matemática do professor da turma, assim como de
seus colegas, pudessem apresentar algo inovador para os alunos e para a
comunidade.
Os alunos de escola localizada próximo a comunidade caiçara tiveram em
suas aulas algo inovador como comenta Chieus (2002), o trabalho extraclasse. Ou
seja, a observação da construção de uma canoa foi surpreendente para o autor,
visto que as aulas posteriores com os conceitos matemáticos pareceram mais
compreensíveis a seu ver. Houve a pesquisa de campo do autor sobre a cultura
caiçara, a ideia de observar a construção da canoa e o agendamento e viagem para
observação dos alunos. Posteriormente foi aplicado tarefas em sala
contextualizadas no processo de construção das canoas, algo vivenciado pelos
alunos e pessoas da comunidade. Há nessas tarefas, a relação entre algo presente
na cultura daquela comunidade com a Matemática, uma das características da
Etnomatemática.
4.4 TAREFAS - HORTALIÇAS
Inseridas na Oficina das Hortaliças aplicada e trabalhada por Francisco de
Assis Bandeira em uma pesquisa doutoral, temos mais um conjunto de tarefas que
possuem algumas características diferenciadas das tarefas apresentadas
anteriormente. O artigo com os relatos de experiência tem como título,
Etnomatemática: teoria e prática em sala de aula. Tal oficina foi realizada em uma
escola de uma comunidade de horticultores no Rio Grande do Norte e teve por
objetivo aplicar uma proposta pedagógica de reorientação curricular, construída
pelos saberes matemáticos da comunidade e pelos blocos de conteúdos propostos
46
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's) de Matemática do ensino
fundamental.
Os conteúdos dos PCN's trabalhados eram números e operações. Já os
saberes da comunidade eram a particularidade de efetuarem o processo de
contagem na base cinco. Para entender o rotina, a realidade e esse processo
Bandeira (2007) realizou um pesquisa de campo, onde pode compreender os
pensamentos matemáticos deste grupo de horticultores. Após aplicou no quinto ano
do ensino fundamental em uma escola da comunidade uma série de tarefas
compostas de situações-problema.
Antes das tarefas o autor explicou em seu trabalho os procedimentos de
contagem do grupo, o chamado "par de cinco" presente nas atividades realizadas
diariamente pelos horticultores. No momento da colheita e do preparo das hortaliças
para a comercialização foi observado pelo autor, a maneira de contar desses
trabalhadores, pois contavam sempre em grupos de cinco unidades. Esse "par de
cinco" aparece sendo uma base auxiliar da nossa base decimal. Vê-se então que o
significado da palavra 'par' para eles não é o mesmo que o oposto de ímpar que nós
conhecemos.
Segundo Bandeira (2007), o "par de cinco" foi criado pelo próprio grupo, que
conhece a base dez, para facilitar o processo de contagem da colheita. Temos agora
as situações problema abordando os dois sistemas de numeração já mencionados e
extraída para este trabalho:
1) Na horta de Adauto existem 90 leiras com dimensões de aproximadamente
2mx20m. ("leira" para a comunidade significa um pedaço retangular de terra, de 2
metros de largura por vinte metros de comprimento e é utilizada no cultivo, um
conjunto de leiras é denominado de horta, outra observação importante vendo a
figura 14, temos as colunas que são chamadas de carreiras e as linhas de fileiras
pelos horticultores)
Figura 14: Uma leira. Fonte: Bandeira, 2007.
47
Toda semana seu Adauto vai a feira vender suas hortaliças. Ao colher alguns
pés de alface, ele deixou 14 para a próxima feira, como mostra a leira (figura 15)
abaixo.
Figura 15: Uma leira com 14 pés de alface. Fonte: Bandeira, 2007.
Se seu Adauto deixasse as hortaliças organizadas em grupos de 10,
poderiam ficar assim, como na figura 16 abaixo.
Figura 16: Uma leira com 14 pés de alface em grupos de 10. Fonte: Bandeira, 2007.
Isso significa dizer que temos 1 grupo de 10 pés de alface e 4 pés de alface
isolados. Quais foram as regras? O algarismo da última posição á direita do 14, o
algarismo 4, representa a quantidade de pés isolados. O algarismo na penúltima
posição do 14, o algarismo 1, representa o agrupamento de 10 pés de alface. Agora
responda:
a)Quantos grupos de 10 pés de alface podemos formar com 32 pés de alface?
b) Quantos pés de alface sobram?
c) Como podemos representar, em grupo de 10, essa quantidade de pés de alface?
48
Represente essa situação na leira (figura 17) abaixo.
Figura 17: Leira vazia1. Fonte: Bandeira, 2007.
2) Como sabemos é habitual entre os horticultores a contagem das hortaliças em
grupos de cinco ou "par de cinco". Usando a situação abaixo (figura 18), podemos
observar que existem dois grupos de cinco pés de alface e quadro pés de alface
isolados.
Figura 18: Uma leira com 14 pés de alface em grupos de 5. Fonte: Bandeira, 2007.
Podemos representar essa quantidade de pés de alface por 24. Isso significa
dizer que temos 2 grupos de 5 pés de alface e 4 pés de alface isolados. Quais foram
as regras? O algarismo da última posição a direita do 24, o algarismo 4, representa
a quantidade de pés isolados. O algarismo na penúltima posição do 24, a algarismo
2, representa o agrupamento de 5 pés de alface. Como podemos observar, a
quantidade de pés de alface pode ser representada tanto em grupos de 10 (1410),
como também em grupos de 5 (245). Agora responda:
a) Quantos grupos de 5 pés de alface podemos formar com 1810 pés de alface?
b) Quantos pés de alface sobram?
c) Como podemos representar, em grupo de 5, essa quantidade de pés de alface?
49
Represente essa situação na leira (figura 19) abaixo.
Figura 19: Leira vazia 2. Fonte: Bandeira, 2007.
Na oficina foram aplicadas mais tarefas para que os alunos representassem
números na base 5 e 10. Temos no decorrer uma curiosa situação, onde para
Bandeira (2007) ocorreu uma novidade, tendo 52 pés de alface para serem
separados em grupos de 5, dessa forma aparece 5 grupos com 5 pés, que faz surgir
uma nova regra, ou seja, a cada 5 grupos de 5 pés formamos um bloco de 5x5 pés
de alface. Portando esta quantidade foi representada por 1025, que indica 1 bloco de
5x5 e 2 pés de alface isolados.
3) Suponhamos agora que seu Adauto vendeu alguns pés de alface de uma de suas
leiras e sobraram 52 pés, organizados em grupos de 5, como mostra a figura 20
abaixo.
Figura 20: Uma Leira com 52 pés de alface. Fonte: Bandeira, 2007.
Podemos representar essa quantidade de pés de alface por 1025. Isso
significa dizer que temos 1 bloco com 5 grupos de 5 pés de alface e 2 pés de alface
isolados. Como podemos observar, a quantidade de pés de alface pode ser
representada tanto em grupos de 10 (2710), como também em grupos de 5 (1025).
Agora responda:
a) Quantos grupos de 5 pés de alface podemos formar com 2910 pés de alface?
50
b) Quantos pés de alface sobram?
c) Como podemos representar, em grupo de 5, essa quantidade de pés de alface?
Represente essa situação na leira (figura 21) abaixo.
Figura 21: Leira vazia3. Fonte: Bandeira, 2007.
Após as tarefas dos agrupamentos na base 5 e 10, foi possível, segundo o
autor, construir tabelas e adição e multiplicação utilizando essas bases. As tabelas
tem o intuito de melhorar a compreensão do funcionamento dos sistemas de
numeração, assim como a construção das operações básicas.
4) Elaborar uma tábua de adição na base 10, conforme figura 22.
Figura 22: Tábua de adição na base10. Fonte: Bandeira, 2007.
5) Complete, abaixo, a tábua de adição na base 5, conforme figura 23.
Figura 23: Tábua de adição na base5. Fonte: Bandeira, 2007.
51
6) Elaborar uma tábua de multiplicação na base 10, conforme figura 24.
Figura 24: Tábua de multiplicação na base10. Fonte: Bandeira, 2007.
5) Complete, abaixo, a tábua de multiplicação na base 5., conforme figura 25.
Figura 25: Tábua de multiplicação na base 5. Fonte: Bandeira, 2007.
Continuando a sequência de tarefas propostas por Bandeira (2007) em sua
oficina, temos agora as que constroem os algarismos das operações fundamentais
na base 5 e 10. Após explicar alguns exemplos o professor propôs as seguintes
operações.
6) Resolva os seguintes exercícios, na notação simbólica, utilizando o sistema de
base 10.
a) 3510 + 410 =
b) 4210 + 3710 =
c) 3710 + 2810 =
d) 43910 + 17610 =
52
e) Construa outros exercícios.
7) Resolva os seguintes exercícios, na notação simbólica, utilizando o sistema de
base 5.
a) 415 + 25=
b) 135 + 215 =
b) 135 + 245 =
c) 2235 + 1345 =
e) Construa outros exercícios
O exercício acima é o último que está contido no trabalho de Bandeira (2007),
neste artigo não há as possíveis respostas dos alunos. Nas tarefas, que são fruto da
oficina das hortaliças, temos um dos objetivos mais importantes da Etnomatemática,
o de respeitar a matemática de outras culturas. Sabe-se que os filhos dos
horticultores aprendem na escola o sistema decimal, porém seus pais e familiares
usam o "par de cinco" em seus trabalhos na horta. Saber idealizar aulas e tarefas
trabalhando os dois sistemas de numeração conjuntamente, foi primordial para que
os alunos não desconectassem a Matemática da escola com a que eles vem e
fazem em casa.
Estes quatro conjuntos de atividades foram selecionados de maneira
proposital, temos tarefas com características bem diferentes. As duas primeiras
tarefas, marcenaria e comunidade indígena, mostram que deve-se ter muito cuidado
em determinar, se uma atividade possui ou não os conceitos da Etnomatemática.
Num momento inicial temos as ideias inseridas, mas no desenvolver e no produto
final há algumas diferenças com o que foi apresentado por D' Ambrósio (2002). As
tarefas, provenientes da construção da canoa, e da oficina com os pares de cinco,
são exemplos mais próximos dos conceitos da Etnomatemática pautados neste
trabalho. Fica claro que no desenvolvimento das atividades temos que ter a clareza,
de que, a Etnomatemática possui diversas interpretações.
Todas as tarefas, para seus autores, tem seus objetivos atrelados com a
Etnomatemática, algumas mais conectadas com as ideias apresentadas aqui e
outras nem tanto. Pode-se observar, que para o possível sucesso desses projetos,
aplicados ou não, é primordial a pesquisa inicial sobre a determinada cultura, grupo
profissional e/ou social. O primeiro passo é conhecer a comunidade, o segundo
identificar as possibilidades, após elaborar as tarefas e aplicá-las.
53
5 ALGUMAS CRÍTICAS À ETNOMATEMÁTICA
Assim como todas as teorias e pesquisas tem suas críticas, com a
Etnomatemática não é diferente. As mais relevantes, segundo Ferreira(1997) e
Esquincalla (2005), são as dos seguintes autores: Milroy, Dowlling e Taylor.
Milroy apresenta o paradoxo, como um aluno que foi escolarizado com a
Matemática Ocidental pode identificar outra forma de Matemática que não se parece
com a Matemática que lhe é familiar. Para Ferreira (1997) o autor tem razão em
partes, pois existem muitas pesquisas em Etnomatemática com a preocupação de
somente traduzir os conceitos matemáticos de um grupo social para a Matemática
Acadêmica.
As críticas de Dowling, segundo Esquincalha (2005), se referem ao discurso
da Etnomatemática que para ele é uma manifestação ideológica, sendo que a
sociedade a seu ver é heteroglóssica, composta de uma pluralidade de
comunidades culturais, e estas comunidades são monoglóssicas. Ou seja, para
Dowling, como a Etnomatemática estuda estas comunidades ela tem então um
discurso ideológico monoglóssico. Dessa forma o falar de um subgrupo é
privilegiado em relação ao falar de toda a sociedade que a contém. Ferreira (1997)
rebate essa argumentação comentando que a proposta pedagógica da
Etnomatemática não restringe-se ao estudo de um grupo fechado em si, mas pensa
em uma educação global, principalmente pelos avanços nos meio de comunicação
que transforma vários grupos culturais, incorporando os saberes com um grande
dinamismo.
Taylor, como comenta Esquincalha (2005), critica a Etnomatemática quando
afirma que ela tem um discurso político pedagógico, mas não epistêmico, pois para
ele, ela tenta discutir epistemologicamente, mas seu discurso fica somente no
relação política pedagógica. Ou seja, a Etnomatemática para Taylor não se
preocupa com o ato de aprender, esquecendo da cognição e privilegiando o ato de
ensinar. Ao analisar esta crítica, Ferreira (1997), acredita que ela deve ser
apresentada no seu entender para outros paradigmas educacionais da Matemática,
como a Matemática Moderna por exemplo. Rebate ainda que um dos princípios
fundamentais da Etnomatemática é trazer para a sala de aula o conhecimento social
54
do aluno, fazer com que a aprendizagem significativa aconteça, sendo para ele uma
preocupação cognitiva.
55
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Etnomatemática é algo bem mais complexo do que a Matemática de alguns
grupos culturais, ou de uma etnia. Ela pode ser um meio para integrar diversas
classes, valorizar as várias culturas que encontramos em nosso país, reconhecer a
importância de inúmeras classes profissionais e principalmente mostrar que há
muitas formas de fazermos a Matemática, tendo como exemplo, o par de cinco, a
Matemática presente no cotidiano escolar, na construção de uma canoa e em uma
marcenaria. Nota-se que ela pode ter um papel social nas aulas de Matemática.
Assim como nenhum conceito, ciência ou metodologia nasce de uma hora
para outra, a Etnomatemática teve seu processo de evolução na comunidade dos
docentes e pesquisadores em educação matemática. Há várias dimensões na qual
ela está inserida no mundo, de modo que os objetivos da educação e da sociedade
vão se alterando, a Etnomatemática está crescendo e mostrando que devemos
explorar o que há de melhor nas diversas comunidades, grupos e culturas.
A sua relação com a Modelagem Matemática é essencial, visto que para
compreender as situações da realidade necessita-se desses conceitos para buscar e
desvendar a melhor solução matemática. Cabe ressaltar que para encontrar os
problemas precisa-se conhecer, pesquisar e vivenciar a realidade de determinada
cultura ou classe. Desta forma a solução pode verdadeiramente dar um retorno
positivo e útil à comunidade estudada.
Entendendo a teoria cria-se a base para a prática, deste modo os trabalhos,
tarefas e oficinas realizadas e relatadas no texto tornaram a Etnomatemática algo
mais claro e que há a possibilidade de aplicá-la no ensino regular. Ficou evidente
que o primeiro passo é pesquisar o grupo em que se quer trabalhar, após entender a
sua realidade, e encantar os colegas presentes para que possam participar das
ações. Assim, pelo que foi visto, consegue-se realizar um excelente trabalho,
cativando os alunos, sendo ele extraclasse ou não.
Sabe-se que todo estudo, teorização e definição, pode e deve sofrer críticas
para que sua evolução ocorra, com a Etnomatemática não foi diferente. Ao sofrer
com as objeções, houve a procura em responder de tal forma que a indagação foi
minimizada, refletida e alterada conforme as necessidades. Dessa maneira a
Etnomatemática vem crescendo, como um desafio que está lançado, sabe-se que a
56
educação e principalmente a aprendizagem deve estar sempre em constante
melhoria e aprimoramento. Com este trabalho foi possível conhecer um novo e
possível caminho para trabalhar a Matemática, valorizando a grande diversidade que
encontra-se no mundo.
57
REFERENCIAS
ABREU, G. O. O uso da Matemática na agricultura: o caso dos produtores de cana deaçúcar. Dissertação. Centro deEducação, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1998. ASCHER, M. Ethnomathematics: a multicultural view of multicultural ideas.Pacific Grove: Brooks-Cole, 1991. BANDEIRA, F. A. Etnomatemática: teoria e prática em sala de aula. Disponível em http://www.sbemrn.com.br/site/II%20erem/oficina/doc/oficina1.pdf. Último acesso em 06 de julho de 2014.
BARTON, B. Dando sentido à Etnomatemática. Etnomatemática: papel, valor e significado. 2ª edição. Porto Alegre: Zouk, 2006. BASSANEZI, R. C. Ensino aprendizagem com modelagem Matemática. 2ª edição. São Paulo: Contexto, 2004. BISHOP, A. J. Cultural conflicts in mathematics education: developing a research agenda.For the Learning ofMathematics, Montreal, 1994. BORBA, M. C. Etnomatemática e a cultura em sala de aula.A Educação Matemática em Revista, São Paulo, 1993. BURAK, D.Modelagem Matemática: uma alternativa para o ensino de Matemática na 5ª série.Dissertação de Mestrado. Rio Claro, UNESP,1992.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar. Disponível em http://portal.inep.gov.br/basica-censo. Último acesso em 25 de Outubro de 2014.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Portal do MEC. Disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/passo_a_passo_versao_atual_16_setembro.pdf. Último acesso em 25 de Outubro de 2014.
CHIEUS JÚNIOR, G. Matemática Caiçara - Etnomatemática contribuindo na formação docente. Dissertação de Mestrado. Campinas, UNICAMP, 2002. D‟AMBROSIO, U. Etnomatemática: Arte ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo: Editora Ática, 1998.
______________. As matemáticas e seu entorno sócio-cultural. Memorias Del Primer CongresoIberoamericano de Educación Matemática, Paris, 1991.
______________. Educação Matemática. Da Teoria à Prática. 7a Edição.
Campinas: Papirus, 1996.
______________. Etnomatemática. Elo entre as tradições e a modernidade. 2ª Edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
58
EGLASH, R. When math worlds collide: intention and invention in ethnomathematics.Science, Technology and Human Values, New York, 1997. EGLASH, R. Learning ethnomathematics.A software environment for teacher professiondevelopment and students‟ classroom use.New York,2002a.
ESQUINCALHA, A.C. Etnomatemática: Um Estudo da Evolução das Ideias. Disponível em:http://www.ufrrj.br/leptrans/arquivos/etnomatematica.pdf. Último acesso em 18 de Abril de 2014.
FERREIRA, E. S.Etnomatemática: Uma proposta metodológica. Rio de Janeiro: MEM/USU, 1997.
KAIBER, C. T.; VOLTOLINI, L. Projetos de trabalho e Etnomatemática integrados em propostas de ensino e aprendizagem da Matemática no ensino fundamental. Disponível em http://www.conferencias.ulbra.br/index.php/ciem/vi/paper/viewFile/2135/927. Último acesso em 06 de julho de 2014.
KUCINSKA, R.A Matemática do Cotidiano: resultados ligados à Mecânica e à Marcenaria. 2013, 83 f. Trabalho de Conclusãode Curso (Graduação em Licenciatura em Matemática) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2013.
MAIA, N. F. A ciência por dentro. Petrópolis: Vozes, 1990.
MILTON, R.; DANIEL C. O. Abordagens Atuais do Programa Etnomatemática: delineando um caminho para a ação pedagógica. Boletim de Educação Matemática. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.Vol. 19, n. 26, 2006. MOREIRA,H.; CALEFFE L.G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador.RJ:DP&A, 2006. GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GERDES, P. Sobre o conceito de Etnomatemática - Estudos em Etnomatemática - ISP/KMU, 1989. __________On possible uses of traditional angolan sand drawings in the mathematicsclassroom.EducationalStudies in Mathematics,Dordrecht, 1988. __________Etnomatemática: cultura, Matemática, educação. Maputo: Instituto Superior Pedagógico, 1991.
KNIJNIK, G. Exclusão e Resistência - Educação MatemáticaeLegitimidade Cultural. Artes Médicas, 1996. __________Educação Matemática, exclusão social e política do conhecimento.
BOLEMA, Rio Claro, 2001.
LAVE, J. Cognition in practice. Cambridge, England: Cambridge, 1988.
59
JOSEPH, G. C. The crest of the peacock: non-european roots of mathematics. London:I.B. Tauris, 1991. SAXE, G. Candy selling and math learning.EducationalResearcher,Washington, US, v.17, n. 6, p. 14-21, 1988. Silva, G. S. Grécia Antiga. Disponível em http://phylos.net/matematica/grecia-antiga. Últimoacessoem 01 de junho de 2014. ZASLAVSKY, C. Africa counts: number and pattern in african culture. Boston: Prindle,Weber& Schmidt, 1973.