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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - POLÍTICIAS PÚBLICAS UM VIOLADOR EM SEU CAMINHO: FEMINICÍDIO NO ESTADO DE GOIÁS AYMÊ VIRGÍNIA CARDOSO DE SOUSA GOIÂNIA 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - POLÍTICIAS PÚBLICAS

UM VIOLADOR EM SEU CAMINHO: FEMINICÍDIO NO ESTADO DE GOIÁS

AYMÊ VIRGÍNIA CARDOSO DE SOUSA

GOIÂNIA

2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - POLÍTICIAS PÚBLICAS

UM VIOLADOR EM SEU CAMINHO: FEMINICÍDIO NO ESTADO DE GOIÁS

AYMÊ VIRGÍNIA CARDOSO DE SOUSA

Monografia apresentada como pré-requisito para

a aprovação na disciplina de Trabalho Final de

Curso, da Faculdade de Ciências Sociais, e

obtenção do título de Bacharela em Ciências

Sociais - Políticas Públicas.

Orientadora: Profª. Drª. Marcela Amaral

Goiânia

2019

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Dedico esse trabalho a todas as mulheres que foram

silenciadas pelo machismo, e pelo patriarcado;

À todas as mulheres negligenciadas pelo Estado. Todas as

mulheres que me antecederam e me deram forças para

seguir com essa difícil escrita. Dedico esse trabalho a

todas as Dandaras, Marias, Marielles, Heloás, Elisas,

Veronicas, Oneias, Lucilenes, Gisbertas[…]

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente as queridas Mônica e Virgínia, minhas duas fontes inesgotáveis de

inspiração, a quem devo eternos agradecimentos pela educação e os ensinamentos repassados

até aqui. Mãe e Avó, muito obrigada!

Às mulheres da minha família, que sempre foram minhas referências, me demonstrando que é

sempre possível e que somos capazes.

À Professora Marcela Amaral pela paciência e dedicação em me orientar com tamanho

carinho e profissionalismo, fazendo com que esse rito de passagem fosse tranquilo.

À Professora Telma Ferreira e Yordanna Lara, pela leitura minuciosa deste trabalho e por

aceitarem compor essa banca.

Aos meus amigos, Thaís, Hermes, Lalita, Lorrane, Ana Clara, Camila, Diego, Beto, Lídia,

Maressa e Diane por me apoiarem a chegar até aqui e por passarem por esse processo de

escrita comigo.

Às queridas amigas que já não estão mais nesse plano, Marcela e Gorete, como eu gostaria

que estivessem aqui para desfrutar desse momento ao meu lado. (em memória)

À Universidade Federal de Goiás e a Faculdade de Ciências Sociais pelo suporte dado até

aqui.

Aos Professores, Técnicos Administrativos, Funcionários da Limpeza e Portaria da Faculdade

de Ciências Sociais, que no decorrer do curso foram de extrema importância para que eu o

concluísse. Em especial, Maria Luiza, Eliane Gonçalves, Luiz Mello, Lucas Amaral, Gabriel

Bento, Camilo Braz, Jordão Nunes e Geisa Franco.

Ao movimento feminista que me fez enxergar a importância de dar visibilidade às causas

feministas e de trabalhar nessa pesquisa com um tema que tanto assola a vida das mulheres

desse país e do mundo.

À todas as escritoras que me deram suporte teórico para concluir esse trabalho, e por fim, a

mim mesma por nunca desistir.

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“As rosas da resistência nascem no asfalto. A gente

recebe rosas, mas vamos estar com o punho cerrado

falando de nossa existência contra os mandos e

desmandos que afetam nossas vidas.”

(Marielle Franco)

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RESUMO

O presente trabalho tem como propósito trabalhar sobre o conceito de feminicídio e expor

dados de violência sofrida por mulheres, com enfoque em Goiás. Nesta pesquisa inicialmente

trarei algumas contribuições sobre gênero, violência e raça.

Em seguida o trabalho descorre sobre questões específicas da condição de mulher, os avanços,

os retrocessos e o que ainda pode ser melhorado no que diz respeito as políticas públicas.

O trabalho final de curso – TCC – constitui-se de aborco teórico a partir das leituras de

intelectuais das Ciências Sociais e Humanas, consulta em dossiês e dados em pesquisas que

trataram da temática proposta nessa pesquisa.

O presente estudo constatou que nos últimos anos houve um aumento expressivo de morte de

mulheres, sendo as mulheres negras as que mais morreram nas últimas décadas. A pesquisa se

propõe a entender como se dão esses processos e em como minimizar os efeitos de tanta

violência na vida das mulheres.

Em vista disso e dos objetivos alcançados, a pesquisa poderá contribuir com futuros trabalhos

e ser uma pesquisa que incentive mais pesquisadores, tratando especificamente sobre esses

fenômenos em Goiás.

Palavras chaves: Feminicídio, Violência, Mulheres, Interseccionalidade.

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LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS

Figura 1 – Panorama da violência contra as mulheres: indicadores nacionais e estaduais

2018.........................................................................................................................................29

Gráfico 1 – Dados de feminicídio no Brasil de 2016 à 2018...................................................30

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANTRA Associação Nacional de Travestis e Transexuais

CAPES Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior

DEAM Delegacia Especializada em Crimes contra as Mulheres

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA Instituto de Pesquisa de Econômica Aplicada

ONG Organização Não Governamental

OPM Organismos de Políticas para Mulheres

ONU Organização das Nações Unidas

SSP Secretaria de Segurança Pública

SPM Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

CEJIL Centro pela Justiça pelo Direito Internacional

CLADEM Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher

OEA Organização dos Estados Americanos

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS .................................................................................................................... 4

RESUMO ........................................................................................................................................ 6

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 10

1. GÊNERO, VIOLÊNCIA E FEMINICÍDIO .............................................................................. 14

1.1. Condição de mulher e práticas de violência: crime de ódio e violência contra mulheres ................. 15

1.2. Atuação dos movimentos feministas e políticas públicas de enfrentamento a violência contra

mulheres. .................................................................................................................................................. 20

2. O FEMINICÍDIO NO ESTADO DE GOIÁS: ANÁLISES E PERSPECTIVAS ..................... 28

2.1. Apontamentos sobre masculinidades e o estado de Goiás ................................................................ 29

2.1.1 Contextualização específica dos homicídios em Goiás ........................................................ 30

2.2 Transversalidade e interseccionalidade na implementação de políticas públicas de enfrentamento

à violência contra as mulheres ................................................................................................................. 34

CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 41

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INTRODUÇÃO

“El patriarcado es un juez

que nos juzga por nacer.

Y nuestro castigo

es la violencia que ya ves.

Es feminicidio.

Impunidad para mi asesino.

Es la desaparición,

es la violación.

Y la culpa no era mía,

ni dónde estaba ni cómo vestía.”

(LAS TESIS)

O presente trabalho tem como propósito trabalhar com conceitos de violência analisando

o conceito de feminicídio e dados sobre violência contra as mulheres no Brasil e em Goiás.

Traçando um histórico sobre a violência contra mulheres, políticas de enfrentamento a

violências contra mulheres, com base em pesquisas feitas na área das Ciências Humanas, bem

como pesquisas a partir das plataformas de informação governamentais e não governamentais.

Os motivos que me levaram a trazer o debate sobre o feminicídio nesta pesquisa, veio

através do contato com a sociologia em sala de aula e discussões em fóruns e rodas de

conversa que discutiam sobre as violências e opressões de gênero. E de minha militância

feminista, que é um combustível em minha vida, que me impulsiona e me faz seguir em um

mundo tão difícil para se ser mulher. Em 2016 criamos uma rede de apoio entre mulheres, o

Grupo Indique uma Mana, que se tornou uma rede que conecta as mulheres do Estado inteiro,

seja para oferecer trabalho ou pedir ajuda. E foi através dele que pude acompanhar alguns

casos de violência de perto, e assistir a mobilização de mulheres que se desconheciam, mas

que se conheciam na dor causada pelo machismo e das violências em comum.

No presente ano, especificamente no mês de novembro, iniciou-se uma performance

criada pelo movimento feminista chileno, LA TESIS, que tomou corpo e foi executada em

vários países e cidades do mundo. A performance “un violador en tu caminho” é um grito

contra todas as violências sofridas por mulheres, o estupro, feminicídio, a violência doméstica

e uma série de outras violências.

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Em Goiânia a performance aconteceu na simbólica Praça Universitária, onde várias

mulheres performaram e denunciaram as violências específicas de Goiás, mortes como a da

estudante Susy, que foi abusada sexualmente por um enfermeiro enquanto estava internada no

Hospital Goiânia Leste e em decorrência das violências sofridas, veio a óbito, dentre tantas

outras nesse estado manchado de sangue. E é por este motivo que o trabalho leva o nome da

performance, faço coro aos gritos de denúncia de mulheres do mundo todo.

Inicialmente o objeto de estudo escolhido era sobre o encarceramento e a saúde das

mulheres reclusas, fiz algumas visitas em uma unidade prisional onde consegui

superficialmente entender o tamanho da violência que as mulheres reclusas sofrem. Mas se

tem algo que a sociedade de um modo geral proporciona as mulheres é o sofrimento, não?

Depois me veio a vontade de falar sobre o feminicídio na imprensa de Goiás, analisando o

papel da imprensa, o poder da mídia e a responsabilidade social que ela tem, ou, que ao

menos deveria ter. Este é um tema que pretendo trabalhar em uma possível pós-graduação ou

em trabalhos futuros.

Contudo, as pautas feministas e a produção de estudos feministas das últimas décadas

foram de grande importância para dar visibilidade as opressões e violências sofridas por

mulheres, levando pautas importantes para a formulação das políticas públicas voltadas as

questões de gênero, culminando na aprovação de Leis e consequentemente dando visibilidade

à essas causas.

Em vista disso, a produção de teses e materiais sobre a temática bem como a construção

de conceitos relacionados as questões de gênero, foram ganhando mais espaços na produção

de trabalhos na pós-graduação e nos mais diversos espaços.

O objeto de estudo sociológico desta pesquisa é a violência de gênero, especificamente a

violência contra mulheres e o último grau delas, o feminicídio. Nesta pesquisa me propus a

dialogar sobre a violência de gênero, bem como as mais diversas violências sofridas por

mulher, que se dão nos mais diversos meios sociais e das mais diversas formas, e sobre o

feminicídio, que é a morte intencional pela condição de mulher tendo como fio condutor o

ódio e discriminação a essa condição.

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A perspectiva teórica que me orientou durante a pesquisa, foram os estudos de gênero a

partir de leituras de intelectuais da área de Ciências Sociais 1e Humanas, que pautaram em

seus estudos as questões de gênero, classe e raça. A partir dessas leituras, o trabalho se propõe

a identificar as questões de violência de gênero, como elas se reproduzem no campo social, e

em como as desigualdades sociais mantém as mulheres em ciclos violentos.

A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a análise documental, a partir de leituras

relacionadas as questões de gênero e violência de gênero que permeiam a pesquisa, e também

de análise da dados estatísticos expostos no decorrer do trabalho. O trabalho está dividido em

dois capítulos, com tópicos e subtópicos. No primeiro capítulo trago a discussão sobre gênero,

violência e feminicídio, conceituando e contextualizando sobre essas três categorias. Em seguida falo

sobre a condição de mulher e práticas de violência, explicitando sobre ódio e a violência contra

mulheres, fundamentando sobre esses dois conceitos e trazendo os avanços dos estudos e

consequentemente as Leis de enfrentamento que surgiram após as demandas dos movimentos

feministas e de mulheres.

Por conseguinte, farei uma análise sobre o feminicídio no Brasil, trazendo dados e

problematizando os aspectos dessa terminologia, trazendo dados de pesquisas sobre morte de

mulheres no Brasil. No segundo capítulo, irei contextualizar o feminicídio em Goiás, com

perspectivas específicas sobre o Estado, em seguida tratarei sobre o conceito de hegemonia e

1 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. São Paulo, ANPOCS, Ciências Sociais Hoje, 2.

ANPOCS, p. 223-244, 1984.

EVA BLAY, Violência Contra a Mulher e Políticas Públicas, 2003.

FRANCO, Marielle. O Golpe na perspectiva de gênero, 2018.

GROSSI, Miriam. NOVAS/VELHAS VIOLÊNCIAS CONTRA A MULHER NO BRASIL, 1994.

OLIVEIRA, Clara, Dissertação: DO PENSAMENTO FEMINISTA AO CÓDIGO PENAL: O PROCESSO DE

CRIAÇÃO DA LEI DO FEMINICÍDIO NO BRASIL, 2017.

PISCITELLI, Adriana, Sociedade e Cultura, v.11, n.2, jul/dez. 2008. p. 263 a 274.

REGO, Yordanna. Reflexões Sobre Afronecrotransfobia: Políticas de Extermínio na Periferia. Revista

Humanidades e Inovação, Vol. 06, nº 16, 2019. p. 167-181.

ROMIO, Feminicídios no Brasil, uma proposta de análise com dados do setor de saúde, 2017.

SAFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado, Violência, 2011.

DAVIS, Angela. Estarão as Prisões Obsoletas? 1º Ed. Rio de Janeiro: Difel, 2018.

AMARAL, BANDEIRA. Violência, Corpo e Sexualidade: um balanço da produção acadêmica no campo de

estudos feministas, gênero e raça/cor/etnia. Revista Brasileira de Sociologia, Vol. 05, N.º 11, 2017. p. 48-85.

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masculinidade. Posteriormente trarei questões específicas sobre o feminicídio em Goiás, bem

como dados de morte de mulheres.

Por último, irei falar sobre conceitos que fundamentam as políticas públicas e os

conceitos que fazem com que haja efetividade na construção delas, como a

Interseccionalidade e a transversalidade. Assim sendo, a presente pesquisa trará contextos

históricos que dialogam com a construção e discussão do propósito da pesquisa.

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CAPÍTULO I

O feminicídio é a instância última de controle da

mulher pelo homem: o controle da vida e da

morte.

(Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre

Violência contra a Mulher, 2013)

1. GÊNERO, VIOLÊNCIA E FEMINICÍDIO

Neste capítulo, inicialmente, pretendo trazer para o debate o conceito de feminicídio,

uma vez que esta investigação tem como objetivo apresentar e confrontar dados de mortes de

mulheres causadas em decorrência do feminicídio em Goiás.

A intenção é elucidar o conceito, a partir de pesquisas elaboradas na área das Ciências

Sociais e Humanas contidas no catálogo de teses e dissertações da CAPES, acompanhado de

estudos elaborados por organizações públicas e não governamentais que tratam do tema. Com

base em autoras como Rita Laura Segato, Heleieth Safiotti, Lélia Gonzalez, Eva Blay e

demais intelectuais da área.

Em seguida, trarei uma perspectiva histórica da atuação dos movimentos feministas e de

mulheres no que tange aos avanços nas Políticas Públicas no combate à violência contra as

mulheres, apresentando dados sobre a violência contra a mulher em Goiás através do material

disponível no Mapa da Violência, estudo produzido pelo Instituto Patrícia Galvão, e do

Anuário Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2019.

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1.1. Condição de mulher e práticas de violência: crime de ódio e violência

contra mulheres

Pensar a mulher no mundo contemporâneo requer que nos aprofundemos sobre a

categoria e suas diferenças, pois pensada no singular, corremos o risco de esquecer as

diferenças sociais, raciais, econômicas, dentre outras que a caracterize como uma categoria

plural. Aqui tratarei da condição de mulheres e suas especificidades, quem são essas

mulheres? Bom, para pensarmos a categoria com maior profundidade, a antropóloga Heleieth

Safiotti (2011) nos traz com maior ênfase o conceito de gênero e violência doméstica.

A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de violência

familiar e, não tão raramente, também de violência de gênero. Esta, teoricamente, engloba

tanto a violência de homens contra mulheres quanto a de mulheres contra homens, uma vez

que o conceito de gênero é relacional, sendo este um dos argumentos que fundamentam as

críticas feministas que se alinham ao conceito de patriarcado, que, como o próprio nome

indica, é o regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens. (Safiotti, 2011)

Logo, gênero é um conceito amplo que abrange outras categorias como o feminino e o

masculino. Safiotti (2011) nos traz a reflexão sobre aquilo que está ligado a determinados

gêneros, como, no caso do masculino, o sistema patriarcal, fonte inesgotável de dominação

sobre mulheres e que se mantém em constante mudança.

A naturalização da violência contra as mulheres se faz presente em diferentes casos de

mortes de mulheres cometidos por seus “companheiros”, que são práticas recorrentes na

história. Segundo Sidney Silva (2017), fatores sociais e culturais são tidos como

determinantes para o desnivelamento entre gêneros, haja vista que o discurso machista e

patriarcal que se pauta na supervalorização do sexo masculino em detrimento do feminino cria

uma relação assimétrica na qual se reforça a superioridade do homem face à mulher, levando

ao surgimento da desigualdade de gênero. São fatores responsáveis pela disseminação e

enraizamento desses valores de desigualdade, que passam de geração a geração, que tentam

expor uma justificativa científica da superioridade masculina ao feminino. Em vista disso,

podemos analisar que a condição de subordinação imposta às mulheres as mantém em

vínculos violentos legitimados socialmente.

O modo como a violência contra as mulheres foi naturalizada na sociedade brasileira,

pode ser percebido em diferentes tipos de expressões culturais, como expressões machistas

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usadas em “piadas”, na produção cinematográfica e outras. Na música, por exemplo, temos

casos que naturalizam inúmeras práticas de violência contra a mulher, como a composição de

Raul Seixas e Cláudio Roberto, À beira do Pantanal, que nos narra um crime de feminicídio

da década de 1980:

Foi lá na beira do pantanal, seu corpo tão belo enterrei, foi lá que eu matei minha

amada, sua voz na lembrança eu guardei. Por que meu querido, por que meu

amor, cravaste em mim seu punhal? Meu peito tão jovem sangrando assim, por

que este golpe mortal? Assassinei quem amava num gesto sagrado de amor, o

sangue que dela jorrava a sede da terra acalmou. E lá, onde jaz o seu corpo,

cresceu junto com o capim, seus lindos cabelos negros que eu regava como

jardim [...]

Há quem diga que a música trata de uma figura de linguagem que diz respeito ao

término de um amor. Porém, é notório que a letra reflete um crime violento a partir de um

contexto específico, que se refere ao término de uma relação amorosa e a não aceitação por

parte do homem, que, sentindo-se rejeitado, deu cabo de sua “amada”.

No senso comum, encontramos defesas de assassinatos de mulheres justificados por

“ela procurou”, “ela permaneceu porque quis”, “se continua junto é porque gosta de apanhar”

e mais uma série de estigmas sociais. Mas existem inúmeros fatores que mantêm as mulheres

em relações violentas, seja por opressão por parte dos homens, isolamento, crenças religiosas,

vergonha, medo de procurar ajuda, questões econômicas, cultura de subordinação e outras

condições sociais, culturais e econômicas impostas às mulheres na sociedade capitalista.

Maria Clarice R. de Sousa (2009) nos diz que as desigualdades existentes entre homens e

mulheres no decorrer da história foram produzidas, reproduzidas e ressignificadas de formas

diferenciadas e estão circunscritas em nossa cultura cristã ocidental, cristalizando-se nos

discursos, especialmente nos religiosos e jurisprudenciais, assim como, na construção de

representações e auto-representações.

Assim, a superioridade masculina é explicada como algo natural do homem e, em

consequência, as mulheres são consideradas inferiores, por isso, devem permanecer como

subordinadas, comportando-se de acordo com o que designam as práticas discursivas, que,

presentes no cotidiano, atribuem como lugar de realização para as mulheres o espaço privado

do lar, uma vez que neste poderá exercer o seu potencial feminino, como a submissão, a

maternidade, a docilidade e o exercício doméstico.

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O caso que a memória mais recente traz, algo que foi notícia nacional e internacional –

e fará dez anos no próximo ano (2020) –, foi o assassinato de Eliza Samudio cometido pelo

jogador de futebol Bruno Fernandes, ex-goleiro do time de futebol Flamengo. Este foi um dos

fatos que me chamaram atenção em relação à violência sofrida por mulheres, talvez pela

extensão do crime e pela repercussão que tomou. O assassinato se deu de forma perversa e

não foi omitido pelo lugar que o atleta ocupava.

O interesse por esse tipo de crime se tornou de maior importância a partir do contato

com a sociologia através dos estudos no campo das Ciências Sociais, e, sobretudo, de minha

militância feminista que tem levantado pautas sobre a violência sofrida por mulheres e no seu

enfrentamento. Outra questão que me levou a pesquisar sobre o tema, é a baixa produção

acadêmica sobre o feminicídio com recorte geográfico para o Estado de Goiás.

Ainda que o termo feminicídio tenha surgido na década de 1970, cunhado pela ativista

Diana Russel, com o intuito de reconhecer e dar visibilidade às práticas de violência contra as

mulheres, apenas recentemente foi reconhecido como crime. A Lei n º13.1042, sancionada

pela Presidenta Dilma Rousseff, no dia 09 de Março de 2015, alterou o artigo 121 do Código

Penal que o tipificava, até então, como crime passional.

A referida lei caracterizou o feminicídio como crime hediondo no Brasil. Os crimes

hediondos têm maior grau de reprovação pelo Estado e legislativo, assim sendo, são tratados

de forma mais severa perante a lei. Resumidamente, o feminicídio carrega traços da violência

física, psicológica, abuso sexual, mutilação e qualquer outra violência que culmine na morte

da mulher.

O crime de feminicídio íntimo está previsto na legislação desde a entrada em vigor

da Lei nº 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal (Decreto-Lei nº

2.848/1940), para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de

homicídio. Assim, o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de

sexo feminino, isto é, quando o crime envolve: “violência doméstica e familiar e/ou

menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Os parâmetros que definem a

violência doméstica contra a mulher, por sua vez, estão estabelecidos pela Lei Maria

da Penha (Lei nº 11.340) desde 2006: qualquer ação ou omissão baseada no gênero

que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou

patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação

íntima de afeto, independentemente de orientação sexual. A Lei de Feminicídio foi

criada a partir de uma recomendação da CPMI que investigou a violência contra as

mulheres nos Estados brasileiros, de março de 2012 a julho de 2013. É importante

2 Lei n º13.104/2015, altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código

Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da

Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

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lembrar que, ao incluir no Código Penal o feminicídio como circunstância

qualificadora do crime de homicídio, o feminicídio foi adicionado ao rol dos crimes

hediondos (Lei nº 8.072/1990), tal qual o estupro, genocídio e latrocínio, entre

outros. A pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.

(Instituto Patrícia Galvão, Dossiê Feminicídio. S/Data). 3

Anteriormente, o assassinato das mulheres era justificado simplesmente como “crime

passional”, que no Código Penal é definido como:

É aquele que está vinculado com a paixão, sentimento este que desencadeia emoções

intensas. Então o homicídio passional pode advir tanto do ciúme, como da mágoa,

raiva e da possessão. Assim, este delito é realizado pelo parceiro(a) da vítima, sendo

que, esta prática, decorreu em toda história da humanidade e está presente nos dias

de hoje, na sociedade. Contudo, a maioria dos casos de homicídio passional, é

efetuada pelos homens. Entretanto, é possível observar com a evolução histórica da

mulher, um aumento, significativo, dos números de casos de homicídio passional

executados pelo gênero feminino. (MIRANDA, et al. 2014. P. 102).

Hoje, a morte de mulheres é considerada crime de feminicídio, representando a

expressão fatal de uma série de violências e agressões que podem ser dirigidas às mulheres

em várias sociedades marcadas pela desigualdade de poder entre gêneros, mas também por

diversas outras construções históricas, culturais, econômicas, políticas e sociais

discriminatórias.

O que me chamou a atenção no conceito de crime passional é a forma com que

naturaliza e legitima o comportamento masculino em relação ao controle exercido sobre a

mulher; não se trata de um amor demasiado e romântico ou de uma patologia, mas do

exercício do poder com as camadas que dialogam com essa estrutura que se dão de diversas

formas: através da opressão, do controle dos corpos ou sentimento de posse. O fim dessa

estrutura sistemática de opressão é a morte.

Reconhecer que mulheres são mortas por relações de gênero é recente. Logo, considero

um avanço a elaboração de um conceito que identifica o crime de ódio contra a mulher, que se

dá através das estruturas de poder dominadas pelo gênero masculino. Nesse sentido, o

feminicídio é o último grau de uma série de violências.

O perfil das vítimas no Brasil, geralmente, são mulheres da periferia, negras, casadas,

mães e carregam um grande histórico de violências. Assim, o lar se torna um dos lugares mais

3 Disponível em:

https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/feminicidio/#feminici%c2%addio-no-

brasil. Acesso em: 08 de outubro de 2019.

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perigosos para as mulheres que estão nas condições citadas acima. Segundo o Anuário do

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019), 61% das vítimas de feminicídio são negras, o

que reforça a condição racial atrelada à questão de gênero, segundo o qual podemos observar

que, para as mulheres negras, se torna ainda mais difícil quebrar o ciclo da violência, na

medida em que as oportunidades de emancipação se tornam ainda mais restritas.

Não são apenas mulheres vítimas de violência doméstica que estão no grupo de risco.

defensoras dos direitos humanos, mulheres que ocupam cargos e espaços na política e na

comunicação também estão dentro das estatísticas. Basta observar o caso de Marielle Franco,

que foi morta no dia 14 de março de 2018. Sua morte nos diz muito sobre poder social e poder

no campo político. Afinal, a quem é destinado esses espaços?

Ainda que retirado o seu direito de viver e político, Marielle Franco nos deixou algumas

contribuições no livro “golpe na perspectiva de gênero”, em que fala enquanto mulher negra,

periférica, lésbica e parlamentar.

Nossa ação política, portanto, identifica com importância significativa a ocupação de

espaços de poder, inclusive institucionais, contribuindo para criar ambientes nos

quais mais mulheres tenham voz e visibilidade para pautar nossas demandas em

todos os lugares. Os estereótipos associados ao que é ser uma mulher e as

expectativas sobre como devemos nos comportar são facetas do discurso

conservador. Movimento esse que ganha força, em escala internacional, tendo em

vista que o outro, a outra, o corpo que não compõe o grupo social de poder tende a

ser “colocado para fora” ou “impedido” de conviver, com suas “diferenças” pelas

classes dominantes (FRANCO, 2018.p.118).

Segundo Rita Laura Segato (2017), aquele que ocupa uma posição de poder necessita da

reafirmação para que exista, não à toa os crescentes crimes de feminicídio em vias públicas.

Isso nos mostra outro patamar do feminicídio que é a reafirmação do poder não apenas

exercida em forma de violência física contra a vítima, mas numa reafirmação de

masculinidade, dando o recado de “quem manda” na sociedade.

Aquele que ocupa um lugar de poder precisa sempre viver obcecado com a sua

reprodução. Se não se reproduz, deixa de existir. Por isso, não se pode ver

lucidamente a realidade a partir da posição de poder. Só se vê lucidamente a partir

da margem. Porque o poder conta com tal esforço em se reproduzir, reconduzir-se, e

também sempre passa por uma incapacidade de exibição, de controle do que se

exibe, que precisa reproduzir seus atos de poder, caso contrário, não existe

(SEGATO, 2017, s/p.).4

4 Entrevista, Rita Segato, disponível em: https://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/noticias-

violencia/base-politica-das-relacoes-de-violencia-de-genero-entrevista-com-antropologa-rita-segato/.

Acesso em: 08 de outubro de 2019.

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Portanto, podemos compreender que a violência contra a mulher é sistêmica, visto que

ela é conduzida por uma série de violências seja em maior ou menor grau, conduzindo assim

uma série de violências contra mulheres que em última instância culmina em morte.

1.2. Atuação dos movimentos feministas e políticas públicas de enfrentamento a

violência contra mulheres.

Os movimentos feministas no Brasil, na década de 1970, tiveram importância nas

conquistas dos direitos das mulheres. Foi a partir de sua atuação que foram criadas campanhas

massivas a fim de reivindicar direitos às mulheres, refutar o termo “passional” e punir os

crimes de que são vítimas historicamente. A campanha “Quem Ama Não Mata” iniciada no

Rio de Janeiro, teve forte apoio de juristas e de uma parte significativa da sociedade. A

intenção era pôr fim no que até pouco tempo era tratado como um crime por amor demasiado,

um amor romântico e incontrolável. Segundo Eva Blay (2003), um forte movimento pela

defesa da vida das mulheres e pela punição dos assassinos voltou a ocorrer na década de 1970,

tendo seu auge após 30 de dezembro de 1976, quando Angela Diniz foi morta por Doca

Street, de quem ela desejava se separar.

‘Quem ama não mata’ foi um dos primeiros slogans do movimento feminista no

final dos anos 70 (slogan que até virou título de mini-série da TV Globo), quando

feministas foram às ruas para protestar contra alguns assassinatos de mulheres

cometidos por seus maridos, companheiros, namorados ou amantes. Foi em outubro

de 1979, no julgamento do playboy Doca Street pelo assassinato de sua companheira

milionária Angela Diniz, que ocorreram pela primeira vez manifestações contra a

impunidade em casos de assassinatos de mulheres por seus maridos. Na época, os

argumentos utilizados pela defesa permitiram ao assassino merecer uma pena

mínima de dois anos com sursis. De vítima, Angela Diniz passou a ser acusada de

“`denegrir os bons costumes”, “`ter vida desregrada”, ser “mulher de vida fácil` etc.

(GROSSI, 2012. p.02).

Temos registrado na construção da história, a atuação dos movimentos feministas que

contribuíram com a construção de políticas que interferissem no enfrentamento à violência

sofrida por mulheres.

No Brasil, a resistência feminista contra a violência sofrida pelas mulheres acarretou

mudanças históricas nos processos legislativos, institucionais e jurídicos. Essas mudanças

foram iniciadas no período da ditadura militar, na década de 1970, quando, no cenário das

demandas pela anistia política de centenas de homens e mulheres, vítimas da violência militar,

segmentos do movimento feminista brasileiro se empenharam em denunciar a violência

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cometida contra as mulheres no próprio lar. Este processo de resistência se fortaleceu com

várias estratégias de luta, dentre elas, a nominação da expressão “violência contra a mulher”,

seguida pela demanda por políticas públicas a fim de coibi-la. (BANDEIRA, 2009).

Consequentemente, foram criadas instituições de proteção às mulheres, como a primeira

Delegacia Especializada em Crimes contra as Mulheres (DEAM), em São Paulo, no ano de

1985.

Em resposta às críticas feministas sobre o atendimento policial a mulheres em

situação de violência, Michel Temer, o então Secretário de Segurança Pública do

Estado de São Paulo, apresentou ao governador Montoro e ao movimento de

mulheres a ideia de se criar uma delegacia da mulher, a ser composta por policiais

do sexo feminino e especializada em crimes contra mulheres. Em agosto de 1985, o

governador Montoro criou a “Primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher”

do Brasil e da América Latina. Decreto 23.769/1985. (MacDowell, 2010).

Esses avanços foram apenas o início de tantos outros que vieram nas décadas seguintes,

que, embora significativos, ainda não impactaram significativamente sobre as desigualdades e

violências ainda presentes no cotidiano das mulheres brasileiras. A densa mobilização

nacional das mulheres conseguiu também pressionar o Estado brasileiro, levando-o a aprovar,

em 2006, a Lei nº 11.340, cunhada como Lei Maria da Penha. Essa Lei representa uma

ruptura com o escopo restritivo do conteúdo das denúncias acolhidas nas DEAMs (Suárez et

al., 2002 apud Bandeira, 2009).

A Lei ganhou o nome da Farmacêutica Maria da Penha vítima de violência doméstica

por parte do marido, ela, uma ativista incansável na luta contra a violência doméstica, buscou

ajuda do Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-

Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Com as ajudas, Maria formalizou

uma denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização

dos Estados Americanos) e foi quando o estado brasileiro teve que se comprometer a

reformular as leis e políticas para as mulheres.

Em vista disso, podemos verificar o papel fundamental dos movimentos feministas e de

mulheres no que tange à formulação e aplicação de políticas públicas relacionadas às

demandas de proteção às mulheres, como a criação da Secretaria Especial de Políticas para as

Mulheres (SPM), criada em 2003.

A criação da Secretaria de Política para as Mulheres, vinculada à Presidência da

República – SPM/PR, em 2003, representou a busca pela efetivação dos direitos das

mulheres, materializada na implementação de políticas de gênero, cuja conquista se

fez, por um lado, pela pressão dos movimentos de feministas e de mulheres, que

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organizavam demandas ao Estado com vistas a um projeto político, e, por outro,

pelos setores progressistas de governo, que compreenderam a necessidade de firmar

um compromisso para responder às demandas dos movimentos sociais (AMARAL e

BANDEIRA, 2017. p. 70).

A SPM representou um papel fundamental na implementação das pautas feministas e de

defesa dos direitos das mulheres na agenda do governo, em diálogo com as demandas

feministas, ao que foi chamado de “feminismo de governo”.

Com isso, pode-se dizer que neste período instalou-se a experiência do chamado

“feminismo de governo”, que passou a pautar questões transversais plenas de

interdependências entre os diversos segmentos do governo e grupos de gestoras, coletivos e

ONGs feministas e de mulheres, todas engajadas em alguma bandeira do “feminismo”, com

identidades e interesses específicos, embora não excludentes, e voltados para a centralidade

na perspectiva de gênero. Esse foi o maior desafio da SPM, em “coordenar”, a partir de uma

perspectiva feminista e de gênero, o volume de demandas e de reivindicações apresentadas,

que, em suas especificidades, se expressavam contra “uma sociedade arquipatriarcal,

misógina, desigual, androcêntrica, opressiva, e ainda predominantemente

machista”(AMARAL; BANDEIRA, 2017. p. 71).

Portanto, era demandada à institucionalidade do Estado, uma efetividade das políticas

públicas como elemento constitutivo da refundação de uma razão emancipatória para as

mulheres. (AMARAL; BANDEIRA, 2017).

Logo, a SPM passou a alcançar outros sujeitos e trazer a problemática das pautas

identitárias, ultrapassando as questões restritas não apenas às categorias homens e mulheres,

mas incluindo gays, lésbicas, travestis, mulheres e homens trans, ademais, ao orienta-se pela

perspectiva de gênero. A SPM passou a admitir uma proliferação de formas de existir e de se

constituir, isto é, de pensar para além de uma matriz de inteligibilidade cultural hegemônica

que determina uma coerência para os corpos, nos termos de Butler (2001), e permitir que a

noção de gênero abarque uma proliferação de identidades/performances que alcançasse não

apenas homens e mulheres, em uma perspectiva heteronormativa, mas também lésbicas, gays,

travestis, transexuais e outras (BANDEIRA, 2014; MACHADO, 2014).

Assim sendo, a Lei Maria da Penha passa a proteger também vítimas de violência

independente de sua orientação sexual, que nos diz no parágrafo Único do Art. 5º, que:

Considera as relações pessoais independentemente da orientação sexual. Assim a

LMP também ampara casais de mulheres e transexuais, afastando-se de concepções

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assentadas na naturalização da dicotomia sexo e gênero. Considerando as mulheres

como as principais vítimas do patriarcado e das opressões de gênero, sejam [...]

destinadas pelo nascimento, travestidas pela estética ou transformadas pelo bisturi

serão todas, igualmente, amparadas pela LMP em situação de violência [...] (DINIZ;

GUMIERI, 2013 apud Amaral e Bandeira 2017).

Mas no Brasil de golpes, de misoginia, machismo, racismo e homens brancos no poder,

não é de se admirar que a SPM fosse extinta, assim em 2014. A partir de medidas que

orientaram a reforma ministerial da época, a SPM foi transformada em uma Diretoria

vinculada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

Tal decisão foi refutada pelos movimentos feministas e de mulheres que tanto lutaram

para que tivéssemos os avanços conquistados às duras penas até o ano de 2014. A SPM

representou durante o seu funcionamento, a garantia do compromisso que o Estado brasileiro

tinha com as políticas públicas voltadas paras as mulheres, garantindo não apenas as políticas

para a igualdade de gênero, mas manutenção dos direitos já conquistados.

1.3. O feminicídio no Brasil

Embora recente a tipificação do feminicídio como crime em 2015, surge num contexto

onde o índice de violência contra a mulher teve um aumento expressivo. Diante deste índice e

das reivindicações oriundas de diferentes segmentos dos movimentos de mulheres e

feministas, é que a Lei surge a fim de intensificar a proteção às mulheres. O texto que justifica

a criação da referida legislação surge após a exposição dos dados pela ONU Mulheres,

constatando que que entre os anos de 2004 e 2009, 66 mil mulheres morreram no mundo pela

condição de serem mulheres. Dentre esses dados, o Brasil ocupava o sétimo lugar no ranking

mundial, com 43,7 mil mulheres assassinadas entre os anos de 2000 e 2010 (OLIVEIRA.

2017).

Ainda que seja grande a relevância da tipificação do crime, se faz necessário pensar

quais foram os alcances e as limitações a partir da Lei. Segundo a autora Jackeline Romio

(2017), os estudos estatísticos têm limitações em circunstância de não haver uma

documentação universal das causas, a não ser no âmbito criminal em países que consideram o

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feminicídio crime. A autora faz um esquema analítico de outras formas de interpretação sob

os aspectos que do que a Lei considera feminicídio, não apenas aquele que se dá no âmbito da

violência doméstica., a saber: feminicídio reprodutivo; feminicídio doméstico; e feminicídio

sexual.

Feminicídio reprodutivo: mortes de mulheres relacionadas a limitações legais no

acesso e garantia dos direitos reprodutivos das mulheres. Embora exista um leque de

mortes evitáveis causadas pelas políticas de controle do corpo e da sexualidade das

mulheres que impliquem na morte evitável, opta-se pelo isolamento das mortes por

aborto.

Feminicídio doméstico: diz respeito às mortes por agressão ocorridas no contexto e

no ambiente doméstico das relações de gênero. É um tipo de feminicídio direto,

fruto das agressões interpessoais, porém também são mortes evitáveis através de

mudanças estruturais na sociedade e impulsão à igualdade de gênero, através de

políticas públicas promovidas pelo Estado.

Feminicídio sexual: diz respeito às mortes por agressão de tipo sexual, entendendo

que a violência sexual como questão primordial para compreender as políticas de

controle da sexualidade feminina. O feminicídio sexual é de tipo direto e é fruto das

violências interpessoais, porém assim como no caso do doméstico, estas mortes

podem ser evitadas através de mudanças estruturais na sociedade e impulsão à

igualdade de gênero, através de políticas públicas promovidas pelo Estado (ROMIO.

201.p.164).

Em 2018 houve alteração na Lei prevendo o aumento da pena de 12 à 30 anos, é

sabido que dentre as formas de frear a matança de mulheres no país, uma delas surge através

do encarceramento. Pensando a questão do abolicionismo penal, a quem são destinadas as

prisões, sabemos que a judicialização é uma medida que prejudica principalmente os pobres e

negros. Angela Davis (2003) nos traz grande contribuição sobre a questão do abolicionismo

penal, a qual compreendo como necessária para que se possa melhor analisar a relação entre

as políticas públicas, as medidas punitivas e a formulação/implementação de políticas

públicas.

Ao pensar sobre a possibilidade das prisões serem obsoletas, devemos perguntar como

é que tantas pessoas poderiam acabar na prisão sem grandes debates sobre a eficácia do

encarceramento. Quando a campanha para produzir mais prisões e encarcerar um número

cada vez maior de pessoas ocorreu na década de 1980, durante a era de Reagan, os políticos

argumentaram que as posições “duras contra o crime” — incluindo prisões e penas mais

longas — manteriam as comunidades livres de crime. No entanto, o período de prisão em

massa teve pouco ou nenhum efeito sobre as taxas oficiais de criminalidade (DAVIS. 2003).

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Portanto, pensar que essa reclusão em massa seria uma alternativa como punição é

problemática, na medida que sabemos da ineficiência do sistema prisional e em como nossa

sociedade é classista e racista.

Ainda que a Lei tenha sido um avanço na medida em que reconhece a partir de um

histórico violento a condição das mulheres na sociedade, ao mesmo tempo, abarca apenas

uma categoria de mulheres em uma determinada situação. No caso do feminicídio geralmente

são crimes cometidos por seus parceiros, ex parceiros e pessoas com laços familiares (pai,

irmão, tio), o que me leva a pensar na questão das mulheres trans e travestis que também são

vítimas por sua condição de mulher, o que diferencia dos traços acima citados é que essas

mulheres são vitimadas em sua maioria nas ruas e os agressores permanecem impunes.

Nos casos contra mulheres CIS5, grande parte das agressões acontecem em casa, pelo

companheiro ou ex-companheiro, e o caso acaba com o autor preso e processado. Em

contrapartida, as mulheres trans são assassinadas na rua, por desconhecidos, em crimes

bárbaros que, em 90% dos casos, não chegam à Justiça (Bento. 2019).

As mulheres indígenas que nos últimos anos também se tornaram maiores vítimas de

feminicídio, sofrem com outros fatores e especificidades abarcadas pelas questões culturais e

também pela desvalorização da mulher indígena. Segundo dados da Secretaria de Segurança

Pública do Mato Grosso do Sul, estado com maior concentração de povos indígenas, só em

2016 houve um aumento de 23,1% nos casos de violência doméstica. Dados específicos sobre

o feminicídio de mulheres indígenas não foram encontrados durante a pesquisa.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais, no traz dados no dossiê dos

assassinatos e da violência contra Travestis e Transexuais no Brasil. Somente no ano de 2019,

106 mulheres trans e travestis foram assassinadas no país até o presente momento, a maior

parte desses crimes sem investigação. O Brasil segue sendo líder no ranking de assassinato de

pessoas trans.

O Transfeminicídio vem se reproduzindo entre todas as faixas etárias. Uma pessoa

Trans apresenta mais chances de ser assassinada do que uma pessoa cisgnênera. Porém estas

5 A cisgeneridade pode ser resumida como sendo a identidade de gênero daquelas pessoas cuja

“experiência interna e individual do gênero” corresponda ao “sexo atribuído no nascimento” a elas.

Em outras palavras, “o termo “cisgênero” é um conceito que abarca as pessoas que se identificam com

o gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento, ou seja, as pessoas não-transgênero”

(JESUS, 2012 apud VERGUEIRO, 2015).

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mortes acontecem com maior intensidade entre travestis e mulheres transexuais, negras.

Assim como são as negras as que tem a menor escolaridade, menor acesso ao mercado formal

de trabalho e às políticas públicas (ANTRA. 2019).

Pensar o assassinato de mulheres trans e travestis me toma a escrita para o conceito

de necrobiopoder, que nos diz que, é o desejo é pela eliminação sistemática

daqueles corpos que poluem a pureza de uma nação imaginada, um tipo de “correia

de transmissão” de uma Europa também imaginada: branca, racional, cristã,

heterossexual. A negação do Outro não se transfigura em afirmação em momento

algum, sendo, portanto, impensável atribuir aos corpos desse Outro qualquer

qualidade que produzisse um campo de intersecção com o “eu”. (BENTO.2018).

Logo, o conceito do necrobiopoder nos permite entender como se fabrica essas mortes

e em quais contextos políticos e sociais elas atravessam. O Dossiê da ANTRA nos traz dados

com recorte de raça, que nos indicando que no ano de 2017, 82% das vítimas foram

identificadas como pessoas negras e pardas. Outro conceito que analisa essas mortes é a

afronecrotransfobia, entendida como conjunto de técnicas e políticas de extermínio efetuadas

pelo Estado, mas não só por ele, que parte de atributos que qualificam e distribuem os corpos

com identidades trans em uma hierarquia que lhes retira a possibilidade de reconhecimento

com o humano e que, portanto, devem ser eliminados (REGO, 2019).

É preciso que o Estado enquanto agente, repense as políticas públicas de forma que

garanta o acesso dessas mulheres, reconhecendo as realidades em suas diferentes

necessidades, promovendo políticas de prevenção mais efetivas.

E que o Estado informe a população sobre os direitos das mulheres e também a

urgência em inserir a perspectiva de gênero e raça nos serviços públicos, para que não sejam

reprodutores de discriminações e violências. Este conjunto de medidas propiciaria um apoio

efetivo ante aos episódios de violência que chegam ao Poder Público, oferecendo meios para

que seja possível romper o ciclo de violência antes do desfecho fatal. Os serviços públicos

precisam estar mais bem equipados e preparados para atender as mulheres, sendo que seus

profissionais devem receber formação específica e ser valorizados, de modo a também

contarem com apoio psicológico. Em vários casos de feminicídio, a vítima procurou uma

delegacia antes de ser morta (DOSSIÊ. Instituto Patrícia Galvão).6

6 Dossiê Feminicídio, Instituto Patrícia Galvão. Disponível em

https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/feminicidio/#feminici%c2%addio-no-

brasil Acesso em 14 de dezembro de 2019.

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Nessa direção, podemos verificar que a Lei é efetiva, mas em alguns casos se torna

limitada. Se o Estado é o responsável pela segurança, por que tão baixo investimento para a

manutenção dos direitos das mulheres? É o que nos diz conceito de necropolítica que

resumidamente diz que o Estado decide quem morre e quem vive, pensando a partir deste

conceito, e sabendo que há mecanismos para evitar essas mortes já anunciadas, por que elas

ainda acontecem?

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CAPÍTULO II

“Se te agarro com outro te mato!

Te mando algumas flores e depois escapo”

(Sidney Magal)

2. O FEMINICÍDIO NO ESTADO DE GOIÁS: ANÁLISES E

PERSPECTIVAS

Neste capítulo tratarei do feminicídio no estado de Goiás, trazendo dados a partir de

pesquisas governamentais e não governamentais como o Instituto Patrícia Galvão, o Anuário

Brasileiro de Segurança Pública, e o Mapa da Violência Contra a Mulher, produzido por

parlamentares a partir da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Posteriormente, passarei a analisar de modo mais aprofundado os dados disponíveis nas

respectivas plataformas de informação. apresentando, inicialmente, uma contextualização

sobre o Estado Agrário, e a construção de Goiás a partir de uma cultura coronelista e

fundamentada neste ideário, a partir do qual podem ser levantadas importantes questões sobre

masculinidades e violência.

Por último, pretendo tratar mais especificamente dos dados sobre a violência contra a

mulher no estado de goiás, articulando esses dados e da última discussão empreendida a

respeito de políticas públicas, interseccionalidade e interdisciplinaridade.

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2.1. Apontamentos sobre masculinidades e o estado de Goiás

O estado de Goiás localiza-se no centro do país, e geograficamente integramos a região

Centro-Oeste do Brasil. Segundo dados do IBGE a população estimada de Goiás é de

7.018.354 de pessoas em 2019. Em sua origem, Goiás apresenta um grande histórico de

conflitos por terras, e no contexto da política local ainda é possível identificar traços

característicos da República Velha, onde os coronéis (fazendeiros do agronegócio) detinham o

poder político e mantinham seus privilégios.

Os coronéis eram fazendeiros, grandes proprietários de terras, que detinham o poder

econômico, social, político e militar da região. Eram apoiados e envolvidos na

política estadual e até federal, em contrapartida, garantiam apoio eleitoral aos

candidatos indicados pelos governantes por força do voto de cabresto, estes por sua

vez, davam “carta branca” (total liberdade) a estes fazendeiros em seus domínios. A

manutenção do poder baseava-se na adequada manipulação do orçamento e pela

reprodução do atraso, assim, mantinha-se a população em situação de dependência

frente os chefes políticos, além de evitar-se fiscalizações e intervenções federais que

pusessem em risco o poder local (PAIXÃO; SILVA, 2013, p. 219).

Somos, ainda hoje, um estado que carrega a herança do coronelismo, com famílias que

há décadas ocupam os espaços políticos de poder, como é o caso do Governador recém-eleito

Ronaldo Caiado que é originário de uma família tradicional, que recorrentemente se faz

presente em cargos na política de Goiás. Essa tradição coronelista nos diz muito sobre a

construção da masculinidade como referência identitária, um masculino relacionado à ideia de

virilidade, o estereótipo do homem valente e que resolve tudo na força física. Portanto, para

falar dos índices de feminicídio no estado de Goiás, se faz necessário contextualizar sobre tal

categoria para que se possa compreender como determinadas questões culturais e sociais estão

implicadas à violência contra mulheres.

Ainda que a compreensão da masculinidade não seja o objeto primeiro deste estudo,

uma vez incluída no campo dos estudos de gênero, que viabiliza o entendimento do modo

como as sociedades organizam hierarquicamente as diferenças entre ser homem ou mulher,

pensar as masculinidades é um dos caminhos possíveis para análise da violência que atinge as

mulheres. O avanço na construção do campo de estudos sobre as masculinidades, se deve, em

grande medida aos estudos de gênero e a questões pautadas pelo movimento feminista e

LGBT, a partir da década de 1960, que passou a questionar a ideia de “masculinidade

hegemônica” (KIMMEL, 1987, apud SOUZA, 2009).

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Gramsci (1927 apud Alves, 2010), nos traz o conceito de hegemonia cultural para

explicar a dominação ideológica de uma classe social sob a outra, e como um grupo social

subordinado adota a concepção de mundo deste, mesmo que na prática ela esteja em

contradição. A partir do conceito de hegemonia de Gramsci, podemos analisar a

masculinidade hegemônica trabalhada por Connell e Messerschimdt.

A masculinidade hegemônica foi entendida como um padrão de práticas (i.e., coisas

feitas, não apenas uma série de expectativas de papéis ou uma identidade) que

possibilitou que a dominação dos homens sobre as mulheres continuasse. A

masculinidade hegemônica se distinguiu de outras masculinidades, especialmente

das masculinidades subordinadas. A masculinidade hegemônica não se assumiu

como norma num sentido estatístico; apenas uma minoria dos homens talvez a

adote. Mas certamente ela é normativa. Ela incorpora a forma mais honrada de ser

um homem, e exige que todos os outros homens se posicionem em relação a ela

legitimando ideologicamente a subordinação global das mulheres aos homens

(CONNELL; MESSERSCHIMDT, 2013. p.245).

Analisando os conceitos citados acima, podemos dizer que as masculinidades se

diferem no modo em que se apresentam individualmente nos sujeitos, mas as práticas se

encontram e se relacionam no campo social e coletivo. Ainda que existam especificidades no

que diz respeito a masculinidade, seja nas questões econômicas, de raça, posição sociais, elas

se relacionam no campo social.

2.1.1 Contextualização específica dos homicídios em Goiás

De acordo com o Mapa da Violência contra a Mulher, em 2018 foram registrados 595

casos de feminicídio em Goiás. Ainda que exista dificuldade por parte dos agentes públicos

em registrarem de forma adequada essas ocorrências, visto que a lei do feminicídio é ainda

recente, os números mostram um valor alto nas estatísticas. Diante disso, podemos inferir que

se os homicídios de mulheres fossem registrados conforme a tipificação adequada, os

números poderiam ser ainda maiores. Apesar das dificuldades relacionadas à tipificação,

existem outras ferramentas importantes nesses processos de identificação, como as

notificações, que permitem melhor identificar os históricos de violência.

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Segundo informações explicitadas no site do Ministério da Saúde, as notificações, seja

em atendimentos em unidades de saúde pública ou privada, devem ser reportadas às

autoridades quando estiverem presentes os seguintes indícios:

Caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual,

autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura,

intervenção legal e violências homofóbicas contra mulheres e homens em todas as

idades. No caso de violência extrafamiliar/comunitária, somente serão objetos de

notificação as violências contra crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas,

pessoa com deficiência, indígenas e população LGBT (BRASIL. Ministério da

Saúde. 20187).

Porém, uma recente portaria do atual Presidente da República vetou a obrigatoriedade

das notificações, situação que abriu brecha para críticas contra e a favor a decisão.

A justificativa foi de que, a propositura legislativa altera a vigente notificação

compulsória de violência contra a mulher atendida em serviço de saúde público ou privado,

que atualmente tem por objetivo fornecer dados epidemiológicos, somente efetivando-se a

identificação da vítima fora do âmbito da saúde em caráter excepcional, em caso de risco à

comunidade ou à vítima, sempre com o seu consentimento. Assim, a proposta contraria o

interesse público ao determinar a identificação da vítima, mesmo sem o seu consentimento e

ainda que não haja risco de morte, mediante notificação compulsória para fora do sistema de

saúde, o que vulnerabiliza ainda mais a mulher, tendo em vista que, nesses casos, o sigilo é

fundamental para garantir o atendimento à sua saúde sem preocupações com futuras

retaliações do agressor, especialmente quando ambos ainda habitam o mesmo lar ou ainda não

romperam a relação de afeto ou dependência. (Agência Senado. 2019)8.

Para alguns grupos o veto dá autonomia para que as mesmas possam decidir em

denunciar ou não, em contrapartida, outros grupos acreditam que enquanto situação de vítima

de violência a mesma em condição de vulnerabilidade não usariam do seu direito individual

por medo, desencadeando assim a manutenção do ciclo da violência. Contudo, o veto foi

derrubado até o final da escrita desta pesquisa.

7 Disponível em: : http://www.saude.gov.br/vigilancia-em-saude/vigilancia-de-violencias-e-acidentes-

viva/vigilancia-de-violencias/orientacoes-para-notificacao-e-atendimento, Acesso em: 10 de novembro

de 2019

8 Agência Senado. Disponível em

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/10/10/bolsonaro-veta-notificacao-de-casos-de-

suspeita-de-violencia-contra-a-mulher Acesso em 14 de dezembro de 2019.

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Para analisar os índices de feminicídio no Estado de Goiás, trarei dados obtidos em

pesquisas feitas na área de humanas, a dificuldade em obter dados a partir de sites

governamentais como o da Secretaria de Segurança pública SSP/GO, se torna um problema

na medida que o site segue com uma normativa de suspensão da divulgação dos dados

estatísticos. Diante deste cenário, optei em trabalhar com os dados disponíveis e amplamente

divulgados pelas plataformas de informação, como Instituto Patricia Galvão, Anuário

Nacional de Segurança Pública e o Mapa da Violência.

Assim sendo, farei um levantamento dos dados disponíveis a fim de trazer nesta

pesquisa os índices crescentes em relação a violência contra a mulher no estado de Goiás,

analisando dados disponíveis.

Em dados gerais, segundo o Panorama Nacional da Violência contra as Mulheres,

incluindo especificamente os crimes de ameaça, lesão corporal, dolosa, estupro e crimes

violentos letais intencionais contra mulheres, em 2016 Goiás obteve 79,7 % de registros de

ocorrências numa amostragem de 100 mil mulheres.

A tabela abaixo traz dados a partir da amostra de 100 mil mulheres após a

promulgação da Lei Maria da Penha, no período de 2006, 2014 e 2015. Ainda que esses

crimes não sejam lidos como crimes de feminicídio, pois a Lei do feminicídio (nº 13.104) só

entra em vigor no ano de 2015, podemos a partir desses dados ter um panorama sobre a morte

de mulheres em Goiás.

Tabela 1

Panorama da violência contra as mulheres: indicadores nacionais e estaduais 2018

Taxas de homicídio de mulheres em Goiás – amostragem de 100 mil mulheres

Ano

Taxas de homicídio de

mulheres de todas as

raças

Taxas de homicídio de

mulheres brancas

Taxas de homicídio de

mulheres pretas e

pardas

2006 4,7

3,6

5,3

2014 8,4

5,5 10,4

2015 7,3

5,4 8,5

Fonte: Instituto de pesquisa DataSenado, 2018. Elaborado pela autora. Goiânia-GO. 2019

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Os dados abaixo correspondem ao número de vítimas de feminicídio entre os anos de

2016 e 2018. Segundo dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os feminicídios

corresponderam a 29,6% dos homicídios dolosos de mulheres em 2018. Foram registrados

929 casos em 2016, 1.151 em 2017 e 1.206 em 2018, conforme exposto no gráfico abaixo.

(INSTITUTO, Patrícia Galvão, 2018)

Gráfico 1

Dados do feminicídio no Brasil de 2016 à 2018

Fonte: 13 ºAnuário de Segurança Pública. Elaborado pela autora, Goiânia-GO,2019

Verifica-se que 61% das vítimas foram de mulheres negras, que 65,6 % dos casos

ocorreram dentro de casa, 88,8% foram cometidos por companheiro ou ex-companheiro e

70,7% das vítimas tinham no máximo ensino fundamental completo. (13 º Anuário de

Segurança Pública)

28%

35%

37%

Feminicídio no brasil

2016 2017 2018

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Em uma breve análise de tais informações, infere-se que a questão racial e a ausência

de políticas de acesso estão atreladas à manutenção desses ciclos violentos, pensar a condição

da mulher negra no Brasil é um norte para entender por que essas mulheres são as que mais

morrem.

Diversos fatores estão ligados as violências que ocorrem especificamente com

mulheres negras. O racismo estrutural e institucional, os estigmas sociais que carregam, e as

diversas formas de violência que sofrem pela condição de mulher negra não apenas no lar,

mas em diversos âmbitos sociais. A falta de acesso no mercado de trabalho também é um

fator que mantém mais mulheres negras que brancas em ciclos de pobreza e de violência. O

conceito de interseccionalidade nos traz uma melhor compreensão das diversas formas de

opressão sofrida por mulheres negras, que perpassa a violência de gênero, e se cruzam em

várias outras formas de subordinação e opressões sociais.

Duas dimensões de violência se intensificam: a violência expressiva e a violência

cotidiana. A violência expressiva é um tipo de violência que resulta da verticalização

das relações sociais, tanto no plano interno quanto no meio internacional, sendo,

portanto, resultado das desigualdades que marcam o fundo sobre o qual se desenrola

a vida política. Ela surge em razão das particularidades estruturais, ou mesmo

conjunturais dos sistemas políticos, fruto da monopolização do poder por uma classe

ou por um grupo de Estados, tornando-se a forma mais visível de violência.

(Nascimento, et al.2008)

Mas, ainda que exista dificuldades em relação aos dados em decorrência de falhas nos

registros ou por conta das subnotificações, podemos, a partir dos valores citados acima,

compreender que o aumento de morte de mulheres tem sido um sintoma da falta de políticas

de segurança e políticas públicas efetivas. Apesar dos dados serem impactantes, pode haver

um número ainda maior do que os que foram expostos nesta pesquisa.

2.2 Transversalidade e interseccionalidade na implementação de políticas

públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres

Considerando o exposto até aqui e, ainda, os objetivos da presente pesquisa de apontar

caminhos para a formulação de políticas públicas para enfrentamento da violência contra as mulheres,

entendo que os conceitos de interseccionalidade e a transversalidade são importantes norteadores neste

processo. No Brasil, Lélia Gonzalez (1984) dedicou-se a tratar do modo como as mulheres negras são

oprimidas, de modo a compreender o “duplo fenômeno do racismo e do sexismo”, apontando

caminhos para análises que articulassem gênero, raça e classe social. No mesmo sentido, importantes

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intelectuais, feministas negras, como bell hooks, Patrícia Collins, Kimberlé Crensham e Angela Davis,

apontaram os limites do feminismo branco, que dando centralidade ao patriarcado, deixou de

considerar as especificidades das violências sofridas por mulheres negras.

Pensar a interseccionalidade apenas a partir da variável gênero, se torna uma forma limitada

de analisar as desigualdades de forma que nos explica Kimberlé Crenshaw (2002), nos apontando para

outros determinantes que vão além do gênero, que ela chama de “invisibilidade interseccional”.

Crenshaw analisa outras formas de opressão que envolvem as mulheres marginalizadas, outras formas

de subordinação de gênero ou de subordinação racial de determinados grupos, tornando assim uma

problemática na inclusão de outras singularidades que não podem ser analisadas apenas pela condição

de mulher.

Desta forma, a interseccionalidade pode ser entendida a partir de um conjunto de

desigualdades que se sobrepõem a determinados grupos, como o caso das mulheres negras que sofrem

pressões por suas condições de gênero e raça, tal como foi possível observar nos dados sobre

feminicídio. Pensar a mulher negra apenas pela sua condição gênero anulando o racismo e outras

formas de opressão social seria uma forma incompleta e injusta de analisar os processos

discriminatórios e de violência de que são vítimas

A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender a

complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um

enfoque integrado. Ela refuta o enclausuramento e a hierarquização dos grandes

eixos da diferenciação social que são as categorias de sexo/gênero, classe, raça,

etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual. O enfoque interseccional vai além

do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a

partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das

desigualdades sociais (BILGEL, 2009, apud BANDEIRA. p. 70).

Logo, a interseccionalidade é um conceito que contempla as especificidades dos grupos que sofrem

maior opressão social, pensando gênero, raça e cor, etnia, idade, classe social e outras.

Adriana Piscitelli (2008), nos traz duas abordagens a partir das leituras das autoras Kimberlé

Crenshaw, Anne McKlintock e Avtar Brah. Que são as leituras semânticas, que seriam as

consequências de interação de duas ou mais formas de opressão (sexismo, racismo e patriarcalismo), e

as abordagens construcionistas que destaca os aspectos dinâmicos e relacionais da identidade social.

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Tendo em vistas esses dois conceitos, podemos analisar que a interseccionalidade engloba uma série

de variáveis que se relacionam a partir das questões de gênero e que outros determinantes inferem

especificamente em uma determinada categoria.

No que se refere à transversalidade, no processo de formulação e implementação de políticas

públicas, trata-se de um conceito que orienta as aplicações destas políticas para grupos populacionais

específicos, como no enfrentamento das desigualdades e violências. A expressão “transversalidade”

representa um importante instrumento e uma estratégia para a implementação de políticas públicas na

perspectiva de gênero, isto é, de articular ações políticas e sociais sob e pela perspectiva de gênero

(AMARAL, BANDEIRA, 2017).

O uso da noção de transversalidade ingressa no século XXI associado à perspectiva da

intersetorialidade e da interseccionalidade na elaboração das políticas públicas no Brasil, a partir de

suas relações com as instituições políticas, uma vez que as políticas de gênero passaram a ser alvo de

discussões, debates e propostas, no mesmo momento em que ocorre a explosão da violência de gênero,

sobretudo a partir do aumento de sua visibilidade pública (AMARAL, BANDEIRA, 2017).

Na prática uma política transversal é aquela que atravessa diferentes setores, e se estruturam para dar

eficácia a uma determinada política pública. A partir desses dois conceitos podemos concluir que as

políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres só terão maior efetividade se

norteadas por esses dois conceitos. Analisando as particularidades em cada grupo, como elas operam,

as formas que as opressões se dão na sociedade e interligando as instituições públicas nesses processos

após a implementação das políticas públicas.

Criar organismos específicos de políticas para “as minorias9” tem sido uma das táticas adotadas em

diferentes esferas do governo brasileiro para garantir a transversalização das perspectivas de gênero,

raça, etnia, classe, geração (infância, juventude e terceira idade), orientação sexual, entre outras nas

políticas públicas. A Secretaria Especial de Política para as Mulheres, a Secretaria Especial de

Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Secretaria Especial de Direitos Humanos, criadas em

2003, vinculadas à Presidência da República. (ORTIZ, 2013). Estes organismos, foram importantes

para alcançar determinadas categorias e transversalizar as políticas públicas, de modo que

contemplassem as especificidades de cada grupo, permeando o conceito de interseccionalidade.

Com esta compreensão, aponto que as políticas públicas de enfrentamento a violência

contra a mulher devem ser analisadas e elaboradas a partir de três pilares: política de trabalho

9 As minorias sociais são grupos de pessoas que se encontram em situação de desvantagem social,

cultural, política, étnica, física, religiosa ou econômica dentro de uma sociedade

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e autonomia, enfrentamento à violência de gênero, ações na área de saúde, educação, cultura,

e participação política, igualdade de gênero e diversidade.

O documento da ONU mulheres (2016) nos traz um modelo ecológico feminista 10da

construção dos papéis sociais, para a compreensão da violência contra as mulheres que se dá

em quatro níveis: social, comunitário, relacional e individual.

Entender essas especificidades e em que âmbito social se dá, é uma das premissas para a

elaboração de uma política pública baseada na interseccionalidade e transversalidade, na

medida em que se permite analisar os antecedentes pessoais de quem sofre e de quem comete

a violência.

Para a atuação no âmbito dos municípios foram criados os organismos de políticas para

as mulheres (OPMs), a partir do Pacto Nacional de enfrentamento à violência contra mulheres

(2011), que atuariam na formulação, coordenação e monitoramento das políticas públicas de

acordo com as demandas de cada município. (IPEA, 2015).

Segundo dados da ONU Mulheres (2015), até 2013 existiam 583 organismos de

políticas públicas para mulheres em 560 municípios, somadas as esferas estadual e federal.

10 nível social, constitui-se das atitudes, crenças e representações culturais sobre os sexos e que

influenciam diretamente os estereótipos a respeito do que é ser homem e ser mulher. Este nível

compõe-se de práticas baseadas em formas tradicionais de papéis de gênero que concebem a violência

contra as mulheres como uma forma legítima de relação que se estrutura de formas desiguais e

opressivas.

nível comunitário, está associado aos fatores estruturais que afetam os ambientes cotidianos onde as

relações de poder se desenvolvem.

nível relacional, se refere à organização familiar e aos entornos imediatos de convivência. Sua análise

permite dar visibilidade a aspectos e hierarquias de gênero nas relações interpessoais da vítima com

seu ambiente imediato, ou seja, suas relações mais próximas na família à qual pertence, nas relações

com o parceiro afetivo, e com aqueles que formam o grupo familiar e o grupo mais próximo de

amizades.

Nível individual: este é o nível que apresenta maior complexidade para sua compreensão e aplicação,

uma vez que implica romper com estereótipos pessoais e se confrontar a justificativas fundamentadas,

entre outros fatores, em doenças mentais transitórias, níveis elevados de consume de álcool ou outras

substâncias viciantes que impedem gozar de plenas capacidades mentais etc. (ONU Mulheres,

2016.p.33).

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Mas até o ano de 2013 apenas 27,5% dos municípios mantiveram os organismos de

políticas para mulheres. Em 2018 o número cai para 19,9%. Isso se deve às atuais gestões e ao

corte drástico de verbas voltadas para elaboração e manutenção das políticas já

implementadas no decorrer dos anos (IBGE.2019).

Além da baixa quantidade de órgãos especializados no atendimento a mulheres e a

manutenção das que ainda resistem, a falta de interesse em mantê-las e o desmonte nas

políticas públicas na atual gestão do Governo Federal e no âmbito Estadual e Municipal é

agravante quando se pensa na manutenção das políticas de igualdade de gênero e de

enfrentamento a violência sofrida por mulheres.

Ainda que os desafios sejam grandes, e que os caminhos a serem traçados sejam

dificultosos, a transversalização na elaboração das políticas públicas é um norte para a

eficácia na implementação das políticas de enfrentamento a violência contra mulheres. É

necessário se pensar na construção de redes que dialoguem, como por exemplo as secretarias

de educação permeando o diálogo sobre gênero e as violências de gênero, secretaria de saúde

na prevenção dessas violências, secretarias de promoção a cultura e valorização da mulher e

demais órgãos que contemplem as categorias citadas no decorrer da pesquisa.

Pensar a interseccionalidade e a transversalidade nesse sentido nos mostra que somente

a partir desses dois conceitos haverá efetividade nas políticas públicas, pois a violência

atravessa a questão de gênero, raça, sexualidade, classe social, entre outras.

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CONCLUSÃO

E todas nós, feministas, sabemos o quão maldito é este tema. Mas

afinal, companheira, com que tema que lidamos que não seja

maldito? Em menor ou maior grau, toda essa temática traz esse

carimbo, já que a sociedade insiste em ocultá-la e você e eu e todas

nós insistimos em desnudá-la.

(Heleieth Saffioti. 1985)

Concluir o trabalho final de curso representa um importante passo para mim enquanto

mulher, sabendo dos processos que nos oprimem, dos silenciamentos seculares, e das

invisibilidades que a história não conta, aqui tomei meu lugar de fala 11e pude com a ajuda de

tantas mulheres, explorar mais sobre o tema proposto no trabalho. Encerrar esse ciclo

enquanto estudante de Ciências Sociais me faz olhar para traz e entender o quão longo foi

essa caminhada, e em como as Ciências Humanas contribuíram para a minha formação

intelectual, e de visão de mundo.

Os desafios foram muitos, do começo ao fim, mas finalizo essa escrita com a sensação

de dever cumprido e com fôlego para começar tudo outra vez se preciso for. Esse trabalho é

apenas o início de tantos outros que virão.

O desenvolvimento do presente trabalho me possibilitou explorar mais sobre os

conceitos de violência e compreender como essas violências se dão no campo social. Nesse

sentido foi possível identificar que as desigualdades e as violências estão atreladas. Conforme

exposto na pesquisa, 61% das mortes ocorridas no último ano foram de mulheres negras, com

baixa escolaridade, deixando nítido como as violências e a pobreza se entrelaçam, conforme

11 O lugar de fala confere uma ênfase ao lugar social ocupado pelos sujeitos numa matriz de

dominação e opressão, dentro das relações de poder, ou seja, às condições sociais (ou locus social) que

autorizam ou negam o acesso de determinados grupos a lugares de cidadania. Trata-se, portanto, do

reconhecimento do caráter coletivo que rege as oportunidades e constrangimentos que atravessam os

sujeitos pertencentes a determinado grupo social e que sobrepõe o aspecto individualizado das

experiências.

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citado acima. Verificou-se também no decorrer da pesquisa, que houve aumentos expressivos

a partir do ano de 2018.

Para atingir a compreensão dessa realidade, foram utilizados nesta pesquisa dados

sobre morte de mulheres conforme exposto no decorrer da trabalho, ainda que os dados nos

apontem para um alto índice, houve dificuldade de acesso de dados sobre mortes específicas

em Goiás, impossibilitando por exemplo identificar as mortes ocorridas em Goiânia, ou

identificar questões mais específicas sobre as vítimas, como classe social, raça, etc.

Dada a importância do assunto, podemos através de consulta em dossiês identificar

mortes específicas de determinados grupos, como a das mulheres trans e travestis, e

compreender que essas mulheres são marginalizadas e que os direitos ainda que poucos não se

valem para essas categorias.

Ainda que existam uma quantidade razoável de trabalhos de científicos sobre o

assunto, verifica-se que trabalhos específicos sobre o feminicídio em Goiás é baixo, por esse

motivo a proposta da pesquisa é falar sobre o feminicídio em Goiás.

Verificou-se nesta pesquisa que as políticas públicas de enfrentamento a essas

violências, só serão efetivas se forem transversais e interseccionais, entendendo a

importâncias dos dois conceitos na construção das políticas públicas.

A referida pesquisa também verificou como nos últimos anos houve baixo

investimento em políticas de segurança e na manutenção das políticas já existentes. O

desmonte nas secretarias, a falta de interesse nas atuais gestões em manter ativos os

organismos de proteção as mulheres também se tornam um fator que corrobora com essas

violências.

Escrever é sempre um desafio, escrever sobre morte intencional de mulheres é um

desafio ainda maior, na medida que aqui me coloco como interlocutora destas mulheres

vitimizadas pelo patriarcado e pelo sistema que falha e colabora com essas mortes.

Devido a importância de falar e visibilizar questões que permeiam a vida das mulheres,

e dada a necessidade de falar sobre essas questões especificamente relacionadas à Goiás,

sugere-se maior aprofundamento nos estudos sobre o feminicídio, na intenção de

compreender como essas mortes se dão e consequentemente elaborar políticas públicas e de

segurança que tenham maior efetividade no combate ao feminicídio.

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