UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO · 2019. 10. 25. · Recife: Dissertação de Mestrado,...

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE ANA CARLA CABRAL DE MELO ALBUQUERQUE A CONSTELAÇÃO SISTÊMICA COMO INSTRUMENTO PARA A MEDIAÇÃO DOS CONFLITOS DE FAMÍLIA RELACIONADOS À GUARDA UM TRATAMENTO HUMANIZADO À DISPUTA PELO DIREITO AO AFETO RECIFE 2019

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO · 2019. 10. 25. · Recife: Dissertação de Mestrado,...

  • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

    FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

    ANA CARLA CABRAL DE MELO ALBUQUERQUE

    A CONSTELAÇÃO SISTÊMICA COMO INSTRUMENTO PARA A MEDIAÇÃO

    DOS CONFLITOS DE FAMÍLIA RELACIONADOS À GUARDA

    UM TRATAMENTO HUMANIZADO À DISPUTA PELO DIREITO AO AFETO

    RECIFE

    2019

  • ANA CARLA CABRAL DE MELO ALBUQUERQUE

    A CONSTELAÇÃO SISTÊMICA COMO INSTRUMENTO PARA A MEDIAÇÃO

    DOS CONFLITOS DE FAMÍLIA RELACIONADOS À GUARDA

    UM TRATAMENTO HUMANIZADO À DISPUTA PELO DIREITO AO AFETO

    RECIFE 2019

    Monografia apresentada como requisito

    parcial à obtenção do título de Bacharel em

    Direito pelo Centro de Ciências Jurídicas da

    Universidade Federal de Pernambuco.

    Orientadora: Fabíola Lôbo

  • TERMO DE APROVAÇÃO

    ANA CARLA CABRAL DE MELO ALBUQUERQUE

    A CONSTELAÇÃO SISTÊMICA COMO INSTRUMENTO PARA A MEDIAÇÃO

    DOS CONFLITOS DE FAMÍLIA RELACIONADOS À GUARDA

    UM TRATAMENTO HUMANIZADO À DISPUTA PELO DIREITO AO AFETO

    Monografia aprovada, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito pelo

    Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, pela seguinte banca

    examinadora:

    _____________________________________

    Prof. Fabíola Lôbo

    Orientadora – Departamento de Direito Privado – UFPE

    _____________________________________

    Examinador 1:

    _______________________________________

    Examinador 2:

    RECIFE 2019

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente agradeço a Deus pela vida, pelo consolo, pela inspiração e pela força nas

    horas que me faltaram durante a trajetória desta graduação.

    Aos meus pais, Ana e Carlos, bem como minha mãe de coração Joelma, por serem o

    meu tripé de sustentação durante toda a vida e por cuidarem de mim.

    As minhas irmãs Mariana, Márcia e Isabela, por sempre estarem ao meu lado me

    acolhendo com seus conselhos carinhos e até reclamações, tudo com o objetivo de me

    guiarem ao caminho da felicidade genuína.

    À Defensoria Pública de Pernambuco, instituição onde obtive o meu primeiro contato

    com os conflitos de família, e, apesar dos percalços, me proporcionou a descoberta do meu

    propósito no âmbito do direito. Ainda, sou grata aos Defensores Jeovana Colaço Drummond e

    Henrique da Costa Veiga Seixas pelos ensinamentos e ações que me demonstraram o

    verdadeiro exemplo de humanização do exercício do direito na defesa da tutela dos

    hipossuficientes.

    Ao meu atual chefe, Procurador da Fazenda Nacional, Silvio Cavalcanti Castelo Branco

    Filho, pelos debates acerca do tema tratado nesta monografia e pelo incentivo diário para

    concluí-la.

    Aos meus terapeutas Lívia e Paulo, a primeira por me apresentar às constelações e o

    segundo pela força para persistir na temática.

    A minha orientadora, Professora Fabíola Lôbo, por acolher o tema deste trabalho de

    conclusão de curso sem entraves ideológicas, bem como pela sua solicitude ao orientar.

    As minhas companheiras de jornada Clarissa e Júlia, que nunca permitiram que eu

    desistisse e me ajudaram a me tornar uma pessoa melhor durante estes cinco anos de

    faculdade.

    Por fim, àqueles que me decepcionaram, que descreditaram e se perderam ao longo da

    minha história, pois colaboraram para a construção do ser que hoje sou, alguém altruísta e

    indestrutível.

  • “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

    Perdeste o senso!‟ E eu vos direi, no entanto,

    Que, para ouvi-las, muita vez desperto

    E abro as janelas, pálido de espanto...

    E conversamos toda a noite, enquanto

    A via-láctea, como um pálio aberto,

    Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

    Inda as procuro pelo céu deserto.

    Direis agora: „Tresloucado amigo!

    Que conversas com elas? Que sentido

    Tem o que dizem, quando estão contigo?‟

    E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

    Pois só quem ama pode ter ouvido

    Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

  • Olavo Bilac

    RESUMO

    A técnica da constelação sistêmica em auxílio à mediação familiar tem favorecido as chances

    de acordo entre as partes envolvidas nos conflitos de família, especialmente, nos que versam

    sobre a guarda, uma vez que estão carregados de sentimentos e emoções que impedem o

    estabelecimento de um diálogo sensato entre as partes e prejudicam a convivência dos pais e

    filhos. No Brasil, atualmente, dezesseis estados utilizam a constelação sistêmica no âmbito do

    judiciário como instrumento de resolução das disputas por interesses resguardados pelo

    direito de família, podendo as partes se submeterem a técnica em qualquer fase do processo,

    desde que por vontade expressa. O objetivo deste trabalho é propor um novo olhar para o

    conflito de guarda a partir dos princípios próprios da constelação sistêmica e da mediação

    familiar. Para isso, pretende-se desmistificar a técnica a partir do estudo de sua propedêutica e

    dos dados apresentados pelas varas vinculadas aos tribunais brasileiros que já a introduziram

    como instrumento redutor de litigiosidade e assim comprovar a sua eficiência para a gestão

    dos conflitos de família e a sua capacidade de transformação das relações familiares. Deste

    modo se demonstrará a contribuição da constelação para a pacificação das disputas judiciais

    pela guarda dos filhos. Concluindo-se que não há outra forma de tratar o debate pelo direito

    ao afeto que não pelos caminhos da humanização do tratamento processual às demandas

    existências inerentes ao direito de família.

    Palavras chaves: conflito; família; direito; mediação; constelação sistêmica; judiciário

  • ABSTRACT

    The systemic constellation technique to

    aid family mediation has favored the chances of agreement among people involved in family

    conflicts, especially the child custody ones, since they are full of feelings and emotions that

    blocks the base of a wise dialogue between the litigants and can undermine the familiarity

    between parents and children. Currently in Brazil, sixteen states work with the systemic

    constellation within the judicial in resolution as an intrument for disputes interests

    safeguarded by family law, and people may submit the technique in any stage of the process,

    since provided by their own wish. This work‟s goal is offering a new look of the custody

    conflict from the principles of systemic constellation and family mediation. For this, it is

    intended to demystify the art from a study of their workup and the data presented by the rods

    linked to the brazilian courts that have already introduced as litigation reducer instrument and

    thereafter prove their efficiency in the management of family conflicts, and their ability of

    changing family relationship. Thereby, the constellation's contribution wil be demonstrate to

    the pacification of court disputes over child custody. Concluding that there is no other way to

    deal with the debate on the right to affection, except for the path of the humanization of

    procedural treatment to the existential demands inherent to family law.

    Keywords: conflict; family; law; mediation; systemic constellation; judiciary

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

    1. A mediação e os métodos alternativos de resolução de conflito sob a perspectiva do

    novo código de processo

    civil......................................................................................................................................13

    1.1. O conceito de mediação e os aspectos que a diferenciam dos demais

    métodos alternativos de resolução de

    conflitos........................................................................................................13

    1.2. Os modelos de

    mediação.......................................................................................................17

    1.3. As etapas da mediação e a flexibilidade do

    procedimento................................................................................................20

    1.4. A necessidade da prática da mediação do conflito familiar de uma forma

    interdisciplinar..............................................................................................24

    2. Dos conflitos existenciais de família, em especial os relacionados a disputa pela

    guarda dos

    filhos.............................................................................................................................27

    2.1. Nuances históricas do conflito de família: da lei das doze tábuas ao novo

    código de processo

    civil...............................................................................................................27

    2.2. Do conflito de guarda dos filhos

    menores.........................................................................................................32

    3. A constelação sistêmica e sua dinâmica para a resolução dos conflitos de

    família.................................................................................................................................37

  • 4. Da aplicação da constelação familiar e sistêmica no judiciário

    brasileiro............................................................................................................................45

    4.1. da resolução nº 125/2010 do conselho nacional de justiça e demais

    dispositivos normativos que permitem a aplicação da constelação familiar e

    sistêmica no âmbito do

    judiciário.......................................................................................................45

    4.2. Considerações acerca da aplicação das constelações sistêmicas nas varas de

    família dos tribunais brasileiros, em especial na 5º vara de família e registro

    civil do

    recife.............................................................................................................50

    4.3. A constelação sistêmica como instrumento auxiliar a mediação no contexto

    dos processos envolvendo as disputas pela guarda dos filhos no

    judiciário...............55

    CONCLUSÃO.........................................................................................................................58

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………..............................61

  • 10

    INTRODUÇÃO

    Desde a Constituição de 1988, e a consequente ascensão do ideal de acesso à justiça, o

    judiciário se tornou um espaço aberto a apreciação das demandas sociais. Esse novo modelo

    de jurisdição ocasionou uma dilatação nas atividades do judiciário, de modo que se recorreu

    ao uso de medidas redutoras da judicialização de conflitos. Além disso, passou a se buscar

    uma maneira mais eficaz de solucioná-los, especialmente os do âmbito familiar.

    Neste sentido, a mediação e a conciliação passaram a ser as técnicas de resolução de

    conflitos mais utilizadas pelo modelo do processo multiportas - implantado com a ascensão

    do Novo Código de Processo Civil – pois, além de reduzir o número das demandas e o tempo

    de duração dos procedimentos judiciais, produzem um título executivo que estabelece

    obrigações facilmente adimplidas pelas partes litigantes, uma vez que foram por elas fixadas,

    diferentemente das determinações de uma sentença.

    Conceitualmente a conciliação, prevista no art.165, §2º da Lei 13.105/2015, é

    caracterizada pela intervenção direta de um terceiro, na qual irá propor soluções às partes,

    esclarecendo as desvantagens de prosseguirem com a judicialização. Já a mediação, constante

    no §3º do art.165 do mesmo diploma, consiste na facilitação do diálogo por um terceiro, para

    que os litigantes definam o próprio desfecho.

    Dessa forma, considera-se que a mediação seja a melhor técnica para solucionar os

    litígios de natureza familiar, porque o seu principal objetivo é o restabelecimento da

    comunicação entre as partes.1 Além disso, de acordo com o art. 2ª, da Lei 13.140, de 26 de

    junho de 2015, a mediação será orientada pelos princípios da informalidade, da autonomia da

    vontade das partes e, o principal, da busca pelo consenso. Isso evitaria que as partes

    ajustassem os termos de um acordo influenciadas por um terceiro, podendo ocasionar no

    descumprimento do sugerido por este, tal qual se observa na conciliação.

    Adotando-se a mediação como meio alternativo para resolução dos conflitos de família,

    restringe-se a temática ao específico conflito da guarda, o qual surge, na maioria das vezes,

    com a dissolução conjugal, estendendo-se por anos, gerando lesões aos direitos da criança ou

    do adolescente e restringindo o direito a convivência dos genitores.

    1 ANDRADE, Gustavo Henrique Baptista. Mediação familiar: princípio, meio e fim para a pacificação dos

    conflitos. Recife: Dissertação de Mestrado, apresentada perante o PPGD/UFPE, 2010. P.65

  • 11

    Diferentemente dos demais pleitos que se discutem no cerne das dissoluções conjugais,

    a guarda, talvez seja o último termo a se chegar num consenso, visto que envolve muito mais

    do que uma relação patrimonial, mas, principalmente, os sentimentos e as vivencias das partes

    durante a união.

    Sob essa perspectiva, o mediador deverá assumir uma postura interdisciplinar, a fim de

    compreender os fatos que levaram a instauração do conflito, sendo necessário o auxílio de

    outras ciências, como a psiquiatria, a psicologia e a sociologia, para observar com cautela as

    possíveis anomias sociais que acometeram aquela família em litígio.

    Neste ponto reside a necessidade de meios que auxiliem o mediador na busca por um

    resultado útil aos litigantes, a fim de que não sejam levados a coadunar com uma solução que

    internamente não lhes é favorável. É imperioso, portanto, que o mediador tenha sensibilidade

    para identificar as questões existenciais não apresentadas em juízo e que de algum modo

    venham a fomentar o conflito. Para isso, é preciso se utilizar de métodos que extrapolem a

    razão processual.

    Sendo assim, a constelação familiar e sistêmica, que paulatinamente vem sendo

    empregada no cotidiano das varas de família, tendo como seu precursor o juiz da 2ª Vara de

    Família da Comarca de Itabuna, do Tribunal de Justiça da Bahia, Sami Storch, apresenta-se

    como um dos instrumentos redutores de litigiosidade auxiliando na consolidação de acordos

    entre as partes no âmbito da mediação, ou até mesmo como forma de resolução dos próprios

    conflitos.

    A possibilidade da aplicação de tal prática no judiciário encontra respaldo no §3º, do

    art.3º do Código de Processo Civil de 20152. Este dispositivo impõe aos operadores do direito

    o estímulo às partes a optarem “por outros métodos de solução consensual de conflitos”.

    Dessa forma, tem-se uma norma de interpretação aberta e caráter exemplificativo capaz de

    permitir o uso da técnica da constelação familiar e sistêmica para auxiliar na resolução de

    conflitos, desde que promova a pacificação com justiça.

    2 Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 05/05/2019.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

  • 12

    Além desse dispositivo, tem-se, na esfera estadual, a Resolução nº 410/2018 do TJPE,

    publicada no Diário de Justiça de Pernambuco de 23 de maio de 2018, que dispõe sobre a

    criação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos

    (NUPEMEC), por sua vez prevista pela Resolução nº 125/2010 do CNJ. Tal norma interna

    do TJPE, prevê em seu art.4º o uso da constelação familiar e sistêmica como programa a ser

    instituído nos Núcleos e nas Câmaras de Justiça.

    O presente estudo se propõe demonstrar a efetividade desta técnica quando aplicada

    previamente a audiência de mediação, especificamente nos conflitos de família condizentes a

    guarda, uma vez que é o litigio que mais onera o judiciário e interfere na integridade psíquica

    dos indivíduos, que muitas vezes chegam a um acordo pelo simples desgaste em litigar,

    quando não deixam o seu destino nas mãos do magistrado, que nem sempre é satisfatório.

    Neste sentido, o objetivo desta análise também é descrever os efeitos da constelação

    sistêmica na dinâmica processual dos conflitos de família, na medida em que é implantada no

    judiciário.

    Assim, este trabalho se divide em quatro capítulos, o primeiro versa sobre a mediação e

    a necessidade da aplicação de outras técnicas para aprimorá-la no judiciário. O segundo

    aborda os conflitos no âmbito familiar, voltando-se para o estudo do direito material que

    regula a disposição da guarda dos filhos menores após a dissolução conjugal. O terceiro trata

    propriamente da constelação sistêmica e sua dinâmica, desmistificando a técnica e a sua

    efetividade na solução dos embates familiares.

    O quarto capítulo analisa a aplicação da constelação sistêmica no judiciário brasileiro,

    ressaltando os dispositivos legais que possibilitam a sua utilização como instrumento prévio a

    mediação, bem como os dados que apontam a sua eficiência na gestão dos conflitos e as suas

    contribuições para a solução das disputas pela guarda dos filhos.

    A expectativa mediata desta pesquisa, portanto, é propor um novo olhar sob o direito de

    família, a fim de que não seja somente um ramo de regulamentação das relações de casamento

    e parentesco, mas sim uma ferramenta de transformação social.

  • 13

    1. A mediação e os métodos alternativos de resolução de conflito sob a perspectiva do

    Novo Código de Processo Civil

    1.1. O Conceito de Mediação e os aspectos que a diferenciam dos demais métodos

    alternativos de resolução de conflitos

    Consoante o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa o termo “Mediação” vem

    do latim mediatione, possuindo como acepção geral os sentidos de intermediar, ou interceder,

    ou, ainda, de intervir.3 Apesar disso, o nobre linguista Aurélio Buarque de Holanda atribui

    dois conceitos a palavra mediação “Mediação” no que concerne a interpretação revestida

    pelas lentes do direito.

    A primeira delas é a de mediação como “intervenção com que se busca produzir um

    acordo”4, a segunda, porém, é a de “processo pacífico de acerto de conflitos internacionais (ao

    contrário do que se dá na arbitragem) a solução é sugerida e não imposta às partes

    interessadas”5. Note-se que a segunda definição é a que mais se aproxima da concepção

    constantes nos presentes estudos jurídicos acerca desta forma alternativa de resolução de

    conflito.

    Para a filosofia, todavia, a mediação assume sentidos que dependerão da abordagem

    gnosiológica para se estabelecer uma definição mais sólida. Para Luiz Signates:

    O conceito de mediação procede principalmente de duas vertentes filosóficas: a

    idealista, de origem cristã, e a hegeliana, bem como a tradição marxista. Tais

    vertentes são, obviamente distintas, a primeira ligando-se sobretudo à herança

    teológica (mediação do Cristo entre Deus e o mundo; mediação dos santos entre os

    pecadores e Deus) e, em seguida, tomando-se corrente no existencialismo, e a

    segunda, numa preocupação específica de explicar os vínculos dialéticos entre

    categorias separadas.6

    3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2ª Edição. Rio de Janeiro:

    Nova Fronteira, 1986. P. 1.109.

    4 Idem Ibidem. P. 1.109.

    5 Idem Ibidem. P. 1.109.

    6 SIGNATES, Luiz. Estudo sobre o conceito de mediação. Grupo de Estudos sobre Práticas de Recepção e

    Produtos Mediáticos. Revista Novos Olhares, nº 2, 2º semestre de 1998. P.38. Disponível em:

    http://www.tjap.jus.br/portal/images/stories/documentos/Eventos/Texto---Estudo-sobre-o-conceito-de-

    mediacao.pdf. Acesso em: 22/11/2018.

    http://www.tjap.jus.br/portal/images/stories/documentos/Eventos/Texto---Estudo-sobre-o-conceito-de-mediacao.pdfhttp://www.tjap.jus.br/portal/images/stories/documentos/Eventos/Texto---Estudo-sobre-o-conceito-de-mediacao.pdf

  • 14

    Neste sentido, para o autor essas duas concepções se convergem, ainda que

    naturalmente se confrontem. Por fim, Signates conclui que a mediação seja um instrumento de

    comunicação, haja vista que para as diversas compreensões filosóficas a mediação assume

    sempre o sentido de intermediação, ou facilitação da comunicação.7

    Tal conclusão não está muito distante do entendimento que o instituto possui para o

    direito Processual Civil, posto que para Ada Pellegrine, Antonio Carlos Cintra e Cândido

    Rangel Dinamarco, a mediação:

    Assemelha-se à conciliação: os interessados utilizam a intermediação de um terceiro,

    particular, para chegarem à pacificação de seu conflito. Distingue-se dela somente

    porque a conciliação busca sobretudo o acordo entre as partes, enquanto que a

    mediação objetiva trabalhar o conflito, surgindo o acordo como mera consequência.

    Trata-se muito mais de uma diferença de método, mas o resultado acaba sendo o

    mesmo. 8

    Sendo assim, é possível se depreender que o significado da mediação para as diversas

    áreas do conhecimento aqui demonstrados – linguística, filosofia e para o direito - converge

    para a intermediação.

    De fato, o conceito pode se resumir a intermediação entre dois entes, todavia é

    necessário compreender quais os objetivos do instituto para Direito Processual Civil, a fim de

    que não seja confundido com os demais métodos alternativos elencados no recente diploma.

    O Novo Código de Processo Civil elencou no art.3º, §3º, a conciliação e a mediação

    como métodos de solução consensual de conflitos, todavia este rol é exemplificativo, uma vez

    que no dispositivo consta a expressão “outros métodos de solução consensual de conflitos”.

    Além destes, o CPC/2015 leciona acerca do juízo arbitral, porém, não é possível

    classificá-lo como um “meio alternativo para a pacificação de pessoas em conflitos”9, tal

    como entendeu Ada Pellegrine, mas sim como um “meio de resolução extrajudicial de

    conflitos”10

    .

    7 Idem ibidem. P.40.

    8 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria

    geral do processo. 25ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2009. P. 34.

    9 Idem ibidem. P.35.

    10 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação, Conciliação e Resolução CNJ 125/2010. 5º

    Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 44.

  • 15

    Dessa forma classificou Francisco Cahali o instituto da arbitragem, enquanto técnica de

    resolução de conflitos, e a definiu da seguinte forma:

    Na arbitragem, enquanto instrumento de heterocomposição, aparece a figura de um

    terceiro, ou colegiado, com a atribuição de decidir o litígio que a ele foi submetido

    pela vontade das partes. Caracteriza-se, assim, ainda como um método adversarial,

    no sentido de que a posição de uma das partes se contrapõe à da outra, outorgando-

    se autoridade ao árbitro para solucionar a questão. A decisão do árbitro se impõe às

    partes tal qual uma sentença judicial; a diferença é que não foi proferida por

    integrante do Poder Judiciário.11

    Ora, se na arbitragem há a imposição de uma decisão as partes, então não poderá ser

    considerada como uma ferramenta de solução consensual de um conflito, haja vista que não

    houve um acordo, um diálogo paritário entre as partes, mas sim uma decisão de um terceiro

    que pesou a fundamentação mais convincente.

    Sendo assim, exclui-se a arbitragem desta análise, uma vez que dificilmente se

    confundiria com a mediação ou com a conciliação, a não ser que o árbitro se despoje de seu

    papel atribuído pelas partes para atuar também como um conciliador ou mediador.

    Por fim, resta a sutil diferença entre a mediação, a conciliação e a negociação, formas de

    resolução de conflitos que de acordo com Cahali caminham pela trilha da autocomposição.

    Para o autor, o terceiro invocado pelas partes, atua como intermediário ou facilitador da

    comunicação entre as partes, de modo a estimulá-las a refletir sobre o conflito e

    voluntariamente chegarem a uma solução.12

    Na negociação há uma troca de perdas e vantagens e normalmente as partes se tratam

    de forma direta, atuando o terceiro ora como facilitador da instituição das obrigações, ora

    como representante de uma das partes. Nada impede, contudo, que a negociação seja feita

    somente pelos negociadores.13

    No que concerne a conciliação e a mediação, o Código de Processo Civil, ainda que as

    cite expressamente, não definiu diretamente quais eram seus objetivos ou estratégias. Apesar

    disso, no art.165, §§2º e 3º, delineou a atuação e as atribuições do conciliador e do mediador,

    respectivamente, veja-se:

    11 Idem ibidem. P.45.

    12 Idem ibidem. P.45.

    13 Idem ibidem. P.45.

  • 16

    § 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver

    vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada

    a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes

    conciliem.

    § 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo

    anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os

    interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da

    comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios

    mútuos.

    Neste sentido, é possível se depreender que a conciliação seja indicada para conflitos

    que não pressuponham um vínculo entre as partes anterior a disputa pelo interesse litigado, e é

    conferido ao conciliador a liberdade de fazer sugestões, com o propósito de se chegar a um

    consenso. A mediação, no entanto, é recomendada para os casos em que há uma ligação entre

    as partes, e desse contato tenha se originado o imbróglio.

    Ademais, a incumbência do mediador é mostrar as partes o cerne de seu conflito, com

    o propósito de conhecer e entender os seus porquês, para que restaurem o diálogo, e, por fim,

    dialeticamente planejem formas de conviverem pacificamente, dessa forma leciona Thífani

    Ribeiro: “na mediação não se busca por um fim a controvérsia. Como dito, a mediação pode

    se satisfazer apenas por permitir que os canais de comunicação antes interrompidos pelo

    cometimento de um conflito tenham se (re) estabelecido”14

    .

    14 OLIVEIRA, Thífani Ribeiro Vasconcelos de. Um estudo sobre mediação como modo para a resolução dos

    conflitos no Novo Código de Processo Civil. In: SOUZA, Wilson Alves (Coordenador). O direito processual

    em transformação. 1ª Edição. Salvador: Editora Dois de Julho. 2016. P.79.

  • 17

    1.2. Modelos de mediação

    Inicialmente é preciso se fazer uma distinção entre os modelos de mediação e as

    técnicas empregadas para o desenvolvimento das fases do procedimento. As técnicas são

    métodos que buscam o alcance do objetivo pelo qual se recorreu a forma alternativa de

    resolução de conflitos. Já os modelos são o formato, os princípios e as regras a serem

    adotados, ou seja, a espécie de mediação que será utilizada.

    Segundo Carlos Eduardo de Vasconcelos, a mediação no atual estado que se apresenta

    seguiu a prática da negociação cooperativa desenvolvida na Escola de Harvard.15

    Tal modelo

    se resume a quatro fundamentos: pessoas, interesses, opções e critérios. Sendo, portanto, os

    quatro principais passos de uma negociação os seguintes: 1) separar as pessoas do problema;

    2) concentrar-se nos interesses, não nas posições; 3) criar uma variedade de possibilidades,

    antes de decidir o que fazer; e, por último, insistir em que o resultado siga algum padrão

    objetivo.16

    A partir desses fundamentos da Escola de Harvard foi possível se extrair importantes

    conceitos utilizados em qualquer modelo de mediação, tais como: a separação do conflito

    subjetivo, o qual envolve propriamente as relações pessoais, do objetivo, que diz respeito a

    questões patrimoniais; a observação dos padrões éticos, jurídicos e econômicos; e,

    principalmente, a criação de opções para a satisfação dos interesses de ambas as partes. 17

    Tendo em vista essas noções, passa-se ao estudo dos modelos de mediação, sendo o primeiro

    conjunto direcionado a conflitos essencialmente patrimoniais.

    Esse modelo, consoante os estudos de Lilia Maia de Morais Sales, é advindo das duas

    técnicas de mediação mais proeminentes nos Estados Unidos, a avaliativa e a facilitativa. O

    modelo facilitativo-avaliativo seria subdividido de acordo com a natureza do problema, seja

    ele restritivo ou amplo. Sob essa perspectiva, ter-se-ia quatro espécies de mediação oriundas

    15 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 4ª Edição. Rio de

    Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P.171.

    16 FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: negociação de acordos sem

    concessões. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Imago, 2005. P. 33-99.

    17 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 4ª Edição. Rio de

    Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P.171.

  • 18

    da teoria da negociação da Escola de Harvard, quais sejam: o modelo avaliativo-

    restritivo/amplo e o, facilitativo-restritivo/amplo.18

    Neste sentido o facilitativo restritivo objetiva esclarecer o grau de procedência dos

    argumentos das partes, quando não houver acordo, enquanto que o ampliativo auxilia os

    litigantes a encontrar o real conflito existente e a sua causa, para assim chegarem a um

    consenso. O modelo avaliativo restritivo, todavia, tem como estratégia alertar as partes acerca

    da probabilidade de sucesso de seus pleitos perante o judiciário, caso não cheguem a uma

    solução consensual. Já o avaliativo amplo busca compreender os interesses não manifestados

    pelos mediados, todavia indutores da resistência ao conflito, a fim de direcioná-los a uma

    solução que supra todas as carências concretas e subjacentes.19

    A objeção destas formas de mediação, segundo Francisco Cahali é justamente por

    advir do sistema processual norte-americano, o qual não diferencia a mediação da conciliação,

    e, ainda, por entender que nesta forma, o mediador pode sugerir soluções que atendam aos

    interesses das partes. Neste sentido o autor frisa: “considerando ainda que este modelo

    aproxima-se da conciliação em nosso sistema jurídico, para alguns doutrinadores, esta técnica

    não seria aplicável à mediação desenvolvida em nosso sistema”20

    .

    De fato neste modelo, a conciliação e a mediação se confundem, de modo que o autor

    Carlos Eduardo Vasconcelos em sua obra considera a mediação avaliativa como uma

    conciliação. Para o autor, “na Conciliação o conciliador é esse terceiro que medeia,

    procurando obter o entendimento entre as partes. Portanto, conciliação é mediação”21

    . Por

    fim, ele conclui que a conciliação é um modelo de mediação focado no acordo, sendo aquela

    uma espécie do gênero desta.22

    Partindo-se para os modelos de mediação cujo foco deixa de ser a negociação para a

    restauração da relação intersubjetiva, tem-se a mediação circular-narrativa e, a transformativa.

    18 SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação facilitativa e “mediação” avaliativa – estabelecendo diferença e

    discutindo riscos. In Revista Alcance – Eletrônica, volume 16. Edição de janeiro-abril de 2011. P.24-25.

    Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3267/2049. Acesso em: 09/12/2018.

    19 Idem Ibidem. P.25-27.

    20 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação, Conciliação e Resolução CNJ 125/2010. 5º

    Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 97.

    21 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 4ª Edição. Rio de

    Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P.179.

    22Idem ibidem. P. 180.

    https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3267/2049

  • 19

    É importante ressaltar que estes modelos são oriundos da mediação facilitativa da Escola de

    Harvard, e, tem como base a terapia familiar sistêmica,23

    a qual será objeto de análise deste

    trabalho mais adiante.

    A mediação circular-narrativa consiste em um processo conversacional cujo objetivo é

    fazer com que as partes compreendam suas histórias, de modo a modificar a visão deturpada

    da relação, criada pelos mediados, que muitas vezes desencadeou o conflito.24

    Para Cahali a

    mediação circular-narrativa pode ser resumida ao seguinte procedimento:

    Provoca-se nas partes a análise do conflito, identificando as diferentes versões para

    o mesmo aspecto, daí a ideia de circular, no sentido de gravitar em torno de um

    ponto, porém com olhares distintos. Cada narração provoca reações e reflexões na

    outra parte, cujo objetivo é transformar a história conflitiva em uma história

    colaborativa. Na medida em que se valoriza a comunicação, pode-se construir uma

    visão comum para se conferir maiores resultados no processo de mediação.25

    Por fim, o modelo de mediação transformativo tem como propósito a

    “conscientização e respeito a posição do outro”26

    , algo que Carlos Eduardo Vasconcelos

    compreende como conscientização e empatia27

    . Este modelo transfere o foco da etapa da

    solução do conflito para o momento prévio da mediação, a fim de transformar a interação

    entre os mediados,28

    uma vez que nestes casos específicos as partes apresentam muita

    resistência ao conflito e a sustentação de interesses pífios com o intuito de macular o

    adversário.

    23 Idem ibidem. P. 183.

    24 Idem ibidem. P. 184.

    25 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação, Conciliação e Resolução CNJ 125/2010. 5º

    Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 98.

    26 Idem ibidem. P.97.

    27 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 4ª Edição. Rio de

    Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P.188.

    28 Idem ibidem. P.192.

  • 20

    1.3. As etapas da mediação e a flexibilidade do procedimento

    A mediação parece ser um único ato, do qual jaz uma série de incertezas quanto ao seu

    resultado ou as repercussões no comportamento das partes. Apesar disso, o referido instituto,

    assim como uma audiência de instrução e julgamento, segue um rito, com várias etapas

    conduzidas pelo mediador que da mesma maneira que o juiz deverá assumir uma posição de

    neutralidade, sem favorecer o direito ou o discurso proferido por qualquer uma das partes,

    conforme dispõe o inciso I, do art.2º, da Lei de Mediação.

    Esta última assertiva é evidenciada na obra de Francisco José Cahali que leciona:

    Especificamente para preservar a imparcialidade e a independência, aplicam-se ao

    mediador as mesma causas de impedimento e suspeição do juiz (Lei 13.140/2015,

    art.5º) e impõe-se ao escolhido o dever de revelação (parágrafo único), tal qual se

    exige do árbitro na arbitragem (LArb., art.14, §1º) autorizando, a partir de então, a

    recusa por qualquer das partes.29

    Consoante o entendimento de Carlos Eduardo de Vasconcelos: “o encontro de mediação

    é processado numa sequência de conduções. Costumamos dividir a mediação em seis etapas,

    apenas para fins didáticos, visando facilitar seu andamento”30

    . Há autores que adotam outras

    formas de divisão da mediação, considerando que o momento prévio a mediação seja a

    primeira fase e que a que a quarta e quinta etapa sejam seccionadas em duas, totalizando oito

    etapas.31

    É imperioso salientar que tais etapas, bem como as regras acerca do procedimento da

    mediação privada constantes na Lei 13.140/2015, não obrigam os mediadores a seguirem tal

    rito, na opinião de Cahali:

    E deixe-se de início anotado que não se quer, com esta novidade, dizer que

    estará engessado o instituto (ou processualizada a matéria), pela definição de

    procedimento, quando, como se sabe, a atuação do profissional, ou das entidades

    com oferta de mediação, são marcadas em toda a sua história, exatamente pela

    liberdade do procedimento.

    Fique claro, então, o registro de que, em relação ao procedimento

    propriamente dito, as previsões devem ser entendidas mais como regras de

    29 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação, Conciliação e Resolução CNJ 125/2010. 5º

    Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 104.

    30 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 4ª Edição. Rio de

    Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P.196.

    31 Idem ibidem. P.196.

  • 21

    orientação, com caráter sugestivo, e para facilitar a fruição dos acontecimentos, do

    que impositivas a formalidades preestabelecidas. 32

    As etapas da mediação, portanto, não são normatizadas, tampouco se submetem a

    parâmetros estabelecidos pela classe profissional. As secções são, portanto, orientações

    firmadas pela doutrina para facilitar o aprendizado do mediador em formação. Isso é evidente

    quando se constata que há diversos modelos de mediação e que cada um deles segue um

    caminho diferente em direção a solução do conflito.

    Assim, procede-se a análise das etapas do método costumeiro, descrito por Carlos

    Eduardo de Vasconcelos. Consoante a visão do autor a mediação é dividida em seis etapas,

    quais sejam: a apresentação, esclarecimentos de abertura e redação do termo inicial de

    mediação; a narrativa dos fatos pelos mediados; o compartilhamento de um resumo do

    acontecido; a identificação das reais necessidades das partes; a criação de opções com base

    em critérios objetivos; e, por fim, elaboração de termo final de mediação.33

    A primeira fase da mediação consiste basicamente na apresentação das partes, do

    mediador que, inicialmente, fará uma explanação acerca do procedimento. Nesta exposição se

    deve informar os princípios básicos da mediação, tais como a informalidade, a independência

    e principalmente a imparcialidade e a confidencialidade. Tudo isso, com o propósito de que os

    mediados se sintam confortáveis para expor sua lide. Após estas aduções, o mediador

    questiona se todos estão de acordo com o procedimento e formaliza o Termo Inicial de

    Mediação, o qual será lido e assinado pelos participantes.34

    Procedendo-se a segunda etapa, o mediador solicita que os mediados narrem

    separadamente o deslinde dos fatos que desencadearam o conflito. Especificamente para este

    momento o autor Carlos Eduardo Vasconcelos faz a seguinte ressalva:

    Não se recomenda interromper os mediandos em suas primeiras intervenções.

    Quando o mediando tiver dificuldades, deve o mediador estimulá-lo com perguntas.

    Caso o mediando que está na vez de escutar interfira prejudicando a continuidade da

    fala do outro, o mediador deve interrompê-lo e esclarecer sobre a importância da

    escuta e o compromisso assumido.35

    32 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem – Mediação, Conciliação e Resolução CNJ 125/2010. 5º

    Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 104-105.

    33 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 4ª Edição. Rio de

    Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P.197-203.

    34 Idem ibidem. P. 197-198.

    35Idem ibidem. P. 199.

  • 22

    No que concerne as mediações dos conflitos de família, os quais envolvem maiores

    informações que no cotidiano das partes não são expostas por fatores emocionais, o autor

    ainda aconselha:

    Especialmente nas mediações familiares o componente emocional costuma ser

    elevado. Essas mediações familiares costumam ser mais complexas. No entanto,

    desde que dotado de uma consistente formação interdisciplinar/transformativa,

    qualquer mediador pode atuar, com sucesso, nessas mediações. Mas é

    recomendável, quando o mediador não tiver experiência ou formação em psicologia,

    que se faça acompanhar por um comediador com essa formação. Não para que se

    trabalhe numa perspectiva terapêutica, mas para que as apropriações e

    reconhecimentos sejam bem desenvolvidos. 36

    Sobre este excerto é necessário se pontuar uma crítica acerca das circunstâncias nas

    quais a mediação de conflitos familiares é feita no âmbito do judiciário. O fato é que nesse

    espaço não há um controle da formação dos mediadores, visto que esta não é estabelecida,

    tampouco exigida pela lei. Assim, por se vivenciar um sistema processual, que submete uma

    demanda de Direito de Família a um mediador, que normalmente não segue as

    recomendações da doutrina em análise, conclui-se que a obrigatoriedade instituída no Novo

    Código de Processo Civil é em sua maioria inócua, pois não considera os fatores emocionais

    inerentes a natureza dessas lides, fazendo com que o conflito permaneça ao ser submetido as

    determinações sentenciadas.

    Dando seguimento as etapas metodológicas da mediação lecionadas por Carlos

    Eduardo Vasconcelos, a terceira fase é caracterizada pelo resumo dos pontos controversos,

    identificados pelo mediador na narrativa dos fatos, a serem discutidos pelas partes. A partir

    deste resumo, comumente os mediados já percebem quais são os interesses em conflito, bem

    como o fundamento das reais necessidades de cada um a serem debatidas. Nessa toada, tem-se

    o início da quarta etapa, momento em que a resistência das partes ao diálogo é, muitas vezes,

    rompida, reduzindo-se a polarização presente no início do procedimento.37

    Sendo assim, na quinta etapa, havendo uma clareza das distorções da relação que

    levaram ao conflito, os mediados colaboram com a escolha de opções para se pacificarem.

    Neste ponto o autor concorda que o mediador possa fornecer algumas soluções, assumindo

    uma posição de conciliador, algo que é muito frequente nas conciliações judiciais.38

    36 Idem ibidem. P. 199.

    37 Idem ibidem. P. 201.

    38Idem ibidem. P. 203.

  • 23

    Por fim, consuma-se o acordo, o qual é formalizado pelo Termo Final da Mediação,

    sendo esta a sexta etapa da análise metodológica da mediação. Vale salientar, que tal acordo é

    uma espécie de contrato passível de execução judicial, por isso, convém que os advogados das

    partes colaborem com a redação de suas cláusulas.39

    Destaca-se que esse inter traçado pela doutrina consta de forma positivada na Seção

    III da Lei 13.140/2015 cujo conteúdo trata do procedimento da mediação judicial e

    extrajudicial, todavia, como já mencionado, o método consensual de resolução de conflitos

    não está adstrito as normas deste diploma, podendo as partes acertarem as regras e as fases do

    procedimento, ou o próprio mediador traçar a metodologia que julgar mais adequando para

    resolver o conflito de acordo com a sua natureza.

    39 Idem ibidem. P. 204.

  • 24

    1.4. A necessidade da prática da mediação do conflito familiar de uma forma interdisciplinar

    Conforme visto no subtítulo anterior o procedimento da mediação, apesar de estar

    definido na legislação que o rege, poderá ser adaptado a natureza da lide. Essa flexibilidade

    do método é necessária a resolução dos conflitos familiares, uma vez que carregam uma alta

    subjetividade causada por uma carga de emoções muitas vezes implícitas. Consoante o

    entendimento de Maria Berenice Dias:

    As peculiaridades que envolvem as questões familiares exigem que magistrados,

    promotores, advogados e defensores públicos sejam mais sensíveis, tenham uma

    formação diferenciada. Devem atentar para o fato de que trabalham com o ramo do

    direito que trata mais de perto com a pessoa, seus sentimentos, suas perdas e

    frustrações40

    .

    É imperioso, portanto, promover-se um o diálogo entre o direito e as outras ciências, a

    fim de que o método essencialmente jurídico seja floreado por outras técnicas, para

    compreender a posição de resistência dos interesses dos litigantes promovendo resultados

    efetivos ao seu cotidiano.

    Vale salientar que esta visão sistematizada é também necessária, na medida em que o

    arcabouço normativo a disposição do jurista não disciplina em completude as transformações

    sociais e familiares que ocorrem na sociedade, sendo função do operador do direito levar estas

    novas demandas ao legislativo, para assim serem positivadas. Neste sentido, Maria Berenice

    Dias observa que:

    O legislador não é afeiçoado a criar, inovar. Limita-se a estabelecer regras de

    conduta dotadas de sanção e não consegue se desapegar dessa função na hora de

    regular relações afetivas. A lei é retardatária, sempre vem depois. Daí a tendência de

    ser conservadora. Tenta impor limites, formatar comportamentos dentro dos moldes

    preestabelecidos pela sociedade, na busca de colocar moldura nos fatos da vida.

    Quando não existe direito positivado, a função de apanhar o fato e conferir-lhe tutela

    jurídica, é delegada ao Poder Judiciário, que tem o dever de fazer Justiça. Esse é o

    papel social mais significativo que historicamente lhe é reservado41

    .

    Tendo em vista esse papel analítico social do jurista, infere-se que a

    interdisciplinaridade do direito é imprescindível a regulação das relações de família, bem

    como ao auxílio na resolução dos conflitos desta natureza. Nessa toada, a mediação deve se

    40 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos

    Tribunais, 2016. P.66.

    41 Idem ibidem. P.65.

  • 25

    aliar aos fundamentos das outras áreas do conhecimento - como a sociologia, a antropologia e,

    principalmente, a psicologia - para compreender a origem da lide e empregar nas etapas de

    seu procedimento os recursos de solução das problemáticas inerentes a essas ciências.

    Sob essa perspectiva, Camila Schroeder e Márcia Sarubbi Lippmann entendem que:

    Sendo a mediação um dos métodos de tratamento adequados mais trabalhados

    dentro do Judiciário, verifica-se que a realização de uma mediação integrada com

    técnicas e conceitos interdisciplinares seja capaz de proporcionar uma ampliação da

    compreensão do sujeito que conflita, trazendo técnicas e ferramentas que auxiliam o

    profissional do Direito a promover uma verdadeira cultura de paz e de abordar a

    mediação como instrumento de conscientização social e de promoção da cidadania 42

    .

    Nessa toada, a mediação como prática de pacificação social deve buscar a

    interdisciplinaridade para atingir o seu propósito. No campo do direito de família a mediação

    serve como forma de restauração do diálogo entre as partes, para isso, segundo Gustavo

    Henrique Baptista, é essencial que:

    o mediador esteja qualificado para uma escuta especializada e se apresente com uma

    postura não-adversarial para cumprir a missão de esclarecer os limites das

    pretensões de cada um dos mediandos, focalizando os pontos controvertidos e

    conduzindo as partes ao diálogo, o qual, muitas vezes, eles sequer hajam

    experimentado durante o convívio.43

    Neste sentido, o autor salienta que a comunicação é a base para a resolução das lides

    familiares, de modo que pela ausência daquela, estas são instauradas, e em algum momento as

    partes percebem que não houve de fato um conflito, mas sim um mal-entendido. O autor ainda

    entende que os conflitos familiares são trazidos pelas partes de forma superficial, não se

    deixando a mostra as verdadeiras razões da animosidade. Sendo assim, a mediação serviria

    para aclarar tais situações.44

    Assim, para o autor a mediação no contexto do conflito familiar deve se revestir de

    aspectos especiais, dentre eles a interdisciplinaridade, e, por isso, deverá ser individualizada

    no ramo denominado doutrinariamente de mediação familiar, qualificado pela proposta de um

    42 LIPPMANN, Márcia Sarubbi; LUCACHINSKI, Camila Schroeder. Família como locus de conflito e

    mediação familiar interdisciplinar. In LIPPMANN, Márcia Sarubbi; OLDONI, Fabiano. Um novo olhar para

    o conflito: diálogo entre mediação e constelação sistêmica. Joinville: Manuscritos Editora, 2018. P. 76.

    43 ANDRADE, Gustavo Henrique Baptista. Mediação familiar: princípio, meio e fim para a pacificação dos

    conflitos. Recife: Dissertação de Mestrado apresentada perante O PPGD/UFPE, 2010. P.69.

    44 Idem ibidem. P. 66.

  • 26

    estudo da técnica processual em diálogo com a psicologia, buscando a partir de uma

    perspectiva pacificadora alcançar um consenso que seja positivo para ambas as partes.45

    45 Idem ibidem. P. 65.

  • 27

    2. Dos conflitos existenciais de família, em especial os relacionados a disputa pela guarda

    dos filhos

    2.1. Nuances históricas das formas de resolução do conflito de família: da Lei das Doze

    Tábuas ao Novo Código de Processo Civil.

    Após a breve explanação acerca da mediação e a sua aplicabilidade a resolução das lides

    de natureza familiar, prossegue-se ao estudo da razão de ser deste instituto: o conflito de

    família.

    Inicialmente, é imperioso que se faça uma análise de como este conflito inerente ao

    processo de socialização humano era resolvido ao longo da história, partindo-se do berço do

    Civil Law, Roma. Sendo assim, identifica-se que a história da resolução do conflito de família

    se confunde com a história do próprio direito de família, uma vez que este serviu de essência

    para a criação das normas processuais dentro do próprio sistema.

    Segundo John Gilissen nas sociedades arcaicas o divórcio enquanto conflito já era

    disciplinado por convenções. Para os romanos, todavia o divórcio só se daria por meio do

    repúdio da mulher pelo marido ou na ausência deste, pelo pater famílias. O historiador aduz

    que essa forma de tratamento do divórcio pela sociedade permaneceu do período do fim da

    República até o governo dos primeiros Imperadores cristãos, os quais, por meio do direito

    canônico, assentaram restrições à liberdade de se divorciar.46

    No que concerne a guarda dos filhos ante o divórcio, esta seria do homem, uma vez que

    estes enquanto vivessem estariam sempre submetidos ao poder do pai ou avô. 47

    Nas autora

    palavras de Giselda Hironaka: “no antigo Direito Romano, da Lei das XII Tábuas se

    depreende que o pai tinha sobre sua esposa e filhos o direito de vida, morte e liberdade (Tábua

    IV)” 48

    .

    46 GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995.

    P.565.

    47 Idem ibidem. P.611.

    48 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O conceito de família e sua organização jurídica. In

    Tratado de direito das famílias. Organizador: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015.

    P. 29.

  • 28

    Quanto a forma de resolução do conflito propriamente dito, Ada Pellegrine, Antônio

    Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, afirmam que após a percepção de que

    o sistema de resolução das demandas a partir da autotutela não garantia a justiça, mas a vitória

    do mais forte, a sociedade entregou esse poder ao Estado cujo papel foi estruturar uma

    jurisdição. 49

    Neste sentido, estes autores apontam que em Roma os conflitos de qualquer natureza se

    resolviam da seguinte forma:

    Os cidadãos em conflito compareciam perante o pretor comprometendo-se a aceitar o que viesse a ser decidido; e esse compromisso, necessário porque a mentalidade da

    época repudiava qualquer ingerência do Estado (ou de quem quer que fosse) nos

    negócios de alguém contra a vontade do interessado, recebia o nome de

    litiscontestatio. Em seguida, escolhiam um árbitro de sua confiança, o qual recebia

    do pretor o encargo de decidir a causa. O processo civil romano desenvolvia-se,

    assim, em dois estágios: perante o magistrado, ou pretor (in iure), e perante o

    árbitro, ou judex (apud judicem).

    Sendo assim, é possível se depreender que em Roma, após a edição da Lei das XII

    Tábuas passou a se estruturar uma jurisdição bipartida, logo o conflito seria resolvido por um

    terceiro, o qual poderia ser o magistrado ou o árbitro, a depender do andamento do processo.

    Na idade média, a jurisdição passou para a tutela da Igreja, haja vista que no processo

    de decomposição dos Estados em feudos, no período inicial, bem como de consolidação das

    primeiras monarquias, em seu fim, a atividade Estatal estava sempre mesclada ao

    entendimento sacramental daquela instituição. De acordo com Gilissen:

    Do séc. X ao séc. XVI, casamento e divórcio são exclusivamente regulados pelo direito canónico. A igreja tem monopólio da legislação e da jurisdição nesta matéria.

    Qualquer questão relativa a estas instituições é da competência dos tribunais

    eclesiásticos 50

    (sic).

    Com a Reforma Protestante e a consequente contenção do poder da Igreja Católica, a

    concepção de indissolubilidade do casamento foi modificada pelas novas doutrinas religiosas

    que se ascenderam, retornando-se a percepção do conflito de família em maior parte iniciado

    pelo divórcio, o qual era aceito nas religiões provenientes da reforma.51

    49 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria

    geral do processo. 25ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2009. P. 29.

    50 GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. P.

    569.

    51 Idem ibidem. P. 575.

  • 29

    Por fim, a Revolução Francesa veio a restabelecer o divórcio, desta vez não de uma

    forma sancionatória para a mulher, admitindo a dissolução do vínculo conjugal por mútuo

    acordo entre as partes e de forma não burocrática, a partir da Lei de 20 de Setembro de 1792.

    Apesar disso, Gilissen relata que devido a um número exagerado de divórcios que passaram a

    ocorrer nos anos que se sucederam a publicação da norma citada, o Código Civil Francês

    1804 passou a dificultar o processo de divórcio por mútuo consentimento, bem como resumiu

    a três as hipóteses em que os cônjuges poderiam unilateralmente requerer a dissolução nos

    tribunais, dentre elas pode se citar: o adultério; injúria grave de um dos cônjuges; e, a

    condenação dos cônjuges a uma pena infamante.52

    Nesta época, no Brasil, tanto o direito material quanto o processual era regido pelas

    Ordenações Filipinas, nas quais as normas pertinentes ao Direito de Família eram embasadas

    no Direito Canônico. Além disso, os artigos relacionados a matéria estavam dispostos de

    forma esparsa53

    . Dentre as determinações que dispunha o diploma Giselda Hironaka destaca:

    À guisa de exemplo, nota-se que o Livro IV, Título XCV, trata o homem casado

    como cabeça do casal, sendo que a mulher só assumia esse estado quando da morte

    dele. No livro V, Título XXXVIII, vê-se a respeito do direito do marido sobre a vida

    da sua mulher por achá-la em adultério. No Livro IV, Título XLVIII trata do marido

    que não pode vender, nem alienar bens sem a outorga da mulher. No Livro III,

    Título XLVII, consta que o marido não pode litigar em juízo sobre bens de raiz sem

    outorga de sua mulher. No Livro IV, Título XLVI, estipula-se que o marido e a

    mulher são meeiros em seus bens, mediante cartas de “ametade”, salvo se outra

    coisa for acordada entre as partes, bem como nos §§1º e 2º previram os casamentos

    „por palavra de presente à porta da Igreja ou por licença do prelado fora dela,

    havendo cópula carnal‟ e os casamentos em que o marido e mulher „são tidos em

    pública voz e fama de marido e mulher por tanto tempo que, segundo direito, basta

    para presumir matrimônio entre eles, posto se não promovem as palavras de

    presente‟. [...] No livro IV, Título LXXXI, depreende-se que o poder familiar durava

    toda à existência, visto que, entre os impossibilitados de testar, estavam o filho

    famílias, que era aquele debaixo do poder de seu pai, isto é, „de qualquer idade que

    seja.54

    Depreende-se que tais disposições disciplinavam hipóteses cujos membros da família

    pudessem entrar em conflito, no entanto, por existirem diversas lacunas na presente legislação

    estava aberta a interpretação e suplementação pelos costumes. As Ordenações Filipinas

    vigoraram no país até 1917, quando entrou em vigor o Código Civil de 1916, todavia em

    52 Idem ibidem. P. 575.

    53 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O conceito de família e sua organização jurídica. In

    Tratado de direito das famílias. Organizador: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015.

    P. 33.

    54 Idem Ibidem. P.31-32.

  • 30

    período anterior a este, no Brasil Império, foram editados diversos decretos regulando as

    relações de parentesco, bem como acerca da cessação do poder familiar aos 21 anos e da

    presunção do regime de comunhão universal de bens55

    .

    O Código de 1916 tinha como inspiração moral as normas já então citadas, porém, de

    acordo com Giselda Hironaka, o período entre a primeira república (de 1890 a 1930), a Era

    Vargas (de 1946 a 1964), do Regime Militar (de 1964 a 1985) foi bastante produtivo em

    relação a publicação de diplomas regulando as relações de família. Deste lapso é importante

    destacar a Lei 968, de 10 de dezembro de1949 que estabelecia a inclusão de uma fase

    preliminar de conciliação, nas ações de desquite litigio e alimentos.56

    Essa norma é importante para o presente estudo acerca do conflito de família, uma vez

    que demonstra a preocupação estatal em solucioná-lo por outro caminho que não a imposição

    das disposições de uma sentença que determinaria a forma como os litigantes iriam se

    relacionar após a instauração do litígio.

    Por fim, ainda que já em vigor a Lei 6.515/77, regulamentando divórcio, a

    Constituição de 1988, ao sistematizar o direito como um todo com base no princípio da

    dignidade da pessoa humana, rompe definitivamente com as tradições canônicas que até então

    permeavam o Direito Civil57

    . Isso, porque, apesar das normas, que redefiniam as relações de

    família e do desenrolar dos conflitos atinentes a esta instituição, o direito civil era guiado por

    outra razão de ser, a qual estava sujeita a interpretação dos magistrados que poderia

    considerar o instituto determinado na legislação, bem como não o reconhecer

    Além disso, em questões processuais a Constituição veio para promover o acesso à

    justiça58

    , então, os conflitos que antes eram solucionados pela determinação do magistrado

    embasada em leis advindas de princípios de essência católica, passaram a ser tratados por

    outras instituições como a Defensoria Pública e a busca por uma solução consensual das

    demandas passou a ser mais comum ao longo do processo. 59

    55 Idem Ibidem. P.31.

    56 Idem Ibidem. P.36.

    57 Idem Ibidem. P.45.

    58 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria

    geral do processo. 25ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2009. P. 39.

    59 Idem Ibidem. P.40-41.

  • 31

    Isso culminou na produção do processo multiportas enfim positivado pelo Novo

    Código de Processo Civil, no qual a pacificação do conflito por meio de acordos promovidos

    no judiciário deixou de ser uma faculdade do magistrado para se tornar em uma obrigação.

    Vale salientar também, que este novo diploma estendeu a atividade da resolução das lides

    familiares aos advogados e aos novos personagens do âmbito judicial, os mediadores e

    conciliadores.

  • 32

    2.2. Do conflito de guarda dos filhos menores.

    Ao longo da história do direito de família, percebe-se que a guarda esteve sempre

    relacionada ao poder familiar exercido sobre o indivíduo. Neste sentido, Paulo Lôbo leciona

    que o emprego do termo guarda é inadequado, uma vez que não há mais no ordenamento

    jurídico a previsão do exercício do poder dos pais sobre os filhos, mas sim o direito a

    convivência que é concomitantemente exercido entre pais e filhos.60

    Apesar disso, segundo o autor o termo seria adequado quando se trata de um terceiro

    que exerce o dever de cuidado sobre a criança, a qual foi afastada da família por perda da

    autoridade parental.61

    No que concerne ao conflito de guarda, ou seja, a disputa entre os genitores quanto a

    convivência familiar dos filhos, segundo Paulo Lôbo a regra geral, quando da separação dos

    pais, a solução para a lide será o acordo ente as partes. Esse consenso será a norma que regerá

    o convívio, sendo uma exceção o magistrado determinar algo diverso do proposto, posto que

    nestes casos será observado o melhor interesse da criança, logo, se este for de encontro ao

    disposto no acordado, pressupõe-se a existência de um motivo relevante para tanto.62

    Atualmente, o direito de família regulamenta três regimes de guarda a serem exercidos

    pelos genitores que passaram por uma dissolução de união, qual sejam: a guarda unilateral

    com o direito de visitas, a guarda alternada e a guarda compartilhada.

    A guarda unilateral é conceituada por Maria Berenice Dias como a “exclusiva a um dos

    genitores decorre: do consenso de ambos (CC 1.284 I) ou quando um dos genitores declarar

    ao juiz que não deseja a guarda compartilhada (CC 1.584 §2º). ” 63

    Apesar dessa exclusividade atribuída a um dos genitores, o não guardião poderá exercer

    o seu direito de visitas, o qual é acertadamente denominado pela doutrina como direito a

    convivência. Além disso aquele que não exerce a guarda, tem a legitimidade parar requerer

    60 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 185.

    61 Idem ibidem. 186.

    62 Idem ibidem. 186.

    63 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos

    Tribunais, 2016. P.514.

  • 33

    informações acerca da educação, alimentação, lazer e demais condições que afetem a

    condição física ou psicológica da criança ou do adolescente.64

    Ainda assim, é um consenso na doutrina que a melhor forma de se partilhar o convívio

    familiar entre os genitores após a separação é a guarda compartilhada. Neste sentido, Denise

    Maria Perissini da Silva faz a seguinte crítica a guarda unilateral:

    Diante do modelo de guarda monoparental vigente até recentemente, com a guarda

    exclusiva da mãe e visitas quinzenais do pai nos fins de semana, priva-se a criança

    do contato com esse pai, uma vez que a percepção infantil do tempo cronológico é

    muito diferente da de um adulto, e algumas vezes, o período de uma semana ou

    quinze dias é suficiente para gerar nesta última o medo do abandono e do desapego

    para com aquele genitor que não detém a guarda.65

    Diante dessa observação proveniente da psicologia acerca dos efeitos que a subsunção

    da norma gera no cotidiano dos indivíduos, Paulo Lôbo acertadamente aplaude a Lei 13.058

    de 2014, posto que esta tornou obrigatório o estabelecimento da guarda compartilhada como

    fim para o conflito de família. Isso, antes não era possível, uma vez que a lei 11.698/2008

    dispunha que o judiciário deveria preferencialmente promover a guarda compartilhada, ou

    seja, era apenas uma faculdade a ser determinada ou sugerida pelos magistrados as partes.66

    Neste sentido, Paulo Lôbo entende, por fim, que: “a guarda compartilhada não é mais

    subordinada ao acordo dos genitores quando se separam. Ao contrário, quando não houver

    acordo „será aplicada‟ pelo juiz, de acordo com a atual redação do §2º do art.1.584 do Código

    Civil”. 67

    Nessa toada é imperioso se destacar a definição e consequentemente a finalidade da

    guarda compartilhada. A primeira, com base no §1º do art.1.583 do Código Civil pode ser

    resumida a “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe

    que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”68

    . A

    64 Idem ibidem. P.515.

    65 SILVA, Denise Maria Perissini. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro: a interface da psicologia

    nas questões de família e infância. 3ª Edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

    P.109.

    66 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 187.

    67 Idem ibidem. P.188.

    68 Idem ibidem. P.188.

  • 34

    segunda, consoante Paulo Lôbo consiste na “igualdade na decisão em relação ao filho ou

    corresponsabilidade, em todas as situações existenciais e patrimoniais”69

    .

    Vale ressaltar, porém, que há na doutrina civilista opiniões contrárias a guarda

    compartilhada, uma delas diz respeito ao art.2º da Lei 13.058/2014, que modifica o §2º do

    art.1.583 do Código Civil, o qual passou a ter a seguinte redação: na guarda compartilhada, o

    tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o

    pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”70

    . Este dispositivo

    para Flávio Tartuce é extremamente perigoso, posto que:

    a novel legislação traz outros sérios problemas. O principal deles é a menção a

    uma custódia física dividida, o que parece tratar de guarda alternada e não de

    guarda compartilhada. Continuamos a seguir a ideia de que a guarda alternada é

    aquela em que o filho permanece um tempo com o pai e um tempo com a mãe,

    pernoitando certos dias da semana com o pai e outros com a mãe. A título de

    exemplo, o filho fica sob a custódia do pai de segunda a quarta-feira; e da mãe de

    quinta-feira a domingo. Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode

    trazer confusões psicológicas à criança.71

    De fato, tal disposição na prática se torna bastante danosa não só para a criança ou

    adolescente submetida a frequente mudança de espaços e até mesmo de culturas diferentes,

    mas também para os adultos, pelos quais muitas vezes passam a controlar o tempo em que o

    rebento passa com o outro genitor, fazendo comparações, e, por vezes desencadeando uma

    alienação parental. Apesar disso, Euclides de Oliveira compreende que há uma confusão entre

    os institutos da guarda compartilhada com a alternada, sendo esta uma divisão do tempo de

    convivência com o filho, enquanto aquela é partilha das responsabilidades e obrigações

    decorrentes do laço filial.72

    Definindo-se assim os tipos de guarda, procede-se a análise do conflito, o qual é

    comumente instaurado após a separação dos genitores, não se atendo somente a disputa entre

    estes, mas também entre os parentes. Na solução do imbróglio já fora colocado que o objetivo

    perseguido pelos operadores do direito é a guarda compartilhada, atentando-se sempre ao

    69 Idem ibidem. P.189.

    70 §2º, art.1.584 do Código Civil de 2002.

    71 TARTUCE, Flávio. A Lei da Guarda Compartilhada (ou alternada) obrigatória - Análise crítica da lei

    13.058/2014 - Parte I. Coluna Migalhas Família e Sucessões. Publicado em: 25/02/2015. Disponível em:

    https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+

    alternada+obrigatoria+Analise. Acesso em: 16/12/2018.

    72 OLIVEIRA, Euclides. Alienação parental e as nuances da parentalidade – guarda e convivência familiar.

    In Tratado de direito das famílias. Organizador: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Belo Horizonte: IBDFAM,

    2015. P. 334.

    https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+alternada+obrigatoria+Analisehttps://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+alternada+obrigatoria+Analise

  • 35

    respeito ao princípio do melhor do melhor interesse da criança ou do adolescente positivado

    no ECA.

    É evidente, portanto, que a doutrina põe um resultado para o conflito de guarda, porém

    não define qual o caminho que os advogados, juízes e promotores devem seguir para alcançá-

    lo. Quando há um acordo é fácil de homologá-lo, só demandará um trabalho ao julgador

    quando não for favorável a criança ou adolescente, todavia, se o litígio se posterga até as

    mãos do juiz, este, por lei, está adstrito a proferir uma sentença da qual poderá não ser

    satisfatória a ambos os genitores ou parentes.

    A principal consequência dessas decisões terminativas nas ações de guarda é o seu

    descumprimento, no que concerne ao estabelecimento do direito de visitas, bem como do

    retorno da criança após decorrido o lapso que cabe ao genitor que esteja exercendo a guarda

    alternada. Isso, geram incidentes que costumam abarrotar as varas de família, como a busca e

    apreensão cujo cumprimento da medida segundo Maria Berenice Dias pode ser definido como

    “um episódio traumático, havendo muitas vezes a necessidade da intervenção de força

    policial. Em face das nefastas consequências que podem advir à criança, subtraída a fórceps

    por ordem judicial do convívio afetivo do genitor não guardião”. 73

    Sendo assim, Paulo Lôbo reconhece que a mediação familiar seja um meio importante

    para se alcançar a guarda compartilhada, de modo que assim leciona:

    Na mediação familiar exitosa, os pais, em sessões sucessivas com o mediador,

    alcançam um grau satisfatório de consenso acerca do modo como exercitarão em

    conjunto a guarda. O mediador nada decide, pois não lhe compete julgar nem definir

    os direitos de cada um, o que contribui para a solidez da transação concluída pelos

    pais, com sua contribuição.74

    Dessa forma, a mediação familiar como forma alternativa de resolução de conflito,

    prevista no Novo Código de Processo Civil, por restaurar o diálogo entre os genitores torna

    possível a concretização dos objetivos previstos pelo direito para o fim do conflito de guarda,

    poupando a criança ou adolescente dos desgastes já mencionados. Além disso, a técnica

    73 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos

    Tribunais, 2016. P.533.

    74 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 191.

  • 36

    contribui para o desafogamento do judiciário, na medida em que deixa os processos curtos e

    mais céleres.75

    Questiona-se, contudo, se a mediação familiar, aplicada sem o uso de técnicas próprias

    de outras áreas do conhecimento, seria suficiente para promover acordos efetivos passíveis de

    adimplemento pelos genitores. No que se depreende do capítulo anterior, é evidente que a

    resposta a essa indagação é negativa, sendo necessário ao mediador buscar o auxílio de

    profissionais da psicologia para desatar os nós provenientes do conflito de família. Assim,

    passa-se a análise da constelação sistêmica e o seu papel na resolução do conflito de guarda

    dos filhos, bem como as possíveis contribuições que esta terapia possa legar ao direito de

    família.

    75 LIPPMANN, Márcia Sarubbi; LUCACHINSKI, Camila Schroeder. Família como locus de conflito e

    mediação familiar interdisciplinar. In LIPPMANN, Márcia Sarubbi; OLDONI, Fabiano. Um novo olhar para

    o conflito: diálogo entre mediação e constelação sistêmica. Joinville: Manuscritos Editora, 2018. P. 87.

  • 37

    3. A constelação sistêmica e sua dinâmica para a resolução dos conflitos de família

    A constelação sistêmica é uma técnica desenvolvida por Bert Hellinger cujo objetivo é

    representar conflitos psíquicos e relacionais trazendo soluções para aquele que constela.76

    Para Oldoni, Lippmann e Girardi, a constelação é um método “no qual se cria „esculturas

    vivas‟, reconstruindo a árvore genealógica do indivíduo, o que permite localizar e remover

    bloqueios do fluxo amoroso de qualquer geração ou membro da família”77

    .

    É importante se atentar que o termo “constelação familiar”, de acordo com os estudos

    de Adhara Campos acerca da obra de Hellinger, advém da expressão alemã “Familien

    aufstellung” cuja acepção é “colocar a família na posição”78

    .

    Traduzindo-se para a linguagem jurídica, a constelação é uma técnica de restauração da

    afetividade inerente às relações familiares. Tal elemento, muitas vezes destruído após o

    conflito familiar, é indispensável para que as partes rememorem o vínculo que existia entre

    elas antes da lide, para que seja possível a restauração do diálogo e a criação de uma

    atmosfera favorável a formulação de acordos.

    Para isso, a dinâmica das constelações sistêmicas é regida por três leis comuns a todos

    os relacionamentos. Estas leis são chamadas por Bert Hellinger de “Leis do Amor” podem ser

    enumeradas em: pertencimento, equilíbrio e hierarquia. A primeira diz respeito a ideia de que

    indivíduo está vinculado a uma relação, a qual o autor chama de “sistema”, sendo uma parte

    deste. Para Adhara Campos Vieira pela “lei do pertencimento, todos têm igual direito de

    pertencer, não importando se uma pessoa faça algo de condenável, pecaminoso ou reprovável.

    Se ela nasceu naquele sistema familiar, ou participa de uma empresa, por exemplo, ela tem

    direito de pertencer a esse sistema”79

    .

    76 VIEIRA, Adhara Campos. A constelação sistêmica no judiciário. 2ª Reimpressão. Belo Horizonte: Editora

    D‟Plácido, 2018. P.78

    77 GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin; LIPPMANN, Márcia Sarubbi; OLDONI, Fabiano. Direito sistêmico:

    aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao direito de família e ao direito penal. 2ª Edição. Joinville:

    Manuscritos Editora, 2018. P.21.

    78 VIEIRA, Adhara Campos. A constelação sistêmica no judiciário. 2ª Reimpressão. Belo Horizonte: Editora

    D‟Plácido, 2018. P.62.

    79 Idem ibidem. P.93.

  • 38

    A segunda lei estabelece o equilíbrio entre o dar e receber nas relações, ou seja, o

    quanto um indivíduo entrega em uma relação deve ser equivalente ao que ele recebe. Quando

    não há essa paridade, um ente sai mais compensado que o outro o que faz o sistema todo

    entrar em desarmonia.

    A terceira, por fim, consiste no respeito dos membros a ordem de chegada de cada ente

    a relação, ou o segmento dos vínculos familiares que se formaram, dando prioridade aos que

    precedem em relação aos que os sucedem. Sob a perspectiva de Joy Mané a hierarquia no

    âmbito das relações familiares pode ser compreendida da seguinte forma:

    Pertencemos antes de tudo à nossa família original. Ela se compõe inicialmente de

    nossos pais, avós e irmãos e irmãs de nossos pais (tios e tias). Quando deixamos

    nossa família para viver uma relação independente esta última se torna prioritária.

    Nosso cônjuge é a primeira pessoa que conta, depois cada criança nascida dessa

    relação assume, por ordem de nascimento, um lugar. [...]

    Se uma relação acabou e outra começa, nosso novo companheiro e a nova relação

    assumem então o primeiro lugar. Mas os filhos nascidos da nossa primeira união

    conservam o seu lugar primordial.80

    Quando de alguma forma há uma desatenção a essas regras nas relações interpessoais,

    em especial as de família, surge o conflito no sistema. Acerca da violação às três leis citadas,

    o Procurador de Justiça, Amilton Plácido de Rosa, com base na explicação de Bert Hellinger,

    leciona que:

    Quando tais leis são violadas numa família, surgem compensações que atuam nos

    membros da mesma, como: depressões, doenças, problemas nos relacionamentos,

    dificuldades financeiras, etc. Graças à representação, o cliente pode perceber para

    onde olha o seu amor e o que ele pode fazer para que tais leis possam ser novamente

    respeitadas. Então ele pode, talvez, enxergar o próximo passo que conduza de uma

    maneira mais leve na vida, solucionando a questão que o incomoda. 81

    O procedimento da constelação se baseia na representação dos membros envolvidos no

    conflito existencial que o indivíduo leva ao constelador (pessoa capacitada para a realização

    da técnica). Vale salientar que essa representação pode ser feita por pessoas ou objetos, sendo

    a primeira a forma mais comum de ser praticada.

    80 MANNÉ, Joy. As constelações familiares em sua vida diária. 1ª edição. São Paulo: Cultrix, 2008. P.61.

    81 ROSA, Amilton Plácido da. Direito sistêmico: a justiça curativa, de soluções profundas e duradouras.

    Revista MPEspecial. 11ª Edição. Publicação em 6 de março de 2014. P.52.

  • 39

    Para Joy Manné a constelação pode ser dividida em seis etapas, que são: a definição do

    problema, a escolha dos representantes, a montagem da constelação, o processo de solução, a

    solução e os conselhos legados a partir da constelação.82

    Sendo assim, antes de iniciar a constelação, o constelador questiona o cliente a respeito

    do conflito que deseja desembaraçar. Após expor sua história o indivíduo é convidado a

    escolher os representantes dos membros de sua família envolvidos no caso.83

    Vale salientar

    que a representação não é somente desses personagens, mas também de entes falecidos, de

    segredos compactuados, objetos que se perderam e até mesmo dos filhos que não nasceram

    em virtude de um aborto.84

    Em seguida ocorre a montagem da constelação. Nesta etapa o cliente dispõe os

    representantes no ambiente com base na visão que construiu sobre o conflito. A partir disso o

    constelador aplica as três ordens do amor de Bert Hellinger.85

    Tendo em mente estas normas, o constelador irá identificar o problema, o qual não

    necessariamente estará relacionado ao momento em que o indivíduo vivencia, mas sim a toda

    uma cadeia de ancestrais que atraíram para si tal situação conflituosa, que tem como base o

    desrespeito a tais leis.

    Na quarta etapa, identificada por Joy Manné como processo de solução, o constelador

    pode fazer dois tipos de intervenção. A primeira se configura ao pedir aos representantes que

    cada um expresse o que está sentindo na posição em que fora colocado. Assim, ele pode

    mover os representantes no espaço até que todos os envolvidos no sistema se sintam

    confortáveis, podendo até tirá-los da constelação, caso não possuam relevância para o

    conflito. A segunda intervenção são os questionamentos tanto para o cliente quanto para os

    representantes, tentando de alguma forma conciliar os aspectos divergentes, fazendo os dizer,

    um para o outro, frases que precisavam ser ditas pelos entes, porém, de alguma forma no

    desenvolver da relação elas foram omitidas. Nessa etapa, o constelador substitui o

    representante pelo próprio cliente.86

    82 MANNÉ, Joy. As constelações familiares em sua vida diária. 1ª edição. São Paulo: Cultrix, 2008. P.24-33.

    83 Idem ibidem. P.24-26.

    84 SCHNEIDER, Jakob Robert. A prática das constelações familiares. Patos de Minas: Atman, 2007. P.104.

    85 MANNÉ, Joy. As constelações familiares em sua vida diária. 1ª edição. São Paulo: Cultrix, 2008 . P.26-27.

    86Idem ibidem. P.28-30.

  • 40

    Dessa forma, os representantes servem de canal para constatar os problemas que

    acometem a família e a vida do constelado. Neste sentido, Bert Hellinger esclarece que os

    representantes ao se colocarem a disposição do constelado acabam sentindo as sensações das

    pessoas a quem representam e percebem a sua visão a respeito do conflito exposto, podendo

    exprimir em palavras e ações as suas versões.87

    Isso, posto, o indivíduo que constela percebe os reflexos de suas ações nos membros da

    sua relação familiar e passa a desenvolver uma empatia, na medida em que começa a

    compreender a motivação de determinadas reações do outro para com ele, bem como entende

    a origem do conflito, a qual muitas vezes está relacionada a história de vida e dos ancestrais

    do representado.

    Por fim, nas últimas etapas, propõe-se um caminho para a solução, de modo que esta

    contemple a pacificação de todos os entes, fazendo o indivíduo atar os laços desfeitos ao

    longo de sua história e honrar a seus ancestrais e companheiros.

    É importante salientar que na fase da busca pela solução, o principal objetivo não é

    convencer o indivíduo das decisões ou comportamentos que devem ser adotados para

    apaziguar as divergências dos seus relacionamentos, posto que isso implicaria na limitação do

    seu direito de escolha. O objetivo da constelação não se presta a somente resolver os

    imbróglios aparentes, mas sim construir um novo olhar sobre o conflito, dando mais destaque

    a sua origem do que ao seu fim, assim leciona Adhara Campos:

    É importante verificar em que lugar está o conflito, o emaranhado, a fim de facilitar

    as interações humanas. Representa um novo olhar sob os conflitos nos

    relacionamentos, uma forma de se relacionar com maturidade, sem julgamentos e

    respeito ao sistema do outro.88

    Estando o indivíduo ciente da origem de seu conflito, o constelador buscará soluções a

    serem edificadas dentro do próprio sistema, a partir da compreensão do participante acerca

    das razões da resistência da outra parte à pretensão digladiada, compartilhando com os demais

    participantes quais os possíveis caminhos a serem trilhados em busca da melhor satisfação

    dos interesses interpessoais.

    87 HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. 1ª Edição. Patos de Minas: Editora

    Atman, 2005. P. 202

    88 VIEIRA, Adhara Campos. A constelação sistêmica no judiciário. 2ª Reimpressão. Belo Horizonte: Editora

    D‟Plácido, 2018. P.99.

  • 41

    Para tornar mais visível o processo da constelação, colaciona-se abaixo o relato de uma

    constelação sistêmica desenvolvida por Bert Hellinger em um dos seus cursos e relatada no

    livro intitulado de “Ordens do amor”, veja-se:

    HELLINGER: Uma mulher forçou o marido a fazer uma psicoterapia, para que ele

    finalmente fizesse algo para si mesmo. Ela própria já havia frequentado muitos

    grupos, feito terapia primal e outras mais. Assim, o homem entrou num dos meus

    grupos. Quando o vi, perguntei-lhe: “o que você está fazendo aqui? Basta vê-lo para

    perceber que você está bem. Você não precisa estar aqui”. Ele ficou