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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM TEORIA LITERÁRIA ENTRE O REAL E O SONHO SARMIENTO E OS PROCESSOS DE APROPRIAÇÃO NO PENSAMENTO HISPANO- AMERICANO DO SÉCULO XIX HELENIZA MARIA SALDANHA DE OLIVEIRA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO RECIFE, AGOSTO DE 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM TEORIA LITERÁRIA

ENTRE O REAL E O SONHO SARMIENTO E OS PROCESSOS DE APROPRIAÇÃO NO PENSAMENTO HISPANO-

AMERICANO DO SÉCULO XIX

HELENIZA MARIA SALDANHA DE OLIVEIRA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

RECIFE, AGOSTO DE 2002

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM TEORIA LITERÁRIA

ENTRE O REAL E O SONHO SARMIENTO E OS PROCESSOS DE APROPRIAÇÃO NO PENSAMENTO HISPANO-

AMERICANO DO SÉCULO XIX

HELENIZA MARIA SALDANHA DE OLIVEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras para a obtenção do grau de Mestre em Teoria da Literatura.

ORIENTADOR: PROF. DR. ALFREDO CORDIVIOLA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

RECIFE, AGOSTO DE 2002

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Dr. Alfredo Adolfo Cordiviola

________________________________________

Prof. Dr. Lourival Holanda

________________________________________________

Profª. Drª. Silvia Cortez

RESUMO

Nesta dissertação apresentamos um panorama do pensamento hispano-americano

do século XIX, discorrendo sobre alguns aspectos, como: o desejo de se construir uma

nova nação representativa; a busca por uma identidade; a legitimação de um discurso; a

apropriação como um fator divergente apontado pela crítica e a própria busca pela

fundação de uma literatura autóctone. Neste ponto utilizamos como paradigma as obras:

Facundo - foco principal do trabalho – e Argirópolis, ambas do escritor argentino

Domingo Faustino Sarmiento. Além disso, questionamos as fronteiras entre o discurso

literário e o discurso histórico, demonstrando com isso a enorme contribuição do

romantismo e da historiografia para o desenvolvimento dessa literatura ávida por emergir.

Demonstramos também o valor do poder que a palavra adquiriu a partir dessa nova

consciência histórica e utilizamos, para motivo de análise, a obra Recuerdos de Província

do mesmo autor. Como forma de complemento analisamos ainda as narrativas de viagens

como produto dessa contribuição historiográfica-literária para demonstrar a sua

importância na fundação da literatura argentina. Para isso, fazemos primeiro um

retrospecto dos viajantes ingleses que visitaram a Argentina, no período de 1820 a 1850,

depois apontamos a influência desse tipo de narrativa na emergência da literatura nacional,

utilizando textos de dois dos mais expressivos escritores desse país: Juan Bautista Alberdi

e Domingo Faustino Sarmiento.

Para Dandara, minha filha

AGRADECIMENTOS

Ao orientador, Prof. Dr. Alfredo Cordiviola, pela delicadeza e paciência nos

momentos mais difíceis desta dissertação.

Ao pessoal da secretaria, Diva e Eraldo, especialmente este último por ter sido

sempre tão atencioso e gentil.

Ao pessoal da biblioteca da pós-graduação; Fabiana, Wellita, Ronaldo, Juliana e

Amanda por terem sido sempre tão prestativos.

A Crhistianne Coelho, Francisco Mesquita e Kátia Pinho pelos bons momentos.

Às minhas tão estimadas e sinceras amigas Cláudia Freire e Luciana Marinho, pela

força nos momentos mais difíceis, pelos inenarráveis momentos de alegria, pelo

companheirismo nos últimos momentos da dissertação e por tudo o que passamos juntas

nesse árduo caminho.

Às minhas eternas professoras e amigas Ildney Cavalcanti e Izabel Brandão por

terem me iniciado no mundo acadêmico, além de terem me incentivado e acreditado

incondicionalmente em minha capacidade.

À minha tia Maria Tereza de Oliveira Silva por ter realmente proporcionado o meu

desenvolvimento intelectual, a quem jamais esquecerei e serei eternamente grata.

À minha mãe Haydê Saldanha por não ter medido esforços para me ajudar nos

mais variados momentos.

À minha filha Dandara por ter suportado meu mau humor e minha ausência com

uma maturidade surpreendente.

A Paulinho, por ter me ajudado a tornar-me o que hoje sou, por ter contribuído

para meu aperfeiçoamento intelectual e pela eterna disposição em me ajudar a seguir essa

jornada.

Mi hilo conductor ha sido el pensar que no hay secreto de la expresión sino uno: trabajarla hondamente, esforzarze en hacerla pura, bajando hasta la raiz de las cosas que queremos decir; afinar, definir, com ansia de perfección. Pedro Henríquez Ureña

SUMÁRIO

PRÓLOGO 9

1. O PENSAMENTO HISPANO-AMERICANO DO SECULO XIX E A BUSCA

POR UMA NOVA NAÇÃO 18

1.1 A Construção de uma Nação 18

1.2 Sarmiento: o político e seu sonho 23

1.3 O Romantismo e sua característica nacionalista 31

1.4 Legitimação de uma nova identidade 33

1.5 Imitação ou Apropriação: ambigüidades de um conceito 43

2. O DISCURSO HISTÓRICO-LITERÁRIO E SUAS FRONTEIRAS 51

2.1 A prioridade do historicismo no romantismo hispano-americano 51

2.2 O Poder da Palavra 60

3. AS NARRATIVAS DE VIAGENS E SUA REPRESENTAÇÃO NO DISCURSO

HISTÓRICO-LITERÁRIO 67

3.1 Narrativas de viagens: principal elemento na construção da nação do Novo

Mundo 67

3.2 Os viajantes ingleses e a fundação da Literatura Argentina 69 3.3 Juan Bautista Alberdi e Domingo Faustino Sarmiento: a emergência de uma literatura nacional

84

4. CONCLUSÃO 99

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101

PROLÓGO

Há algum tempo, o pensamento hispano-americano do século XIX vem sendo

estudado com o propósito de esclarecer possíveis dúvidas relacionadas à construção de

uma literatura própria desses países não só no respectivo período, mas também em tempos

contemporâneos. Vêm-se questionando o caráter híbrido de muitas dessas obras assim

como o fator de originalidade delas. Esses povos, teriam ou não uma literatura nacional?

Suas obras seriam ou não representativas de um povo marcado por imposições e

influências? Como justificar - se é que se justifica – apropriações e imitações ao longo

desse percurso em busca de uma legitimidade do discurso?

Parecem irrisórias essas questões em pleno novo milênio quando muito já foi dito

sobre as conseqüências literárias geradas pela relação sempre conflituosa entre o poder do

colonizador e a submissão do colonizado. Entretanto, ao nos depararmos com obras como

Facundo do escritor argentino Domingo Faustino Sarmiento1 e Os Sertões do escritor

1 Domingo Faustino Sarmiento, filho de José Clemente Sarmiento Funes e Paula Albarracín de

Srmiento nasceu em San Juan, Argentina no dia 15 de fevereiro do ano de 1811. Seu pai, não tinha uma profissão em particular, portanto, foi peão de campo, arriero e soldado nas guerras pela Independência. Após aderir ao movimento independentista em 1810 passa a participar das lutas armadas contra o exercito espanhol, deixando a cargo de sua esposa a criação de seus filhos. Assim Paula Albarracín - figura retratada por Sarmiento em Recuerdos de Província - assume o comando da família tendo exercido no filho um admirável fascínio. Foram uma família muito pobre, porém orgulhosa o suficiente para pedir auxilio aos familiares.

Sarmiento aprendeu a ler com seu pai e seu tio José Eufrasio de Quiroga Sarmiento. Freqüentou a Escola da Pátria, instituição pública, entre os anos de 1816 e 1823. Esta será, portanto, sua única instrução formal. A partir daí será um autodidata. Seu tio José de Oro uma outra personalidade marcante em sua vida lhe ensinará latim e fundará junto com ele em 1825 uma escola rural em San Francisco del Monte. Dotado de uma inteligência extraordinária e de uma insaciável vontade de saber, devorou em sua juventude todos os livros que por ventura caíram em suas mãos. Leu os principais autores dos séculos XVIII e XIX. Escritores de diferentes nacionalidades, como Rousseau, Scott, Franklin, etc. Tornou-se a par dos diversos movimentos intelectuais como o Iluminismo, romantismo, positivismo, entre outros.

Dos iluministas aprendeu o valor das instituições republicanas, o sistema representativo, a liberdade de imprensa, o valor das individualidades e a própria virtude cívica e moral a qual tinha uma enorme admiração. Já dos românticos conheceu o patriotismo e o amor pela terra.

Dos positivistas aprendeu o sentido prático, a força em busca do progresso e a teve em seu plano de governo.

Em 1830, emigra pela primeira vez ao Chile , porém logo retorna ao tomar conhecimento da derrota do governo federalista de SanJuan. Porém, em 1831 o caudilho Juan Facundo Quiroga invade a região e Sarmiento emigra novamente para o Chile, onde trabalha inicialmente numa escola de fronteira, mas tarde no comercio de Valparaíso e por fim nas minas de Copiapó. Por conta deste último oficio Sarmiento adoece e retorna a San Juan.

Já entre os anos de 1835 e 1840, ainda em sua cidade natal, Sarmiento cria uma sociedade literária, filial da Asociación de Mayo Fundada por Esteban Echeverría em Buenos Aires. Em 1839 junto com alguns outros nomes significativos fundou ainda o periódico El Zonda. Este periódico não foi muito adiante devido

aos altos impostos aplicados pelo governo sanjuanino a cada publicação. Porém, neste mesmo ano Sarmiento fundou ainda o Colégio para Señoritas de la Advocación de Santa Rosa de América com a ajuda de seu Tio José Quiroga Sarmiento.

Em 1840 se exila novamente no Chile por ter participado de uma conspiração unitária contra o governador federalista Nazario Benavídez. Conspiração essa que não obteve o sucesso desejado.

O presidente do Chile nesta época era o então General Joaquín Pietro (1831-1841). Durante seu mandato havia restabelecido a estabilidade política e econômica. Santiago do Chile era então uma promissora cidade de 80.000 habitantes, com liberdade de imprensa e uma Universidade fundada e dirigida pelo ilustre poeta Venezuela Andrés Bello.

Entre 1840-1850, durante a presidência de Manuel Bulnes, Sarmiento iniciou a luta periodistica contra o regime rosista. O governador de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas, impunha sua ditadura sobre as províncias da atual Republica Argentina.

Desde 1841, já no novo governo do Chile com o então general Manuel Bulnes (1841-1851) Sarmiento participou publicamente através de artigos no periódico El Mercúrio da cidade de Valparaíso. Assim, em 1842, publica seu primeiro artigo em El Mercúrio, onde ingressa de imediato como redator. Participou ainda da direção do El Nacional e também como redator do periódico El Progreso, que fundou no ano de 1842. Foi neste mesmo ano que Sarmiento organizou e assumiu como primeiro diretor da Escuela Normal para maestros de Chile. Ainda em 1842, cria a primeira Escola Normal de Sudamérica da qual é nomeado reitor.

Em 1843 foi membro fundador da Faculdade de Filosofia y Humanidades da Universidade do Chile. Neste mesmo ano publicou Mi Defensa e abriu uma escola privada para os filhos da aristrocacia de Santiago. Em 1845, seu amigo e atual ministro de Instrução Pública Manuel Montt envia-o para estudar os sistemas educativos da Europa e Estados Unidos. Sarmiento retorna em 1848 e apresenta ao governo chileno um relato sobre suas observações da viagem.

O ano de 1845 foi para o escritor argentino decisivo em sua atuação pública. Sarmiento então com 34 anos, publica no periódico El Progreso e em forma de folhetim Civilización y Barbarie. Vida de Juan Facundo Quiroga y aspecto físico, costumbres y hábitos de la República Argentina, sua obra mais conhecida; editou seu Método gradual de enseñar a leer el castellano ; se encarregou do estudo dos sistemas educativos e das políticas migratórias dos Estados Unidos e Europa durante a presidência de Manuel Bulnes; correu o mundo em dois anos;; visitou Uruguai, Brasil, França, Espanha, Argélia, Itália, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Cuba. Da França voltou desencantado, pois encontrou uma sociedade repleta de desigualdades sociais, onde a democracia se confundia com o autoritarismo. Entretanto, descobriu nos Estados Unidos uma sociedade perfeita, estável, baseada na liberdade de imprensa e nos direitos de igualdades para todos. Desta sua viagem trouxe a concepção de uma educação pública para todos e o desejo de modernizar a sociedade Argentina tomando os Estados Unidos como um modelo a ser seguido e “imitado”. Assim, quando regressou em 1848, apresentou seus informes as autoridades e publicou as impressões de suas Viajes.

Ao final do ano de 1845 conheceu em Montevidéu Esteban Echeverría o grande ideólogo da geração de 37. Em Uruguai encontrou Bartolomé Mitre e Florêncio Varela. Do Uruguai viajou para o Brasil, onde se encontrou com José Mármol na cidade do Rio de janeiro, partindo daí para a Europa.

De volta ao Chile em 1848, Sarmiento apresentou ao governo suas impressões sobre os sistemas educativos e políticas imigratórias da Europa, África e América. Neste mesmo ano se casou com a já então viúva Benita Augustina Martinez pastoriza, adotando o filho de sua esposa dando-lhe também seu próprio apelido “Dominguito”. Retoma então sua luta contra o ditador Rosas através da imprensa chilena nos diários La Crônica” e “La Tribuna” ambos de propriedade de Manuel Montt.

O governo de Buenos Aires, em 1849 pediu as autoridades chilenas duas vezes a extradição de Sarmiento, porém não obteve êxito. Um ano depois Sarmiento dedica ao governador de Entre Ríos, General Justo José de Urquiza, sua obra Argirópolis.(ensaio analítico-programatico de conteúdo político) e publica Recuerdos de Provincia obra de cunho autobiográfico.

Em 1851, embarca para Montevidéu e se incorpora a coalisão organizada por Urquiza contra Rosas. Imediatamente após a queda de Rosas começam os desentendimentos com Urquiza e Sarmiento decide emigrar para o Brasil, onde publica sua crônica da guerra: Campaña em el Ejército Grande.

De volta ao Chile, lá toma conhecimento da separação do Estado de Buenos Aires da Confederação Argentina dirigida pelo governador de Entre Ríos. Frente a esta situação, em seus escritos toma partido por Buenos Aires e critica a Urquiza . Foi ainda diretor da revista El Monitor de las escuelas primarias e organizou a primeira rede de Bibliotecas Populares

Em 31 de maio de 1852, numa reunião de governadores presidida pelo governador de Entre Rios, José Justo de Urquiza, firmou-se o acordo de San Nicolas.Este acordo previa entre outras coisas, a

brasileiro Euclides da Cunha, entre outras, vemos o quanto essas questões se tornam

pertinentes para um bom entendimento das mesmas. Portanto, o nosso propósito nesta

dissertação não é fazer um estudo comparativo entre as obras aqui citadas, mas apresentar,

discutir e analisar, entre outras questões, os processos de apropriação do pensamento

hispano-americano, a partir da obra de Domingo Faustino Sarmiento, legítimo

representante do pensamento hispano-americano do século XIX.

Não cabe a nós nesse “curto” trabalho analisar toda a obra do escritor argentino o

que seria praticamente impossível devido a sua grande extensão, portanto, nos deteremos

em analisar especialmente Facundo, por sua grandiosidade e indiscutível adequação a

temática, além de Recuerdos de Província e Argiropólis, duas outras obras não menos

importantes, mas que servirão apenas de reforço para algumas questões apresentadas. convocação de um Congresso General Constituinte. Se reuniriam em Santa Fé e estariam integrados por dois deputados por província, além de ter Urquiza como diretor provisório da Confederação Argentina até a sanção da Constituição Nacional. O acordo foi rechaçado pela Legislatura de Buenos Aires. No Chile, em adesão a esta postura, e por iniciativa própria de Alberdi, um grupo de argentinos residentes, fundou esse mesmo ano o Clube Constitucional Valparaíso. Porém, ao ver o rumo que ia tomando a política de Urquiza, a qual Sarmiento acreditava ser uma volta ao regime tirânico, empreende outra viagem ao Chile e a partir daí inicia uma ardorosa polêmica com Alberdi.

No dia 19 de outubro do mesmo ano Sarmiento funda então em Santiago do Chile o Clube Argentino, onde aderiu a revolução de 11 de setembro e criticou o acordo San Nicolas. Los ataques de Sarmiento a Urquiza, através da imprensa chilena, provocaram a resposta imediata de Alberdi num artigo anônimo publicado no El Diario de Valparaíso. Sarmiento não demorou muito a reagir e em resposta publicou no dia 12 de novembro Campaña em el Ejército Grande aliado de Sudamérica. Nesta obra autobiográfica, critica aquele que fora seu chefe na Batalha de Caseros.

Alberdi, entretanto, não deixa por menos e sai em defesa de Urquiza com “Cartas sobre la prensa y política militante em la República Argentina” que escreveu em Quillota conhecidas também como “Cartas Quillotanas”. Dava-se inicio então a uma das maiores polêmicas políticas da República Argentina.

Em 1853 publicou a Memória enviada al Instituto Histórico de Francia sobre la cuestión décima de los programas de los trabajos que debe presentar la primera clase, sobre as republicas sul americanas.

Em 1856 torna-se Diretor do Departamento de Escolas; funda numerosas instituições educativas e inicia o ensino de língua estrangeira nas escolas públicas. Em 1862, é nomeado governador interino de SanJuan. Foi ministro nos Estados Unidos onde fundou o periódico Ambas Américas. Em 1868, o Congresso Nacional nomeia Sarmiento Presidente da República exerce o cargo até 1874. Em 1873 sofre um atentado contra sua vida, do qual sai ileso.

Dentre suas obras realizadas durante sua gestão, destacam-se a criação de numerosos estabelecimentos escolares, nos três níveis de instrução, entre eles o Colégio Militar, a Escola Naval, as Escolas Normais do Paraná, os Colégios Nacionais de Santa Fe, San Luis, Santiago del Estero, Corrientes e Rosario. Fundou também a comissão Protetora de Bibliotecas Populares, o Observatório Astronômico de Córdoba e a academia de Ciências. Destacam-se ainda a significativa ampliação da rede telegráfica e ferroviária, os projetos (frustrados) de distribuição de terras, o planejamento do que se tornaria o maior porto cerealista do país na passagem do século, a realização da Primeira Exposição Industrial, Artezanal e Agropecuária.

A partir de 1875 ocupa, entre outros, e por curtos períodos os seguintes cargos: Diretor Geral de Escolas, Senador e Ministro do Interior.

Em 1883, publica Armonía y Conflictos em América, o “Facundo da velhice”, segundo o próprio autor.

No dia 11 de setembro do ano de 1888, em Assunção do Paraguai morre Domingo Faustino Sarmiento.

Sarmiento servirá de guia e contraponto para essas colocações visando ainda “teorizar” um

pouco mais sobre sua universalidade e sua postura literária.

Sarmiento fez sua entrada no mundo literário e sócio-político por meados da década

de 30; realizou inúmeros projetos como presidente da Argentina e escreveu diversas obras,

artigos e discursos.

Sua obra literária, que cobre um período de quase cinqüenta anos, foi publicada em 52

volumes por sua neta A. Belin Sarmiento. È considerada por Martínez como “un

manifiesto de las posiciones ideológicas que modelaron el desarrollo argentino, ibero-

americano, durante el siglo XIX”. ( GÓMEZ-MARTÍNEZ: 2001b) Deixou uma vasta

bibliografia onde estão incluídas diversas participações em periódicos. Porém, sua

principal obra é, sem dúvida, o ensaio histórico intitulado Facundo “lúcido diagnóstico da

realidade argentina e exposição do dilema civilização e barbárie” ( MARTÌNEZ, 1979: p.

68).

Sarmiento escreveu Facundo exilado no Chile e em seu texto descreve alguns

aspectos dos quais não tinha conhecimento prévio, a não ser através das narrativas de

viajantes. Apesar disso, colheu informações diversas, documentos e estórias tornando-o um

dos mais importantes de sua vida literária. Porém, fez uso também de algumas estratégias

“falaciosas” para compô-lo favorecendo a si próprio e aos variados momentos.

Seu texto nasceu “al calor de una circunstancia precisa: la llegada de Baldomero

Garcia a Santiago de Chile en abril de 1845, con la misión de protestar por la campaña

contra Rosas de lo exiliados argentinos, sobre todo de Sarmiento.” (apud SARMIENTO,

1979, P. I).

Assim, em 1º de maio deste mesmo ano Sarmiento começa a escrever seu folhetim

Vida de Facundo Quiroga. O folhetim durou três meses e ao seu término foi então

publicado o livro Civilização i barbárie.

Esta obra se divide basicamente em três partes, precedida por uma introdução notável.

Nesta introdução Sarmiento enuncia seu tão ambicioso projeto de

deciframiento del destino nacional, imprescindible para una acción eficaz cuya mira es el progreso futuro. Explicar el enigma supone el análisis de las causas de ordem historico, geografico, social, desde el estudio de la vida de quiroga, para comprender el presente, es dcir, el gobierno de Rosas. Se propone tambiém a corregir el error de Europa frente a los asuntos del Plata, combatiendo la propaganda que el mismo Rosas hacía de su gestión a través de la prensa, y a la vez de contestar a la crítica de los hispanoamericanos, justificando el llamado a la intervención extranjera (...) Tambiém quiere contribuir a la lucha emprendida

contra el rosismo con ‘ideas’ y ‘estímulos’, ya que cree en el fatal triunfo del progreso.(apud SARMIENTO, 1979: P. II).

Como se vê, Sarmiento era ambicioso e sonhador, pois acreditava tenazmente em seu

projeto e na própria execução do mesmo.

A primeira parte, entretanto, se resume na descrição da República Argentina com suas

características, costumes e personagens; a segunda é destinada à vida de Juan Facundo

Quiroga que vai desde o seu auge como caudilho até a sua trágica morte e por último a

terceira que consiste, em “la profesión de fé política del autor ante la dictadura de Rosas”

(VALDASPE, 1919: P. 102).

Sarmiento escreveu Facundo “sob o pretexto de acabar com o sonho de Rosas fazendo

a biografia de outro grande caudilho, Juan Facundo Quiroga,” (POMER, 1983: p. 08). O

escritor argentino quis mostra com sua obra a Argentina de sua época entregue nas mãos

de um caudilho ditador.

Nesta obra Sarmiento se apropria de diversos autores, especialmente Fenimore

Cooper, além de apresentar através de sua dicotomia civilização x barbárie, uma “nova”

teoria baseada em modelos norte-americanos tendo por influência o historiador francês

Toqueville.

Facundo pode ainda ser vista como mais um dos projetos utópicos do autor em

“transformar” a República Argentina num modelo semelhante à Europa. Neste caso,

percebe-se uma confusão do autor diante da apropriação deste modelo, pois o mesmo

muitas vezes desprezou a identidade nacional de seu povo através do determinismo racial

que ele julgava ser inevitável.

Recuerdos de província é uma autobiografia. Nesta obra Sarmiento apresenta-nos

sua vida, seus familiares e amigos de sua cidade natal, San Juan de Cuyo. Aqui o escritor

argentino assume um tom mais ameno e pessoal. Porém, Recuerdos de Província é vista

por Altamirano (1983: p.19) - visão esta compartilhada por nós - como uma estratégia de

Sarmiento para se promover, pois segundo o autor, Domingo Sarmiento faz uso dela para

demonstrar que, não só ele é um descendente da tradição nacional, mas também é um

ótimo político e, talvez, o único capaz de enfrentar o ditador Juan Manuel de Rosas.

Argiropólis, obra dedicada ao governador Justo José de Urquiza, trata-se, na

verdade, de

un proyecto para crear una confederación de la cuenca del Plata, integrada por las actuales Repúblicas de Argentina, Uruguay y Paraguay. La capital estaria em la isla Martín García del Rio de la Plata. En ese tratado proponía la constitución norteamericana como modelo de organización nacional. Y reclamaba la necessidad de fomentar la inmigración y atraer la inversión de capitales.2

A escolha destas obras deveu-se por duas razões: primeiramente, por serem obras

representativas do auge da carreira literária de Sarmiento e, especificamente no caso de

Facundo, um marco da própria literatura Argentina; segundo, por tratarem-se de obras que

possuem, não a mesma temática, mas que perseguem o mesmo e único “sonho” do autor: o

sonho de construir uma nação.

Sarmiento fez uso de “estratégias” diversas, porém seu objetivo, em toda a sua vida,

foi sempre um só: construir uma nação baseada no progresso e na educação. Estes foram

os grandes centros de atenção de seu governo. Porém, sua maior dificuldade era saber

como construir essa nação idealizada partindo de uma realidade social originária do

colonialismo, e que Sarmiento acreditava ser avessa ao progresso. Como conscientizar um

povo mergulhado na barbárie, separado por extensas propriedades territoriais, convivendo

quase que exclusivamente com gados de que o seu programa traria benefício para a nação?

Que garantia Sarmiento daria a esse povo? Talvez, nenhuma.

Dentro então dessa abordagem histórico-literária, questionaremos a fragilidade da

fronteira entre a história como um discurso da verdade e a história como um discurso

ficcional.

Assim sendo, no capítulo 1 procuraremos dar uma visão panorâmica do pensamento

hispano-americano do século XIX e suas implicações na literatura, como o desejo de se

construir novas nações e a existência, ou não, de um pensamento autóctone nesta época.

Será possível, mesmo desejando “imitar” modelos europeus, preservar uma certa

identidade nacional? Ou será que a “apropriação” permite-nos filtrar aquilo que nos

interessa daquilo que nos é prejudicial? Qual a posição de Sarmiento? Será que podemos

delimitar sua “estratégia” sem corrermos o risco de nos perdermos num emaranhado de

confusões conceituais acerca do que seria “apropriação, imitação, cópia?” Que papel

exerceram suas obras aqui estudadas? Utilizaremos como suportes teóricos Foucault,

Ureña, Leopoldo Zea, Stuart Hall, entre outros.

2 http://www.clarin.com.ar/diario/especiales/sarmiento/htm/periodista/batalla.htm

No capítulo 2 questionaremos a ligação entre o discurso histórico e o literário,

utilizando como paradigma a reflexão de H. White (1995: p. 09) sobre o discurso histórico

e o discurso literário do século XIX. Embasados pela teoria dos tropos por ele apresentada

com o objetivo de “descobrir os poderosos talentos poéticos que estão subjacentes à

realização histórica e que a garantem.” (apud BANN, 1994: p. 60) , discutiremos a

prioridade do historicismo no romantismo literário procurando contextualizar a obra de

Domingo Sarmiento em busca de uma legitimação do discurso. Utilizaremos ainda outros

teóricos como Linda Hutcheon, entre outros.

No terceiro e último capítulo dedicaremos uma especial atenção às narrativas de

viagens como fontes primordiais para a fundação de uma literatura emergente e autóctone.

Neste capítulo tentaremos recapitular através da obra Los Viajeros Ingleses y la

Emergencia de la Literatura Argentina: 1820-1850 do historiador Adolfo Prietro (1996) o

percurso dos viajantes ingleses entre os anos de 1820 a 1850 e suas diferentes formas de

narrativas com o objetivo de demonstrar a influência destes nos escritores argentinos. Estes

relatos de viagens exerceram uma forte contribuição para a constituição de uma realidade

ignorada por muitos estabelecendo imagens que foram mais tarde proclamadas e

propagadas pelos verdadeiros “donos” desse discurso “americano”.

Como parte da análise e como prova da apropriação dos escritores argentinos deste

tipo de narrativa, apresentaremos alguns textos de viagem do escritor argentino Alberdi3 e

alguns trechos da obra Viajes do próprio Sarmiento. Entretanto, como a obra principal a ser

analisada nesta dissertação é Facundo nos deteremos em demonstrar essa já

predeterminação e esse pré-conhecimento por parte do autor, visto que, em seu texto deixa

claro não só a importância desse tipo de narrativa, como também faz alusões aos viajantes

deixando claro sua influência e admiração.

3Juan Bautista Alberdi nasceu em Tucumán no dia 29 de agosto de 1810, estudou no colégio de Ciências Moraes de Buenos Aires, fundou em 1837 com Echeverría e Juan Marpia Gutiérrez a Asociación de Mayo, graduou-se em Direito no ano seguinte e emigrou para Montevidéu onde começou a luta contra o ditador Rosas através da imprensa e dos livros. Quando viajou pela Europa escreveu em prosa o poema Éden que seu companheiro Gutiérrez versificou durante a mesma viagem. Ao voltar da Europa foi se estabelecer no Chile, em 1843 e ficou conhecido por seus escritos históricos-politicos. O mais celebre e importante destes trabalhos, Las Bases, foi publicado em Valparaíso em 1852. Neste ano começou sua polêmica com Sarmiento, pois Alberdi se inclinava ao general Urquiza, e Sarmiento sostenía ao governo de Buenos Aires. Desta polêmica nascerão dois panfletos: Cartas quillotanas de Alberdi e Las ciento y una de Sarmiento. Desde 1855 hasta 1879, Alberdi permaneceu longe de sua pátria, encarregado ao principio, dos governos da inglatrra, França, Espanha e Estados Unidos. Eleito deputado por Tucumán, em 1878, voltou a Buenos Aires, mas emigrou pela segunda vez ao ver que seus inimigos políticos lhe dirigiam violentas críticas ocasionadas por suas idéias sobre a federalização de Buenos Aires. Foi morar definitivamente em Paris, onde faleceu no dia 18 de junho de 1884.

Sarmiento, assim como tantos outros, percebe o poder dessas narrativas e faz uso

delas para buscar uma literatura mais nacionalista, polítizada e americana, mesmo que para

isso seja preciso “importar” e se “apropriar” de alguns modelos.

Todavia, a razão da escolha em trabalharmos a narrativa Facundo do escritor

argentino Domingo Faustino Sarmiento, como assunto de dissertação de Mestrado, decorre

de várias razões. A primeira, seria para nós estabelecer um sentimento de identidade

cultural que, sem dúvida alguma une nossos países, mas que ao mesmo tempo parece-nos

tão distante. A segunda, seria em conseqüência da primeira, despertar em nós o interesse

por uma literatura, que em princípio deveria estar mais presente em nosso mundo

acadêmico, mas que infelizmente e por razões as quais desconhecemos não está. E, em

terceiro lugar, porque consideramos inovador o tema levando em conta que ninguém ainda

trabalhou a obra de Sarmiento na Universidade Federal de Pernambuco.

Além disso, apesar de Sarmiento ser considerado um escritor universal e, portanto,

amplamente estudado, não temos conhecimento de nenhuma abordagem desse tipo de

temática a que nos propomos. Ou seja, o objetivo de discutir entre outros, o tema da

apropriação na obra de Sarmiento é sem dúvida alguma uma proposta inovadora e que

pretende contribuir para o enriquecimento teórico não só da obra do escritor, mas de todo

um questionamento crítico-literário acerca de possíveis contradições envolvendo o

conceito do termo apropriação.

Assim, nossa escolha traduz conseqüentemente, uma inquietude diante desse

conceito por sentir uma falta de clareza quanto aos seus “limites” impostos aos escritores

no que diz respeito à apropriação como algo original ou não. Ou seja, pensar a apropriação

como um conceito que questiona o valor e as possibilidades da originalidade e não como

algo que necessariamente as “determina”.

Desta forma, buscamos com isso identificar, através das narrativas de Sarmiento os

seguintes itens: que tipo de apropriação Sarmiento fez uso e quais foram os modelos por

ele imitados, já que em determinadas passagens de suas narrativas confundem-se a sua

proposta com aquela a qual ele se identificava. Será nesse caso uma apropriação ou uma

imitação? E mais, em que residiria então a sua originalidade, já que o escritor parece ter

vivido sempre em busca de modelos aos quais se espelhar? O que o romantismo e suas

inovações teriam a ver com esse fato? O discurso literário de Sarmiento se confunde com o

discurso político a ponto de pôr em risco a sua originalidade literária fazendo prevalecer à

política, ou não?

Por fim, e acreditando ser esse o principal motivo da escolha em trabalharmos a

obra de Sarmiento, foi o nosso encantamento diante de um escritor que adotou uma postura

apaixonada em tudo o que fez sempre consciente do seu papel de cidadão ante os

problemas de sua época e de sua nação.

Seus métodos muitas vezes paradoxais nos levam a questionar sua vida e obra não

nos deixando cair no marasmo de uma simples interpretação literária, mas nos levando,

ainda hoje, a questionar nossas próprias vidas e a buscar conhecer nosso passado em busca

de entender melhor o nosso porvenir.

CAPÍTULO 1

O PENSAMENTO HISPANO-AMERICANO DO SÉCULO XIX E A BUSCA POR UMA NOVA NAÇÃO

[O} individuo ou grupo ou nação, escolhe o próprio caminho. E cada qual encontra, no direito das gentes ou no foro intimo, a justificação moral para sua conduta. Maria José de Queiroz

1.1 A construção de uma Nação

Segundo Benedict Anderson (apud PINA: 2001), para que se concretize um

sentimento de nacionalidade é preciso que os indivíduos tenham a consciência de que eles

fazem parte de um todo. Porém, esse todo não acabaria necessariamente com as

individualidades de cada um, pelo contrário, “as individualidades, ao compartilharem o

nacionalismo, inventam as nações – diferenças particulares se diluem ante uma suposta e

imperativa fraternidade.” (PINA: 2001), Ou seja, a busca por uma identidade passaria

primeiramente pela aceitação por parte dos indivíduos das suas particularidades e,

posteriormente, por um processo voluntário de criar um Imaginário representante do todo.

Pois, segundo Nelly Coelho “os sonhos ou o imaginário, o acaso, as circunstâncias, os

ideais de um indivíduo determinam a realização das nações e da História”. (1997: p. 524)

Porém, uma nação também não poderia constituir-se apenas de elementos oriundos

de uma pequena parcela de indivíduos, mesmo que essa parcela acreditasse ser

representativa do todo, pois ela “não pode ser concebida num estado de equilíbrio entre

diversos elementos coordenados e mantidos por uma lei ‘boa’”.(BHABHA, 1998, P. 213).

Ou seja, não podemos acreditar na imposição de determinados grupos – sempre os

de elite – sobre outros – sempre os marginalizados – acreditando que os primeiros têm

necessariamente permissão e poder para determinar nossas escolhas e, conseqüentemente,

nossa representatividade nacional.

Assim, o conceito de nação, até hoje bastante discutido, foi, durante o século XIX,

alvo de inúmeras propostas ideológicas, especialmente nos países recém-independentes,

pois estes, além de estarem ávidos por mudanças, buscavam enfim construir suas nações

com bases em seus próprios conceitos, experiências, sonhos e imaginário.

Partindo então desses questionamentos conclui-se inevitavelmente que o processo

de construção da nação hispano-americana durante o século XIX passou por inúmeros

conflitos, uma vez que, enquanto estavam os hispano-americanos sob o domínio dos seus

colonizadores sentiam-se “alvos” das mais variadas hipóteses de incompetência, de falta de

originalidade e de determinismos raciais e geográficos.

A partir do movimento independentista tudo isso passou a incomodá-los com

muito mais pertinência a ponto de se buscar uma mudança, pois, de uma forma ou de outra,

eles se sentiam pertencentes a essa nação. Como percebiam que eram seres secundários,

repetidores de um discurso do Outro, do qual não possuíam nenhuma experiência real e

com o qual não se identificavam, sentiam a necessidade, portanto, de mudar o panorama

histórico. Assim, passaram a ter a consciência – mesmo que ilusória - de possuir uma

identidade. Essa “ilusão” fez com que, durante muito tempo, não se sentissem angustiados

com sua condição de colonizados, mas sim deslumbrados com a inteligência e o poder dos

seus colonizadores.

Entretanto, quando essa nação colonizada começou a tomar consciência de que não

mais se identificava com ela, perceberam que, ao contrário do que imaginavam, eram sim,

um povo sem identidade e, portanto, sem uma nação própria. Sentiam-se à margem de

culturas estrangeiras. Estavam dispersos e carentes de mitos, fantasias e experiências que

pudessem tomá-las como suas, pois tudo aquilo que fizera parte da sua história de

colonizados e que durante muito tempo foi o seu referencial, agora não o era mais. Era

preciso, portanto, partir em busca de novos projetos, de novos referenciais, que os dariam

uma nova identidade, muito mais verdadeira. Assim, passaram a formular e almejar novos

projetos de nações, onde estaria inclusa a busca por uma representatividade o mais

fidedigna possível do nosso povo.

Desta forma, é exatamente neste sentido que a construção de uma nova nação viria

contribuir para o preenchimento de um vazio: “o vazio da não-identidade”.

O sonho de construir uma nação com bases em suas crenças, tradições,

pensamentos e ideologias tomou conta dos pensadores da época e foi perseguido por muito

tempo como um grande projeto a ser conquistado. Porém, esse sonho tinha a pretensão de

ser perfeito, ou seja, almejava uma conquista sem grandes obstáculos; um processo de

conscientização e implantação dessas nações sem atritos e uma representatividade de toda

uma cultura naturalmente híbrida numa única e definida “nação” imposta por poucos.

Assim, vinham cometendo o mesmo erro dos seus colonizadores: estavam impondo um

sentimento de nacionalidade onde todos deveriam se identificar não importando as

particularidades e anseios de cada um.

Como não podia ser diferente, o sonho de construir uma sociedade perfeita foi

então fracassado. Porém, só mais tarde chegariam a conclusão de que “El fracaso motiva, a

su vez, la reflexión sobre sus causas y pone de relieve la necessidad de conocerse.”

(GÓMEZ-MARTÍNEZ: 2001 a).

Foi a partir da década de 1840 que o idealismo utópico de outrora de formar

sociedades perfeitas foi substituído pela necessidade de reflexão sobre as causas de

tamanho fracasso, assim como preconizou Martinez anteriormente. Chegou-se a conclusão

de que era preciso considerar de antemão as próprias circunstâncias antes de se tomar

qualquer atitude. O pensador hispano-americano buscaria então soluções particulares para

seus problemas, acreditando que estas se ajustariam exclusivamente a sua realidade, não

mais aceitando “fórmulas mágicas européias” ditadoras de pensamentos. E assim previa

Alberdi

La discusión de nuestros estudios será más que el sentido de la filosofía especulativa... en el de la filosofía de aplicación, de la filosofía positiva y real, de la filosofía aplicada a los intereses sociales, políticos, religiosos y morales de estos países... Vamos a estudiar..., en una palabra, la filosofía política, la filosofía de nuestra industria y riqueza, la filosofía de nuestra literatura, la filosofía de nuestra religión y nuestra historia.. (apud GÓMEZ-MARTÍNEZ: 2001 a).

Estava instaurada a consciência e a necessidade de se desenvolver um sentimento

de patriotismo. Como dizia Esteban Echeverría “El espíritu del siglo (...) lleva hoy a las

naciones a emanciparse, a gozar de independencia, no sólo política sino filosófica y

literaria”. (apud UREÑA: 2000). Era chegada a hora de instaurar e defender uma cultura

americana, pois a européia não era mais capaz de resolver seus problemas.

Dentro desta proposta estava ainda o desejo utópico de “eliminar” tudo aquilo que

não era “nativo”, porém, como construir uma nação “unificada” quando a sua própria

cultura era decididamente híbrida? Como definir o que era ou não “nativo”? Que critérios

utilizar para essa seleção? Sem dúvida esse era o grande impasse. Acreditava-se que “o

resíduo, nesta operação de subtrair, seria a substância autêntica do país” . (SCHWARZ,

1987: p.33). Todavia, os resíduos mostraram que o processo dessa subtração era muito

mais complexo do que se imaginava, pois ao tentar-se “peneirar” tudo aquilo que se

acreditava não ser próprio de sua cultura vía-se cair, involuntariamente, substâncias

consideradas alheias que viriam, ao invés de subtrair, somar-se aos seus resíduos. Desta

forma, como poderiam determinar aquilo que era ou não próprio de sua nação? Como

alcançar a tão almejada nação unificada?

Segundo Ernest Renan para se alcançar uma nação unificada é preciso se ter em

comum três coisas: “...a posse em comum de um rico legado de memórias..., o desejo de

viver em conjunto e a vontade de perpetuar, de forma indivisiva, a herança que se

recebeu.” (apud HALL, 2000: p. 62-63). Porém, como perpetuar uma herança que em

princípio era renegada? Como identificar “suas memórias” se elas se misturavam a tantas

outras? Como identificá-las ainda se o esquecimento e a opacidade de alguns fatos

históricos foram manipulados a ponto de destruí-la? Como imbuir em cada cidadão o

desejo de viver em conjunto se para isso seria preciso privilegiar um aspecto cultural em

detrimento de outros, já que eram um povo culturalmente híbrido? Como uma sociedade

colonial poderia “reproduzir a européia, se cada personagem da cena histórica já possuía

uma memória, um passado?” (DA SILVA, 1998:P. 54). O fato é que, ao se agir dessa

forma corria-se o sério risco de se anular uma diferença cultural já pré-existente nesse povo

e que consistia exatamente em sua marca pessoal. Sendo assim, agia-se de forma

autoritária, abusando do poder em determinar imposições que desconsideraria a

composição híbrida cultural de qualquer nação moderna. E foi exatamente isso o que

aconteceu.

Como nem tudo ainda estava perdido, percebeu-se que para tentar unificar uma

nação era preciso então buscar não formas definitivas – pois estas não existiam - mas sim,

paliativas. Uma dessas formas foi o poder da narrativa como forma de propagar idéias e

conceitos nacionais. A partir dela era possível então narrar toda uma série de costumes que

representariam a nação ou até mesmo aquilo que “gostar-se-ia” que fosse representado

como sendo “próprio” da nação. E fazendo isso, poder-se-ia então perpetuar não

necessariamente a herança deixada, mas sim aquela com a qual se identificava.

Observa-se, portanto, que a partir dessa tomada de consciência a narrativa adquire

um status diferenciado, pois percebe-se a possibilidade de mudança nos rumos das coisas

através de seu uso de forma mais política e ideológica. Poder-se-ia então através dela,

almejar a construção de uma nacionalidade de forma mais representativa e mais concreta.

Neste sentido, vale a pena comentar o que Stuart Hall nos apresenta como algumas

estratégias representacionais para construir um sentimento de “nacionalidade”. São elas: a

narrativa da nação; ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na temporalidade;

invenção da tradição e o mito fundacional.

No primeiro exemplo o autor mostra a importância da literatura como um dos

meios simbólicos de representação da nação, pois ela fornece “uma série de estórias,

imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que

simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os

desastres que dão sentido à nação” (apud HALL, 2000: P. 56). Assim, através da literatura

pode-se não só fortalecer o Imaginário, como também recriá-lo. E isso foi o que fizeram os

escritores hispano-americanos do século XIX.

É verdade que as narrativas de viagens foram usadas durante muito tempo para

perpetuar estereótipos, especialmente por alguns viajantes estrangeiros, porém, nesse

momento era preciso saber reverter o seu uso para torná-las a seu favor. Percebeu-se que,

assim como os viajantes estrangeiros souberam dar vida e crédito as suas narrativas, os

intelectuais também poderiam e, assim, todo um panorama nacional poderia ser mudado

através do olhar peculiar e particular do hispano-americano que buscaria representar então

toda uma comunidade simbólica.

Já no segundo exemplo, o autor diz que “Os elementos essenciais do caráter

nacional permanecem imutáveis, apesar de todas as vicissitudes da história. Está lá desde o

nascimento, unificado e contínuo, ‘imutável’ ao longo de todas as mudanças”. (apud

HALL, 2000: p. 58). Ou seja, uma vez estabelecida essa comunidade simbólica com base

nas origens, na continuidade, na tradição e na temporalidade estar-se-ia dando um passo

decisivo para a construção de uma nova nação, pois a mesma contaria já com os elementos

essenciais e imutáveis para a sua concretização. Nada poderia, portanto, alterá-la a ponto

de destruí-la novamente.

No terceiro exemplo, Hall compartilha da mesma visão de Hobsbawn e Ranger,

onde para eles a invenção da tradição consistiria em “um conjunto de práticas... , de

natureza ritual ou simbólica, que buscam inculcar certos valores e normas de

comportamentos através da repetição, a qual, automaticamente, implica continuidade com

um passado histórico adequado”. (apud HALL, 2000: p. 59). Neste ponto podemos

salientar novamente o poder de persuasão dado àqueles que estariam encarregados de

inventar as tradições. Aqui se observa a importância da criação e manutenção dos

Institutos Históricos e Geográficos como uma dessas formas de “inventar” tradições. Essa

prática levaria inevitavelmente a construção oficial de um passado onde as memórias e as

heranças seriam perpetuadas dando continuidade a nossa história, a partir do momento em

que os registros de tais tradições estariam, portanto, servindo de ponto de referência para

futuras interpretações.

Por fim, o quarto exemplo estabelecido pelo escritor: o mito fundacional. Para o

autor, essa estratégia trabalharia com a visão de “uma estória que localiza a origem da

nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se perdem nas

brumas do tempo, não do tempo ‘real’, mas de um tempo ‘mítico’”. (HALL, 2000: p. 59)

Assim, podemos observar que através desses mitos novas nações poderiam ser

fundadas especialmente as menos privilegiadas já que eles possibilitam uma alternativa na

construção simbólica de suas representações, além de fornecerem “uma narrativa através

da qual uma história alternativa ou uma contranarrativa, que precede às rupturas da

colonização, pode ser construída (...)”. (apud HALL, 2000: p. 60). Ou seja, uma estratégia

muito pertinente para a construção de uma nova historia. Assim, vemos o século XIX

como um marco do discurso histórico-literário onde a preocupação em “narrar” uma nação

já existente e também aquela desejada ganha proporções cada vez mais maiores com o

objetivo único de buscar uma representação o mais fidedigna possível de seu povo.

1.2 Sarmiento: o político e seu sonho

Dentro dessa perspectiva destacamos o escritor argentino Domingo Faustino

Sarmiento foco do nosso trabalho e sua obra Facundo. Nesta obra, texto indiscutivelmente

fundador de uma nacionalidade, Sarmiento busca exatamente entender e explicar os

problemas de seu país, assim como projetar um futuro com o qual ele havia sonhado.

Nesse projeto político-social de nação estaria incluído não só um programa de

governo proposto pela figura de um letrado, mas protagonizado por ele próprio. Ou seja,

Sarmiento se propõe a “salvar” uma nação mergulhada na barbárie através de suas idéias e

visões progressistas e denunciadoras. O presente simbolizado pela figura do ditador Rosas,

representativo da barbárie precisaria ser substituído por um porvenir a ser conquistado com

base numa ideologia civilizatória vigente na época. Assim, “nessas condições, imaginar-se

– fundamentalmente a si mesmo, mas também a todo um grupo de jovens românticos - ,

como artífice e executor de um Estado civilizado, moderno, pujante, era uma empresa

plausível.” (GÁRATE, 2001: P. 26).

Escritor de extraordinária capacidade e político audaz teve como uma de suas

principais metas construir uma nação baseada no modelo norte-americano pelo qual tinha

uma enorme admiração. Se por um lado existia nessa época um pensamento original

voltado para a independência cultural dos países hispano-americanos – pensamento

defendido por Alberdi -, por outro existia um desejo de fazer desses países a extensão da

Europa acreditando ser esta a solução para nossos problemas. Esse era, portanto, o caso de

Sarmiento. Seu desejo era justificado por acreditar que o conceito de civilização por ele

defendido só poderia ser encontrado nas cidades influenciadas pelo estilo europeu - centros

inquestionáveis de civilização –, pois em nossos países, devido ao nosso “determinismo

geográfico” e também a nossa população de “selvagens”, só seria possível encontrar a

barbárie. Portanto, era imprescindível “adaptar-nos” ao modelo europeu se quiséssemos

alcançar o progresso e a civilização. Para Sarmiento essa luta entre cidade x província era

algo inquestionável, pois enquanto esta última nada tinha a oferecer ao seu povo, a

primeira prometia o progresso, o desenvolvimento, o saber. Ao descrever a vida em La

Rioja Sarmiento se impressiona com sua caracterização geográfica.

La llanura arenisca, desierta y agostada por los ardores del sol, en cuya extremidad norte, y a las inmediaciones de una montaña cubierta hasta su cima de lozana y alta vegetación, yace el esqueleto de La Rioja, ciudad solitaria(...) El aspecto do país es, por lo general, desolado; el clima, abrasador; la tierra, seca y sin aguas corrientes.(SARMIENTO, 1979: p. 87).

Porém, se deleita diante da cidade, fonte primária da civilização e do seu sonho em tornar

sua nação semelhante.

La ciudad es el centro de la civilización Argentina, española, europea; allí están los talleres de las artes, las escuelas y colégios, los jusgados, todo lo que caracteriza, em fin, a los pueblos cultos La elegância em los modales, las comodidades del lujo, los vestidos europeos, el frac y la levita tienen allí su teatro y su lugar conveniente.(SARMIENTO, 1979: p. 31)

Sarmiento defendia, portanto, as cidades como focos civilizatórios já que eram a

partir delas que poderíamos desfrutar de privilégios intelectuais, tais como, bibliotecas,

universidades, etc. Já as províncias eram vistas pelo autor como fonte da barbárie mais

pura, pois as mesmas possuíam não só condições favoráveis para isso como seu próprio

povo era o verdadeiro protótipo dessa barbárie. A dicotomia Civilização x Barbárie

perpassa necessariamente pela busca de uma nação representativa de um povo, a qual

Sarmiento acreditava estar apto para exercê-la. Para o autor era uma questão muito simples

de ser definida: bárbaros são os selvagens dos pampas, civilizados são os europeus e seus

simpatizantes. Portanto, era preciso civilizar a nação Argentina custasse o que custasse.

Em sua obra Facundo, essa dualidade torna-se bastante representativa, pois Juan

Facundo Quiroga, o caudilho, é filho legitimo da barbárie, enquanto o General Paz, militar

europeu admirado por Sarmiento, representa a própria civilização em pessoa. Ambos –

Facundo e Paz – travaram uma batalha em Córdoba, pois Paz havia se apoderado da

mesma após ter combatido com oitocentos homens. Facundo decide enfrentá-lo dirigindo-

se a Córdoba com seus 4.000 homens

Na batalha da Tablada em Córdoba, assim conhecida, “se midieron las fuerzas

de la campaña y de la ciudad, bajo sus más altas inspiraciones, Facundo y Paz, dignas

personificaciones de las dos tendências que van a disputarse el domínio de la

República.”(SARMIENTO, 1979: p. 138).

Desta forma, vemos novamente o duelo da civilização x barbárie. De Facundo,

Sarmiento dirá o seguinte

Facundo, ignorante, bárbaro, que há llevado, por largos años, una vida errante que sólo alumbram, de vez en cuando, los reflejos siniestros del puñal que gira en torno suyo; valiente hasta la temeridad, dotado de fuerzas hercúleas, gaucho de a caballo, (...) dominándolo todo por la violencia y el terror, no conoce más poder que el de la fuerza brutal, no tiene fe sino en el caballo; todo lo espera del valor , de la lanza, del empuje terrible de sus cargas de caballería. ¿ Dónde ensontraréis en la República Argentina un tipo más acabado del gaucho malo? ¿ Creéis que es torpeza dejar en la ciudad su infantería y artillería? No; es instinto, es gala de gaucho; la infantería deshonraría el triunfo, cuyos laurales debe coger desde a caballo.( 1979: p. 138).

Ou seja, Facundo Quiroga nasceu predestinado a se tornar não outra coisa, mas

apenas um caudilho. Seu estilo de vida, a própria constituição da natureza geográfica e

humana serviu e corroborou para torná-lo um homem destemido, bárbaro, primitivo. E isso

é reforçado mais uma vez por Sarmiento

La vida de a caballo, la vida de peligros y emociones fuertes, han acerado su espírito y endurecido su corazón; tiene odio invencible, institivo, contra las leys que lo han perseguido, contra los jueces que lo han condenado, contra toda esa sociedad y esa organización a que se ha sustraído desde la infancia y que lo mira con prevención y menosprecio(...) ‘Es el hombre de la naturaleza que no ha aprendido aún a contener o a disfrazar sus pasiones, que las muestra en toda su energía, entregándose a toda su impetuosidad. Este es el carácter original del género humano’; y así se muestra em las campañas pastoras de la República Argentina. Facundo es un tipo de la barbarie primitiva: no conoció sujeción de ningún género...(1979: P. 84).

Já do General Paz, o escritor argentino define-o da seguinte forma:

Paz es, por el contrario, el hijo legitimo de la ciudad, el representante más cumplido del poder de los pueblos civilizados. (...) Paz es militar a la europea: no crea en el valor sólo, si no se subordina a la táctica, a la estrategia y a la disciplina; apenas sabe andar a caballo; es, además, manco, y no puede manejar una lanza. La ostentación de fuerzas numerosas le incomoda; pocos soldados, pero bien intruidos. Dejadle formar un ejército, esperad que os diga: ‘ya está en estado’, y concededle que escoja el terreno en que ha de dar la batalla. Es el espirito guerrero de la Europa, hasta en el arma en que ha servido; es artillero, y, por tanto, matemático, científico, calculador. (SARMIENTO, 1979: p. 138-139).

Ou seja, por ser ele um europeu filho “legítimo” da civilização, representante fiel

de um povo civilizado, era merecedor não só de admiração, mas também digno de ser

“imitado” e seus exemplos seguidos.

Percebe-se ainda que a oposição entre Buenos Aires e o interior do país causaria um

sério problema de nacionalidade dentro do mesmo território, levando seus habitantes a uma

luta sem fim. O que significa para os “selvagens” da província a civilização? Em

contrapartida, o que significa para os da cidade a barbárie? Esses conceitos apontados por

Sarmiento como algo absoluto, na verdade não estavam tão definidos assim para os

verdadeiros envolvidos na questão. Sarmiento queria impor suas idéias de barbárie e

civilização sem querer tomar conhecimento das conseqüências que estas poderiam causar

ao povo argentino, pois este sempre foi considerado pelo escritor como uma “minoria

silenciada”. É verdade que ele possuía fatos para discorrer sobre os males e benefícios

desses conceitos, porém como ele podia pensar em conscientizar um povo analfabeto de

que aquilo que ele denunciava e pregava era o melhor para sua nação? Como sempre, eram

apenas os letrados que tomavam partido, que faziam denúncias, que pregavam mudanças,

que planejavam o futuro. Seria isso então suficiente para erguer uma nação como a

Argentina, com imensos territórios despovoados e repletos de “selvagens”? Sarmiento

acreditava que sim.

Seu ideal de nação passava necessariamente pelo progresso, pela educação e por

uma melhor distribuição das propriedades argentinas. Seu programa de governo constituía-

se então em

Povoar de imigrantes tecnicamente qualificados, levantar milhares de escolas e alfabetizar maciçamente, estender estradas de ferro que unifiquem o espaço interior, unir fios de telégrafos em direção a todas as latitudes, distribuir a terra entre os imigrantes em frações suscetíveis de proporcionar uma renda razoável e a preços não-especulativos, aceitar por longo tempo nossa condição de produtores de matérias-primas e alimentos, abrir as portas ao capital e às manufaturas estrangeiras, incorporar as tecnologias mais avançadas às praticas agropecuárias do país. (POMER, 1983: p. 16).

Como se vê, o progresso e o desenvolvimento de uma nação dependeria, portanto,

dessa tomada de consciência. Era nas cidades que estabeleceríamos as ordens, leis,

convenções, instituições. Como civilizar um povo sem esses preceitos? Essa era a

diferença para Sarmiento. Para Rosas o estrangeiro era visto como inimigo, para

Sarmiento não. Eles significavam justamente a aliança com o porvenir. Rosas e seus

seguidores viam a questão da nacionalidade ao inverso de Sarmiento. Enquanto um

acreditava que poderia permanecer imune aos avanços tecnológicos o outro tinha a certeza

de que eles viriam acontecer trazendo a prosperidade para sua nação mergulhada na

miséria. Era, portanto, um duelo entre o ditador e o sonhador.

Esse “duelo”, que não foi literal, aconteceu de fato através de atividades

periodísticas, onde Sarmiento iniciou sua “batalha” fervorosa contra Rosas. Percebeu que

ali estava sua “arma” contra a ditadura do caudilho bonaerense, pois, através de seus

polêmicos artigos e folhetins conseguia não só propagar um ideal de nação por ele

almejado, mas, especialmente, atacar Rosas, denegrindo sua imagem.

Assim, se era preciso construir um imaginário representativo para o povo, se era

preciso relembrar imagens de uma historia vivenciada através de símbolos e rituais que

dessem sentido a nação, então Sarmiento estava disposto a fazê-lo.Era preciso ainda

buscar tradições, exemplos e modelos com os quais se identificar, pois, uma vez

identificados ninguém mais poderia derrubá-los. Além disso, Sarmiento buscava, ele

próprio, “criar” novas tradições, consciente do seu poder de persuasão. Ou seja, a busca

por uma nova nação passaria, portanto, por fatores que iam além do passado e do presente,

mas que deveriam necessariamente tentar “prever” o futuro.E isso Sarmiento soube fazer

muito bem. Sua visão de quase profeta conseguiu anteceder situações e conseqüências

muitas vezes desastrosas para sua própria República, como de fato aconteceu. Guerras e

mais guerras foram agonizando seu projeto de nação e a realidade social ia se impondo a

mercê dos seus idealizadores.

Sua dicotomia ia se confundindo aos poucos à medida que ele próprio tentava

esclarecê-la. Afinal, a barbárie invadia a cidade com a figura de Rosas e destruía seus

sonhos de nação civilizada. O que fazer então? Como reagir? O que dizer agora das

províncias, focos “naturais” de barbárie? Seria essa uma questão apenas determinista?

Selvagens iguais à barbárie; europeus iguais à civilização? Não era tão simples assim.

O homem que defendia a civilização a todo custo, que denunciava através de sua

obra Facundo a barbárie, representada primeiramente pelo caudilho Juan Facundo Quiroga

e, posteriormente, pelo ditador Juan Manuel de Rosas, não conseguiu entender afinal como

uma cidade tida por ele como modelo de civilização – Buenos Aires - acolhia em seu seio

durante tantos anos um ditador, bárbaro e sanguinário como Rosas. Esse paradoxo trouxe a

Sarmiento a dúvida e o desejo ao mesmo tempo de entender os problemas de seu país.

Como explicar então essa receptividade da cidade de Buenos Aires ao não menos caudilho

Rosas? Simples

Rosas havia sido o representante de um grupo econômico-social dominante, os grandes latifundiários criadores de gado transformados em fabricantes de charque. Rosas não era o bárbaro que seu Facundo havia retratado; a barbárie vinha[portanto] da organização social.(POMER, 1983: p. 14)

Portanto, tudo passava por uma única questão: “Sarmiento teme o povo, teme a

desordem das massas armadas, teme o atentado contra as propriedades daqueles que

definitivamente podem ser em San Juan seu sustento político”. (1983: p. 20). Ou seja, não

era possível criar uma nova nação sem a participação desse povo, pois “um povo não se

modela simplesmente com idéias, uma nação não se constrói pela imitação de um modelo;

a realidade social vai-se fazendo sem se importar muito com o ideólogo” (POMER, 1983:

p. 09). Porém, Sarmiento só chegou a essa constatação tarde demais em sua idade madura

quando a busca por um futuro melhor já não se justificava mais.

A busca por uma nova nação, aquela que fosse representativa de um todo ganha

proporções contraditórias ao longo da obra de Sarmiento, pois o mesmo não respeita as

individualidades de cada cidadão e impõe na maioria das vezes um discurso também

autoritário igualando-se ao do seu opositor Juan Manuel Rosas.

Assim, durante toda sua vida política e literária seu discurso partira o tempo todo

do pressuposto de que uma minoria culta representaria o todo, porém como diz Bhabha “a

nação não pode ser concebida num estado de equilíbrio entre diversos elementos

coordenados e mantidos por uma lei ‘boa’”.(BHABHA, 1998: p. 213). E Sarmiento não

queria acreditar que ele não possuía essa “lei boa”.

Sarmiento, portanto, defensor de um modelo para “criar” uma identidade, não

percebia sua fragilidade ao propagar suas idéias ditas nacionalistas. Acreditava

ardorosamente que ao construir uma nação semelhante à norte-americana, que para ele era

admirável, estaria necessariamente imbuindo em seu povo uma consciência legítima de que

essa era a solução para os seus problemas. Almejava a todo custo, e de maneira violenta e

abnegada, aquilo que existia em outros países. Não deveriam se importar demasiadamente

em serem originais, mas sim em “copiarem” aquilo que deu certo em outros países. Assim,

deveriam se adaptar às circunstâncias e não elas a eles. A busca por uma nova identidade

ficaria relegada a segundo plano – mesmo que inconscientemente - e o que mais importava

era “progredir” rumo à civilização.

Sarmiento fez uso de “estratégias” diversas, porém seu objetivo foi sempre um só

em toda a sua vida: construir uma nação baseada no progresso e na educação. Uma dessas

estratégias está bem representada em seus discursos escritos às pressas: “num estilo

tumultuoso, como quem tem muito a dizer e muitas tarefas a realizar, mas que afirmava, ao

mesmo tempo, suas idéias em concepções orgânicas”. (MARTÌNEZ, 1979: p. 68). Era

preciso ganhar tempo e com isso propagar o mais rápido suas idéias e projetos.

Como os grandes centros de atenção de seu governo eram o progresso e a educação,

Sarmiento tinha, portanto, a difícil tarefa de construir uma nação idealizada por ele próprio,

partindo de uma realidade social originária do colonialismo e que acreditava ele ser avessa

ao progresso.

O progresso, no século XIX visto através do desenvolvimento industrial e

tecnológico e guiado pelos valores da ciência e da razão, já era um fato consumado. Os

avanços tecnológicos eram plausíveis com suas máquinas e inventos inovadores, porém

não ao alcance de todos. E, exatamente por não sê-lo, despertava um fascínio naqueles

mais ousados – como o próprio Sarmiento - que acreditavam na possibilidade de “um dia”

poder distribui-los de forma mais igualitária e justa. Todavia, no devaneio exercido por

esse fascínio desviavam-se do caminho real, indo ao encontro da utopia, do sonho e dos

desejos.

Sarmiento, como tantos outros de sua época, era obsedado pela modernidade e pela

tecnologia. Sonhava em “ser moderno, participar da rota do progresso, tornar-se uma

grande nação, desfazer a imagem do exotismo tropical do atraso e da inércia”

(PESAVENTO, 1997: p. 558). Porém, seu país teimava em se parecer mais com um

“paraíso terrestre” e exótico do que uma nação moderna e progressista. E era assim que os

“Outros” os viam.

Como conscientizar então, um povo mergulhado na barbárie, separado por extensas

propriedades territoriais, convivendo quase que exclusivamente com gados de que o seu

programa traria benefício para a nação? Que garantia Sarmiento daria a esse povo? Ele

não sabia. Como resolver esse conflito paradoxal? Sarmiento também não sabia. Porém, o

que ele sabia é que era preciso ousar e partir em busca dos seus sonhos lutando com todas

as suas armas. E isso Sarmiento fez de forma magistral.

Esse sonho de construir uma nação foi algo tão persistente na vida de Sarmiento

que o próprio no auge do seu entusiasmo publica em 1850 Argirópolis, obra dedicada ao

modelo norte-americano. Esta obra foi publicada pela primeira vez em Santiago do Chile

sem o nome do autor. Só em 1851, portanto, um ano depois, é que Sarmiento assumiu a

autoria do livro com o apoio do então General Urquiza.

Sua obra, ao contrário do que muitos pensam, não foi escrita no improviso, como

era de costume, mas sim fruto de severos estudos e reflexões por parte do autor. Sarmiento

havia estudado todos os pactos firmados até o momento e só a partir deste estudo

minucioso criou então Argirópolis.

O titulo completo desta obra traduz muito bem seu projeto ambicioso e utópico:

Argirópolis o la capital de los Estados Confederados del Río de la Plata. Solución de las

dificultades que embarazan la pacificación permanente del Río de la Plata por medio de la

convocación de un Congresso, y la creación de una capital en la Isla de Martín García, de

cuja posesión (hoy en poder de la Francia) dependen la libre navegación de los ríos, y la

independencia, desarrollo y libertad del Paraguay, el Uruguay y las provincias argentinas

del Litoral.

Como se vê, não são poucas as aspirações do escritor argentino. Sarmiento se

propõe a reconstruir uma nação, questionar os direitos dos estados , das províncias,

entender o porque de tantas guerras, intrigas e detenção de poderes.

Na introdução de Argirópolis ele reforça suas aspirações dizendo que: “Ningún

sentimento de hostilidad tienen estas paginas, que tienen por base el derecho escrito de los

tratados, convenciones y pactos celebrados entre los gobernos federados de la República o

Confederación Argentina.” (SARMIENTO, 2000a). E defendendo ainda o propósito de sua

obra complementa: “terminar la guerra, constituir el país, acabar con las animosidades,

conciliar intereses de suyo divergentes, conservar las autoridades actuales, echar las bases

del desarrollo de la riqueza y dar a cada província y cada estado comprometido lo que lo

pertence.” (2000a).

Sarmiento não entende como uma província como Entre Ríos , repleta de situações

favoráveis à navegação, devido aos rios que por ela passam, pelo clima temperado e pela

proximidade com a Europa, não consegue se estabelecer como uma nação. E assim ele

dirá: “Entre Ríos, el dia que haja leyes inteligentes de navegación, será el paraíso terrenal,

el centro del poder y de la riqueza, el conjunto más compacto de ciudades florecientes.”(

2000a).

Assim, o ponto capital da concepção política de Sarmiento nesta obra e, por que

não, em seu eterno sonho de construir uma nação, era prover vias de comunicação que

iriam possibilitar a circulação dos produtos da região e promover o próprio intercâmbio

com a Europa, trazendo assim a riqueza e o progresso para todas as nações. Considerava-

se, portanto, responsável pelo destino de seu povo e, conseqüentemente, de sua nação.

Por fim, terminamos esta primeira etapa com uma citação de Gómez-Martínez que

define tão bem tudo aquilo que representa Sarmiento e sua Argirópolis

Argirópolis es la visión utópica de un hombre de acción. Como utopia, reconstruye la creación de un estado ideal, donde todas las partes parecen encajar con perfección en un esquema que se presenta como resultado ineludible. Como un hombre de acción mantiene constantemente una estrecha correspondência, avalada por un supuesto sentido común, entre las circunstancias sócio-politicas del Cono Sur y la grandiosidad del mundo utópico que propugna. En todo momento el modelo es una idealización de su visión de los Estados Unidos. En lo político, el nuevo país, nos dice, se constituirá ‘en una federación com el nombre de Estados Unidos de la América del Sud’, e incluirá desde um comienzo los territórios de Urugay, Paraguay y Argentina, pero a los que poco a poco se podrán ir incorporando nuevas tierras. (GÓMEZ-MARTÍNEZ: 2001 b)

1.3 O Romantismo e sua característica nacionalista

O Romantismo, o primeiro movimento literário na vida dos países recém-

independentes do Novo Mundo, era um movimento voltado para a exaltação do homem e

da natureza e que tinha ainda por objetivo ser um movimento representativo do espírito de

rebeldia, de liberdade e independência.

Nascido numa época de formação das nações não poderia tornar-se isento das

influências nacionalistas dos diversos movimentos políticos ideológicos provenientes da

Independência. Portanto, uma de suas características mais originais foi sem dúvida alguma

o nacionalismo. Buscava-se tratar de temas que dissessem respeito diretamente a questões

de seus países e de sua posição de americano. Porém, como bem enfatizou José Antonio

Portuondo “o caráter dominante na tradição do romance hispano-americano não é, pois, a

presença absorvente da Natureza, mas a preocupação social, a atitude crítica que as obras

manifestam, sua função instrumental no processo histórico das respectivas nações”.(apud

AGUIAR; VASCONCELOS, 2001: p. 97)

Assim, foi com o Romantismo que o tema da nacionalidade ganhou forças e

rompeu com a produção literária anterior. Um dos escritores que aqui merece destaque é o

próprio Domingo Faustino Sarmiento, um dos tantos que ousaram “transcender” as leis

literárias tornando-se não só um representante em potencial da literatura argentina, mas

também um grande homem de ação política.

Com essa nova visão surgiram, então, novos gêneros, que visavam romper com as

regras tradicionais antes impostas pela regra das três unidades e pelo Classicismo. Foram

eles: o romance; o romance histórico; o costumbrista; o romance lírico; indianista;

psicológico e regionalista além da própria poesia gauchesca.

Esses novos gêneros foram ganhando cada vez mais adeptos e transformando o

nosso panorama literário. Assim, ao suscitar essas novas fórmulas de expressão, o

Romantismo automaticamente imbui em seus escritores o desejo de criar uma literatura

autóctone, buscando, portanto, inspiração em seus próprios costumes e idéias. Aspirava-se

a autenticidade e a independência.

A concepção romântica da literatura na América Latina tinha por objetivo não só

representar fielmente os elementos constitutivos da nacionalidade, mas, também - e talvez

especialmente – transmitir os seus valores. Tinha, portanto, uma clara função educacional e

era preciso saber fazer uso dela para se alcançar o progresso.

Desta forma, instaurou-se um verdadeiro movimento político-literário baseado na

fluidez e na liberdade de expressão. A literatura possuía declaradamente uma intenção de

cunho político-social, pois era utilizada como um meio de estimular o patriotismo e

propagar novas idéias. Era, portanto, uma literatura em constante processo de formação.

Buscava-se incessantemente a liberdade, a própria identidade e a “originalidade” cultural.

A literatura começa então a fazer parte de um processo conscientizador e transformador da

sociedade. Adquire um novo status e passa a ser submetida a um outro tipo de análise:

deixa de tratar a obra como um simples objeto a ser julgado e passa a se preocupar com a

interpretação de sua linguagem (FOUCAULT, 1987: p. 49). Assim, foram muitos os

escritores que fizeram dela a ponte para alcançar mudanças não só no âmbito social, mas

também político e econômico.

E assim, Al contrario de lo que habían hecho las corrientes literarias anteriores, supeditadas a modelos europeos y clásicos, los publicistas románticos de los países ‘nuevos’, Chile, Argentina o Venezuela, daban a entender que la fundación de una literatura nacional pregonada por ellos era nada menos que la fundación de una literatura ex nihilo, en un territorio cultural que antes había estado vacío. (MYERS, 1994: p. 238)

Portanto, o desejo de encontrar uma “identidade própria”, de construir um novo

país foi determinante e o Romantismo só veio comprovar isso. Pois, “Esta

autorrepresentación de los románticos como fundadores de una nueva literatura, al

articularse, pues, alrededor del concepto de ‘nación’, favorecería una identificación entre la

representación literaria de la sociedad y una conciencia de la historia de aquella sociedad.”

(MYERS, 1994: p. 239).

1.4 Legitimação de uma nova identidade

O conceito de identidade que abordaremos neste trabalho será aquele apontado por

Manuel Castells. Segundo o autor, identidade é “o processo de construção de significado

com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-

relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre fontes de significado”.(CASTELLS, 1999:

p. 22). Ou seja, só se constrói identidades partindo de significados internalizados por seus

indivíduos. Esses precisam passar por um processo de autoconstrução que os levem a se

identificarem com as representações simbólicas oferecidas pela história, geografia,

religião, instituições, fantasias pessoais, etc. Neste sentido, a busca por uma identidade

hispano-americana “autêntica” dependeria, portanto, de uma revisão nos conceitos e idéias

de seus colonizadores. Porém, essa revisão exigia muito mais que “disponibilidade” desses

indivíduos era preciso lutar literalmente por novas e significativas reformas.

A problemática envolvendo as questões de identidade surgiu a partir do século XIX

com as rupturas causadas pelos europeus no processo de colonização cultural dos povos.

Esta teve por objetivo apagar as culturas originarias dos aborígines, utilizando-se para isso

de seus discursos de conquistador, onde o lema era sempre “civilizar e evangelizar”.

Assim, os aborígines tinham que esquecer suas raízes, suas crenças e tudo aquilo que

remetesse a sua cultura originária. Os conquistadores haviam construído estereótipos a seu

respeito, estereótipos esses que faziam sempre alusão ao irracional, inferior, bestial. Havia

uma carga de racismo, de barbarismo nessas relações que contradiziam muitas vezes com a

missão de “evangelizar” esses seres. Muitos dos missionários ao longo dos séculos haviam

feito crueldades com esses povos em nome de Deus e em nome de uma nova sociedade.E

assim, esses povos não podiam ser quem eles realmente eram, nem tampouco saber quem

haviam sido.

Entretanto, com as repúblicas pós-colonialistas tornaram-se cidadãos

independentes, porém não de fato. Não tinham o poder em suas mãos, mas sempre em

alheias. Eram ainda inferiores, mesmo que em outra escala. Todavia, haviam dado um salto

em busca de sua identidade roubada.

Como para a grande maioria dos pensadores da época a Europa era o centro da

civilização, era lá que deveriam buscar “inspiração” e “modelos” para adaptarem-se à

realidade de cada um. Deveriam se mirar em seus exemplos e reconstruir sua nação através

de ideais que nem sempre faziam sentido, mas que representariam “o progresso e a

civilização”. Não deveriam pensar em revisão de conceitos, mas sim em aceitá-los tais

como nos apresentavam por serem eles os mais indicados, os “melhores”. Porém, como era

de se esperar, os elementos constitutivos dessa civilização européia não condiziam com a

realidade dos povos hispano-americanos e apropriar-se deles não era o bastante para

criarem uma identidade. O fato é que a busca por uma legitimação de uma nova identidade

se perdia no emaranhado de imposições - resquícios da era do colonialismo - que

acabavam por determinar aquilo que deveriam ou não almejar. Ou seja, essa busca esteve

sempre condicionada aos “fantasmas” deixados pelo colonizador. Esses povos eram ou não

capazes de conseguir a independência política; de criar uma sociedade democrática; de

alcançar uma identidade livre de imposições? Talvez esse não fosse ainda o momento.

Esses “fantasmas” que tanto os amedrontaram foram criados a partir de um

imaginário repleto de significações simbólicas que perpassaram durante toda a sua história

cultural. Pois, sendo a colonização um “processo ao mesmo tempo material e simbólico: as

práticas econômicas dos seus agentes estão vinculadas aos seus meios de sobrevivência, à

sua memória, aos seus modos de representação de si e dos outros, enfim aos seus desejos e

esperanças.” (BOSI, 1992: p. 382). Não haveria, portanto, como se desvencilhar dessa rede

simbólica. E nesse emaranhado de dúvidas foram engrandecendo muitas vezes os mesmos

fantasmas e até criando outros. Sua aculturação foi então confirmada através dessa

transferência simbólica de idéias e valores, que determinaram seu modo de agir e pensar.

Porém, nos últimos anos do colonialismo - anos estes já marcados por um desejo de

autonomia dos povos hispano-americanos - instaurou-se um outro tipo de demanda política

que foi o movimento independentista. Este movimento, que foi influenciado pela

Revolução Francesa e também pela dos Estados Unidos, foi guiado e projetado – é verdade

- não por uma massa consciente, mas sim por uma minoria branca. “El pueblo no estaba

preparado y se unió al movimiento independentista tarde y llevado por la euforia de las

circunstancias”. (GÓMEZ-MARTÌNEZ: 2001a). Todavia, é fato que ele teve grande

repercussão e importância em nossa história.

O movimento de Independência teve ainda como base teórica a criação de uma

constituição em que o povo, entre outras exigências, se declararia uma nação livre, onde

não existiriam descriminações de classe e raça além de serem abolidos os títulos de

nobreza e a escravidão.(UREÑA, 1947; p. 56). Essas bases surgiram de pressupostos

teóricos encontrados em doutrinas de pensadores ingleses e franceses como a do próprio

Rousseau, em sua obra O Contrato Social. Porém, o regime colonialista que perdurou por

séculos não havia preparado nem educado politicamente o seu povo para compreender uma

ruptura como essa. Ao almejarem a liberdade não possuíam, necessariamente, condições de

exercê-la. Desta forma, consumada a independência, deu-se início a um longo e doloroso

período de insegurança política, onde o despotismo, ao invés de desaparecer, ganhou novos

aliados, gerando por todos os paises recém-independentes uma prolongada luta civil onde,

conseqüentemente, o conceito de uma nação democrática não foi institucionalizado e a

nova identidade não foi alcançada.

É inquestionável que o movimento independentista dos países hispano-americanos

trouxe também inúmeras contribuições, pois foi a partir dele que se deu inicio a todo um

questionamento do que se constituiria uma nação, uma identidade, uma cultura. A busca

pelo progresso, pela cultura e pela educação de um povo que não mais se identificava com

o regime opressor do colonialismo só foi possível a partir deste movimento, que apesar do

fracasso inicial, devido à imaturidade dos líderes e de seus seguidores, fez germinar a

semente que viria se desenvolver logo após, trazendo à tona países e povos mais

conscientes de seus direitos e anseios. Além disso, foi a partir deste movimento que em

1810 os países hispano-americanos alcançaram finalmente o direito de se manifestarem

livremente, sendo decretada a liberdade de imprensa que passou a ser o principal meio de

expressão cultural dos países, pois “En este breve período salieron a luz periódicos en

número mayor que durante toda a época colonial”.(UREÑA, 1947; p. 56). Esta foi sem

dúvida uma enorme contribuição para o desenvolvimento de uma literatura que acabava de

nascer ávida por espaço para expandir suas idéias e sua cultura.

Estava instaurado o desejo de não mais serem a “sombra e o eco” das culturas

européias. E, apesar desse desejo não ser representativo da maioria, já germinava em

muitos pensadores da época. Era, portanto, uma necessidade a ser preenchida. Alberdi

defendia a nossa filosofia; a filosofia original da América que deveria buscar solucionar

nossos problemas. Porém, o que os levou a mais uma vez fracassar nessa busca por uma

identidade? Talvez o mesmo poder daqueles “fantasmas”, anteriormente citados, em

determinar nossas escolhas e fracassos. Esse “poder” que poderia ser destruidor e

emancipador ao mesmo tempo, os levava – involuntariamente - a buscar a realização de

projetos que não eram seus , ao mesmo tempo em que os incitava a almejar algo mais

próximo da sua realidade cultural. Ou seja, criava-se então um paradoxo que os

acompanhou – e acompanha até hoje – em sua busca por uma identidade livre das

fantasmagorias colonizadoras.

Um outro fator que contribuiu para tamanho fracasso foi também o de acreditarem –

mais uma vez paradoxalmente e utopicamente – numa busca por uma filosofia

genuinamente nossa, porém representada por poucos e que deveria ser válida para todas as

circunstâncias tornando-se assim “universal”. Porém, em qual conceito de universalidade

acreditavam esses pensadores? Lukács alerta que “(...) a universalidade disfarça

antagonismos de classe”. (apud SCHWARZ, 1988: p. 19). Não seria então esse o propósito

e, conseqüentemente, um dos motivos do fracasso? Se pensarmos a universalidade como

uma unidade, ou seja, como algo irrefutável, que possui uma só versão, não estariam esses

pensadores impondo suas idéias, assim como o fizeram nossos colonizadores?

Acreditamos que sim.

Interpretando o conceito de universalidade no sentido de querer transformar uma

realidade circunstancial em algo imutável, único, Leopoldo Zea adverte:

Ahora bien, lo que en unas determinadas circunstancias es considerado como solución en otras es obstáculo. Lo que para un grupo de hombres, para una cultura, es solución, para otro es problema. Lo que para una generación de hombres es el máximo de la perfección cultural, para otra será el máximo de lo imperfecto. Pocas generaciones se adaptan a lo hecho por otras. (ZEA: 2000a)

Ou seja, não existem verdades eternas, imutáveis, válidas para todos, independentes

do seu tempo e lugar, mas sim verdades circunstanciais. Essas circunstâncias é que devem

ser sempre revistas. E as circunstancias hispano-americanas foram sempre muito

peculiares. Não deveriam, portanto, almejar uma filosofia unicamente voltada para o

americano, pois reduziria seu poder de transformação já que se correria o risco de torná-la

ultrapassada. Afinal, “Necesitamos conocer nuestros límites, la circunstancia americana,

para que a partir de ellos podamos conocer cuál puede ser nuestra aportación a los

problemas del hombre en general, a la cultura universal.” (ZEA: 2000a). Não podiam

tampouco cair no erro, mais uma vez, de saírem de um círculo vicioso e entrarem em outro

muito pior. Precisariam conhecer seus limites, porém precisariam muito mais saber

introduzi-lo num âmbito muito mais amplo para não contribuírem com sua própria

exclusão.

A busca por um purismo, em princípio utópica, gerou então a discutida crise de

identidade. Afinal, o que realmente restava ao subtraírem os aspectos europeus de sua

cultura? Seria suficiente renunciar aos “empréstimos” para construírem uma nação mais

autêntica? Lógico que não. Sua cultura não podia simplesmente renunciá-los, pois,

contraditoriamente, eles faziam parte dela, quisessem ou não. Porém, isso só pôde ser

compreendido após longas batalhas. Foi só a partir desse impasse que os hispano-

americanos, tomados por uma forte angústia, se viram numa eterna e difícil busca por sua

identidade; uma identidade que abarcasse todas as suas especificidades e não mais as dos

“outros”. Então, como construir essa identidade diante de tantos obstáculos? O primeiro

passo seria construir a tão sonhada nação, pois não sendo as identidades nacionais coisas

inatas, mas sim formadas e transformadas no interior das representações (HALL, 2000: p.

53), precisariam criar antes de tudo uma comunidade simbólica, para que a partir dela

pudessem gerar um sentimento de identidade e lealdade representativo do vosso povo. A

dúvida, no entanto, era como alcançar essa “comunidade simbólica”.

Assim, a busca por particularidades culturais foi apenas uma das influências do

Iluminismo. Já não se aceitava mais uma realidade universal, imposta a todos. A razão

estava acima de tudo e era a força propulsora de uma transformação significativa em

nossas “novas” sociedades. O Iluminismo representou um período de transição de um novo

pensamento, onde a tomada de consciência de nossa situação de colonizados nos levou a

aspirar reformas não só políticas, mas também econômicas, sociais e culturais. Os

exemplos da Revolução Francesa e a dos Estados Unidos vieram, portanto, mais uma vez

corroborar tal fato. Esse era, portanto, mais um grande desafio.

Como se pode observar, essas buscas foram sempre marcadas por paradoxos - o que

não poderia ser diferente - já que a confusão de idéias e ideais a que foram submetidos ao

longo dos séculos os levaram necessariamente a crer numa “incapacidade” de se

desvencilharem de tantas imposições e ideologias. É interessante observar que nesse

período foram muitos os escritores que deixaram transparecer em seus escritos esse

“dilema existencial”.

A importância em se questionar valores universais e, paralelamente, estudar suas

próprias circunstâncias partiu também da necessidade de defesa contra determinadas

teorias européias que colocavam em dúvida sua capacidade. Utilizando-se de relações

deterministas entre o clima e possíveis instituições, esses pensadores europeus salientavam

a impossibilidade de estabelecer instituições livres em climas cálidos. (GÓMEZ-

MARTÌNEZ: 2001a). Além disso, estabeleciam ainda relações com a geografia e fauna

alegando serem elas pré-requisitos para a impossibilidade de os tornarem cidadãos

civilizados devido ao “exotismo” de sua paisagem e ao primitivismo de sua “espécie”.

Essas teorias foram fundamentadas em crônicas e diários de viagens desde a conquista da

América, já que estas estão repletas de referências ao exotismo, ao fantástico e ao mágico

de nossas terras e povos. Dentre essas teorias salientamos as seguintes:

El Conde de Buffon (1707-1788) difundió, en su Historia Natural (1749), la teoría de la inferioridad de las especies animales, la impotencia del selvaje y la hostilidad de la naturaleza en America, y Corneille de Pauw (1739-1799) llevó a un extremo las ideas de Buffon al trasladar las afirmaciones que aquél hiciera sobre los animales a los habitantes americanos. Así en 1768, en Recherches philosophiques sur les américains, lanza la tesis de que la totalidad de la especie humana está debilitada y degenerada en el nuevo mundo. (GÓMEZ-MARTÌNEZ: 2001a)

A polêmica estava instaurada. Vários pensadores hispano-americanos contestaram

vigorosamente tais teorias. Entre eles constam:

Javier Clavijero (1731-1787), en su Historia antigua de México; Hipólito Unanue (1755-1833), en Observaciones sobre el clima de Lima; José Cecílio Valle (1780-1834), en Processo de la historia de Guatemala e Fray Servando Teresa de Mier (1763-1827), en Historia de la revolución de Nueva España. (GÓMEZ-MARTÌNEZ: 2001a).

Esses pensadores, partindo de uma reação contrária aos determinismos biológicos e

geográficos, conseguiram germinar um outro tipo de reação - de inicio utópica, mas de

grande importância para a compreensão da sua identidade – a partir do momento em que

passaram a se sentir como um povo oprimido pelo regime colonial e, em principio,

incapazes de cometer qualquer tipo de reação, passaram também a se ver como os mais

novos idealizadores de governos “perfeitos”. “Así, para contrarrestar las teorías que les

negaban capacidad para gobernarse, se lanzaron, rebosantes de idealismo, a construir

gobernos utópicos que fueran modelos de perfección.” (GÓMEZ-MARTÌNEZ: 2001a).

Sarmiento, ao mesmo tempo em que era defensor da tese determinista desses

pensadores europeus do século XVIII citados anteriormente, era também - paradoxalmente

- um defensor das particularidades de sua cultura. Ele acreditava na possibilidade de se

apropriar dos saberes europeus, porém à sua maneira. Isso gerava um conflito não só em

sua obra, mas em sua própria vida. Suas polêmicas, longe de serem apenas uma

“estratégia”, eram também fruto de seus conflitos e angústias.

Como é possível observar, as leis deterministas defendidas pelos pensadores europeus

vieram também contribuir para uma tomada de consciência. Passaram a se ver como um

povo jovem, vigoroso, e que precisava lutar por seus ideais. Era preciso mostrar sua força e

sua capacidade para governar e pensar por si próprios.

O escritor argentino acreditava ainda que o indígena era uma “espécie” primitiva e

que não tinha nenhuma capacidade para tornar-se um homem civilizado. Para ele,

un salvage no puede ser reconstruido por ningún procedimiento conocido. Ni el ejemplo, ni la instrucción, ni el cuidado, cambiarán de golpe un cerebro relativamente simple, en otro relativamente complejo, o deshacerse de los defectos de influencia encefálica. (GÓMEZ-MARTÍNEZ, 2001b)

Porém, esquecia-se ele que esses indígenas eram também seres humanos portadores e

fazedores de culturas.

Seu determinismo racial foi contraditório com muitas de suas posturas, pois, como

podia ele esperar construir uma nova nação se esta era composta em grande parte por

“selvagens”? Seria preciso então dizimá-los? Não era preciso chegar a tanto. Sarmiento

acreditava que a única solução para esse problema seria investir numa forte imigração

européia “capaz de ‘diluir’ el ingrediente índio”. (2001b) Porém, como diluir esse

“ingrediente índio” se ele mesmo defendia a tese de que procedimento algum mudaria tal

indivíduo? Nesse caso, a “diluição” se é que podemos insistir nesse termo, só poderia

ocorrer se eles fossem excluídos da sociedade, o que acabaria se caracterizando então

numa marginalização desses povos.

Sarmiento defendia, portanto, a supremacia das raças “superiores” em detrimento das

- consideradas por ele - “inferiores”, porém, nesse percurso ele próprio perdia a noção de

sua identidade e a de seu povo. E assim, numa de suas crises existenciais perguntou-se:

Quiénes somos los iberoamericanos?(...) y con esta formulación básica inicia su proceso de interiorización: Es caso esta la primeira vez, nos dice, ‘que vamos a perguntarnos quiénes éramos cuando nos llamaron americanos, y quiénes somos cuando argentinos nos llamamos. Somos europeus? – Tantas caras cobrizas nos desmienten! Somos indígenas? Sonrisas de desdén de nuestras blondas damas nos dan acaso la única respuesta. Mixtos? Nadie quiere serlo. (GÓMEZ-MARTÍNEZ, 2001b)

A qual cultura eles pertenciam afinal? A americana, que não sabiam exatamente qual

era ou a européia, que conheciam, mas se sentiam demasiado pequenos para adaptá-la a

sua realidade? Nem o próprio Sarmiento conseguia encontrar a resposta. Faltava-lhe algo

que lhe desse a certeza de que eram um povo, uma nação com identidade própria.

Parece-nos que Sarmiento vivia em conflito com sua própria identidade não

acreditando ele em sua originalidade, pois, ao mesmo tempo em que era um legítimo

representante da cultura hispano-americana, não conseguia enxergar em suas expressões

peculiaridades tão sublimes o quanto ele acreditava serem as européias. Vivia sempre em

busca de uma “apropriação” cada vez mais semelhante a do modelo norte-americano. Ou

seja, o que Sarmiento desejava mesmo não era apropriar-se do modelo, mas sim copiá-lo,

pois assim se sentiria parte de uma civilização que ele tanto admirava, não entrando mais

em conflito consigo mesmo.

Este conflito de Sarmiento – e de tantos outros da época – é bastante compreensível, já

que um colonizado não se desvencilha dos fantasmas do colonizador de um momento para

o outro. Porém, no caso de Sarmiento isso é agravado devido a suas diversas posturas

paradoxais e polêmicas. Além disso, ele tinha plena consciência de que a influência

européia em sua cultura traria o dualismo do bem e do mal.

Uma prova de que esse conflito existencial perdurou por décadas e de que foi motivo

para que muitos escritores buscassem respostas está representado nas palavras de Leopoldo

Zea que aponta nossas fraquezas diante dos nossos colonizadores.

En realidad no nos sentimos como hijos legítimos, sino como bastardos que usufructúan bienes a los cuales no tienen derecho. Nos servimos de estos bienes pero lo hacemos com timidez, como si temiésemos que nos reclama-se su legítimo poseedor. Al usar alguna de sus ideas tenemos siempre el cuidado de hacer patente su procedencia. Y cuando no se acusa esta procedencia, no faltará el denunciante que se encargará de acusar tal procedencia. (ZEA, 2000a)

Como se vê, os “fantasmas” rondaram as vidas dos hispano-americanos, perturbando

sua busca por uma identidade própria. Seus conflitos geraram muitos complexos que

acabaram por determinar suas ações, escolhas e comportamentos. Não percebiam eles que

seus limites significavam justamente sua identidade. E, ao não se atrever em realizar algo

próprio alegando incapacidade, seja ela “natural” ou provocada, contribuíram para a

perpetuação de uma visão deturpadora de que eram povos sem identidade própria.

Porém, foi especialmente a partir da influência de um pensador europeu que os

americanos passaram a tomar consciência de sua verdadeira condição de colonizados e

almejaram a mudança: o alemão Alexander Humboldt, primeiro viajante do século XIX, de

renome universal.

Humboldt escreveu o livro Ensaio Político sobre o Reino da Nova Espanha,

publicado em Paris no ano de 1804. Este texto é considerado como o texto fundador e

manual obrigatório para os viajantes posteriores. Dedicou grande parte da sua vida a

estudar o descobrimento do Novo Mundo, suas causas e conseqüências.

El aporte de Alejandro de Humboldt al conocimiento de la América hispánica en vísperas de la Independencia no se limita a la acumulación de datos puramente documentales que cada viajero realiza cuando presenta el resultado de su recorrido. La obra de Humboldt es también, y sobre todo, un nuevo descubrimiento, verdadero, de un continente y de una humanidad confinados durante tres siglos en el recinto estrictamente cerrado del Pacto colonial, exclusivamente detinado a suministrar a la metrópli (España) los recursos naturales sacados de su suelo e subsuelo y de sus fuerzas de trabajo servil. Al descubrir de nuevo aquel Continente, ocultado por una serie de imágenes míticas, quiméricas o soñadas, Humboldt desgarra el velo de leyendas que cubría el pasado indígena precolombiano y los tres siglos de colonia. Actúa como un descubridor e innovador en todos los campos. Ofrece por primera vez una descripción geográfica, demográfica, económica, política, total y cifrada de las colonias de América, suscitando una imagem totalmente nueva del marco natural

y de los hombres. (...) Humboldt fue, pues, en el siglo XIX e incluso en el nuestro, un modelo y un ejemplo. (ZEA, 1999: p. 7-8)

Humboldt foi, segundo Charles Minguet, o primeiro americanista de nossa época. Ele

defendia que “Hay pueblos más capaces de civilización, más altamente cultivados,

ennoblecidos por la cultura del espíritu, pero no pueblos más nobles que otros.” (1999: p.

64). Não existiria, portanto, raças superiores e nem inferiores, mas simplesmente povos,

homens. Humboldt tinha uma visão mais humanista e acreditava na diversidade dos

próprios individuos e não apenas em suas raças. E essa diversidade tinha que ser levada em

consideração.

O descobrimento do Novo Mundo trouxe, sem dúvida alguma, muitas visões

idílicas-demoníacas. Afinal, seriam homens ou bestas aquelas pessoas récem descobertas?

E quanto ao lugar, Paraíso ou inferno? Quem estaria “protegendo” essas pessoas Deus ou

Satã? Muitos acreditavam na necessidade de “redimir” essas pessoas. “El decubrimiento

de Colón há hecho patente la decisión de la Providencia para que esta gente sea arrancada

de las garras del demonio y redimida”. (1999: p. 64). Isso justificaria a catequização em

massa dessas pessoas e o poder exercido pela Igreja sobre esses povos. Acreditavam ainda

que, por serem essas pessoas “abandonadas” por decisão divina ao poder de Satã, ou seja,

por serem bárbaros, deveriam se sentir agradecidas por poderem ser salvas por pessoas de

“bem” e civilizadas. Sendo assim, nada mais justo que “pagarem” com seus trabalhos e

submissão esse ato tão nobre dos “enviados de Deus”. Como eram pessoas “dóceis”,

saudáveis e pacifícas tornaram-se alvos fáceis para a dominação dos conquistadores. Seus

costumes bárbaros e tentadores precisavam ser “domesticados”. Assim, estava lançada,

portanto, a semente da “predestinação” a inferioridade.

Porém, como Humboldt não acreditava nessa “predestinação”, fez germinar um

novo sentimento nos americanos que foi a crença no “porvenir”. A América para ele

representava o futuro e esse futuro “está hecho y se pondra em marcha”. (ZEA, 1999: p.

62). Era preciso responder aos “caluniadores europeus” e mostrar o nosso potencial. Os

hispanos-amenricanos não eram um povo sem identidade, mas sim um povo em busca de

sua identidade roubada. Assim, “Humboldt, em su trato com estos americanos, les

descubrió algo que quizá ignoraban, su valor como seres humanos. No eran inferiores a

ningún otro hombre”. (1999: p. 68). Portanto, chegava-se a conclusão de que era

completamente legítimo buscar uma identidade outrora roubada e deturpada. Não se viam

mais como povos “inferiores”, mas sim como povos marginalizados e excluídos da sua

própria sociedade. Era chegada a hora da conquista por um espaço, o nosso espaço.

Assim, estando o pensamento hispano-americano do século XIX subordinado aos

valores europeus, é lícito afirmar que a busca por uma legitimação de uma nova identidade

tornou-se um paradigma na época. O desejo de se construir novas sociedades, partindo de

pressupostos que não são “próprios” de sua cultura, mas de culturas alheias, veio conturbar

o conceito de nacionalidade, assim como o de legitimação de uma nova identidade. Afinal,

o que constituiu para esses pensadores uma nação? Como sobreviver a invasão dos

“modelos” sem perder a identidade?

Sendo assim, o pensamento hispano-americano constituiu-se exatamente na questão

dual entre adaptar o pensamento europeu às nossas circunstâncias, visando apropriar-se

dele de uma forma original ou admitir a não existência desse pensamento autóctone.

Segundo afirmou Martínez “una de las características de la América hispana durante el

siglo XIX es su prolongado intento de formar pueblos semejantes a modelos extrãnos, al

mismo tempo en que se reclama independência cultural y se rechaza el valor universal de

las soluciones”.(GÓMEZ-MARTÌNEZ: 2001a)

1.5 Imitação ou Apropriação: ambigüidades de um conceito

O Romantismo hispano-americano, marcado por uma busca incessante de uma nova

identidade e envolto a diversas questões ideológicas trouxe, dentre essas, uma

problemática bastante pertinente, especialmente após a Independência: deviam ou não

imitar os europeus? Eram meros imitadores de seus modelos ou apenas se serviam deles

dando-lhes suas peculiaridades?

Antes, porém de adentrarmos nestas questões é preciso discutir inicialmente sobre o

que é um conceito e como eles se formam.

Segundo Michel Foucault, - ao comentar o uso das análises de G. Canguilhem como

modelo de uma nova visão para a história das idéias e suas disciplinas correlatas -, “a

história de um conceito não é, de forma alguma, a de seu refinamento progressivo, de sua

racionalidade continuamente crescente, de seu gradiente de abstração, mas a de seus

diversos campos de constituição e de validade, a de suas regras sucessivas de uso, a dos

meios teóricos múltiplos em que foi realizada e concluída a sua elaboração.”

(FOUCAULT, 1987: p. 05). Neste caso, a história nos mostra que podemos entender um

conceito de diferentes formas, dependendo do campo e de que maneira ele está sendo

utilizado. Não pode ser, portanto, algo imutável ao longo dos anos e que se aplica a

diversas áreas sempre do mesmo modo. Assim, estabelecer um conceito perpassa por

diferentes razões de escolha, ideologias e poder. O que para alguns, em uma determinada

época, significava imitar, para outros, numa outra época, poderia não ter o mesmo

significado, e assim por diante. Hoje, percebemos que o mito da continuidade já não mais

persiste, pois o que se busca é exatamente a ruptura, o deslocamento e o limiar dos

conceitos. Desta forma,

as regras de formação dos conceitos, qualquer que seja sua generalidade, não são o resultado, depositado na história e sedimentado na espessura dos hábitos coletivos, de operações efetuadas pelos indivíduos; não constituem o esquema descarnado de todo um trabalho obscuro, ao longo do qual os conceitos se teriam mostrado através de ilusões, preconceitos, erros, tradições. O campo pré-conceitual deixa aparecerem as regularidades e coações discursivas que tornaram possível a multiplicidade heterogênea dos conceitos, e, em seguida, mais além ainda, a abundância desses temas, dessas crenças, dessas representações às quais nos dirigimos naturalmente quando fazemos a história das idéias. (FOUCAULT, 1987: p. 70)

Assim, quando estamos lidando com conceitos devemos ter em mente suas possíveis

alterações, pois, devido a sua multiplicidade de formas, nem sempre aquela que nos é

apresentada é a mais adequada naquele contexto.

Teorizando um pouco sobre os conceitos de imitação e apropriação dentro do

contexto histórico da literatura hispano-americana do século XIX propomos as seguintes

indagações: terá o mesmo significado que hoje tem essas duas palavras? Houve alguma

alteração? Podemos estudar, através dessa ótica, os escritores do século XIX, da mesma

forma com que foram estudados por seus críticos contemporâneos? Acreditamos que não.

O conceito de imitação defendido no século XIX e observado por nós através das

leituras de autores ibero-americanos acusados de plágio por seus críticos, possui o mesmo

significado de nossa atualidade, ou seja, cópia, plágio, reprodução. Porém, a sua

aplicabilidade muitas vezes não condiz com o seu significado. Já o conceito de apropriação

parece não existir para esses mesmos críticos, pois, caso existisse, evitaria alguns

desencontros literários, como por exemplo, no caso de Machado de Assis, estudado por

Silvio Romero4, e do próprio Jorge de Lima em seu ensaio Todos Cantam Sua Terra,

4 Ver o estudo comparativo feito pelo crítico sobre Machado de Assis e Tobias Barreto in ROMERO, Sílvio. Machado de Assis: estudo comparativo de literatura brasileira. Campinas,São Paulo: Editora da UNICAMP, 1992.

quando analisa a “literatura de imitação” na qual acusa o escritor José de Alencar de

“buscar o gaúcho a quinhentas léguas de distância, para escrever dois tomos de coisas

falsas”.(apud DÒRIA, 1997: p. 366).

Parece-nos, portanto, que em alguns casos esses dois conceitos se perdem em seus

significados, à medida que vão sendo aprofundados e confrontados um com o outro.

Todavia, acreditamos na existência de um ponto de ligação entre eles - apesar de sua

fragilidade – que nos permite duvidar de uma definição totalizadora e imutável.

Os significados de apropriação, segundo consta no dicionário de língua portuguesa

Aurélio5 são os seguintes: 1. tomar como propriedade, como seu, arrogar-se a pose de. 2.

tomar como próprio ou adequado, conveniente; adequar, adaptar, acomodar. 3. tornar

próprio, seu, apossar-se de. 4. tomar para si; apossar-se, apoderar-se.

No nosso entender essas definições se contradizem um pouco já que o fato de nos

apossarmos, tomarmos para nós algo que não nos pertence não implica necessariamente

em dizer que iremos adaptá-lo a nossa maneira. Podemos muito bem nos apossar de algo

exatamente como o encontramos tornando-se assim um plágio e não uma apropriação no

sentido mais amplo da palavra. Sendo assim, o próprio termo apropriação não é claro o

suficiente, pois pede algo mais que o complemente. Nesse caso, poderíamos levantar a

hipótese de que apenas a segunda definição nos apresenta como a menos contraditória, pois

delimita exatamente o frágil espaço entre imitação e apropriação, acrescentando novas

palavras que visam esclarecer um conceito tão complexo. São elas: adequado, conveniente,

adaptado.

Assim, no âmbito literário é preciso estar atento a essas definições para podermos

perceber até que ponto podemos acusar um escritor de imitação ou mesmo apropriação.

Seguindo, portanto, esse mesmo raciocínio devemos acreditar que muitos dos nossos

escritores do século XIX não imitaram simplesmente os modelos europeus, mas sim que os

utilizaram de uma forma original devido às próprias circunstancias da época. Entretanto,

vemos nessa mesma época, muitos deles serem duramente acusados de mera imitação, de

falta de originalidade, falta de patriotismo, etc. Todavia, é importante salientar que esses

escritores não imitaram simplesmente pelo ingênuo prazer de se igualar aos povos

civilizados e cultos, mas sim por um sentimento maior de sobrevivência.

5 AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:1986, Ed. Nova Fronteira

É, portanto, neste sentido, que apresentamos as seguintes hipóteses: à medida que o

Novo Mundo era “devorado” pelos modelos europeus, a América ia se transformando

numa cópia, cada vez mais propensa a se identificar com aquilo que eles acreditavam ser a

sua “origem”. Assim, não percebiam eles que “(...)sua originalidade não se encontrava na

cópia do modelo original, mas na sua origem, apagada completamente pelos

conquistadores”. (SANTIAGO, 1978: p. 16). Desta forma, imitar aqui seria não só uma

questão de estilo, mas principalmente de sobrevivência. Teria o significado maior de

aceitação, simbolizando uma civilização culta pronta para o progresso. Porém, traria

também – mais tarde – um sentimento de indignação que daria início a toda uma

conscientização de sua condição de colonizado. E assim, “pelo extermínio constante dos

traços originais, pelo esquecimento da origem, o fenômeno de duplicação se estabelece

como a única regra válida de civilização”. (1978: p. 16). Portanto, podemos concluir que

imitar nesse contexto assume um poder ideológico diferente do simplório significado de

repetição, plágio. Será mesmo uma mera repetição? Se for, como podemos especificá-la se

as circunstancias foram totalmente diversas da encontradas pelos nossos precursores? Será

possível haver a repetição de algo – entendida aqui como exatamente igual – em época,

circunstancias e povos diferentes? Afinal, qual escritor imitou verdadeiramente, em todos

os aspectos um outro escritor? Como podemos e quais critérios devemos utilizar ao

afirmarmos que:

(...) ‘isto já foi dito’; ‘a mesma coisa já se encontra em tal texto’; ‘esta proposição é muito próxima daquela’, etc.? O que é identidade, parcial ou total, na ordem do discurso? Sabemos que o fato de duas enunciações serem exatamente idênticas, formadas pelas mesmas palavras usadas no mesmo sentido, não autoriza a que as identifiquemos de maneira absoluta. (FOUCAULT, 1987: p. 163).

Como nos disse Foucault não temos “autoridade” para determinar quem disse isso ou

aquilo antes ou depois, ou seja, quem foi o precursor ou o imitador. Pois, as palavras não

se encerram em si mesmas, elas são naturalmente catacréticas. Sendo, portanto, as palavras

catacréticas, como defender apenas um ponto de vista sobre o conceito de apropriação?

Esse não é nosso objetivo. Porém, nossa intenção é questionar o conceito deste termo

dentro do âmbito literário admitindo que o mesmo - dependendo das circunstâncias – pode

ser interpretado de forma mais ampla. Todavia, não temos a intenção de fazer desta

problemática uma apologia à crítica das fontes, pois como nos diz Leyla Perrone Moisés

a crítica das fontes não é uma ‘crítica’. É um levantamento de material que pode servir a fins diversos. A pesquisa das semelhanças interessa a um estudo dos gêneros e este, por sua vez, interessa à poética ou à história da literatura, isto é, àqueles que estudam como é feito certo tipo de obra ou àqueles que estudam como certos temas, imagens ou processos evoluem de uma obra a outra, no tempo e no espaço. A crítica deve buscar a diferença, que é aquilo que a obra tem de específico. Para chegar a ela, deve conhecer as semelhanças, não para nelas se deter, mas para que elas coloquem em relevo a originalidade da obra. (PERRONE-MOISÉS, 1979: P. 83).

Assim, o que buscamos ao levantar a hipótese de ambigüidade do termo apropriação

é justamente discutir sua aplicabilidade dentro dos mais variados contextos.

No entanto, uma outra questão que nos remete a problemática da imitação x

apropriação é sem dúvida alguma o poder exercido pelas influências.

É possível detectar a partir da Independência as fortes marcas deixadas em nossos

escritores pelas influências européias, notadamente a francesa. Foram muitos os modelos a

seguir: Rousseau, Ossian, Fenimore Cooper, Walter Scott, Byron, Balzac, Zola, etc.

Porém, esse não foi um caso isolado dos países recém independentes. O tema da influência

é algo presente em toda nossa história. Entretanto, é na literatura que ele exerce seu maior

fascínio. Afinal, qual escritor pode afirmar que seu trabalho é fruto apenas de sua

“originalidade”? Como podemos estabelecer quem foi o precursor e quem são os

discípulos? Todos nós fazemos parte de um jogo que nos remete inevitavelmente de um

sistema a outro. E no caso do autor e sua obra como ignorar o sistema de remissões a

outros autores e outras obras? Impossível. A influência existe e faz parte de todo e

qualquer processo de conhecimento, porém esse foi um assunto que trouxe muita angústia

aos escritores hispano-americano do século XIX.

A “angústia das influências” consistia exatamente em suportar o peso dos antecessores

sem que isso se tornasse um obstáculo para sua própria criação. Pois, a busca pela

originalidade numa época em que os modelos europeus imperavam era uma tarefa árdua.

Como se desvencilhar, se é que havia necessidade, dessas influências? Como impor nossa

marca, nosso estilo? Segundo acreditava Goethe, (apud BLOOM, 1991: p. 87) “Somente

quando transformamos as riquezas dos outros em nossas próprias riquezas seremos, de

fato, capazes de dar vida a algo de grandioso”. Entretanto, deveríamos fazer isso com

prudência e discernimento. E isso consistiria exatamente em aceitar as influências e a partir

delas construir algo próprio com as marcas circunstanciais de seu tempo e lugar. Seria

preciso, portanto, encarar “serenamente o nosso vínculo placentário com as literaturas

européias, pois ele não é uma questão de opção, mas um fato quase natural”.(CANDIDO,

1979: p. 353).

Como se vê, as influências foram muitas, é verdade, e negá-las seria um tanto absurdo

e inútil, todavia o fato é que os escritores latino-americanos buscavam - mesmo através da

imitação dos modelos - uma literatura nacionalista, representativa do seu povo e de sua

nação. Como isso seria possível então? Através da sensibilidade em digerir e assimilar

esses modelos dando-lhes algo de próprio e refletindo constantemente sobre a condição de

Ser americano; através dessa persistente “angústia das influências” onde a sensação de “ser

influenciado” acontece e o atormenta durante todo o seu percurso como se fosse uma

maldição do século, mas que também o impele em busca de algo cada vez mais “original”.

Pois, só essa angústia do precursor é capaz de levá-lo a um estado de inquietude que faz

com que ele busque uma identidade própria, sem que para isso seja necessariamente

preciso rejeitar seus antecessores. Afinal, “A precedência não é um dado irredutível e

primeiro; não pode desempenhar o papel de medida absoluta que permitiria avaliar

qualquer discurso e distinguir o original do repetitivo.” (FOUCAULT, 1987: p. 163). E

assim, o que antes parecia ser mera imitação adquire um novo conceito: apropriação.

Borges, em sua Obras Completas, dedica dois ensaios a essa questão das influências e

do que seria de fato “ser” o precursor. No primeiro, intitulado “Kafka y sus Precursores”

(1986) O escritor inicia dizendo que:

Yo premedité alguna vez un examen de los precursores de Kafka. A éste, al principio, lo pensé tan singular como el fénix de las alabansas retóricas; a poco de frecuentarlo, creí reconecer su voz, o sus hábitos, en textos de diversas literaturas y de diversas épocas.(1986: p. 710).

Ou seja, a singularidade inicial que Kafka representava para o escritor argentino foi se

“misturando” a uma pluralidade de textos que nem o próprio esperava encontrar.

Após esse comentário, Borges apresenta-nos esses possíveis textos e autores

influenciados por Kafka. São eles: “la paradoja de Zenón contra el movimento” que remete

ao El Castillo de Kafka; Anthologie raisonée de la littérature chinoise de Han Yu,

prosista do século IX; os escritos de Kierkegaard; o poema de Browning Fears and

Scruples; Histoires désobligeantes de León Bloy e o último Cascassone de Lord Dunsany.

(p. 710). E mais adiante diz:

Si no me equivoco, las heterogêneas piezas que he enumerado se parecen a Kafka; si no me equivoco, no todas se parecen entre si. Este último hecho es el más significativo. En cada uno de esos textos está la idiosincrasia de Kafka, en grado mayor o menor, pero si Kafka no hubiera escrito, no la percibiríamos; vale decir, no existiria. (1986: p. 711).

Como se vê, foram significativos os textos apontados por Borges, entretanto, quantos

não mais existiriam? E quantos não mais existem? O fato de identificar ou não o precursor

não invalida uma obra. O autor precisa saber “escolher” a quem se apropriar e entendê-lo o

suficiente para daí então poder dar margens – com muito mais segurança – ao seu próprio

texto. São questões de identificações, semelhanças, sensibilidades... Se existem textos que

se remetem necessariamente a outros é porque a vida e a história permitem que isso

aconteça, caso contrário, não conseguiríamos sequer seguir adiante em nosso percurso,

seja ele o mais singelo possível. Somos frutos de diversos fragmentos que proporcionam a

nossa totalidade. Esta em seu estado puro é ilusória e se passarmos a vida toda a

procurando iremos enlouquecer na angústia de nos sentirmos incapazes e sem identidade.

E assim, Borges propõe que apesar da palavra “precursor” ser indispensável ao

vocabulário crítico ela deveria ser “purificada”

de toda conotación de polémica o de rivalidad. El hecho es que cada escritor crea a sus precursores, Su labor modifica nuestra concepción del pasado, como ha de modificar el futuro. En esta correlación nada importa la identidad o la pluralidad de los hombres. El primer Kafka de Betrachtung es menos precursor del Kafka de los mitos sombrios y de las instituiciones atroces que Browning o Lord Dunsany. (p. 712).

Já no segundo ensaio, cujo titulo é “Pierre Menard, autor del Quijote”, Borges

discorre sobre a originalidade ou não deste autor. É certo que neste caso o fator de

apropriação torna-se mais complexo, pois o objetivo de Menard não era

componer outro Quijote – lo cual es fácil – sino el Quijote. Inútil agragar que no encaro nunca una transcripción mecánica del original: no se proponía copiarlo. Su admirable ambición era producir unas páginas que coincidieran – palabra por palabra y línea por línea – con las de Miguel de Cervantes.(BORGES, 1986: p. 446).

Porém, como empreender tal projeto sem cair numa mera imitação? Difícil tarefa.

Menard, entretanto, acredita que “el Quijote es un libro contigente, el Quijote es

innecesario. Puedo premeditar su escritura, puedo escribilo, sin incurrir en una tautología.”

(1986: p. 448). Ou seja, para Menard era completamente viável escrever el Quijote, pois o

autor tinha a pretensão de

reconstruir literalmente su obra espontânea. Mi solitário juego está gobernado por dos leyes polares. La primera me permite ensayar variantes de tipo formal o psicológico; la segunda me obliga a sacrificarlas al texto ‘original’ y a razonar de un modo irrefutable esa aniquilación... A esas trabas artificiales hay que sumar outra, congénita. Componer el Quijote a principios del siglo diecisiete era una empresa razonable, necesaria, acaso fatal; a principios del viente, es casi impossible. No en vano han transcurrido trescientos años, cargados de complejísimos hechos. Entre ellos, para mencionar uno solo: el mismo Quijote.(apud BORGES, 1986: p. 448).

Apesar desses obstáculos, Borges considera o texto de Menard mais sutil que o de

Cervantes. Os textos são praticamente idênticos, porém Menard possui uma ambigüidade

muito mais presente e que faz o seu diferencial. Neles leva-se em consideração sua

proposta, sua época, a própria história que já não é mais a mesma de Cervantes, sua

nacionalidade e, conseqüentemente, sua dificuldade em escrever e se expressar num

idioma que não era o seu. Seu texto seria então uma espécie de palimpsesto, onde uma

nova escrita poderia ser elaborada.

E assim, para Borges

Menard (acaso sin quererlo) há enriquecido mediante una técnica nueva el arte detenido y rudimentario de la lectura: la técnica del anacronismo deliberado y de las atribuiciones erróneas. Esa técnica de aplicación infinita nos insta a recorrer la Odisea como si fuera posterior a la Eneida y el libro Le jardin du Centaure de Madame Henri Bachelier como si fuera de Madame Henri Bachelier. Esa técnica puebla de aventura los libros más calmosos. Atribuir a Louis Ferdinand Céline o a James Joyce la Imitación de Cristo ¿ no es una suficiente renovación de esos tenues avisos espirituales?(1986: p. 450).

CAPÍTULO 2

O DISCURSO HISTÓRICO-LITERÁRIO E SUAS FRONTEIRAS

Si las artes y las letras no se apagan, tenemos derecho a considerar seguro el porvenir. Trocaremos em arca de tesoros la modesta caja donde ahora guardamos nuestra escasas joyas, y no tendremos por qué temer el sello ajeno del idioma en que escribimos, porque para entonces habrá pasado a estas orillas del Atlántico el eje espiritual del mundo español. Pedro Henríquez Ureña

2.1 A prioridade do historicismo no romantismo hispano-americano

O romantismo hispano-americano do século XIX foi marcado por um enorme

desenvolvimento da tradição intelectual de todo o continente que teve como seu ponto

principal o elo entre a literatura e a história. Esse elo trouxe à tona questões pertinentes

sobre o que constituiria o discurso da verdade e o discurso ficcional. Onde estariam seus

limites, se é que existiam? Nessa época “Literatura e História se confundem, numa

intenção demonstrativa, defendendo teses através da reconstrução de tipos e

ambientes”.(JOSEF, 1986: p. 44)

Dentro dessa perspectiva, houve então, uma busca acentuada do historicismo como

uma maneira de obter respostas às inúmeras questões relacionadas ao homem e suas

crenças, além de se buscar alcançar através dessa nova proposta uma legitimação dos

Estados novos.

Porém, antes de adentrarmos no historicismo hispano-americano propriamente dito,

valeria a pena discorrer um pouco - e de forma sucinta - sobre os mestres europeus do

século XIX.

Entre os historiógrafos europeus da época que se destacavam estavam: Jules

Michelet, Leopold von Ranke, Aléxis de Tocqueville, Émile Durkheim, Max Weber e

Jacob Burckhardt. Ilustres representantes de uma historiografia realista e moderna.

Entretanto, Michelet, Ranke, Tocqueville e Burckhardt foram sem dúvida alguma os mais

expressivos deste século no que diz respeito à historiografia. Segundo White, Michelet

representou uma posição diferente dentro do movimento romântico com respeito à concepção que este possuía do processo histórico. Em primeiro lugar, Michelet pretendeu ter descoberto o meio de elevar a apreensão romântica do mundo à condição de um enfoque cientifico. Para ele, uma sensibilidade poética, criticamente autoconsciente, proporcionava o acesso a uma apreensão especificamente ‘realista’ do mundo. (1995: p. 160-161)

Ou seja, para o historiador e filósofo da história era possível fazer uso de ambas as

coisas – poesia e cientificidade – dentro do panorama da história sem com isso prejudicar o

status de veracidade da última. Bastava, portanto, que houvesse sensibilidade e autocrítica

o suficiente para exercê-la. Michelet se apropriou metaforicamente de seu campo histórico

para com ele buscar novas formas de interpretação narrativas. Para ele, era preciso levar a

sério os problemas e questões que a própria história apresentava sem esconder a luta e o

conflito que ela gerava. Era preciso ainda saber “ouvir” as entrelinhas, os silêncios, as

pausa... isso com certeza causava uma enorme angústia no historiador acostumado a

verdades absolutas, mas era exatamente esta angústia que movia a historia de Michelet.

Já Leopold von Ranke

Descobrira que a verdade era mais estranha do que a ficção e, para ele, infinitamente mais satisfatória. Resolveu, por isso limitar-se no futuro apenas à representação daqueles fatos que eram atestados pelo testemunho documental e escrever história para relatar os impulsos ‘românticos’ de sua própria natureza sentimental e escrever história para relatar exclusivamente o que houvesse de fato sucedido no passado.(1995: p. 175)

Ou seja, diferentemente de Michelet, sua preocupação passava apenas pela

veracidade dos fatos documentais passados e que ele se sentia impulsionado a relatar. Não

levava em conta fatos externos nem tampouco se desviava de sua missão. O que o

importava era relatar fatos “comprovadamente” documentados. Assim, Ranke

Deixou uma grande escola de historiadores que estão em acordo fundamental sobre padrões comuns de objetividade. Por toda parte os historiadores acadêmicos ainda insistem na necessidade de estudar criticamente as fontes mais originais, de penetrar em todos os detalhes, de chegar a generalizações e à síntese a partir de fatos primários. Ainda se apegam aos ideais de objetividade e subordinação do historiador e seu materiais.(apud WHITE, 1995: p. 178).

Isto não quer dizer, entretanto, que Ranke não possua seu mérito e que seu método

seja obsoleto, de forma alguma. Ele contribuiu enormemente para um aperfeiçoamento da

pesquisa documental, dos seus critérios e de seus objetivos, corroborando para uma

historiografia mais significativa a partir do momento que conseguiu estabelecer critérios

seguros para observar aquilo que é importante daquilo que pode ser irrelevante para a

história em determinadas circunstâncias.

Tocqueville, assim como Michelet, tinha um estilo apaixonado de escrever a

história. O primeiro foi o precursor do pensamento sociológico. Seu pessimismo diante do

homem e da sociedade não era um pessimismo piegas, mas sim embasado em suas teorias

tão significativas. Para ele, o homem está

‘Na divisa entre dois abismos’, um constituído por aquela ordem social sem a qual ele não pode ser homem, o outro constituído por aquela natureza demoníaca dentro dele que o impede de se tornar plenamente humano. É à consciência dessa existência ‘na divisa entre dois abismos’ que o homem regressa constantemente ao cabo de cada esforço para se elevar acima do animal e fazer florescer o ‘anjo’ que reside dentro dele, reprimido, aprisionado e incapaz de conquistar ascendência na espécie.(WHITE, 1995: p. 205)

Tinha plena consciência da realidade e de suas “artimanhas”, e se posicionava

radicalmente diante do caos da história, da sociedade e da cultura. Para ele, nada que o

homem fizesse poderia de fato alterar o processo do mundo, pois este além de ser um

mistério o governava. Poderia sim, “esperar senão modestos ganhos, de tempos em

tempos.” (p. 205). pois, “o segredo da história não é outra coisa senão a eterna luta do

homem consigo mesmo e o eterno retorno a si mesmo.” (p. 206). A visão que Tocqueville

tinha do historiador era

semelhante àquela que Ésquilo concebia ser tarefa do poeta trágico, ou seja, terapêutica. Uma casta consciência histórica ajudaria a exorcizar o medo dos velhos deuses e preparar os homens para assumir a responsabilidade por seus próprios destinos através da construção de instituições e leis adequadas ao cultivo de suas mais nobres aptidões.(p. 216).

Burckhardt, diferentemente dos demais, mantinha uma posição melancólica diante

do processo histórico. Eles eram tal como eram vistos e nada mais. Sua atitude irônica

perante os fatos e até a si próprio lhe dava um aspecto surreal. Entretanto, não foi um

historiador acrítico. Simplesmente não possuía a mesma forma de ver a historia como os

demais. Era pessimista e como todo pessimista, não acreditava na realização humana.

O objetivo de Burckhardt era dissolver essas ilusões e reencaminhar a consciência humana ao reconhecimento de suas próprias limitações, de sua finitude e de sua incapacidade até de encontrar a felicidade neste mundo. ‘Nossa tarefa (...) em lugar de tudo desejar, é libertar-nos tanto quanto possível de alegrias e temores descabidos e aplicar-nos ao entendimento do desenvolvimento histórico’.(WHITE, 1995: p. 259-260)

È claro que ele sabia que essa objetividade não era algo facilmente adquirido,

porém acreditava que deveríamos tentá-la ao invés de nos determos em “pequenas” coisas

abstratas.

Burckhardt observou ainda “um mundo em que a virtude era habitualmente traída,

o talento pervertido e o poder posto a serviço da causa mais torpe. Viu muito pouca virtude

em sua própria época, e não viu nada a que pudesse dar adesão irrestrita.” (p. 245). Seu

poder de observar as “maldades” do mundo de forma sempre tão precisa, deu-lhe o título

de “analista dos fenômenos de declínio cultural”.(p. 274).

O historiador acreditava também no poder da poesia e na sua aliança com a história.

Para ele a primeira era muito mais sublime que a segunda. Assim,

não deixou dúvida alguma de que os documentos mais informativos de qualquer civilização, os documentos em que sua verdadeira natureza recôndita mais nitidamente se revela, são poéticos: ‘a história encontra na poesia uma de suas fontes não só mais importantes mas também mais puras e belas’. (p. 270)

Bela constatação para aquele que não acreditava na busca pela felicidade e na

salvação da humanidade.

Portanto, o século XIX foi marcado pelo surgimento de novas estratégias

interpretativas, levando-nos a compreender que a imaginação poderia tornar-se também

uma forma de abordar a história além de deixamos de considerar a história como

um modo especifico de existência, a ‘consciência histórica’ como um modo preciso de pensamento e o conhecimento histórico como um domínio autônomo no espectro das ciências humanas e físicas.(WHITE, 1995: p. 19)

Sendo assim, a historiografia oitocentista ganhou um novo status, debruçando-se

sobre si mesma e preocupando-se em analisar o ato de escrever a história e o como

escrevê-la. Passou a ser vista então, como uma atividade intelectual que é ao mesmo tempo

poética, cientifica e filosófica. (WHITE, 1995:p. 15).

White afirma que o estilo de um historiador perpassa, entre outras coisas, pela

linguagem por ele utilizada para concatenar o campo histórico apresentado. Essa

linguagem, que ele dá o nome de “Protocolos lingüísticos” são representados pelos

“quatros principais modos de discurso poético” (p. 433), que são a metáfora, a metonímia,

a sinédoque e a ironia. O autor então se serve desses tropos de linguagem para explicar a

“intromissão” da literatura no fazer do historiador. Cada historiador “escolhia” aquela com

a qual ele mais se identificava, visto que, a sua representação da história “fugia” aos seus

preceitos moralistas.

E então, “visto que a historia resistia a todo esforço de formalização do discurso,

os historiadores se entregaram à pluralidade de estratégias contidas nos usos da linguagem

corrente em todo o decurso do século XIX.” (p. 436). Porém, White alerta que

O historiador não pode agir nem com a ‘liberdade’ que o puro poeta reclama para si nem com a intencionalidade do orador. O primeiro está livre para inventar os ‘fatos’ que julgar convenientes, o segundo para usar os fatos seletivamente para fins específicos do discurso que estiver compondo. A historia se situa entre alguma parte entre a poesia e a oratória porque, embora sua forma seja poética, seu conteúdo é prosaico. (1995: p. 103).

Assim, o papel do historiador é de deixar a sua imaginação

atuar em duas direções ao mesmo tempo: criticamente, de modo a lhe permitir decidir o que pode ser omitido de um relato (embora não possa inventar ou fazer acréscimos a fatos conhecidos); e poeticamente, de modo a pintar, em sua vitalidade e individualidade, a miscelânea de acontecimentos como se eles estivessem diante dos olhos do leitor.(1995: p. 105).

Concordando com o que White apontou, Benedito Nunes, destaca que foi

exatamente no século XIX que a história passou a ser vista por duas formas diferentes.

Seriam elas: História-arte e História-ciência. Essa dualidade causou uma enorme confusão

nos historiadores da época e conseqüentemente no próprio conceito da disciplina. Afinal,

como delimitar um corpo de trabalho para uma disciplina que apresenta formas de abordá-

la aparentemente tão contrárias? Vejamos

A História –arte é sobretudo uma narrativa de acontecimentos, que os recria como se fossem presentes. Fazendo do historiador ‘um contemporâneo sintético e fictício’ (...) do que ocorreu, fornece-nos imagens do passado, recuperado, tornado visível. Ela não se exime, portanto, do esforço da imaginação projetiva, que acusa a vivencia particular do historiador, parente próximo do artista.(apud CÔRTES RIEDEL, 1988: p. 10).

Já a História-ciência “é uma historia do acesso ao passado, de que não oferece

senão um conhecimento imediato, indireto, e portanto, fora da esfera do visível, mediante

traços ou vestígios (documentos, monumentos) visíveis e presentes.” (apud CÔRTES

RIEDEL, 1988: p. 11). Nesta forma de abordar a história o aspecto a ser privilegiado é a

pretensa objetividade diante dos fatos.

Podemos então concluir diante do que já discorremos que existe sim uma linha

divisória entre a historia e a literatura - uma linha tênue é verdade -, mas que nos permite

identificá-la. Essa linha, portanto, seria a pesquisa documental. Isso é um fato. Porém, será

que no discurso ficcional não podemos também utilizar documentos históricos? Será que

um caso anula o outro? De forma alguma. Em ambos os discursos a imaginação esta

presente para reconstruir o passado, afinal como afirmar categoricamente que algo

aconteceu no passado se não estávamos lá? E se estivéssemos, como garantir que nosso

discurso fosse totalmente isento de nossas cargas simbólicas, de nossa história particular?

“Não se pode conhecer o que já foi, através de documentos, senão solicitando da

imaginação os seus recursos topológicos. Mediante esses recursos, o historiador conhece

reconstruindo, mas a sua reconstrução é uma figuração.” (apud CÔRTES RIEDEL, 1988:

p. 33).

Assim, observamos que não existem limites precisos entre os dois tipos de história

apresentados, mas que elas se complementam. E como diz Hutcheon: “o passado realmente

existiu, mas hoje só podemos ‘conhecer’ esse passado por meios de textos, e aí se situa seu

vínculo com o literário.” (1991: p. 168).

O historiador assim como o literato precisa fazer uso de interpretações as quais

estão sujeitos as suas ideologias e suas crenças, não estando nenhum dos dois isentos disso.

As representações por eles apontadas e discutidas passam por questões que vão além da

“objetividade” dos fatos relatados. Tudo pode ser relevante e nada pode ser considerado

pela historia como algo perdido no tempo. Estabelecem-se critérios, mas não

desprivilegiam os demais, pois neste caso pode existir ainda uma outra história a ser

contada por um outro ângulo e geralmente esta história significaria a reconstituição da

história dos marginalizados. Neste caso, cabe ao historiador se prevalecer de diferentes

formas de abordagens e gêneros para dar conta dessa imensidão de fatos históricos

relevantes.

Assim, vemos os historiadores se utilizarem variados gêneros narrativos para

compor seus relatos e vemos os literatos recorrem a variados documentos para compor

suas narrativas.

Como nos diz tão bem Linda Hutcheon, “a história não pode ser escrita sem análise

ideológica e institucional, inclusive a análise do próprio ato de escrever.” (1991: p.125).

É esse ato de escrever que faz a diferença na escolha do discurso. Ao optarmos por

um modo discursivo estamos implicitamente “optando” por uma ideologia e não outra. As

fronteiras não devem ser levadas em conta se elas delimitam demais os saberes, se elas

impossibilitam o indivíduo de avançar, de construir, de reconstruir ou mesmo de descobrir

algo novo simplesmente por que aquilo não está em seu “território”, não é do seu domínio.

Stephen Bann em seu livro As Invenções da História ao discorrer sobre a análise do

discurso da história fará uso de uma citação do critico literário Lionel Grossman que define

muito bem a questão de fronteiras entre os discursos aqui analisados. O critico dirá:

Finalmente, por conta do meu interesse em máscaras e códigos, há muito tempo tenho estado intrigado com formas de escrever pelas quais a imaginação literária parece se disfarçar e submeter-se a coerções significativas – critica literária, historiografia, cultura, e erudição, historia natural -. Enquanto os estudos literários foram dominados pela retórica, o caráter literário de Buffon, Michelet, Carlyle ou Macaulay foi reconhecido e estes autores foram estudados regularmente como modelos de estilo a serem seguidos ou evitados. Quando a retórica deixou de ser o foco de interesse nos estudos literários, tais escritores foram com muita freqüência silenciosamente eliminados do cânone literário e abandonados a estudantes de biografia e historia cultural. Creio que nós, agora, estejamos prontos para relê-los, reconsidera-los e, onde for adequado, reintegra-los. Sabemos agora que não existe nenhuma fronteira sólida separando o literário de outras formas de escrita.(apud BANN, 1994: p. 52).

Isto não quer dizer que história e literatura sejam a mesma coisa, cada uma tem

suas especificidades, porém muitas semelhanças, pois ambas constituem discursos. E são

estas semelhanças que a historiografia intentou resgatar para um melhor aproveitamento

delas. È possível e enriquecedor que estas disciplinas caminhem juntas, até porque isso só

tem nos trazidos benefícios. Não podemos mais insistir no erro de nos isolarmos em nossos

saberes dotando eles de supervalores quando na verdade somos apenas uma parcela do

todo - e mais uma vez a historiografia veio mostra isso -.

O que seriam então dos estudos culturais se nós nos isolássemos em cada disciplina

como se estas fossem domínios exclusivos nossos? O que seriam dos marginalizados se

nós não procurássemos recuperar sua historia a partir de pequenos e “irrisórios” detalhes

dispersos nas mais variadas fontes para assim podermos compor a sua história ainda não

revelada? Essa seria então a não-fronteira existente entre os discursos histórico e literário.

A fronteira só existe se for imposta e mantida. E isso a história nos mostrou que não foi a

intenção da própria história dos tempos mantê-la.

Como vimos, não existem fronteiras especificas e restritas entre história e literatura.

Ambas se complementam, porém jamais se anulam.

Segundo Santiago, isso veio trazer à tona a difícil questão de que, hoje por haver

uma dificuldade em classificar o texto cientifico com tal, devido a “intromissão” da

metáfora, temos também a dificuldade em classificar os próprios gêneros literários.(apud

CÔRTES RIEDEL, 1988: p. 165).

O que podemos dizer de Facundo, obra até hoje inclassificável? Será também que

esta é uma questão crucial para a literatura enquadrar textos em gêneros específicos? Será

que ao defendermos isso não estaríamos nos comportando como os historiadores mais

conservadores em busca de uma “pureza” dos textos? Será que não estaríamos indo de

encontro ao novo historicismo? Acreditamos que sim. Não é preciso haver essa rigidez em

classificar uma obra como pertencente a “este ou aquele” gênero, mas sim sabermos

determinar suas predominâncias. Achamos que dentro de tudo que já foi discutido

academicamente isso é o suficiente. Pelo menos por enquanto...

Assim, constatamos que os historiadores europeus influenciaram toda uma época e

conseqüentemente os pensadores hispano-americanos e que todo esse discurso sobre

historiografia suscitou neles uma nova compreensão de sua própria história levando-os a

buscar novas formas de interpretação e representação para seu povo.

Segundo o historiador argentino Jorge Myers “La historia pasó a ser entendida

como sustancia del hombre. La antropología romántica no era outra cosa que discurso

histórico”.(apud PIZARRO, 1994: p. 224)

A reflexão historiográfica passou então por um processo de reavaliação de seus

dados, onde o presente, que segundo Croce, “é a consciência que a historia adquire de si

mesma” (apud LOKOI, 1997: P. 751) adquire nova importância para uma adequada

interpretação dos fatos passados, presentes e futuros. “Tratava-se, agora, de perceber que a

visão européia produziu o mito do bom selvagem, e ao mesmo tempo, o mito da

barbárie”.(P. 751)

Entre 1839 e 1880 instaurou-se a “idade de ouro” da narrativa histórica na América

Latina. Nesse momento o discurso histórico tomou lugar nos mais variados gêneros: do

teatro a poesia lírica. Vimos então, surgir novos gêneros como o romance histórico. Esse

gênero ocupou um lugar de destaque na preferência dos autores e do público em geral, pois

triunfou sobre os demais, alcançando o posto maior dentro da literatura da sua época. Além

disso, o gênero biográfico exerceu também um notável fascínio entre os escritores da

época, tendo sido publicadas diversas obras demonstrando, então, a presença marcante das

produções histórico-literárias.

Foi, então, com essa introdução ao historicismo como um meio de interpretar a

nova realidade, que os escritores românticos passaram a entender que a literatura não podia

“permanecer al margen de esa nueva consciencia histórica que integraba a todas las esferas

de la experiencia en un proceso único y global” (MYERS, 1994: p. 224). Era preciso agir.

Sarmiento foi um dos que entendeu bem essa dicotomia historia x literatura. Sua

obra Facundo é um testemunho claro de que é possível fazer uso das duas sem implicar

num detrimento da outra. É certo que muitos em sua época o acusaram de falsificar

documentos para melhor atender aos seus projetos, porém em momento algum Sarmiento

quis ser “apenas” um historiador, ele quis ser também um literato, um sociólogo, um

psicólogo, etc. Ou seja, não requere um status único para sua pessoa. Sarmiento se

considerava um homem do mundo e que tinha o direito de discorrer sobre tudo aquilo que

ele tinha aprendido e lido. Sua intenção foi fazer do seu livro um discurso sem fronteiras,

pois como diz Foucault

As fronteiras de um livro nunca são bem definidas: por trás do título, das primeiras linhas e do último ponto final, por trás de sua configuração interna e de sua forma autônoma, ele fica preso num sistema de referências a outros livros, outros textos, outras frases: é um nó dentro de uma rede.(apud HUTCHEON, 1991:p. 167).

E assim é o livro de Sarmiento: “um sistema de referências a outros livros, outros

textos, outras frases: é um nó dentro de uma rede.” (apud HUTCHEON, 1991: p. 167).

O escritor argentino teve uma forte influência de Tocqueville com sua teoria

sociológica. Em sua obra fez uso dela de forma magistral e não escondeu essa influência.

Assim, como Tocqueville tinha uma forma apaixonada de escrever e possuía uma visão da

humanidade - não tão descrente quanto à do historiador francês -, mas bastante parecida

através de suas posições deterministas.

Quanto a Michelet, Sarmiento absorveu seu lado romântico de acreditar na união

entre a poesia e a cientificidade. Por isso o uso de tantas metáforas em Facundo. Seu

discurso não era apenas teórico, “cru”, muito pelo contrário, fez uso acentuado da retórica

e da busca pela verossimilhança dos fatos, mesmo que para isso precisasse “adaptá-los” a

sua maneira.

É verdade que Sarmiento “abusou” um pouco dessas correntes historicistas, pois o

mesmo chegou a polemizar com Andrés Bello defendendo a extensão

[de] las nociones historicistas hasta la misma lengua, y en un rapto de osadía extrajo la consecuencia lógica del historicismo no providencialista: el hombre tenia el derecho de modificar voluntariamente su lengua, como cualquier aspecto de su existencia social. Se había llegado al punto donde el reformismo ilustrado se encontraba con el historicismo romántico.(MYERS, 1994: p. 242).

Ou seja, Sarmiento extrapolava essas noções historicistas perdendo a noção das

verdadeiras mudanças que estas haviam operado, mas essa era uma característica de

Sarmiento: polemizar tudo e com todos.

Assim, vemos uma época onde as influências do historicismo causaram um enorme

“furor” e onde os escritores se viram envolvidos em diversas dúvidas, idéias e projetos.

2.2 O Poder e a Palavra

É notório, dentro desta nova concepção de história, o fato de muitos escritores

românticos, para não dizer todos, terem exercido algum cargo político em seus

determinados países, porém, no caso da Argentina, essa relação entre a literatura e a

política mereceu um destaque maior.

Inseridos no regime autoritário do ditador Juan Manuel Rosas, os escritores se

sentiam na “obrigação” de tomar posições em busca de uma legitimidade do discurso.

Porém, na incansável busca por essa legitimação os intelectuais da época assumiram não só

o poder da palavra, mas também o poder político. Pertencendo eles ao setor dos letrados,

ou seja, da elite, nada mais “natural” que fossem os interlocutores de toda uma sociedade.

Assim, “Los románticos, al proclamarse los intérpretes de la verdadera esencia de la

sociedad, justificaban tácitamente su derecho a participar en el diseño de las políticas

destinadas a regir y a modificar esa misma sociedad. (MYERS, 1994: p. 224)

As estratégias utilizadas por eles foram, dentre algumas, fundar inúmeras

instituições, como por exemplo, as Sociedades literárias e os diversos periódicos, e

também buscar conhecer as particularidades passadas e presentes de seu país.

Nas instituições tinham por objetivo resistir ao governo ditatorial de Rosas

divulgando assim seus conteúdos ideológicos. Se consideravam, portanto, porta-vozes da

sociedade, pois exerciam um “poder” de articulação com o poder político-social. Já na

busca em se manter sempre bem informado sobre o que aconteceu e acontecia em seu país

possuía claramente uma intenção de com isso poder inteligentemente estruturar uma reação

contrária às tiranias. Afinal, um homem “que não conhece sua história pessoal e que não

tem garantidos em sua memória elementos significativos de sua história não é capaz de

projetar seu futuro. (LOKOI, 1997: p. 751).

Esses escritores tinham, portanto, a consciência de que para mudar as “letras” era

preciso antes mudar o panorama da vida. Daí a importância em aliar o poder político à

palavra. E foram muitos os adeptos dessa nova consciência.

A luta pela liberdade e pela justiça no século XIX veio com bastante força

representada pela nova geração de fundadores e ideólogos que tinham por objetivo

“substituir o caduco ordenamento dos latifundiários pelo capitalismo moderno

(PORTUONDO, 1979: p. 416). Dentre esses fundadores destacaram-se os escritores

Alberdi e Sarmiento.

Alberdi soube utilizar com bastante destreza o “poder de sua palavra”

principalmente ao escrever Las Bases, texto elaborado para fundamentar as leis

constitucionais da Argentina. Já Sarmiento, através de sua obra Facundo (1945), conseguiu

não só transcender o campo literário, mas também o político, pois se tornou uma obra de

repercussão mundial representativa de uma nação entregue à barbárie.

Entre 1835 e 1842, Sarmiento criou uma sociedade literária – filial da Asociación

de Mayo fundada por Esteban Echeverría em Buenos Aires6 -; fundou diversos periódicos,

como o El Progresso e El Zonda, e ainda fundou em 1839 o Colégio de Señoritas de la

Advocación de Santa Rosa de América. Em 1868 foi eleito presidente da República, que

desempenhou com muito empenho durante seis anos sempre direcionando seu mandato a

questões educacionais. Assim, “durante su mandato, la cantidad de alumnos primarios

creció de 30.000 a 100.000. Reformó los planes de estudio e impulsó el desarrollo de las

bibliotecas populares”7.

Sua atuação nos periódicos lhe trouxe fama como escritor, pensador e político. Fez

desse espaço o grande divulgador de suas idéias e obras, já que grande parte delas tiveram

sua primeira publicação nesse formato.

Em 1850 dedica seu livro Argirópolis o la capital de los Estados confederados del

Rio de la Plata ao governador de Entre Rios Gel. Justo José Urquiza.

Nesta obra a palavra adquire, portanto, um poder político mais concreto, e passa a

ser um elemento a mais na busca por justiça. Utilizam-se dela para protestar, denunciar e

pregar um novo conceito de nação. A literatura é usada de forma deliberada para alcançar

fins políticos e influenciar nos destinos nacionalistas. Um fato representativo dessa nova

função literária foi a polêmica gerada entre Sarmiento e Alberdi.

Sarmiento, após ter fundado o Clube Argentino em 1852 no Chile e aderido à

revolução de 11 de setembro que “en Buenos Aires, había derrocado al gobierno adicto a

Urquiza”8, passou a atacar abertamente esse mesmo general através da imprensa chilena.

Tal procedimento provocou a indignação de Alberdi que respondeu imediatamente -

também através da imprensa - só que, em Valparaíso. Assim, instaurou-se uma verdadeira

“guerra” de opiniões e posturas políticas que perdurou por muito tempo, chegando a ponto

de transpor a questão “Urquiza” para o terreno constitucional, pois Sarmiento buscava com

isso contestar a obra de Alberdi Bases y puntos de partida para la organización política de

la República Argentina com seus Comentários a la Constitución de la Confederación

Argentina.

6 Ver o site http://www.clarin.com.ar/diario/especiales/sarmiento/htm/fuentes/chilevet.htm 7 Ver o site http://www.clarin.com.ar/diario/especiales/sarmiento/htm/periodista/periovt.htm 8 Ver o site http://www.clarin.com.ar/diario/especiales/sarmiento/htm/periodista/polemi.htm

Como se vê, o poder que a palavra ganhara através do movimento romântico ia

além da interpretação, da metáfora. Era algo “mais sério”, mais utilitário. Assim, tinha-se a

convicção de que

Escribimos siempre para las ideas, no para el arte; anhelamos a tener razón no a tener gracia. Cuando hemos sido comprendidos hemos alcanzado todo lo que queríamos. Sí pudiéramos hacer todo lo que escribimos no escribiríamos nunca. La palabra no es para nosotros sino un médio para la acción.” (apud MATTALÍA, 1994: P. 255)

Ou seja, a literatura tornara-se a extensão de projetos políticos e se transformara em

ação.

Sarmiento ao publicar Recuerdos de Província fez, talvez, desta obra a maior

estratégia política para alcançar o poder.

Recuerdos de província es un texto heterogéneo, cuya composición responde a diferentes modelos literarios.(...) es a lo largo de buena parte del libro una historia de antepassados reales e adoptivos. En esta historia se alternan los episodios de costumbres, el panegírico, los retratos físicos y morales, la descripción de caracteres, los juicios políticos e históricos, la evocación subjetiva y la narración propiamente dicha.(...). Se verá enseguida las razones ideologicas del vínculo entre autobiografia e historia en Recuerdos; la subjetividad romántica no hace sino potenciar una teoria de la historia nacional pensada a través de sus tipos fundamentales: un linaje de grandes hombres que culmina en el proprio Sarmiento.( ALTAMIRO; SARLO 1983: p. 18).

Portanto, Sarmiento tinha a pretensão de propagar com ela suas qualidades de

homem político, para assim poder se auto nomear o possível presidente da república. Em

sua apresentação nos diz o seguinte:

ardua tarea es sin duda hablar de si mesmo i hacer valer sus buenos lados, sin sucitar sentimientos de desdén, sin atraerse sobre sí la crítica, i a veces con harto fundamento; pero es más duro aún consentir la deshonra, tragarse injurias, i dejar que la modestia misma conspire en nuestro daño, i yo no he trpidado un momento en escoger entre tan opuestos estremos. (SARMIENTO, 2001b).

Para Altamirano essa “defesa” de Sarmiento seria dirigida “a los ‘compatriotas’

ante los ataques del rosismo contra su reputación.” (ALTAMIRANO; SARLO, 1983: p.

16). Porém, nem todos concordaram com essa atitude de Sarmiento. Alberdi mesmo havia

visto como uma forma de “presentar la figura de un candidato”. (apud ALTAMIRANO;

SARLO, 1983: P. 16), e o repudiava por isso.

Não é novidade alguma “ouvir” Sarmiento falar de si mesmo em suas obras,

portanto seu egocentrismo – marca registrada – não podia ser uma tarefa tão árdua quanto

o mesmo gostaria que acreditassem. Não passava mesmo de uma estratégia do “poder da

palavra” para alcançar o poder político.

Em Recuerdos Sarmiento intenta, agora diferentemente das outras obras aqui

analisadas, ser a própria, verdadeira e única alternativa para a salvação de sua nação.

Enquanto nas outras obras ele “profetizava”, nesta ele “afirma” - de forma inteligentíssima

-sua capacidade para ser eleito o próximo presidente da república devido a sua procedência

familiar, suas amizades sempre tão ilustres, etc.

Segundo ainda Altamirano, essa estratégia de Sarmiento se define em dois eixos:

en primer lugar, la historia sirve para demonstrar que la autobiografia es la de un descendiente, de un producto de la tradición nacional y no la de un agónico héroe desarraigado como en Mi defensa; en segundo lugar, el texto debe persuadir a sus lectores sobre la scertidumbres de su ideologia: no es la historia de cualquier hombre político, sino la del individuo capaz de forjar la solución de los problemas argentinos, el único rival de Rosas.(ALTAMIRANO; SARLO, 1983: P. 19).

Desta forma, vemos a inevitavel disposição de Sarmiento em se proclamar o

“salvador da pátria”, através de suas estratégias políticas e do poder – que ele bem sabia –

da sua palavra.

Sarmiento discorre sobre várias famílias ilustres de forma didática e demosntra com

isso sua predileção pelo gênero biográfico. Ele dirá: “Gusto, a más de esto de la biografia.

Es la tela más adecuada para estampar las buenas ideas; ejerce el que la escribe una especie

de judicatura, castigando el vicio triunfante, alentando la virtud oscurecida.” (apud

ALTAMIRANO; SARLO, 1983: P. 22). Ou seja, é como se o próprio adiantasse que a

partir dela ele pudesse trazer a tona sua vida – obscurecida – e com isso torná-la pública

para que todos vissem e percebesse suas virtudes e qualidades.

Essa predileção pelo gênero é reforçada ainda mais quando adiante ele diz: “La

historia no marcharia sin tomar de ella sus personajes, i la nuestra hubiera de ser riquisima

en caracteres, si los que pueden recojieron con tiempo las noticias que la tradición

conserva de los contemporaneos”. (SARMIENTO, 2001b).

Sarmiento tinha, portanto, plena consciência da importância da história na vida dos

homens e na dos seus países. Sem memória não estabelecemos um povo, uma nação. E ele

queria fazer a sua historia, deixar sua marca, suas ações. Como um autodidata poderia

almejar tudo isso? Simples, Sarmiento tinha o dom e o poder da palavra, sabia usá-la de

acordo com suas idéias e seus projetos. “No hay otro argentino del siglo XIX para quien el

nexo entre lectura y cultura demuestre su necesidad de manera tan personal.”(apud

ALTAMIRANO; SARLO, 1983: p. 28).

Assim, Sarmiento foi fazendo sua história sempre de forma peculiar e original

buscando fazer de sua “arma” – a palavra – seu garnde aliado e defensor. E dirá em

Facundo ao citar Fortoul: On ne tue point les idées. E com sua tradução livre

complementará: A los hombres se deguella; a las ideas, no.(SARMIENTO, 1979: P. 6). E

desta forma, Sarmiento seguiu com suas idéias crente em seu poder de mudar o rumo das

coisas, da vida, do povo e de sua nação. “Se para Sarmiento a letra pode mais, é porque

contrói, legisla e valoriza o sentido”. (GÁRATE, 2001: p. 44).

Exilado no Chile deu uma clara demonstração dessa crença no poder das palavras.

Estando o Chile em batalha Sarmiento dirá:

¡ Nada!, excepto ideas, escepto estímulos; arma ninguna no es dado llevar a los combatientes, si no es la que la prensa libre de Chile suministra a todos los hombres libres. ¡La prensa!, ¡la prensa! He aquí, tirano, el enemigo que sofocaste entre nosotros. He aquí el vellocino de oro que tratamos de conquistar. He aquí cómo la prensa de Francia, Inglaterra, Brasil, Montevideo, Chile y Corrientes, va a turbar tu sueño en medio del silencio sepulcral de tus víctimas; he aquí que te has visto compelido a robar el don de lenguas para paliar el mal, don que sólo fue dado para predicar el bien. ¡ He aquí que desciendes a justificarte, y que vas por todos los pueblos europeos y americanos mendigando una pluma venal e fraticida, para que por medio de la prensa defienda al que la ha encadenado!(SARMIENTO, 1979: p. 14)

Ou seja, só a palavra irá trazer aos combatentes o auxílio que Sarmiento acredita

poder dar. E ele tinha razão, suas palavras e idéias fizeram a diferença.

Segundo Ángel Rama, essa relação entre o poder e a palavra demonstrava uma

busca por uma identidade social a qual Sarmiento acreditava e defendia.

el ejercicio intelectual en América Latina se ha definido desde los comienzos de la época colonial por el papel privilegiado que se le ortogó a la palabra escrita como intermediaria entre las verdades eternas del espíritu, la Ciudad de Dios, y la ciudad terrenal, concreta, la polis. Pero este papel intermediário entre lo utópico y lo real no se limitó historicamente a la representación neoplatónica que

de él hizo el clero colonial, sino que se prolongó a través de los siglos como una intermediación, a través del manejo de la palabra escrita, entre el poder y la sociedad. Este papel de intermediarios, siguiendo el argumento de Rama, constituía la base de su próprio poder en la sociedad: les confería a los intelectuales latinoamericanos una supremacía social. (...) si no fuera bastante con la consciencia de que son dueños de un poder propio (intelectual, imaginativo, exegético) contarían con la serena experiencia de su inserción en los engranajes del político-social.(apud MYERS, 1994: p. 226).

Já que Rosas representava o poder, Sarmiento representava a promessa de um

porvenir atarvés de suas idéias. Seu discurso foi, portanto, fundador de uma nova pátria e

essa pátria foi construida ao longo dos séculos pelo poder da escrita daqueles que ousaram

entendê-la, utilizá-la e principalmente didundi-la como Sarmiento e tantos outros souberam

perceber e fazer de forma única e profética.

CAPÍTULO 3

NARRATIVAS DE VIAGENS E SUA REPRESENTAÇÃO NO DISCURSO HISTÓRICO-LITERÁRIO

El que viaja es um filósofo, hondamente preocupado con problemas políticos y sociales, que no interrumpe del todo el hilo de sus meditaciones a bordo de un buque o en el interior de una ciudad extranjera, acaso porque la imagem pintoresca que hiere su pupila – y que dibuja suavemente – va a servir poco después de incentivo a las ideas generales que pueblan su preclaro cérebro y absorben su actividad.

Alberto Palcos

3.1 As narrativas de viagens: principal elemento na construção da nação do Novo

Mundo

Como discutimos no capitulo anterior, a história e a ficção se permeiam e

especialmente no século XIX isso foi naturalmente sentido nos relatos de viagem. É

notório, entretanto, que nesta mesma época houve em todos os segmentos das artes uma

grande ebulição, porém a literatura foi a que mais mereceu destaque. As narrativas de

viagens alcançaram o posto da “moda” e com isso tornaram-se leituras obrigatórias dos

grandes intelectuais da época. Segundo Arbeláez (1997, p.465) “Imprentas y casas

editoriales en Nueva York, Londres y París publicaron centenares de libros de este tipo

sobre el continente” Era um gênero literário que abarcava diversas informações minuciosas

com um “tempero” de exotismo que envolvia o leitor.

Com o desenvolvimento tecnológico esse tipo de narrativa recebe um atrativo a

mais que são as ilustrações e mais tarde as fotografias seduzindo então o leitor ávido por

novidades. Porém, foram muitos ainda os artifícios usados para exercer fascínio naqueles

que a procuravam. Usando el beneficio de la imprenta mecanizada y del impresionismo discursivo, los viajeros expusieron coloridamente la geografía y el paisaje latinoamericano. Para agregar a la riqueza y alegar veracidad a sus relatos, los viajeros incluyeron material estadístico sobre la demografía y la economía. Con el fin de cimentar la certidumbre de la información, incluyeron análisis políticos, propios y ajenos.

Dibujos, litografías y grabados se añadieron como ilustraciones gráficas para apoyar los textos. Para hacer aún más interesante y veraz al relato, mapas com los intinerarios seguidos por los viajeros a fin de guiar la lectura. Paralelamente, describieron los fenótipos de las personas vistas, relataron con innumerables adjetivos el carácter de los indivíduos y reseñaron los compartimientos de las muchedumbres observadas. A partir de los arquetipos raciales euro-norteamericanos midieron craneos, compararon estaturas y clasificaron las pigmentaciones epidérmicas. Las descripciones, por supuesto, añadieron una relación detallada de los comportamientos sociales, las ceremonias religiosas, y copiaron, como representaciones de la cultura popular, los cuentos y leyendas regionales. Con estas inclusiones, los viajeros crearon sus relatos como retablos de observaciones metódicas y expresaron en sus textos un conocimiento excepcional, por acucioso, sobre las sociedades y las culturas latinoamericanas. (p. 465)

Como se vê, a preocupação em tornar este gênero o mais verossímil possível era o

objetivo dos viajantes, tanto que buscavam caminhar sempre junto com diversas disciplinas

como: história, geografia, sociologia e antropologia. Daí ter surgido a problemática

envolvendo os conceitos e limites entre este tipo de narrativa e a denominada científica.

Pois, os autores-viajantes9 costumavam endossar seus escritos com observações tais como

“‘observaciones de lo que fue y tal como lo ví’, ‘historia fidedigna’ o ‘los documentos y

mis experiencias lo pruebam’”. (ARBELÁEZ, 1997: p. 417). Além disso, faziam uso de

memórias, testemunhos, diários, resenhas, autobiografias, ensaios, etc., como uma forma

de atribuir valor aos seus textos. Desta forma, causavam muito mais mal entendidos do que

propriamente esclarecimentos a respeito da narrativa. Seu caráter indefinido faz com que

seja bastante complexa sua definição como um gênero literário.

Afinal, como classificar uma narrativa de viagens de “apenas” imaginativa ou

cientifica? É impossível apontar estritamente seus limites e relações sem corrermos o risco

de nos perdermos em suas definições. Esse tipo de narrativa envolve tanto critérios

objetivos, quanto subjetivos. A interpretação será dada pelos olhos do seu relator e isso não

quer dizer necessariamente que ele irá registrar apenas o que vê, mas também o que sente,

percebe e se apropria.

Toda essa problemática justificaria, portanto, o interesse não só dos leitores, mas

especialmente dos cientistas da época, em estudar esse tipo de narrativa atribuindo-lhe um

valor muitas vezes superior ao merecido. Porém, é possível constatar que foi através da

narrativa de viagens que fomos adquirindo conhecimentos a respeito da nossa sociedade e

das culturas latino-americanas. Pois, elas não só reforçaram o imaginário europeu, como

também causaram inúmeras polêmicas sobre os determinismos raciais e geográficos de 9 Expressão utilizada por Maria Soledad Arbeláez, op. cit., p.467.

nosso povo. Foram ainda objetos das mais variadas análises e se constituíram elementos

essências na construção e divulgação de uma nação ávida pelo porvenir, pois segundo

ainda Abelláz “los libros de viajeros del Diecinueve no son unicamente ficción,

imaginación o talento creativo de los autores. En ellos se hallan agudas y perspicaces

descripciones de las sociedades latinoamericanas de la época” (ARBELÁEZ, 1997: p.

469). E, apesar de cobiçarem o status de discurso da verdade, estiveram sempre entre o

cientifico e o imaginativo, ou seja, entre a fronteira do literário e da cientificidade. E essa é

sem dúvida a sua marca, o seu diferencial.

3.2 Os viajantes ingleses e a fundação da Literatura Argentina

Segundo Adolfo Prietro o interesse dos viajantes ingleses pelo território argentino

deveu-se ao fato de que esse território possuía uma quantidade inexplorada de minas, onde

o ouro e a prata eram minerais dominantes. Assim, a possibilidade de explorar essas minas

exerceu um enorme fascínio nos mesmos.

Porém, o fascínio inicial desses viajantes foi extrapolado para outras fontes como a

própria forma de vida que ali habitava, seus costumes e tradições. Buscavam desvendar os

segredos e características do território argentino devido a sua diversidade e ao seu

exotismo. Tudo agora os interessavam. Sentiam-se então no dever de trazer a civilização

para esses povos esquecidos por Deus. Eram, portanto, os grandes missionários a serviço

do Novo mundo.

Todavia, ao tentar desvendar esses segredos sentiram que não bastava

simplesmente descrevê-los tais como tinham sido vistos por seus olhos, mas especialmente

descrevê-los tais como haviam sido sentidos por eles. Assim, ao tomar conhecimento desse

fato perceberam a grande dificuldade em enquadrar seus discursos, pois como já havia dito

Humboldt quando “los sentimientos y la imaginación son excitados, el estilo se inclina a

extraviarse em la prosa poética”·(PRIETRO, 1996: P. 17). Como defender então uma

veracidade desses fatos observados se o caráter subjetivo estava “rondando” seus relatos?

Como distinguir aquilo que era concreto daquilo que apenas supúnhamos ser?

Desta forma, seus relatos vieram repletos de informações retiradas de suas

experiências vividas, ouvidas, sentidas e lidas. Lidas no sentido de que muitas das

informações foram acrescentadas por alguns dos viajantes através não de experiências

realmente vividas por eles, mas por anotações retiradas de relatos de viajantes precursores.

Isso nos mostra a forte circulação dessas narrativas na época e a influência bastante

considerável do viajante alemão Humboldt. Sem dúvida alguma, Humboldt foi um dos

escritores mais revisitado por esses viajantes, o que não poderia ser diferente já que foi o

grande precursor desse tipo de narrativa. Porém, o fato de alguns viajantes se utilizarem de

dados não vivenciados por eles, mas por outros viajantes trouxe um agravante a questão da

veracidade dos fatos de um pretenso discurso cientifico. É certo que eles buscavam com

essa prática dar autoridade a seus relatos, pois ao comentar viajantes respeitados estariam

necessariamente dando poderes aos seus escritos. Porém, como definir o que era ou não

apenas uma estratégia em busca de autoridade para seu discurso? Essa era uma questão a

ser estudada.

Para Adolfo Prietro “entre los viajeros ingleses que transitaron diversas regiones del

territorio argentino entre 1820 y 1835 aproximadamente, 14 de ellos, por lo menos,

escribieron y publicaron sus relatos de esta experiencia”. (1996: p. 29). Número bastante

considerável para a época.

É importante salientar que no caso especifico da Argentina esse tipo de narrativa foi

crucial na fundação de uma literatura nacional, pois esses viajantes não só divulgaram a

realidade argentina, mas também contribuíram enormemente ao conseguir expressar de

uma forma tão peculiar um mundo ainda em construção.

Todavia, ao relatarem suas experiências não a fizeram de modo apenas objetivo e

racional, mas especialmente de forma romântica. Assim, tinham por objetivo dar conta não

só das características da paisagem, mas especialmente do “Ser americano” absorto nela.

Era preciso seguir com um discurso civilizador próprio da época, porém não seria

necessário sobrepô-lo ao texto.

Seus métodos utilizados foram seguidos por muitos dos nossos escritores que

perceberam a ligação entre o relato de viagem e o discurso literário. Entre eles destacam-se

Alberdi, Echeverría, Mármol, e Sarmiento. Estes souberam muito bem pensar o texto em

função de uma viagem e essa estratégia só veio corroborar com a fundação de uma nova

literatura nacional.

Dentre os viajantes ingleses que contribuíram com seus relatos para a fundação de

uma literatura Argentina destacamos John Miers e sua obra intitulada Travels in Chile and

La Plata publicada em Londres no ano de 1826. Essa obra consiste em memórias de sua

viagem rumo ao Chile e que deu inicio em 1819 em Buenos Aires. Seu objetivo maior era

“evaluar las posibilidades de explotación minera en Chile” (PRIETRO, 1996: p. 30)

Porém, rumo ao seu destino inicia as anotações das circunstâncias encontradas durante

todo o seu percurso. Suas anotações são sempre rigorosas e detalhistas e a partir dessas

anotações Miers dar início a toda uma caracterização do território argentino e de sua gente.

O objetivo de sua viagem é utilitário e com isso não poupa esforços em medir as

distancias percorridas e em anotar toda e qualquer informação que possa guiar

metodologicamente um futuro viajante. Em sua narrativa quase não se permite a distração,

pois não tem a pretensão de relatar fatos irrelevantes como anedotas e passagens

engraçadas. Assim, seu objetivo utilitário bloqueia toda e qualquer intervenção em sua

narrativa que não seja de fato imprescindível para a boa compreensão dos fatos. A

paisagem não exerce nenhum tipo de fascínio em Miers, pois este a ver como algo

desprovido de beleza e repleto de obstáculos. Sua visão européia e sua atitude utilitarista

prevalecem sempre em sua análise. Desta forma, sobre os Andes dirá

que es un escenario en el que la naturaleza presenta los objetos con demasiada proximidad para ser agradables, y en una escala demasiado grande para acomodarse a su imaginación; un sitio en donde buscará en vano la variedad de líneas, las hermosas perspectivas, las vistas pintorescas que convocan a la admiración em los Alpes europeus (PRIETRO, 1996:p. 31)

Como se vê, sua atitude quase pejorativa acrescenta-nos dados para comprovação de

que Miers não tinha, em principio, o propósito de se deixar levar pelo exotismo da

paisagem nem via nisso motivo algum de admiração, pelo contrário para ele essa era mais

uma das características de um povo que precisava urgente ser civilizado.

Porém, ao chegar na província de Córdoba sua atenção será desviada inevitavelmente

para esse exotismo da paisagem e ele se deixará envolver pelo clima posicionando-se não

só como um pesquisador, mas também como um homem que sente e faz uso de sua

interpretação. Vê-se nesse momento então uma interferência “literária”, romântica e

sentimental que irá de encontro a sua postura sempre tão utilitarista. E assim, se referindo a

localidade de Portezuelo, Miers diz:

el verdor y l lujuria del follaje, contratados con la desnudez de las masas de roca, la pobreza de las chozas y la miserable apariencia de los habitantes de este bellamente protegido lugar, daba al conjunto un aire de lo romántico. La vista, en general, es muy placentera, especialmente para un viajero que há transitado cientos de millas por un país que no ofrece outra cosa que una ilimitada llanura vacía de paisaje, en donde no pueden verse ni colinas, ni rocas ni árbole. (p. 30-31)

Como se observa, o exotismo, o “deserto” e a “miserável aparência dos habitantes”

chamam a atenção do viajante que caracteriza essa paisagem, esse conjunto como

“placentária”, ou seja, como algo que ainda está por nascer. Nessa passagem percebe-se a

difícil e tênue linha divisória entre o cientifico e o literário e a qual Miers não estava isento

como ele acreditava estar.

O viajante inglês descreverá ainda o gaúcho como um indivíduo sem higiene e os

índios como cruéis, violentos e depredadores. Essa visão dos habitantes do território

argentino será compartilhada com muitos dos outros viajantes.

Outro viajante inglês que merece destaque é Alexander Caldcleugh com sua obra

Travels in South America, During the Years 1819-20-21, publicada também em Londres no

ano de 1825. Essa obra relata sua viagem aos países Brasil, Argentina e Chile.

O objetivo desta obra, segundo Adolfo Prietro, não é muito bem definido, pois não se

sabe ao certo se Caldcleugh empreendeu essa viagem a pedido do governo inglês ou por

interesses particulares. O que se sabe, entretanto, é que ela “busca presentar a estos países

como potenciales mercados de consumo y centros de inversión”(PRIETRO, 1996:p. 31)

Caldcleugh teve uma forte influência de Humboldt e não fez cerimônia ao citar o

nome desse prestigiado viajante ao longo de sua obra. Entretanto, o fez em plena

consciência de que assim estaria não só dando mostras de sua intelectualidade, mas

principalmente prestigio a sua narrativa. Apesar dessa influência não conseguiu se

desprender totalmente de seu caráter também utilitário, ainda que em menor intensidade

que Miers.

Diferentemente dele, Caldcleugh permitiu-se envolver mais com sua narrativa que

assumiu um tom mais sensorial. Seus sentidos foram levados em consideração chegando a

interferir no seu próprio discurso.

A paisagem exerce tamanho fascínio no autor que chega a determinar o tom da sua

narrativa. Ele sente falta do encanto, do novo, da beleza. E, ao sentir falta desse encanto

busca redirecionar sua narrativa o que nos leva a crer que sua viagem era motivada muito

mais pelo prazer do que pela obrigação. E isso é nitidamente observável numa de suas

anotações, onde o próprio diz:

El viaje no es interesante, sucediendo sobre una llanura con poça vegetación o agua, y con ningún outro limite que el horizonte’ y más de una semana después, ya en las estribaciones de las sierras de Córdoba, la revelación abrupta: ‘ el montañoso de la región, después de la tediosa monotonía de diez días sobre la llanura, poseía un indescriptible encanto.(apud: PRIETRO, 1996:p. 33)

Como se observa, Caldcleugh se propõe a opinar e não apenas a narrar de uma forma

isenta como desejou e acreditou ser possível Miers. Sem dúvida alguma isso se deveu ao

fato de que no primeiro não se percebe uma influência clara de Humboldt o que no

segundo é notório apesar de não podermos afirmar com absoluta certeza.

Entretanto, temos ainda o viajante Robert Proctor que segundo Prietro possui uma

postura muito mais conservadora que a de Miers. Sua obra intitulada Narrative of a Jouney

Across the Cordillera of the Andes...In the Years 1823 and 1824 e publicada em Londres

no ano de 1825 foi fruto de sua viagem de Buenos Aires a Lima. Foi uma viagem com

objetivos políticos, pois o mesmo “era el agente intermediario en la contratación de un

préstamo al gobierno peruano” (PRIETRO, 1996, p. 33). Proctor tinha, portanto, a

incumbência de colher informações sobre esse país para estabelecer possíveis relações

políticas e econômicas.

A linguagem utilizada pelo autor em sua narrativa é típica de um relatório e Prietro a

define como escassa e sem nenhuma simpatia. Seu objetivo maior é sem duvida alguma

promover um apanhado utilitário de sua viagem que possibilitará aos futuros viajantes um

conhecimento prévio desses territórios por ele visitado. Proctor detalhará comentários

acerca das paisagens e dos habitantes e não esconderá seu desânimo em relação aos

mesmos. Dos gaúchos dirá que são “‘una raza de bárbaros, de sombría apariencia’” (apud

PRIETRO, 1996: p. 34) e sobre a paisagem dos pampas descreverá como excessivamente

monótona. Porém, ao instalar-se em Mendoza dirá:

Mendonza parece disfrutar esta hermosa situación, en cuanto placentero lugar de alivio para un viajero que há atravesado mil millas de la, quizá, menos interesante región que pueda encontrarse en el mundo; tan pocos objetos de curiosidad se ofrecen para quebrar el tedio de las perpetuas planicies y deshabitados páramos (apud PRIETRO, 1996: p. 34)

Proctor assim como Miers dá algumas conotações românticas ao texto, entretanto, são

conotações codificadas. O termo romântico é associado por esses autores à natureza e ao

bem estar que estas podem proporcionar aos viajantes cansados de “vagarem” por esse

mundo sem grandes atrativos.

Outro viajante inglês que participou ativamente desse período foi Peter Schmidtmeyer

com sua obra Travels into Chile over the Andes (Londres,, 1824). Em Schmidtmeyer

podemos observar nitidamente a influência de Humboldt, pois o autor faz inúmeras

referências ao mestre adotando uma postura unilateral em relação ao mesmo. Teve ainda a

pretensão de fazer de sua obra um complemento sul-americano de Personal Narrative,

porém não o soube fazer com precisão. Assim como os demais viajantes citados

Schmidtmeyer não conseguiu dosar seus sentimentos em sua narrativa nem tampouco

conseguiu desvencilhar-se de sua visão européia. Assim, esta o levou a crer que tudo

aquilo que fosse diferente do mundo europeu não era merecedor de admiração. Desta

forma, não conseguiram ver o Novo Mundo com os olhos de um observador como fizera

Humboldt, mas sim com os olhos de um observador europeu.

Foi no ano de 1825 que chegaram ao Río de la Plata três viajantes ingleses que,

segundo Pietro, foram os primeiros leitores reais de Humboldt. Estes percebiam como

legitimo e promissor o discurso duplo presente nos textos do precursor. Foram eles:

Francis Bond Head, Joseph Andrews e Edmond Temple. O primeiro desses viajantes,

Head, tinha como um dos seus propósitos descrever tudo aquilo que fosse de seu interesse

e que atraísse sua atenção. Essa postura anunciava de antemão seu projeto de

independência perante seus antecessores. Para ele, suas anotações “‘fueron tomados bajo

gran variedad de circunstancias, a veces com uma botella de vino delante mio y a veces

con un cuerno de vaca lleno de nauseabunda agua sucia’”.(apud PRIETRO, 1996: p. 38-

39) Percebe-se no entanto que não havia uma prioridade em relatar as circunstâncias

encontradas, pois Head não estabelecia um processo seletivo. Tudo poderia ser motivo de

atenção desde que o autor sentisse a necessidade em narrar-las. Head defendia, portanto, a

autoridade da voz do narrador demonstrando através disso seu interesse em apresentá-lo

tal como ele se encontrava nas variadas circunstâncias. Ou seja, era de suma importância

relatar não só aquilo que o viajante via, mas também como ele via naquele determinado

momento. Seu estado de ânimo precisava ser levado em consideração, pois fazia parte do

processo narrativo. Assim, sua narrativa é constantemente mesclada entre o Eu e os

Outros, onde Head

mezclará deliberadamente la peripecia personal con la proyección de las peripecias que atribuye a los indivíduos y a los grupos que encuentra en el camino; mezclará el esquema de un verdadero cuadro de costumbres con una escena dramática; el primer plano periodístico con la minucia reveladora de un carácter o de una conducta. Contará y, en el proceso de armar el relato, de conocer y de exponerse a las historias individuales y colectivas que lo acrecían, se preguntará si la condición del hombre en América no se propone como ‘infinitamente más interesante que la descripción de sus minas y de sus montañas’ (PRIETRO, 1996: p. 39)

Desta forma, percebe-se pala primeira vez a mudança de foco nas narrativas de

viagens. A paisagem não é mais o centro, porém continua fazendo parte da narrativa com

algo essencial para compreender o próprio homem, pois acreditava-se que este era

determinado pelo meio. Assim, vemos Head dedicar páginas inteiras a caracterização do

matadero, do gaúcho e dos índios. Do matadero ele descreve de forma sombria o cenário e

dá um tom melancólico a sua narrativa, onde a barbárie que ali impera o amedronta. Dos

índios o descreve ora como bárbaros, ora como pessoas “interessantes”. Apesar de não ter

tido uma experiência direta com eles constrói suas observações a partir de suas fantasias e

das versões recolhidas ao longo de sua jornada. Já sua caracterização do gaúcho é de fato

admirável, pois seu convívio com eles foi realmente concreto e contínuo.

Head acreditava no espírito livre do gaúcho e defendia a tese de que a natureza

contribuíra enormemente para que ele almejasse sempre sua independência. Porém, via

essa questão de forma diferente em relação ao índio, pois o mesmo também possuía a seu

favor a mesma natureza, mas não possuía o mesmo sentimento libertário. A justificativa

encontrada e defendida pelo autor para esse fato é que os gaúchos sendo descendente dos

povos hispânicos carregavam dentro de si eternos ideais de civilização do Velho

Continente.

Todavia, ao longo de sua obra Head faz questão de romantizar a figura do gaúcho

preocupando-se em descrevê-lo minuciosamente dando destaque a sua dignidade e aos

seus costumes.

Francis Bond Head, segundo Adolfo Prietro, foi sem dúvida alguma um escritor

original e sua obra Rough Notes Taken During Some Rapid Journeys Across the Pampas

and Among the Andes (Londres, 1826) causou uma enorme ebulição, pois foi considerada

um fenômeno de recepção inigualável além de ter servido como ponto de referência para

os futuros aventureiros.

Entretanto, o sucesso de Head não agradou a todos e em especial ao capitão Joseph

Andrews. Tendo este viajado para Argentina, Chile, Bolívia e Peru basicamente com o

mesmo objetivo de Head e retornado logo depois dele, encontrou para sua surpresa já com

a novidade do texto de Head. Porém, não se deixou intimidar e no ano de 1827 publica

Journey from Buenos Ayres, trough the Provinces of Cordova, Tucuman, and Salta, to

Potosi... Em sua obra deixa claro seu desgosto pelo “tipo” de texto de Head, onde para ele

é repleto de conclusões apressadas.

O texto de Andrews possui declaradamente um caráter ambíguo tanto que dirá num

determinado momento de sua narrativa a seguinte frase: “‘Antes de proseguir con mi diario

o con mi narración, o con uno o con ambos’”.(apud PRIETRO, 1996: p. 46) Isso nos

mostra a intencionalidade do autor em dar um status diferente à sua obra já que ela estará

carregada de descrições fantasiosas e metafóricas.

Diferentemente de Head não faz associação entre o meio e o homem, para ele tudo

dependerá das circunstâncias e do valor dado a elas. Todavia, compartilha da mesma visão

de seu antecessor a respeito do gaúcho e assim o descreve numa de suas passagens:

Pero cuando él tiene una historia para contar, desde su montura, despliega tal flexibilidad corporal, volviéndose hacia uno con tan naturales y, sin embargo, tan finos gestos, una tal expressividad que habla mejor que sus palabras, que parece, así ubicado sobre su caballo, una combinación de caballero y de campesino, una composición de ambos caracteres, tan mezclada, como para producir una sorprendente y agradable totalidad (apud PRIETRO, 1996: p. 48)

Mais adiante Prietro nos apresenta uma outra descrição do gaúcho feita por

Andrews só que desta vez ele se deterá na coragem do homem frente ao animal numa das

práticas mais tradicionais do gaúcho que é a caça ao Jaguar.

Hallado el enimigo, el gaucho elige la más conveniente posición para recibirlo a punta de bayoneta o de algún filo rudimentario, al primer salto que haga. Cuando los perros lo apuran, el jaguar salta sobre el gaucho, que lo recibe, arrodillado, con los ojos fijos em el animal, y con tal frialdad que apenas hay uma chance de fracasso. (apud PRIETRO, 1996: p. 48)

Nessa passagem percebe-se a dramaticidade do texto de Andrews e sua admiração

perante a coragem dos gaúchos. Seu estilo, não nos parece tão distinto do de Head, pelo

contrário, a dramaticidade é uma constante nos textos de ambos e o discurso literário

parece sobrepor ao cientifico.

Sua visão romântica não permite comparar a paisagem pampiana com a européia,

pois a vê como algo único e representativo da natureza americana. Seu entusiasmo pela

província de Tucumán é sentido através de suas descrições sempre tão detalhistas quanto

ao cenário e sua policromia. Assim, descreve sua relação com a natureza americana da

seguinte forma:

Tengo una recolección enraizada e imperecedera de los sentimientos con que contemplé el rico y variado escenario de este delicioso país, desde la arena de su

propia belleza sin paralelo. No creo que en punto a grandeza y sublimidad sea sobrepasada en la tirra’”10. E ao despedir-se de Tucumán dirá: “ “adiós a tus placenteras planicies, y a tus poderosas y románticas montañas. (apud PRIETRO, 1996: p. 49)

Como se vê, Andrews possui uma relação de admiração e prazer com o Novo Mundo

recém descoberto por ele, porém não perde tampouco sua visão utilitarista. Mesmo

admirando essas paisagens prevê e anseia o desenvolvimento industrial destas áreas através

da exploração inglesa. E assim, dirá ao se referir a posta de Lagunillas na cidade de Salta:

La situación de esta posta, con su vencidad a Salta, sobre una fina planície inclinada hacia las colinas, ofrece una oportunidad para que cualquier inglés industrioso, con un pequeño capital, haga una buena fortuna en pocos años. Su cómoda distancia de la ciudad, situación romántica, y posibilidades generales para el estabelecimiento de una hosteria o una casa de té, bajo administración inglesa, garantizan esta conclusión. (apud PRIETRO, 1996:p. 51)

Observa-se, portanto, que sua missão não é esquecida em momento algum e que esta

não o impede de se posicionar diante seu texto, muito pelo contrário, Andrews dá voz a

ele, porém é uma voz consciente de seus efeitos e de seus objetivos.

O terceiro viajante desta fase Edmond Temple publicou em Londres no ano de 1830

sua obra intitulada Travels in Various Parts of Peru, Including a Years Residence in

Potosi. Esta obra retrata mais ou menos o mesmo itinerário percorrido por Andrews, porém

apesar da influência implícita desse autor e de Head, Temple se recusa a citá-los. Seu texto

acolhe explicitamente apenas citações de Humboldt, pois sua admiração pelo mesmo leva-

o a identificar-se de tal forma com o viajante alemão que não vê nenhuma necessidade de

dar a voz a qualquer outro antecessor.

Assim como Humboldt, Temple defendia a inclusão da fala privilegiada do

observador ao se deparar com um fenômeno desconhecido. Para ele é de suma

importância que o observador leve em consideração suas circunstâncias e tirem dela o

máximo de proveito. Não importa se esperam de sua conduta algo sempre objetivo e

verossímil, seu papel é narrar aquilo que vê sem se deixar intimidar por possíveis

interpretações falaciosas que por ventura possam ocasionar. Assim, numa de suas

passagens quando registra a invasão das langostas diz:

Cuando las relaciones de los viajeros remiten a algún sujeto extraordinário, ellas son usualmente recebidas con un grado de sospecha que se ha vuelto proverbial, muy particularmente para aquellas personas que nunca han viajado. Éstas no pueden admitir pacientemente que lo que sucede en mucho su limitada experiencia, y aunque nosotros poseemos instancias cotidianas de corrobación y estabelecimiento de hechos que fueron considerados imposibles al ser mencionados por primera vez, todavía la incredulidad reaparece con la próxima relación extraordinária ofrecida por cualquier viajero futuro. Para muchas personas, mi relación de las langostas, su número, que cubría el sol, su modo de cubrir la faz de la tierra por extensión de millas, y sus devastaciones sobre una entera región, pueden aparecer, quizá, como una de esas exageraciones moderadamente llamadas licencia del viajero.(apud PRIETRO, 1996: p. 53-54)

Observa-se, portanto o conflito gerado por sua postura crítica diante dos fatos. Sua

preocupação com a veracidade dos acontecimentos e como esses iriam ser recebidos por

aqueles que nunca haviam viajado, era algo que o perturbava. Assim, ele temia que seu

relato se tornasse uma caricatura, uma licencia de viajero. Para o autor, esse status

pejorativo levantava a questão do que seria ou não passível de credibilidade nos discursos

dos viajantes. Ele próprio se mostrava cauteloso com os exageros de alguns desses

viajantes.

Assim, sua postura nesse momento não é só criticar os leitores por duvidarem de seus

relatos, mas também em questionar as estratégias utilizadas por muitos escritores para

alcançar a notoriedade de seu discurso. Até onde deveriam ir em busca de um relato

fidedigno? Como se comportar diante de um fenômeno desconhecido?

Temple, assim como Humboldt, também acreditava na igualdade dos indivíduos e de

suas raças. Porém, seus esforços para não julgar negativamente um indivíduo num contato

inicial nem sempre eram compensadores. Sua visão do gaúcho reflete exatamente essa

dualidade. Num primeiro momento o define como insensíveis e indolentes, já numa

segunda oportunidade, numa tentativa de “corrigir” seu texto, porém apenas substituindo

um estereótipo por outro, define-o como:

indiferentes a cualquier cosa que esté más allá de su alcance y no acuerdan valor a aquello que es difícil de ser obtenido; ergo , ellos están satisfechos com su vida, y, ciertamente, nunca he visto entre ellos esa abyecta, esa degradante miséria tan generalizada entre el campesinado de Irlanda. (apud PRIETRO, 1996:p. 54)

Não nos parece, portanto, uma definição “positiva”, porém é mais amena que a

primeira.

Outra característica marcante em seu texto é o anti-hispanismo. Esse é uma constante

em sua obra. Numa de suas passagens, já instalado em Tucumán, diz referindo-se ao povo

tucumano:

si un tucumano posee un caballo, un lazo, un cuchillo y una guitarra, se considera entre los hombres libres de la tierra. La educación y los buenos ejemplos pueden inducirlos a ejercer las facultades de que están, como seres humanos, necesariamente dotados, aunque deja a los filósofos decidir si la paciencia que paraliza los mínimos actos de su vida cotidiana es una virtud, o el simple efecto de esa indolência que caracteriza a los sudamericanos, que se debe, probablemente, tanto a la influencia del clima como a la herencia del gobierno español. (apud PRIETRO, 1996: p. 54)

Como se vê, nega-se aqui sua intenção em tratar os povos como iguais, pois

acreditando na influência negativa do governo espanhol e no poder determinante que esta

exerce no homem, está necessariamente defendendo uma desigualdade entre os povos

colonizados por estes e aqueles que não o são. Cria-se, portanto, um paradoxo que não foi

exclusividade de Temple, mas sim marca registrada dos viajantes ingleses da época.

Em 1829 vemos publicada mais uma obra de viagens merecedora de destaque:

Sketches of Buenos Ayres and Chile publicada em Londres e de autoria de Samuel Haigh.

Haigh empreendeu três viagens ao solo argentino, porém só resolveu escrever suas

memórias ao regressar da terceira e última viagem. Em seu regresso encontrou já em fase

de circulação diversas obras do gênero e se surpreendeu com tantas informações

contraditórias. Devido a sua experiência e ao número de viagens empreendidas Haigh se

viu em situação privilegiada para poder questionar os textos de seus antecessores. Assim,

busca com sua obra contornar as discrepâncias observadas por ele especialmente nos textos

de Francis Bond Head. O acusa de ser demasiadamente descritivo, entusiástico e de se

deter em fatos irrisórios. Porém, nada o impede de se identificar com ele em algumas de

suas passagens. Haigh assim como Head, acreditava no espírito de liberdade próprio do

gaúcho; na independência, audácia e coragem dos índios.

Na verdade o que difere Haigh dos demais viajantes é o fato de seu relato ter surgido

após um espaço de oitos anos, onde o mesmo teve experiências que os demais não

puderam ter. Assim, é compreensível que ele tenha conseguido abarcar o maior número de

informações e que estas tenham sido as mais fidedignas possíveis. Isso não quer dizer

necessariamente que sua obra não possua um valor, pelo contrário, seu valor consiste

exatamente nessa diferença, pois o mesmo conseguiu construir sua narrativa com base na

intertextualidade e na sua própria sensibilidade diante dos fatos.

Outro viajante desta época foi J. A. Beaumont que publicou Travels in Buenos Ayres,

and the Adjacent Provinces of the Rio de la Plata em Londres no ano de 1828. Seu texto,

segundo Prietro, não traz grandes novidades a não ser a inclusão de uma entrevista

concedida por Rivadavia e uma descrição minuciosa das práticas comerciais da época.

Beaumont deixa claro em seu texto a forte influência que Head exerceu em suas

descrições acerca dos indivíduos, seus atos e circunstâncias. Sua descrição do gaúcho vai

um pouco mais além dos outros viajantes, pois considera gaúcho todo e qualquer habitante

do campo. E assim o define

Los gauchos, tanto aquellos de clase baja como de condición más elevada, se cuentan, quizá, entre los seres más independientes del mundo. Sus necesidades son tan escasas, y pueden satisfacerse tan fácilmente, los empeños y ocupaciones de la vida les preocupan tan poco, y su vida y costumbres exigen gastos tan exiguos y están tan exentas de toda ostentación, rivalidad o competencia, que si no fuera por el juego, vicio que se extiende por todo el país, ellos no sabrían qué hacer con el escaso dinero que reciben. (apud PRIETRO, 1996: p. 60)

Desta forma vemos mais um viajante defender o espírito de liberdade e independência

presentes no gaúcho. Um estereotipo mantido por todos aqueles que tiveram a

oportunidade de observá-los.

Já de Humboldt, Beaumont utiliza apenas citações que lhe dão autoridade ao texto.

Não tem a pretensão de ir mais além, pois a simples presença de seu companheiro de

viagem Bonpland co-autor de Personal Narrative dava-lhe subsídios suficientes para saber

interpretar suas experiências sem precisar fazer uso diretamente das palavras do viajante

alemão.

Ainda dentro desse panorama temos a presença do oficial naval Brand como mais um

dos viajantes ingleses que partiram em busca de desvendar os segredos do solo americano.

Segundo Pietro, não se sabe ao certo quais motivações levaram Brand a empreender sua

excursão rumo ao Peru com passagem obrigatória por Buenos Aires. Presumisse,

entretanto, que foi por motivos militares ou diplomáticos.

Brand não dedicou muito tempo à cidade de Buenos Aires, portanto, seus registros

sobre a mesma são provenientes dos discursos dos Outros. Entretanto, não faz menção ao

nome de nenhum de seus antecessores, mas deixa claro conhecer a literatura destes.

Segundo Pietro, é possível identificar a influência de Head em seus escritos, pois Brand

retoma as mesmas metáforas utilizadas por ele.

O viajante inglês publicou Journal of a Voyage to Peru: a Passage Across the

Cordillera of the Andes, in the winter of 1827 (Londres, 1828) logo após sua chegada à

Inglaterra. Não teve nenhuma pretensão de alcançar com sua obra o posto de literária,

pois foi escrita as pressas e num curto espaço de tempo. Todavia, outro fator importante

que talvez tenha contribuído para que ele não almejasse esse posto foi o fato de pela

primeira vez entre os viajantes alguém ter descoberto um outro tipo de público-leitor e

direcionado seu texto quase que exclusivamente para eles: os turistas.

Brand dedica em sua narrativa, páginas e mais páginas sobre as belezas dos Andes

relatando sua travessia como se estivesse propondo um roteiro a ser seguido de forma

amplamente segura e prazerosa, quando na verdade seus antecessores haviam salientado

apenas as dificuldades e perigos desse acesso. Porém, ele vai mais além nessa sua nova

perspectiva de ser “guia turístico” e indica aos leitores não só a época mais propicia para o

“passeio”, como também dicas de prevenção contra os efeitos nocivos dos raios solares.

Recomenda, portanto, o uso do “sebo de vela” como um excelente protetor natural para a

pele do rosto. Segredo esse adquirido em suas viagens pela África do Sul.

Como se vê, seu propósito de atrair os turistas para esse Novo Mundo recém-

descoberto é maior do que transformar seu texto em mais uma obra direcionada apenas aos

viajantes e pesquisadores.

Em 1834 publica-se mais uma obra do gênero cujo titulo é Narrative of a Voyage to

the Southern Ocean, in the Years 1828,29,30. Esta obra é de autoria do médico e viajante

W. H. Webster. Webster fazia parte da tripulação da nave inglesa Beagle de exploração

marítima que atracou no ano de 1828 na Isla de los Estados e na Tierra del fuego. O

viajante definiu a primeira como “ un escenario ‘salvage y romántico en extremo’” (apud

PRIETRO, 1996: p. 65) , já a segunda preferiu se deter a descrição de seus habitantes e os

definiu da seguinte maneira: “Los fueguinos sobrellevan prácticamente a la intemperie las

duras inclemencias del tiempo; son indolentes, dóciles, tratables y muy capaces de recibir

instrucción”(apud PRIETRO, 1996: p. 66). Sua narrativa por ter sido construída a partir de

uma visão “marítima” não alcançou a mesma notoriedade dos demais e esse foi um dos

pontos preocupantes para os futuros companheiros do médico viajante.

Assim, após Webster houve uma breve interrupção nos relatos de viajantes ingleses

tendo sido retomada apenas a partir da década seguinte – 1830 – com novos viajantes e não

menos ilustres que os primeiros. Foram eles: Charles Darwin, Fitz-Roy e Campbell

Scarlett. Comecemos então, falando um pouco sobre o último.

Campbell Scarlett publicou sua obra South America and the Pacific: Comprising a

Journey Across the Pampas and the Andes, from Buenos Ayres to Valparaiso, Lima and

Panama em Londres no ano de 1838 logo após seu regresso à Inglaterra. Em sua narrativa

percebe-se a nítida influência de Head, já que ele declara abertamente estar enamorado por

seu texto, comprovando sua atitude nas inúmeras referências ao viajante ao longo de sua

narrativa. Outra influência, porém não tão forte é a de Edmond Temple. Deste, ao chegar

no Peru, recorda a leitura de Travels in Various Parts of Peru e reproduz a citação onde

Temple descreve os gaúchos. Porém, esta é a única citação que Scarlett faz, o que deixa

seus leitores confusos, já que essa obra retrataria muito bem seus próprios interesses neste

país.

Scarlett passa o tempo todo de sua narrativa apresentando uma distinção entre a vida

na cidade e no campo. Da cidade o que mais chama sua atenção é o espetáculo do

matadero o qual define como repulsivo; do campo é a presença dos gaúchos definida por

ele como “‘ gente silenciosa, ignorante, superticioso’’’

Entretanto, em relação aos índios dos Pampas os considera uma raça excelente que se

tornara bárbara apenas em resposta ao extermínio decretado pelos espanhóis sendo esta

sua única forma de sobrevivência. Essa nova forma de ver a barbárie não como algo

“nativo”, mas como algo gerado por reações externas é nova entre os viajantes ingleses da

época.

Scarlett, assim como tantos outros, não resistiu em fazer comparações entre a América

e a Europa. Seu entusiasmo com o Novo Mundo, exótico e selvagem não superava a visão

de mundo civilizado e perfeito do continente europeu. Sendo assim, apesar da beleza e das

peculiaridades dos habitantes do Novo Mundo a Europa era sempre o modelo para se

admirar e, portanto, ser seguido. Numa de suas passagens, onde deixa claro essa

“superioridade européia” Scarlett define os Alpes Suíços como os mais belos e únicos do

mundo, inigualável em todos os seus perfis.

Outro viajante ilustre foi Robert Fitz-Roy, capitão da embarcação Beagle. Fitz-Roy

escreveu em três volumes a obra Narrative of the Surveying Voyages of His Majesty’s

Ships Adventure and Beagle Between the years 1826 and 1836. (Londres, 1839). Esta obra

tinha como objetivo relatar todas as experiências ocorridas durante a missão desta viagem

dividida em três expedições. Todavia, como as viagens marítimas despertavam menos

interesse nos leitores, devido a sua monotonia, Fitz-Roy teve o duplo trabalho de não só

dar conta dos objetivos das expedições, mas especialmente fazer do relato destas algo

promissor e envolvente. O capitão fez uso de diversos recursos para prender a atenção do

leitor e garantir o sucesso de sua obra. Um desses recursos foi, durante sua narrativa, pedir

constantes desculpas pela inevitável monotonia de seu relato, assim ele ganhava a simpatia

do público-leitor mostrando-se humilde e consciente de suas limitações, porém certo de

que com essa atitude essas limitações seriam superadas. Além disso, utilizou diários e

anotações dos outros companheiros de viagem para dar maior credibilidade as suas

próprias anotações, pois quando Fitz-Roy iniciou sua jornada a expedição já contava com

dois anos de existência.

Sua narrativa é rica em detalhes devido à própria riqueza das situações vividas por ele

e seus companheiros. Seu contato com os índios Patagones foi algo memorável, visto que,

ele chegou a conviver de perto com os nativos. Nesse convívio conheceu uma jovem

mulher de nome Maria que o levou para conhecer sua família, seus costumes e rituais. A

relação estabelecida entre os nativos e os oficiais foi bastante amigável. Tanto que, ao

término do ano de 1830, o capitão decide levar consigo 4 índios “fueguinos” para a

Inglaterra com o objetivo de mostrar-lhes o mundo civilizado. Passados dois anos, decidem

então, devolvê-los às suas origens. Esse retorno é demoradamente narrado por Fitz-Roy e

ele o faz com muita emoção. Dois dos índios se adaptam sem grandes problemas as suas

famílias, porém Jemmy, o que mais se entusiasmou com a Europa e seu mundo

“civilizado”, diz sentir-se bem e contente, apesar de sua aparência dizer justamente o

contrário. Segundo Prietro, a narrativa de Fitz-Roy assemelha-se muito mais a uma novela

antropológica do que a um simples relato de viagem, pois sua missão inicial de informante

foi se diluindo aos poucos dando ênfase a uma narrativa com nem sempre declarados, mas

presentes fins antropológicos.

Um ilustre companheiro de viagem de Fitz-Roy e que desenvolveu um dos mais

importantes tratados científicos de todas as épocas, foi o naturalista Charles Darwin.

Darwin fez grande parte de sua expedição por terra e utilizou como fonte de referência

textos de outros viajantes, particularmente os de Head e Humboldt. Conheceu de perto

grupos indígenas e os próprios gaúchos. Destes últimos diz serem homens melhores que os

da cidade.

Durante sua expedição observou cientificamente que muitas das informações

apontadas pelos viajantes antecessores eram reais e corretas. Como naturalista tinha esse

dever e se preocupou em comprovar de fato todas e possíveis hipóteses a respeito da

natureza física dos lugares e de seus habitantes. Para isso contou com a ajuda da literatura

de viagens, seus livros de cabeceira, fonte primária de toda e qualquer suposição cientifica

sobre a origem e o desenvolvimento dos povos.

Visitou os lugares com uma visão já pré-estabelecida, porém não determinista.

Procurava comprovar ou não essa visão. Para ele esse “pré-conceito” criava apenas uma

expectativa que deveria ser ou não respeitada.

A Argentina, em especial as llanuras patagónicas, exerceu um enorme fascínio no

naturalista e suas imagens estiveram sempre presentes em seu imaginário. Costumava se

perguntar por que estas imagens haviam se instalado em sua memória se elas eram tantas

vezes negativas. Por que não havia guardado em sua memória aquelas tidas com as mais

belas e vistosas? Darwin atribuía então a própria infinidade de limites e dificuldades

presente nessas paisagens que levava o ser humano a perder-se em sua imaginação na

busca de transpô-las. Esse desafio do desconhecido e do inatingível era, portanto, a fonte e

a causa dessa forte presença das imagens em seu próprio imaginário.

O Diário de Darwin faz parte de uma extensa literatura de viagens, visto que, ele é

construído a partir destes textos. Em algum momento sua cientificidade foi prejudicada por

isso, pelo contrário, não só enriqueceu seu trabalho como também permitiu aos argentinos

conhecerem melhor seu país entre os anos de 1835 e 1845 através de suas tão minuciosas e

completas observações. Assim, vemos Charles Darwin como um dos tantos responsáveis

pela construção do imaginário argentino.

3.1 Juan Bautista Alberdi e Domingo Faustino Sarmiento: a emergência de uma

literatura nacional

Após essa breve contextualização, vejamos então, através de Alberdi e especialmente

de Sarmiento - foco principal do nosso trabalho e ambos escritores argentinos do século

XIX - como a narrativa de viagens contribuiu para a fundação de uma literatura nacional.

Desde o período da Independência, os argentinos sentiram a necessidade de interpretar

sua “argentinidade” e seu próprio país. Essa necessidade levou-os a buscar elementos

significativos para a construção de um imaginário coletivo que fosse realmente expressivo

para todos. Nessa busca sempre incessante foram muitos os que perceberam nos relatos de

viajantes elementos cruciais para tamanho empreendimento.

Esses textos repletos de informações históricas universais e circunstanciais, davam

para esses escritores uma visão – mesmo que algumas vezes deturpada - de uma Argentina

mais próxima do real, aquela com a qual eles conviviam. Além disso, percebiam através

deles toda uma caracterização de seus costumes feita por pessoas alheias ao seu mundo que

deveria ser repensada ou, dependendo do caso, exaltada por seus próprios habitantes. Desta

forma, os intelectuais da época foram construindo um novo “pensar” americano, próprio e

nacionalista.

Assim, partindo dessa descoberta contatou-se a possibilidade de criar uma literatura

nacionalista aproveitando a estrutura dos relatos de viagem não com a intenção de copiá-

los, mas de adaptá-los a um novo discurso; o discurso de um escritor proveniente do Novo

Mundo, com sua visão única quase desprovida de passado e profundamente marcada pela

crença no porvenir.

Desta forma, vemos escritores como Alberdi – protagonista argentino da viagem

utilitarista - e Sarmiento fazerem uso desse discurso de uma forma bastante peculiar e

original, pois souberam aproveitar as imagens retratadas de seu país como: a figura do

gaúcho, o deserto e o matadero dando-lhes um novo sentido e uma nova representatividade

contribuindo assim para a fundação de uma nova literatura.

Alberdi, devido a sua experiência como viajante e conseqüentemente como um leitor

assíduo dos relatos de viagens, possuía, segundo Pietro, uma visão internalizada de

viajante. Ou seja, trazia dentro de si e já pré-concebido todo um discurso e formas de

relatar os acontecimentos vividos e sentidos por ele. Essas formas não eram inatas, mas

influenciadas e algumas vezes determinadas por essa visão.

Em suas narrativas de viagens percebe-se claramente a influência do viajante inglês

Joseph Andrews, não só por suas citações, mas também por seu estilo. Alberdi, assim

como ele, dá voz ao seu texto posicionando-se de forma crítica, apaixonada, mas acima de

tudo utilitarista, pois precisa “prestar contas” aquele que financiou sua viagem com o

propósito de colher e divulgar novas informações. Essa “cobrança” preocupa muito o

escritor levando-o muitas vezes a se justificar por ter se desviado do seu propósito.

O escritor argentino encara suas viagens como mais uma forma de aprendizado, pois

esta permite que ele aprenda coisas não só prazerosas, mas especialmente úteis. Sua

postura é a de relatar literalmente os fatos com o propósito de evitar ao máximo possíveis

deformações nas interpretações. Por isso, seu texto é minuciosamente articulado.

As viagens foram grandes paixões para Alberdi, assim como foram para tantos outros

ilustres escritores argentinos. Em Memoria descriptiva de Tucumán obra publicada no ano

de 1834, já em sua advertência o autor faz uso da mesma técnica utilizada por Andrews

que é justificar seu propósito de viagem

No obstante el título que lleva esta Memoria, el lector no busque más en ella que un corto número de apuntaciones sobre Tucumán mirado por el lado físico y moral de su belleza. En una residencia de poco más de dos meses, y con objetos muy diferentes, apenas tuve tiempo para ensayar rápidamente un objeto sobre el cual tengo esperanza de volver con más lentitud en otra oprtunidad. Así, pues, ni el naturalista, ni el historiador, ni el poeta mismo, cuya pluma parece que yo hubiera usurpado, tiene que reclamarme una sola de las inmensas preciosidades que brinda a su consideración aquel riquísimo suelo. (ALBERDI, 1834a)

Alberdi, através desta advertência procura “amenizar” suas possíveis e propositais

digressões já que ele sabe que irá favorecer o aspecto da beleza física de Tucumán em

detrimento de outros. Porém, ainda pensando em sua defesa dirá logo em seguida:

Se me dirá que este escrito es inútil porque no trata más que de bellezas? Yo creo que un país no es pobre con sólo ser bello; y que la historia de su belleza, en consecuencia, no puede ser insignificante. Estoy cierto, por otra parte, que, semejante objeción no me será propuesta por hombres como Buffon, Canabis, Humboldt y Bomplend que jamás pudieron ver separado el conocimento de la fisionomia de la naturaleza en diferentes regiones, de la historia de la humanidad y de la civilización. (ALBERDI, 1834a)

Essa citação, segundo Prietro, autoriza o autor a passear por entre a descrição física

de Tucumán, a narração de sua historia e a própria narrativa autobiográfica do autor.

Entretanto, percebe-se em sua trajetória de viajante a pretensão em legitimar-se como

porta-voz de uma nação através de sua postura de “ descobridor literário, de revelador de

las bellezas naturales de su província y del carácter moral de sus habitantes.” (PRIETRO,

1996:p. 100) Isso é observado, portanto, numa de suas passagens onde o autor estabelece

comparações entre as memórias de infância da nação e as suas próprias.

Pero estos objetos tienen para mí un poderío que no causarían a otros. El campo de las glorias de mi Patria es también el de las delicias de mi infancia. Ambos éramos niños: la Patria argentina tenía mis propios años. Yo me recuerdo de las veces que, jugueteando entre el pasto y las flores, veía los ejercicios disciplinados del Ejército. Me parece que veo aún al general Belgrano, cortejado de su plalna mayor, recorrer las filas; me parece que oigo las músicas y el

bullicio de las tropas y la estrepitosa concurrencia que alegraba estos campos (apud PRIETRO, 1996: p. 100)

E mais adiante, recorda agora adulto, a decadência de seu país através da

deteriorização de seus monumentos. Para Alberdi, esse caos é uma conseqüência do

fracasso de toda uma geração que não soube preservar sua Pátria, portanto, sugere a partir

disso que “los más jóvenes, los que como él no conocieron sino ‘el sol de la libertad’, están

llamados a convertirse en los mediadores y en los ejecutores de un programa político digno

de la idea de nación formulada por los padres fundadores”.(apud PRIETRO, 1996: p. 100).

Como se vê, Alberdi se coloca na posição de “mediador e executor” de um projeto

político ambicioso de proclamar uma nação e Memoria descriptiva de Tucumán vem

comprovar isso.

Alberdi assume então, sua visão internalizada de viajante e não nega a influência de

Andrews em seu texto. Assim, logo de início diz “Por donde quiera que se venga a

Tucumán, el estranjero sabe cuándo ha pisado su território sin que nadie se lo diga. El

cielo, el aire, la tierra, las plantas, todo es nuevo y diferente de lo que se ha acabado de

ver.” (ALBERDI, 1834a). Ou seja, assume que só um estrangeiro é capaz de perceber a

originalidade de uma paisagem, visto que, ele a vivência pela primeira vez. Porém, isso

pode soar paradoxal já que ele próprio, sendo um “nativo”, necessariamente não poderia

perceber a originalidade da paisagem. Entretanto, ele acredita que através de sua visão

internalizada de viajante ele adquire uma posição privilegiada e única diante do texto e da

própria experiência. Assim, Alberdi segue suas memórias fazendo alusões a fatos e

experiências não vivenciados por ele, mas internalizados a partir de suas leituras de

Andrews. Parece contraditório, mas não o é. Seu mérito consiste exatamente em relatar

esses fatos a partir de uma visão “externa” ao texto sem que para isso ele lance mão de um

posicionamento crítico. “Seu texto” é, portanto, mesclado entre essa visão internalizada de

viajante e seu desejo de posicionar-se como porta-voz de Tucumán. Essa dualidade confere

a sua narrativa um status original já que o permite transgredir o texto de Andrews sem se

tornar abusivo. Ocorre, portanto, mais um processo de apropriação no sentido apresentado

no capítulo primeiro. E assim, numa de suas passagens diz

los juicios de Mr. Andrews no son como los míos, sino que son comparativos. No dice como yo, que Tucumán es bellísima, sino que dice ‘que en punto a grandeza y sublimidad, la naturaleza de Tucumán no tiene superior en la tierra’; ‘que Tucumán es el jardín del Universo.( ALBERDI, 1834a)

Porém, a partir desse momento é como se Alberdi pedisse permissão para se

desvencilhar um pouco da “carga” do viajante inglês e pudesse, enfim, desabrochar seu

lado literário.

Seu texto é de uma beleza indescritível e sua linguagem tornasse demasiadamente

poética. E assim, na segunda seção de sua Memoria descriptiva de Tucumán inicia falando

do inverno na província:

He oído decir em todas partes que em invierno la naturaleza muere, lo he oído también em Tucumán, pero allí me há parecido esto inexacto. Tengo que cometer un robo a la poesía para dar uma idea Del invierno de Tucumán, porque el único objeto que yo encuentro semejante al aspecto que aquella naturaleza presenta em tal estación, es Vênus dormida. Si puedo hablar así, la naturaleza cierra sus ojos, pero respira gracías y encantos em médio de um sueño .(ALBERDI, 1834a)

Como se vê, não é apenas um texto descritivo de cunho utilitário, mas acima de tudo

um texto literário. São muitas as passagens poéticas em seu texto e sua originalidade

consiste exatamente em saber conciliar esses dois gêneros de forma harmoniosa e contínua.

Todavia, é através de sua linguagem poética que podemos perceber também um

prévio conhecimento sobre o romantismo europeu, visto que, numa de suas passagens o

autor diz

Ningún sistema literario hará más progresos en Tucumán que el romántico, cuyos caracteres son los mismos que distingue el genio melancólico. Sentimientos, ideas y expresiones originales y nuevas; pereza invencible que rechaza la estrictez y la severidad clásica y conduce a un eterno abandono; imaginación ardiente y sombría. El romántico no ha recebido sus más grandes progresos sino bajo las plumas melancólicas de Mme. de Staël, Chateaubriand, Hugo, Lamartine y muchos escritores sombríos del Norte.(apud PRIETRO, 1996: p. 104)

E mais,

Se deja ver ya esta tendencia en las clases rústicas de Tucumán que, careciendo de cultivo, no se les puede suponer contagio. Sus cantos y versos rudos, todavía están, sin embargo, envueltos en una eterna melancolia. Ninguna produccion literaria ni artisitca se propaga mas rapidamente en Tucuman que la que lleva el sello de la melancolía..(apud PRIETRO, 1996: p. 104)

Desta forma, e segundo Prietro, Alberdi descobre a partir do texto de Andrews um elo

entre o romantismo literário e o “romantismo” próprio da região. É como se Tucumán

fosse naturalmente propensa a esse determinismo, pois seu clima determina não só o

caráter de seu povo, mas também seus próprios costumes. Alem disso, acredita ele, que a

beleza extrema e melancólica de Tucumán contribui enormemente para a propagação desse

romantismo nato.

Assim, vemos Alberdi se transformar num grande propagador do romantismo em

Tucumán e um ferrenho defensor da idéia de ter com isso, aberto o caminho para uma nova

Literatura Argentina.

É verdade que essas afirmações sofreram divergências na época e que foram bastante

questionadas. Uma dessas criticas deu-se através da “Carta critica sobre la Memoria

descriptiva de Tucumán” comentário anônimo dedicado a obra de Alberdi. Esta “Carta” foi

publicada na La Gazeta Mercantil em sua coluna Literatura Nacional no dia 22 de

dezembro de 1834, junto à segunda edição de Memorias. Nela, Alberdi é acusado de

“abusos” de interpretação devido ao seu romantismo exagerado e sua pretensão em se

tornar um precursor deste gênero. Além disso, sua acentuada dependência dos textos de

Andrews levanta a sempre crucial questão acerca do caráter original de sua obra ao qual,

segundo o crítico anônimo, Alberdi não se encaixava. Um outro ponto levantado foi a

posição sempre narcisista do escritor argentino, pois o mesmo se coloca o tempo todo

diante de sua narrativa como um viajante solitário contrariando a prática da época.

Alberdi no entanto não se deixa abater pelas críticas sofridas, porém com seu jeito

sempre peculiar não deixa de agradecer ao seu feroz crítico dizendo

Ojalá su ejemplo fuese imitado por los demás jóvenes de letras! Yo tendría el doble gusto de verme criticado por mis propios colegas, cuyos progresos no me interesan menos que los míos, y de contemplar el grato espectáculo de ver a nuestra juentud trabajando com entusiasmo en la grande obra de la literatura Argentina. (apud PRIETRO, 1996: p. 104)

Não refaz tampouco sua obra, porém, a partir de seus escritos posteriores assume uma

nova postura muito mais cautelosa, que mostrara sua aceitação - em parte - das críticas

outrora apontadas.

Alberdi consegue descrever Tucumán dentro de uma perspectiva literária pensando o

texto em função da viagem. Entretanto, sua estratégia não prejudica seu lado utilitarista,

pelo contrário, a poesia presente em seu texto nos faz pensar além desse propósito nos

envolvendo num clima de magia próprio da literatura. Percebe-se assim, o surgimento de

uma nova literatura fundada a partir dos relatos de viagens que possibilitaram o

entrecruzamento de ambos os gêneros em busca de algo original, nacional e representativo

da República Argentina.

É verdade, porém, que sem o conhecimento prévio do viajante inglês Andrews,

Alberdi não teria escrito sua Memoria, mas será que essa “dependência” fragiliza seu texto

a ponto de o analisarmos como uma simples extensão desse relato? Será que devemos

revisitá-lo sempre com essa visão de inquisidores? No nosso modo de ver, não.

A postura adotada por Alberdi, de ao longo do seu texto, dar autoridade a Andrews

não o diminui em hipótese alguma, pois isso além de constituir uma prática da época, só

comprova o seu envolvimento com esse tipo de narrativa e sua aguçada percepção de que

a partir dela poderíamos chegar a um novo conceito de literatura. Além disso, é possível

identificar “seu texto” dentro do texto de Andrews. Não há uma mera imitação ou uma

devoção sem critérios, mas há sim uma apropriação por parte do autor que é única como

não poderia deixar de ser.

Diante dessa afirmação é interessante observar a postura adotada pelo escritor

argentino em sua obra Veinte días en Génova publicada em 1845. Se em Memoria o autor

se coloca como porta-voz da nação demonstrando com isso sua intenção política, em

Veinte dias en Génova assume uma postura inovadora mais “isenta”, porém mais

preocupada com o texto e o leitor. Tendo como assunto dominante a jurisprudência não se

deixa levar apenas pelo lado utilitarista de sua viagem e propõe logo de início sua intenção

em mezclar seu texto com fatos e informações variadas para que não cansem o leitor.

Percebe-se, portanto, uma crescente preocupação com o fazer literário levando-nos a

concluir que o mesmo amadurecera suas idéias

De ahí es que, a mis impresiones forenses, si así puedo denominarlas, se juntan otras de distinto género, que, al paso que de ordinario interrumpen el curso de mi estudio favorito, esparcen en él cierta amenidad, que hace más accesible el estudio de un asunto, de suyo no poco árido. Un camino semejante será, pues, el que siga en la redacción de mis impressiones, a fin de que el lector le encuentre tan fácil y agradable, como lo ha sido para mí.(ALBERDI, 1845b)

Ou seja, Alberdi toma consciência da dupla função de seu texto repensando com essa

atitude o status da literatura Argentina. É preciso realmente mezclar seu relato utilitarista

de viagem para com isso não só alcançar uma nova literatura, mas principalmente fazer uso

dela de uma forma própria e inovadora.

Essa experiência, nova para o autor – pois, o mesmo se coloca diferentemente de suas

Memorias como um verdadeiro “viajante” que visita pela primeira vez um outro país -

leva-o a observar os fatos com olhos totalmente inexperientes assim como fomos

observados pelos viajantes europeus. Tudo é novo, tudo é motivo de contemplação. Além

disso, Alberdi acredita ainda que só um americano pode passar para outro americano a

verdadeira essência dessa experiência.

Qué nuevo es para un americano del Sud, el espectáculo de una capital europea! Pero qué viejo, el repetir esta frase que nada dice al que no contempla los objetos. No sería útil y agradable, para el lector americano, el encontrar um libro que contuviese la expresión ingenua y candorosa de las impresiones que experimenta el que por primera vez visita uno de estos pueblos? Yo creo que sí; y algo de esto me atrevo a ensayar, aunque la tentativa me custe um poco de mi crédito de hombre frío, ante los ojos de las gentes de juicio y de mundo. Considero que un americano probaría más sensatez revelando, a expensas de su amor próprio, la verdad de sus emociones, que no ostentando una indiferencia mentida unas veces, y otras, exhalándose en vagas generalidades, que nada dicen al que las escucha a tres mil leguas de la situación de los objetos. (ALBERDI, 1845b)

Além disso, Alberdi acredita ainda que só um americano pode passar para outro

americano a verdadeira essência dessa experiência. Essa visão demonstra ao nosso ver o

interesse do autor em legitimar um espaço nacional anteriormente ocupado pelos europeus.

Ou seja, eles seriam tão capazes quanto estes últimos de fazerem dessa prática um legítimo

meio de propagar não só um discurso, mas também as próprias idéias e observações do Ser

americano, notadamente o argentino. Essa preocupação se justifica pelo fato de que a

flexibilidade de seu texto implicaria talvez numa inversão da perspectiva tradicional desse

gênero. Assim sendo, diz:

Voy a copiar literalmente las expresiones que escribía en presencia de los objetos mismos. Ésta es prueba no poco atrevida de mi parte; pero es el único medio o al menos el más perfecto medio de que el viajero americano pueda valerse para dar cuenta exacta de sus primeras sensaciones de Europa... A uma persona venida de uma capital europea, mis impresiones darian risa quizás; a um americano del Sud, muy lejos de eso. (apud PRIETRO, 1996: p. 114).

Como se vê, Alberdi foi um dos legítimos representantes da literatura Argentina que

soube aproveitar as narrativas de viagens em prol da fundação de uma nova literatura

muito mais nacionalista.

Domingo Faustino Sarmiento, assim como Alberdi foi um viajante assíduo e

observador perspicaz dos “modelos” europeus. Seu lado utilitarista coexiste com o estético

tornando-o um inovador ao imprimir um ritmo acelerado em ambas funções sem prejudicar

com isso nenhuma delas. Além disso, soube organizá-las em obras separadas

demonstrando sua afinidade em ambos os gêneros. Infelizmente e por vários motivos que

não cabem aqui serem assinalados, não tivemos acesso a sua obra Viajes. Entretanto,

usaremos para motivo de análise fragmentos apontado por outros autores como David

Viñas e Adolfo Prietro. Todavia, observamos que sua obra Facundo também nos permitirá

discorrer sobre esta mesma temática já que a vemos como fruto de narrativas de viagens

própria da época . As influências são claras e as alusões a estes viajantes persistem por

toda a obra seja de forma explícita ou nas entrelinhas.

Em suas Viajes, Sarmiento se propõe a “elevar a categoria estética el paisaje local, a

uno de los objectivos consustanciados com la idea de uma literatura nacional” (apud

PRIETRO, 1996: p. 158). Ou seja, assim como Alberdi, porém com muito mais afinco,

Sarmiento intenciona divulgar uma nova literatura Argentina a partir de dados concretos e

particulares de sua nação. O escritor argentino vê a geografia de seu país por um prisma

diferencial, pois é capaz de perceber a novidade assim como as particularidades dela. Não

que nenhum escritor tenha ainda feito isso, porém sua visão volta-se a colaboração

daqueles que já a iniciaram. Sarmiento assume um compromisso de propagar uma

literatura nacional e não apenas de “repetir” conceitos e fórmulas apresentados por

viajantes antecessores.

Em sua primeira carta enviada a Alberdi em 1838 ao qual ocultara sua identidade,

solicita ao mesmo que dê uma atenção especial ao seu poema Una escena campestre de su

suelo natal, e los recreos de los Baños que encierra el valle que describe. Sarmiento se

coloca aqui como um principiante diante de seu mestre, porém ao não receber resposta

intenta um diálogo mais uma vez, porém de forma mais explicita. E assim,

Puntualiza en ella su condición de autodidacto, contrastándola, de hecho, con la de su interlocutor, provinciano como él, pero universitario, y residente en Buenos Aires, ‘esse foco de civilización americana’. Y enfatiza su disposición a plegarse ‘a la gloriosa tarea que se proponen los jóvenes de este país y que vd. me indica, de dar una marcha peculiar y nacional a nuestra literatura.(apud PRIETRO, 1996: p. 158)

E, Segundo Prietro, Sarmiento “sugieren fuertemente que su poema, agente mediador

de las cartas, era ya parte de esse compromiso” (apud PRIETRO, 1996: p. 158).

Sarmiento começa então a ensaiar – em seu primeiro exílio no Chile – essa

modalidade de gênero narrativo e demonstra possuir um conhecimento e um estilo próprio

para identificar as temáticas e os recursos expressivos apropriados para seu ingresso na

literatura de viagens.

Em seu artigo Un viaje a Valparaíso Sarmiento com seu jeito sempre polêmico diz:

Pero lo que mi madre no notó nunca, porque es cosa que no se hace notar mucho em Chile, es la invencible propensión que a escribir un viaje tengo; un viaje que yo sea el héroe y el objeto más puntiagudo que se ofrezca, para tener el gusto de oir mi nombre y ocuparse de mis aventuras, contando cómo fui servido en la posada de Díaz y los propósitos que tuve con un borracho. He leído algo de viajes y sobre todo diccionarios de Geografia. Conozco el reino de Chile, de donde soy oriundo, y esto no de simple vista , ni relaciones de arrieros y traficantes, sino por las obras más modernas que se publican en España y em Francia, pordiccionarios geográficos arregalados por una sociedad de literatos, y coordinados em conformidad com la geografia universal de Malte-Brun.(apud PRIETRO, 1996: p. 159-160).

Ou seja, Sarmiento se propõe a fazer parte de um círculo literário não apenas por

influências, mas precisamente por competência e isso ele deixa claro em sua “falta

modéstia” ao dizer que conhece el reino do Chile, que lera “algo” de viagens, dicionários

de geografia, etc. Sarmiento deixa claro que conhece várias obras do gênero, demonstrando

com isso não ser um escritor inexperiente que busca apenas a fama e o reconhecimento.

Essas porém, são suas metas, mas quer alcança-las por mérito próprio.

Segundo David Viñas, Sarmiento em suas Viajes “Cuchichea , rezonga, murmura

proyectos o nos codea; así es como dentro de esta variante nos encontramos con un matiz

que podría llamarse utilitarismo egotista”(1971: p. 66). Sarmiento demonstra uma pressa

em seu relato que traduz muito bem seu temperamento eloqüente e impaciente. Ele quer

ser sempre o primeiro, chegar primeiro, entender primeiro.

De ahí que la visión europea de Sarmiento nos permita intimar con él: ni estilo de fachada, ni movimiento de página escrupulosamente lineal, ni tomar las palabras con la punta de los dedos; más bien lo contrario: sus palabras se abren paso, avanzan sobre nosotros desgarrando la zona de lo vedado ‘desnudando su contorno’ y ‘desnudándose’ y su viaje inaugura una comunicación en tanto supone un cuerpo a cuerpo y un ezsfuerzo por reconquistarse a través de una versión de Europa que no se corresponda con las visiones elaboradas. Por eso si

nos atenemos a esa tensión coyuntural y a su cresciente impudor Sarmiento es el primer escritor moderno de nuestra literatura.. (1971: p. 167).

Ou seja, Sarmiento inaugura uma literatura que vai além da palavra e alcança seu

próprio Corpo. Sarmiento se doa a ponto de escrever com a alma e doando-se inteiramente

à sua experiência torna-se o “único” escritor autêntico, verdadeiro e digno de fazer-se um

nome.

Em sua obra perpassa o tempo todo sua preocupação em não deixar transparecer sua

gaucherie de provinciano. Esta atitude nos mostra então sua enorme carência em querer ser

alguém, em querer “esconder’sua naturalidade, pois a América estava condicionada para

ele ao provinciano”.

Las costas de Francia se diseñaron al fin en el lejano horizonte. Saludábanlas todos con alborozo, las saludaba también yo, sintiéndome apocado y mrdroso con la Idea de presentarme luego en seno de la sociedad europea, falto de trato y de maneras, cuidadoso de no dejar traslucir la gaucherie del provinciano, que tantas bromas alimenta en París. Saltábame el corazón al acercarnos a tierra, y mis manos recorrían sin meditación los botones del vestido, estirando el frac, palpando el nudo de la corbata, enderezando los cuellos de la camisa, como cuando el enamorado novel va a presentarse ante las damas.(VIÑAS, 1971: p. 168).

A partir então desta passagem Sarmiento se mostra mais preocupado com sua

indumentária dando-lhe uma simbolização de poder e de igualdade perante os europeus.

Gasta fortunas com novas roupas preenchendo seu imaginário com objetos materiais que

lhe trarão a tranqüilidade e a certeza de ser um homem civilizado. E assim dirá: “soy um

burgues, aquí todos son burgueses, yo me voy a entender con ellos, tienen que

entenderme.” (1971: p. 169).

Sarmiento foi um escritor diferente em tudo o que fez, porém no que diz respeito às

narrativas de viagens sua postura foi ainda mais audaciosa do que as dos demais escritores.

Não se contentava em contemplar passivamente seu objeto de estudo, era impaciente

demais para isso. Precisava aproximasse, tocar, desnudar detalhes para só assim

estabelecer conclusões. Sua visão de Europa não era platônica e nem tampouco de

reverência, era sim uma visão de posse, de poder fazer parte dela, de ter esse direito assim

como os próprios europeus. Talvez por isso mesmo sua desordem – marca registrada – faça

parte também de seus relatos de viajante. A impetuosidade é sempre mais forte e suas

palavras vão surgindo na mesma velocidade de seus pensamentos.

Em sua viagem aos Estados Unidos em 1847, Sarmiento sentiu que o futuro estava

neste país e não mais na Europa. Pois, “si a algún pais se parecia la Argentina por su

extensión, sus novidades, su exigua población y su urgente necessidad de inmigrantes que

llenaran un presunto vacío, eran los Estados Unidos.” (VIÑAS: 2001). E Sarmiento foi

mais além, “Después de haber recorrido las primeras naciones del mundo Cristiano, estoy

convencido de que los norteamericanos son él único pueblo culto que existe en la tierra, el

ultimo reducto de la civilización moderna.” (apud VINÃS: 2001).

Como se vê, Sarmiento voltou de suas viagens com o entusiasmo e a decisão de fazer

de seu país a extensão dos Estados Unidos e isso se comprovou mais tarde coma

publicação de sua obra Argirópolis.

Como havíamos salientado, a falta da leitura da obra Viajes de Sarmiento nos

impossibilitou de irmos mais além em sua análise – o que para nós concretizou numa perda

quase irreparável - , entretanto ao lermos Facundo, nos demos conta do quanto Sarmiento

já possuía internalizado essas influências dos viajantes ingleses.

Em seu primeiro capítulo intitulado Aspecto Fisico de la Republica Argentina y

Caracteres, Habitos e Ideas que Engendra , Sarmiento inicia-o com uma citação do

viajante inglês Head que define muito bem sua intenção e faz jus ao título do seu próprio

capítulo: “La extensión de las pampas es tan prodigiosa, que al norte ellas están limitadas

por bosques de palmeras y al mediodía, por nieves eternas”.(apud SARMIENTO, 1979: p.

22).

Neste capítulo, Sarmiento discorre sobre o continente americano utilizando uma

linguagem do ponto de vista do viajante – utilitarista – e segue enumerando os aspectos

geográficos do mesmo.

El continente americano termina al sur en una punta, en cuya extremidad se forma el Estrecho de Magallanes. Al oeste, y a corta distancia del pacífico, se extienden, paralelos a la costa, los Andes chilenos, La tierra que queda al oriente de aquella cadena de montañas y al occidente del Atlántico, siguiendo el Río de la Plata hacia el interior por el Uruguay arriba, es el territorio que llamó Provincias Unidas del Río de la Plata, y en el que aún se derrama sangre por denominarlo República Argentina o Confederación Argentina. Al norte están el Paraguay, el Gran Chaco y Bolívia, sus limites presuntos. La inmensa extensión de país que está em sus extremos, es enteramente despobloada, y rios navegables posee que no há surcado aún el frágil barquichuelo.” (SARMIENTO, 1979: P. 22).

Como podemos observar, antes mesmo de publicar Viajes Sarmiento já tinha

conhecimento desse tipo de narrativa e já fazia uso dela de forma perfeita. O que nos prova

que suas leituras eram as mais diversas e atuais. Portanto, Facundo foi escrito com base

também em relatos de viagens com o objetivo, talvez, de poder caracterizar melhor seu

personagem e seu país. Afinal, como poderia ser diferente? Se Sarmiento não tivesse

conhecimento desses viajantes como poderia ele descrever minuciosamente os aspectos

físicos e geográficos da Argentina? Naquela época essas eram as grandes fontes de

informação para aqueles que desejassem se aventurar pelo mundo descritivo e desvendar

os mistérios e problemas de sua nação. Head, Humboldt, Andrews exerceram uma forte

influencia em Sarmiento e isso é comprovado nas alusões feita a esses escritores dentro de

sua obra. Neste caso, podemos atribuir a Sarmiento uma originalidade ao fato de que ele

soube trazer essas influências e a partir delas compor uma outra obra não apenas narrativa,

não apenas biográfica, não apenas histórica, mas tudo isso e muito mais unidos num único

texto. Ou seja, foi além dos meros relatos de viajantes e surpreendeu a todos com uma obra

inclassificável, originalíssima e riquíssima em detalhes.

No capitulo 2, Intitulado Originalidad y Caracteres Argentinos, Sarmiento

novamente se utiliza de uma citação de viajantes, porém não mais do que a do ilustre

viajante alemão Humboldt. Parece-nos que essa “tática” serve para dar autoridade a seu

texto e mostrar sua competência e intelectualidade diante daquilo a que se propôs a

escrever. E assim, abre seu capítulo com Humboldt “Así como el océano, las estepas llenan

al espíritu del sentimento de lo infinito.” (apud SARMIENTO, 1979: p. 38). Sem dúvida

alguma, o determinismo geográfico apontado pelo viajante alemão foi decisivo para

compor a obra de Sarmiento.

Uma passagem interessante em Facundo e que remete muito a outro ilustre viajante:

Darwin, é quando neste mesmo capítulo Sarmiento começa a falar da “poesia” gerada pela

natureza e os costumes que as engendra.

La poesia, para despertarse, (porque la poesia es como el sentimiento religioso, una facultad del espírito humano), necesita el espectáculo de lo bello, del poder terrible, de la inmensidad, de la extensión, de lo vago, de lo incomprensible, porque solo donde acaba lo palpable y vulgar, empiezam las mentiras de la imaginación, el mundo ideal. Ahora yo pregunto: ¿ Qué impresiones ha de dejar en el habitante de la República Argentina, el simple acto de clavar los ojos en el horizonte, y ver... no ver nada porque cuanto más hunde los ojos en aquel horizonte incierto, vaporoso, indefenido, más se le aleja, más lo fascina, lo confunde y lo sume en la contemplación y la duda? ¿ Dónde termina aquel mundo que quiere em vano penetrar? ¡ No lo sabe! ¿ Qué hay más allá de lo que ve? ¡ La soledad, el peligro, el salvaje, la muerte! He aquí ya la poesía; el hombre que se mueve en estas escenas, si siente asaltado de temores e incertidumbres fantásticas, de sueños que le preocupan despierto.(SARMIENTO, 1979: p. 40-41).

E assim, fazendo a comparação entre os dois textos nos deparamos com posições e

sentimentos semelhantes. Darwin ao falar das llanuras patagónicas, nos diz:

Ellas pueden ser solamente descriptas por caracteres negativos: sin habitantes, sin água, sin árboles, sin montañas, capaces de sostener apenas algunas plantas enanas. ¿ Por qué, entonces, y no es mi caso particular, estos áridos desiertos se han aprehendido tan firmemente en mi memoria? (...) Las llanuras de la Patagonia no tienen limites, porque son dificilmente atravesables, y en consecuencia desconocidas: semejan haber sido como son ahora, por eras, y no parece haber límite a su duración en el tiempo futuro. Sí, como suponían los antiguos, la tierra plana estaba rodeada por una impenetrable extensión de agua, o por desiertos calentados hasta un extremo intolerable, ¿ quién no podría mirar a estos últimos límites al conocimiento del hombre, sino con profundas aunque mal definidas sensaciones? (apud PRIETRO, 1996: p. 87).

Como se vê, podemos dizer que Sarmiento tinha conhecimento do texto de Darwin e

que este também exerceu influências em seu modo de observar as coisas, além do seu

próprio texto. È clara a relação e isso só nos mostra mais uma vez que o escritor argentino,

muito antes de escrever Viajes já possuía o domínio da narrativa de viajantes. Pois, seu

conhecimento prévio desses viajantes lhe deu condições para compor sua obra.

Outro fator relevante é a caracterização dos personagens como o Rastreador, o

Baqueano, o Gaucho Malo e o Cantor. Esses mesmos personagens – nem todos é certo –

foram apresentados pelos viajantes ingleses como já vimos anteriormente. Sarmiento,

todavia, segue o mesmo estilo que estes.

Assim, Sarmiento abre seu terceiro capítulo intitulado Asociacion. – La pulperia, com

mais uma citação de Head “El gaucho vive de privaciones, pero su lujo es la liberdad.

Orgulloso de su independencia sin limites, sus sentimientos, salvajes como su vida, son,

sin embargo, nobles y buenos.” (apud SARMIENTO, 1979:p. 53). Ou seja, antecede ele

próprio sua visão do gaúcho a qual concordará plenamente com o viajante, seu antecessor.

Outro ponto de semelhança é a caracterização do deserto tão presente nos textos dos

viajantes e que Sarmiento não deixa escapar.

Media entre las ciudades de San Luis y San Juan um dilatado desierto, que, por su falta completa de água, recibe el nombre de travesía. El aspecto de aquellas soledades es, por lo general, triste y desamparado, y el viajero que viene Del oriente no pasa la última represa o aljibe de campo, sin proveer sus chifles, de suficiente cantidad de água (1979: p. 73).

Era comum entre os viajantes relacionar o Novo Mundo com um grande deserto

devido a sua enorme extensão despovoada e Sarmiento, por defender um novo povoamento

através de imigrações não poderia deixar de salientar esse fato tão pertinente para seu

projeto de nação.

Assim, durante o percurso do seu livro Facundo vemos seguidas alusões aos viajantes

ingleses e percebemos seu alto conhecimento desta literatura. Seu mérito, entretanto,

consiste em escrever sua mais famosa obra sem ter conhecimento dos muitos lugares por

ele apontados. Sendo assim, podemos afirmar sem sombra de dúvida que Sarmiento foi

realmente um fundador da literatura Argentina.

Desta forma, observamos então uma nova e original perspectiva diante da literatura de

viagens, e a partir dela vemos emergir uma literatura nacionalista preocupada, portanto,

com idéias e representatividades dos costumes e hábitos de seu povo.

CONCLUSÃO

O pensamento Hispano-Americano do século XIX esteve sempre envolto em

questões dualistas onde a busca por uma identidade e pela construção de uma nação se

apresentava de forma ora real ora como um sonho a ser alcançado. Seus desejos e anseios

foram muitos e suas buscas também. Como alcançar uma identidade autóctone diante das

imposições européias? Como construir nações partindo de modelos alheios a sua

realidade? Como legitimar um discurso originalmente americano sem cair em meras

imitações? Como, então, se apropriar de outros discursos dando-lhes sua marca? Essas

foram sem dúvida as principais questões que permearam o pensamento hispano-americano

do século XIX.

O sonho de construir uma nação que fosse representativa do todo não foi

concretizado, pois a realidade assim o impedia. A “ingenuidade”, a inexperiência e a forte

influência do período colonial levou-os a fracassar.

A realidade esteve sempre condicionada àquilo que poderiam ser e não aquilo que

eles realmente eram, pois nessa ebulição histórica a qual estavam inseridos muitas

novidades foram se apresentando sem que eles tivessem sido preparados para entendê-la e

digeri-la de forma própria. Assim, vemos um povo e uma nação sendo construída “à

força”, numa urgência sem precedentes e com implicações que só ao longo do percurso

normal da historia teriam condições de avaliá-la.

O escritor argentino Domingo Faustino Sarmiento viveu intensamente essa

dicotomia real versus sonho, pois sua vida e sua obra estiveram sempre à busca de modelos

externos que lhe dessem condições para expor suas idéias e exercer seus projetos. Suas

posturas paradoxais, tanto na vida política e literária, a reforçaram muito, onde o mesmo,

ora pensa e age de uma forma, ora pensa e age de outra. Sua palavra apesar de possuir o

dom da persuasão não conseguiu evitar que o mesmo se contradissesse e não evitou

tampouco que seus projetos não fossem à frente tal qual havia sonhado. Ou seja, sempre os

sonhos permeando todo um pensamento que acabava de emergir “puro”, ávido por um

espaço onde pudesse pôr em prática enfim, suas idéias.

Porém, nesse emaranhado de sonhos foram construindo, em princípio de forma

torpe, não só nações representativas, mas também identidades mais fortes, discursos

fundadores e uma literatura própria.

Sarmiento, dentro da ideologia desse pensamento, foi sem dúvida um profeta. O

escritor “antecipou” o futuro das nações mergulhadas na barbárie de duas maneiras

distintas: na primeira previu um futuro promissor, caso seguissem suas idéias – previsão

esta feita no auge de sua juventude - na segunda - após o relativo fracasso de seus governos

- previu a desestabilização dessas mesmas nações, suas causas e suas conseqüências num

futuro próximo – previsão feita em sua idade madura. Percebemos então que o fator

utópico o acompanhou durante todo seu percurso e foi visivelmente observado em suas

obras. Porém, como não sê-lo se a própria época estava envolta nas mais variadas utopias?

Desta forma, a angústia de ter transitado sempre Entre o real e o sonho fez parte do

processo de conscientização de toda uma época e foi crucial para entender o fator

histórico-sócio-literário sem o qual estariam ainda hoje buscando identificações ilusórias.

Foi só a partir dessa descoberta do que era sonho ou realidade que puderam de fato reagir,

buscar e exigir mudanças, alcançando o status que hoje possuem: uma literatura autêntica,

rica e fundadora de um discurso próprio.

Nosso trabalho não se encerra aqui. O estudo do pensamento hispano-americano e

conseqüentemente o estudo das obras de Sarmiento, possuem diversos pontos de vista que

precisam ainda ser analisados. Fica, portanto, em aberto para aqueles que desejem

“sonhar” com Sarmiento, um sonho que - com certeza - sempre dará belos frutos e que

ficarão marcados na história não só da Argentina, mas quiçá , em todo o mundo.

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