UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE … · Nessa conjectura, suscitase uma análise...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
OSVALDO RESENDE NETO
O PRINCÍPIO ANTICORRUPÇÃO COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA: uma
relação simbiótica entre moralidade política e estrutura normativa
São Cristóvão (SE)
2017
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OSVALDO RESENDE NETO
O PRINCÍPIO ANTICORRUPÇÃO COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA: uma
relação simbiótica entre moralidade política e estrutura normativa
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Henrique Ribeiro Cardoso.
São Cristóvão (SE)
2017
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OSVALDO RESENDE NETO
O PRINCÍPIO ANTICORRUPÇÃO COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA: uma
relação simbiótica entre moralidade política e estrutura normativa
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
_________________________________________________________________________ ORIENTADOR: PROF. DR. HENRIQUE RIBEIRO CARDOSO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE – UFS
___________________________________________________________________________ 1ª EXAMINADORA: PROFª. DRª. KARYNA BATISTA SPOSATO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE – UFS
___________________________________________________________________________ 2ª EXAMINADORA: PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS KNOERR
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CURITIBA – UNICURITIBA
São Cristóvão (SE)
2017
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Dedico a todos aqueles que, mesmo
convivendo com as angústias da impunidade,
sacrificam momentos especiais de sua vida
privada em defesa da coisa pública.
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“A democracia é o governo do povo, para o
povo e pelo povo.”
Abraham Lincoln
5
O PRINCÍPIO ANTICORRUPÇÃO COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA: uma
relação simbiótica entre moralidade política e estrutura normativa
RESUMO
Nos últimos anos, uma série de acontecimentos relacionados à corrupção no Brasil têm
provocado os mais acalorados debates políticos impulsionadas pela imprensa e pelas redes
sociais. Nessa conjectura, suscita-se uma análise político-jurídica, dentro do contexto
histórico-linguístico da hermenêutica filosófica, sobre a existência do princípio constitucional
da anticorrupção como componente do núcleo essencial do republicanismo. Inicia-se o
trabalho com a abordagem do nexo entre os direitos fundamentais e a história do homem,
para, posteriormente, se expor as peculiaridades históricas do Brasil que conduziram a uma
cultura de desrespeito à coisa pública. O debate de combate à corrupção ganhou força com a
promulgação da Constituição de 1988, quando é reconhecido ao cidadão o direito
constitucional a uma administração proba. Contudo, é preciso ir além. E é desse além que
emergirá o princípio anticorrupção como fundamento da República, ampliando a necessidade
da preservação dos interesses públicos nas situações de corrupção não convencional. Ao
longo desta dissertação foram examinadas posições doutrinárias de autores nacionais e
estrangeiros que tratam das abordagens discutidas. A metodologia utilizada foi desenvolvida
especialmente pela pesquisa qualitativa exploratória, lastreada em uma análise reflexiva e
sistemática, tomando como pano de fundo a hermenêutica filosófica. Ao final, conclui-se que
a concretização do princípio anticorrupção se revela como caminho mais eficiente ao
atendimento da demanda brasileira, diante do panorama atual, todavia, requer, além de uma
estrutura legal, a conscientização do cidadão em assumir o seu papel de ator político
responsável, fiscalizador e transformador da sociedade.
Palavras-chave: Administração proba. Princípio anticorrupção proba. Princípio republicano.
6
THE ANTICORRUPTION PRINCIPLE AS A REPUBLIC FOUNDATION: a
symbiotic relationship between political morality and political-legal normative structure
ABSTRACT
In recent years, a series of events in Brazil, the theme of which has focused on corruption, has
provoked the most heated political debates, strongly driven by the media and social networks.
In this context, a juridical-political analysis is proposed, within a historical-linguistic context
of the philosophical heritage, about an existence of the constitutional principle of
anticorruption principle as a component of the essential nucleus of the republican form of
government. It begins with the approach of the nexus between fundamental rights and the
history of man, to later expose the historical peculiarities of Brazil that led to a culture of
disrespect to the public thing. The anticorruption principle debate gained momentum with the
promulgation of the 1988 Constitution, where citizens are given the right to a probationary
administration. However, it is necessary to go further, when the anticorruption principle
emerges as the foundation of the Republic, expanding the need to preserve public interests in
situations of non-conventional corruption. In the course, we examine doctrinal positions of
national and foreign authors that deal with the approaches that emerged throughout this
dissertation. The methodology used was developed especially by qualitative exploratory
research, backed by a reflexive and systematic analysis, taking as a background the
philosophical hermeneutics.
Keywords: Administration proba. Anticorruption Principle. Republican principle.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................... 8
1 O DIREITO FUNDAMENTAL À ADMINISTRAÇÃO PROBA NO
CENÁRIO BRASILEIRO..........................................................................
12
1.1 Direitos fundamentais: uma história de demandas do homem............... 12
1.2 Do Brasil colônia ao cenário atual: ambiente fértil para a corrupção... 20
1.3 Anseios após a redemocratização brasileira............................................. 25
1.4 Administração proba como princípio concretizador dos direitos
fundamentais...............................................................................................
33
2 NOVAS PERSPECTIVAS DO INTERESSE PÚBLICO........................ 44
2.1 O povo como manifestação político-jurídica da coletividade.................. 44
2.2 Interesses públicos e interesses privados: tensões e novas perspectivas 53
2.3 O papel da hermenêutica filosófica na reconstrução do interesse
público..........................................................................................................
62
2.4 A ressignificação do interesse público....................................................... 72
3 O PRINCÍPIO ANTICORRUPÇÃO COMO FUNDAMENTO DA
REPÚBLICA...............................................................................................
79
3.1 O princípio anticorrupção como norma constitucional implícita
imanente à forma de governo republicano...............................................
79
3.2 A corrupção quid pro quo como modelo insuficiente para
concretização do princípio anticorrupção................................................
87
3.3 O princípio anticorrupção na linguagem filosófica................................. 100
3.4 Casos práticos da aplicabilidade do princípio anticorrupção no
direito brasileiro.........................................................................................
107
CONCLUSÃO............................................................................................. 121
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 126
8
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, ou quiçá, anos, o desencadeamento de uma série de
acontecimentos no cenário nacional, cujo tema principal circunscreve em torno da corrupção,
tem provocado os mais acalorados debates políticos.
As discussões, fortemente impulsionadas pela imprensa e pelas redes sociais, estão
sendo vivenciadas em todos os níveis e setores do ambiente político e da sociedade civil.
Estende-se desde agremiações político-partidárias, em que seus interesses são defendidos aos
gritos na tribuna e no silêncio dos bastidores do jogo político do parlamento, até os embates
ideológicos da sociedade civil, inclusive com não raros choques entre manifestantes.
A polarização e o acirramento de ânimos de seus defensores são acentuados pela
grave crise econômica pela qual o país vem passando, a qual, segundo muitos, é derivada de
toda essa conjectura.
Em tais momentos, uma das grandes dificuldades do raciocínio jurídico é a
capacidade do ser humano de desmistificar questões que outrora seriam facilmente
solucionadas, todavia, diante das circunstâncias atuais, o pêndulo do debate tende a ser
puxado de acordo com os interesses, ideologias e convicções dos interessados, ainda que
inconscientemente.
É nesse panorama que este trabalho suscita uma análise político-jurídica, dentro de
um contexto histórico-linguístico, concernente ao princípio anticorrupção como componente
do núcleo essencial da forma de governo republicana.
Para tanto, distribuiu-se a pesquisa em três Capítulos, denominados: 1) o direito
fundamental à administração proba; 2) novas perspectivas do interesse público; e 3) o
princípio anticorrupção como fundamento da República. Cada um deles foram subdivididos
em quatro subitens, conferindo certa simetria topográfica ao texto.
Inaugura-se o Capítulo I com a seguinte indagação: há algum nexo entre os direitos
fundamentais e a história do homem? Superada a inquirição sem muitos esforços, buscar-se-á
o exame desse vínculo.
O ponto crucial dos direitos fundamentais, relevante para este estudo, é justamente a
sua correlação evolutiva com as demandas do homem, que foram surgindo no decorrer da
história. Também é tratado o papel da formação dos Estados Modernos e de que forma as
carências do homem vêm influenciando na criação, forma, conteúdo e alcance dos direitos
fundamentais: de um primeiro momento, no qual os reclamos sociais eram puramente de
abstenção da intervenção estatal, passando-se para ocasiões em que foi necessária a atuação
9
positiva do poder público para concretização de tais direitos, até se chegar ao ponto de
maturação em que se debate a legitimação dos direitos fundamentais dentro do modelo de
democracia deliberativa.
Dando continuidade, adentra-se no segundo ponto do Capítulo I, no qual se expõem
sucintamente as peculiaridades históricas do Brasil, que remontam desde o período colonial
até os dias atuais, as quais constituíram a narrativa sociopolítica de desrespeito à coisa pública
na seara dos direitos fundamentais e o ambiente promíscuo entre a iniciativa privada e o setor
público.
No terceiro subitem do Capítulo I, parte-se para um momento peculiar inaugurado
após a redemocratização com a promulgação da Constituição de 1988, em virtude do
surgimento de anseios sociais pelo respeito à coisa pública.
No derradeiro subtópico do Capítulo I, é discorrido sobre a íntima relação da
demanda nacional de respeito ao princípio de administração proba com a concretização dos
direitos do homem, em especial com o princípio da dignidade humana.
No Capítulo II, ingressa-se no debate político, jurídico e filosófico que envolve as
novas perspectivas sobre o interesse público no âmago de uma administração proba, em que
são esculpidas noções de cidadania e coletividade, as quais, por sua vez, exigem alguns
apontamentos prévios sobre a noção de povo.
Logo em seguida, no segundo subitem do Capítulo II, adentra-se nas tensões existentes
entre os interesses públicos e privados, com destaque para as consequências práticas das
críticas realizadas ao modelo clássico da supremacia do interesse público. Adiante, no terceiro
subitem, propõe-se uma solução pacificadora para esse paradoxo, construído com base na
hermenêutica filosófica. Ao final, discute-se a reconstrução do significado do interesse
público, mormente em situações em que se está em debate assuntos envolvendo o direito
fundamental a uma administração proba.
O Capítulo III inicia explorando a temática principiológica inovadora da norma
jurídica constitucional anticorrupção como fundamento da forma de governo republicana,
cujos preceitos rementem às discussões iniciadas principalmente por Aristóteles, Maquiavel,
Montesquieu e James Madison.
Explora-se ainda como o princípio anticorrupção se encontra inserido no ordenamento
jurídico brasileiro e seu grau de relevância em relação as outras normas, em especial, com o
direito do cidadão à administração proba.
No segundo subtópico do Capítulo III, é debatida a amplitude do conteúdo da
corrupção para a concretização do princípio anticorrupção. Nesse ponto, são explorados os
10
modelos de corrupção convencional e não convencional, segundo M. Patrick Yingling (2013)
e Zephyr Teachou (2014). Logo depois, o princípio anticorrupção é trabalhado na linguagem
filosófica, onde é correlacionando diretamente a aspectos da historicidade, tradição,
compreensão e linguagem.
Ao final do Capítulo III, são expostos e analisados quatro casos práticos vivenciados
no Brasil recentemente, em que são discutidos nesta dissertação a aplicabilidade (ou não) do
princípio anticorrupção, quais sejam: 1) o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ação
declaratória de constitucionalidade n. 12, que envolveu a temática do nepotismo; 2) o
julgamento pelo Supremo Tribunal Federal das ações declaratórias de constitucionalidade n.
43 e 44, em que se debateram a possibilidade de execução da pena de prisão em virtude de
sentença condenatória antes do transito em julgado da sentença; 3) o julgamento de duas
liminares em sede dos habeas corpus n. 95.009 e 95.137 pelo então ministro Presidente do
Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e o desfecho da respectiva ação penal principal no
Superior Tribunal de Justiça, ambos relativos à operação policial intitulada Satiagraha; e 4) a
(i)licitude do decreto presidencial de nomeação do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva
para ocupar o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil.
Finalizados os Capítulos, é apresentada a conclusão de cada qual, perseguindo uma
correlação harmoniosa e sequencial dos temas abordados até se estabelecer uma premissa,
onde há um vínculo conectando cada uma das matérias chaves deste trabalho.
Os objetivos aqui empreendidos são no sentido de delinear a importância do
princípio anticorrupção na implementação de medidas jurídicas eficazes para: 1) fiscalizar e
reprimir a malversação do erário e a violação da moralidade pública; 2) estimular a prática de
atos típicos de uma administração pública legal e honesta; e 3) preservar os ideais norteadores
do princípio republicano.
A relevância da abordagem extrapola os limites da administração pública, visto que
enaltece a própria forma com a qual cidadão se enxerga inserido dentro de ambiente
republicano, assim como os seus papéis e as suas responsabilidades diante de questões
político-jurídicas que afetam o interesse público.
No decorrer deste trabalho serão examinadas posições doutrinárias de autores
nacionais e estrangeiros que tratam das abordagens emergidas ao longo desta dissertação,
através da pesquisa bibliográfica de obras, artigos e teses, tendo a internet como ferramenta
auxiliar.
A metodologia utilizada foi desenvolvida especialmente pela pesquisa qualitativa
11
exploratória, lastreada em uma análise reflexiva e sistemática, tomando como pano de fundo
a hermenêutica filosófica.
Esta Dissertação foi iniciada e amadurecida sob orientação e supervisão do Prof. Dr.
Henrique Ribeiro Cardoso, no decorrer do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Sergipe, na área de concentração Constitucionalização do Direito,
dentro da linha de pesquisa 1, qual seja: Processo de Constitucionalização dos Direitos e
Cidadania: aspectos teóricos e metodológicos.
12
1 O DIREITO FUNDAMENTAL À ADMINISTRAÇÃO PROBA NO CENÁRIO
BRASILEIRO
1.1 Direitos fundamentais: uma história de demandas do homem
O debate acerca dos direitos fundamentais se revela um tema demasiadamente
amplo, que suscita polêmicas desde a sua nomenclatura1, passando por outros aspectos, como
origem, titularidade, conteúdo, forma, eficácia etc2. Assim, é imprescindível uma delimitação
que se correlacione com os objetivos propostos nesta pesquisa.
A construção de uma possível solução juridicamente viável para a problemática
exposta nesta dissertação requer preliminarmente um Capítulo em que seja analisada uma das
várias facetas que envolvem a abordagem dos direitos fundamentais.
Partindo dessas premissas, necessárias ao bom discorrer deste trabalho acadêmico,
inaugura-se este Capítulo com a seguinte indagação: há algum nexo entre os direitos
fundamentais e a história do homem? A resposta, meio que indutiva, outra não poderia ser que
positiva, malgrado as discussões filosóficas dos a-historicistas3.
Superada sem esforços a primeira indagação, busca-se agora o exame desse vínculo.
Não se pretende tecer exames detalhados sobre o momento histórico e, por qual razão,
surgiram tais direitos. Essa discussão seria monótona e sem maiores surpresas, fugindo às
pretensões desta Dissertação.
1 Paulo Bonavides (2009, p. 560), no início do seu capítulo sobre a teoria dos direitos fundamentais, chama atenção da nomenclatura como a primeira questão que diz respeito sobre o assunto. “Podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente?”. O renomado autor observa o uso promíscuo das expressões na literatura jurídica, toda destaca que o emprego de direitos do homem e direitos humanos é mais comum entre os juristas anglo-americanos e latinos, enquanto os publicistas alemães preferem a expressão direitos fundamentais. Como este trabalho acadêmico não se desenvolve sobre esse ponto, optou-se por registrar a existência das diferenças sobre as nomenclaturas, todavia sem optar por alguma em específica. Outro critério, mais aceito pela doutrina, é exposto por Manoel Jorge e Silva Neto (2006, p. 513), segundo o qual “não se pode encontrar absoluta identidade entre ‘direitos fundamentais’, ‘direito do homem’ ou ‘direitos humanos’ porquanto a designação de ‘fundamentais’ é dedicada àquele conjunto de direitos assim considerados por específico sistema normativo-constitucional, ao passo que ‘direitos do homem’ ou ‘direitos humanos’ são terminologias recorrentemente empregadas nos tratados e convenções internacionais”. 2 Robert Alexy (2014, p. 166-168), em estudo sobre a posição jurídica dos direitos fundamentais na Constituição Alemã, reconhece a caracterização de tais direitos como fundamentais acordo com quatro extremos: 1) estão em um grau mais elevado na estrutura escalonada do direito interno; 2) são dotados de maior força executória; 3) decidem questões de maior importância; e 4) possuem maior medida de abertura. 3 Alexandre Araújo Costa (2008, p. 38), em sua tese de Doutorado, recorda que a Modernidade é caracterizada pela negação à historicidade, pois a obtenção da verdade só seria possível com o racional (objetivo e atemporal), através de critérios de validade que não dependam de valores culturais historicamente determinados.
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O ponto angular dos direitos fundamentais relevante para este estudo é justamente a
sua correlação evolutiva com as demandas do homem que foram surgindo no decorrer da
história. Para tanto, necessário identificar o ponto de partida, o seu surgimento.
Contrapondo a maioria dos autores, que reconhece manifestações dos direitos
fundamentais desde a Babilônia do ano 2.000 a. C., à Grécia Antiga e à Roma Republicana,
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2014, p. 10) afirmam que, para se falar em direitos
fundamentais, é imperiosa a coexistência de três elementos essenciais: Estado, Indivíduo e
Texto regulador.
Os autores (DIMOULIS; MARTINS, 2014, p. 10) abordam o Estado no sentido de
poder público institucionalizado (administração pública, tribunais, forças armadas etc.) sobre
determinado território, sem o qual a proclamação de direitos fundamentais careceria de
relevância prática.
Ainda que transpareça supérflua a conclusão de que o Indivíduo é um requisito
básico para a existência dos direitos fundamentais, a questão é mais complexa, vez que não se
trata apenas do indivíduo físico, o ser humano, nem sequer do homem social de Rousseau,
componente da coletividade4. Preza-se aqui também pelo respeito ao indivíduo autônomo,
dotado de identidade e personalidade próprias. De modo que o indivíduo, em sendo sujeito de
direitos, pode fazer valer direitos individuais perante o Estado e a coletividade.
O terceiro requisito para o surgimento dos direitos fundamentais é o Texto normativo
regulador entre Estado e indivíduos. É indispensável a vigência de um texto constitucional
regulador entre os outros dois elementos em dado território com força vinculante sobre as
demais normas jurídicas e sujeitos de direito. É a partir da Constituição que o indivíduo
conhece sua esfera de atuação livre de interferências do poder público e, concomitantemente,
submete o Estado a determinadas normas que impeçam restrições injustificadas dos direitos
da liberdade individual (DIMOULIS; MARTINS, 2014, p. 12).
A coexistência da tríade Estado, Indivíduo e Texto regulador surgiu, pela primeira
vez, na história com a formação dos Estados modernos, no início do século XVI, ao final da
4 Jean Jacques Rousseau, em sua obra Du Contrat Social, afirma que o processo de legitimação do pacto social produz um corpo moral e coletivo em substituição aos indivíduos singularmente considerados. Nesse contexto, o ato de associação vê-se legitimado pela vontade geral inalterável e pura do corpo moral e coletivo, implicando em um compromisso recíproco entre os interesses públicos e os particulares. Se por um lado cada indivíduo, contratando consigo mesmo, é membro do poder soberano em relação particulares, por outro também é membro do Estado em relação ao poder soberano (SOARES, 2004, p. 75). A originalidade do pensamento de Rousseau reside na ação política de não diferenciação das classes sociais, fundamentando-se na vontade geral. “É o povo, e não mais o monarca, que passa a exercer a soberania: por meio da vontade geral é exercida a soberania popular” (BEDENDI, 2010, p. 26).
14
Idade Média, enraizados na estrutura de dominação política absolutista5. A monarquia
absolutista permitiu, na Europa continental, a unidade jurídica e o poder do Estado (SOARES,
2004, p.84).
Apenas após a formação dos Estados modernos, abriu-se caminho para que as
mudanças sociais confrontantes com o modelo político então existente tornassem possíveis o
desencadeamento inédito dos direitos fundamentais na história, manifestando-se pelo
absenteísmo estatal em respeito às liberdades individuais no novo modelo de Estado que se
constituía: o Estado liberal (SOARES, 2004, p.85).
O surgimento dos direitos fundamentais relaciona-se intimamente, portanto, à
existência do Estado moderno absolutista e, principalmente, às mazelas sociais advindas do
exagero daquele modelo político-estatal, que impulsionou uma onda de movimentos da classe
burguesa ascendente em prol do respeito às liberdades civis pelo poder público
(SARMENTO; SOUZA NETO, 2012). “A primeira versão do Estado Moderno é, pois,
absolutista, mas é exatamente o absolutismo que, dialeticamente, vai engendrar as condições
para o surgimento de formas de controle do poder” (STRECK, 2002, p. 225).
Nesse diapasão, embora possa transparecer contraditório, o regime monárquico
absolutista efetivamente contribuiu para eclosão dos direitos fundamentais. Inicialmente,
porque consagrou a unidade política do Estado. Posteriormente, porque os seus excessos
culminaram no atendimento dos anseios liberais burgueses de limitação do Estado, que só foi
possível em razão de um poder público pré-estabelecido garantidor dos direitos civis
conquistados, podendo ser resguardados judicialmente não só em face do governante como
também de todos os poderes6.
“Com maior frequência, situa-se o ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos
fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobre tudo com o Bill of Rights de Virgínia
(1776), quando se dá a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem” (MENDES;
COELHO; BRANCO, 2000, p.106). Esses direitos foram acolhidos na referida Declaração e
ratificada pela Constituição americana de 1787, vinculando todos os poderes e sendo capazes
de serem exigidos judicialmente.
5 O Estado moderno nasceu absolutista por circunstância e necessidade da época. O poder secular foi libertando paulatinamente do poder religioso, todavia sabia sua importância para legitimação. A soberania, absoluta e indivisível, é o atributo essencial do seu poder político, acarretando na supremacia interna e na independência externa (BARROSO, 2015, p. 33). 6 Embora documentos como a Carta de 1215 do Rei João Sem Terra, a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689 assegurem direitos aos cidadãos ingleses e, ao mesmo tempo, limitem o poder monárquico, tais documentos não vinculavam o parlamento. Por esse motivo esses direitos não poderiam ser considerados constitucionalizados (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p.106).
15
Desse modo, vislumbra-se que o direito do homem obteve relevo quando a primazia
se deslocou do Estado para os indivíduos nas relações jurídicas que os interligam (MENDES;
COELHO; BRANCO, 2000, p.106). A respeito, Bobbio (2004, p. 8) ensina que essa mudança
de visão é irreversível:
A afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista de sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, ou seja, dos indivíduos que a compõem, em oposição à concepção orgânica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos.
A partir de então, nota-se um rígido elo que vincula a amplitude e conteúdo dos
direitos fundamentais às demandas sociais que foram eclodindo na história. Em princípio, os
direitos fundamentais não são absolutos e unívocos, pois seu conteúdo varia de acordo com o
tempo e lugar.
São um conjunto de faculdades e instituições que requerem um contexto histórico
para o preenchimento de seu conteúdo e alcance. Assim, a compreensão da história é
imprescindível para a concepção da gênese e desenvolvimento dos direitos fundamentais. “O
caráter da historicidade, ainda, explica que os direitos possam ser proclamados em certa
época, desaparecendo em outras, ou que se modifiquem no tempo” (MENDES; COELHO;
BRANCO, 2000, p.106).
A importância é tamanha que a teoria do direito constitucional aborda, dentre as
diversas classificações existentes, a que leva em consideração o critério histórico-evolutivo.
Nesse raciocínio, os direitos fundamentais são categorizados em gerações ou, como outros
preferem, em dimensões7.
Nessa conjectura, destaca-se que cada uma das gerações ou dimensões de direitos foi
erguida para atender novas demandas, surgidas, paulatinamente, no decorrer da história.
Preciosas são as palavras de Bobbio (2004, p. 9):
7 O discurso acerca do vocábulo mais apropriado – “dimensão” ou “geração” – para a caracterização histórico-evolutiva dos direitos fundamentais “não deslegitima a imagem metafórica e o seu inerente simbolismo, desde que, à evidência, se esteja ciente de que ela não reproduz o devir histórico dialético e dinâmico que marca a formação e reconstrução dos direitos e deveres fundamentais ao longo dos tempos” (SARLET, 2010, p. 57).
16
... os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitação do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor.
Explicita-se que não se detalhará minuciosamente a exposição classificatória das
dimensões do direito8, por se tratar de matéria já amplamente debatida na seara acadêmica. O
foco é outro, mais precisamente o vínculo existente entre as gerações e as novas necessidades
do homem social, isto é, com as demandas que vão surgindo no curso da história9.
A evolução do homem tem demonstrado que a adoção de novos modelos de direitos
é suficiente tão somente durante um certo período, de modo que, superado um espaço de
tempo considerável, emergem novas necessidades, que normalmente são supridas
temporariamente pela nova geração de direitos, enumerada, didaticamente pela doutrina atual,
com o número ordinal subsequente.
Cada novo ciclo de gerações de direitos, que vem a salvaguardar as demandas sociais
de uma fase histórica, não suprime e nem exclui os seus antecedentes. Ao contrário,
amoldam-se uns aos outros, conferindo eficácia máxima aos direitos fundamentais. Por tal
8 Ao se examinar a teoria dos direitos fundamentais, costuma-se remeter o leitor às lições proferidas pelo jurista tcheco-francês Karel Vasak, em sua aula inaugural de 1979, no Curso do Instituto Internacional dos Direitos Fundamentais do Homem, em Estrasburgo, na França, onde se delineou os direitos fundamentais sob um critério histórico-evolutivo, consagrando-os, pela primeira vez, em gerações (MARMELSTEIN, 2008, p.42). 9 Os primeiros, intimamente ligados ao paradigma de liberdade clássica, traduzem uma reação à política demasiadamente invasiva do poder público, típica do regime absolutista do final do século XVIII. Nesse período, buscava-se os direitos civis e políticos no plano jurídico, em um novo modelo burguês-liberal: o Estado Liberal (SARMENTO, 2006, p. 12). Mais adiante, foi constatado que a mera proclamação formal da liberdade nas constituições escritas se revelava insuficiente, diante das mazelas sociais trazidas pela Revolução Industrial, a partir do século XIX. O surgimento de uma nova demanda veio a ser atendida pelos direitos de segunda geração: os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos (SARLET, 2010, p. 47-48). Pode-se dizer que as mudanças ideológicas do final do século XX, a massificação das relações de consumo, a questão ambiental e o desenvolvimento tecnológico-científico incrementaram um conteúdo complexo e até então distinto nessa novel sociedade. Mais uma vez, vicissitudes levaram ao surgimento de novos direitos: terceira geração, destacando os direitos de solidariedade ou fraternidade e a proteção dos direitos transindividuais. Karel Vasak ainda cita o direito à paz como integrante dessa dimensão (MEDEIROS, 2004, p. 74). Em relação aos direitos de quarta geração, há uma nítida divergência entre o tipo de bem jurídico e interesses tutelados por essa dimensão. Para Bobbio (2004, p. 9), os direitos de quarta geração surgiram com os avanços tecnológicos no campo da engenharia genética, suscitando uma série de conflitos éticos. Em sentido diverso, Bonavides (2009, p. 571) classifica como de quarta dimensão o direito à democracia direta, à informação e ao pluralismo. Ademais, o acirramento progressivo do ódio entre culturas diversas, a crescente desconfiança entre nações e a nova movimentação bélica no mundo catalisados pós-atentados terroristas guiaram o constitucionalista Bonavides (2009, p. 579) a uma reflexão sobre a necessidade de uma quinta dimensão de direitos fundamentais: o direito à paz da humanidade. Diferentemente do ensinado por Karel Vasak, que capitulava a paz como direito de terceira geração, Bonavides (2009, p. 590) elege a paz como uma categoria autônoma, no intuito de lhe conferir maior relevância, qualificando-a como um supremo direito da humanidade e a relacionando com a democracia direta.
17
razão, critica-se a expressão “geração”, visto que poderia levar à equivocada conclusão de
uma nova etapa seria substitutiva e supressora do período anterior, quando, na verdade, são
complementares (SARLET, 2010, p. 52-53).
Os constitucionalistas Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2015,
p. 138) bem explicam:
Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influxo das concepções jurídicas e sociais prevalentes no momento.
Nesse ponto, vislumbra-se o papel central da historicidade e da tradição10 no ciclo
evolutivo dos direitos fundamentais, vez que, conquanto a história não possa ser concebida
como uma reta ascendente linear, é uníssono o entendimento de que, a cada etapa evolutiva da
história da humanidade, surgem novas necessidades, as quais tendem a ser supridas pelo
direito. Ressalva-se, desde logo, os retrocessos sociais acompanhados de restrições aos
direitos fundamentais, a exemplo de períodos ditatoriais pelos quais passaram vários países
ocidentais.
O historiador francês Numa Denis Fustel de Coulanges (2006, p. 15) expôs com
perspicácia a importância do passado no processo evolutivo do conhecimento humano:
Felizmente, o passado nunca morre por completo para o homem. O homem pode esquecê-lo, mas continua sempre a guardá-lo em seu íntimo, pois o seu estado em determinada época é produto e resumo de todas as épocas anteriores. Se ele descer a sua alma, poderá encontrar e distinguir nela as diferentes épocas pelo que cada uma deixou gravada em si mesmo.
Ratificando o papel do passado na constituição dos direitos fundamentais vigentes,
Mendes, Coelho e Branco (2000, p. 54) recordam:
10 Imprescindível esclarecer que a expressão tradição, no presente contexto, carece da carga negativa em que normalmente vem associada nos textos, em que muitas vezes é uma antítese à razão e ao pragmatismo (LAWN, 2011). Toma-se aqui na sua acepção utilizada usualmente por Gadamer (2015), em que significa passar algo adiante, referindo-se à atividade de transmissão de geração à geração. A tradição, seja ela intelectual, seja prática, constitui-se um legado passado entre pessoas através de gerações.
18
Esse ir e vir compreensivo, que atravessa séculos e gerações, vai progressivamente enriquecendo e ampliando os objetos com novas interpretações, que nem pelo fato de serem diferentes invalidam as interpretações anteriores, num processo de superação e, ao mesmo tempo, de conservação e absorção de resultados.
A evolução histórico-evolutiva dos direitos fundamentais iniciada com o movimento
constitucionalista diante da crise do Estado Moderno desaguou irreversivelmente na
composição do Estado Democrático de Direito11.
O Estado Democrático de Direito surge agregando a síntese das fases anteriores dos
direitos fundamentais, suprindo lacunas então existentes e adequando-os às novas vicissitudes
do cotidiano. “Só posso ser livre sob a lei, se puder dizer que essa é a minha lei, se tiver tido a
possibilidade efetiva de participar na sua concepção e no seu posicionamento (mesmo que as
minhas preferências não tenham prevalecido)” (STRECK, 2002, p. 225).
Diante desse liame indissociável, observa-se atualmente que os direitos fundamentais
servem como medida de aferição do grau de democracia de uma determinada sociedade. Do
mesmo modo, sem o regime democrático é inconcebível que os direitos fundamentais
cumpram sua vocação conciliadora do poder público com os reclamos humanísticos e
democráticos (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p.106).
Como foi abordado, a evolução dos direitos fundamentais partiu inicialmente das
conquistas das liberdades civis clássicas, no final século XVIII, com as restrições impostas ao
absolutismo. Contudo, no estágio atual da sociedade, a formulação do conteúdo e alcance
desses direitos se inserem no âmbito do Estado Democrático de Direito, de tal forma que
Habermas propõe uma reconstrução do sistema de direitos fundamentais com o objetivo de
garantir as condições procedimentais do discurso para que os destinatários da norma possam
participar, em igualdade, dos processos de discussão e deliberação (CLÈVE, 2011, p. 383).
Para tal reformulação, Habermas (1997, p. 138) detalha que o nexo interno entre a
soberania popular e os direitos humanos somente se estabelecerá se o sistema de direitos
apresentar as condições necessárias para participação discursiva e deliberativa dos cidadãos,
onde a sua legitimação está apoiada no arranjo comunicativo. “Esse sistema deve contemplar
os direitos fundamentais que os cidadãos são obrigados a se atribuir mutuamente, caso
11 “Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law, Rechtsstaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria” (BARROSO, 2015, p. 112).
19
queiram regular sua convivência com os meios legítimos do direito positivo”
(HABERMANS, 1997, p. 154)12.
O Ministro Cesar Peluzo, em discurso proferido em Washington (2011), assevera que
o Estado Democrático de Direito se consolidou como modelo de organização do poder
político de tal modo que Estado, democracia e Constituição se legitimam mutuamente,
definindo o que Bobbio (2004, p. 63) denominou de “regras do jogo”13.
Adentrando na realidade brasileira, o jurista (PELUSO, 2011) assevera que a
experiência político-institucional dos últimos 23 anos ratifica os nexos evidentes entre
Constituição, direitos fundamentais e democracia. Aduz que sem Constituição não há como se
reconhecer direitos fundamentais.
Por sua vez, em um espaço onde os direitos fundamentais não são reconhecidos,
protegidos e vivenciados, não há democracia. Por fim, sem o ambiente democrático não há
um contexto minimamente necessário para a solução pacífica de conflitos e para convivência
ética. “A democracia depende, assim, de um contexto de liberdade e igualdade promovido
pelo Estado de Direito” (CLÈVE, 2011, p. 382).
Por conseguinte, desde a constituição do Estado moderno, as demandas do homem
vêm influenciando diretamente na criação, forma, conteúdo e alcance dos direitos
fundamentais. De um primeiro momento, onde os reclamos sociais eram puramente de
abstenção da intervenção estatal, passou-se, inclusive, para ocasiões em que foi necessária a
atuação positiva do poder público para concretização de tais direitos. Com Habermas, surgiu a
questão da legitimação dos direitos fundamentais em um modelo de democracia deliberativa.
Nota-se, assim, que a cada fase distinta, um clico de direitos fundamentais se acopla ao outro
12 Em sua obra Direito e Democracia, Habermas (1997, p.159-160) estabeleceu cinco categorias de direitos fundamentais: “(1) Direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas de ação; (2) Direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do status de um membro numa associação voluntária de parceiros do direito; (3) Direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade de postulação judicial de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção jurídica individual; (4) Direitos fundamentais à participação, em igualdade de chances, em processos de formação de opinião e da vontade, nos quais os civis exercitam sua autonomia política e através dos quais eles criam direito legítimo; e (5) Direitos fundamentais a condição de vida garantidas social, técnica e ecologicamente, na medida em que isso for necessário para o aproveitamento em igualdade de chances, dos direitos elencados de (1) até (4)”. 13 Dentre as exigências que visam conferir garantias contra a usurpação do poder legítimo tem-se: (1) “a constitucionalização da oposição, que permite (isto é, torna lícita) a formação de um poder alternativo, ainda que nos limites das chamadas regras do jogo, ou seja, a formação de um verdadeiro contrapoder, que pode ser considerado, embora de modo um tanto ou quanto paradoxal, como uma forma de usurpação legalizada” (grifo nosso); (2) “a investidura popular de governantes e a verificação periódica dessa investidura por parte do povo, através da gradual ampliação do sufrágio” (BOBBIO, 2004, p. 63).
20
de modo a conferir maior efetividade aos reclamos do momento, que variam no espaço e
tempo.
Dando continuidade, é relevante expor sucintamente as peculiaridades históricas do
Brasil, que remontam desde o seu período colonial, que conduziram à constituição do
panorama sociopolítico de desrespeito à coisa pública na seara dos direitos fundamentais e o
ambiente pernicioso criado e desenvolvido entre a iniciativa privada e setor público.
1.2 Do Brasil Colônia ao cenário atual: ambiente fértil para a corrupção
Era domingo, dia 22 de abril do ano 1.500, quando parte da expedição que partiu de
Lisboa no mês anterior14, sob o comando-mor de Pedro Álvares Cabral, fidalgo português
com pouco mais de 30 anos de idade, desembarcou na Bahia, na região hoje pertencente à
Cidade de Porto Seguro, batizada naquela data histórica de ilha de Vera Cruz
(GARSHAGEN, 2015, p. 18).
No tocante à polêmica alteração da rota marítima da expedição portuguesa –
mudança para a direita (oeste) – que culminou no descobrimento do Brasil, recorda-se que
“desde o século XIX, discute-se se a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do acaso,
sendo produzida pelas correntes marítimas, ou se já havia conhecimento anterior do Novo
Mundo e Cabral estava incumbido de uma espécie de missão secreta” (FAUSTO, 1995, p.
30). Intencional ou acidental, o fato é que se inaugurou uma nova fase da história além-mar,
que futuramente veio a constituir a multicultural sociedade brasileira.
O registro oficial do descobrimento foi lavrado pelo escrivão Pero Vaz de Caminha,
componente daquela tripulação expedicionária, descrevendo a terra recém-descoberta e os
seus habitantes “pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”15.
Malgrado seja documento bastante mencionado e lido desde os primeiros anos
escolares, parece que os olhares se voltam muito à descrição objetiva e subjetiva na Carta
sobre a nova terra e os seus autóctones, todavia se omitem acerca da importância de sua parte
final, que veio, de forma inédita, inseminar por escrito aquilo que seria o primeiro gesto
espúrio da relação público-privada em terras brasileiras.
14 Por volta do meio-dia do dia 08 de março de 1500, uma frota com 13 navios portugueses deixaram Lisboa com destino oficial às Índias (FAUSTO, 1995, p. 30). 15 A Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada a certidão de nascimento do Brasil. Foi escrita em Porto Seguro/BA, no dia 1º de maio de 1.500.
21
Assim Caminha finaliza seu registro dirigido ao Rei D. Manuel I (UNAMA, [200-?],
p. 14):
E pois que, Senhor, é certo que assi neste cargo que levo como em outro qualquer cousa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim mui bem servido, a ella peço que por me fazer singular mercê mande vir da ilha de São Thomé Jorge d’Osouro, meu genro, o que dela receberei em muita mercê.
Aproveitando a oportunidade, Caminha pede ao rei autorização para que seu genro,
Jorge d’Osouro, degredado16 na ilha de São Tomé por roubo a uma igreja e agressão um
clérigo, retorne à Portugal. “Inaugurou a nossa excêntrica característica cultural de pedir
favores ao governo para conseguir cargos e privilégios, especialmente em se tratando de
parentes” (GARSHAGEN, 2015, p. 21).
Outra informação relevante contida na Carta de Caminha é a de que o comandante-
mor da expedição, Pedro Álvares Cabral, determinou que dois degredados passassem a
conviver com os indígenas para aprender sua língua, hábitos e costumes. A tripulação partiu
“deixando lacrimosos dois degredados incumbidos de inquietarem da terra e irem aprendendo
a língua” (ABREU, 1998, p. 36).
Assim, constata-se que o Comandante-mor da expedição do descobrimento
selecionou dois degredados para marcarem moradia fixa na então ilha de Vera Cruz, sendo,
desse modo, os primeiros habitantes oficiais da coroa portuguesa a residirem na colônia
brasileira. “Criminosos condenados e em pleno cumprimento de pena permaneceram na terra
recém-descoberta como representantes da coroa portuguesa (...) mesmo que essa prática fosse
comum nas descobertas portuguesas e nas de outras nações, não deixa de ser perturbadora”
(GARSHAGEN, 2015, p. 21).
Portanto, dois fatos inquietantes já se sobressaem nos primeiros dias do mês em que
houve o descobrimento. Um de que na certidão de nascimento do Brasil – a Carta de Caminha
– continha pedidos de favores pessoais pelo seu elaborador. Outro de que os primeiros
representantes da coroa a se fixarem no Brasil foram criminosos degredados, que sequer
queriam permanecer em terras brasileiras.
Acrescenta-se que os contatos iniciais com a população indígena, quando da chegada
dos portugueses em terreno brasileiro, no século XVI, vieram acompanhados de transações
16 Degredado era o indivíduo condenado ao exílio do Reino de Portugal pelo cometimento de algum ilícito.
22
desarrazoadas, fundadas na exploração severa dos recursos naturais do país pelo extrativismo
português em troca de objetos de valores insignificantes17 e, posteriormente, na utilização da
mão de obra forçada (FAUSTO, 1995). Ainda que tais fatores não possam ser qualificados
estritamente como atos de corrupção, já demonstravam a criação de um ambiente propício
para sua proliferação.
Posteriormente, no decorrer da história, a coroa portuguesa notou que, para a
manutenção de sua preciosa colônia, era necessária uma política de estímulo de povoamento
do solo brasileiro através do envio de fidalgos portugueses, vez que, até então, não havia
interesse na transferência da corte ou seu corpo administrativo.
Para catalisar esse processo, a coroa delegou aos mencionados fidalgos a função de
povoar e organizar as primeiras instituições públicas da colônia. Acontece que, para estimulá-
los, a metrópole não realizava controle e vigilância adequados, conferindo certa liberdade
exacerbada aos enviados.
Durante o Brasil Colônia, a cobrança de tributos era realizada por esses fidalgos e
não diretamente pela coroa portuguesa. Essa prática, dada as circunstâncias mencionadas
acima, conduziu as primeiras extorsões de propina pelos cobradores privados, os quais
exigiam dos contribuintes quantias maiores do que as necessárias para o devido pagamento
dos tributos, os quais outra alternativa a não ser efetuar os pagamentos exigidos, visto que aos
fidalgos também cabiam o controle dos corpos militares locais (MEDICI, 2013, p. 55).
Essa concessão de privilégios e vantagens pessoais para a aristocracia contribuiu para
a formação de setores da iniciativa privada que, se por um lado auxilia na manutenção da
estrutura do poder governamental vigente, por outro, tem grandes benefícios em troca,
causando prejuízos à coletividade, que é a responsável em arcar com todos os custos. “A
estratificação social gerada historicamente tem também como característica a racionalidade
resultante de sua montagem como negócio que a uns privilegia e enobrece, fazendo-os donos
da vida, e aos demais subjuga e degrada, como objeto de enriquecimento alheio” (RIBEIRO,
1995, p. 212).
Assim lecionam Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2013, p. 45-46):
Especificamente em relação ao Brasil, a corrupção tem suas raízes entranhadas na própria colonização do País. O sistema colonial português foi erguido sobre os pilares de uma monarquia absolutista, fazendo que Monarca e administradores se mantivessem unidos por elos eminentemente pessoais e
17 “Os índios forneciam a madeira e, em menor escala, farinha de mandioca, trocadas por peças de tecidos, facas, canivetes e quinquilharias, objetos de pouco valor para os portugueses” (FAUSTO, 1995, p. 42).
23
paternalistas, o que gerou a semente indesejada da ineficiência. Não bastasse isso, tinham por objetivo comum o lucro desenfreado e, como única ação, o desfalecimento das riquezas da colônia a si subjugada, sem qualquer comprometimento com ideais éticos, deveres funcionais ou interesses coletivos. Remonta a essa época a concepção de que a coisa pública é coisa de ninguém, e que a sua única utilidade é satisfazer aos interesses da classe que ascendeu ao poder.
Acrescenta-se que a grande distância entre a colônia e a metrópole portuguesa,
milhares de quilômetros que, à época, só poderiam ser vencidos em embarcações, também
dificultava eventuais fiscalizações.
A vinda da família real portuguesa para o Brasil Colônia, no ano de 1808, juntamente
com os principais cargos do alto escalão da corte, fugindo da iminente invasão napoleônica,
criou sérios problemas financeiros para manutenção dos privilégios dos recém-chegados no
Rio de Janeiro. “Era preciso alimentar e pagar as despesas de uma corte ociosa, corrupta e
perdulária” (GOMES, 2014, p. 139). Para tanto, a aristocracia da colônia contribuiu de bom
agrado, na convicção de receber benesses generosos com o auxílio. Também houve o aumento
desarrazoado de tributos, que dissipou o entusiasmo dos brasileiros dos primeiros dias da
chegada da corte.
Assim também ocorreu a independência da colônia perante a coroa portuguesa. Após
67 anos de duração do Brasil Colônia, incumbiu ao rei D. Pedro I, no ano de 1822, negociar e
romper o fim da submissão ao reino de Portugal. Não obstante tenha sido um avanço político
para os interesses do nascente país, não se pode olvidar que houve seus custos durante o
processo. “O grande problema foi que as complicadas negociações para garantir o apoio dos
grandes fazendeiros e dos comerciantes para declarar a independência reforçaram a cultura
estatista baseada em promessas de governo em troca de satisfação de poderosos interesses
privados” (GARSHAGEN, 2015, p. 21).
A Proclamação da República, no ano de 1989, ocorreu com o apoio do exército,
fazendeiros, profissionais liberais e intelectuais – menos do povo. Depôs uma Monarquia
enfraquecida comandada por um imperador velho, doente e cansado, que estava politicamente
dividido18 (FAUSTO, 1995, p. 235).
18 “Todas essas dificuldades resultavam de passivos sociais, econômicos e políticos que o Brasil carregava desde a sua fundação. A construção do país depois da Independência havia sido difícil e tortuosa. O Império era imenso, diversificado, complexo, difícil de administrar. De um lado, havia um grande território, repleto de riquezas naturais e oportunidades. De outro, escravidão, analfabetismo, isolamento e rivalidades políticos e regionais (GOMES, 2013, p. 83).
24
Foi no primeiro período republicano do país, conhecido como República Velha, que
o coronelismo19 atingiu seu ápice, ajudando “a lapidar uma relação promíscua entre agentes
privados e políticos e a reforçar uma relação de dependência que estrutura a mentalidade
estatista (GARSHAGEN, 2015, p. 110).
Observa-se, no decorrer da história brasileira, desde sua concepção, que cada
mudança política profunda é acompanhada paradoxalmente das antigas práticas viciadas que
maculam a coisa pública em prol de interesses pessoais. “Não é por acaso, pois, que o Brasil
passa de colônia a nação independente e de Monarquia a Republica, sem que a ordem
fazendeira seja afetada e sem que o povo perceba” (RIBEIRO, 1995, p. 219).
Transcorridos diversos presidentes e ditadores desde a Proclamação da República, o
Brasil finalmente consegue, em sua história recente, formatar-se como um Estado
Democrático de Direito, a partir da Constituição de 1988, a qual, dentre variados aspectos,
enumera não exaustivamente direitos e garantias fundamentais, divide harmoniosamente os
Poderes, estrutura o Estado, estabelece programas e metas a serem alcançadas, enaltece a
importância de princípios explícitos e implícitos etc. Dentre seus postulados, trata
normativamente, seja através de princípios, seja por regras, acerca da probidade
administrativa e respectivas sanções para os atos que a macule.
Embora os instrumentos de repressão aos atos ímprobos estejam enunciados no
documento político-jurídico máximo do país desde o final da década de 1980, dados
divulgados pelos Estados Unidos através da Foreign Corruption Practices Act (FCPA), em
janeiro de 2017, revelam que o Brasil vai na contramão de toda sua própria diretriz normativa
constitucional, ratificando os velhos vícios inerentes à confusão de interesses público-
privados que remontam desde os pedidos de favores pessoais contidos na Carta de Caminha,
como se nada houvesse mudado, no quesito de respeito à coisa pública, do período do Brasil
Colônia, passando pela Monarquia, até a chegada da República.
Baseando-se em dados obtidos do Departamento de Justiça e do órgão regulador
Securities and Exchange Commission20 norte-americanos, Foreign Corruption Practices Act
19 Sobre o coronelismo, Fausto (1995, p. 263) ensina que “representou uma variante de uma relação sociopolítica mais geral – o clientelismo –, existente tanto no campo como nas cidades. Essa relação resultava da desigualdade social, da impossibilidade de os cidadãos efetivarem seus direitos, da precariedade ou inexistência de serviços assistenciais do Estado, da inexistência de uma carreira no serviço público. Todas essas características vinham dos tempos da Colônia, mas a República criou condições para que os chefes políticos locais concentrassem maior soma de poder. Isso resultou, principalmente, da ampliação da parte dos impostos atribuída aos municípios e da eleição de prefeitos. Do ponto de vista eleitoral, o ‘coronel’ controlava os votantes em sua área de influência. Trocava votos em candidatos por ele indicados por favores tão variados como um par de sapatos, uma vaga no hospital ou um emprego de professora”. 20 A Securities and Exchange Commission equivale a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil.
25
(FCPA) constata que o Brasil passou a liderar pela primeira vez o ranking elaborado nos
Estados Unidos como a nação mais citada por empresas globais investigadas naquele país por
negociações envolvendo o pagamento de propinas no exterior (CARVALHO, 2017).
Esse descompasso entre a previsão normativo-constitucional de repressão à
improbidade com o que ocorre efetivamente no cotidiano dos brasileiros desde o Brasil
Colônia não passou despercebido por Garshagen (2015, p. 110): “a Constituição de 1988,
aliás, é o exemplo perfeito do casamento da utopia política com a distopia da realidade: muito
direito para pouco dever e mínima responsabilidade”.
Nesse diapasão, é nesse clima vulnerável em que é verificada mais firmemente a
presença da corrupção, a qual foi se disseminando na medida em que as instituições públicas
foram sendo criadas e, posteriormente, ampliadas. Contudo, esclareça-se, desde logo, que não
foi algo exclusivo do Brasil, porém tem relação peculiar com o processo de construção
histórico do país.
Nessa conjectura, a preocupação com a probidade administrativa no Brasil assume
contornos imensuráveis para a concretização dos direitos fundamentais tendo em vista que a
malversação do patrimônio público remonta a própria construção embrionária da sociedade
brasileira, que se manifesta com uma propensão para confusão entre a coisa pública e
interesses privados, gerando prejuízo para a coletividade (SOBRANE, 2010).
Trazendo essa concepção para a atual realidade brasileira, vislumbra-se um momento
peculiar inaugurado após a redemocratização com a promulgação da Constituição de 1988,
diante do surgimento de anseios sociais pelo respeito à coisa pública, conforme adiante será
exposto.
1.3 Anseios após a redemocratização brasileira
Como foi dito, no decorrer da história do homem, ao menos na cultura jurídica
ocidental, registra-se a evolução dos direitos fundamentais em dimensões ou gerações de
acordo com o surgimento paulatino de necessidades, de forma que cada dimensão se revela
suficiente e eficaz apenas por um determinado período, sendo necessário ser complementado
por outras novas categorias de direitos21.
21 Não há disputa, supressão e nem hierarquia entre as dimensões, mas sim uma relação de complementariedade. “Apesar da classificação dos direitos humanos em gerações, conforme explicitado acima, vigora nos dias atuais o princípio da indivisibilidade, o qual sustenta que não há hierarquia nem prioridade entre elas. Uma geração não pode efetivar-se sem a outra. De que adianta ter liberdade (direitos individuais – 1ª geração) sem ter saúde ou acesso à educação (direitos sociais – 2ª geração) ou um meio ambiente sadio (direito coletivo – 3ª geração)?
26
Ao transpor essa linha de raciocínio para a realidade jurídico brasileira, observa-se
que a Constituição Cidadã de 1988 foi concebida como uma Lei Fundamental imprescindível
para a ruptura do regime de exceção outrora vigente22, este manifestado pela notória restrição
de direitos e garantias fundamentais, bem como pela prevalência e ingerência de um Poder
Executivo autoritário e antidemocrático em detrimento dos outros Poderes e dos cidadãos
(PIOVESAN, 2015, p. 89-90).
“A Constituição de 1988 é o símbolo maior de uma história de sucesso: a transição
de um Estado autoritário, intolerante e muitas vezes violento para um Estado democrático de
direito” (BARROSO, 2015, p. 492).
O regime de exceção iniciado em 1964 findou-se definitivamente, na ordem jurídica,
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde foram consagradas todas as cinco
dimensões ou gerações de direitos fundamentais, inclusive com referência explícita à defesa
da paz e solução pacífica dos conflitos, os quais, para Bonavides (2009, p. 593), são direitos
fundamentais de quinta dimensão.
A Constituição de 1988 representou o mais avançado texto jurídico-político já
concebido no Brasil. Com inspirações nas constituições democráticas do pós-guerra, o seu
texto filia-se “ao constitucionalismo dirigente, compromissário e social23, que tão bons frutos
renderam nos países em que foi implantado” (STRECK, 2002, p. 358)
Inaugurada essa nova fase de redemocratização do país, criou-se uma nova realidade
no panorama jurídico pátrio. A recente Constituição trouxe em seu bojo novos institutos e
antigos conhecidos restaurados ou ainda repaginados, mais que presentes nesse momento para
Seria possível usufruir essa liberdade? Parece claro que não se pode realmente considerar o indivíduo isolado do mundo, posto que é na sua relação com a sociedade que o ser humano vai exercer seus direitos” (PIACENTINI, 2006, p. 176). 22 “A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. (Palmas.) A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. (Palmas.) Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. (Muito bem! Palmas.) Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. (Muito bem! Palmas.) A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia (...) Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro de 5 anos. Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria”. Trechos do discurso histórico do então parlamentar Ulysses Guimarães, durante a Assembleia Constituinte, no dia 05 de outubro de 1988 (DISCURSO..., [199-]). 23 A Constituição de 1988 é dirigente ou programática porque não se exaure com a organização do Estado e na imposição de limites ao exercício dos poderes estatais, indo além, prevendo direitos e estabelecendo metas e programas a serem cumpridas pelo Estado e pela sociedade civil. Também se qualifica como compromissária por abrigar o pluralismo social, as diferenças, não representando a ideologia de uma política única, pura e ortodoxa. A adjetivação social relaciona-se com a sua previsão, em sede de direitos fundamentais, dos direitos sociais (segunda dimensão) e os de ciclos posteriores (SARMENTO; SOUZA NETO, 2012).
27
atender aos pleitos e reclamos sociais de uma população carente de direitos e garantias
mínimos, visando o combate às intervenções desarrazoadas do poder público nos direitos
civis, a promoção de medidas que assegurassem a efetividade de suas implementações e o
estabelecimento de princípios nucleares que servem de ponto de partida e chegada para todo
ordenamento jurídico24.
A respeito, Bonavides (2009, p. 545-546) destaca que:
A Constituição de 5 de outubro de 1988 foi de todas as Constituições brasileiras aquela que mais procurou inovar tecnicamente em matéria de proteção aos direitos fundamentais. Não o fez porém sem um propósito definido, que tacitamente se infere do conteúdo de seus princípios e fundamentos: a busca em termos definitivos de uma compatibilidade do Estado social com o Estado de Direito mediante a introdução de novas garantias constitucionais, tanto do direito objetivo como do direito subjetivo.
Passados mais de duas décadas da sua existência, já é possível afirmar que houve um
avanço significativo no amadurecimento das instituições públicas e na promoção de direitos e
garantias individuais.
Fala-se em amadurecimento das instituições públicas porque, mesmo em situações de
crise, as soluções são procuradas dentro da legislação vigente, evitando alternativas que
ensejem em promessas de soluções mágicas que contrariem as normas constitucionais e
legais. Luiz Roberto Barroso (2015, p. 492) assegura que:
A Constituição assegurou ao país duas décadas de estabilidade institucional. E não foram tempos banais. Ao longo desse período, diversos episódios deflagraram crises que, em outros tempos, dificilmente teriam deixado de levar à ruptura institucional. O mais grave deles terá sido a destituição, por impeachment, do primeiro presidente eleito após a ditadura militar, sob acusações de corrupção. Mas houve outros, que trouxeram dramáticos abalos ao Poder Legislativo, como o escândalo envolvendo a elaboração do Orçamento, a violação de sigilo do painel eletrônico de votação e o episódio que ficou conhecido como “mensalão”. Mesmo nessas conjunturas, jamais se cogitou de qualquer solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional. Não há como deixar de celebrar o amadurecimento institucional brasileiro.
Tanto que, não raro, um dos temas trazidos para os debates jurídicos é justamente a
insegurança jurídica ocasionada pelo demasiado apego, sob a justificativa de promover
direitos e garantias fundamentais, de ponderações principiológicas e/ou durante as 24 “Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico” (BARROSO, 2015, p. 238).
28
implementações de ações afirmativas (política de cotas, redução da maioridade penal,
ativismo judicial, políticas públicas sobre inserção do homossexualismo na rede de ensino
escolar etc.). Em que pesem seus méritos e benefícios, é preciso cautela (FERREIRA FILHO,
2012, p. 142)
...o equacionamento dessas ações afirmativas é extremamente delicado, pois não só pode ter efeitos negativos, como ensejar privilégios em favor dos grupos por elas avantajados. Ora, isto importaria em violação do princípio constitucional da igualdade, portanto, em inconstitucionalidade. Alguns critérios devem ser levados em conta para aferir a constitucionalidade das ações afirmativas25.
É cada vez mais comum, sobretudo no Poder Judiciário, a invocação da matriz
principiológica constitucional na fundamentação das decisões, algumas contrariando o
previsto e estabelecido pelo próprio legislador. O exagero em tais práticas cria um clima de
insegurança jurídica diante da imprevisibilidade. “La certeza del Derecho se traduce,
basicamente, en la posibilidad de conocimiento prévio por los ciudadanos de las
consecuencias jurídicas de sus actos26” (LUÑO, 1994, p. 143).
Barcellos (2005, p. 185), em estudo sobre o assunto, constata uma relação
inversamente proporcional entre princípios e segurança jurídica. De modo que, quanto mais
princípios existirem em dado ordenamento jurídico, maior será o grau de flexibilidade e sua
capacidade de acomodar e solucionar situações imprevistas. Contudo, também crescerão a
insegurança em decorrência da imprevisibilidade e a falta de uniformidade, com prejuízos
evidentes para a isonomia.
Mesmo com esses eventuais abusos, é inegável que a recolocação dos princípios no
centro do sistema jurídico representou uma mudança de paradigma necessária ao rompimento
dos vestígios do regime de exceção e à consolidação do Estado Democrático de Direito no
país.
25 São eles: 1) a identificação do grupo desfavorecido, e seu âmbito, deve ser objetivamente determinada. Regra de objetividade; 2) A medida do avantajamento decorrente das regras deve ser ponderada em face da desigualdade a ser corrigida. Regra de medida ou proporcionalidade; 3) As normas de avantajamento devem ser adequadas à correção do desigualamento a corrigir. Regra de adequação. Tal adequação se exprime na sua racionalidade. Por isso, é também esta uma regra de razoabilidade; 4) A finalidade dessas normas deve ser a correção de desigualdades sociais. Regra de finalidade; 5) As medidas, como aponta a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, devem ser temporárias. Regra de temporariedade. A esses critérios pode-se acrescentar um outro, um critério reverso: 6) A não onerosidade (excessiva) para outros grupos ou para a sociedade como um todo. É uma regra de prudência: Não cabe na vida social e política o absoluto: Fiat justitia, pereat mundus (faça-se justiça ainda que o mundo pereça). 26 Antonio-Enrique Pérez Luño (1994, p. 143) prossegue, em sua obra La seguridade jurídica, afirmando que “con ello, se tende a esteblecer ese clima cívico de confianza en el orden jurídico, fundada en pautas razonables de previsibilidad, que es presupuesto y función de los Estados de Derecho”.
29
Malgrado tantos avanços na seara dos direitos fundamentais27, observa-se, na
realidade brasileira em específico, um problema real, evidente e, algumas vezes,
aparentemente intransponível, que diz respeito à ineficácia dos mecanismos de combate à
corrupção, que atualmente é considerado um dos assuntos mais discutidos politicamente no
Brasil.
Findo o regime militar, esperava-se que o amadurecimento das instituições públicas e
o restabelecimento da ordem constitucional iriam ser acompanhados da redução, em concreto,
das situações envolvendo infrações ligadas à corrupção ou, ao menos, da efetividade de
punição dos corruptos e corruptores.
A própria Carta Republicana brasileira de 1988 inovou ao trazer em seu bojo a
previsão expressa do ato de improbidade no capítulo atinente à Administração Pública, além
do princípio da moralidade administrativa (DI PIETRO, 2015 p. 890):
Com a Constituição de 1988, foi previsto o princípio da moralidade no artigo 37, caput, entre os princípios a que se sujeita a Administração Pública direta e indireta de todos os níveis de Governo e, no artigo 5º, inciso LXXIII, foi inserida, como fundamento para propositura da ação popular, a lesão à moralidade administrativa. Além disso, no § 4º, do mesmo artigo 37, ficou estabelecido que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Por sua vez, o artigo 15, ao indicar os casos em que é possível a perda ou suspensão dos direitos políticos, expressamente inclui, no inciso V, a “improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º”.
As diferenças ou semelhanças dos princípios da probidade administrativa e
moralidade são discutíveis. Aquele pode ser concebido como um subprincípio da moralidade. No
entanto, probidade também é recepcionada como conceito mais abrangente do que o da moralidade,
vez que aquela não contemplaria apenas elementos morais. Ainda, em última instância, as expressões
podem se equivalerem, tendo a Constituição, em seu texto, mencionado a moralidade como princípio
(art. 37, caput) e a improbidade como lesão ao mesmo princípio (art. 37, § 4º).
27 Alexandre Albagli, em sua Dissertação, bem recorda que “é natural, não obstante, que abusos existam. Há, e a jurisprudência demonstra isto, inúmeras normas de decisão marcadas pelo excentrismo, pela obscuridade, pelo personalismo, preferências pessoais do juiz. De qualquer sorte, essa ‘abertura’ interpretativa, ou plasticidade, fruto da normatividade (pós-positivista) dos princípios, pode contribuir sobremaneira para o subjetivismo judicial” (2014, p. 71). E continua asseverando que “para o subjetivismo jurídico existem mecanismos de contenção que devem ser cobrados. Trata-se, em bem verdade, de uma segurança jurídica possível – ou de uma insegurança jurídica evitável” (2014, p. 74).
30
Retomando a situação brasileira, é notório que os escândalos, quase que diários, de
novos casos de corrupção28 envolvendo valores estratosféricos – as cifras divulgadas nos
noticiários saltaram de milhões para bilhões de reais em desvio de contratos para pagamento a
agentes públicos29 – somados à dificuldade no combate efetivo a essa modalidade de ilícito
(seja na esfera administrativa, seja na penal) estão incrementando um sentimento de revolta na
população brasileira, inclusive com a eclosão cada vez mais frequente de manifestações nas
ruas pela sociedade civil.
Mateus Bertoncini (2007) destaca que o problema não é a ausência de leis
sancionadoras da corrupção, mas na sua ineficácia, por absoluta apatia das elites – as maiores
beneficiárias – em reagir contra os desmandos administrativos, confirmando o que Ruy
Barbosa denominou um “regime da impunidade”, em detrimento do povo brasileiro, sua
maior vítima.
Em análise da ineficiência do sistema judicial brasileiro de combate à corrupção,
Diogo Castor de Mattos (2015, p. 18) escreve:
Nesse contexto, as garantias processuais são tão superestimadas que se esquece que o processo não é um fim em sim mesmo, mormente quando milhares de ações criminais são fulminadas à espera do segundo reexame de mérito no Superior Tribunal de Justiça (...) Em conclusão, “no Brasil, contam-se como exceções processos contra crimes de corrupção e lavagem que alcançam bons resultados. Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou prescrição pelo excesso de tempo transcorrido”30.
Trata-se efetivamente de um problema de interpretação constitucional. Mário Jorge e
Silva Neto (2016, p. 50) asseveram que a inadequação do procedimento interpretativo
28 Não parece ser necessário muito esforço teórico para demonstrar a realidade da má gestão pública no Brasil, é verdade. Não estamos bem situados nos índices de Transparência Internacional, tampouco nos noticiários nacionais e internacionais, menos ainda na percepção geral da cidadania brasileira e, sobretudo, em face dos resultados que os mais variados Governos têm alcançado em suas gestões, cujas falhas, lacunas, vícios e problemas saltam aos olhos da população, que sofre na “carne” e no “espírito” todos os seus possíveis desdobramentos. O espetáculo dos escândalos colabora para o agravamento das percepções pessimistas ou deprimidas, afetando todas as instâncias do Poder Político, arraigando-se nas Administrações Públicas de todos os níveis. Tais constatações não exigem maiores esforço, visto que decorrem de nosso cotidiano, do bom senso que há de marcar observadores isentos e atentos (OSÓRIO, 2011). 29 Os números divulgados pelo Ministério Público Federal somente no caso “Lava Jato” retratam que houve a instauração de 1.291 procedimentos, 643 buscas e apreensões, 175 mandados de condução coercitiva, 74 mandados de prisão preventiva, 91 mandados de prisão temporária, 6 prisões em flagrante, 61 acordos de colaboração premiada, 108 pedidos de cooperação internacional, o oferecimento de 44 denúncias em desfavor de 216 pessoas (sem repetição de nome), 106 pessoas condenadas, a estimativa de desfalque de 6,4 bilhões do erário e a já recuperação de 2,9 bilhões de reais (A LAVA JATO ..., 2016). 30 Nessa citação Mattos (2015, p. 18) menciona trecho de autoria de Moro e Bochenek, no artigo “O problema é o processo” publicado no Jornal O Estado de São Paulo, na edição de 29 de março de 2015.
31
constitucional adequado produz efeitos altamente desastrosos, inclusive no que se refere à
concretização dos direitos fundamentais, cujas dificuldades de efetivação estão intimamente
ligadas à falta de consciência constitucional31.
“Embora já tenhamos, desde 1988, um novo modelo de Direito, nosso modo-de-
fazer-Direito continua sendo o mesmo antanho, isto é, olhamos o novo com os olhos do velho,
com a agravante de que o novo (ainda) não foi tornado visível” (STRECK, 2002, p.187).
Nesse sentido, o momento atual conduz inexoravelmente à pretensão de medidas
eficazes do resguardo do patrimônio público, de tal modo que leva à reflexão sobre a possível
reformulação da própria significação do interesse público no ordenamento jurídico brasileiro,
em especial quando se está em debate com questões relativas à preservação ou restauração da
probidade administrativa na medida em que está na seara de concretização dos direitos
fundamentais.
O administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 1095) ilustra com
maestria a força do contexto vigente na modificação da própria forma de compreensão do
Direito:
As ideias jurídicas vigentes em um dado período sofrem inevitável influência do ambiente cultural em que estejam imersas. Com efeito, o mundo do Direito não vive em suspensão, alheio ao contexto socioeconômico que lhe serve de engaste. Pelo contrário, as concepções dominantes em uma sociedade são as que ofertam a matéria-prima trabalhada pelos legisladores e depois pelos intérpretes das regras por ele produzidas. O substrato político, econômico e social conformador de uma coletividade produz uma certa “cultura”, ou seja, uma dada maneira de ver, compreender e valorar o conjunto de relações sociais que ali se processa, de maneira que é neste contexto que residem os ideais presidentes de sua coesão.
A própria concepção da Constituição de 1988, como fica demonstrada desde sua fase
de Assembleia Constituinte, ergue-se com o forte discurso social de combate à corrupção e de
fiscalização. “A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune
31 “A almejada consolidação de uma consciência constitucional no Brasil é um processo em fase embrionária para o qual, como visto, é duvidosa a contribuição da doutrina ao abrigar a ideia de que, finalmente, o sistema da ciência do direito constitucional triunfou, aqui e ali” (SILVA NETO, 2016, p. 22). Percebe-se que o autor, em posição contrária a constitucionalistas como Barroso, traz fortes críticas ao constitucionalismo brasileiro, qualificando como tardio em virtude de causas históricas, políticas e jurídicas que impedem a constituição de uma cultura constitucional, isto é, da formação de comportamentos e condutas, públicas ou privadas, propensas a: I) preservar a vontade da constituição; II) efetivar, no plano máximo possível, os princípios e normas constitucionais; e III) disseminar o conhecimento a respeito do texto constitucional.
32
tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não
deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública32”.
Portanto, vislumbra-se que a redemocratização brasileira advinda com a nova ordem
constitucional representou indubitavelmente um significativo avanço em sede de direitos
fundamentais, até então cerceados pelo regime de exceção. Entrementes, a concretização
desses mesmos direitos, em especial quando relacionados a temas de repressão à malversação
do erário e assuntos correlatos, ficou bastante aquém do que foi formalizado no texto
constitucional.
E essa deficiência de efetividade afeta diretamente toda coletividade, na medida em
que prejudica33 (i) a prestação de serviços públicos de qualidade (saúde, segurança pública
educação etc.); (ii) acarreta no aumento da tributação para compensar os recursos desviados e
desperdiçados; (iii) prejudica a imagem do país no cenário internacional;34 e (iv) descrença
social perante as instituições35.
Esse imbróglio merece a atenção devida até para não desaguar naquilo em que se
convencionou de compromissos dilatórios presentes em uma linguagem constitucional
hipertroficamente simbólica, em que há a previsão constitucional como meio de diminuir as
tensões existentes entre os grupos interessados, prorrogando a solução do problema para um
futuro incerto. Acalmam-se os ânimos, dando esperança aos incrédulos, todavia a situação a
quo persiste (NEVES, 2011, p.123).
Essa simbologia normativa constitucional, carente de efetividade, teve durante as
duas primeiras décadas, após a redemocratização a função ideológica de promover a
confiança no Estado ou no governo. Contudo, paradoxalmente, converteu-se em fator de
desconfiança na própria figura do Estado, como bem previu Neves (2011, p.123).
32 Trechos do discurso do então parlamentar Ulysses Guimarães, durante a Assembleia Constituinte, no dia 05 de outubro de 1988 (DISCURSO..., [199-]). 33 Malgrado todos os prejuízos advindos com a corrupção, esta produz inusitadamente alguns aspectos positivos, como destaca o autor espanhol Jorge F. Malem Seña (2014, p. 61). “Parece existir certa correlación entre la corrupción y la modernización de um estado y que, por lo tanto, bajo ciertas circunstancias, conviene incentivar las práticas corruptas, y no precisamente prohibirlas. Los efectos <<modernizadores>> de la corrrupción, de acuerdo com estas tesis, pueden examinarse según el impacto que tengan em el desarrollo económico de la sociedad, em la estructura y en la integración social, y em el cambio em las instituciones políticas y administrativas”. 34 Segundo dados apresentados pela organização Transparência Internacional, no último levantamento, realizado em 2015, o Brasil, piorando em comparação ao ano antecedente, obteve o 38º lugar em uma relação de 168 países e territórios, estando em condições mais desfavoráveis do que nações como Ruanda, Namíbia, Senegal e Jamaica. “A country or territory’s score indicates the perceived level of public sector corruption on a scale of 0 (highly corrupt) to 100 (very clean). A country's rank indicates its position relative to the other countries in the index. This year's index includes 168 countries and territories. Click on the column headings to sort the results, or use the search to view the results for one country.” (TRANSPARENCY, 2015) 35 A descrença social perante as instituições atinge sobretudo o Legislativo e o Executivo (BENEVIDES, 1991, p. 197).
33
De nada adianta prever o respeito à probidade e à moralidade públicas se
efetivamente não há o respeito pelos indivíduos (abarcando os que compõem a estrutura
estatal) e a devida punição, com restabelecimento dos valores morais e resgate das quantias
desviadas. A ausência de punição para esses tipos de infrações funciona, inclusive, como
efeito catalisador de sua própria proliferação.
Assim, merece o aprofundamento e a efetivação que lhe são desejados pela ordem
constitucional, nesse momento delicado pelo qual passa o país, das normas jurídicas que
vieram para resguardar a probidade da administração pública.
Obviamente, não se propõe o sacrifício de direitos e garantias constitucionais
arduamente conquistados no decorrer da história. Contudo, o falso discurso de respeito aos
direitos fundamentais não pode servir para a própria inviabilidade desarrazoada da
concretização de outros direitos fundamentais, especialmente quando se está em debate
questões relacionadas à probidade.
Nesse contexto, é inequívoco que um dos principais anseios após a redemocratização
brasileira, manifestado diariamente no cotidiano, é o combate efetivo à corrupção e às práticas
similares moralmente condenáveis pela ordem constitucional. A implementação de medidas
jurídicas, administrativas e sociais que contemplem o respeito à coisa pública é uma
de9manda atual da sociedade brasileira.
Prender-se na ilusão da preservação dos direitos individuais, levando-os às últimas
consequências, sem, contudo, uma reflexão mais aprofundada, reflete na fuga de um problema
maior, que está por vir caso não se chegue a uma solução eficaz: esses mesmos direitos civis
preservados aos poucos vão sendo tolhidos pela degradação paulatina da coisa pública36.
Traçado o panorama da demanda nacional de respeito ao princípio de administração
proba e demais correlatados, discorrer-se-á sobre sua íntima relação com a concretização dos
direitos do homem, em especial com o princípio da dignidade humana.
1.4 Administração proba como princípio concretizador dos direitos fundamentais
A discussão que envolve a constatação de que o direito à administração proba é
efetivamente uma manifestação dos direitos fundamentais do homem, em caráter universal,
36 Como foi abordado, a corrupção afeta a qualidade e quantidade da prestação dos serviços públicos. A ausência de investimento adequado em áreas como segurança pública, saúde e educação afeta direitos fundamentais correlatos, como a liberdade de locomoção e o direito de igualdade, por exemplo, ambos previstos no art. 5º, caput, da Constituição de 1988.
34
inicialmente requer a remissão sobre seus precedentes históricos, notadamente aquele que
veio a ser o grande marco histórico dos direitos fundamentais do homem37.
Não obstante a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
proclamada durante a Revolução Francesa, é utilizada como marco histórico de consagração
dos direitos de primeira geração, no seu preâmbulo já havia a exposição da corrupção como
expressão da violação dos direitos do homem38.
O art. 12 da Declaração versa que a “garantia dos direitos do homem e do cidadão
necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para
utilidade particular daqueles a quem é confiada”. Portanto, a preocupação em se distinguir a
coisa pública dos interesses particulares dos governantes não é acontecimento recente,
estando presente expressamente no século XVIII, desde o surgimento dos direitos
fundamentais na formação do Estado de Direito (CASTRO, 2007, p. 251).
Prosseguindo, explicita-se que o art. 15 do documento histórico estabelecia que “a
sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração”. Neste
dispositivo, observa-se nitidamente a conotação do princípio da transparência da
administração pública, bem como a necessidade da prestação de contas do gestor para
apreciação de sua regularidade.
Na etimologia da palavra, corrupção provém da expressão latina corruptio, que, por
sua vez, deriva da junção dos vocábulos cum e rumpo (romper). Assim, interpreta-se
literalmente como romper totalmente, ou seja, “ruptura das estruturas, de quebra daquilo que
constitui o fundamento de algo” (CALIXTO, 2010, p. 17).
No Brasil, desde a sua primeira Constituição, ainda no período do Império, já havia a
inserção de normas relacionadas a probidade administrativa39, na época com previsão para
37 A análise minuciosa dos precedentes históricos mais primitivos sobre corrupção foge aos objetivos deste trabalho, motivo pelo qual se optou por adentrar no tema a partir do referencial mais bem delineado que foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Contudo, ressalva-se a existência de fases pretéritas, quais sejam: 1) do referencial linguístico Aristotélico; 2) do império romano; 3) da idade média; e 4) do pensamento político moderno (FILGUEIRAS, 2008, p. 29-81). 38 Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. (DECLARAÇÃO..., [200-?]). 39 Art. 133 da Constituição Imperial de 1824. Os Ministros de Estado serão responsáveis: (...) II. Por peita, suborno, ou concussão. III. Por abuso do Poder. IV. Pela falta de observância da Lei. (BRASIL, 1824). Todas as demais Constituições brasileiras, sejam as promulgadas, sejam as outorgadas, previram expressamente a responsabilização do Chefe do Executivo (Constituições de 1891 – art. 54, 6º; 1934 – art. 57, f; 1937 – art. 85, d; 1946, art. 89, V; 1967 – art. 84, V; 1969 – art. 82, V; e 1988 – art. 85, V). (BRASIL, 1891).
35
responsabilização de Ministros de Estado. Na seara infraconstitucional, os diplomas legais
incipientes foram as Leis n. 3.164/1957 (Lei Pitombo-Godói Ilha) e n. 3.502/1958 (Lei Bilac
Pinto), sendo que atualmente a matéria é regida pela Lei n. 8.429/1992.
Em se tratando da atual Constituição, observa-se referência expressa inicial em seu
art. 14, § 9º 40, ao transferir para lei complementar hipóteses de inelegibilidade para proteção
da probidade administrativa e moralidade necessários ao exercício do mandato político.
Mais um pouco à frente do dispositivo supramencionado, o art. 15, inciso V, da
Constituição41, prevê a possibilidade de cassação ou suspensão dos direitos políticos em casos
de improbidade administrativa.
Prosseguindo, tem-se o art. 37, caput, da Constituição que norteia explicitamente a
administração pública, direta e indireta, e de qualquer dos Poderes da República, por
princípios próprios – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência –, os
quais servem à boa administração, a uma administração proba, o que equivale a prestada com
honestidade, honradez, integridade de caráter e retidão (MEDAUAR, 2013, p. 152-153).
No mesmo dispositivo constitucional, mais especificamente em seu § 4º, há outra
previsão de que os “atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário,
na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Não custa recordar
que a norma infraconstitucional citada é a Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade
Administrativa).
Também há, no art. 85 42, a previsão de crimes de responsabilidade praticados pelo
Chefe do Executivo quando violar a Constituição através de atentado à probidade
administrativa. Regulamentado o parágrafo único do referido disposto constitucional, há a Lei
n. 1.079/1950, recepcionada em grande parte pela atual Constituição. Esse diploma legal foi
alterado parcialmente pela Lei n. 10.028/2000, resultando na ampliação das hipóteses
previstas de infrações político-administrativas, especialmente no que concerne aos crimes
contra a lei orçamentária43.
40 “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. 41 Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (...) V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. 42 Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) V - a probidade na administração. 43 O capítulo V, do Título I, primeira parte, da Lei n. 1.079/1950, traz os casos de crimes de responsabilidade relacionados a atos que atentem contra a probidade na administração pública, sendo: 1 - omitir ou retardar
36
Há também no texto constitucional a instituição do sistema de controle interno das
contas públicas, em atendimento à probidade, consoante art. 7444.
Seguindo a linha delineada pela Constituição, no âmbito infraconstitucional,
destacam-se a Lei n. 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade; Lei n. 8.429/1992
(Lei de Improbidade Administrativa); Lei n. 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro); Lei n.
12.683/2012, que torna mais eficiente o combate à lavagem de dinheiro; Lei n. 12.846/2013
(Lei Anticorrupção), que prevê a responsabilização civil e administrativa das pessoas jurídicas
que atentem contra a administração pública. Existem diversos outros diplomas legais, a
exemplo de disposições específicas no Código Penal e disposições normativas distribuídas na
legislação federal, estadual e municipal.
Em que pese a clareza das normas constitucionais e, consequentemente, os largos
avanços efetuados até o momento45, tem-se vislumbrado que não se está conseguindo, de per
si, cumprir a razão básica norteadora de sua concepção: reduzir a índices toleráveis os atos
que impliquem em dilapidação do erário e atentem contra a moralidade administrativa.
O estágio vigente do mundo, com destaque para a realidade brasileira, requer uma
elevação ainda superior da consagração constitucional desses princípios. É preciso mais. A
roupagem constitucional de princípios relacionados à boa administração foi relevante, todavia
se tem demonstrado insuficiente. O próximo passo histórico-evolutivo está voltado para a
dolosamente a publicação das leis e resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo; 2 - não prestar ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior; 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; 4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição; 5 - infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais; 6 - Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim; e 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. 44 “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. § 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”. 45 Um desses avanços é muito bem retratado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2015, p. 804), para quem “a inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição foi um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e à impunidade no setor público. Até então, a improbidade administrativa constituía infração prevista e definida apenas para os agentes políticos. Para os demais, punia-se apenas o enriquecimento ilícito no exercício do cargo. Com a inserção do princípio da moralidade na Constituição, a exigência de moralidade estendeu-se a toda a Administração Pública, e a improbidade ganhou abrangência maior, porque passou a ser prevista e sancionada com rigor para todas as categorias de servidores públicos e a abranger outras que não apenas o enriquecimento ilícito”.
37
adoção de um novo paradigma, que contemple todo o ordenamento jurídico em suas diversas
facetas.
A compreensão de um novo modelo que seja compatível com os postulados do
princípio da administração proba implica, na esfera dos direitos fundamentais do homem,
como norma de concretização da dignidade da pessoa humana46, servindo de vetor para toda a
realidade, desde a interpretação das normas, como o respectivo processo de elaboração, além
da orientação para os agentes públicos e de aplicações, inclusive, no domínio das relações
privadas quando houver interesse público relacionado à boa administração.
O constitucionalista Silva (2009, p. 180), ao traçar os conceitos dos direitos
fundamentais do homem, ensina sobre os quais que:
além de referir-se a princípios que resumem a concepção de mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível de direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser não apenas reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.
Realizadas tais considerações, suscita-se a indagação sobre a permissibilidade dessa
nova acepção no ordenamento jurídico pátrio. Esse suposto obstáculo sequer existe quando é
feita uma análise mais atenta dos direitos implícitos, do regime vigorante e dos princípios
adotados pela Constituição.
O caput do primeiro dispositivo da Constituição Federal de 1988, ao consagrar a
República como forma de governo, em contraposição ao regime monárquico, sobressalta a res
publica, enaltecendo a importância da coletividade desde o início das normas constitucionais
básicas e pilares.
Seguindo adiante, observa-se que dos fundamentos da República Brasileira47, da
fixação da soberania popular48, dos objetivos a serem alcançados49 e dos princípios que regem
46 Bolesina e Leal (2013, p. 41), em sucintas palavras, salientam com destreza a relação entre direitos fundamentais e a máxima da dignidade humana, expondo que “a maioria dos direitos fundamentais representa o respeito à dignidade da pessoa humana e o meio pelo qual ela será concretizada. Igualmente, tem-se ciência de que os direitos fundamentais, dada a sua importância singular para a dignidade humana, representam a máxima instância de direitos a serem tutelados e protegidos, sendo instituídos, por tal razão, em nível constitucional, com méritos de superconstitucionalidade, no sentido de serem tidos como os principais e nucleares direitos de um ordenamento jurídico”. 47 O art. 1º da Constituição traz como fundamentos da República do Brasil: I – soberania; II – cidadania; III – dignidade da pessoa humana; IV – valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – pluralismo político.
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o país nas relações internacionais também é possível extrair um conteúdo que se coaduna com
o direito do homem a uma administração proba, principalmente quando se evidencia que há
uma “relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais dos
indivíduos” (GARCIA; ALVES, 2013, p. 25).
Assevera-se ainda que os objetivos fundamentais da República brasileira, previstos
em seu art. 3º 50, só serão alcançados no âmago de uma administração proba, pois são
incompatíveis com a corrupção, ineficiência51 e deslealdade institucional52 (OSÓRIO, 2011,
p. 138). “Não há dúvidas de que esses objetivos constitucionais são incompatíveis com os
deletérios efeitos causados pela corrupção” (BERTONCINI, 2007, p. 141).
Corroborando a preocupação com a coisa pública, tem-se a legitimação de qualquer
cidadão para propositura de ação popular para fins de anular ato lesivo ao patrimônio público
ou moralidade administrativa, dentre outras hipóteses, conforme art. 5º, inciso LXXIII, da
Constituição53.
A política de confronto preventivo e repressivo a esses ilícitos – infrações civis,
criminais, político-administrativas, administrativas e/ou de improbidade stricto sensu54 – que
atentem contra uma administração proba deve ocorrer de maneira integrada e coordenada
pelos Estados e em consonância com os acordos internacionais firmados. Bem assim assevera
Ramos (2002, p. 7):
48 O parágrafo único do art. 1º da Constituição dispõe sobre a soberania popular, traçando que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 49 Celso Bastos (1997, p. 159), ao examinar os objetivos fundamentais da República do Brasil, mencionados no art. 3º da Lei Fundamental, diz que “a ideia de objetivos não pode ser confundida com a de fundamentos, muito embora, algumas vezes, isto possa ocorrer. Os fundamentos são inerentes ao Estado, fazem parte de sua estrutura. Quanto aos objetivos, estes consistem em algo exterior que deve ser perseguido”. 50 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 51 O ato ímprobo não se relaciona diretamente com a conduta ilícita dolosa de corrupção, mas à desonestidade funcional relacionada “a ausência de zelo, de atenção, de cuidado com a coisa pública, de diligência, de prudência que se espera e exige de qualquer agente público” (ALBAGLI, 2014, p. 111). 52 A lealdade está vinculada com a confiança depositada nos agentes públicos em geral. “Baliza as relações entre eleitores e escolhidos, administradores públicos e administrados, funcionários públicos em geral e os destinatários de suas decisões, governantes e governados” (OSÓRIO, 2011, p. 139). 53 “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. 54 Os ilícitos que atentem contra uma administração proba podem ser classificados nos seguintes: 1) violadores de normas administrativas ou de normas político-administrativas; 2) violadores de normas penais; 3) violadores de normas civis; 4) violadores de normas da Lei n. 8.429/1992, definidores de atos de improbidade stricto sensu; e 5) violadores de convenções internacionais (GARCIA, 2007, p. 231).
39
A tutela de probidade administrativa não é mais um imperativo meramente nacional, mas sim internacional, baseada na análise de diplomas normativos internacionais, explicitando o fundamento atual dessa internacionalização do combate a práticas de corrupção, que é a implementação de direitos humanos.
Portanto, nota-se que o interesse do homem a uma administração proba pode e deve,
como de fato o é, ser tutelado pelo direito nos planos jurídicos nacional e internacional.
Ademais, o seu desrespeito enseja grave violação à normas basilares do Estado Democrático
de Direito e da própria concepção de República, primordialmente em um ordenamento
jurídico em que se encontra erguido em prol da dignidade da pessoa humana.
Retomando à taxinomia inaugurada pelo jurista tcheco-francês Karel Vasak,
Bertoncini (2007, p. 114) inicialmente alocou o direito fundamental à administração proba na
categorização dos direitos de terceira geração e de natureza transnacional. Mais adiante,
passou a considerar como direito transnacional, fundamentando-se no art. 5º, § 2º, da
Constituição55. “Pode-se seguramente afirmar que estamos diante de um direito público
subjetivo dos povos e nações, em outras palavras, um novo direito fundamental: o direto
fundamental à probidade administrativa” (BERTONCINI, 2012, p. 44).
A universalidade ou, como outros preferem, a transnacionalidade do direito
fundamental à administração proba fica evidenciada nos tratados ou convenções
internacionais em que o Brasil é signatário e estão vigentes, tais como: 1) Convenção sobre o
combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais56; 2)
Convenção interamericana contra a corrupção57; e 3) Convenção das Nações Unidas contra a
corrupção58.
Consequentemente, o enfrentamento à corrupção ultrapassa os limites territoriais das
nações, na medida em que, no mundo globalizado, as infrações de colarinho branco e
correlatos tendem também a se internacionalizarem, atuando por meio de organizações
criminosas internacionais, as quais se valem da lavagem de dinheiro59 em smurfing, em
55 Art 5º, § 2, da Constituição. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 56 Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 125/2000 e promulgada pelo Decreto n. 3.678/2000, inserindo, por intermédio da Lei n. 10.467/2002, os crimes previstos nos arts. 337-B, 337-C e 337-D no Código Penal, criminalizando a corrupção ativa nas transações comerciais internacionais e o tráfico de influência. Segundo Mônica Nicida Garcia (2007, p. 328-329), o aspecto inovador foi a responsabilização dos particulares, corruptores de funcionários públicos estrangeiros. 57 Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 152/2002 e promulgada pelo Decreto n. 4.410/2002. 58 Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 348/2005 e promulgada pelo Decreto n. 5.687/2006. 59 O combate à lavagem de dinheiro abrange um regime internacional composto por diversos tratados e convenções internacionais (hard law) e pela atuação de organismos internacionais como o GAFI – Grupo de
40
sistemas alternativos de remessas, em giros internacionais, em cuckoo smurfing, em sistema
de dólar-cabo ou euro-cabo, em contas ocultas no exterior, em contas-conduítes, em paraísos
fiscais e centros financeiros (offshores)60, dentre outras tipologias61.
O panorama constitucional – expresso, implícito e de incorporação convenções e
tratados internacionais de direitos humanos – revela a natureza de direito fundamental da
administração proba. “O discurso de ataque à improbidade é, e deve ser, simultaneamente, o
discurso de defesa dos direitos humanos atingidos pelo ato ímprobo, direta ou indiretamente”
(OSÓRIO, 2011, p. 311).
Preciosas são as palavras de Albagli (2014, p. 88):
Assim, não há dúvidas de que o direito à probidade administrativa é um direito de natureza fundamental, com assento constitucional, e visa salvaguardar outros direitos e garantias fundamentais de igual relevância. Neste contexto, transverte-se em uma verdadeira ‘âncora normativa’, fomentando uma saudável relação de interdependência com outros direitos e garantias fundamentais, de mesma forma socialmente substanciosos.
Ação Financeira (soft law) (CARLI, 2014, p. 214). Dentre os documentos internacionais de maior relevo, citam-se: 1) Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988); 2) Convenção sobre Lavagem, Busca, Apreensão e Confisco de Produtos do Crime (Convenção de Estrasburgo de 1990); 3) Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000); 4) Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003); 5) Convenção do Conselho da Europa sobre Lavagem, Busca, Apreensão e Confisco de Produtos do Crime e sobre o Financiamento do Terrorismo (Convenção de Varsóvia de 2005); e 6) Resolução 1617 do Conselho de Segurança da ONU de 2005, que incita as nações membras implementarem os padrões internacionais representados pelas Recomendações do GAFI. 60 Para uma análise mais aprofundada sobre o tema, recomenda-se a leitura da obra de Carla Veríssimo de Carli (2014), onde há a autora de forma minuciosa detalha as diversas técnicas utilizadas para o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Acerca das situações mencionadas, explicita-se sucintamente cada uma delas: 1) Smurfing: divisão de valores maios em menores, através de depósitos ou de movimentações financeiras, com o objetivo de evitar a comunicação obrigatória de operação suspeita ou não despertar confiança por parte dos órgãos fiscalizadores; 2) Sistemas alternativos de remessa: qualquer sistema para transferir dinheiro de um lugar para o outro alheios às operações bancárias; 3) Giros internacionais: fracionamento de valores pertencentes a criminosos que serão remetidos para outros países por intermédio de cidadãos nacionais da nação de destino; 4) Cuckoo smurfing: Ingresso de grandes somas de dinheiro em contas de terceiros de boa-fé de países distintos; 5) Sistema de dólar-cabo ou euro-cabo: remessa de dólar ou euro para o exterior mediante a utilização de doleiros à margem do sistema legal; 6) Contas ocultas no exterior: depósito ou direcionamento dos recursos para contas ocultas no estrangeiro não declaradas à Receita Federal ou ao Banco Central; 7) Contas-conduítes: hipótese em que os criminosos abrem contas no exterior em nomes de pessoas ou empresas com aparência de legalidade em razão de transações lícitas; e 8) Paraísos fiscais e centros financeiros (offshores): investimentos em paraísos fiscais através da constituição de pessoas jurídicas e arranjos legais (trusts), que garantem o anonimato de seus investidores, os quais contam com tributação reduzida ou nula sobre os rendimentos. 61 O Grupo de Ação Financeira da América Latina (GAFILAT) assim conceitua: “tipologia, no contexto de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, entende-se a classificação e a descrição das técnicas utilizadas pelas organizações criminosas para dar uma aparência de legalidade aos fundos de proveniência lícita ou ilícita e transferi-los de um lugar para o outro ou entre pessoa para financiar as suas atividades criminosas” (GAFILAT, 2000). O rol de tipologias vem aumentando na medida em que as organizações criminosas buscam novos métodos de cometimento da lavagem.
41
Alexy (1999, p. 61) ensina com maestria peculiar quando um determinado interesse
do homem pode e deve ser tutelado pelo direito, bem como quando esse interesse é tão
fundamental ao ponto de ser elevado à categoria de direito fundamental do homem. “Deve
tratar-se, em primeiro lugar, de interesses e carências que, em geral, podem e devem ser
protegidos e fomentados pelo direito”. Em seguida, o autor exemplifica a necessidade do
homem ao amor, cujo interesse não é passível de ser compelido pelo direito. Continua
afirmando:
A segunda condição é que o interesse ou a carência seja tão fundamental que a necessidade de seu respeito, sua proteção ou seu fomento se deixe fundamentar pelo direito. A fundamentabilidade fundamenta, assim, a prioridade sobre todos os escalões do sistema jurídico, portanto, também perante o legislador. Um interesse ou uma carência é, nesse sentido, fundamental quando sua violação ou não-satisfação significa ou a morte ou sofrimento grave ou toca no núcleo essencial da autonomia.
Além do aspecto constitucional, a probidade incorpora também compromissos ético e
social. Nas últimas décadas, a relação entre ética e Direito adquiriu maior proximidade com o
que se convencionou como neoconstitucionalismo ou o novo direito constitucional62, onde a
manifestação dos direitos fundamentais se dá de forma estreita com valores e ideais de justiça
que ética (ALBAGLI, 2014, p. 90).
O compromisso social da probidade é perceptível quando se observa que os atos do
poder público não visam, por si só, a existência do Estado, mas servem para o atendimento
dos reclamos e anseios sociais e individuais, servindo, ou seja, para satisfação dos objetivos
fundamentais da República enumerados no art. 3º da Constituição (ALBAGLI, 2014, p. 94).
Como bem lembrou Kant (2007, p. 69), “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na
tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e
nunca simplesmente como meio”.
Distinguidas as dimensões social, ética e constitucional da probidade, passa-se, neste
momento, à constatação de que o seu conteúdo formal está presente a partir do momento em
que a constituição e normas infraconstitucionais preveem em suas disposições mecanismos
para o combate à corrupção, ineficiência e deslealdade institucional (ALBAGLI, 2014, p. 94).
62 Barroso (2015, p. 519) leciona que esse novo direito constitucional tem uma trajetória em três marcos: (i) Histórico, consubstanciado no constitucionalismo europeu no período pós-guerras e, no Brasil, com a redemocratização advinda com a Constituição de 1988; (ii) Filosófico, que se manifesta no pós-positivismo, como uma terceira via alternativa que foge os radicalismos do positivistas e dos jusnaturalistas; e (iii) Teórico, que envolve o reconhecimento da força normativa da disposições constitucionais, a expansão da jurisdição constitucional e a nova interpretação constitucional.
42
Embora não esteja no rol do art. 5º da Constituição, a probidade administrativa é
tratada em expressamente nos art. 14, § 9º, e 15, inciso V, ambos inseridos no Título II, que
trata dos direitos e garantias fundamentais, cuja topografia do texto constitucional revela ser
gênero dos seguintes direitos: “os direitos individuais, os direitos coletivos, os direitos sociais,
os direitos de nacionalidade e os direitos políticos e os relacionados aos partidos políticos,
conforme indicam os vários capítulos do Título II” (DIMOULIS; MARTINS, 2014, p. 42).
No entanto, o aspecto formal não se perfaz suficiente para abarcar o preenchimento
do conteúdo da probidade administrativa. “Definir improbidade administrativa em vista de
exclusiva verificação formal não permite a captação, em sua totalidade, das características
fundamentais dessa categoria” (BERTONCINI, 2007, p. 117).
Imagina-se situações em que o agente público se detém de um objeto de ínfimo
valor, a exemplo de uma caneta ou agenda pertencentes ao patrimônio estatal ou, ainda, que
tenha agido mediante erro escusável. Nesses casos e em hipóteses similares, conquanto haja o
enquadramento meramente formal do ato improbo – por qualquer dos ilícitos previstos nos
arts. 9º, 10 ou 11, da Lei n. 8.429/199263 – não se preenche o seu conteúdo matéria, pois não
havendo efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. “Exige-se do intérprete da norma
contextualizada a realização de indispensável juízo de valor, que ultrapassa análise
meramente formal, sob pena de se realizar uma verificação incompleta dessa categoria
(BERTONCINI, 2007, p. 129).
Outro aspecto que merece destaque, manifesta-se no fato de que a violação ao
princípio à administração proba enseja inevitavelmente no desrespeito ao valor axiológico do
princípio da dignidade da pessoa humana. E, não raro, a vinculação de danos entre esses
direitos fundamentais é também de causalidade objetiva, causa e efeito. “Em outros termos, a
fundamentalidade em sentido material está ligada à essencialidade do direito à implementação
da dignidade humana” (PEREIRA, 2006, p. 77).
Sobre o assunto, Albagli (2014, p. 131) conclui:
Não há dúvida de que o direito (fundamental) à probidade administrativa é essencial (“essencialidade”) ao atingimento (“implementação”) efetivo da dignidade humana. Em suma, há de se indagar como seria possível
63 A respeito do modelo tipológico dos atos ímprobos adotados pela Lei nº 8.429/1992, Albagli (2014, p. 110) afirma que “o legislador ordinário optou por estabelecer um sistema de subsunção típica progressiva, preferindo a tentativa de adequação aos atos estabelecidos no art. 9º (que importem em enriquecimento ilícito), depois os estabelecidos no art. 10 (que causam prejuízo ao Erário) e só então aos previstos no art. 11 (que ofendam princípios da administração pública. A tentativa de subsunção típica do ato concreto em um dos tipos previstos na LIA parte, assim, do art. 9º, ao art. 10 e ao art. 11”. Essa tipologia progressiva da LIA compreende os atos de corrupção, ineficiência e deslealdade institucional, respectivamente.
43
implementar a dignidade humana, no âmbito da administração pública, prescindindo-se da probidade (honestidade, eficiência e lealdade) administrativa.
Basta imaginar as situações em que o ilícito praticado contra a administração proba
ocasionar desvios de recursos públicos que seriam aplicados em setores da educação, saúde,
segurança pública etc. Mesmo em se tratando de direitos sociais, a inexistência do mínimo
existencial destes irá, no caso aludido, ser um empecilho à efetivação da dignidade da pessoa
humana64. “O mínimo existencial guarda íntima relação com a dignidade da pessoa humana”
(BOLESINA; LEAL, 2013, p. 82-83).
No tocante ao mínimo existencial, Albagli (2014, p. 161) recorda que para uns é
concebido como um direito fundamental, enquanto que para outros é entendido como um
conteúdo mínimo dos direitos fundamentais. O autor prossegue afirmando que a maior
importância não reside nessa diferenciação, mas no reconhecimento da sua fundamentalidade
para a concretização dos direitos fundamentais. “Ao se reconhecer a fundamentalidade do
mínimo existencial, este conteúdo, por mais vago e impreciso que seja, só será efetivamente
preenchido por uma administração pública efetivamente proba”.
Assim como operou em outros ramos da ciência jurídica, a administração pública não
ficou imune ao fenômeno da constitucionalização dos direitos. É justamente uma das áreas do
Direito mais influenciadas, visto que a sua atividade se encontra fundamentada na própria
constituição, consagrando valores e princípios para sua atuação (BEDENDI, 2010, p. 285).
Demonstrado o status de direito fundamental conferido à administração proba, na
medida em que se trata de único caminho possível para implementação do princípio da
dignidade da pessoa humana na seara da administração pública – sua necessidade para a
concretude de uma existência digna –, ingressar-se-á a seguir no debate político, jurídico e
filosófico que envolve as novas perspectivas para o interesse público no âmago de uma
administração proba.
64 Luís Roberto Barroso (2015, p. 284) ensina que o próprio constitucionalismo democrático tem por fundamento e objetivo a dignidade da pessoa humana, a qual é concebida princípio jurídico de status constitucional e fundamental, de modo que desempenha funções de fonte direta de direitos e deveres e de orientar o sentido e alcance dos direitos constitucionais.
44
2 NOVAS PERSPECTIVAS DO INTERESSE PÚBLICO
2.1 O povo como manifestação político-jurídica da coletividade
Tratar das novas perspectivas do interesse público, na conjectura brasileira atual,
remete, impreterivelmente, às noções de cidadania e coletividade, as quais, por sua vez,
exigem alguns apontamentos prévios sobre a noção de povo, cujo debate demonstra o estreito
vínculo – e não identidade – que envolve os quatros conceitos.
Longe de deter um sentido único e unânime, a acepção sobre o significado da
expressão povo possui uma variedade tamanha que pode gerar confusões e equívocos a
depender do contexto em que esteja sendo utilizada, de tal modo que requer uma prudência
mínima do leitor para a compreensão correta de cada situação. Somente, posteriormente, é
que será possível destacar a acepção relevante para este estudo, qual seja: o seu aspecto
jurídico. “O termo povo está entre aqueles que, pelo uso indiscriminado e excessivo,
acabaram por tornar-se equívocos, sendo necessário um grande esforço para, antes de tudo,
depurá-lo das deformações e, depois disso, estabelecer sua noção jurídica” (DALLARI, 1998,
p. 37).
Povo, em sentido meramente numérico, corresponde à demografia, contempla um
conjunto de pessoas que habita determinado local, podendo ser os indivíduos que residem em
um Estado ou que nele estejam, ainda que transitoriamente65. Nesses termos, compõem a
população todos as pessoas residentes ou presentes no território estatal, em determinado
momento, inclusive estrangeiros e apátridas (BONAVIDES, 1993, p.57). “Seu estudo
científico tem sido feito pela demografia, uma das disciplinas auxiliares da Ciência Política e
que se ocupa tanto de aspectos quantitativos como qualitativos do elemento populacional”66
(BONAVIDES, 2000, p. 81).
Outra noção de povo se relaciona com o aspecto racional e étnico, que seria, a
princípio, preservado pela reprodução natural. Esse aspecto serviu maliciosamente para
65 Fugindo da literalidade restritiva do art. 5º, caput, da Constituição Federal (todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade), Mendes e Branco (2015, p. 173) recordam que a referida norma constitucional também contempla os estrangeiros não residentes no país. “O respeito devido à dignidade de todos os homens não se excepciona pelo fator meramente circunstancial da nacionalidade”. 66 Paulo Bonavides (2000, p. 81) não aceita a expressão povo como sinônimo de população. “Não se confunde com a noção de povo, porquanto nesta, fundamental o vínculo do indivíduo ao Estado através da nacionalidade ou cidadania. A população é conceito puramente demográfico e estatístico”. Portanto, as diferenças variam de autor e de tema, exigindo pelo leitor cautela.
45
fundamentação de ideologias autoritárias e racistas, a exemplo da doutrina nazista entre as
grandes guerras, como ensina Soares (2004, p. 172):
Os pressupostos da nação racial, i. e., comunidade popular de sangue e raça, vinculam-se às noções de povos e da comunidade. Aquela concebida no nazismo, como uma realidade ética, baseada em princípios de caráter racista e esta significando a ‘entificação’ do povo, a sustentação do coletivo, a existência de total comunhão entre os que participavam do ‘espírito do povo’ através de sua encarnação e identificação com o ser superior vivo e real, que é a ‘comunidade’. A passagem desse ‘espírito do povo’ para a esfera do poder político fez-se através da figura do Führer, que assumiu a direção e guia do povo. Com a ascensão e queda do nazismo, restou demonstrada a insuficiência dos critérios objetivos utilizados para a compreensão de nação, os quais, além de sua degeneração para o racismo e xenofobia, implicavam somente certas hipóteses e possibilidades de uma conexão do povo.
A aferição do povo pelo critério étnico ou naturalístico67 é fortemente criticada por
Bonavides (2000, p. 98), segundo o qual “a tese racista tem sido, e com razão, violentamente
impugnada por cientistas e sociólogos, que entendem não haver raça capaz de definir nenhum
povo, nenhuma nação”. Prossegue o autor, afirmando: “deixemos, portanto, de lado os
antecedentes étnicos de cada povo e busquemos outro dado para melhor caracterizá-la”.
O uso dessas variantes, na história, para justificação de atos de extrema violência e
radicalismo – a exemplo da pureza étnica do nazismo (Volk), do órgão oficial do regime
fascista italiano (II Popolo d’Italia) e do peuple francês que massacrou e decapitou pessoas
durante a revolução de 1789 – torna o povo uma abstração frequentemente usada para
encobrir realidades muito distantes (BOBBIO, 2004, p. 51).
Buscando a etimologia da palavra, rememora-se os tempos de Roma, onde seu
conceito se confundia com o de populus, relacionando-se com a participação de cidadãos
privilegiados nos negócios de interesse geral (SOARES, 2004, p. 65).
Nota-se que, assim como na Grécia Clássica, essa definição abrangia apenas uma
pequena parcela de indivíduos existente no território68, restringindo-se somente aos detentores
67 Paulo Bonavides (2000, p. 101) recorda que o conceito naturalístico de povo (Volkstum) não foi criação inédita da Alemanha nazista, visto que já no século XVIII seus ideais eram defendidos pelos franceses Lapouge e Gobineau e pelo inglês Stewart, os quais teorizaram sobre a hierarquia das raças humanas, onde o topo superior era ocupado pela raça germânica, cujos traços étnicos eram “privilegiados em pureza de sangue e superioridade biológica, que lhe asseguravam a supremacia na classificação das raças”. Produziu o que o constitucionalista classificou como a forma mais insana do nacionalismo: a raça nos moldes políticos. 68 Dalmo de Abreu Dallari (1998, p. 26) recorda algumas peculiaridades da população na Grécia, na tomada de decisões políticas e nas relações entre particulares. “Há uma elite, que compõe a classe política, com intensa participação nas decisões do Estado, a respeito dos assuntos de caráter público. Entretanto, nas relações de caráter privado a autonomia da vontade individual é bastante restrita Assim, pois, mesmo quando o governo era tido como democrático, isto significava que uma faixa restrita da população – os cidadãos – é que participava das
46
de certos direitos, dentre os quais o de participação nas decisões políticas da coletividade.
Como acentua José Afonso da Silva (2009, p.137):
Para a democracia grega, povo era apenas o conjunto dos homens livres, excluída a massa dos libertos. Como a maioria dos indivíduos era escrava e libertos, os quais não gozavam de cidadania, não entravam no conceito de povo, aquela democracia era o regime da minoria e em seu favor existia.
Durante a Idade Média, devido à grande submissão ao poder eclesiástico e temporal e
à ausência de um centro unificador, que lhe retiravam o mínimo de poder político e de
homogeneidade, não foi possível uma caracterização precisa quanto a sua participação nas
decisões fundamentais e na formação de uma identidade cultural (DALLARI, 1998, p. 38).
Com a Revolução Francesa, final do século XVIII, é que emergiu a concepção de
povo desprendida da noção de classe social, não se discriminando os cidadãos. Nesse
momento, busca-se a consolidação do sistema representativo. Era o povo em seu sentido
político, revelado na manifestação do poder constituinte originário, consubstanciado no
sistema representativo, em reação ao governo despótico e centralizador do absolutismo
monárquico (SOARES, 2004, p. 166).
A partir de então, a expressão povo adquire um status político, consistente na
participação das decisões política do Estado. “Povo é então quadro humano sufragante, que se
politizou (quer dizer, que assumiu capacidade decisória), ou seja, o corpo eleitoral”. Nesse
sentido, o conteúdo de povo está atrelado ao surgimento dos Estados constitucionais, “sendo
estranho ao direito público das realezas absolutas, que conheciam súditos e dinastias, mas não
conheciam povos e nações” (BONAVIDES, 2000, p. 81).
Assim, quanto ao critério de participação política, o indivíduo como componente do
povo possui uma dupla dimensão, uma objetiva e outra subjetiva. Esta se traduz no povo
como elemento integrante do Estado, por conseguinte, “enquanto membros do Estado, os
indivíduos se acham, quanto a ele e aos demais indivíduos, numa relação de coordenação,
sendo neste caso, sujeitos de direitos”. A dimensão objetiva traduz o povo como objeto da
atividade estatal, desse modo, “estão numa relação de subordinação e são, portanto, sujeitos
de deveres” (DALLARI, 1998, 38).
decisões políticas, o que também influiu para a manutenção das características de cidade-Estado, pois a ampliação excessiva tornaria inviável a manutenção do controle por um pequeno número”.
47
Essa acepção política de povo foi mencionada pelo abade Emmanuel Joseph Sieyès69
(2002) em Qu’est-ce que le Tiers État70, durante a Revolução Francesa, o qual o identificou
com a definição de nação, apresentando as reivindicações do Terceiro Estado, na prática os
interesses burgueses, em desfavor dos seguimentos privilegiados da época, em especial da
nobreza e do clero. “Após identificar o terceiro estado com a nação, formulou ele a distinção
essencial entre poder constituinte e poder constituído” (BARROSO, 2015, p. 131). “De
acordo com a formulação de Sieyès, o Terceiro Estado era representado pela nação ou pelo
povo” (SILVA NETO, 2006, p. 9).
Manoel Jorge e Silva Neto (2006, p. 8) ensina que Sieyès distinguiu, de forma inédita
e original, o poder constituinte originário dos poderes constituídos com a finalidade de
fundamentar as reivindicações do Terceiro Estado de participação igualitária na vida política.
Fazendo isso, ergueu a sustentação política necessária à consagração do princípio da
supremacia da constitucional71 (BARROSO, 2015, p. 131).
As pretensões expostas por Sieyès (2002) foram sintetizadas em três petições do
“Terceiro Estado para ser Alguma Coisa”, quais sejam: 1) que seus representantes sejam
escolhidos apenas entre os cidadãos que realmente pertençam ao Terceiro Estado, os quais
não poderiam possuir nenhum tipo de privilégio; 2) que seus representantes sejam em número
igual ao da nobreza e do clero; e 3) que as votações sejam contabilizadas por cabeça e não por
ordens. De conseguinte, não era suficiente a participação do povo nas decisões políticas. Era
preciso que fosse de forma igualitária comparado com os outros “Estados” (tradução nossa).
“O povo devia participar na determinação das regras fundamentais da organização
estatal; tais normas deviam, pois, ser fixadas num documento, que constituísse, por assim
dizer, a realização histórica do mítico ‘contrato social’” (BOBBIO, 1998, p. 61).
69 Barroso (2015, p. 131) explica a origem do comportamento revolucionário de Sieyès, anotando que este sofreu dificuldades para ascensão em sua carreira eclesiástica por não possuir ascendência familiar nobre. 70Sieyès (2002, p. ii): “Considerações preliminares sobre o que é o Terceiro Estado? Enquanto o filósofo não ultrapassar os limites da verdade, não deverá ser acusado de ir longe demais. Sua função é marcar o objetivo, devendo, pois chegar até ele. Se, durante o caminho, ousasse levantar sua insígnia, ela poderia não ser verdadeira. O dever do administrador, ao contrário, é o de combinar e graduar sua marcha, de acordo com as dificuldades. Se o filósofo não busca seu objetivo, ele não sabe onde se encontra; se o administrador não vê o objetivo, não sabe para onde vai. O Plano deste trabalho é muito simples. Devemos responder a três perguntas: 1ª) O que é o Terceiro Estado? – Tudo. 2ª) O que tem sido ele, até agora, na ordem política? – Nada. 3ª) O que é que ele pede? – Ser alguma coisa. Vamos ver se as respostas estão certas. Examinaremos, em seguida, os meios experimentados e os que deverão ser utilizados a fim de que o Terceiro Estado consiga ser, efetivamente, alguma coisa. Vamos dizer, então: 1º) O que os ministros tentaram e o que os próprios privilegiados propõem a favor do Terceiro Estado. 2º) O que deveria ter sido feito. 3º) O que ainda não foi feito para que o Terceiro Estado ocupe o lugar que lhe cabe politicamente” (tradução nossa). 71 Os trabalhos desenvolvidos por Sieyès não limitaram a conceituação de nação e na preparação política para consagração do princípio da supremacia constitucional. Foi além, na medida em que também propôs a criação de um órgão para exame da constitucionalidade das leis (BARROSO, 2015, p. 131).
48
Embora não se questione o grande avanço produzido pelas declarações de Sieyès
(2002) na formação do Estado de Direito com a inserção da participação política do povo em
um documento constitucional, tecnicamente costuma-se traçar diferenciações entre povo e
nação.
Paulo Bonavides (2000, p. 97) assevera que para constituição de uma nação é preciso
a conjugação de “fatores naturais (território, raça e língua), históricos (tradição costumes, leis
e religião) e psicológico (consciência nacional)” obtidos em uma comunidade histórico-
cultural. Mesmo com todas diferenças possíveis (dialetos, religiosos, raças etc.), há uma
identidade moral. Com maestria, Bonavides (2000, p. 94) assevera que a nação é nada mais do
que o povo sob o ponto de vista sociológico, “compreendido como toda continuidade do
elemento humano, projetado historicamente no decurso de várias gerações e dotado de valores
e aspirações comuns”72.
Em discrepância à nação, a significação de povo mais largamente utilizada está
relacionada ao seu aspecto jurídico, pois “exprime o conjunto de pessoas vinculadas de forma
institucional e estável a um determinado ordenamento jurídico” (BONAVIDES, 2000, p. 92).
Dallari (1998, p. 39) recorda que o povo, em seu sentido jurídico, é o conjunto de
cidadãos de um Estado, o qual pode exigir alguns requisitos de ordem objetiva para que o
indivíduo adquira a cidadania. “Dessa forma, o indivíduo, que no momento mesmo de seu
nascimento, atende os requisitos fixados pelo Estado para considerar-se integrado nele, é,
desde logo, cidadão”.
De conseguinte, nota-se que o aspecto jurídico do povo remete à ideia de cidadania,
cujo conteúdo reconduz ao exercício político ativo através de eleições para representantes no
Legislativo ou para chefias do Executivo (SILVA NETO, 2006, p. 221).
Nas linhas introdutórias do direito brasileiro, Nader (2015, p. 131) bem diferencia:
A população que vive em um Estado pode caracterizar-se como povo ou nação. O conceito de ambos, porém, não se confunde. Denomina-se povo aos habitantes de um território, considerados do ponto de vista jurídico, como indivíduos subordinados a determinadas leis e que podem apresentar nacionalidade, religião e ideias diferentes. Nação é uma sociedade formada por indivíduos que se identificam por alguns elementos comuns, como a origem, língua, religião, ética, cultura, e sentem-se unidos pelas mesmas aspirações. Enquanto o povo se forma pela simples união de indivíduos que
72 Carlos Ayres Britto (2006, p. 57) deixa bastante clara a diferenciação ao dizer que o povo representa o presente da população, enquanto a nação adiciona o passado e o futuro no aqui e agora. O autor traça o seguinte exemplo para se referir à nação: “assim como se dá com os membros de uma família tradicional, que mantem os brasões dos seus antepassados e tudo fazem para repassar tais insígnias (com tudo de particularmente honroso que elas simbolizam) às gerações porvindouras”.
49
habitam a mesma região e se subordinam à soberania do Estado, a nação corresponde a uma coletividade de indivíduos irmanados pelo sentimento de amor à pátria. Essa coesão decorre de um longo processo histórico. Como afirmam os autores, povo é uma entidade jurídica e a nação é uma entidade moral.
Em meio a todas essas definições terminológicas que ora se aproximam, ora se
distanciam, a inserção do povo, no final do século XVIII, na vida política do Estado de
Direito foi o ponto crucial, visto que, além de contemplar o seu sentido político, permitiu o
vínculo jurídico constitucional entrelaçando mais ativamente os cidadãos ao Estado, que, por
ordem prática, “afastou-se da doutrina rousseauniana da vontade geral e da necessidade de
participação direta de cada indivíduo, substituindo-a pelo conceito de representação política.
A soberania popular rousseauniana foi substituída pela ideia de ‘soberania nacional’”
(BARROSO, 2015, p. 132).
Essa aproximação entre povo e nação na Assembleia Constituinte, em virtude da
Revolução Francesa, foi a solução política e, uma vez instalado o Estado, a jurídica
imprescindíveis para a consagração da soberania nacional73 dadas as peculiaridades históricas
da época. Povo e nação formam uma só entidade via, abstratamente existente e superior à
soma das vontades individuais que a compõem.
Os cidadãos, por intermédio de seus representantes, atuam no poder político-
decisório que inaugura toda a ordem jurídica de um Estado, ou seja, no poder constituinte
originário. “É assim que o Poder Constituinte tem a sua mercê o Estado em particular e o
Direito em Geral. A própria Constituição originária, que é a primeira voz do Direito aos
ouvidos do povo, é gestada por ele e somente por ele, Poder Constituinte” (BRITTO, 2006, p.
48).
Portanto, os cidadãos exercem participação política através de seus representantes
eleitos, os quais agem em nome do povo na criação da Constituição (poder constituinte
73 A distinção sensível e principal entre a soberania popular de Rousseau e a soberania nacional pregada por Sieyès “se faz sentir sobretudo quanto aos efeitos da faculdade de participação política do eleitorado, que aqui se limita, circunscrito àqueles que a Nação investir na função de escolha dos governantes e, ali, na doutrina da soberania popular, universaliza-se a todos os cidadãos com o direito que lhes cabe por ser cada indivíduo portador ou titular de uma parcela da soberania (...) A doutrina da soberania nacional dominou quase todo o direito político da França pós-revolucionária na idade liberal de seu liberalismo” (BONAVIDES, 2000, p. 168). O autor continua destacando que o art. 3º das Declara dos Direitos do Homem de 1789 estabelece que “o princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação” e que “nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”. Já o art. 1º, título terceiro, da Constituição Francesa de 1791assevera que “a soberania é uma, indivisível, inalienável e imprescritível. Pertence à nação. Nenhuma secção do povo, nenhum indivíduo pode atribuir-se o seu exercício”.
50
originário), de normas constitucionais posteriores (poder constituinte derivado74) e de normas
infraconstitucionais, estabelecendo previamente limites à invasão arbitrária do Estado em prol
dos direitos e liberdades civis.
Nesses termos, observa-se que não há necessária e normalmente coincidência entre o
titular do poder constituinte e o incumbido de exercê-lo na prática. A titularidade pertence ao
povo e o seu exercício, em regra, aos representantes por ele eleitos com a finalidade maior de
manifestação da constituinte e a persecução de suas aspirações (SILVA NETO, 2006, p. 13).
O constitucionalista Carlos Ayres Britto (2006, p. 48) assevera que, com o
surgimento das Constituições, no final século XVIII, o povo manifestou a sua dimensão
política, notadamente como titular do poder constituinte originário, compondo a “encarnação
da sociedade política”:
... no justo momento em que a sociedade consegue dar a si mesma uma nova Constituição, um novo Estado, e uma nova Ordem Jurídica, ela, sociedade, já não é uma sociedade civil. Ela se transmuda para o povo. Era uma população, convenhamos, e de repente sobe à dimensão de povo. Salta do meramente demográfico e econômico para o político e histórico. Assim como a água em estado líquido muda a sua forma para se transformar em vapor, sob o efeito do aumento de sua temperatura a um determinado grau. Em estado líquido, a água só se movimenta por si mesma, descendo. Em estado vaporoso, subindo (prova de que, embora a água permaneça água – o salto químico não chega a ocorrer – o seu modo de estar-no-mundo ou de se manifestar num dado momento já não é o mesmo).
O jurista sergipano (BRITTO, 2006, p. 53) prossegue lecionando que “a sociedade
humana que plenifica o seu próprio ser político e jurídico, alçando-se à condição de povo, é
uma sociedade que se triparte” em: (i) sociedade política: cuja significação é revelada no
poder constituinte originário, onde manifesta, primariamente, sua soberania; (ii) sociedade
estatal: sob o prisma da sua personalização jurídica ou do poder constituído pela sociedade
política, sendo a entidade do Estado; e (iii) sociedade civil: quando atua “civilizadamente”
nos marcos da sociedade estatal, dentro dos parâmetro legais fixados pela ordem jurídica.
A constituição de 1988 foi além da representação, prevendo hipóteses da participação
direta nas tomadas de decisões através de institutos como referendo, plebiscito e projeto de lei 74 Registra-se, mais uma vez, polêmicas terminológicas. No caso em apreço, o uso da expressão poder constituinte derivado é bastante criticado porque pode conduzir o leitor a equívocos, vez que tal poder situa-se no âmbito do poder constituído, estando sujeito a diversas limitações impostas pelo poder constituinte originário. Seriam apenas regras de competência regulada pela Constituição (BARROSO, 2015, p. 179). Em sentido contrário, cita-se Manoel Jorge Silva e Neto (2006, p. 18) que assevera que nada se impede de denominar poder constituinte derivado, “eis que o ato de constituir se protrai no tempo mediante o exercício da competência constitucional reformadora a cada vez que injunções de color político, econômico ou social conduzirem à indigitada iniciativa”.
51
de iniciativa popular. Como bem disse Ulysses Guimarães em seu discurso na Assembleia
Nacional Constituinte, “tem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício
da democracia, em participativa além de representativa, tocando no umbral da Constituição,
para ordenar um avanço no campo das necessidades sociais”75.
Esse alargamento de práticas democráticas termina desaguando na seara de discussão
sobre a legitimidade das normas jurídicas, tendo em vista aumentar na proporção em que se
incrementa a atuação política dos potencialmente destinatários da norma no processo de sua
construção.
Não é por outro motivo que Habermas (1997, p. 164) afirma que “quando
introduzimos o sistema dos direitos desta maneira, torna-se compreensível a interligação entre
soberania do povo e direitos humanos, portanto, a co-originariedade da autonomia política e
da privada”.
Aprofundando o tema, o filósofo e sociólogo alemão desenvolve o princípio do
discurso76. Nele discorre que incumbe aos direitos políticos o estabelecimento de garantias
para que os possíveis atingidos pela norma participam de todos processos de deliberação e
decisão dela com igualdade de participação. Segue adiante, adentrando especificamente na co-
relação existente entre o princípio do discurso e a titularidade do poder político (o povo), onde
aduz que “o princípio segundo o qual todo poder do Estado emana do povo tem que ser
especificado, conforme as circunstâncias, na forma de liberdades de opinião e informação, de
liberdades de reunião e de associação, de liberdades de fé, de consciência...” (HABERMAS,
1997, p. 165).
75 Trecho do discurso do então parlamentar Ulysses Guimarães, durante a Assembleia Constituinte, no dia 05 de outubro de 1988 (DISCURSO..., [199-?]). 76 Em seu princípio do discurso, Habermas busca um contexto ideal de comunicação, que o denomina de agir comunicativo (em contraposição ao agir estratégico), onde se encontram presentes condições de igualdade e liberdade para todos participantes em um modelo de democracia procedimental. Afirma-se ser procedimental porque deixa em aberto os possíveis resultados, que vão construídos ao longo do processo. Assim, os princípios a serem invocados e aplicados devem encontrar as suas justificações no próprio discurso. Para tanto, os participantes devem se reconhecer reciprocamente como livres e iguais e interagir entre si. Obviamente, em países como o “Brasil, onde grande parte da população está à margem do processo decisório, os desafios são maiores” (CLÈVE, 2011, p. 381). Ainda com enfoque nas teorias de Habermas, explicando a diferenciação do agir estratégico do agir comunicativo, tem-se que “no agir orientado pelo sucesso – o agir estratégico – os componentes de determinada situação transformam-se em fatos valorizados à luz da preferência do ator (facticidade), ao passo que no agir orientado pelo entendimento os componentes da situação dependem de uma compreensão da situação, negociada em comum, com a interpretação de fatos relevantes à luz de pretensões de validade reconhecidas intersubjetivamente (validade)” (CARDOSO, 2010, p. 208). Esse agir para o entendimento (o agir comunicativo) trabalha em um ambiente de comunicação racional, onde são imprescindíveis quatro pressupostos: 1) publicidade e total inclusão de todos os envolvidos; 2) distribuição equitativa dos direitos de comunicação; 3) caráter não-violento de uma situação que admite apenas a força não-coercitiva; e 4) sinceridade dos proferimentos.
52
O Professor Henrique Ribeiro Cardoso (2010, p. 233) exalta, em seu estudo sobre a
teoria do discurso de Habermas, que o Direito, de per si, não tem força legitimadora suficiente
para alcançar seu sentido normativo através de sua forma ou de um conteúdo moral pré-
definido, sendo apenas atingido mediante uma formação discursiva da opinião e da vontade.
Assim, “o poder de tomar decisões obrigatórias para toda a sociedade – poder político –
somente se desenvolve através de um código jurídico institucionalizado na forma de direitos
fundamentais”.
Logo, o estabelecimento da titularidade popular do poder político e das chamadas
democráticas para participação direta e indireta nos processos de formação das normas não
são suficientes se não há previamente um ambiente de informação e demais liberdades civis
para discussão juntamente com o titular do poder: o povo.
O exercício desse poder, como foi abordado, é feito diretamente pelos cidadãos nas
situações de manifestação de democracia participativa ou, como em regra, por intermédio de
representantes, eleitos por eles. Contudo, a novidade está no fato de que a inserção da
cidadania como um dos fundamentos da República brasileira, logo em seu primeiro
dispositivo normativo, o art. 1º, inciso II, da Constituição de 1988, ampliou a extensão de seu
conteúdo, passando a abarcar – não só os casos de exercício direto ou indireto do poder
político – também a vinculação do Estado na obrigação de possibilitar aos seus destinatários a
concretização de direitos fundamentais, inclusive com a adoção de políticas públicas que
permitam que o indivíduo se torne um cidadão (SILVA NETO, 2006, p. 222).
Tratando de direitos fundamentais relembra-se o que foi analisado no capítulo
anterior, onde asseverou-se que, dentre os direitos fundamentais do homem, destaca-se a
matriz constitucional da dignidade humana, a qual só pode ser garantida e implementada, ao
menos minimamente, mediante uma atividade estatal honesta e eficiente, ou seja, por uma
administração proba.
A partir do momento em que a Constituição brasileira elegeu a cidadania como um
dos fundamentos da República, atrelando o Estado às obrigações de concretude dos direitos
fundamentais, a própria concretização do direito fundamental à administração proba é
concebida como medida imprescindível para a satisfação completa da cidadania. Mais uma
vez, visualiza-se a íntima ligação entre conceitos como povo, cidadania e, agora,
administração proba.
Nesse diapasão, é inquestionável que, embora a multivariedade de acepções de povo,
sua significação está intrinsicamente vinculada à noção de interesse público. “O titular do
interesse público é o povo, a sociedade (no seu todo ou em parte)” (JUSTEN FILHO, 2009).
53
Nos próprios dizeres do 1º, parágrafo único, da Constituição brasileira, “todo o poder emana
do povo”. Tomando as palavras de Abraham Lincoln, “a democracia é o governo do povo,
para o povo e pelo povo” (SILVA, 2009, p. 137).
Em seu discurso oficial de despedida77 (INTERNACIONAL ESTADÃO, 2016, p. 5),
o então Presidente norte-americano Barack Obama enfatizou a titularidade do poder político
pertencente ao povo:
Nossa Constituição é uma dádiva notável e bela. Mas, na realidade, é apenas um pergaminho. Ela não tem nenhum poder, em si. Somos nós, o povo, que lhe conferimos poder – com nossa participação e com as escolhas que fazemos: se nos posicionamos ou não em defesa de nossas liberdades; se respeitamos e aplicamos as leis, ou não.
O interesse público, cujo titular é o povo, é condição e elemento indispensável para
que os interesses privados possam serem implementados, como bem afirma Jorge Hector
Escola (1989, p. 36):
El interés privado – libertades y derechos – y el interés público no son, de esa manera, dos ideas opuestas y antitéticas. Por el contrario, el interés público, que concluye em el bienestar general, no es sino la condición y ele l elemento indispensable para que todo interés privado pueda, real y efetivamente prevalecer y conseguirse.
Consigne-se, enfim, que as concepções de povo e cidadania relacionam entre si e se
complementam com a exigência constitucional de uma administração honesta e eficiente,
minimamente necessária para a existência digna de cada um e de todos indivíduos nacionais
ou estrangeiros (e também apátridas), residentes ou em trânsito no território nacional. É, por
assim dizer, um interesse público. Diante desse contexto, é possível afirmar que o interesse
público se reveste de superioridade quando em tensão com os interesses individuais? Passar-
se-á a essa análise e todas suas implicações jurídicas no tópico subsequente.
2.2 Interesses públicos e interesses privados: tensões e novas perspectivas
77 Em seu último discurso oficial como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pronunciou em tom fortemente emotivo durante cerca de 50 minutos os principais pontos de seu legado e as perspectivas que espera para o futuro, na noite do dia 11 de janeiro de 2017, para uma multidão em Chicago, cidade onde iniciou sua carreira política. No próximo dia 20 de janeiro, ele deixa a Presidência dos Estados Unidos, que exerceu por dois mandatos, desde 2009. Na data, Obama entregará o cargo ao presidente eleito Donald Trump, ganhador das eleições presidenciais em novembro do ano de 2016 (INTERNACIONAL ESTADÃO, 2016).
54
Como foi abordado, o interesse público está intimamente relacionado com a própria
ideia de coletividade, sendo corolário do regime democrático, cujos postulados devem
permear toda atividade estatal e também a iniciativa privada, ainda que estejam sendo
debatidas questões estritamente concernentes à esfera individual. Nesse diapasão, deve pautar
todas relações jurídicas: dos particulares entre si, deles com pessoas de direito público e
destas entre si (BARROSO, 2015, p. 96).
A título de exemplo, pega-se como referência a exigência constitucional de que a
propriedade particular deve atender a sua função social, consoante norma prevista no art. 5º,
inciso XXIII, da Carta Magna e na exigência disposta no art. 1.228, § 1º, do Código Civil78.
Mesmo nesses casos, devem estar contemplados os interesses sociais, os quais traduzem a
permanente necessidade de persecução ao bem comum, evidenciando-se uma destinação
positiva que deve ser dada à coisa privada79. “No mundo moderno, o direito individual sobre
as coisas impõe deveres em proveito da sociedade e até mesmo no interesse de não
proprietários” (GOMES, 2004, p. 129).
Cita-se, em se tratando de direito administrativo, que é viciada à finalidade do ato
quando o administrador o pratica em descumprimento do interesse público (sentido amplo) ou
em desrespeito ao objetivo diverso daquele explícito ou implicitamente previsto em lei80.
Desse modo, afirma-se que houve desvio de finalidade porque “o fim de interesse público
vincula a atuação do agente, impedindo a intenção pessoal” (MEDAUAR, 2013, p. 157). Por
conseguinte, o ato administrativo praticado com objetivo diverso do interesse público ou
específico em lei é viciado.
O debate que envolve o conteúdo e alcance normativo do interesse público não se
encontra adstrito tão somente ao âmbito das relações jurídicas da administração pública. Sua
presença é visível em todos os campos do Direito no ordenamento jurídico brasileiro. No
entanto, é no Direito Administrativo que as discussões foram mais intensas, suscitando
argumentos justificadores para posicionamentos que ora tendem a enaltecer o interesse 78 O art. 5º, inciso XXIII, da Constituição de 1998, diz expressamente que “a propriedade atenderá a sua função social”. Já o art. 1.228, § 1º, do Código Civil, dispõe que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. 79 Essa mesma linha de raciocínio consta no enunciado n. 07, aprovado na V Jornada de Direito Civil, com a seguinte redação a respeito da propriedade rural: “Na aplicação do princípio da função social da propriedade imobiliária rural, deve ser observada a cláusula aberta do § 1.º do art. 1.228 do Código Civil, que, em consonância com o disposto no art. 5.º, inciso XXIII da Constituição de 1988, permite melhor objetivar a funcionalização mediante critérios de valoração centrados na primazia do trabalho”. 80 A caracterização do desvio de finalidade pode se dar em seus dois sentidos – amplo e restrito – de modo que se pode concluir que o conceito legal de desvio de finalidade ou de poder, constante no art. 2º, parágrafo único, “e”, da Lei nº 4.717/1965, está incompleto (DI PIETRO, 2015, p. 288).
55
público através de uma supremacia, ora privilegiam os interesses individuais sob o
fundamento da dignidade da pessoa humana. Por esse motivo, passar-se-á à exposição de
teses administrativistas sobre o assunto, porém ressalvando, desde logo, que a abrangência
que se pretende acerca do interesse público não pode ficar exaurida apenas a um segmento da
ciência jurídica.
Iniciando, explicita-se que o chamado do princípio da supremacia do interesse
público sobre o particular no direito positivo brasileiro é dada através dos estudos que o
contemplam na categoria de princípio constitucional implícito (SILVA, 2013, p. 14).
Aloca-se como implícito porque sua existência não se encontra expressa no texto
constitucional, mas através de interpretações doutrinárias, dentre as quais as construídas dos
dispositivos constitucionais art. 5º, XXIV e XXV, art. 170, incisos III, V e VI81, que, mesmo
não mencionando supremacia ou grau hierárquico do princípio, servem para extração de seu
conteúdo implícito (MELLO, 2015, p. 96).
Desde o seu surgimento no direito brasileiro, que remonta à década de sessenta do
século pretérito, o princípio da supremacia do interesse público foi amplamente defendido
pelo administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, para o qual, ao lado da
indisponibilidade do interesse público, é um dos pilares do regime jurídico administrativo.
Esse entendimento leva o autor à identificação de duas consequências jurídicas: 1) posição
privilegiada conferida ao poder público para a tutela de interesses públicos; e 2) a supremacia
manifestada em uma relação de verticalidade entre a administração e os particulares
(MELLO, 2015, p. 70).
Assim, eventuais tensões existentes entre o interesse público e privado, segundo seus
defensores, aquele normalmente prevalecerá. Quando o interesse público (de toda
coletividade) estiver em jogo, prevalecerá sobre o privado (FIGUEIREDO, 2004, p. 67).
“Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de
prevalecer este, uma vez que o objeto primacial da administração é o bem comum”
(MEIRELLES, 2008, p. 50).
Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 61) aduz também que o interesse público
não tem existência autônoma e desvinculada dos interesses individuais, pois é uma forma
qualificada destes, ou seja, uma de suas manifestações. Afirma que os interesses individuais
se expressam de dois modos distintos. Uma primeira quando representa interesses meramente
81 As normas constitucionais previstas art. 5º, XXIV e XXV, art. 170, incisos III, V e VI, versam sobre desapropriação, requisição, função social da propriedade, defesa do consumidor e meio ambiente, respectivamente.
56
particulares de cada indivíduo. Uma segunda forma quando é manifestação dos interesses
individuais do cidadão como componente da coletividade.
A respeito dessa relação entre interesse público e privado, Jorge Hector Escola
(1989, p. 61) assevera que “o interesse público deve ser conceituado como o interesse
resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados
em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”.
A justificativa da existência da supremacia do interesse público para seus defensores
reside no fato de que o Estado avoca para si como o grande responsável pela defesa do
interesse coletivo, no caso, os interesses públicos primários (MELLO, 2015, p. 24). Tanto é
que a supremacia não deverá se impor frente ao particular, caso o interesse a ser tutelado pelo
poder público não seja interesse público em sua essência, mas interesse da pessoa jurídica de
direito público.
Essa limitação ao princípio da supremacia do interesse público já era traçada no ano
de 1960 pelo italiano Renato Alessi (1970, p. 184), o qual distinguiu os interesses públicos
primários, cuja satisfação estava a cargo do Estado, dos interesses de uma determinada
organização jurídica coletiva, que denominou de interesses secundários:
Tradándose del poder soberano, estará en relación con la realización de intereses públicos, colectivos. Estos intereses públicos, colectivos, cuya satisfación está a cargo de la Administración entendida como aparato organizativo, sino lo que se lhamado el interesé colectivo primário, formado por el conjunto de intereses individuales preponderantes em uma determinada organización jurídica de la colectividad, mientras que el interés del parato (si es que puede concebirse um interés del aparato unitariamente considerado) sería simplemente uno de los interesses secundarios que se hacen sentir em la colectividad, y que pueden ser realizados solamente en caso de coincidencia.
Seguindo os ensinamentos do Professor italiano de Direito da Universidade de
Bolonia, BARROSO (2015, p. 94-95) detalha que o interesse público pode ser primário ou
secundário. O primeiro é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins – de interesse de toda
sociedade – que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Para sua defesa,
há o Ministério Público e a Defensoria Pública e ações como a popular e a civil pública para
tutela de interesses gerais da coletividade.
Já o interesse público secundário reflete os interesses da pessoa jurídica do direito
público que seja parte em determinada relação jurídica – União, Estados, Distrito Federal,
Municípios e respectivas autarquias e empresas públicas. Em termos gerais, confunde-se com
57
os interesses do erário, em maximizar a arrecadação e minimizar as despesas. São defendidos
pela Advocacia Pública.
No tocante aos eventuais conflitos com o interesse particular, Barroso (2015, p. 95-
96) assevera que o interesse público secundário jamais possuirá supremacia a priori e
abstrata, cabendo ao intérprete proceder a devida ponderação à vista dos elementos
normativos e fáticos para o caso concreto82. Contudo, diferentemente ocorre nas situações de
colisão com o interesse primário, vez que este “há de desfrutar de supremacia em um sistema
constitucional e democrático”, tendo em vista consubstanciar valores fundamentais.
Barroso (2015, p. 96-97) prossegue suscitando a complexidade do debate quando o
confronto envolve interesse público primário consubstanciado em uma meta coletiva e o
interesse público primário que se realiza mediante a garantia de um direito fundamental. Estes
casos são os mais dificultosos e que se vinculam diretamente o cerne deste trabalho.
Nesses casos de colisões, leciona que o intérprete deverá observar dois parâmetros: a
dignidade humana e a razão pública (BARROSO, 2015, p. 96-97):
O uso da razão pública importa em afastar dogmas religiosos ou ideológicos – cuja validade é aceita apenas pelo grupo dos seus seguidores – e utilizar argumentos que sejam reconhecidos como legítimos por todos os grupos sociais dispostos a um debate franco, ainda que não concordem quanto ao resultado obtido em concreto. A razão pública consiste na busca de elementos constitucionais essenciais e em princípios consensuais de justiça, dentro de um ambiente de pluralismo político (...) O outro parâmetro fundamental para solucionar esse tipo de colisão é o princípio da dignidade humana. Como se sabe, a dimensão mais nuclear desse princípio se sintetiza na máxima kantiana segundo a qual cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo.
A máxima da dignidade da pessoa humana exposta na Constituição de 1988, como
um dos fundamentos da República Brasileira, conduziu a doutrina contemporânea defender a
necessidade de reconstrução da visão clássica do princípio da supremacia do interesse público
de modo a harmonizá-lo com a nova ordem de direitos fundamentais inaugurada (SILVA,
2013, p. 11).
Um dos primeiros a questionarem a superioridade do interesse público, no Brasil, foi
Humberto Bergmann Ávila (1998, p. 165), alegando diversos contrapontos, dentre o
82 Não que o interesse público secundário seja desimportante, até porque os recursos financeiros para consecução dos interesses primário pelo Estado são obtidos através da defesa dos interesses secundários. “Sem recursos adequados, o Estado não tem capacidade de promover investimentos sociais e nem de prestar de maneira adequada os serviços públicos que lhe tocam. Mas, naturalmente, em nenhuma hipótese será legítimo sacrificar o interesse público primário com o objetivo de satisfazer o secundário. A inversão da prioridade seria patente, e nenhuma lógica razoável poderia sustenta-la” (BARROSO, 2005, p. xiv).
58
reconhecimento de que, com a nova ordem constitucional, “o interesse privado e o interesse
público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que não podem ser
separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins”.
“Da condição de súdito, de mero sujeito subordinado à Administração, o
administrado foi elevado ao status de cidadão” (BAPTISTA, 2003, p. 128). Nota-se que a
autora menciona o tratamento constitucional dado à cidadania, um dos fundamentos da
República Brasileira83, como uma das forças propulsoras a alterar o paradigma clássico em
debate. A cidadania passa a ser concebida uma dupla dimensão: 1) nas situações de exercício
direto ou indireto do poder político; e 2) na obrigação do Estado de possibilitar aos seus
cidadãos a concretização de direitos fundamentais que permitam a existência digna (SILVA
NETO, 2006, p. 222).
Rebatendo o princípio da supremacia com a justificativa de incompatibilidade com a
a ordem constitucional vigente, cite-se Daniel Sarmento (2005, p. 26):
Contudo, de um tempo para cá, vozes autorizadas vêm se levantando na doutrina para contestar a existência do princípio em pauta, ou para dar a ele uma nova formulação, mais compatível com os direitos fundamentais e o estatuto axiológico do Estado Democrático de Direito.
Outro ponto de embate pela nova doutrina reside na imprecisão e vagueza da
expressão interesse público, que interfere inevitavelmente no conteúdo e alcance do
respectivo princípio da supremacia (ÁVILA, 1998).
Fábio Medina Osório (2000, p. 73) também critica a supremacia pela vagueza e
multivariedade de sentidos que o termo interesse público pode assumir. “O conteúdo e a
caracterização dependem de múltiplos fatores, normativos e metanormantivos, que mereciam
debate aprofundado”.
Além da “absoluta indeterminação do conceito de interesse público”, Daniel
Sarmento (2005, p. 27) acrescenta a profunda crise no contexto atual em virtude da
fragmentação e pluralismo que marcam a sociedade contemporânea, “nas quais se torna por
vezes impossível extrair, à moda de Rousseau, uma noção homogênea de bem comum ou de
vontade geral”.
O autor (SARMENTO, 2005, p. 52) identifica duas perspectivas discrepantes nas
teses justificadoras da supremacia do interesse público: o organicismo e o utilitarismo. No
organicismo, o interesse público seria algo superior e diferente do somatório dos interesses
83 Art. 3º, inciso II, da Constituição de 1988.
59
individuais. “O organicismo é uma teoria que concebe as comunidades políticas como uma
espécie de ‘todo vivo’, composto por indivíduos que nela desempenham papel semelhante a
de um órgão dentro do corpo humano”.
Já a doutrina utilitarista se baseia no reconhecimento racional de igualdade entre
todas as pessoas que integram a sociedade política, de modo que o melhor objetivo a ser
perseguido é o que promove o bem-estar, prazer, felicidade ou preferências racionais do maior
número de pessoas. É concebida como consequencialista “o juízo sobre um determinado ato
porque não depende da sua conformidade com princípios morais anteriores, mas das
consequências que ele produzirá sobre os interesses dos membros da sociedade”.
(SARMENTO, 2005, p. 52).
Daniel Sarmento cita ainda a doutrina individualista, que contrapõe os postulados
organicistas e utilitaristas, conferindo uma primazia aos direitos individuais sobre os
interesses coletivos. As três teorias não se compatibilizam com a ordem constitucional
brasileira, que centra na dignidade da pessoa humana e, consequentemente, na igualdade
substancial, na solidariedade, em direitos sociais etc. (SARMENTO, 2005, p. 52).
Não se pretende neste trabalho, expor e dissecar minuciosamente a riqueza de todos
argumentos que combatem o princípio da supremacia do interesse público, assunto para uma
só Dissertação, mas apenas constatar que o clássico princípio da supremacia vem sendo
fortemente criticado84, sem, em algumas ou muitas oportunidades, tomar as devidas cautelas
necessárias para não se deixar cair no radicalismo oposto.
Não se pode olvidar que o interesse público primário (valendo-se do secundário)
vincula-se, antes de tudo, à finalidade maior da gestão pública: a dignidade da pessoa humana.
E, como se afirmou, o seu titular é o povo.
84 Compilando as principais justificativas produzidas pelos críticos à supremacia do interesse público, Denise Martins Moura Silva (2013, p. 62-63) cita: 1 – O interesse público não se identifica com o bem comum; este é a composição harmônica do bem de cada um com o de todos; não é o direcionamento dessa composição em favor do interesse público; 2 – O interesse público não pode ser descrito em separado dos interesses privados; 3 – O dito princípio da supremacia do interesse público por não está previsto expressamente em dispositivo constitucional algum, não pode ser extraído de uma análise sistemática do Direito; 4 – A supremacia do interesse público não e conceitualmente nem normativamente uma norma-princípio, restando-se impossibilitada para descrever alguma relação de supremacia; 5 – A absoluta inadequação entre o princípio da supremacia do interesse público e a ordem jurídica brasileira, em face dos riscos que sua assunção representa para a tutela dos direitos fundamentais; 6 – A supremacia do interesse público é fulcrada no organicismo e no utilitarismo, enquanto que o Estado Democrático de Direito se baseia no personalismo que foca na pessoa humana, e não no Estado, a medida de todas as coisas serem através de um se concreto, situado, com necessidades materiais, carências e fragilidades; 7 – O direito público, com base na Constituição pluralista, não pode ser mais visto como garantidor do interesse público titularizado pelo Estado, mas sim garantidor dos direitos fundamentais positivos ou negativos; e 8) A supremacia do interesse público sobre o particular não é um princípio jurídico, de acordo com a estrutura normativa atribuída ao conceito de princípio jurídico, proposta por Robert Alexy e que é defendida por Humberto Bergmann Ávila”.
60
O interesse público assumiu uma perspectiva especial e relevante com o advento da
Constituição de 1988, uma vez que consagrou a administração honesta e eficiente como um
direito fundamental do cidadão, sendo imprescindível para que o poder público promova a
existência humana com o mínimo de dignidade. Nessa toada, a própria concretude dos direitos
fundamentais pelo Estado traduz em uma dimensão do interesse público.
Ressalta-se que não se pretende reviver o clássico paradigma da supremacia do
interesse público. Contudo, não se pode simplesmente relegar o interesse público a um plano
inferior com o mero argumento de se opor a outros direitos individuais, alterando, em
algumas situações (às vezes, até causídicas), o entendimento outrora firmado sob a alegação
de resguardar direitos individuais. De igual modo, é desarrazoado.
Atualmente, muito se debate sobre a inexistência da preponderância do interesse
público sobre o privado. No entanto, parece faltar o mesmo fulgor para a análise das
consequências a médio e a longo prazo do sacrifício do interesse público quando levado aos
excessos. Essa tendência se mantendo, indaga-se aqui se o Estado terá condições (muitas
vezes precárias) de manter o mesmo aparato estrutural, financeiro e jurídico indispensáveis
para a concretização dos direitos fundamentais de todos outros cidadãos, individual ou
coletivamente considerados. Ademais, os custos não se resumem aos financeiros, englobando
outros, inclusive comportamentais (BOLESINA; LEAL, 2013, p. 82-83):
Nesse sentido, já há algum tempo se tem conhecimento de que as decisões judiciais implicam em consequências – não só jurídicas e econômicas, mas também comportamentais – para a sociedade e para o Estado, notadamente aquelas que digam respeito a questões íntimas às relações de coletividade (...) exemplo oportuno oi sublinhado pelo Ministro Gilmar Mendes ao apreciar o AgR 47p/PE. Na ocasião em que se debatia o direito à saúde, foi destacado pelo julgador que a efetivação de direitos fundamentais pelo Poder Judiciário deve ser uma tarefa diligente e ponderada, não obstante, no Brasil, cada vez mais remansoso é o entendimento de que os direitos fundamentais são direitos de aplicabilidade imediata e direta. A atuação do Poder Judiciário, salientou o Ministro, não pode perder de vista os argumentos que destacam a escassez de recursos, as escolhas políticas para alocação dos mesmos, critérios de macrojustiça e microjustiça e a otimização da aplicação de recursos por meio de políticas públicas.
Pensa-se na hipótese de disposição dispendiosa para tratamento de saúde de
determinado paciente quando existem outras alternativas médico-farmacêuticas medianas.
Imagina-se quantos enfermos terão prejuízos em seus tratamentos diante desse quadro. Não é
demais pensar que a proliferação dessas situações trará prejuízos na manutenção da parca rede
pública de saúde (distribuição de medicamentes, atendimento clínico etc.).
61
Recorda-se ainda os polêmicos descumprimentos de decisões judiciais e de
desrespeito à Lei n. 12.965/2014 (Lei do Marco Civil)85 por empresas controladoras de redes
sociais, a exemplo do aplicativo whatsapp gerido pelo Facebook. Quantas atrocidades
cometidas por organizações criminosas devem perdurar saqueando os cofres públicos ou
instituindo um poder paralelo enquanto se permite seu funcionamento sob o discurso da
existência de punições alternativas (até o presente momento ineficazes), quando, na verdade, a
tolerância com a ilicitude decorre da satisfação individual de continuar utilizando o serviço,
mesmo havendo outros aplicativos com idênticas funções86. A satisfação pessoal parece
vendar os olhos da conclusão lógica de que se há um meio de comunicação imune à
fiscalização, ele também será o principal instrumento de comunicação para cometimento de
crimes, notadamente nos delitos mais complexos ou que ultrapassem as divisas e fronteiras.
Fazendo um paralelo com uma situação similar, caso determinada emissora de rede de
televisão passe a descumprir a legislação nacional de prestação de serviço público e a
normatização da ANATEL87, ela deve permanecer transmitindo determinada novela tão
somente porque é a de maior audiência nacional?
Trazendo o debate para a esfera criminal, toma-se como exemplo as ações criminais
cujo objeto são infrações relacionadas ao colarinho branco ou à corrupção. A experiência
brasileira demonstra que é comum, em especial, nos casos em que o rombo ao erário foi
maior, não prosperarem em razão de garantias processuais, algumas das quais exageradas e
descabidas. Condenações que se desvanecem no tempo pela prescrição, abuso no uso de
recursos com intuito protelatório, amplitude do instituto do habeas corpus, foro por
prerrogativa de função em crimes comuns etc. (MATTOS, 2015, p. 16-17).
85 Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. 86 “Policiais federais prenderam na manhã desta terça-feira (1º) em São Paulo o Vice-Presidente da rede social Facebook na América Latina Diego Jorge Dzodan. A ação foi tomada a pedido da Justiça de Sergipe após a rede social descumprir decisão judicial de compartilhar informações trocadas no WhatsApp por suspeitos de tráfico de droga. O Facebook é dono do WhatsApp desde o começo de 2014 (...) Os policiais cumpriram mandado de prisão preventiva expedido pelo juiz criminal da comarca de Lagarto, em Sergipe, Marcel Montalvão. Em casos de prisão preventiva, não há prazo para o investigado deixar a prisão. Segundo a Polícia Federal em Sergipe, o representante descumpriu ordens de repassar à Justiça informações armazenadas em serviços do Facebook, "imprescindíveis para produção de provas a serem utilizadas em uma investigação de crime organizado e tráfico de drogas" (...) Segundo o Delegado Aldo Amorim, membro da Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Brasília, a investigação foi iniciada em 2015 e esbarrou na necessidade informações relacionadas as trocas de mensagens via whatsapp, que foram solicitadas ao Facebook e não fornecida, ao longo dos últimos meses. Ele revelou ainda que foram aplicadas multas gradativas e que essas multas só irão cessar quando a empresa repassar as informações necessárias. Os valores das multas iniciaram em R$ 50 mil, passando para R$ 500 mil e agora estão no valor diário de R$ 1 milhão. Ainda de acordo o Delegado, existe uma organização criminosa na cidade de Lagarto e o não fornecimento das informações do Facebook está obstruindo o trabalho de investigação da polícia. Ele disse também que toda empresa de comunicação que atua no Brasil deve seguir a legislação brasileira, independente do seu país de origem” (POLÍCIA..., 2016). 87 Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL, 2017).
62
Esses casos e outros, que serão expostos na parte final desta Dissertação,
transparecem um certo e egoístico exagero na amplitude dos interesses particulares em
detrimento do interesse público. Como se este fosse uma antítese ou negação daquele. Esse
pensamento chega a remontar os costumes políticos e administrativos brasileiro da gestão da
res publica por agentes estatais como se privada fosse, causando uma verdadeira confusão
entre o público e privado (SARMENTO, 2005, p. 28).
Explicita-se, novamente, que não se quer retomar a supremacia do interesse público.
Não se trata disso. Entrementes, observa-se, com certo cuidado, que sua mitigação exagerada
e paulatina poderá acarretar, em um futuro, em consequências desastrosas para esses mesmos
direitos individuais usados como oposição. Os interesses públicos e privados não se excluem
mutuamente. Ao contrário, complementam-se.
Nesse ponto, preciosas são as palavras de Daniel Sarmento (2005, p. 28):
Porém, no trato do tema é recomendada redobrada cautela. Se, de um lado, a subordinação dos direitos individuais ao interesse coletivo pode ser a ante-sala para totalitarismos de variados matizes, de outro, a desvalorização total dos interesses públicos diante dos particulares pode conduzir à anarquia e ao caos geral, inviabilizando qualquer possibilidade de regulação coativa da vida humana em comum.
Chamada a atenção para o problema em foco, busca-se neste trabalho uma proposta
pacificadora para o paradoxo, que se manifestará na reconstrução do conteúdo e alcance do
interesse público à luz da demanda social brasileira atual. Para isso, é preciso antes tecer
alguns comentários sobre a importância da hermenêutica filosófica para a ressignificação do
interesse público.
2.3 O papel da hermenêutica filosófica na reconstrução do interesse público
Um dos primeiros passos quando da conceituação de determinado domínio-de-coisa
é inquirir acerca da origem etimológica da palavra. Em se tratando de hermenêutica, afirma-se
que provém do verbo grego hermeneuein, que significa interpretar, ou ainda do substantivo
também grego hermeneia, que simboliza a atividade interpretativa (SOARES, 2013, p.13).
De qualquer sorte, o verbo e substantivo gregos refletem a mitologia helênica,
referindo-se ao deus alado Hermes, entidade mitológica incumbida da função de mensageiro
dos deuses, através da qual exercia a ação comunicativa entre os deuses e os homens,
revelando aos humanos a incompreensível linguagem divina (CAMARGO, 2003, p. 14).
63
Por sua vez, o vocábulo interpretação advém do latim interpretare, concernente a
prática de feiticeiros e adivinhos que descobriam ou previam acontecimentos futuros
introduzindo as mãos nas entranhas dos animais (SOARES, 2013, p. 14).
Não é rara a confusão entre hermenêutica e interpretação. Até porque, na visão
clássica, a hermenêutica é concebida como “uma ou um conjunto de teorias voltadas para a
interpretação de algo, não apenas de um escrito, mas de tudo o qual se possa atribuir sentido e
significado, um filme, uma música, uma pintura, até mesmo uma conversa entre amigos”
(FERNANDES, 2014, p. 160).
Em sua Tese de Doutorado, Alexandre Araújo Costa (2008, p. 10-11) relembra a visão
tradicional hermenêutica afirmando:
Em outras palavras, tudo pode ser tomado pelo intérprete como um texto, ou seja, como um objeto interpretável. Uma mulher dos Balcãs observa as linhas formadas pela borra do café turco, no fundo que bebe há pouco. Essa mulher lê o seu futuro na rede desses traços. Quem interpreta normalmente atua como se estivesse a desvendar os sentidos contidos no texto. A crença de que o sentido é imanente ao objeto faz parte do exercício de quase toda atividade interpretação. A mulher interpreta as figuras formadas na borra, acreditando que essas linhas têm um sentido. Ela não duvida de que, de algum modo, aqueles traços mostram o seu futuro. Ou melhor, talvez ela duvide, mas isso não faz diferença, desde que ela atue como se as linhas tivessem um sentido a ser desvendado.
Classicamente, a hermenêutica é concebida como uma disciplina instrumental em um
duplo sentido alternativo: (i) primeiro pode ser entendida como um instrumento que permite
ao intérprete o acesso aos desejos e finalidades ocultos do criador da obra; ou (ii) ferramenta
que permite o alcance de um sentido objetivo, que se torna evidente e, desse modo,
compartilhado por um universo de leitores (FERNANDES, 2014, p. 161). Em ambos, nota-se
uma forma de perspectiva filosófica entre sujeito/objeto. Nessas leituras, a interpretação
consistiria em desvelar um significado oculto no próprio objeto.
Sob esse prisma, destaca-se a forte influência da Reforma Protestante na medida em
que combateu a intermediação da autoridade eclesiástica para revelação dos significados da
Bíblia, defendendo que a verdade dos textos sagrados somente seria alcançada por intermédio
da superação das dificuldades linguísticas-gramaticais do intérprete. A compreensão dos
textos sagrados apenas se concretizaria através da compreensão daquele que crê (COSTA,
2008, p. 68-69).
Seguindo adiante, explicita-se que, na fase de esplendor do racionalismo iluminista,
cujos postulados constituíam uma reação às práticas e tradições medievais, buscou-se a via
64
extrema, porém necessária a época, de reduzir o conhecimento humano ao método racional
típico das ciências naturais, de causa e efeito. Nesse entendimento, a verdade era única,
absoluta e universal, cabendo ao intérprete por intermédio de um olhar racional e externo
desvelá-la. “Portanto, a mentalidade científica moderna compartilha o pressuposto grego de
que existe uma verdade a ser descoberta, mas inova ao defender que o modo de alcançar a
certeza da verdade é a aplicação de um método correto” (COSTA, 2008, p. 68-69).
Apenas no início do século XIX, com Friedrich Schleiemacher, o pai da
hermenêutica contemporânea, é que se buscou desenvolver uma teoria geral da hermenêutica
para os quadros dos conhecimentos humano. O que eram disciplinas fragmentadas, torna-se
uma disciplina geral sobre as condições de compreensão, mediante o desenvolvimento de
regras que conduzira a uma compreensão objetiva88 (SOARES, 2013, p. 17).
A construção, desenvolvimento e consolidação de uma teoria geral da hermenêutica
possibilitou a ampliação da disciplina, outrora restrita a determinadas áreas do conhecimento
humano, tais como: filologia, textos bíblicos e literatura clássica. Contudo, criticava-se
Schleiemacher por sua abordagem eminentemente psicológica89, vez que o intérprete deveria
penetrar no pensamento do autor com a finalidade de busca a pretensão deste (SÁ, 2013).
Em seguida, Wilhelm Dilthey procura na hermenêutica seu projeto para o
fundamento das Geisteswissenschafetn, as chamadas ciências de espírito, conhecidas como
ciências humanas ou sociais aplicadas. Era uma retaliação filosófica à supervalorização dos
métodos científicos a-históricos presentes e próprios das ciências naturais. Enquanto as
ciências de causa e efeito – ciências da natureza – objetivam explicar os fenômenos, as
ciências sociais visam a compreensão do mundo e, para tanto, era imprescindível uma atenção
especial para dimensão histórica da experiência (FERNANDES, 2014, p. 161). “Aquilo que
divide estas duas categorias básicas de conhecimento é o seu objetivo. No caso da ciência
88 Embora pregasse a existência de hermenêutica geral, Schleiermarcher não incluía nela a hermenêutica jurídica, pois esta buscava não apenas a interpretação das normas, mas também sua aplicação a casos concretos com bases nessas normas. Foi Emilio Betti quem desenvolveu uma teoria hermenêutica geral que englobasse o Direito. Para tanto, Betti estabelece três grupos de atividade hermenêutica, conforme o objetivo a ser alcançado: 1) interpretação voltada para o entender o objeto, sem preocupação dogmática (intérpretes de obras literárias); 2) além do entender, era necessário explicar a outros o entendimento obtido (a interpretação do historiador, que busca reconstruir um momento histórico para explica-lo a outras pessoas); e 3) extrair do entendimento alcançado uma orientação para tomada de decisão na vida prática (hermenêutica jurídica) (COSTA, p. 341-343). 89 Em uma crítica gadameriana à introspecção psicológica preconizada por Schleiermacher, o administrativista Henrique Ribeiro Cardoso (2016, p. 20) aduz que “o horizonte da interpretação de um texto não pode ser limitado pelo que tinha em mente originalmente o autor nem pelo horizonte do destinatário para quem o texto foi originalmente escrito – conceito do leitor original, idealizado e proposto por Shleiermacher. Em realidade, os textos não devem ser compreendidos como expressão da vida da subjetividade do autor. Referências feitas ao leitor originário ou ao sentido do autor não podem limitar o horizonte do sentido dos textos”. Esclareça-se que não se despreza o que foi pensando quando da criação do texto ou a sua leitura original, contudo, tais referências não podem traçar limites e impor barreiras intransponíveis para a compreensão.
65
natural, o ponto é disponibilizar explicações. Mas, explicação causal é inapropriada às
ciências humanas; o que é necessário aqui é o entendimento” (LAWN, 2011, p. 74).
Dilthey comenta sobre a existência da circularidade da compreensão, segundo a qual
somente pode-se conhecer o que já se conhece90. “Se é verdade que um texto nada diz a quem
não entenda já alguma coisa daquilo de que ele trata; se também é verdade que ele só
responde a quem o interroga facilmente” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p. 65-66).
A circularidade da compreensão se concretiza a partir de um pré-conceito (esqueça-
se aqui a carga pejorativa do vocábulo91), que precede ao nosso mundo de experiência, que
vai se enriquecendo na medida que vai interagindo com novos conteúdos. Não se trata de um
círculo vicioso, mas uma via de mão dupla produtiva, que se reveem mutuamente, razão pela
qual seria melhor designada pela expressão espiral hermenêutica (FERNANDES, 2014, p
168).
Havia sido dado um grande passo, todavia ainda persistia uma perspectiva sujeito-
objeto para compreensão objetiva dos fenômenos.
Com a inserção da dimensão histórica no processo de compreensão, vislumbra-se
uma abertura mais profunda na perspectiva relação que se estabelece entre a linguagem e
racionalidade, ocasionando, no final do século XX, o rompimento da segmentação
sujeito/objeto e, em substituição, inaugurando a relação sujeito/sujeito, que é mediada pela
linguagem. Era o giro linguístico ou hermenêutico92 (SOARES, 2013, p. 20).
Heidegger observa que compreender não consiste na atividade desvelamento do
objeto. É muito mais. Consiste no dasein, isto é, na própria “condição do sujeito se ver em um
contexto histórico-linguístico, que molda e fornece um horizonte de sentido” (FERNANDES,
2014, p. 167-168). “Com Heidegger, a hermenêutica deixa de ser normativa e passa a ser
filosófica, onde a compreensão é entendida como estrutura ontológica do Daisen (ser-aí)”
(STRECK, 2002, p. 170).
Em poucas palavras, Camargo (2003, p. 29) esclarece com perfeição:
90 Martin Heidegger (2012, p. 41) afirma que todo perguntar é um buscar. “Toda busca tem sua direção prévia a partir do buscado (...) Como busca, o perguntar necessita de uma direção prévia a partir do que é buscado. O sentido de certo modo já está disponível para nós”. 91 Nesse sentido, o “preconceito não significa falso juízo, uma vez que seu conceito permite que ele possa ser valorizado positiva ou negativamente, pois não são forçosamente errados e destinados a distorcerem a verdade” (SÁ, 2013, p. 181-199). 92 Sobre as expressões giro ou virada linguística ou hermenêutica, Fernandes (2014, p. 166) aduz que “poderíamos apenas trabalhar com a expressão ‘giro linguístico, pois em virtude do mesmo, já estaria incluído o giro hermenêutico (na medida em que não há em se falar atualmente em um giro linguístico sem a existência de um giro hermenêutico)”.
66
Para Heidegger, a compreensão consiste no movimento básico da existência, no sentido de que compreender não significa um comportamento humano do pensamento entre outros que se possa disciplinar metodologicamente e, portanto, conformar-se como método científico. Constitui, antes, o movimento básico da existência humana. Compreender, para Heidegger, é a forma originária de estar aí, do ser-no-mundo.
“A compreensão é vista não como técnica, mas como um modo de ser do homem,
vinculando-o à relação do ser com o mundo, ou seja, seu problema hermenêutico está ligado à
compreensão do Dasein, do ser-aí, à compreensão do ser-no-mundo” (SÁ, 2013, p.181-199).
Com a virada linguística, a linguagem deixa de ser o terceiro ente que se interpõe entre
o autor e o objeto para ser “condição de possibilidade, e, mais do que isto, é constituidora do
próprio saber. Isso porque e pela linguagem e somente por ela que podemos ter mundo e
chegar a esse mundo”. Logo, deixa de ser reprodutiva para ser produtiva, fazendo parte do
processo de compreensão, constituindo “totalidade” e “a abertura para o mundo”93 (STRECK,
2002, p. 174).
Apoiando-se no dasein de Heidegger e na dimensão histórica suscitada por Dilthey,
Hans-Georg Gadamer, cuja obra principal é Verdade e Método, desenvolve novas bases para
hermenêutica fundada no diálogo, no qual os interlocutores tentam atingir um entendimento
sobre algo no mundo. “A guinada linguística, compreendida e delineada por Gadamer, com
forte influência da filosofia existencialista de Heidegger, faz surgir um novo paradigma que
põe a linguagem no centro das preocupações filosóficas” (CARDOSO, 2016, p. 4).
Nessa conjectura, as ciências de espírito dispensam a necessidade de desenvolver um
método para que possam usufruir status de ciência. “Com o giro hermenêutico de Gadamer,
aprendemos que não há método que alcance a verdade sobre objetos e nos mostre de forma
pura, absoluta e total. Não temos ‘o’ olhar, mas sim ‘um’ olhar sobre determinado objeto”
(FERNANDES, 2014, p. 169-170).
A operacionalização do processo de compreensão, dentro e pela linguagem94, parte
dos preconceitos do sujeito. A respeito, Gadamer destaca que o Iluminismo, em sua busca
incessante pela neutralidade racional, enfatizou o aspecto negativo dos preconceitos com a
finalidade de afastar juízos subjetivos. Contudo, a compreensão só é possível “não por uma
93 Lênio Luiz Streck (2002, p. 176) prossegue tratando da importância da linguagem: “a linguagem sempre nos precede; ela nos é anterior. Estamos sempre e desde sempre, nela. A centralidade da linguagem, é dizer, sua importância de ser condição de possibilidade, reside no fato de que o mundo somente será mundo, como mundo, se o nomearmos, é dizer, se lhe dermos sentido como mundo. Não há mundo em si. O mundo e as coisas somente serão (mundo, coisas) se forem interpretados (como tais). Apagar uma linguagem, isto é, esquecer as condições de sua insurgência, de sua nomeação, não faz as coisas (como tais) desaparecerem”. 94 “A linguagem é o médium universal em que se realiza a própria compreensão. A forma de realização da compreensão é a interpretação” (GADAMER, 2015, p. 503).
67
razão neutra e abstrata, mas sim por um conjunto de envolvimentos pré-refletidos com o
mundo que está por trás dos julgamentos e, de fato, o tornam possível”. De modo que “uma
condição para fazer julgamentos refletidos e estimativos sobre o mundo é a posse de
preconceitos: sem pré-julgamento não pode haver julgamentos” (LAWN, 2011, p. 58).
“‘Preconceito’ não significa pois, de modo algum, falso juízo, uma vez que seu conceito
permite que ele possa ser valorizado positiva ou negativamente” (GADAMER, 2015, p. 360).
Gadamer estabelece que a compreensão humana é histórica95, dialética e linguística. É
um ato histórico e como tal está sempre vinculada às experiências e ao presente. Diz-se ser
dialética porque se firma em um diálogo em que se visa obter um entendimento. Também é
linguística porque a experiência ocorre na e pela linguagem. Enfim, não é um processo
subjetivo do homem em relação a um objeto, mais uma forma de ser do próprio homem
(SOARES, 2013, p. 21-22).
Nesse sentido, não é tarefa da hermenêutica verificar o método para uma apropriada
interpretação e nem desvelar o sentido de um objeto, mas refletir sobre a compreensão em
si96. Essa compreensão em si do indivíduo ocorre por sua situação histórica, a qual se vincula
com as ideias de tradição e horizonte. “O ser humano, devido a sua condição histórica, é, por
isso, um ser limitado. O horizonte, para Gadamer, é o âmbito de visão que alcança e encerra
tudo que é visível a partir de um determinado ponto (CAMARGO, 2003, p. 32). É no campo
da linguagem – e através dela – que vai se operar a tradição e a fusão de horizontes.
Um dos pontos exaustivamente explorados por Gadamer é a ideia de tradição.
Costuma-se, não raro, concebê-la como antítese à razão. Trata-se de uma ingenuidade
originada do sonho Iluminista pela busca da razão que parece persistir na atualidade (LAWN,
2011, p. 54).
Proveniente do latim tradere, significa passar adiante, isto é, refere-se à noção de
transmissão, passar algo adiante de geração a geração. Gadamer afirma que essa uma
transmissão não se opera em uma zona de neutralidade, ao contrário, o passar adiante implica
em recriação, reelaboração, reprocessamento e reinterpretação. A própria razão é passada
95 O historicismo, segundo o próprio Gadamer (2015, p. 354), é um dos pontos que lhe distanciam do pensamento heideggeriano: “o próprio Heidegger só se interessa pela problemática da hermenêutica histórica com a finalidade ontológica de desenvolver, a partir delas, a estrutura prévia da compreensão. Nós, ao contrário, uma vez tendo liberado a ciência das inibições ontológicas do conceito de objetividade, buscamos compreender como a hermenêutica pode fazer jus à historicidade da compreensão”. 96 Sobre o assunto, o Professor Henrique Ribeiro Cardoso (2016, p. 1) explica: “Em Gadamer, a hermenêutica não é a tomada apenas como uma técnica ou conjunto de técnicas para a compreensão de textos sagrados, literários ou jurídicos. Mas que isso, sua hermenêutica busca fazer compreender a totalidade das ciências do espírito (Ciências Humanas ou Sociais), sendo tarefa da Filosofia, em sua amplitude, fundamentar esta compreensão, partindo da noção de finitude do homem em seu contexto de comunicação – âmbito de sua consciência histórica”.
68
adiante na história e, nesse processo, termina sendo alterada. Basta imaginar quantas teorias
concebidas como racionais foram mudadas ou negadas posteriormente.
Desse modo, o passado tem sua importância para o presente, sendo transmitido pela
tradição através da linguagem. Mesmo em momentos de rupturas históricas, não se pode
desprezar os papéis do passado e tradição no processo da compreensão. A respeito, Gadamer
(2015, p. 373) ensina:
Inclusive quando a vida sofre suas transformações mais tumultuadas, como em tempos revolucionários, em meio à suposta mudança de todas as coisas, do antigo conservar-se muito mais do que se poderia crer, integrando-se com o novo numa nova forma de validez. Em todo caso, a conservação representa uma conduta tão livre como a destruição e a inovação.
“A tradição é uma força vital inserida na cultura; nunca pode ser obliterada e reduzida
a uma mixórdia de crenças não racionais, pois as crenças e a racionalidade fazem parte de
contextos maiores chamados tradição” (LAWN, 2011, p. 54).
Outro ponto crucial para a compreensão de Gadamer é sua explicação sobre a fusão de
horizontes. O sujeito, cujo entendimento preliminar sobre algo lhe foi transmitido no processo
de tradição na linguagem, quando se defronta com um texto (ou qualquer objeto físico ou
abstrato) dialoga com a linguagem original desse texto, o qual, muitas vezes, detém certo
lapso temporal.
Esse diálogo não ocorre de forma linear, mas em um movimento circular de
reconstrução de significado, em que o campo do autor se funde com o do texto constituindo
um novo horizonte, isto é, o horizonte da obra se funde com o horizonte do autor de modo a
formar, não um melhor, mas um novo horizonte para dar origem à compreensão (SÁ, 2013).
Esclareça-se que não se trata de substituição ou supressão de um horizonte por outro,
mas de fusão, acomodação entre os horizontes que se engajam em conexão através do
diálogo. “O ponto não é obscurecer e abolir o horizonte do passado (concebido como o outro),
mas mostrar como aquele horizonte foi adotado e expandido no presente” (LAWN, 2011, p.
96).
Para estabelecimento do diálogo, na fusão de horizontes gadameriana, o intérprete não
pode ficar preso a preconceitos negativos, deve-se “abrir ao novo, às novas possibilidades de
interpretação do mundo, afastando-se dos preconceitos que impedem tomar o novo como algo
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criticamente possível, como uma verdade possível, afastando-se de preconceitos negativos”97
(CARDOSO, 2016, p. 6).
Bem sintetizando Gadamer, Richard Palmer (1997, p. 211) afirma:
Na medida em que cada intérprete se situa num novo horizonte, o evento que se traduz linguisticamente na experiência hermenêutica é algo novo que aparece, algo que não existia antes. Nesse evento, fundado na linguisticidade e tornado possível pelo encontro dialético com o sentido do texto transmitido, encontra a experiência hermenêutica a sua total realização.
Pelo que foi afirmado, constata-se que, dentre os progressos da hermenêutica
filosófica, suscita-se a importância do sujeito para a compreensão. Compreender não é obter a
verdade única e possível por intermédio de um método neutro-racional. Vai lá além. Diz
respeito à própria forma do indivíduo ser no mundo, suas convicções e preconceitos formados
diante de um processo histórico-evolutivo re-criativo transmitido através da linguagem de
gerações para gerações. “Nós não somos sujeitos ávidos por objetos, mas sim seres
‘hermenêuticos’ dentro da tradição” (LAWN, 2011, p. 63). E, nessa busca pela compreensão,
o sujeito funde à sua visão preconcebida com a visão do texto, formatando um novo
panorama, em um processo que Gadamer denominou de fusão de horizontes.
Delineadas os aspectos da historicidade, preconceitos, diálogo, linguagem, tradição e
fusão de horizontes suscitados na hermenêutica filosófica, passa-se a discorrer sobre a
influência na hermenêutica jurídica.
“Os contributos da hermenêutica filosófica para o direito trazem uma nova perspectiva
para a hermenêutica jurídica, assumindo grande importância as obras de Heidegger e
Gadamer” (STRECK, 1999, p. 157).
O Direito, mais facilmente perceptível do que outros ramos do saber, necessita ser
interpretado, ou melhor, compreendido, para que possa irradiar seus efeitos nas relações
humanas que rege. Esse processo de desvelamento na seara da hermenêutica jurídica ganhou
grande impulso recentemente com o neoconstitucionalismo98, dada a mudança de paradigma
97 O autor prossegue afirmando que o hermeneuta deve se livrar “de opiniões e preconceitos extremados (preconceitos que o cegam) que afastem a capacidade de compreender o texto com suas diferenças e verdades, opostas às ideias pré-concebidas. Deve-se permitir que o texto (‘a coisa mesma’) traga sua verdade. A – difícil – tarefa hermenêutica se encontra nesta tensão entre o que existe de familiaridade (pré-compreensão: preconceitos que esclarecem) e o caráter estranho da mensagem nova, devendo o intérprete controlar suas antecipações carregadas de preconceitos (preconceitos que cegam), que o impedem de ingressar na situação hermenêutica. A hermenêutica reivindica uma posição mediadora entre o familiar (pré-compreensão, tradição) e o estranho (o novo), que constitui temas das investigações do intérprete” (CARDOSO, 2016, p. 10). 98 Movimento que deflagrou uma nova percepção da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica em geral (BARROSO, 2015, p. 519).
70
da hermenêutica jurídica fruto da centralidade, força normativa e supremacia da normas
constitucionais sobre todo o ordenamento jurídico, acrescidos do forte teor axiológico de suas
normas e da expansão da jurisdição constitucional.
No tocante à importância da Constituição na hermenêutica jurídica, Lenio Luiz Streck
(2002, p. 179) leciona:
É preciso ter claro, desde logo, que diferentemente de outras disciplinas (ou ciências), o Direito possui uma especificidade, que reside na relevante circunstância de que a interpretação de um texto normativo depende de sua conformidade com um texto de validade superior. Trata-se da Constituição, que, mais do que um texto que é condição de possibilidade hermenêutica de outro texto, é um fenômeno construído historicamente como produto de um pacto constituinte, enquanto explicitação do contrato social.
A crise do Positivismo, que foi acelerada com a necessidade de resgate de valores e
princípios, após as atrocidades da segunda grande guerra no século passado, derrocou o
modelo técnico-formalista interpretativo de subsunção do Direito, que pregava uma suposta
neutralidade ideológica das normas jurídicas.
O esgotamento do modelo positivista hermenêutico abriu caminho, no contexto da
hermenêutica filosófica99, para aspectos que passavam até então despercebidos. A atenção se
volta para o desvelamento das particularidades de cada caso, onde o intérprete detém um
caráter produtivo e não meramente reprodutivo do sistema jurídico. Na formação da sua
convicção, o intérprete é influenciado por todos preconceitos e convicções que traz em sua
bagagem, que vão ser fundidos no campo de horizonte da norma jurídica, em um processo
circular, chegando a uma nova compreensão normativa destinada à justa solução do caso (SÁ,
2013). “A eficácia do texto do dispositivo advirá de um trabalho de adjudicação de sentido,
que será feito pelo hermeneuta/intérprete” (STRECK, 1999, p. 200).
“Condições intrinsicamente associadas à pessoa do intérprete informam o trabalho
interpretativo, considerando-se que fatores de ordem ideológica, cultura ou até mesmo pessoal
influenciam, de modo decisivo, a postura assumida pelo cientista do direito” (SILVA NETO,
2006, p. 75)
Direito é, antes de tudo, uma das manifestações da linguagem. Aliás, tudo se opera no
mundo da linguagem. Ela é totalizante. A reconstrução do interesse público, não poderia ser
99 Até então, por volta de meados do século XX, “as discussões da hermenêutica jurídica não se envolveram com as da hermenêutica filosófica. A hermenêutica jurídica seguiu seu caminho dogmático e metodológico, desenvolvendo um discurso positivista que culminou no peculiar sincretismo que moldou o senso comum dos juristas no século XX: uma base formalista e sistemática, ligeiramente temperada com argumentos teleológicos” (COSTA, 2008, p. 336).
71
diferente, também vai estar circunscrita no campo da linguagem e vai se operacionalizar por
seu intermédio.
É na linguagem que o jurista vai formar seus preconceitos – o Direito “é um campo do
saber também repleto de pré-compreensões” (CARDOSO, 2016, p. 8) – e, de igual forma, é
nela que a norma vai ter seu campo de visão a ser fundido com a do intérprete. É nesse
universo que se busca a reconstrução do conteúdo e alcance do interesse público, notadamente
quando em foco questões relacionadas ao direito fundamental à administração honesta e
eficiente.
Nessa toada, é imprescindível atentar para as peculiaridades da historicidade brasileira
no tocante à proliferação do ambiente corrupto e imoral na administração pública e da
ineficácia dos respectivos instrumentos de controle e fiscalização, ainda que previstos na
Constituição. “A decisão do juiz, que intervém praticamente na vida, pretende ser uma
aplicação justa e de nenhum modo arbitrária da lei; deve pautar-se numa interpretação justa, e
isso inclui necessariamente a mediação da história e da atualidade na compreensão”
(CARDOSO, 2016, p. 9).
Assim, questiona-se se a compreensão que o intérprete vem chegando em tais
situações, obtida no diálogo entre campos de horizontes distintos, está efetivamente atingindo
a finalidade da norma constitucional.
Conforme trabalhado no capítulo anterior, a realidade brasileira transparece que o
hermeneuta – aqui intérprete em sentido amplo, abrangendo todos envolvidos nos atos da
administração pública, inclusive os particulares – não tem logrado êxito. Em crítica, Lenio
Luiz Streck (1999, p. 200) afirma que:
Não se dão conta do devir histórico, da consciência exposta aos efeitos da história (Wirkungsgechichtliches Bewussein) e de sua situação hermenêutica, ou seja, não tem a compreensão prévia, a antecipação do sentido do que seja, por exemplo, a função social do Direito (e do Estado).
Nessa conjectura, a hermenêutica filosófica, portanto, assume papel fundamental para
a compreensão do Direito. Longe de se pretender a elaboração de um método infalível, capaz
de ser aplicado com neutralidade e que conduza o jurista a um sentido preexistente da norma,
a hermenêutica filosófica desenvolve estratégias discursivas úteis no campo da hermenêutica
jurídica. Volta-se os olhares para as consequências do giro linguístico que marcou a filosofia
do século XX. A linguagem, pré-compreensão, diálogo, tradição, historicidade e fusão de
horizontes são percebidos pelo mundo jurídico (COSTA, 2008, p. 350).
72
Prosseguir-se-á adentrando na seara do contexto histórico-linguístico brasileiro atual
para a reconstrução do significado do interesse público mormente em situações em que se está
em debate assuntos envolvendo o direito fundamental a uma administração proba.
2.4 A ressignificação do interesse público
Inicia-se aqui com uma das expressões que movem este trabalho: o interesse público.
Este é detentor de sentido filosófico amplo e de conteúdo universalizante, cujo cerne nuclear
está disponível no íntimo de cada um de nós, revelado na noção de coletividade.
Tomando licença ao filósofo Heidegger (2012, p. 55), o interesse público antes
mesmo de sua qualificação jurídica é preliminarmente um conceito fundamental que
determina o domínio-de-coisa em nível do prévio entendimento do ser, que vai orientar toda
investigação científica:
Conceitos fundamentais são as determinações em que o domínio-de-coisa que fundamenta todos os objetos temáticos de uma ciência acede a um prévio entendimento, o qual conduz toda a sua investigação positiva. Por isso, esses conceitos só recebem sua autêntica confirmação e “fundamentação” mediante uma correspondente prévia inspeção do domínio-de-coisa ele mesmo. Mas na medida em que cada um desses domínios é unicamente conquistado a partir de uma circunscrição efetuada no próprio ente, essa prévia pesquisa que cria conceitos fundamentais nada mais significa do que a interpretação desse ente quanto à constituição-fundamental de seu ser.
Esse entendimento vago e mediano, inerente a todos, requer uma busca pela
delimitação do que realmente o é juridicamente, sem dispensar o aspecto político, remontando
as lições teórico-políticas acerca da formação dos regimes constitucionais, como já explanado
anteriormente.
O constitucionalista Mário Lúcio Quintão Soares (2004, p.176) chama atenção para o
vínculo intrínseco existente entre interesse coletivo e Estado Democrático de Direito,
afirmando que “a democracia no Estado constitucional, fundada no princípio da
representação, implica premissa de que os órgãos do Estado não pretendem ser povo, mas
representa-lo, fazê-lo presente, atuar em lugar do povo, em seu nome e em seus interesses. ”
Portanto, o interesse público traduz-se na conjunção de valores do coletivo que
devem orientar a atuação do poder público e da sociedade civil no Estado Democrático de
Direito.
73
O Professor Fernandes (2014, p. 286) ensina que “o Estado Democrático de Direito é
muito mais que um princípio, configurando-se em verdadeiro paradigma – isto é, pano de
fundo do silêncio – que compõe e dota sentido as práticas jurídicas contemporâneas.”
Sendo uma das orientações inerentes ao Estado Democrático100, manifesto logo no
preâmbulo e no caput primeiro artigo da Constituição Cidadã de 1988, a sua significação vem
sendo reconstruída historicamente diante do cenário atual de necessidade de respeito a coisa
pública, isto é, aos valores da coletividade, a qual, muitas vezes, é sacrificada em prol de uma
alegada preponderância de direitos ou garantias individuais.
Ao que parece, malgrado o regime ditatorial tenha sido encerrado com o advento da
Constituição de 1988, a sua sombra persiste, manifestando-se no temor do retorno das
restrições aos direitos e garantias individuais, gerando, consequentemente, um movimento em
sentido contrário, o qual, por sua vez, termina mitigando o interesse público em diversas
situações.
Esclareça-se novamente que não se propõe uma desarrazoada valorização do
coletivo, todavia apenas a constatação da necessidade de sua nova significação diante do
contexto histórico-linguístico de reclamos por respeito à coisa pública, em retaliação à relação
nefasta entre o poder público e a iniciativa privada em prol de interesses meramente
particulares, cujas origens remontam o período de colonial do país e se estende até os dias
atuais.
Como foi abordado anteriormente, o processo de formação do Brasil foi permeado
por um ambiente prolífero para o desenvolvimento da corrupção e atos correlatos, que se
mantiveram presentes em toda evolução histórica do país. A historicidade, nesse ponto, fica
bastante evidente para a compreensão da situação atual brasileira, pois, como asseverou
Gadamer (2015, p. 367-368): “não é a história que nos pertence, mas somos nós que
pertencemos a ela. Muito antes de nos compreendermos na reflexão sobre o passado, já nos
compreendemos naturalmente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos”.
Assim, diante de tudo que foi dito e analisado, pode-se afirmar que houve uma
mudança na pré-compreensão de determinados valores inerentes à coletividade, conforme foi
demonstrado nos tópicos anteriores quando se foi analisado os reclamos jurídico e político de
preservação à administração proba. Essa transformação deverá, ao longo do tempo, refletir na
projeção da realidade e vice-versa, em um movimento mútuo e circular – conhecido como
100 A outra orientação seria o respeito aos direitos fundamentais considerados individualmente.
74
círculo hermenêutico –, bem delineado pelos dizeres filosóficos de Gadamer101 e Heidegger
(FERNANDES, 2014, p. 168).
Bem sintetizando a importância do círculo hermenêutico (MENDES; COELHO;
BRANCO (2000, p. 54) ensina a formação da compreensão nesse processo:
Esse ir e vir compreensivo, que atravessa séculos e gerações, vai progressivamente enriquecendo e ampliando os objetos com novas interpretações anteriores, que nem pelo fato de serem diferentes invalidam interpretações anteriores, num processo de superação e, ao mesmo tempo, de conservação e de absorção de significados.
A releitura do interesse público implicará inevitavelmente em uma intensa força
propulsora que se irradiará por todo ordenamento jurídico, não servindo de orientação
somente para o intérprete da norma jurídica, mas para toda atividade em que estiver envolvida
interesses diretos ou indiretos da administração pública.
Em uma realidade como a brasileira, é recorrente a carência de eficácia da norma
jurídica pelos mais diversos motivos. Entrementes, o “intérprete constitucional deve ter
compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis,
deverá prestigiar aquela que permita a vontade constitucional” (BARROSO, 2015, p. 341).
Decorridos três séculos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a
propagação frequente pela imprensa de novos escândalos de corrupção de servidores públicos
e agentes políticos, envolvidos em desvios de vultosos recursos financeiros, conduziram à
intensificação do movimento da sociedade civil e das próprias instituições públicas pela
promoção de medidas de combate efetivo à corrupção, constituindo um cenário histórico-
linguístico peculiar no Brasil.
É notório que o regime jurídico vigorante nas normas que dizem respeito à
administração proba, consagrados pela ordem constitucional, não se têm revelado
instrumentos idôneos para satisfazer essa nova necessidade, de tal modo que é imprescindível
uma releitura significativa do interesse público nas questões envolvendo a probidade
administrativa, conferindo força normativa suficiente para deflagrar toda sua eficácia no
ordenamento jurídico.
101 Diferentemente do círculo hermenêutico clássico de Schleiermarcher, cuja relação era da parte para o todo, a hermenêutica filosófica de Gadamer e Heidegger propunha entendimento diverso, em que a pré-compreensão se soma ao horizonte do texto de modo a formar uma nova compreensão. Essa nova compreensão tem caráter de provisoriedade, pois os significados vão se alterando na medida em que surgem novas informações (SOARES, 2013, p. 20-22). Por isso, ao invés de círculo seria mais adequado a denominação espiral hermenêutica (COSTA, 2008, p. 142). Ressalta-se que Gadamer adicionou ao círculo hermenêutico uma releitura linguística dos conceitos hermenêuticos propostos por Heidegger (COSTA, 2008, p. 138).
75
Esse assunto merece atenção especial, em se tratando de casos em que é discutida a
violação aos postulados da administração proba, visto que é frequente a adoção nos Tribunais
de interpretações que desprestigiam o interesse público em prol de garantias individuais dos
seus supostos violadores, servindo, na prática como instrumento de impunidade nos ilícitos de
colarinho branco e congêneres.
Mattos (2015, p. 17-18) expõe nitidamente o problema:
Acontece que, no Brasil, a defesa de direitos fundamentais no processo penal se desenvolveu de modo monocular e hiperbólico, tendo em conta que o belo discurso de salvaguarda das garantias individuais só se aplica aos réus de colarinho branco, deixando os acusados da prática de crimes patrimoniais, delitos violentos ou de tráfico de drogas abandonados à própria sorte (...) Nesse contexto, as garantias processuais são tão superestimadas que se esquece que o processo não é um fim em si mesmo, mormente quando milhares de ações criminais são fulminadas à espera do segundo reexame de mérito no Superior Tribunal de Justiça.
O magistrado Moro (2014, p. 1) realiza uma crítica construtiva à tendência
interpretativa do Poder Judiciário Brasileiro nos casos de corrupção, em contraposição aos
entendimentos normalmente firmados nos julgamentos de infrações comuns102, retratando que
é “imprescindível também mudança de percepção dos juízes quanto aos males da corrupção.
Se um terço do rigor contra os criminosos do tráfico de drogas fosse transferido para os
processos de corrupção, haveria grande diferença”.
Malgrado a crise de respeito à coisa pública que culminou em uma série de
acontecimentos negativos em nível nacional, é possível a percepção de efeitos benéficos,
quais sejam: a criação de um ambiente favorável a transformações sociais positivas. Pode-se
estar diante de uma oportunidade ímpar de evolução.
Quem muito bem retrata os possíveis progressos em questões conflituosas é o
Professor Lederach (2012, p. 31):
O conflito nasce da vida. Como ressaltei acima, ao invés de ver o conflito como uma ameaça, devemos entendê-lo como uma oportunidade para crescer e aumentar a compressão sobre nós mesmos, os outros e nossa estrutura social. Os conflitos nos relacionamentos de todos os níveis são o
102 Interpretações díspares pelos Tribunais com manifestações excessivamente garantistas nas situações de colarinho branco em contraposição a uma visão mais repressora nos delitos comuns. É inegável a insegurança jurídica nas infrações que desrespeitam o princípio a uma administração proba. “He reiterado hasta convertirlo em auténtico leitmotiv de estas consideraciones el carácter inequívocadamente axiológico de la seguridade jurídica. En sustento de esta tesis nuclear he intentando mostrarnque la seguridade jurídica no es um mero factum inmanente a cualquiersistema de Derecho, sino um valor del Derecho justo que adquierensu plena dimensión operativa en el Estado de Derrecho” (LUÑO, 1994, p. 140).
76
modo que a vida encontrou para nos ajudar a parar, avaliar e prestar atenção (...) O conflito também gera vida: através do conflito nós reagimos, inovamos e mudamos. O conflito pode ser entendido como o motor da mudança, como aquilo que mantém os relacionamentos e as estruturas sociais honestas, vivas e dinamicamente sensíveis às necessidades, aspirações e ao crescimento do ser humano.
Diante dessa nova realidade significativa, abre-se um maior caminho para a
irradiação dos seus postulados em toda administração pública, direta e indireta e de qualquer
dos Poderes constituídos, bem como nas relações com os particulares e nas destes entre si.
O Legislativo também deve ficar atento às mudanças de paradigmas nesse contexto
de ressignificação do interesse público, seja na sua atividade fiscalizadora do Executivo, seja
na melhor readequação da legislação vigente nesse novo modelo. A título de exemplo,
menciona-se a questão do julgamento das contas orçamentárias, da impunidade advinda do
foro por prerrogativa de função, dos recursos protelatórios, dos exíguos prazos prescricionais,
da prisão após condenação em segunda instância etc.
Essa nova concepção requer uma nova postura por todos, de modo a melhor garantir
a sua aplicabilidade efetiva, real no mundo concreto, como Bobbio (2004, p. 32) bem advertiu
das dificuldades de sua implementação:
descendo do plano ideal ao plano real, uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva. Sobre isso, é oportuna ainda a seguinte consideração: à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas torna-se cada vez mais difícil (…) Poder-se-iam multiplicar os exemplos de contraste entre as declarações solenes e sua consecução, entre a grandiosidade das promessas e a miséria das realizações. Já que interpretei a amplitude que assumiu atualmente o debate sobre os direitos homem como um sinal de progresso moral da humanidade, não será inoportuno repetir que esse crescimento moral não se mensura pelas palavras, mas pelos fatos. De boas intenções, o inferno está cheio.
Por conseguinte, a própria compreensão do Direito não deverá se esquivar dessa
nova realidade, obviamente, compatibilizando com as demais normas jurídicas ou mediante o
recurso da ponderação quando o intérprete tiver que fazer escolhas de normas plausíveis para
o caso concreto. “Ponderar princípios opostos que colidem implica em reconhecer que a regra
da proporcionalidade em sentido estrito é dedutível do caráter principiológico das normas de
direito fundamental” (CARDOSO, 2013, p. 229).
Ainda no tocante à ponderação, o Professor Luís Roberto Barroso (2015, p. 373)
assevera que “consiste ela em uma técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis, em
77
relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente. A insuficiência se deve ao fato de
existirem normas de mesma hierarquia indicando soluções diferenciadas”.
Não se adentrará na temática da ponderação dos princípios constitucionais em
virtude de não ser o referencial filosófico adotado para ilustrar o pano de fundo desta
Dissertação. Contudo, é imprescindível registrar que a rivalidade existente entre os adeptos
dos postulados da argumentação jurídica, a exemplo de Robert Alexy e os defensores da
hermenêutica filosófica, dentre os quais Lenio Luiz Streck, já é questionada por alguns, que
vislumbram, ao invés de uma relação mutuamente exclusiva, uma complementariedade entre
ambas teorias103 (KAUT; MEDRADO, 2015, p. 23):
Nessa medida, vale o ímpeto de pensar a argumentação jurídica e a hermenêutica filosófica como ferramentas complementares, que, apesar de não serem capazes de dar, se tomadas isoladamente, uma solução abrangente e razoável para os casos difíceis, podem juntas oferecer melhores resultados. Em verdade, é possível que nem mesmo se usadas em conjunto, como propomos, essas teorias serão capazes de compreender a interpretação jurídica em toda a sua complexidade. Mas mesmo nesse caso, seria possível dizer que ao menos vislumbramos, como quer Alexy, a melhor solução possível.
Concluída a análise que implicou na constatação da necessidade de reconstrução do
significado do interesse público para fins de concretização do direito fundamental à
administração proba, diante do conjectura histórico-linguística brasileira, prosseguir-se-á na 103 Os autores Vanessa Nunes Kaut e Vitor Amaral Medrado (2015) explicam bem essa possível relação de complementariedade reforçando a importância de teorias argumentativas como do alemão Robert Alexy na busca pelos juristas da melhor decisão possível, principalmente para os casos difíceis, todavia, para a compreensão do Direito, antes mesmo de ser reduzido a uma interpretação jurídica, traduz o fenômeno da compreensão e, como tal, merece a reflexão sobre como as condições da interpretação se dá, abrindo caminho também para a hermenêutica filosófica. “É inegável a relevância das teorias da argumentação jurídica, sobretudo a de Alexy, para a interpretação e aplicação do direito na contemporaneidade (...) Não é possível compreender o direito sem entende-lo como uma criação humana, historicamente datado e, assim como todo caso jurídico, é imerso em uma cultura, cheia de pré-concepções e referenciais simbólicos específicos” (KAUT; MEDRADO, 2015, p. 23). Exemplificando a importância da hermenêutica filosófica para a argumentação jurídica, os autores citam um caso prático (KAUT; MEDRADO, 2015, p. 218): Este ano, no Texas (EUA), um jovem foi a julgamento porque agrediu o ex-namorado de sua namorada. Josten Bundy não poderia imaginar a sua sentença, proferida pelo juiz de direito Randall Rogers: ele deveria pedir a sua namorada em casamento em 30 dias ou seria condenado a ficar preso por 15 dias. Sem opção, os jovens se apressaram em casar. Obviamente, o caso é incomum, mas através dele se pode levantar a seguinte pergunta: o que diria Alexy a esse respeito? Sem dúvidas, Alexy afirmaria, com razão, que a decisão não é correta, pois não foi cumprido o dever de fundamentação racional. Entretanto, será que essa afirmação não empobrece a riqueza de elementos que compõem o caso? Será que a decisão não tem algo a ver, por exemplo, com aspectos mais complexos, como a inserção das partes e do juiz na cultura conservadora do Texas? E se tiver, será que não há uma filosofia mais atenta a forma como constituímos nossos juízos e preconceitos?” (TRAYNER, 2015).
78
temática principiológica inovadora da norma jurídica constitucional anticorrupção como
fundamento da forma de governo republicano.
79
3 O PRINCÍPIO ANTICORRUPÇÃO COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA
3.1 O princípio anticorrupção como norma constitucional implícita imanente à forma de
governo republicano
Logo em seu início, antes mesmo de adentrar nas primeiras disposições normativas, a
Constituição de 1988 deixa evidente em seu preâmbulo que o Brasil é regido pela forma de
governo republicana. Em seguida, no caput do seu primeiro artigo, anuncia os fundamentos
explícitos que regem o país no regime Democrático de Direito, reinaugurado com a
redemocratização, onde estabelece que o Brasil é uma República formada pela união
indissolúvel das outras unidades federativas – Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios.
Assunto complexo e detentor de diversos significados a depender do autor ou do
momento histórico (DALLARI, 1998, p. 80), a República assume papel imprescindível para a
compreensão do princípio anticorrupção e de suas funções no ordenamento político-jurídico
do país.
A concepção de República que se adota neste trabalho é a filiada por Mário Lúcio
Quintão Soares (2004, p. 339), segundo o qual, classifica-a como uma das formas de governo
existentes nos Estados soberanos. Forma de governo, por sua vez, é assunto relacionado à
“organização do poder político, tendo como objetivo a estrutura do poder existente em
determinado tipo de Estado, bem como as complexas relações entre os vários órgãos nas quais
se manifesta o exercício do poder estatal”.
República também é gênero que comporta espécies, cujo entendimento também varia
de acordo com o tempo e o cientista político-jurídico tomados como referência, sendo que as
concepções principais remetem a Aristóteles, Maquiavel e Montesquieu (BONAVIDES,
1993, p. 248). Há diversos outros nomes renomados que trabalham o assunto com maestria
(Platão, Bodin, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho etc.), todavia se aprofundar sobre
temas que envolvem a República, em si mesma, foge aos objetivos traçados para esta
Dissertação.
Desse modo, aqui requer sua compreensão traduzida em uma das formas pela qual o
poder se organiza e se exerce, permitindo o agrupamento substancial de indivíduos em um
Estado, com vinculação jurídica e social a um poder. Revela-se, portanto, como as formas de
vida do Estado ligadas pelo caráter coletivo do elemento humano (FRIEDE, 2013, p. 177).
80
Detalhando as formas de governo, Aristóteles adotou uma concepção tripartida,
classificando as espécies em três grupos distintos de acordo com o número de governantes,
cada grupo variando de conforme interesses preponderantes a serem perseguidos pelo governo
vigente (DALLARI, 1998, p. 81).
Assim, quando se buscar o bem-geral e os interesses públicos, as formas de governo
expostas por Aristóteles são recepcionadas como puras. Por outro lado, caso os interesses
particulares se sobreponham aos interesses públicos, tem-se as formas impuras ou deturpadas.
De conseguinte, ao elemento quantitativo, adicionou-se o teleológico em sua classificação
(FRIEDE, 2013, p. 177). A diferença fundamental entre a pura e pervertida forma de governo,
ou estado bom e corrompido, é a orientação psicológica daqueles que governam.
(TEACHOU, 2014, p. 5)104.
A classificação aristotélica revela que o primeiro grupo é composto pelo governo de
um só, consubstanciado na Monarquia (forma pura) ou na Tirania (forma impura, onde
predomina o interesse do tirano e o desprezo às leis). No segundo grupo, há o governo
realizado por poucos, podendo ser manifestado pela Aristocracia105 (forma pura) ou
Oligarquia (impura, onde prevalecem interesses particulares dos integrantes desse pequeno
grupo). Por último, o governo de muitos, podendo consistir na Democracia (forma pura) ou
Demagogia106 (forma impura, correspondente ao exercido pela multidão revoltada,
implantando regime de violência e opressão) (SOARES, 2004, p. 339).
Esse elemento finalístico diferenciador das formas de governo em puras e impuras
vai influenciar no arquétipo do princípio anticorrupção, como mais adiante será constatado.
Mais de mil anos após Aristóteles, o florentino Maquiavel, no século XVI,
remodelou a classificação aristotélica tripartida, ocasião em que deduziu que “todos os
Estados que exerceram ou exercem poder sobre os homens, foram ou são, repúblicas
(aristocracia ou democracia) ou principados” (MACHIAVELLI, 2009, p. 10). Por
conseguinte, as formas de governo foram reduzidas apenas à República (um poder plural,
104 Como cada capítulo do livro de Zephyr Teachout (2014) possui numeração independente, será sempre exposto a qual capítulo se refere a numeração toda vez em que a autora for mencionada. Na presente citação, a numeração de páginas se refere ao capítulo 2: changing the frame. 105 Conquanto a concepção aristotélica sobre a forma de governo de poucos, como a Aristocracia, possa conduzir ao leitor mais desatento à visão pejorativa, confundindo-a com a Oligarquia (forma deturpada da aristocracia), não se trata disso. Para Aristóteles a Aristocracia significa o governo dos melhores, dos mais capazes e qualificados para governar (BONAVIDES, 1993, p. 248-249) 106 Reis Friede (2013, p. 190) chama atenção para o cuidado com as expressões no estudo aristotélico, pois tinham uma semântica diferente da utilizada atualmente. “O que hoje denominados demagogia, Aristóteles chamava democracia, pois tinha diante dos olhos a profunda corrupção do governo popular no tempo em que escreveu; e o que denominados democracia, ele designava ‘politia’. A monarquia, denominou ‘realeza’ e a tirania, ‘despotia’”.
81
abrangendo a democracia e aristocracia) ou Monarquia (poder singular), cujos traços
característicos distintos fundamentais eram a hereditariedade e a vitaliciedade, presentes na
monarquia, e a eletividade e a temporariedade, típico da República (FRIEDE, 2013, p. 191-
192).
Portanto, vislumbra-se que a divisão binária de Maquiavel rejeitou as distinções
aristotélicas de formas puras ou impuras de governo. E fazia com certa razão, visto que os
governos “se sucedem em ciclos constantes: às formas puras naturalmente sucedem-se as
impuras. Assim, teríamos, pelo menos em tese, um verdadeiro ciclo permanente entre
monarquia-tirania-oligarquia-democracia-demagogia, e assim sucessivamente” (FRIEDE,
2013, p. 179).
Posteriormente, no século XVIII, o barão francês Charles-Louis de Second (2002, p.
23), mais conhecido como Montesquieu, retoma à divisão tripartida das formas de governo,
classificando-o em República (democrática e aristotélica), Monarquia e Despotismo:
Existem três espécies de governo: o republicano, o monárquico e o despótico. Para distinguir-lhes a natureza, é suficiente a ideia que deles têm os homens menos instruídos. Apresentarei três definições, ou antes, três fatos: ‘o governo republicano é aquele em que o povo, como um só corpo, ou somente uma parcela do povo, exerce o poder soberano; o governo monárquico é aquele em que um só governa, de acordo, entretanto, com leis fixas e estabelecidas; e, no governo despótico, um só indivíduo, sem obedecer às leis e regras, submete tudo a sua vontade e caprichos’.
Em cada uma das formas de governo, Montesquieu consegue identificar uma
natureza – aquilo com que ele seja o que é – e um princípio – aquilo que o faz atuar, que o
anima e o impulsiona ao exercício do poder. “A primeira constitui a sua estrutura particular; o
segundo constitui as paixões humanas que o fazem movimentar” (SECOND, 2002, p. 34).
Conforme esse critério, na República Democrática a natureza estaria no fato da
soberania estar nas mãos do povo, enquanto o princípio reside na virtude traduzida em amor à
pátria, igualdade e compreensão dos direitos e deveres. Já a República Aristocrática possui a
natureza da soberania pertencer a alguns e o princípio da moderação dos governantes107
(BONAVIDES, 1993, p. 251).
107 Para não adentrar em tema estranho à dissertação, menciona-se sucintamente que a Monarquia tem a natureza do governo de um só em obediência às leis e as regras, possuindo como princípio o sentimento de honra, amor às distinções e culto às prerrogativas. Já o Despotismo tem como princípio a ignorância ou transgressão à lei e como natureza o medo, traduzido em desconfiança, insegurança, incerteza e onde os governantes e governados se fazem à base do temor recíproco (BONAVIDES, 1993, p. 251).
82
O filósofo francês tem seu nome frequentemente associado ao princípio da separação
dos poderes, porém foi além. Compreender a maneira como refletiu sobre a natureza humana,
governo e corrupção suscitou e ainda suscita a necessidade de uma estrutura principiológica
constitucional adequada e eficaz para que os interesses particulares não se sobreponham ao
interesse público às expensas deste (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 5).
Seguindo esse ponto de vista, o barão propunha que os valores da virtude são
necessários para o bom governo, assim como boa estrutura é imprescindível para a virtude. A
corrupção e o amor ao país são opostos. Malgrado o princípio da separação dos poderes
determine a distribuições de funções, todos, em última análise, dependem de atitudes cívicas
dos cidadãos. A noção de virtude cívica não é reducionista, mas íntima. A virtude, segundo
Montesquieu, é “o amor das leis e do nosso país”. Tal amor requer uma preferência constante
do interesse público ao interesse privado. Esse amor é peculiar às democracias. Para preservar
o governo deve-se amá-lo. Tudo, portanto, depende de estabelecer esse amor em uma
República. A corrupção para Montesquieu estava na erosão deste amor (TEACHOUT, 2014,
cap. 2, p. 5).
Ainda que Montesquieu tenha delineado suas ideias em termos predominantemente
emocionais, românticos e imprecisos, não se pode olvidar dois aspectos cruciais para a
constituição do princípio anticorrupção: os valores da moralidade (traduzidos em sua virtude
cívica) e a estrutura (consistente em todo aparato necessário para a preservação da
administração legal e honesta) (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 5).
Se Montesquieu estabeleceu as diretrizes que serviram de base para as formas de
governo do mundo contemporâneo, o filósofo escocês Thomas Hobbes representou a sua
antítese. Hobbes rejeitou a ideia de que as pessoas deveriam ou poderiam ser virtuosas,
argumentando que não há diferença entre uma República ou Despotismo ou ainda entre a
Monarquia ou Tirania. Do mesmo modo, negou a existência das diferenciações aristotélicas
de governos puros ou impuros. Hobbes aduz que tais formas de governo são exatamente as
mesmas, porém vistas sob diferentes perspectivas. A palavra monarquia é usada por aqueles
que gostam de um líder particular, enquanto a tirania por aqueles que o odeiam
(TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 6)
Por mais esdrúxulo que possa parecer, o pensamento pregado por Hobbes não está
muito distante da realidade atual, notadamente a brasileira. Basta verificar que as acusações
populares depreciativas dirigidas aos corruptores e corruptos normalmente são direcionadas
aos envolvidos detentores de ideologias discrepantes dos seus acusadores. O indivíduo de
cunho ideológico tendente a esquerda vai direcionar suas acusações para os de pensamento
83
diverso, omitindo-se – propositada ou involuntariamente – os problemas relacionados a seus
correligionários e vice-versa108.
No processo de formação dos Estados Constitucionais, no final do século XVIII,
Montesquieu é lembrado como a principal autoridade filosófica, até porque sua obra Do
Espírito das Leis, foi escrita apenas trinta anos antes da Convenção Constitucional de
Filadélfia, ocorrida no ano de 1787, influenciando boa parte a estrutura política fundamental
do que veio a ser a primeira constituição republicana (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 5).
Alinhando-se às ideias de Montesquieu, o ex-presidente americano James Madison,
árduo defensor da República e um dos principais fundadores da Constituição dos Estados
Unidos, acreditava na virtude e em outros discursos em que parecia depositar sua fé na virtude
do povo (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 7).
Madison tinha duas crenças a respeito: 1) os homens não são sempre anjos, e,
portanto, as estruturas devem contribuir; e 2) a virtude é necessária, visto que as estruturas
não são suficientes por si só. A conjugação desses dois postulados madisonianos é a chave
para a compreensão da psicologia moral da maioria dos autores aqui explorados, posto que há
uma relação dinâmica entre a estrutura político-jurídica e a moralidade política (TEACHOUT,
2014, cap. 2, p. 7).
Os homens não são sempre virtuosos. Desse modo, as estruturas – leia-se: arcabouço
normativo constitucional e infraconstitucional – devem ser construídas a fim desencorajar
comportamentos particulares egoísticos em sacrifício de interesses coletivos na vida pública.
Por sua vez, a orientação pública que floresce nessas estruturas contribui na sua própria
manutenção e, sucessivamente, ajuda a manter a virtude. De conseguinte, há um movimento
dinâmico e de reciprocidade entre a moralidade política e a estrutura político-jurídica
(TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 7-8).
A difícil tarefa de estruturar a sociedade política é justamente de alinhar o interesse
próprio com o interesse público, não porque as pessoas somente se interessem por si mesmas,
mas porque as pessoas frequentemente se interessam por si mesmas e os incentivos estruturais
podem reduzir a quebra da relação moralidade-estrutura. A corrupção não pode ser feita para
desaparecer, mas seu poder pode ser subjugado com a combinação certa de cultura e regras
políticas (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 8).
108 Esse paradoxo pode acontecer pelo fato do indivíduo efetuar um discurso de convencimento, típico do agir estratégico delineado por Habermas, onde há o planejamento para o convencimento, quando deveria prezar pelo entendimento através do consenso (CARDOSO, 2010, p. 208). Como também pode ocorrer em razão da sua compreensão, aqui no sentido da hermenêutica filosófica, que diz respeito a sua forma de compreender o mundo (HEIDEGGER, 2012, p. 41).
84
Atualmente, revela-se preferência pela divisão binária– em República e Monarquia –,
conforme os critérios de acesso ao poder e do seu grau de concentração. Em contraposição à
Monarquia vitalícia e hereditária, a República se apresenta com o acesso eletivo e temporário
ao poder, podendo concentrar (sistema Presidencialista) ou não (sistema Parlamentarista) a
Chefia de Estado com a de Governo (FRIEDE, 2013, p. 191-192).
Nesse raciocínio, o modelo Republicano é, indubitavelmente, o que mais se
aproxima do regime democrático. “A república é a forma de governo típica da coletividade,
em que o poder e o exercício da soberania são atribuídos, não mais a uma pessoa física, mas
ao povo” (SOARES, 2004, p. 350).
Mário Lúcio Quintão Soares (2004, p. 351) explora ainda outra característica
marcante na República, qual seja: a existência de “uma estrutura político organizatória, que
assegure as liberdades cívicas e políticas, um esquema organizatório de controle do poder”, ou
seja, nessa forma de governo é preciso uma estrutura de Estado que assegure minimamente
aos cidadãos diversos direitos fundamentais, dentre os quais direitos políticos, direitos
individuais etc.
Lenio Luiz Streck e José L. Bolzan de Morais, ao tratarem sobre República,
relembram que “surgiu como uma aspiração democrática de governo, através de
reivindicações populares. Buscava-se, além da participação popular, a limitação do poder”
(STRECK; MORAIS, 2014, p. 181).
A própria origem da palavra República – do latim res publica, cujo significado diz
respeito à coisa pública – conduz inexoravelmente essa forma de governo à noção de
coletividade (SOARES, 2004, p. 339). Segundo José Afonso da Silva (2009, p. 102), “é,
especialmente, designativo de uma coletividade política com características de res publica, no
seu sentido originário da coisa pública, ou seja: coisa do povo e para o povo”. Prossegue o
autor afirmando que o princípio republicano é de ordem fundamental na matriz constitucional
(SILVA, 2009, p. 103).
Acerca da responsabilidade no trato com a coisa pública, Canotilho (1998, p. 221)
assevera sobre o princípio republicano vincula a função pública e os cargos públicos à
persecução do bem comum e do interesse público, os quais são discrepantes dos assuntos ou
negócios privados dos agentes públicos.
O cidadão, como membro da República, tende à corrupção quando usa seus papéis
públicos para ganho privado, ao invés de satisfazer o interesse público, razão pela qual o
princípio anticorrupção possui uma abstração e abrangência maior do que o direito do cidadão
a uma administração proba, que fica mais limitada às questões da administração pública.
85
O indivíduo ocupa na condição de cidadão várias funções públicas: o voto, o júri,
falar em público sobre assuntos de interesse geral, peticionar aos órgãos públicos, candidatar-
se a cargo eletivo etc. Os cidadãos são a base do tecido do país, assim como são responsáveis
pela integridade do seu governo. Todos são incumbidos de assegurar que os recursos públicos
atendam seus fins legítimos. O governo republicano, típico de um regime democrático, foi
fundado sobre a autoridade do povo, o próprio povo deve ter integridade e ser publicamente
ocupado para que a nação prosperar (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 11).
Observa-se, portanto, que o princípio republicano está intimamente relacionado à
relação saudável entre os interesses público e privado. A quebra da harmonia nessa conexão
pode conduzir o Estado para o autoritarismo, de um lado ou para a corrupção, do outro.
Ambos excessos são altamente lesivos ao Estado Democrático de Direito.
Quando o pêndulo atinge os limites de um dos lados sob a alegação de satisfazer o
interesse público, tem-se o estado autoritário, que é amplamente debatido e repudiado pelo
mundo político-jurídico. Contudo, quando o mesmo pêndulo atinge o lado oposto, o do
excesso dos interesses privados, o debate ainda transparece tímido. Timidez até justificável,
no caso particular do Brasil, cuja sombra do regime de exceção ainda atormenta a mente dos
mais incautos obscurecendo a visão para problemas notadamente graves relacionados à
corrupção.
“A corrupção enfraquece a República, pois vilipendia o Estado Democrático de
Direito e as instituições republicanas” (CARNEIRO JÚNIOR, 2015, p. 24). Nela ocorre a
substituição exacerbada e egoística de interesses particulares em sacrifício de interesses
públicos. Logo, confronta frontalmente o princípio republicano desde a etimologia da palavra
– coisa pública, cuja semântica expressa a noção de coletividade – até a sua construção
realizada decorrer da história pelos mais ilustres pensadores, a exemplo das acepções de
Aristóteles, Maquiavel e Montesquieu expostas neste trabalho.
Como ensina Luís Roberto Barroso (2015, p. 361-362), o princípio republicano – ao
lado de princípios como da separação dos poderes e da dignidade da pessoa humana –
expressa as decisões políticas mais importantes no âmbito do Estado, assim como seus valores
mais elevados. O Professor prossegue constatando que a jurisprudência extrai do princípio
republicano a responsabilização política, penal, administrativa e civil dos governantes, sendo
também fundamento para a restrição de tratamentos especiais desarrazoados conferidos a
agentes públicos.
A preocupação com a corrupção é uma luta constante que merece a atenção que lhe é
devida, visto que, além de violar o princípio republicano, torna-se um obstáculo à
86
concretização do direito fundamental do cidadão à administração proba e, consequentemente,
prejudica o único itinerário viável para implementação do princípio da dignidade da pessoa
humana na seara da administração pública.
Nesse diapasão, nota-se que Zephyr Teachout (2104, cap. 16, p. 1-2) conclama por
uma atenção especial para a corrupção na esperança de que os Poderes do Estado e os
cidadãos reconheçam que o princípio anticorrupção é um princípio fundamental para a ordem
democrática (TEACHOUT, 2014, cap. 16, p. 1-2). É princípio fundamental e autônomo.
A concretização do princípio anticorrupção dependerá da compreensão sobre
conceitos como interesse público e interesse privado, excesso e ganância. A corrupção
envolve a noção de “abuso do poder público para benefício privado”, “os atos pelos quais o
ganho privado é feito a expensas públicas” e quando o interesse privado substitui
excessivamente o interesse público ou grupal no exercício do poder público. Portanto, seus
efeitos surgem quando há uma preponderância exacerbada de um interesse privado no
exercício do poder público, independentemente da corrupção ser convencional (quid pro quo)
ou não convencional. (TEACHOUT, 2014, cap. 16, p. 1-2).
Nesse enfoque, observa-se que a concretização do princípio anticorrupção depende
efetivamente da aspiração por uma sociedade em que os agentes públicos se preocupam
diariamente com o bem-estar coletivo, evitando a prevalência exacerbada de interesses
particulares às expensas do interesse público. Esclareça-se que não se pretende traçar um ideal
impossivelmente alto de virtude pública, mas pensar no princípio anticorrupção como um
suporte para que toda atuação pública proteja os cidadãos e agentes públicos das tentações
recorrentes no cotidiano (TEACHOUT, 2014, cap. 16, p. 1-2).
Deslocando-se para a realidade brasileira, em específico, a Constituição de 1988
elege expressamente, como já foi exposto outrora, a administração legal e honesta ao status de
direito fundamental do cidadão. Acrescentando-se ainda o forte teor democrático que norteia
o princípio republicano.
Nessa conjectura, Carneiro Júnior (2015, p. 39) reconhece:
Constituição possui um propósito anticorrupção cujos efeitos se propagam a todos setores da sociedade, especialmente em relação aos Poderes, forçosamente faz reconhecer a existência de um verdadeiro princípio anticorrupção, no mesmo patamar de outros princípios estruturantes e conformadores, como o da tripartição das funções do poder ou o Federalismo.
87
O autor prossegue constatando que a estrutura constitucional da República Brasileira
estabelece princípios, alguns não necessariamente textuais, denominados como princípios
implícitos109 (CARNEIRO JÚNIOR, 2015, p. 39).
Partindo dessa premissa e observando que o arquétipo da Constituição foi erguido
em um regime democrático, sob forma republicana e em consagração da administração proba
como direito fundamental – este também ratificado em diversos tradados e convenções
internacionais – propõe-se aqui uma reflexão acerca do princípio anticorrupção, autônomo e
implícito no texto constitucional, como uma necessidade premente diante do contexto
histórico-linguístico brasileiro, fundamentado e dando sentido à República e centralizando a
luta contra corrupção no centro de todo ordenamento jurídico.
Contudo, esclareça-se que relacionar o princípio anticorrupção como fundamento do
princípio republicano, reforçado ainda pela realidade histórico-linguística brasileira, não uma
carta branca para a má-gestão e prevalência de interesses estritamente pessoais no governo
Monárquico. Não se trata de uma operação aritmética e nem de um mero jogo de silogismo.
Exemplos como o Reino Unido demonstram que é possível sim a administração proba na
Monarquia. Entrementes, dadas as características peculiares da República, explorados neste
trabalho, pode-se afirmar que o princípio anticorrupção é algo imanente e indissociável a esta
forma de governo, sob pena de neutralizar a essência nuclear do princípio republicano.
Finalizando, verifica-se que se falou muito em corrupção, mas sem chamar atenção
para abrangência do seu conteúdo. No tópico seguinte, discutir-se-á a amplitude da semântica
necessária para consagração do princípio constitucional implícito da anticorrupção, ou
melhor, a verificação da incapacidade do modelo normativo que contemple apenas a
corrupção convencional.
3.2 A corrupção quid pro quo como modelo insuficiente para concretização do princípio
anticorrupção
A abordagem sobre a importância do significado que envolve a expressão corrupção
para concretização do princípio anticorrupção é muito bem explorada pela professora e
ativista norte americana Zephyr Teachout110, em sua obra Corruption in America (2014), onde
109 Em relação à existência dos princípios constitucionais implícitos, Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 445) e Luís Roberto Barroso (2001, p. 158) admitem na ordem jurídica constitucional vigente. Tratam do assunto quando analisam o princípio da vedação do retrocesso. 110 Zephyr Teachout é Professora associada titular de direito na Fordham Law School. Era anteriormente Professora visitante de Direito na Duke University e Professora na Universidade of Vermont. Atuou como
88
traça uma análise do referido princípio na história do constitucionalismo dos Estados Unidos,
desde a época dos fundadores até os dias atuais.
Dada a especificidade e maestria com que a autora trabalhou o tema, sua obra vai ser
a base para o exame do estudo nesta oportunidade. Acrescenta-se que a doutrina sobre os
efeitos da amplitude do termo corrupção para o princípio constitucional da anticorrupção
ainda é rara e nova, sendo explorada de forma inovadora pela Professora.
Explicita-se, desde logo, que, embora explore o princípio à luz da história do
constitucionalismo norte americano, perceber-se-á que suas bases servem para toda forma
republicana de governo, especialmente a adotada pelo Brasil.
Teachout (2014, cap. 1, p. 1) inicia sua abordagem falando sobre a compreensão do
que diz respeito ao gesto de presentear. Não obstante possa transparecer algo banal e de
menor relevância, a Professora suscita um tema bastante complexo e intricado, envolvendo
questões morais, políticas e jurídicas, que está relacionado à ineficácia das normas jurídicas
de preservação da administração proba, conforme adiante se demonstrará.
A autora assevera que o presente pode ser um brinde. Da mesma forma, um suborno
pode ser um presente. Se um presente é considerado corrupto ou simplesmente generoso
depende inteiramente da nossa estrutura cultural ou política (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1) 111.
Os presentes são muitas vezes parte do que é melhor na sociedade: eles são uma
forma de mostrar as outras pessoas que elas são vistas e valorizadas, talvez até amadas e uma
forma de proporcionar recompensas de uma forma não-transacional. Eles levam à amizade e
ao calor de uma maneira que nenhum negócio explícito pode, mas o mesmo gesto de
presentear, pode desempenhar um papel potencialmente perigoso tanto na prática judicial e
democrática. Eles podem criar obrigações para com as partes que moldam o julgamento e os
resultados dos agentes públicos. Parte do projeto de um sistema político é separar os gestos
positivos dos negativos, isto é, definir quais comportamentos devem ser categorizados como
corruptos (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1-2).
Esse duplo aspecto do gesto presentear mencionado por Zephy Teachout (2014,
introdução, p. 1) vem inicialmente à baila quando o então embaixador americano Benjamin Diretora de Organização da Internet para a campanha presidencial Howard Dean de 2004. Em 2009, ela ajudou a fundar a Liga Antitruste. Foi a primeira Diretora nacional da Sunlight Foundation, que promove a transparência e a prestação de contas no governo. Ela se ofereceu para Occupy Wall Street, onde encorajou o movimento a se concentrar na importância do poder descentralizado, citando as ideias de James Madison.
111 A hermenêutica filosófica, em especial, a gadameriana, é fundamental para a compreensão de que seja corrupção, pois para sua constituição há aspectos a serem considerados como a tradição, historicidade, diálogo e fusão de horizontes. Acrescenta-se, ainda, que se operara dentro e através do mundo da linguagem.
89
Franklin deixa Paris, no ano 1785, após vários anos representando os interesses americanos na
França. Em sua despedida, o rei absolutista francês Luís XVI lhe presenteou com um
autorretrato cercado por quatrocentos e oito diamantes, colocados em duas fileiras em volta da
imagem do rei, guardado em um estojo dourado do tipo caixa de rapé. A caixa de rapé e o
retrato valiam até cinco vezes o valor de outros presentes dados a diplomatas e eram
superiores a todo patrimônio que o embaixador havia juntado em sua vida.
Na Europa, os presentes eram socialmente exigidos na partida de um diplomata. Um
presente valioso representava o grande favor de um regente e um trabalho bem realizado, mas
nos Estados Unidos da época, significava perigo. Um presente tão luxuoso era percebido
como tendo o potencial de corromper homens como Franklin (TEACHOUT, 2014,
introdução, p. 2).
Em outras palavras, o presente tinha significação positiva de conexão e graciosidade
entre o estado anfitrião e o representado pelo embaixador. No entanto, nos Estados Unidos
possuía significação negativa de dependência. A caixa de rapé representava a amizade ou a
corrupção, o respeito ou o suborno do velho mundo, consoante a perspectiva tomada. Para os
americanos era um símbolo de sedução, dependência, luxo e uma confusão europeia sobre a
relação apropriada entre política, poder, intimidade e amizade (TEACHOUT, 2014,
introdução, p. 2).
A origem da carga negativa da perspectiva americana tem origem na fase colonial e
também se fez presente nos primeiros séculos após a formação do Estado. Explicita-se que,
durante e após a guerra pela independência norte americana, os fundadores foram motivados
pelo medo de serem corrompidos por potências estrangeiras e de adotar hábitos corruptos do
Velho Mundo (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1-2).
As duas potências nacionais que dominavam as colônias, França e Grã-Bretanha,
representavam dois modelos diferentes de corrupção. A Grã-Bretanha foi vista como um ideal
fracassado. Era uma nação corrompida, um lugar onde a premissa de governo era basicamente
uma virtude sólida, mas a virtude cívica – a do público e dos funcionários públicos – estava se
degenerando. Por outro lado, a França era vista como mais essencialmente corrupta, uma
nação em que não havia verdadeira política, mas sim trocas de luxo pelo poder. Uma nação
povoada por sujeitos fracos e cortesãos lisonjeiros. A Grã-Bretanha foi a maior tragédia,
porque manteve a promessa de integridade, enquanto a França era simplesmente uma espécie
da pior virtude cívica (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1-2).
Sobre a França, John Adams (apud TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1-2) disse: "há
tudo aqui também que pode seduzir, trair, enganar, corromper e debater". Thomas Jefferson
90
(apud TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1-2) – que tinha um carinho por Paris – escreveu em
1801, ano em que assumiu a Presidência: “eles têm tantos outros adeus-interesses de maior
peso, que alguém ou outro será sempre comprado fora. Enredar-se com eles seria um mal
muito maior do que uma aquiescência temporária nos falsos princípios que prevaleceram”.
Este ódio da cultura política europeia e o medo do emaranhamento levaram a um
problema. Os novos americanos queriam fazer parte da comunidade internacional, respeitar as
leis e os costumes das nações por uma questão de princípio e serem respeitados como uma
nova nação autônoma. No entanto, também queriam rejeitar os costumes europeus corruptos.
Quando se tratava de assuntos internos, este não era um conflito importante, mas a mesma
tranquilidade não ocorria quando se tratava de assuntos relacionados à diplomacia
(TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1-2).
Um dos costumes da comunidade internacional da época era a doação de presentes
luxuosos aos embaixadores. Esse gesto estava inserido na cultura das relações internacionais.
Os presentes eram tipicamente dados no final de passeios diplomáticos. Eles eram caros, via
de regra, configurando, na prática, um complemento aos salários. Em alguns casos, o valor
dos presentes constituía uma parte substancial da renda recebida pelos diplomatas. O valor de
um presente poderia refletir a estima em que um diplomata foi realizada (TEACHOUT, 2014,
cap. 1, p. 2).
Os americanos começaram sua experiência, logo após a Independência,
comprometidos em expandir o escopo das ações que foram chamadas de corruptas para
abranger atividades tratadas como não corruptas nas culturas britânica e francesa.
Decepcionados com a Grã-Bretanha e a Europa, os americanos sentiram a necessidade de
constituir uma sociedade política com virtudes cívicas e um profundo compromisso com a
capacidade representativa. Não queriam incidir nos mesmos erros dos europeus
(TEACHOUT, 2014, introdução, p. 2).
Desse modo, criaram um arcabouço jurídico normativo para repressão à corrupção,
onde alguns comportamentos normais na Europa eram concebidos como comportamentos
corruptos na América112. Os americanos não só criaram um novo país, mas constituíram um
sistema político de prevenção a certas práticas danosas (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 2).
112 Essa prática era odiosa para os americanos porque simbolizava e encarnava parte de uma cultura particular que eles rejeitavam. As joias significam luxo, um privilégio do velho mundo que não seria facilmente adquirido para os mais ricos americanos. Nas mentes dos fundadores, o luxo representava uma espécie de corrosão interna – mesmo nos casos em que não havia dependência externa, um homem podia ser tentado a procurar coisas por si mesmo, em vez de buscar coisas para um país. Os artigos da Confederação incluíam a seguinte disposição proibindo presentes em qualquer hipótese: "nem qualquer pessoa que detenha qualquer cargo de lucro ou de
91
Benjamin Franklin e a administração pública da época acreditavam que se a
moralidade daqueles no poder não for estimulada e preservada, não será possível construir um
governo democrático representativo. Quando trataram da temática que envolve a corrupção,
os fundadores focaram na orientação moral dos cidadãos e dos representantes, como os
elementos fundamentais do Estado Republicano. Outras tradições políticas se concentram nos
problemas mais materiais de estabilidade, anarquia, desigualdade ou violência. O americano
deu preponderância às virtudes do amor para o público e os perigos do egoísmo desenfreado.
Este compromisso com uma visão ampla da corrupção permaneceu praticamente o mesmo
nos tribunais para durante os primeiros duzentos anos dos Estados Unidos (TEACHOUT,
2014, introdução, p. 2).
Em contraposição à concepção dos fundadores, diga-se que também há uma visão
restritiva do seu significado, onde a corrupção é reduzida às modernas leis americanas de
suborno e extorsão criminal, contemplando situações bem específicas e explícitas, a exemplo
de acordos espúrios entre agentes públicos e empreiteiros ou até mesmo hipóteses em que
cidadãos comuns aceitam dinheiro para mudar seus votos (TEACHOUT, 2014, introdução, p.
3). Nessa visão restrita, a corrupção é concebida como convencional (YINGLING, 2013, p.
10).
No entanto, a corrupção desempenha um papel social e político maior, mais amplo.
Retomando à situação fática inicial, vislumbra-se que o incidente do quadro com diamantes e
da caixa de rapé demonstrou que a tentação e influência também podem funcionar
indiretamente. Desse modo, a corrupção não se restringe a situações convencionais – quid pro
quo, como às vezes é chamada (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 3).
A expressão quid pro quo tem origem latina, indicando "isso para isso". Seu uso
histórico normalmente está no âmbito dos contratos, onde se refere à ideia de um intercâmbio
relativamente igual entre as partes. Na ausência de relativa igualdade – quid pro quo – um
tribunal poderia invalidar o negócio jurídico (TEACHOUT, 2014, cap. 13, p. 7).
Foi casualmente e coloquialmente usado em relação à corrupção desde o século XIX,
pelo menos, onde o quid pro quo se relacionava aos valores recebidos por eleitores em troca
confiança sob os Estados Unidos, ou qualquer um deles, aceitar qualquer presente, emolumento, cargo ou título de qualquer espécie." Posteriormente, na Convenção Constitucional de Filadélfia, ocorrida em 1787, muitas partes dos artigos da Confederação foram mudadas, mas os redatores mantiveram a parte que se tornaria o artigo I, seção 9 da Constituição. É uma das proibições mais fortemente formuladas na Constituição: "Ninguém que detenha qualquer cargo de lucro ou confiança sob os Estados Unidos, sem o consentimento do Congresso, aceitará qualquer presente, emolumento, cargo ou Título, de qualquer espécie, de qualquer rei, príncipe ou estado estrangeiro". No entanto, a proibição de presentes suaviza a proibição a norma da Confederação, na medida em que permitia presentes e emolumentos desde que fossem aprovados pelo Congresso (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 4-6). Constituição Americana (ESTADOS UNIDOS, [200-?]),
92
de votos ou por agentes públicos em casos explícitos de subornados. Nessas situações, quid
pro quo representava um tipo de troca ilícita explícita e específica (TEACHOUT, 2014,
introdução, p. 7).
O quid pro quo traduz a solicitação ou oferta clara de algo específico em troca de
alguma ação governamental específica. O uso de quid pro quo como um termo legal limitador
da corrupção não apareceu na história dos Estados Unidos até os anos 1970, tendo em vista
que, desde os fundadores, no século XVIII, a concepção sobre o que entendiam como
corrupção ia além da corrupção quid por quo, estando relacionada à moralidade e virtude
cívica, de modo que comportamentos nocivos eram desestimulados por normas estruturantes
ou profiláticas (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 7).
Nota-se que a normatização do recém estado americano refletia a preferência dos
fundadores por um certo tipo de norma anticorrupção. Essas normas – estruturais ou
profiláticas – abrangem atividades aparentemente inocentes, em contraste as normais penais
que exigem prova sobre o dolo para condenação (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 3).
Assim, os fundadores trabalhavam com incentivos antes do fato, ao invés de tentar
uma condenação após a consumação do ilícito. A legislação então vigente foi construída para
o combate à corrupção através de normas estruturais. A título de exemplo, observa-se a
exigência constitucional americana de residência eleitoral para concorrerem a vagas do
parlamento. Longe da perfeição, trata-se de norma valiosa, pois protege a democracia de
aventureiros (TEACHOUT, 2014, Introdução, p. 3).
Ao invés de exigir que um julgamento para descobrir se Benjamin Franklin possuía
comunicações secretas com a França ou se houve de fato algum acordo explícito sussurrado, a
única exigência da norma era que nenhum presente seja dado sem a aprovação do Congresso
(TEACHOUT, 2014, Introdução, p. 3).
A nomenclatura corrupção tem uma longa tradição de desempenhar um papel
importante na transformação política da nação. As acusações de corrupção e suas variantes
foram uma força essencial na criação da Constituição Americana e parte de quase todos os
debates sobre a estrutura governamental (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 3).
Nos primeiros cem anos da República Americana, o problema da corrupção levou a
decisões-chave sobre como estruturar o governo e os negócios e como restringir os
legisladores interessados. As acusações de corrupção em todo o sistema possibilitaram a
criação do estatuto antitruste de 1880 (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 3).
O conceito de corrupção também tem sido transformador. As disputas jurídicas em
torno da amplitude do conceito corrupção têm sido frequentemente tão vexatórias que
93
obrigaram os tribunais a serem inventivos em outras áreas, dada a ingenuidade judicial. Um
caso de corrupção sobre especulação de terras na Geórgia foi o primeiro caso em que a
Suprema Corte invalidou uma lei estadual em bases constitucionais113 (TEACHOUT, 2014,
cap. 4, p. 3).
Atualmente, a amplitude da noção sobre corrupção está agora no centro da disputa
legal mais importante na democracia norte americana, que ameaça desvendar o que os
fundadores construíram. Esta disputa tem suas raízes no caso Buckley v. Valeo, do ano de
1976, onde a Corte derrubou a legislação que limitava gastos em campanhas políticas.
Embora o Tribunal tenha reconhecido que havia uma razão legítima para a pretensão do
113 O caso é conhecido nos Estados Unidos pela expressão Yazoo. Trata-se de um grande escândalo de suborno americano onde os especuladores pagaram aos legisladores para que vendessem terras do Estado da Geórgia por muito menos do que valia. A especulação fundiária floresceu no início da América. Os Estados mal conheciam suas próprias fronteiras, de modo que o público nem sequer notou que a terra foi vendida ou por quanto. Os especuladores bem-sucedidos estavam bem conectados e usavam influência pessoal para persuadir seus amigos políticos de que a venda de terras era boa para todas as partes: o Estado ganharia renda, os especuladores obteriam terras e o público não iria perdê-la. Alguns investidores compraram terras do Estado com por valores ínfimos, esperando por grandes lucros com recursos naturais. A Geórgia estava particularmente propícia para esse tipo de especulação, pois não tinha controle sobre suas áreas. Ademais, membros de várias tribos nativas americanas viviam nessas regiões – resistentes à colonização – enquanto outras se encontravam desertas. O governador da Geórgia tinha o poder de dar pequenas extensões de terra para as pessoas que a cultivaram por pelo menos doze meses em um sistema destinado a incentivar a apropriação familiar. Na prática, nem a regra da pequena parcela nem a regra da lavoura foram seguidas de perto. Em vez disso, milhões de hectares foram distribuídos em áreas de até 50 mil acres para pessoas de todo o país que não tinham intenção de trabalhar o solo. Quando as negociações vazaram, o público reagiu com raiva e o governo da Geórgia rapidamente modificou o contrato para apaziguá-los. Entrementes, alguns anos depois, novas empresas foram criadas com o mesmo objetivo. A Virginia Yazoo Company, South Carolina Yazoo Company e Tennessee Company juntaram-se à Combined Society. Desta vez, estavam mais preparados, vez que seus associados asseguraram que os legisladores da Geórgia fossem investidos nas associações comerciais para que um projeto de lei fosse aprovado permitindo as negociações. Os registros das empresas mostraram que "todos os membros da legislatura – com uma única exceção – que votaram a favor da lei mencionada eram acionistas nas compras". Para se ter ideia da especulação com o respaldo do legislativo, alguns acres foram vendidos por menos de um centavo. Foi chamado por um comentarista do "maior negócio imobiliário da história". Diante dos fatos, uma série de protestos romperam até que, na eleição seguinte, os eleitores não elegeram os legisladores que votaram pelo acordo. A nova Casa aprovou uma lei revogando a lei autorizadora. No entanto, as empresas Yazoo, desafiando a Geórgia, continuaram a vender créditos para a terra em todo o país. De acordo com os vendedores e compradores, um acordo é um acordo, mesmo que seja ruim, além disso, a terra já não era propriedade do Estado da Geórgia. Através dessas vendas de terras, a questão local rapidamente se tornou nacional. O conflito se estendeu até a Suprema Corte no caso Fletcher v. Peck. Robert Fletcher comprou uma terra de Yazoo de John Peck e então o processou por quebra das garantias de bom título, tendo em vista a nova lei que anulou as vendas até então realizadas. Na decisão sobre o caso Fletcher v. Peck, o magistrado Marshall concluiu que seria muito difícil encontrar uma violação de processo baseada em "os motivos impuros que influenciaram certos membros da legislatura que aprovaram a lei", ou seja, seria difícil descobrir o que constitui a corrupção e difícil criar uma regra que permitisse o controle jurisdicional. O juiz invocou normas constitucionais sobre contratos, voltando-se para a política pública de garantir que os títulos são seguros e a importância de manter aberta "a relação entre homem e homem". Era de extrema importância proteger terceiros inocentes. Marshall argumentou que a Geórgia estava pedindo legislaturas para obter tratamento especial em direito dos contratos. Tratar a legislatura como uma categoria especial para os propósitos desse tipo de transporte levaria o legislador a "despojar qualquer outro indivíduo de suas terras se a vontade do legislador for fazê-lo". De certa forma, a ação mais radical foi a caracterização de Marshall da concessão de terras como um contrato. Isso permitiu que Marshall colocasse o caso no contexto da cláusula de contratos da Constituição dos Estados Unidos, em seu artigo I, seção 10. De acordo com Marshall, esta cláusula foi concebida como um limite para a democracia emocional e democracia excessiva (TEACHOUT, 2014, cap. 4, p. 1-10).
94
público em combater à corrupção, decidiu no sentido de que as disposições que limitavam os
gastos não têm relação com a corrupção. Consequentemente, não definiu a corrupção nem o
restringiu completamente às transações específicas e explícitas (corrupção quid pro quo),
como aconteceu, posteriormente, todavia criou uma estrutura jurisprudencial prejudicial aos
interesses cívicos e moralidade, afetando as normas estruturais e profiláticas de combate à
corrupção, sob o fundamento do direito de liberdade de expressão consagrado na Primeira
Emenda da Constituição Americana (TEACHOUT, 2014, cap. 4, p. 3).
A mudança iniciada com a leitura do caso Buckley, em 2006, possibilitou que a
entidade conservadora americana Citizens United ingressasse judicialmente defendendo a
ausência de limites para doações eleitorais, oportunidade em que a Suprema Corte proferiu
uma decisão que estabeleceu uma mudança de paradigma sobre a corrupção na história
política americana. Foi permitido que indivíduos e corporações tivessem o direito de gastar
tanto dinheiro como quisessem, independentemente de pretenderem influenciar nas eleições e
em questões políticas (TEACHOUT, 2014, cap. 4, p. 4).
O cerne do decidido no caso Citizens United foi uma afirmação sobre a natureza da
corrupção e seu papel histórico no direito americano. Limitou a corrupção tão somente às
situações quid pro quo. Obviamente, a utilização da expressão quid pro quo não foi no
sentido literal de contrato entre particulares, como tradicionalmente significava, mas uma
compreensão de que para a configuração do ilícito era imprescindível uma troca explícita de
algo de valor para um ato legislativo ou executivo específico e identificável. Segundo a Corte,
"os gastos independentes, incluindo aqueles feitos por corporações, não dão origem à
corrupção ou à aparência de corrupção", bem como que "o fato de que os doadores possam ter
influência sobre ou acesso a parlamentares eleitos não conduz que esses agentes públicos são
corruptos. Em 2014, a decisão do juiz Roberts em McCutcheon v. FEC consolidou este
entendimento, afirmando que a única corrupção constitucionalmente cognoscível é a quid pro
quo (TEACHOUT, 2014, cap. 4, p. 5).
Esta nova ordem legal trata a corrupção de forma ligeira e limitada, restringindo o
alcance do que é considerado corrupção a negócios explícitos e específicos. Assim,
reclassifica a busca de influência como comportamento político normal e desejável,
esmagando o conteúdo moral do termo corrupção em uma história no mundo povoado por
atores interessados (TEACHOUT, 2014, cap. 4, p. 5).
Esses esforços são equivocados. Não evitam os problemas de definição, porque quid
pro quo, embora soando específico, é em si um termo contestado com uma gama de
significados. Mais importante ainda, é muito perigoso para a saúde da nação. O erro a-
95
histórico – e potencialmente trágico – cometido pelo modelo de Kennedy-Roberts114 flui em
parte de uma tendência moderna de olhar para os problemas político-legais através da lente da
Primeira Emenda (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 5).
Sobre os efeitos negativos da modalidade corrupção convencional, Amilcar Araújo
Carneiro Júnior (2015, p. 11) afirmou que são mais danosos e de difícil comprovação:
Parece ser a forma mais poderosa de corrupção, pois a sua invisibilidade a torna muito mais difícil de ser visualizada e, portanto, de ser investigada e provada. O exemplo mais contundente, comum em vários países democráticos é o problema associado com incentivos eleitorais, financiamentos privados de campanhas, considerações legais, ou até mesmo o incentivo independente, nomeadamente chamado de “caixa II, esta ilegal, mas de difícil comprovação. Tais financiamentos legais ou ilegais permitem projetar qual será a conduta a ser tomada pelo agente público.
Partindo do pressuposto da integridade moral dos integrantes da Suprema Corte,
Teachout (2014, Introdução, p. 5) acredita que a ausência de integrantes, em seus quadros,
com experiência em assuntos de poder e política contribuiu para formação do entendimento
de permissibilidade para influência do poder econômico em assuntos eleitoreiros e políticos.
Enquanto tribunais inferiores têm consistentemente ampliado o escopo de leis de corrupção,
um movimento oposto aconteceu no alto, justamente na Suprema Corte. O Tribunal tornou-se
povoado por acadêmicos e juízes de tribunais de apelação, ou seja, não por cidadãos com
vivência prática, que compreendem as maneiras pelas quais os problemas reais de dinheiro e
influência se manifestam.
A decisão proferia no caso Citizens United foi péssima para o sistema político e
exibia uma compreensão ainda pior da história. A visão tradicional difundida pelos
fundadores era para criação de estruturas preventivas no poder público que contivessem as
tentações que levam ao egoísmo exagerado. Certamente esse pensamento não negava a
existência de interesses particulares, porém ao invés de endossá-la cegamente, a abordagem
tradicional americana torna o trabalho do governo de temperar o egocentrismo exacerbado na
esfera pública (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 5). 114 Nesses dois recentes casos – Citizens United e McCutcheon v. FEC –, a Suprema Corte Americana, através dos juízes Anthony Kennedy e John Roberts, decidiu no sentido de que as contribuições de campanhas políticas – uma forma de presentear - dadas com a intenção de influenciar o governo não constituem comportamentos de corrupção. Segundo os juízes, a corrupção exige mais do que a intenção por parte do doador de presentes. Requer algo como um acordo explícito entre o doador e o candidato. Quando a Suprema Corte assim se posicionou, os juízes alegaram seguir precedente. Nos primeiros dias da república, os fundadores americanos tomaram a abordagem oposta. Eles desenharam um grande círculo em torno de comportamento que eles inseriram na seara da corrupção, considerando-os como ameaças ao sistema político, mesmo quando tal tratamento interferisse negativamente em negociações internacionais e não fosse acompanhado por um acordo explícito (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 1-2).
96
Assim como a liberdade ou a igualdade, a corrupção é um conceito importante para a
República e com limites pouco claros. Refere-se a interesses privados excessivos na esfera
pública. Um ato é corrupto quando os interesses privados triunfam sobre os públicos no
exercício do poder público. Uma pessoa é corrupta quando usa o poder público para seus
próprios fins, desconsiderando os outros (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 5).
Durante a maior parte da história americana, os tribunais permaneceram
comprometidos com uma visão ampla e tradicional da corrupção. Contudo, a partir do final da
década de 1970, tudo começou a mudar em torno desta questão. A Suprema Corte, junto com
um crescente subconjunto de estudiosos, começou a confundir o conceito de corrupção e jogar
fora muitas das regras profiláticas que foram usadas para se proteger contra ela
(TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 5).
Essa rejeição levou a um estouro do envolvimento da indústria privada em eleições
políticas e a um rápido declínio da ética cívica no Congresso e no Legislativo Estadual. As
antigas ideias sobre a virtude foram jogadas fora como sentimental, mas os antigos problemas
de corrupção e governo persistiram (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 5).
A era contemporânea está repleta de gestos cordiais e presentes incrustados de
diamantes, embora sejam menos prováveis de vir do rei da França. Atualmente, eles vêm de
executivos de indústrias altamente concentradas e monopolistas que, como o rei da França em
1785, têm um interesse intenso e pessoal nas escolhas políticas dos poderes legislativos e um
desprezo casual pelo processo cívico (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 6).
Um exemplo notável dos efeitos negativos da corrupção não convencional, que
aconteceu recentemente nos Estados Unidos, esteve relacionado à aferição dos padrões
nutricionais do governo federal para almoços escolares.
De acordo com os membros da comunidade nutricionista, a obesidade infantil é um
problema significativo nos Estados Unidos. De fato, o Departamento de Saúde e Serviços
Humanos dos Estados Unidos descobriu que a obesidade infantil triplicou nas últimas três
décadas. De conseguinte, vislumbrou-se uma questão de saúde pública, ou seja, de uma das
facetas do interesse público. Assim, esperava-se que em atendimento aos interesses públicos o
governo americano promoveria almoços escolares mais saudáveis115.
115 Em reportagem do site g1, no dia 27 de abril de 2016, noticiou-se que as altas taxas de obesidade em crianças e adolescentes americanos, um fenômeno que começou há cerca de trinta anos e se aprofundou de forma alarmante desde então, persiste sem qualquer sinal de recuo, revelado em um estudo da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. Para fazer este estudo, publicado na revista Obesity, os autores analisaram dados de uma pesquisa nacional sobre saúde e nutrição, que abrange várias décadas. O estudo constata que no período 2013-2014, 33,4% dos jovens de 2 a 19 anos tinham sobrepeso, dos quais 17,4% eram obesos. Estes percentuais não diferem estatisticamente dos registrados no
97
No entanto, em novembro de 2011, o Congresso Americano aprovou um projeto de
lei de gastos que rejeitou a proposta do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos de
exigir uma meia xícara de pasta de tomate para que qualquer alimento seja classificado como
vegetal. A proposta do Departamento de Agricultura foi baseada em recomendações do
Instituto de Medicina, o braço da saúde da Academia Nacional de Ciências. Ao invés de
acompanhar as recomendações do Instituto de Medicina, o Congresso votou para permitir que
apenas duas colheres de sopa de tomate para contar como uma porção de legumes, que tem o
efeito de classificar uma fatia de pizza como um vegetal (YINGLING, 2013, p. 288).
A essa questão, indaga-se o motivo do Congresso tomar essa atitude se a obesidade
infantil era um problema de saúde pública. A resposta é evidente quando se reconhece que os
lobistas corporativos, incluindo muitos da indústria de alimentos congelados, que gastaram
US$ 5,6 milhões influenciando os membros do Congresso para relaxar os padrões do almoço
escolar. Este é um claro exemplo de agentes públicos eleitos colocando primeira e
excessivamente interesses privados em detrimento do interesse público (YINGLING, 2013, p.
288-289).
Ainda em se tratando de saúde pública, a Professora Maria Victoria de Mesquita
Benevides (1991, p. 101) exemplifica o poderoso lobby realizado no Parlamento francês pelos
viticultores. Na França, há prejuízo para a elaboração de uma política séria contra o
alcoolismo, o qual é considerado um problema nacional que afeta, inclusive, adolescentes e
crianças. A autora destaca que o lobby mencionado tem capacidade de comprometer
efetivamente as chances de reeleição de políticos.
A corrupção não convencional permite a constituição de uma relação de dependência
dos candidatos a vagas no Parlamento e Executivo de indivíduos ricos e grandes empresas em
razão das contribuições de campanha. O impulso para resistir a esses presentes tentadores é
profundamente americano, sendo necessário o caminho de volta às origens da Constituição
Americana, época dos fundadores (TEACHOUT, 2014, introdução, p. 6).
No tocante à essa relação de dependência entre o corruptor e o corrupto, seja a
convencional (quid pro quo), seja a não convencional, diga-se que tende a ser um caminho
pernicioso para o interesse público. A linguagem da dependência e da corrupção são tão
interligadas que, em alguns casos, a corrupção e a independência poderiam soar como
opostos. Os teóricos contemporâneos, em muitas oportunidades, usam as expressões
período anterior, de 2011 a 2012, e mostram que em todas as categorias de sobrepeso e obesidade as cifras mantiveram sua tendência à alta entre 1999 e 2014, constatam os pesquisadores (PRESSE, 20116).
98
"corrupção" e "dependência" no mesmo contexto, indicando que a corrupção vem se origina
como resultado natural da relação de dependência (TEACHOUT, 2015, cap. 2, p. 11).
A Declaração de Independência Americana foi, em parte, uma declaração de
libertação da corrupção. Independência é a ausência de uma relação de poder, que
simbolizava a rejeição desse tipo de relacionamento. Dependência, por sua vez, poderia se
referir a uma espécie de dependência estrutural (onde uma pessoa é realmente dependente dos
outros financeiramente e, portanto, deve atender aos interesses daquela) ou uma dependência
psicológica (onde o caráter de uma pessoa é corrompido pelas influências de outro para
pensar e agir de forma diferente). A dependência financeira pode conduzir à dependência
psicológica. Em cada caso, embora em graus variados, a figura dependente mudaria suas
ações para alinhar-se com os desejos particulares da pessoa que tinha poder sobre ele
(TEACHOUT, 2015, cap. 2, p. 12-13).
Nessa conjectura, assevera-se que a dependência, por si só, não define a corrupção,
mas faz parte do conjunto de relações estruturais que levam à corrupção. Um dos objetivos
claros da Convenção Constitucional era a liberdade de uma cultura política onde a
dependência era o modo primário de avanço. O trabalho da arquitetura política era
desencorajar dependências e tentações que poderiam levar à corrupção (TEACHOUT, 2015,
cap. 2, p. 12-13).
Na moderna legislação americana de suborno e extorsão, poder-se-ia supor que esses
diplomas normativos são ferramentas apropriadas e suficientes para combater efetivamente a
corrupção. Entrementes, eles são problemáticos. Se um estatuto de suborno é estreitamente
elaborado (ou interpretado), abrange apenas intercâmbios descarados e não sofisticados, não
resolvendo realmente problemas surgidos com o emprego de grandes somas de dinheiro para
influenciar na política, prejudicando o regime democrático (TEACHOUT, 2014, Introdução,
p. 6).
Uma lei penal punirá apenas políticos desajeitados como William Jefferson, que
escondeu seus rolos de dinheiro em um freezer116. Por sua vez, normas estruturantes ou
116 Em matéria jornalística publicada no Whashingtonpost, no dia 13 de novembro de 2009, noticiuou-se que o ex-deputado William J. Jefferson foi condenado a 13 anos de prisão, no ano de 2009, por ter aceitado centenas de milhares de dólares em subornos. Foi a maior condenação a tempo de prisão em desfavor de um congressista condenado por acusações de corrupção. A sentença para o democrata de Lousiana ficou muito aquém dos 27 a 33 anos sugeridos sob as diretrizes federais de condenação, uma recomendação aprovada pelos promotores. Mas ele ultrapassou o recorde anterior de corrupção no Congresso: a pena de oito anos e quatro meses de prisão que o ex-congressista Randall "Duke" Cunningham (R-Calif.), no ano de 2006, por aceitar subornos. O caso de Jefferson ficou famoso pelos US $ 90 mil que os promotores disseram que era proveniente de suborno, encontrados pelo FBI, em seu freezer. O juiz TS Ellis III disse a Jefferson que ele "conduziu uma vida
99
profiláticas, que a Teachout (2014, Introdução, p. 6) chama de leis de intenções corruptas,
podem ser mais amplamente interpretadas, visto que as exigências dogmáticas da norma penal
dificultam demasiadamente a caracterização do ilícito, deixando de abranger uma série de
comportamentos danosos ao sistema político.
Uma lei penal que é concebida como "Guerra contra a Corrupção" é, sem dúvida,
como as guerras contra as drogas ou o terrorismo – quase impossível de se ter sucesso. A
corrupção é muito melhor lutada através da mudança de estruturas básicas de incentivo. Isso
pode parecer intuitivo para qualquer pessoa envolvida na política, mas a maioria da atual
Suprema Corte preferiu abertamente a restrição do conceito de ilícito apenas a situações quid
pro quo (TEACHOUT, 2014, Introdução, p. 5).
Zephyr Teachout (2014, cap. 1, p. 7) ainda indaga se Benjamin Franklin havia sido
efetivamente corrompido pela França por ter recebido o presente do monarca117. A história
não fornece uma resposta, mas anuncia uma atitude em relação à corrupção e uma maneira de
refletir sobre ela. A cláusula constitucional era fundamental porque expressava uma nova
visão da maneira apropriada de ser um representante público de um país no estrangeiro.
De conseguinte, é imprescindível uma compreensão mais profunda e minuciosa das
complexas formas e ocasiões em que as moralidades privadas e públicas se cruzam, bem
como uma maior atenção e respeito pelos perigos políticos que decorrem da ausência de
limites para os interesses particulares em questões de interesse público. Essas mudanças
propostas, de retorno à concepção tradicional, possibilitarão o apoio judicial para regras claras
que impeçam a iniciativa privada e os agentes públicos de sucumbirem às tentações. O que a extraordinária e realizou muito". Mas acrescentou: "Isso torna este evento mais triste para mim e para muitas pessoas". Antes de entregar a sentença, o magistrado Ellis disse: "A corrupção pública é um câncer, e precisa ser removido cirurgicamente". O procurador federal Neil H. MacBride elogiou a sentença. "O Sr. Jefferson é bem conhecido pelos US $ 90.000 encontrados em seu freezer", disse MacBride. "Esperamos que ele agora seja conhecido pela dura sentença proferida hoje, mostrando que ninguém – incluindo os nossos congressistas – estão acima da lei” (MARKON, 2009).
117 Outro evento similar ocorreu com o também ex-presidente norte americano Thomas Jefferson. Não obstante a exigência constitucional de aprovação pelo Congresso, a última caixa de rapé dada como presente na era da Constituição nunca chegou à frente do Parlamento. Quando Thomas Jefferson, depois que a Constituição foi ratificada, tomou seu próprio turno como um diplomata para a França, inicialmente pensou que estaria livre do costume de receber presentes, que achava desagradável. No entanto, o Governo francês lhe deu uma caixa de rapé no final de sua turnê, embutida com brilhantes em torno de um retrato do rei, avaliado um pouco menos do que aquele dado a Benjamin Franklin. Jefferson escreveu a seu assistente, William Short, pedindo que este informasse aos franceses sobre a cláusula constitucional. As dificuldades que acompanhavam o presente causaram a Jefferson "considerável angústia", mas ele finalmente aceitou. No entanto, ao invés de passar pelo Congresso, pediu a sua secretária para pegar o quadro dourado, remover os diamantes, catalogá-los e avaliá-los, vendendo o mais valioso. A quantia foi deposita em dinheiro na conta privada de Jefferson. Se Jefferson não queria ofender os franceses ou não podia resistir à tentação de uma chance de pagar dívidas, não há como precisar. Mas seu desdém simultâneo pelos costumes europeus e sua incapacidade de resistir a eles prefiguram uma longa prática americana, qual seja: o desejo de rejeitar e aceitar as velhas práticas simultaneamente. O destino do retrato "desmembrado" da França é desconhecido (TEACHOUT, 2014, cap. 1, p. 6-7).
100
América enfrenta agora, se não houver mudanças estruturais fundamentais na relação do
dinheiro com os Poderes Legislativo e Executivo, não é nem governo da multidão nem
democracia, mas uma oligarquia, conforme a visão aristotélica exposta por Montesquieu
(TEACHOUT, 2014, introdução, p. 8).
Percebe-se, assim, dois pontos fundamentais: 1) a concretitude do princípio
anticorrupção depende de um modelo amplo da compreensão sobre o que seja corrupção; e 2)
o princípio anticorrupção é detentor de uma liga inseparável da República, possuindo uma
amplitude maior do que o princípio da administração proba, visto que aquele engloba todas
situações, políticas e jurídicas, presentes na sociedade e no poder público em um Estado eu
adote o governo republicano, enquanto este, por estar mais afeto à temas da administração
pública, termina possuindo uma abrangência mais limitada.
A seguir, explorar-se-á o princípio anticorrupção de acordo com a linguagem da
hermenêutica filosófica.
3.3 O princípio anticorrupção na linguagem filosófica
O princípio anticorrupção, conquanto esteja sendo discutido apenas recentemente,
não surgiu de forma inesperada e repentina, pois trata-se de uma construção da historicidade
humana. Nesses termos, foi sendo erguido paulatinamente por fatores socioculturais, que
criaram um ambiente favorável e adquiriram maior impulso com o surgimento dos estados
constitucionais.
A Professora Zephy Teachout (2014, cap. 16, p. 6-7) vislumbra que seu marco inicial
na história foi a Convenção Constitucional de Filadélfia, no ano de 1787, que ratificou, o que
viria a ser a primeira e única Constituição dos Estados Unidos, cuja vigência se inaugurou no
1789. Entretanto, só foi possível em virtude de ideias que vinham sendo desenvolvidas há
séculos, desde períodos anteriores à era cristã, a exemplo das formas de governo puras e
deturpadas expostas por Aristóteles.
Particularmente, apenas após as teorias propagadas por Montesquieu (TEACHOUT,
2014, cap. 2, p. 5), no século XVIII, foi que uma primeira Constituição pode consolidar-se em
um regime democrático – o princípio republicano e, consequentemente, criar uma estrutura
normativo política-jurídica para defesa da administração pública legal e honesta.
Essa estrutura de prevenção e combate à corrupção, não convencional e
convencional, foi sendo transmitida de gerações a gerações, isto é, através daquilo que o
filósofo Gadamer denominou de tradição (LAWN, 2011, p. 54).
101
Nota-se, no entanto, que a amplitude da corrupção foi sendo ora estendida, ora
restringida, no decorrer da história, a depender do contexto sociopolítico vigente. Mais uma
vez, retoma-se as lições da hermenêutica filosófica para explicar que a tradição não se opera
similarmente a uma linha de produção industrial, como se a maneira de compreender o mundo
fosse sucedida exatamente igual a anterior. Ao contrário, nesse processo há a reconstrução, re-
elaboração ou re-interpretação de tudo aquilo que lhe é transmitido (LAWN, 2011, p. 54).
Nesse reprocessamento da compreensão sobre corrupção, operada pela tradição
gadameriana, Zephyr Teachout (2014, cap. 13, p. 7-8) constatou que a partir dos anos 1970,
houve uma restrição pela Suprema Corte Americana do conteúdo da corrupção, passando
abarcar somente casos da corrupção quid por quo, de modo que prejudicou efetivamente a
concretude do princípio anticorrupção, na medida em que houve o desprezo da jurisprudência
por toda legislação que proibia a interferência de indivíduos ricos e grandes empresas no
processo eleitoral americano. Houve a legitimação da interferência do poderio econômico nas
eleições americanas e em decisões políticas, bem como a legitimação do lobby profissional118.
A Suprema Corte Americana limitou a questão da corrupção, no final do século XX e
início do XXI, a situações estritamente convencionais (dar algo em troca de uma conduta
específica do agente público), onde há a preponderância pelo modelo punitivo, ao invés do
118 Zephy Teachout (2014, cap. 7, p. 1-2) assevera que a função social do lobby é tomar dinheiro e transformá-lo em poder político. Os lobistas são contratados como alquimistas, para transformar o dinheiro em poder através da produção de informações e do uso cuidadoso da influência. Quando é eficaz, lobby significa que todo o poder do governo se desloca para servir os objetivos sociais daqueles que podem pagar os lobistas. Lobby, no seu pior, permite a extração de recursos públicos do público. Parte do quebra-cabeças é descobrir onde colocar o lobby – como um bom comportamento cívico ou um comportamento anti-cívico corrupto – deriva do fato de que os lobistas têm múltiplas funções. Um deles é o compartilhamento de informações, permitindo que a sabedoria do negociante de automóveis fluir para o escritório do membro do Congresso, por exemplo, mas os lobistas também são coletores de informações e passam grande parte de seu tempo avaliando oportunidades, criando assimetrias de informação para os cidadãos. Além disso, eles atuam negociando de forma a não expor todas as características das transações, evitando os limites legais. Bons lobistas imaginam o que os candidatos políticos precisam (geralmente contribuições de campanha, mas às vezes empregos, ajuda em empréstimos ou pagamentos diretos). Eles então determinam o que seus clientes querem: estancar uma lei ou regulamentação, alterar normas fiscais, receber alguma isenção etc.. Eles então descobrem como habilitar uma série de ações que não operam como trocas quid pro quo, mas permitem o fluxo de cliente para candidato e de político para cliente, ao tomar uma taxa para permitir o fluxo e obscurecer a transação. No entanto, muitos estudiosos modernos argumentam que o lobby é “vital para a democracia representativa”, porque ajuda a dar informações aos eleitos que precisam ser capazes de desenvolver leis, avaliar os impactos e entender como os diferentes grupos irão reagir. Esses estudiosos argumentam que os lobistas preenchem uma lacuna no ecossistema da informação e produzem a necessária e valiosa informação pública. No entanto, lobby nem sempre foi tratado desta forma. Um dos debates públicos mais interessantes sobre o lobby e seu papel na sociedade política ocorreu em Atlanta, em meados de julho, na Convenção Constitucional da Geórgia de 1877. O projeto de Constituição tornou o lobby um crime. Suportes argumentaram que o lobby estava corrompendo o governo. Os lobistas tinham sido pagos para usar a influência pessoal para influenciar na legislação. Essa tendência acompanhou a jurisprudência americana até o século XIX, oportunidade em que os tribunais foram gradativamente permitindo o lobby profissional na medida em que surgiam as normas regulamentando essas situações (TEACHOUT, 2014, cap. 7, p. 15-16).
102
preventivo e as condenações são mais difíceis em razão das exigências da dogmática jurídica
penal.
Entrementes, a corrupção não deve simplesmente viver em um gueto de direito
penal. Não se exaure no quid pro quo. Como a maioria das pessoas sabe, acordos explícitos
podem traduzir casos de corrupção, mas eles não são a coisa em si. A corrupção não deve
limitar-se às trocas ou centralizar-se nas trocas. Não deve ser definido literalmente por um
estatuto jurídico. Ninguém deve esperar que um estatuto defina a “corrupção” como também
não pode esperar que um estatuto defina em sua inteireza conceitos como “igualdade” ou
“amor” ou “segurança” (TEACHOUT, 2014, cap. 16, p. 3).
O princípio anticorrupção confere um sentido mais forte à relação do cidadão com o
país. Uma relação íntima e fiel com um país é psicologicamente desafiadora quando
relacionada a um grande estado territorial e burocrático no qual a maioria dos cidadãos não
tem interações próximas com o governo, mais uma razão para incentivá-lo. A corrupção,
nesse sentido, estaria relacionada ao princípio que governa uma relação fiduciária geral que
todos os cidadãos têm com o público (TEACHOUT, 2014, cap. 16, p. 3).
O arcabouço normativo político-jurídico que envolve o princípio anticorrupção
expressa uma visão de comportamento humano indesejável e, por outro lado, invocava o
desejável e possível comportamento político humano. Apesar de todas imprecisões
terminológicas, expressadas por linguagens diferentes sobre o tema, a corrupção envolve o
senso de sacrifício desarrazoado do interesse público em prol de uma exacerbação de
interesses particulares (TEACHOUT, 2014, conclusão, p. 2).
Assim, operacionaliza-se dentro do fenômeno da compreensão humana, na forma do
homem enxergar e se ver no mundo. É a partir do que Heidgger (2012, p. 139-141) chamou
de dasein que irá se compreender o que se trata a corrupção.
O fenômeno da compreensão é sempre re-elaborado quando transmitido pela tradição
(LAWN, 2011, p. 54). Tanto é que, em que pesem todas as críticas com suas atitudes
extremistas, conservadoras e xenófobas, o atual Presidente americano, Donald Trump, tão
logo que assumiu a presidência expediu um decreto impondo limites ao lobby relativos ao ex-
agentes públicos119.
119 Assim que assumiu a Presidência, Donald Trump expediu uma série de decretos, dentre os quais o que proibiu oficiais da administração de praticarem lobby para governos estrangeiros. Uma proibição de cinco anos também foi aplicada a outras atividades de lobby. Trump usou a medida para colocar em prática parte de sua promessa de campanha de “limpar o pântano” de Washington. Ele havia dito que aqueles que quisessem trabalhar para ele deveriam se concentrar no trabalho e não em exercer influência depois de terem passado pelo governo (TRUMP, 2017).
103
Essa atitude do Presidente corrobora a explicação da Professora Zephyr Teachout
(2014, Introdução, p. 5) sobre os motivos que levaram a Suprema Corte Americana a reduzir a
amplitude do conceito de corrupção. Disse a autora que o Tribunal era composto, em sua
maioria, por juristas e acadêmicos com inexperiência prática sobre os efeitos danosos da
interferência do poderio econômico na política e nos interesses coletivos. O Presidente, por
sua vez, é um dos empresários mais ricos e bem-sucedidos dos Estados Unidos(O
TRIUNFO..., 2016), por conseguinte, detentor de uma visão de mundo sobre os efeitos
nocivos que os interesses particulares podem fazer ao interesse público por intermédio do
poderio econômico e de influencias dos lobistas.
No Brasil, algumas medidas já foram tomadas para evitar interferências de ex-
agentes públicos no serviço público, a exemplo da exigência constitucional do período de
quarentena de dois anos para que magistrados e membros do Ministério Público possam
exercer advocacia no juízo ou tribunal a que serviram, conforme previsão contida no art. 95,
inciso V, e art. 128, § 6º, da Constituição, respectivamente.
Nota-se que essa exigência foi inserida no texto constitucional brasileiro apenas no
ano de 2004, pela Emenda Constitucional 45/2004. O cidadão e os agentes públicos
compreenderam, a partir de determinado momento, que era imprescindível adotar a medida de
quarentena para que interesses privados não prevalecessem desarrazoadamente sobre o
interesse público.
Prosseguindo, a história mostrou que era preciso ainda mais. Nesse momento,
discute-se, no parlamento brasileiro, a necessidade de um período de quarentena para que
juízes e promotores possam concorrer a mandatos eletivos. Busca-se com isso evitar: 1) que
esses agentes públicos incluam interesses particulares durante o serviço público com a
finalidade de angariar apoio político futuro; e 2) que, quando candidatos, prevaleçam-se de
relacionamentos constituídos ao longo do serviço público120.
120 O Plenário do Senado aprovou, no dia 15 de julho de 2015, um prazo de dois anos de desincompatibilização para magistrados e membros do Ministério Público que querem concorrer a cargos eletivos. O projeto de lei do Senado nº 476/2015, que altera a Lei Complementar nº 64/1990, (Lei de Inelegibilidade), foi apresentado pela Comissão Temporária da Reforma Política. Juízes e promotores já são obrigados a pedir exoneração do cargo para concorrer a cargos eletivos. O projeto, que agora segue para a análise da Câmara dos Deputados, acrescenta uma quarentena de dois anos após a exoneração. Para os ocupantes de mandato dentro do Poder Judiciário ou de órgãos do Ministério Público, como presidentes de tribunais ou procuradores-gerais, o prazo só será contado a partir da data prevista para o término do mandato. “Segundo o relator da Comissão da Reforma Política, senador Romero Jucá (PMDB-RR), a medida tenta coibir o ‘desvirtuamento’ das atribuições legais dos membros do Judiciário e do Ministério Público, já que alguns buscam popularidade para posterior candidatura a cargos eletivos. Segundo Jucá, o ‘perigo’ está exatamente na atuação midiática e autopromocional desses agentes durante o exercício de uma função ou cargo público, em carreiras típicas de Estado, visando ao credenciamento à cena político-eleitoral. Jucá informou que o projeto é sugestão do senador Fernando Collor (PTB-AL) e foi
104
Retomando as lições de James Madison, sob inspiração do Barão de Montesquieu, o
ex-presidente americano traz duas exigências: 1) a da moralidade política; e 2) a da estrutura
normativo político-jurídico. As duas devem ser conjugadas em uma relação simbiótica para a
concretização do princípio anticorrupção. Faltando-lhe, a outra não terá a capacidade, de per
si, de consagrar o princípio anticorrupção (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 7).
Veja-se que o Brasil possui toda uma estrutura normativa político-jurídica
consagrada na Constituição de 1988121, em leis122 e em tratados e convenções
internacionais123, além de todas disposições administrativas que regem o serviço público. A
estrutura está presente, mas, como o próprio Thomas Jefferson falou, uma apenas não se
revela medida suficiente.
A concretização do princípio anticorrupção se opera através e dentro da linguagem.
A linguagem totaliza o mundo, como o próprio Gadamer (2015, p. 503) ensinou. E o Direito é
uma das formas de linguagem, todavia não é a única, nem sequer basta, de per si, para que o
princípio aqui defendido logre êxito. Sem a moralidade política dos cidadãos de determinado
Estado, oriunda do sentimento cívico de respeito ao interesse público e ao bem-estar coletivo,
as medidas de combate à corrupção serão ineficazes.
Nessa linha de raciocínio, não se pretende retomar à visão romântica e imprecisa da
corrupção, mas se intenta destacar que o papel do cidadão é fundamental para a eficácia de
toda estrutura normativa de repressão à corrupção (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 5). E esse
papel só é percebido pela forma de como o indivíduo compreende e se ver no mundo, o seu tratado até com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Serão dois anos para se filiar e depois mais um ano para se candidatar, explicou Jucá” (APROVADA..., 2015). 121 A título de exemplo, citam-se: art. 1º, caput, estabelece a República como forma de governo; art. 5º, inciso LXXIII, prevê como direito fundamental da cidadania a ação popular para anular ato lesivo ao patrimônio público ou a moralidade administrativa; art. 14, § 9º, transfere para Lei Complementar hipóteses de inelegibilidade para proteção da probidade administrativa e moralidade necessários ao exercício do mandato político; art. 15, inciso V, estabelece a possibilidade de cassação ou suspensão de direitos políticos em casos de improbidade administrativa; art. 37, caput, traz rol exemplificativo de princípios norteadores da administração pública; art. 37, § 4º, dispõe que atos de improbidade administrativa importarão em suspensão de direitos políticos, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário; art. 74, estabelece sistema de controle interno de contas públicas; e art. 85, inciso V, prevê crime de responsabilidade do Presidente da República quando atentar contra a probidade administrativa. Nota-se que esses dispositivos não exaurem a estrutura constitucional que norteia o princípio anticorrupção, pois todo arquétipo da Constituição é constituído a consagrá-lo, seja por outras normas, seja por distribuição de competências e funções entre órgãos e poderes, seja pela existência de princípios implícitos. 122 Lei n. 1.079/1950, define os crimes de responsabilidade; Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa); Lei n. 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro); Lei n. 12.683/2012, torna mais eficiente o combate à lavagem de dinheiro; Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), prevê a responsabilização civil e administrativa das pessoas jurídicas que atentem contra a Administração Pública. Há diversos outros diplomas legais, a exemplo de disposições específicas no Código Penal. 123 Exemplificam-se as seguintes convenções: 1) Convenção sobre o combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais; 2) Convenção interamericana contra a corrupção; e 3) Convenção das Nações Unidas contra a corrupção.
105
dasein (HEIDGGER, 2012, p. 139-141). Aqui a expressão cidadão se refere a todos, à
sociedade civil e àqueles que exercem a função pública ou que tratam com o poder público.
Como o Professor João Ubaldo O. P. Ribeiro (1998, p. 17) ensinou, a classe política
não é composta por seres alienígenas ou organismos diversos, é reflexo da própria sociedade.
“Se todos eles são ruins de forma tão radical, o corolário é que todos somos ruins, já que,
parafraseando uma frase bíblica, uma árvore boa não pode dar tantos frutos maus”.
Tampouco é útil se refugiar no discurso de mera negação da política, até porque isso
também é fazer política, (RIBEIRO, 1998, p. 17):
Se não gostamos do comportamento dos políticos e do funcionamento do sistema e não fazemos nada quanto a isso, estamos sendo políticos: estamos contribuindo para a perpetuação de uma situação política indesejável ou inaceitável. Se queremos fazer alguma coisa para melhorar a situação, também estamos sendo políticos, pois a única via de ação possível, neste caso, é a Política.
A responsabilidade pela coisa pública também é dos cidadãos como integrantes da
sociedade. A respeito, Zephyr Teachout (2014, cap. 2, p. 11) afirmou que todos possuem a
incumbência pela integridade do governo republicano, devendo assegurar através dos meios
democráticos que os recursos públicos atendam seus fins legítimos. Há um papel social
decorrente da moralidade política.
Sobre a inação política do cidadão, Bruno Garschagen (2015, p. 190) assevera que “é
muito confortável responsabilizar o Estado e os governos por todos os males e nada fazer. É a
maneira mais cômoda e certeira de errar”. O autor (2015, p. 191) prossegue afirmando que
“ao nos colocarmos na posição de agentes não responsáveis pelos políticos que existem e
foram eleitos, e pela existência e funcionamento das instituições, renunciamos ao papel de
atores fundamentais para o florescimento do país”.
Ainda sobre a moralidade política do cidadão, diga-se que uma das críticas realizadas
ao constitucionalismo brasileiro é o “pífio desenvolvimento da ideia de democracia e
república” (SILVA NETO, p. 2016, 39). O autor prossegue afirmando que o baixo nível de
consciência democrática no Brasil interfere negativamente na produção de cultura
constitucional124. “O povo se torna cético quanto às instituições republicanas forjadas pela
124 O autor, em posição contrária a constitucionalistas como Barroso, traz fortes críticas ao constitucionalismo brasileiro, qualificando como tardio em virtude de causas históricas, políticas e jurídicas que impedem a constituição de uma cultura constitucional, isto é, da formação de comportamentos e condutas, públicas ou privadas, propensas a: I) preservar a vontade da constituição; II) efetivar, no plano máximo possível, os princípios e normas constitucionais; e III) disseminar o conhecimento a respeito do texto constitucional (SILVA NETO, 2016, p. 22).
106
democracia, como é o Caso do Congresso Nacional. Cultura democrática de que nos
ressentimos tanto quanto a aludida ausência de cultura constitucional” (SILVA NETO, p.
2016, 39).
A virtude política, que não se confunde com virtude religiosa ou moral, funciona
como campo de modelagem da cidadania. O Brasil, por tudo que foi dito, não tem apego
acentuado às virtudes políticas (BENEVIDES, 1991, p. 193).
Portanto, a existência de apenas a estrutura sem a moralidade política impregnada
nos cidadãos, trocar-se-á os corruptos e corruptores por outros. O princípio não visa
repressão, mas a adoção de práticas efetivas que reduzam os índices de corrupção a níveis
toleráveis.
Por outro lado, a presença da moralidade política sem a estrutura pode conduzir à
demagogia, na medida em que os agentes públicos e particulares envolvidos com a corrupção
profeririam um discurso em prol da moralidade pública, mas confiando na impunidade em
razão da inoperância da estrutura – o agir estratégico delineado por Habermas. A respeito,
veja-se as seguintes palavras de Carvalho (2015, p. 282):
O projeto de lei que dá à corrupção o estatuto de “crime hediondo” não teve origem inocente, nem sequer decente: foi enviado à Câmera em 2009 por aquele mesmo indivíduo que, acusado de inventor e gestor do maior esquema de corrupção que já se viu neste país, apostou na lentidão da Justiça como garantia de sua eterna e tranquilíssima impunidade.
O princípio anticorrupção emerge em um momento peculiar da realidade nacional, de
anseios e reclamos em prol da administração honesta e legal. Uma oportunidade em que “há
indícios de que parte da sociedade brasileira mudou ou está em processo de mudança. Nas
escolas, nas universidades, nos institutos, nas instituições políticas e jurídicas, na imprensa
(...) há muita gente pensando de forma diferente e agindo para mudar o status quo”
(GARSCHAGEN, 2015, p. 187).
Garschagen, (2015, p. 188) aponta como fator preponderante para esse fenômeno a
contribuição das redes sociais da divulgação e defesa de concepções políticas contrárias ao
estatismo e ao tipo de governo construído ao longo da história brasileira. Indivíduos que
nunca se interessaram pelo debate político agora agregam no discurso suas opiniões e
convicções.
Com a presença da estrutura normativa político-jurídica necessária para o princípio
anticorrupção, o debate circula entorno de como o cidadão compreende seu papel cívico, sua
107
função de agente fiscalizador e transformador da República, defendendo-a das interferências
lesivas ao erário e moralidade pública (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 11).
Uma vez constatada a moralidade política, a estrutura será reforçada. Trata-se de um
movimento de mão dupla, dinâmico (TEACHOUT, 2014, cap. 2, p. 7-8). Um reforça o outro.
Atenta-se que a afloração da moralidade política na sociedade também incidirá no agente
público, tanto em seu dever de ser honesto e mais eficiente possível como também na busca
para isso, a exemplo de um parlamentar que propõe projetos de lei a respeito, do
administrador que estreita a fiscalização e eficiência de sua gestão ou do magistrado que
decida de forma a tornar a estrutura eficiente, afastando a impunidade reinante nesses tipos de
ilícitos.
Estabelecida a conexão entre a linguagem filosófica e o princípio anticorrupção,
seguir-se-á com a demonstração de situações vivenciadas pelo Poder Judiciário Brasileiro em
que houve ou deveria ter havido a sua concretização.
3.4 Casos práticos da aplicabilidade do princípio anticorrupção no direito brasileiro
Ainda que não esteja sendo mencionado expressamente pela jurisprudência, decisões
judiciais dos últimos anos demonstram a já aplicabilidade do princípio anticorrupção no
direito brasileiro, notadamente porque revelam o sentimento de moralidade política e a
utilização da estrutura normativa em prol do interesse público, que só se torna possível com
uma administração legal e honesta capaz de garantir aos cidadãos uma existência com um
mínimo de dignidade.
Neste momento, serão analisadas quatro situações, sendo que nas duas primeiras
houve a concretização do princípio anticorrupção e nas duas últimas a sua violação, onde
interesses particulares sobrepuseram excessivamente o interesse público.
Um julgamento em peculiar, bastante conhecido, deixou bem evidenciado a
consagração do interesse público nos termos aqui propostos. Foi a decisão do Supremo
Tribunal Federal na ação declaratório de constitucionalidade n. 12 interposta pela Associação
dos Magistrados do Brasil em defesa da resolução n. 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça,
que traçava limites à livre nomeação de cônjuges e parentes até o terceiro grau de magistrados
e servidores para cargos em comissão e funções gratificadas, no âmbito do Poder Judiciário.
Na época da edição da resolução, “boa parte dos Tribunais de Justiça estaduais
insurgiu-se contra a medida. Havia uma longa tradição de nomeação da parentada para
aqueles cargos” (BARROSO, 2012, p. 370). As Cortes dos estados-membros questionavam as
108
atribuições do Conselho Nacional de Justiça, que teria surgido em uma emenda constitucional
violadora da Separação dos Poderes e o fato de que a restrição estava sendo imposta por um
ato normativo e não por lei.
O apego à tradição positivista criava um certo empecilho ao reconhecimento do
mérito da causa. “A causa, de fato era moralmente boa, mas enfrentava dificuldades jurídicas”
(BARROSO, 2012, p. 370).
Não obstante, no dia 20 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal, em
confirmação de decisão liminar outrora deferida, reconheceu que a resolução em debate não
afronta a Separação dos Poderes, visto que o Conselho Nacional de Justiça não é órgão
estranho ao Poder Judiciário. Asseverou ainda que os condicionamentos exigidos pelo ato
normativo estão em consonância com os mesmos exigidos pela Constituição de 1988,
dedutíveis dos princípios republicanos da impessoalidade, eficiência, igualdade e moralidade.
Nota-se que a decisão se baseou em princípios constitucionais setoriais da
administração pública (impessoalidade, eficiência e moralidade), bem como no princípio
constitucional geral (igualdade)125. Todos deduzíveis do princípio republicano, o qual tem
uma conexão imanente com o princípio anticorrupção.
Tanto é que o princípio anticorrupção não se satisfaz com a mera repressão e
invalidação de ações do poder público. Ele requer e estimula um comportamento mais
proativo de todos – cidadãos e agentes públicos – de modo a desestimular a prevalência
desarrazoada de interesses particulares sobre o interesse público. E foi indo além que, no dia
seguinte à decisão histórica do Supremo, que, por iniciativa do Ministro Ricardo
Lewandowski, foi aprovada a súmula vinculante n. 13, estendendo a vedação da prática de
nepotismo a todos os Poderes da República126.
Mais recentemente, outro caso em que se aponta à concretude do princípio
anticorrupção foi por ocasião do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 05 de
outubro de 2016, das ações declaratórias de constitucionalidade n.s 43 e 44 interpostas pelo
125 Barroso (2015, p. 357) leciona que os princípios constitucionais, quanto ao critério material, podem ser: 1) fundamentais: expressam as decisões políticas mais importantes e são os de maior abstração, como Estado Democrático de Direito, dignidade da pessoa humana; 2) gerais: são pressupostos ou especificações dessas decisões políticas e possuem maior densidade jurídica e aplicabilidade concreta, a exemplo da isonomia e legalidade; e 3) setoriais: regem determinados subsistemas abrigados na Constituição, tais como a moralidade da administração pública. 126 Segundo dispõe a súmula nº 13 do Supremo Tribunal Federal: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal” (BRASIL, 2008c).
109
Partido Nacional Ecológico e pela Ordem dos Advogados do Brasil, em que o cerne do debate
se envolveu em torno da possibilidade ou não de início da execução da pena de prisão após a
condenação em sede de segunda instância, tendo em vista o princípio da inocência consagrado
no art. 5º, inciso LVII, da Constituição127 e a clareza da norma prevista no art. 283, do Código
de Processo Penal128, sendo que, neste último dispositivo, havia expressa previsão da
impossibilidade de prisão antes do transito em julgado da sentença condenatória.
O Ministro Marco Aurélio, relator do caso, foi favorável à concessão da medida
cautelar, sendo acompanhado pelos Ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa
Weber e, em parte, Dias Toffoli, os quais defenderam a clareza da norma constitucional e
infraconstitucional, assim como que o princípio da inocência é direito fundamental
arduamente conquistado na história dos cidadãos na luta contra arbitrariedades do poder
público. Logo, não se pode utilizar-se de uma hermenêutica de índole regressista para
sacrificar essa norma. Para estes, prevalecem o direito fundamental individual.
Entretanto, os demais membros da Corte foram a favor da denegação da medida
cautelar129. Uma votação apertada, de seis votos contra a concessão da medida cautelar
pleiteada e cinco a favor. Assim, por maioria de apenas um voto, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu a possibilidade da execução da prisão.
Quem abriu a divergência com o relator foi o Ministro Edson Fachin, o qual conferiu
ao art. 283, do Código de Processo Penal, interpretação conforme à Constituição, segundo a
qual afasta a norma que impediria o início da execução da pena de prisão quando esgotadas as
instâncias ordinárias, exceto quando for conferido efeito suspensivo a eventual recurso pelas
cortes superiores. Disse também que a Constituição não objetivou criar uma terceira e quarta
instâncias. As cortes extraordinárias servem aos papéis de uniformização das normas
constitucionais e infraconstitucionais.
Dentre os votos vencedores, o Ministro Luís Roberto Barroso relembrou que o
princípio da inocência não possui caráter absoluto, pois deve ser ponderado com outros
valores, a exemplo da efetividade do sistema penal, cujos problemas agravam o descrédito da
127 Dispõe o art. 5º, inciso LVII, da Constituição que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Nota-se que a norma constitucional utiliza o termo “culpado” e não a expressão “prisão”. 128 Diferentemente da norma constitucional, observa-se que o texto do artigo 283 do Código de Processo Penal se refere expressamente à impossibilidade de prisão antes do transito em julgado: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Não se insere aqui a inclusão do debate acerca do princípio da não-culpabilidade, mas se essa norma legal é compatível ou não com a ordem constitucional vigente. 129 Os seguintes ministros votaram a favor da execução da pena de prisão: Edson Fachin, Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia.
110
sociedade em relação ao sistema de justiça. Nessa mesma linha de pensamento decidiu a
Ministra Carmen Lúcia.
Já o Ministro Teori Zavascki, além de afirmar que o princípio da inocência não pode
esvaziar o sentido público da justiça, atestou que os exames de fato e matéria probatória são
desenvolvidos até a segunda instância: “é ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o
duplo grau de Jurisdição”. Outro importante argumento foi o do Ministro Luiz Fux: “Estamos
muito preocupados com o direito fundamental do acusado que nos esquecemos do direito
fundamental da sociedade, que tem a prerrogativa de ver aplicada a sua ordem penal”
(BRASIL, 2016c).
Vislumbra-se que os argumentos utilizados pelos votos vencedores traduzem o
sentido da moralidade política contida no conteúdo do princípio anticorrupção,
consubstanciado na prevalência, desses casos, do interesse público sobre o particular. Isso fica
evidenciado, por exemplo, no emprego de ideias que envolvem o direito fundamental da
sociedade e sentido público da justiça. Recorda-se, para tanto, que o princípio não se restringe
às situações convencionais (quid por quo).
Registra-se que o sacrifício da moralidade política, nessas situações, conduziria ao
descrédito social à estrutura de normas político-jurídicas que conferem sustentáculo ao
princípio anticorrupção. Relembrando James Madison (apud TEACHOUT, 2014, cap. 2, p.
7), nessa relação de mão dupla, um não sobrevive sem o outro.
Demonstradas duas situações em que se empregou implicitamente o princípio
anticorrupção, prosseguir-se-á no exame de hipóteses opostas, onde houve sua violação em
razão da exacerbação de interesses particulares em sacrifício do interesse público.
O primeiro caso foi decorrente da investigação criminal de suposta quadrilha que
cometia crimes de corrupção, financeiros e lavagem de dinheiro, cuja operação foi deflagrada
pela Polícia Federal, no dia 08 de julho de 2008, com o cumprimento do mandado de prisão
temporária expedido em desfavor do banqueiro Daniel Dantas, com base na Lei n. 7.960/1989
(Lei de Prisão Temporária) (ENTENDA..., 2009). A operação foi batizada de Satiagraha, em
alusão a seu significado em sânscrito: o caminho da verdade (SENKOVSKI, 2014).
Ressalta-se que, pouco antes da deflagração da operação policial, o Professor
Universitário Hugo Chicaroni, emissário de Daniel Dantas, ofereceu e entregou R$
500.000,00 (quinhentos mil reais) em dinheiro aos delegados federais Protógenes Queiroz e
Victor Hugo Rodrigues Alves Pereira, em ação controlada devidamente autorizada pela
Justiça Federal (MATTOS, 2015, p. 93).
111
Como foi dito, a prisão do banqueiro ocorreu no dia 08 de julho de 2008. Contudo,
no dia seguinte, o Min. Gilmar Mendes analisou o habeas corpus n. 95.009 sob a alegação de
que o investigado havia impetrado anteriormente habeas corpus preventivo com pedido de
acesso aos autos da investigação. No entanto, a ordem já havia sido denegada no Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, no Superior Tribunal de Justiça e no próprio Supremo
Tribunal Federal. Portanto, percebe-se que as ações – habeas corpus preventivo e repressivo –
tinham causa de pedir e pedidos totalmente distintos. Acrescenta-se ainda que o Ministro
analisou a matéria durante o recesso judiciário de julho na condição de Presidente do
Supremo Tribunal Federal (MATTOS, 2015, p. 93).
Ademais, a decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes foi proferida pouco
mais de 24 horas da prisão do banqueiro e confrontou entendimento do próprio Supremo
firmado na súmula n. 691: “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas
corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal
superior, indefere a liminar”.
Tratou-se de uma situação de flagrante supressão de instância, tendo como
beneficiário o banqueiro.
Em hipótese semelhante, a então Ministra Ellen Gracie havia sido decidido que a
súmula n. 691 deve prevalecer sob pena de supressão de instância, conforme julgamento do
habeas corpus n. 93.462/DF, no dia 10 de junho de 2008.
O investigado foi posto em liberdade, em atendimento à concessão do habeas corpus
n. 95.317. No entanto, o magistrado de 1ª instância competente para o caso, após
representação de reconsideração do delegado de Polícia Federal, decretou a sua prisão
preventiva sob o fundamento da conveniência da instrução criminal, de assegurar a aplicação
da lei penal e de garantia da ordem pública e econômica, no dia 10 de julho de 2008.
Novamente, em menos de 24 horas, o Ministro Gilmar Mendes concedeu outra liminar,
determinando a liberação do banqueiro. Agindo assim, superou por duas e em tempo recorde,
as estatísticas que analisam o tempo médio de concessão de liminares em sede habeas corpus:
no Supremo Tribunal Federal é de vinte e sete dias e, em se tratando do Min. Gilmar Mendes,
a média é de trinta e sete dias (MATTOS, 2015, p. 96).
O desfecho do mérito da ação penal em foco também chamou atenção, tanto pelo
momento em que ocorreu como pelos motivos ensejadores. O término se originou na
oportunidade de um simples pleito no Superior Tribunal de Justiça, em sede de habeas
corpus, da anulação de uma sessão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O Superior
Tribunal, ao julgar, decidiu por maioria em conferir maior extensão ao pedido e,
112
consequentemente, anulou todas as provas da operação Satiagraha sob a alegação de
ingerência não autorizada de agentes da Agência Brasileira de Inteligência na investigação. A
corte foi além do que a defesa tinha pleiteado nos autos, generalizou a ingerência do órgão de
inteligência (também havia outras provas produzidas por policiais federais) e violou a Lei n.
9.883/1999 – que estabelece o sistema brasileiro de inteligência e permite o compartilhamento
de informações do órgão. Ao final, a única condenação efetivamente foi a de perda de cargo
de Delegado federal Protógenes Queiroz pelo crime de quebra de sigilo de informações
(MATTOS, 2015, p. 98-105).
O processo criminal da Satiagraha ilustra bem a preocupação de Zephy Teachou
(2014) e Patrick M. Yingling (2013) no tocante à interferência do poder econômico nas ações
do poder público, quando os autores escrevem sobre corrupção não convencional.
O último caso a ser abordado se reveste de polêmicas, pois, como já foi dito aqui, a
depender da convicção ideológica do leitor, adotar-se-á por um entendimento radialmente
oposto. Para evitar qualquer induzimento se aterá da maneira mais objetiva possível aos fatos
– se é que é possível evitar – que resultaram no decreto presidencial de nomeação do ex-
Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Alguns anos após o julgamento do processo criminal rotulado como “Mensalão”,
referente à Ação Penal n. 470/MG (BRASIL, 2012) de competência originária do Supremo
Tribunal Federal, um outro caso tem preponderado nos noticiários nacional e internacional
quando se refere à corrupção Brasil, principalmente pela capacidade financeira dos
investigados, alguns ainda presos preventivamente, pelo vultoso numerário desviado (falam-
se em bilhões de reais) e pelo pernicioso relacionamento com o Estado em um suposto
esquema de fraudes a licitação e lavagem de dinheiro.
Trata-se da investigação conduzida pelo Departamento de Polícia Federal e
Ministério Público Federal, nos autos do processo criminal 5006205-98.2016.4.04.7000, na
13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná da Justiça Federal, intitulada operação Lava-
Jato130.
Ao que parece, é o maior caso de corrupção investigado e levado ao Poder Judiciário
para processo e julgamento, atingindo diversos partidos que compõem a base governista e a
130 O Ministério Público Federal abriu um espaço em seu endereço eletrônico sobre o caso “Lava Jato”, onde detalha algumas medidas já realizadas e expõe didaticamente o modus operandi da suposta organização criminosa (BRASIL, 2016).
113
oposição, refletindo que a malversação da coisa pública se estende muito além de um único
grupo político131.
À medida em que avança surgem novos nomes nas investigações, seja através das
polêmicas delações premiadas efetuadas com base na Lei n. 12.850/2013, seja por outras
provas ou indícios, catalisando ainda mais a crise política e econômica no país.
Em meio a esse conturbado ambiente, o nome do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva começou a ser veiculado na imprensa como um dos possíveis beneficiários do esquema
criminoso descoberto na operação Lava-Jato, notadamente em virtude das indagações acerca
da propriedade de alguns bens registrados em nomes de terceiros e da origem do dinheiro
pago em prestações de serviços a título de palestras.
Na manhã do dia 04 de março de 2016, foi deflagrada a vigésima quarta etapa da
operação Lava-Jato, ocasião em que a Polícia Federal cumpriu mandado de condução
coercitiva em seu desfavor e o conduziu para ser ouvido no referido procedimento
investigativo, além de efetuar cumprimento da ordem judicial de busca e apreensão em sua
residência132.
Poucos dias depois, em 09 de março de 2016, o Ministério Público do Estado de São
Paulo ofereceu denúncia em desfavor do ex-Presidente pelo suposto cometimento dos de
lavagem de dinheiro e falsidade ideológica e representou pela sua prisão preventiva, conforme
se vislumbra nos autos do processo 0017018-25.2016.8.26.0050133.
É preciso destacar que, ao declinar a competência, o Juízo de Direito da 4ª Vara
Criminal da Comarca de São Paulo remeteu os autos com a denúncia e o pedido de prisão
formulados pelo Ministério Público paulista para análise pelo titular da 13ª Vara de Seção
Judiciária do Paraná, onde passou a compor o caso Lava-Jato.
Nesse interim, aumentou o rumor sobre a possível decretação de uma prisão cautelar
em desfavor do ex-Presidente. Concomitantemente, iniciou-se com mais evidência o debate 131 Os números divulgados pelo Ministério Público Federal no caso “Lava Jato” retratam que houve a instauração de 1.114 procedimentos, 484 buscas e apreensões, 117 mandados de condução coercitiva, 113 mandados de prisão cumpridos, 49 acordos de colaboração premiada, 97 pedidos de cooperação internacional, o oferecimento de 37 denúncias em desfavor de 179 pessoas, 93 pessoas condenadas, a estimativa de desfalque de 21,8 bilhões do erário e a já recuperação de 2,9 bilhões de reais (BRASIL, 2016). 132 Em nota divulgada em seu site, o Ministério Público expõe as razões do cumprimento de tais medidas (BRASIL, 2016). 133 No julgamento do processo 0017018-25.2016.8.26.0050, no dia 14 de março de 2016, a Juíza de Direito Maria Priscilla Eernandes Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo, declarou-se incompetente e declinou a competência para a 13ª Vara da Seção Judiciária do Paraná, onde tramita o processo da operação “Lava Jato”. Como consequência lógica pela declinação da competência, absoluta, a magistrada deixou de analisar os pedidos de cautelares formulados na denúncia, bem como o pedido de prisão preventiva, entendendo que não há urgência que justifique a análise, até porque os requerimentos já foram todos divulgados publicamente pelo próprio MPSP, sendo de conhecimento inclusive dos investigados. O andamento do processo 0017018-25.2016.8.26.0050 (SÃO PAULO, 2016).
114
em torno de sua nomeação para compor algum Ministério de Estado, onde,
consequentemente, teria foro por prerrogativa de função.
No dia 16 de março de 2016, a Presidência da República anunciou em nota oficial, a
nomeação do seu antecessor para ocupar o cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil
(NAIRA, 2016, p. 1)134:
A Presidenta da República, Dilma Rousseff, informa que o ministro de Estado Chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, deixará a pasta e assumirá a chefia do Gabinete Pessoal da Presidência da República. Assumirá o cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Assumirá, ainda, o cargo de ministro de Estado Chefe Secretaria de Aviação Civil, o Deputado Federal Mauro Ribeiro Lopes. A presidenta da República presta homenagem e agradecimento ao Dr. Guilherme Walder Mora Ramalho pela sua dedicação.
Paralelamente, ainda no mesmo dia 16 de março de 2016, o Juízo de Direito
responsável pelo processo e julgamento da operação Lava-Jato, na Justiça Federal da
Comarca de Curitiba/PR, suspende o segredo de justiça existente, sob os fundamentos de
interesse público e da publicidade dos atos processuais, expondo conversações travadas entre
Luiz Inácio Lula da Silva e terceiros, dentre os quais, a titular da pasta da Presidência da
República (PARANÁ, 2016, p. 3):
Como tenho decidido em todos os casos semelhantes da assim denominada Operação Lavajato, tratando o processo de apuração de possíveis crimes contra a Administração Pública, o interesse público e a previsão constitucional de publicidade dos processos (art. 5º, LX, e art. 93, IX, da Constituição Federal) impedem a imposição da continuidade de sigilo sobre autos. O levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras.
A revelação do conteúdo dos telefonemas interceptados do ex-Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva veio a ser o ingrediente detonador de uma incansável discussão política sobre a
validade do decreto de sua nomeação para o cargo de Ministro da Casa Civil.
134 Segundo a nota oficial anunciada pela Presidência da República, com a nomeação o ex-Presidente passa a ocupar o lugar de Jaques Wagner na Casa Civil, o qual é transferido para a chefia do Gabinete Pessoal da Presidência da República. Embora não confirmada, a posse do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva no cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil é prevista para o dia 22 de março de 2016.
115
Explicita-se que não se está analisando juridicamente a culpabilidade acerca dos
fatos supramencionados, todavia é imprescindível seu registro cronológico e objetivo.
Também não se está defendendo nem impugnando a (i)licitude das interceptações telefônicas
supracitadas, das delações premiadas colhidas, das conduções coercitivas e nem de quaisquer
outras medidas cautelares que estejam vinculadas ao caso Lava- Jato135.
Persegue-se tão somente uma análise jurídica dotada de imparcialidade sobre a
suposta validade do ato político-administrativo que nomeou o ex-Presidente para o cargo de
Ministro da Casa Civil.
Sabe-se que a multiplicidade e inovação das relações humanas torna impossível a
previsibilidade integral de todas situações possíveis na realidade mundana. Assim, não
raramente, o legislador se utiliza de recursos legais que permitam a subsunção de
determinadas vivências humanas aos postulados de uma mesma norma, desde que não
extrapolem certos limites predeterminados. Podem-se ser citadas as normas penais em branco,
os conceitos jurídicos indeterminados, a aplicabilidade do princípio da insignificância no
Direito Penal etc. Em se tratando do Direito Administrativo, tem-se o tão conhecido poder
discricionário, onde o administrador também está subordinado à lei, porém detém uma
margem de liberdade, conforme os critérios de conveniência e oportunidade, para escolher a
solução que melhor atenda o interesse público, dentre as alternativas possíveis (DI PIETRO,
2015, p. 124).
Trazendo para o caso tomado como paradigma, registra-se que a Presidência da
República justificou a tomada de decisão da nomeação do ex-Presidente em virtude da sua
experiência acumulada em dois mandatos presidenciais, somadas à vida parlamentar, além do
poder de liderança e de articulação política, convenientes e oportunos ao enfrentamento da
grave crise política e econômica que assola o Brasil136.
Ainda em prol do mérito dos atos administrativos, a 1ª Turma do Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do RE 475.954 AgR/RS, publicado no DJe 09/09/2013, decidiu que
“não cabe ao Poder Judiciário adentrar no exame da oportunidade e da conveniência de ato do
Poder Executivo no exercício de sua discricionariedade, sob pena de violação do princípio da
135 Sem sombra de dúvidas, do processo do caso “Lava Jato” desdobram-se diversos temas polêmicos, que demandam pesquisas mais profundas e sobre assuntos diversos, alguns muitos combatidos por nomes renomados, a exemplo das delações premiadas negociadas com o Ministério Público Federal em que o investigado abre mão de teses defensivas para antecipar seu status libertatis. 136 Com a divulgação dos telefonas interceptados, após a suspensão do sigilo no processo da “Lava Jato”, a Presidente Dilma Rousseff parte em defesa de seu antecessor, justificando a sua nomeação (PASSARINHO; ALEGRETTI; MATOSO, 2016). Também há a exposição mais minuciosa dos argumentos pela validade do ato político-administrativo de nomeação do ex-Presidente em suas petições de defesa apresentadas no Supremo Tribunal Federal, no Mandados de Segurança Coletivo n. 34.070/DF e n. 34.071/DF.
116
separação de poderes...”. Nesse sentido, defender a discricionariedade administrativa implica,
indubitavelmente, pregar a garantia da separação harmoniosa do exercício das funções da
República, consagrada no art. 2º da Constituição Brasileira.
A nomeação e exoneração de Ministro de Estado pelo Presidente da República é
norma constitucional clara e expressa no tocante à fixação de sua competência privativa para
tanto, conforme dispõe o art. 84, inciso I, da Constituição. A princípio, outro Poder, inclusive
o Judiciário, não pode interferir nessa seara de natureza estritamente político-administrativa
afeta privativamente ao Chefe do Poder Executivo Federal sob pena de violação ao princípio
de separação dos poderes (SILVA, 2009, p. 110).
O cargo de Ministro de Estado possui a atribuição primordial de auxiliar diretamente
o Chefe do Executivo Federal na criação, elaboração e execução de políticas governamentais,
de modo que deve ser ocupado por pessoas de sua confiança a ser escolhida
independentemente de crivo prévio ou posterior do Judiciário ou Legislativo. “Os Ministros
atuam, pois, como a longa manus da Presidência da República, na consecução de seus
objetivos político-administrativos” (OLIVEIRA, 2011, p. 213).
Os defensores do ato de nomeação afirmam ainda que as restrições ao mencionado
ato político se encontram delineadas no art. 87 da Carta Magna, estando direcionadas ao
destinatário do cargo, o qual deve preencher os seguintes requisitos cumulativos: 1) ter
nacionalidade brasileira; 2) possuir idade mínima de 21 anos; e 3) estar em pleno gozo de seus
direitos políticos. O nomeado se encontra em pleno exercício dos direitos políticos, é maior de
21 anos e possui nacionalidade brasileira. Nesse diapasão, satisfaz os requisitos para
nomeação ao cargo de Ministro de Estado.
A mera existência de investigação ou processo criminal não tem o condão, de per si,
de obstaculizar sua nomeação, em atenção ao princípio da presunção de inocência. Somente o
trânsito em julgado de sentença condenatória em ação penal poderia implicar na suspensão
dos seus direitos políticos e, consequentemente, seria causa impeditiva da nomeação,
consoante diz o art. 15, inciso V, da Constituição Republicana.
O tema ganhou relevo após a suspensão do segredo de justiça dos autos de processo
da operação Lava-Jato, vindo ao conhecimento público conversações entre o ex-Presidente e
interlocutores, dentre os quais a atual Presidente da República, a qual afirmou que estava
encaminhando o seu termo de posse, que deveria ser utilizado “em caso de necessidade”137.
137 “DILMA: Alô. LILS: Alô. DILMA: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
117
Afirmou a Presidência da República em nota oficial que enviou antecipadamente o
termo de posse tão somente para que o nomeado assinasse previamente, tendo em vista que
uma eventual ausência à solenidade não impediria a concretização da sua assunção para o
cargo de Ministro de Estado138.
Portanto, o decreto de nomeação do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o
cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, sob aspecto formal, não contém vício.
Reveste-se de aparência de legalidade.
Não obstante a regularidade formal, há de se lembrar sobre o pressuposto teleológico
dos atos administrativos, a finalidade, a qual traduz a perseguição pelo administrador da
consagração do bem jurídico objetivado pelo ato. Fazendo um exame com a discussão central
deste trabalho, pode-se afirmar que a nomeação de um Ministro de Estado, além da
obrigatoriedade de atender o interesse público (sentido amplo), deve simultaneamente ser
realizado com o intuito de buscar uma maior eficiência da gestão pública da referida pasta
(sentido restrito) (DI PIETRO, 2015, p. 253).
Em se tratando de finalidade, aduz-se que é viciada quando o administrador pratica
ato em descumprimento do interesse público (sentido amplo) ou em desrespeito ao objetivo
diverso daquele explícito ou implicitamente previsto em lei139. O vício, embora relacionado às
intenções do gestor, é de natureza objetiva, visto que é suficiente para sua caracterização
apenas o descompasso entre a finalidade real e a legal (TÁCITO, 1974, p. 17-18). LILS: Fala, Querida. "Ahn" DILMA: Seguinte, eu tô mandando o "BESSIAS" junto com o PAPEL pra gente ter ele e só usa em caso de necessidade, que é o TERMO DE POSSE, tá?! LILS: "Uhum". Tá bom, tá bom. DILMA: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí. LILS: Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando. DILMA: Tá?! LILS: Tá bom. DILMA: Tchau. LILS: Tchau, Querida”. Diálogo interceptado transcrito no julgamento da liminar pelo Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança Coletivo n. 34.070/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes. 138 Em nota oficial a Presidência da República, por intermédio da Secretaria de Imprensa e Comunicação Social, divulgou para “conhecimento público, divulgamos cópia do termo de posse assinado hoje à tarde pelo ex-Presidente Lula e que se encontra em poder da Casa Civil. Esse termo foi objeto do telefonema mantido entre o ex-Presidente Lula e a Presidenta Dilma Rousseff, sendo, no dia de hoje, divulgado, ilegalmente, por decisão da Justiça Federal do Paraná. A Presidente assinará o documento amanhã em solenidade pública de posse, estando presente ou não o ex-Presidente Lula. A transmissão de cargo entre o Ministro Jaques Wagner e o ex-Presidente Lula foi marcada para a próxima terça feira. Trata-se de momento distinto da posse. Finalmente, cabe esclarecer que no diálogo entre o ex-Presidente Lula e a Presidente Dilma a expressão ‘pra gente ter ele’ significa ‘o governo ter o termo de posse’, assinado pelo Presidente Lula, para em caso de sua ausência já podermos utilizá-lo na cerimônia de amanhã. Por isso, o verbo não é ‘usa’ mas sim o governo usar o referido termo de posse. Assim, o diálogo foi realizado com base nos princípios republicanos e dentro da estrita legalidade” (MATOSO, 2016). 139 A caracterização do desvio de finalidade pode se dar em seus dois sentidos – amplo e restrito – de modo que se pode concluir que o conceito legal de desvio de finalidade ou de poder, constante no art. 2º, parágrafo único, “e”, da Lei n. 4.717/1965, está incompleto (DI PIETRO, 2015, p. 288).
118
Retornando para o cerne deste artigo, sabe-se que a nomeação do ex-Presidente
ocorreu logo após uma série de acontecimentos em seu desfavor (oferecimento de denúncia e
pedido de prisão pelo Ministério Público de São Paulo, encaminhamento da denúncia e
representação de sua prisão para o caso “Lava Jato” após o declínio de competência da Justiça
Paulista, cumprimento de mandado de condução coercitiva em seu desfavor, cumprimento de
mandado de busca domiciliar em sua moradia, delações premiadas invocando expressamente
seu suposto envolvimento etc.).
Como se não bastasse, um outro fato merece destaque: a antecipação de sua posse
do dia 22 para o dia 17 de março de 2016, isto é, logo após a divulgação de diálogos do
nomeado e interlocutores que geraram diversas indagações, inclusive sobre a finalidade real
de sua nomeação, que seria o atendimento de interesse particular, muito discrepante com as
funções de um Ministro de Estado.
Embora não se examine a licitude dos diálogos, é preciso mencionar que a
interceptação telefônica deferida judicialmente gozava de presunção de legitimidade, de modo
que os indícios extraídos do contexto probatório conduziram a Procuradoria-Geral da
República e o próprio Supremo Tribunal Federal, este em caráter liminar, a se manifestarem
no sentido de que o decreto presidencial padecia de desvio de finalidade, porquanto
objetivava conferir foro por prerrogativa de função ao nomeado, em uma afronta ao princípio
do Juiz Natural, contido no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, ambos da Constituição, cujos
pilares são a imparcialidade, competência e a aleatoriedade140.
O desencadeamento dos fatos e a nomeação e posse repentinas demonstram que
uma das finalidades do ato, senão a principal, era de conferir foro por prerrogativa de função
ao ex-Presidente, vez que todas investigações e processos conduzidos em sede de primeira
instância seriam remetidas imediatamente ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-
Geral da República, por força do foro por prerrogativa de função previsto no art. 102, I, “c”,
da Carta Republicana.
Acrescenta-se que é de conhecimento generalizado que as ações penais de
procedimento originário em tribunais, regido pelos termos da Lei n. 8.038/1990, em
contraposição ao Código de Processo Penal conduzido por juízes de primeira instância,
normalmente se desenvolvem com maior complexidade e morosidade, cujos atrasos podem
140 As decisões do Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança Coletivo n. 34.070/DF e n. 34.071/DF, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
119
frustrar eventual condenação, levando-se em conta ainda que o ex-Presidente já conta com
mais de 70 anos de idade141.
Desse modo, afirma-se que houve desvio de finalidade porque “o fim de interesse
público vincula a atuação do agente, impedindo a intenção pessoal” (MEDAUAR, 2013, p.
157). Assim, o ato administrativo praticado com objetivo diverso do interesse público ou
específico em lei é viciado. No caso, busca-se frustrar persecução penal da operação “Lava
Jato”.
Embora um pouco extenso, para os padrões que se propõe este trabalho, é
imprescindível citar os ensinamentos de Vladimir Passos de Freitas (p. 3, 2016), onde trabalha
com maestria peculiar às situações de efetivo desvio de finalidade daquelas em que o foro por
prerrogativa de função é uma mera consequência do ato administrativo:
Por exemplo, imagine-se que um médico renomado, portador de títulos acadêmicos, seja convidado para assumir a Secretaria de Saúde do Estado e que responda, no Juizado Especial Criminal, pelo crime de lesões corporais leves, em virtude de um soco desferido em seu vizinho em meio a uma acalorada discussão em assembleia de condomínio. Seria ridículo imaginar que a indicação de seu nome visava subtrair do JEC a competência para processá-lo, passando-a ao Tribunal de Justiça. No entanto, diversa será a situação se a indicação for feita a um dentista envolvido em graves acusações de estupro de pacientes para ocupar o cargo de ministro dos Transportes, no momento exato em que o Tribunal de Justiça julgará apelação contra sentença que o condenou a 20 anos de reclusão. Aí o objetivo será flagrantemente o de evitar o julgamento pelo TJ e a manutenção da sentença condenatória e a sua execução imediata, transferindo o caso para o Supremo Tribunal Federal. O ato administrativo será nulo por evidente desvio de finalidade.
Nesses termos, “independentemente de qualquer outro vício, se o ato foi praticado
contrariando a finalidade legal que justificou outorga de competência para a prática do ato, ele
é nulo.” (FURTADO, 2007, p. 303). As situações de desvio de finalidade se manifestam pela
execução de uma conduta que aparenta estar em conformidade com uma determinada norma
que confere poder à autoridade (regra de competência), todavia, ao seu final, implica em
resultados absolutamente incompatíveis com o escopo constitucional desse mandamento,
razão pela qual é ilícita.
Nota-se que a finalidade primordial da nomeação, conquanto possuísse aparência
regular, tinha finalidade preponderante de atender interesses particulares, qual seja: evitar a
141 Diga-se que o art. 115 do Código Penal reduz de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos. De modo que um eventual julgamento tardio do ex-Presidente poderá resultar na perda do direito estatal de punir pelo decurso do tempo.
120
prisão cautelar do ex-Presidente naquele momento. É outro caso típico de corrupção não
convencional e, portando, de violação escancarada ao princípio anticorrupção.
121
CONCLUSÃO
O Brasil tem sido cenário nos últimos anos de uma série de escândalos envolvendo
questões relacionadas à corrupção, geralmente ocasionada pela confusão entre interesses
públicos e privados, em que estes tendem a prevalecer excessivamente sobre aqueles. Esse
fato constitui um abalo aos postulados básicos que nortearam o surgimento da forma de
governo republicana.
A outrora pacificidade do brasileiro paulatinamente foi se desvanecendo até propiciar
o atual clima de discussão política sobre a ética e o destino do país que vem sendo debatido
no cotidiano, impulsionados pela mídia, internet e, principalmente, massificação do uso de
redes sociais.
Uma inquietude toma conta do país, levando indivíduos sem pretensões político-
partidárias as ruas em prol do respeito à coisa pública. É notória a eclosão de uma forte
demanda social em repúdio à corrupção.
A história demonstra a existência de uma relação direta entre as demandas sociais e o
surgimento de direitos. A própria história da República condiz com a evolução dos direitos
fundamentais, na medida em que foi idealizada e consolidada como uma medida necessária às
invasões arbitrárias do poder público e uma forma mais democrática de Governo.
Em um primeiro momento, exigiu-se do Estado uma postura negativa, não invasiva à
esfera de direitos dos indivíduos. Contudo, mais a frente, verificou-se a necessidade de uma
atuação proativa do poder público visando à efetivação de direitos fundamentais. Atualmente,
passa-se a uma fase em que se discute a legitimação das ações estatais, de modo a convocar os
cidadãos para um amplo e sincero debate sobre as decisões que envolvem os interesses
públicos. Assim, vislumbra-se que a cada fase evolutiva dos direitos fundamentais, um novo
clico de direitos surgia e se acoplava aos anteriores, conferindo maior efetividade aos
reclamos do momento, que variam no tempo e espaço. Na atualidade do país, conclama-se à
expurgação dos males advindos com a corrupção.
No entanto, vislumbra-se que não se trata de tarefa simples e fácil, em especial, em
um país cuja corrupção se encontra fortemente enraizada, cuja concepção e crescimento do
Estado Brasileiro, desde a época colonial até os dias vigentes, ocorreram em um ambiente
prolífero ao desrespeito egoístico à coisa pública. Cada mudança política profunda no Brasil
sempre foi acompanhada paradoxalmente das antigas e repudiadas práticas que maculavam a
coisa pública em prevalência de interesses particulares. Assim, a preocupação com a
probidade assume contornos mais evidentes para a concretização dos direitos fundamentais.
122
Corroborando essa necessidade ímpar e a deslocando para o contexto iniciado após a
redemocratização com a Constituição de 1998, vislumbra-se indubitavelmente que um dos
principais anseios sociais, manifestados no cotidiano, é o combate efetivo à corrupção e
práticas similares moralmente condenáveis. A implementação de medidas jurídicas que
contemplem o respeito à coisa pública é uma demanda atual brasileira. Pugna-se, portanto,
por uma administração honesta e legal.
O cidadão tem direito à administração honesta e legal, aqui chamada de proba, que
possui status de norma constitucional em virtude de estar prevista em diversos dispositivos da
Constituição, em convenções e tratados internacionais e em normas infraconstitucionais.
Esse direito traduz no único caminho possível para a concretização do princípio da
dignidade da pessoa humana na seara da administração, conferindo ao homem uma existência
com um mínimo de dignidade.
Observa-se que o problema debatido tem como pilar a relação entre o interesse público
e privado. Diante das tensões entre ambos, a doutrina contemporânea tem impugnado o
modelo tradicional da supremacia do interesse público desde que este assumiu perspectiva
especial e relevante com o advento da Constituição de 1988, vez que consagrou a
administração proba como um direito fundamental do cidadão.
Ressalta-se que não se pretendeu reviver o clássico paradigma da supremacia do
interesse público. Entrementes, não se pode simplesmente relegá-lo a um plano inferior com o
argumento de se opor a outros direitos individuais, alterando, em algumas situações, o
entendimento outrora firmado sob a alegação de resguardar direitos individuais. De igual
modo, é desarrazoado.
Atualmente, muito se debate sobre a inexistência da preponderância do interesse
público sobre o privado. Entretanto, falta o mesmo fulgor para a análise das consequências a
médio e a longo prazo do sacrifício do interesse público quando levado aos excessos. Caso
essa tendência se mantenha, certamente o Estado não terá as mínimas condições de manter o
mesmo aparato estrutural, financeiro e jurídico indispensáveis para a concretização dos
direitos fundamentais de todos outros cidadãos, em um futuro não tão distante.
Buscou-se neste trabalho uma proposta pacificadora para esse paradoxo através da
reconstrução do conteúdo e alcance do interesse público à luz da demanda social brasileira
atual, tomando como parâmetro, para tanto, a hermenêutica filosófica. Nela, conceitos como
linguagem, historicidade, tradição, fusão de horizontes e compreensão reconstroem a forma
como o cidadão se enxerga inserido no ambiente republicano, assim como seu papel social e
sua responsabilidade política.
123
Nesse raciocínio, é imprescindível atentar para as peculiaridades da historicidade
brasileira no tocante à proliferação do ambiente corrupto e imoral na administração pública e
da ineficácia dos respectivos instrumentos de controle e fiscalização, ainda que previstos na
Constituição.
Assim, observou-se que a compreensão do intérprete tais situações, obtida no diálogo
entre campos de horizontes distintos, de forma geral não está efetivamente atingido a
finalidade da norma constitucional.
Nessa conjectura, a hermenêutica filosófica assume papel fundamental para a
compreensão do Direito. Longe de se pretender à elaboração de um método infalível, capaz de
ser aplicado com neutralidade e que conduza o jurista a um sentido preexistente da norma, a
hermenêutica filosófica desenvolve estratégias úteis à concretização do direito do cidadão à
administração proba.
É notório que o regime jurídico vigorante nas normas que dizem respeito à
administração proba, consagrados pela ordem constitucional, não se têm revelado
instrumentos idôneos para satisfazer essa nova demanda, de tal modo que é imprescindível
uma releitura significativa do interesse público, com supedâneo na hermenêutica filosófica,
conferindo força normativa suficiente para deflagrar toda sua eficácia no ordenamento
jurídico e social do país.
Esse assunto merece atenção especial em se tratando de casos em que são discutidas
a violação aos postulados da administração proba, visto que é frequente a adoção nos
Tribunais de interpretações que desprestigiam o interesse público em prol de garantias
individuais dos seus supostos violadores, servindo, na prática como instrumento de
impunidade nos ilícitos de colarinho branco e congêneres.
Malgrado a crise de respeito à coisa pública que culminou em uma série de
acontecimentos negativos a nível nacional, é possível a percepção de efeitos benéficos, como
a criação de um ambiente favorável a transformações sociais positivas. É uma oportunidade
ímpar de evolução. Dessa nova realidade significativa, em conformidade com o contexto
histórico-linguístico nacional, abre-se um maior caminho para a irradiação dos seus
postulados em toda administração pública, direta e indireta e de qualquer dos Poderes
constituídos, bem como nas relações com os particulares e nas destes entre si.
De conseguinte, a própria compreensão do Direito não deverá se esquivar dessa nova
realidade, obviamente compatibilizando com demais normas jurídicas ou mediante o recurso
da ponderação quando o intérprete tiver que fazer escolhas de normas plausíveis para o caso
concreto.
124
A administração proba é necessária e relevante, notadamente para a concretização de
uma existência humana com o mínimo de dignidade pelo Estado, mas, em um governo
republicano, cujo núcleo essencial exige o respeito aos interesses públicos, inclusive com uma
demanda social pela reconstrução de seu significado, é preciso ir além. É nesse além que irá
emergir o princípio anticorrupção.
Trata-se de princípio constitucional implícito e autônomo, decorrente do arquétipo da
Constituição, erguido em um regime democrático, sob forma republicana e em consagração
da administração proba como direito fundamental. Sua concretização é uma necessidade
premente diante do contexto histórico-linguístico brasileiro, fundamentado e dando sentido à
República e centralizando a luta contra corrupção no centro de todo ordenamento jurídico.
Assevera-se que o princípio anticorrupção é mais abrangente do que o da
administração proba porque não se limita à corrupção convencional (quid pro quo), em que
para configuração do ilícito é preciso que se prove a existência, ao menos, de um negócio
explícito e específico. Contempla também situações não convencionais, em que são comuns a
interferência do poderio econômico e outros fatores na esfera de atuação pública.
Conclui-se, assim, dois pontos fundamentais: 1) a concretude do princípio
anticorrupção depende de um modelo amplo da compreensão sobre o que seja corrupção; e 2)
o princípio anticorrupção é detentor de uma liga inseparável da República, possuindo uma
amplitude maior do que o princípio da administração proba.
O princípio anticorrupção, em sendo imanente da República, possui dois
pressupostos cumulativos: 1) a da moralidade política; e 2) a da estrutura normativo político-
jurídico. As duas devem ser conjugadas em uma relação simbiótica para a concretização do
princípio anticorrupção. Faltando-lhe, a outra não terá a capacidade, de per si, de consagrar o
princípio anticorrupção. Veja-se que o Brasil possui toda uma estrutura normativa político-
jurídica consagrada na Constituição de 1988, em leis e em tratados e convenções
internacionais, além de todas disposições administrativas que regem o serviço público. A
moralidade política, por sua vez, está relacionada ao sentimento cívico do cidadão pela
República, pela sua responsabilidade na fiscalização e utilização da coisa pública também é
dos cidadãos como integrantes da sociedade.
Portanto, a existência de apenas a estrutura sem a moralidade política impregnada
nos cidadãos, trocar-se-á os corruptos e corruptores por outros. O princípio não visa
repressão, mas a adoção de práticas efetivas que reduzam os índices de corrupção a níveis
toleráveis. Por outro lado, a presença da moralidade política sem a estrutura pode conduzir à
demagogia, na medida em que os agentes públicos e particulares envolvidos com a corrupção
125
profeririam um discurso em prol da moralidade pública, mas confiando na impunidade em
razão da inoperância da estrutura. Uma vez constatada a moralidade política, a estrutura será
reforçada. Trata-se de um movimento de mão dupla, dinâmico. Um reforça o outro. Atenta-se
que a afloração da moralidade política na sociedade também incidirá no agente público, tanto
em seu dever de ser honesto e mais eficiente possível como também na busca para isso.
A concretização do princípio anticorrupção surge como o caminho mais eficiente ao
atendimento da demanda brasileira, diante do panorama atual, ampliando o alcance de
preservação da coisa pública para situações além da estrita corrupção, todavia, requer, além
de uma estrutura legal, a conscientização do cidadão em assumir o seu papel de ator político
responsável, fiscalizador e transformador da sociedade.
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