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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA 1 O ESPAÇO RURAL E SUAS NOVAS DINÂMICAS: Macaé como estudo de caso João Víctor Faria de Sousa 1 Resumo A atual pesquisa apresenta como principal objetivo a (re) formulação de diretrizes para uma melhor inteligibilidade tanto do conceito de espaço rural quanto das atuais políticas de gestão do/ no mesmo, (particularmente no Município de Macaé), tendo em vista que estas são balizadas e direcionadas a partir do conceito inicialmente citado. Em um primeiro momento iremos demonstrar, além de um pequeno resgate histórico, duas vertentes teóricas que nos auxiliam ao entendimento das atuais dinâmicas nos espaços rurais. Posteriormente, trabalharemos essa dinâmica mais enfaticamente com o recorte espacial proposto, inserindo o conceito “território” como balizamento desta observação. Por fim, a metodologia está direcionada em leituras de acordo com a temática apresentada, além de uma série de trabalhos de campo, de maneira que a relação entre teoria e prática seja aplicada de forma harmônica e não conflitante. Palavras-chave: Rio de Janeiro, Macaé, Espaço rural. 1 Graduando do 7º período no Curso de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

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II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA

1

O ESPAÇO RURAL E SUAS NOVAS DINÂMICAS: Macaé como estudo de caso

João Víctor Faria de Sousa1

Resumo

A atual pesquisa apresenta como principal objetivo a (re) formulação de diretrizes para uma

melhor inteligibilidade tanto do conceito de espaço rural quanto das atuais políticas de gestão do/

no mesmo, (particularmente no Município de Macaé), tendo em vista que estas são balizadas e

direcionadas a partir do conceito inicialmente citado.

Em um primeiro momento iremos demonstrar, além de um pequeno resgate histórico, duas

vertentes teóricas que nos auxiliam ao entendimento das atuais dinâmicas nos espaços rurais.

Posteriormente, trabalharemos essa dinâmica mais enfaticamente com o recorte espacial

proposto, inserindo o conceito “território” como balizamento desta observação.

Por fim, a metodologia está direcionada em leituras de acordo com a temática apresentada, além

de uma série de trabalhos de campo, de maneira que a relação entre teoria e prática seja aplicada

de forma harmônica e não conflitante.

Palavras-chave: Rio de Janeiro, Macaé, Espaço rural.

1 Graduando do 7º período no Curso de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

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1. Alguns balizamentos para o entendimentos das atuais dinâmicas no espaço rural

A hegemonia do ideário urbano sobre o rural, é um processo histórico/ geográfico de

longa data, o qual Graziano da Silva (1999, p.2) nos ilumina acerca desta questão ao afirmar que:

A utilização que os autores clássicos (como por exemplo, Marx e Weber) davam ao corte

urbano/rural relacionava-se ao conflito entre duas realidades sociais diferentes (uma em

declínio, outra em ascensão) em função do progresso das forças capitalistas que

minavam a velha ordem feudal. A dicotomia urbano-rural procurava representar,

portanto, as classes sociais que contribuíram para o aparecimento do capitalismo ou a ele

se opunham na Europa do século XVII e não propriamente um corte geográfico.

A idéia acima é fundamental em nossa teorização. O ideário de ascensão de uma elite

burguesa estritamente caracterizada como urbana e/ ou industrial, em contraponto a uma parcela

decadente da população, uma aristocracia feudal relacionada de forma direta ao rural, é a situação

espacial vigente neste momento.

A afirmação da burguesia como agente hegemônico neste processo, antes personificado

pela aristocracia rural, é a mudança básica para o atual entendimento dos espaços rurais e ainda, a

idealização do campo como atrasado, retrógrado contraponto ao urbano desenvolvido, símbolo do

progresso, é um dos processos marcantes, o qual nos é caro neste momento. Em conseqüência a

esse processo, a chamada “dicotomia rural/ urbano”, caracterizada por uma situação de exclusão

entre ambos os meios, como visto na citação acima se torna mais que uma questão estritamente

de delimitação física entre espaços, refletindo assim, mais propriamente como uma questão de

representações de interesses inerentes a essa diferenciação. Este debate acarretou na formulação

de uma série de teorias, dentre as quais destacamos o chamado viés clássico marxista, que

observa o meio rural meramente como um espaço de expansão citadino, corroborando a uma

pretensa homogeneidade sócio espacial futura, caracterizada somente por ideais e materializações

urbanas sobrepostas aos espaços rurais, a qual discordamos.

Este tipo de visão sobre os espaços rurais, refletindo-os como mero apêndice e/ ou

contínuo do meio urbano, e muita das vezes como um simples local de acumulação primitiva de

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capital, ou seja, um logradouro onde as relações capitalistas de produção ainda não se tornaram

hegemônicas, (principalmente quando consideramos o trabalho assalariado como relação capital-

força de trabalho predominante), acaba por condicionar definições errôneas e/ ou precipitadas

acerca do meio rural.

Neste sentido, o termo agrícola é entendido como a imagem de todo aparato técnico e

produtivo que encontramos no meio rural, ou seja, o uso de máquinas, insumos, as diferentes

formas de lida com a terra, etc. Com isso, o que pretendemos enfatizar neste momento, é que o

agrícola deve ser compreendido como sinônimo de toda carga material a qual é parte integrante

de uma definição maior e mais complexa: espaço rural.

O grande problema a ser demonstrado é justamente o uso do termo “agrícola” de forma

totalitária, ou seja, a visão clássica desta questão relega toda a carga imaterial e subjetiva

inerentes aos espaços campesinos. Com isso o meio rural segundo este viés clássico, torna-se

limitado simplesmente ao agrícola.

Em detrimento a esta visão, o conceito de espaço rural emerge como uma opção mais

fluida e de acordo com toda a complexidade a qual esta questão agrega. Com isso, considera

características que vão além, mas ao mesmo tempo estão estritamente conexos ao agrícola.

É importante salientar que ao lidarmos com subjetividades e/ ou características ditas

incomensuráveis, agregamos alguns problemas de cunho estrutural, principalmente quando

estamos imersos na discussão do “ser ou não ser ciência”, ou seja, considerar ou não como

plausíveis estudos que rompam com uma visão estritamente positivista2, delimitada, rígida, e

considerar o imaterial e/ ou o não-comensurável como objeto de estudo científico.

O que propomos neste trabalho é que pensemos bem na linha de Morin (2000):

considerando o complexo, o que vai além e que ao mesmo tempo abarca a materialidade, não

como sinônimo de dificuldade e/ ou estagnação científica, mas sim como uma outra forma, uma

alternativa ao “fazer ciência”.

Posto isso, nos debruçaremos a demonstrar de acordo com Rua (2005), duas vertentes

analíticas que atualmente se propõem a nos elucidar a questão dos espaços rurais. Não

2 Não consideramos o positivismo como uma doutrina ultrapassada, que deva ser sobreposta por outra, justamente porque o positivo nos indica uma das formas plausíveis do “pensar” ciência. Propomos sempre o ideário da complementariedade e não da exclusão.

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pretendemos construir uma delimitação rígida entre essas duas visões, mesmo porque entre cada

uma delas existem diferenças substanciais.

Com isso, de acordo com Rua (2005, p. 17) a primeira vertente:

(...) parece juntar Henri Lefebvre (1986,1999a, 1999b, e 2001), Milton Santos (1993),

Octávio Ianni (1996), José Graziano da Silva (1999) como exemplos de uma certa leitura

das formulações marxianas e marxistas, a respeito das relações cidade-campo. Embora

com diferenças significativas nas suas posições, decidimos colocá-los juntos na linha

denominada “abordagem clássica.3

De forma geral, podemos considerar que esta abordagem prima por considerar o

desaparecimento do rural como uma sina inexorável, ou seja, tendenciam a um ideário

homogenizante do espaço geográfico, frente ao processo incessante de urbanização que apresenta

seu núcleo difusor no meio citadino. É neste contexto que inserimos o conceito de urbanização do

rural, ou seja, as particularidades deste tendem a modificações tão abruptas, que acarretam em

uma caracterização do espaço rural como um reflexo do meio urbano. Outro ponto fundamental

nesta discussão para que relativamos essa total (des) caracterização do meio campesino, é a

questão do uso de conceitos como escala e território. Estamos totalmente de acordo com Rua

(2005), quando nos indica que apesar de haver realmente uma escala de urbanização que abrange

todo território, isso não exclui o rebatimento deste processo quando consideramos um outra

escala, a local, que apresenta suas próprias apreensões e/ou representações de local/global,

interno/externo e rural/urbano. É justamente neste sentido, que enfatizamos a necessidade de um

enfoque tanto territorial, no sentido de abranger as diferentes “leituras espaciais” sem que se

excluam entre si, quanto um visão multi e interescalar.

Com isso, nossa crítica este ideário ainda reside em algumas das características mais

básicas do capitalismo, que há muito deixou de se caracterizar estritamente como um modo de

produção, agregando características imateriais e/ou espirituais como Weber (2004) e Ianni (1993)

nos demonstram com tanta clareza.

3 Para uma apreensão com maior enfoque em cada um dos autores das citadas vertentes, indicamos a leitura de Rua (2005) citado na bibliografia deste trabalho.

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A dialética entre igualização/ diferenciação, criação/destruição/(re)criação, nos indica a

um pensamento que vá além da unilateriedade, em direção à aceitação do difuso, do

contraditório.

Neste sentido, sem sombra de dúvidas, consideramos todo ideário urbano/industrial, na

égide da atual (re) formulação dos espaços rurais, inclusive o Macaense. Com isso toda

individualidade, a busca incessante pela mais-valia, todo ideário “produtivista” justaposto à

grande maioria de ações cotidianas, a expansão de toda uma infra-estrutura construída

primordialmente por e para interesses urbanos/capitalistas, a quase inexistência de fixos escolares

dedicados às particularidades rurais, dentre outros fatores, nos tentam a determinar uma

igualização e/ou uma pretensa homogeneidade espacial. O importante neste momento é que não

desconsideremos por total este ideário, mas que o relativamos. Ao invés de pensarmos em uma

total e inexorável igualização, consideremos esse processo como uma “superficial

homogeneidade”. Observemos esse conceito como um simples véu, e/ou uma máscara, a qual

apenas encobre toda complexidade do real por detrás desta, mas que de forma concomitante, não

perde sua importância na formulação de toda essa “complexa realidade”.

A partir do momento que ultrapassamos esta superficialidade, observamos espaços

particulares, que agregam características essencialmente rurais, as quais vão desde a paisagem,

(marcada não por um ambiente natural e/ ou intocado, mas sim por artificialidades que a compõe,

mas que não a descaracteriza como tal), até o tocante de relacionamentos e formas cotidianas de

interações e conseqüentes apropriações espaciais.

Portanto, a dialética entre igualização/diferenciação fica clara neste instante.

Classificamos essa relação como dialética, justamente por não sermos capazes de determinar ao

certo se a busca pela igualização, promove de forma contraditória, justamente a emergência do

idiossincrático, ou se a intenção é justamente a produção do diferente, como estratégia de

acumulação de capital, podendo desta forma, criar uma outra arrumação espacial até a

formulação ou não, de uma pretensa homogeneidade desta. Essa incapacidade na determinação

desses fatores nos indicam a considerá-los como processos que atuam de forma concomitante no

espaço, desta forma, promovendo uma observação dialética deste processo.

Com isso, quando pensamos no modo capitalista de produção, e/ ou no “espírito de

capitalismo”, devemos atentar ao caráter extremamente volátil que este agrega. Este sistema é

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caracterizado pela sua grande desenvoltura em lidar com as constantes crises que a todo o

momento, clamam por respostas às suas demandas. Lembremos o modelo de produção em massa,

alicerçado em fixos industriais rígidos estritamente relacionados a uma intervenção Estatal

desenvolvimentista e de bem estar social, as quais acabam por moldar e/ou condicionar toda uma

sociedade através de instituições como a família, a escola, o hospital e o presídio. Estas

representações são processos-chave para a manutenção e entendimento desta forma de

acumulação até então vigente. A partir do momento que este modelo entra em crise, devido a

uma série de fatores, o modelo citado anteriormente é prontamente posto em cheque, e

paulatinamente entra em vigor uma nova ou (re) criada forma de acumulação, não só industrial,

mas também de cunho político e social que mudam de forma dramática as relações sócio-

espaciais, e de forma particular, as instituições citadas anteriormente. Do ponto de vista da

manutenção do capitalismo como sistema vigente, essa aparente relação dialética entre

destruição/(re)criação, promoveu o ultrapassar da crise que o punha anteriormente em xeque.

Portanto, as crises nada mais são do que um “termômetro”, ou seja, uma indicação das

insuficiências constantes e as necessárias des(re)construções do sistema.

Visto isso, determinar o fim do rural como tal, com argumentos que vão de encontro à

uma igualização do território, é desconsiderar o capitalismo como um sistema totalmente

complexo e contraditório, o qual não permite que diagnostiquemos com tanta clareza, atuações

territoriais tão simples como uma “pretensa” homogeneidade anteriormente citada.

Ao observarmos algumas indicações da primeira vertente de entendimento acerca dos

espaços rurais, acabamos por demonstrar nossas afirmações e pensamentos que certa forma vão

de encontro a esse tipo de entendimento. Neste sentido, a segunda vertente que será demonstrada

a seguir, está muito mais de acordo com nossas aspirações, mas com certeza algumas

considerações serão feitas. Com isso, segundo Rua ( 2005, p. 18):

Desta “vertente” vamos destacar um grupo de autores que, mesmo com enorme

diversidade, defende uma necessária ênfase no rural concentrada na idéia de “novas

ruralidades”. São eles: Maria José Carneiro, Roberto José Moreira, José Eli da Veiga,

Ricardo Abramovay e Sérgio Schneider.

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Esta vertente tende a considerar a permanência de especificidades do meio rural, mesmo

com a forte influência tanto de subjetividades quanto de materialidades advindas do meio

citadino. Neste sentido, o conceito de urbanização no rural nos é caro neste momento, pois

considera um rural ressignificado, que absorve características urbanas, mas não as reflete da

mesma forma.

Apresentando algumas diferenças entre si, de acordo com Rua (2005, p.19) esta vertente

pode ser, mesmo que arbitrariamente, delimitada da seguinte forma:

(...) para Carneiro (1998, 2003) e Moreira (1999, 2003, 2005), rural e urbano

correspondem a representações sociais alteradas, reelaboradas (ressignificadas, como

prefere Moreira), consoante o universo simbólico a que estejam referidas.

Já a posição de Schneider (1995,2003) e seu enfoque territorial do desenvolvimento

rural, auxilia-nos nas restrições efetuadas às posições de Ricardo Abramovay

(2000,2001) (mesmo considerando-o como fundamental para nossa discussão) e José Eli

da Veiga (2001, 2004), por se basearem em abordagens normativas e funcionais, como a

classificação da OCDE.

Apesar de estarmos totalmente de acordo com Rua (2005) com sua crítica ao autor

supracitado, quando nos indica a dificuldade de transportarmos categorizações espaciais

características de países europeus (OCDE), à realidade brasileira, particularmente a fluminense,

que apresenta características idiossincráticas à sua formação, como cerca de 95% da população

ser considerada urbana e deste montante cerca de 76% se situarem na Área Metropolitana4.

Somente por essas características já observamos a particular formação espacial do meio rural

fluminense, e a dificuldade de observações deste a partir de balizamentos ímpares, como a

OCDE. Neste sentido, esta justaposição de realidades e/ ou representações distintas,

conseqüentemente, acaba por relegar uma série de fatores que não podem ser identificados com

este modelo na égide de nossas observações.

Apesar desta ressalva, consideramos as observações de José Eli da Veiga (2001), como

fundamentais em nosso estudo, pois no chama atenção a uma revisão na atual identificação de

4 Propomos a leitura de Marafon (2005) para um maior aprofundamento nesta questão.

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espaços como urbanos ou rurais, nos incitando a uma reflexão bem enfática e/ ou emblemática,

no que tange a este assunto. Com isso, observemos Veiga (2001, p.6) na seguinte citação:

O entendimento do processo de urbanização no Brasil é atrapalhado por uma regra que é

única no mundo. O país considera urbana toda sede de município (cidade) e de distrito

(vila), sejam quais forem suas características estruturais ou funcionais. O caso extremo

está no Rio Grande do Sul, onde a sede do município União da Serra é uma “cidade” na

qual o Censo Demográfico de 2000 só encontrou 18 habitantes.

(...) De um total de 5507 sedes de municípios existentes em 2000, havia 1176 com

menos de 2 mil habitantes, 3887 com menos de 10 mil, e 4642 com menos de 20 mil,

todas com estatuto legal de cidade idêntico ao que é atribuído aos inconfundíveis núcleos

que formam as regiões metropolitanas, ou que constituem evidentes centros urbanos

regionais. E todas as pessoas que residem em sedes, inclusive em íntimas sedes distritais,

são oficialmente contadas como urbanas, alimentando esse desatino segundo o qual o

grau de urbanização do Brasil teria atingido 81,2% em 2000.

Consideramos este autor como fundamental na racionalização de nossos ideais, pois é um

dos poucos que nos mostra com clareza a potencial força do meio rural, frente a interpretações

equivocadas da atual formação urbana brasileira, ou seja, o Brasil não é tão urbano como nos é

passado. Com vimos acima, a autor se limita a dados fixos e/ou rígidos relegando de uma certa

maneira fatores imateriais, os quais são de suma importância para entendermos as atuais

dinâmicas nos espaços rurais. É justamente neste sentido que propomos, uma leitura não

excludente entre os diferentes autores, pois cada um apresenta formas idiossincráticas de

interpretação da realidade, as quais de forma conjunta, nos auxiliam em uma visão mais

detalhada acerca do assunto proposto.

2 . O espaço rural Macaense e suas novas dinâmicas

O presente estudo busca traçar diretrizes para uma melhor inteligibilidade tanto do

conceito de espaço rural quanto das atuais políticas de gestão do/ no mesmo, tendo em vista que

estas são balizadas e direcionadas a partir do conceito inicialmente citado. Desta forma, temos

como objetivo a (re)criação de alternativas e releituras referentes a esse conceito.

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Consideramos o uso do conceito tanto de espaço rural quanto o de espaço urbano, em

última análise, como empobrecedores da múltipla e complexa realidade espacial a qual estamos

imersos.

O uso unívoco desses conceitos remetem uma intangível e utópica tentativa uniformizante

de sistemas tanto de objetos, quanto de ações os quais não são passíveis de serem observados e

entendidos de forma regular. Os ditos espaços rurais estão se recriando a tal ponto, que colocam

em xeque os atuais paradigmas de entendimento dos mesmos.

Destarte, estamos defronte a espaços com realidades múltiplas (as quais se põem e

sobrepõem-se umas as outras) e conexas (ao ponto de objetos e/ou ações até então considerados

antagônicos, só serem apreendidos em sua plenitude, justamente por suas interações). Com isso,

nossos estudos e reflexões devem tender ao descolamento deste viés positivo de apreensão

espacial exposto anteriormente e serem direcionados a aceitação e a compreensão da complexa e

múltipla realidade espacial.

A partir da interação com aspectos essencialmente citadinos e/ou industriais,

principalmente a partir da década de 60 com a chamada Modernização Conservadora, os espaços

rurais brasileiros e fluminense em grande parte, sofrem uma série de mudanças, dentre elas a

absorção das chamadas urbanidades, as quais, segundo RUA (2002, p.34) devem se entendidas

como:

... todas as manifestações do urbano em áreas rurais sem que se trate esses espaços

formalmente como urbanos. Não se pretende criar conceitos novos que obstaculizem,

mais ainda, a discussão, mas indicar que o conceito de urbanização rural dificulta a

compreensão dos processos em curso; que a urbanização, difusa, ideológica/cultural,

como já foi referido, dificilmente pode ser mensurada; enquanto a idéia de “novas

ruralidades” parece-nos enfatizar por demais a força do rural diante do urbano que, sem

dúvida, comanda o processo de reestruturação espacial no mundo contemporâneo.

Apesar deste processo de absorção e imbricação de valores urbanos e rurais, ter em sua

égide justamente às manifestações citadinas sobre as campesinas e ainda, tender a homogeneizar

os espaços, o que devemos ter claro é que o espaço rural mantém suas características básicas. O

espaço rural internaliza valores do espaço urbano, mas não os refletem da mesma forma.

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Visto isso, neste momento buscamos materializar o nosso principal objeto de estudo no

espaço geográfico, de forma a inserir os espaços rurais, particularmente, de acordo com um

dentre os inúmeros conceitos da ciência geográfica. Nos recorreremos ao conceito de território,

que nada mais é que uma forma de manifestação e/ ou apropriação espacial. Neste sentido, de

acordo com Haesbaert (2004, p.79):

Fica evidente (...) a necessidade de uma visão de território a partir da concepção de

espaço como híbrido – híbrido entre sociedade e natureza, entre política, economia e

cultura, e entre materialidade e “idealidade”, numa complexa interação tempo-espaço

(...). Tendo como pano de fundo esta noção “híbrida” (e, portanto, múltipla, nunca

indiferenciada) de espaço geográfico, o território pode ser concebido a partir da

imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações

econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente

cultural.

A importância deste conceito como embasamento teórico de nosso estudo é justamente a

sua fluidez conceitual. Ao mesmo tempo em que valoriza uma série de características

essencialmente subjetivas não relega o viés material do espaço, seja ele econômico, político,

infraestrutural, etc. A possibilidade de considerarmos de forma harmônica e não conflitante as

relações materialidade/subjetividade, pragmatismo/teoria, é o que embasa e motiva nossas

reflexões.

A seguir é demonstrado a partir de um pequeno esquema, como este conceito pode ser

inserido nesta discussão.

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Organização: João Victor Faria de Sousa

O esquema acima nos remete a dificuldade de considerarmos de forma unívoca tanto os

espaços rurais quanto urbanos. Da mesma forma que espaços campesinos atribuem e agregam

características essencialmente urbanas, os espaços citadinos também assimilam determinados

objetos e símbolos rurais. A idealização do espaço rural, como bucólico, como “vávula de

escape” a toda racionalidade e desgaste que o meio urbano de certa forma produz e reproduz no

individuo, pode ser considerado como um exemplo desses símbolos rurais.

Devemos considerar que a influência do meio urbano sobre o rural pode ser identificado

de forma mais enfática e preponderante tanto por um viés empírico quanto subjetivo. Contudo,

essa idéia não exclui a influência em menor escala, mas significativa de ideários campesinos no

meio citadino.

Outra característica fundamental contida no conceito de território é a questão das relações

de poder que (re) criam-se em seu interior. Além de considerar estas relações em escala macro

(Estado x população, por exemplo) e a série de hierarquizações e subjugações que produzem, não

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relega a existência de relações em escalas menores e/ou locais, como as relações de poder e suas

conseqüências territoriais entre um sindicato e seus associados, uma associação de moradores e

seus componentes e principalmente a territorialização individual e seu rebatimento sobre o

espaço coletivo nos incitando a uma observação espacial tanto multiescalar, quanto interescalar, a

qual será um dos principais embasamentos deste trabalho.

Voltando nossas atenções ao esquema, podemos observar que características de ambos os

espaços extrapolam seus limites territoriais. A partir de uma visão unilateral, onde demarcamos e

limitamos estas influências em 2 pilares (rural/urbano), consequentemente é perdida boa parte da

abrangência e complexidade desses fatores.

Como resgate a essa insuficiência teórica o conceito de território apresenta uma

flexibilidade fundamental nesse sentido.

Um território não necessariamente deve apresentar uma regularidade físico/espacial para a

observação e/ou materialização do mesmo, ou seja, demarcações regionais, estaduais, municipais,

distritais, etc, não são o ponto de partida para uma construção territorial. Esta pode extrapolar os

limites anteriormente citados, e desta forma considerar uma gama muito maior de fatores que

influenciam determinada localidade, mesmo estes não estando em uma determinada continuidade

espacial.

Neste sentido, o que defendemos é que imersos em um processo de descompressão

espaço-temporal5, ou seja, em conseqüência da difusão em escala global de aparatos tecnológicos

que facilitam e potencializam a velocidade da troca de informações e/ou objetos, e ainda, com a

emergência do processo de (re) criação das bases produtivas como alternativa as insuficiências de

formas de produção pretéritas6, a forma verticalizada de organização produtiva vem

paulatinamente perdendo sua eficácia e legitimando a emergência de um processo de

horizontalização de cunho multiescalar e interescalar7 desta (des) arrumação espaço-produtiva.

5 O uso deste conceito remete a um enfoque maior que este estudo direciona as bases locais. Este termo deve ser entendido de forma conexa com o conceito de compressão espaço-temporal, cunhado por Harvey (1996), que enfoca os processos advindos da base global, ou seja, uma visão mais holista deste processo. Ambos os conceitos, longe de se excluírem, devem ser observados pela sua complementariedade. 6 Não defendemos o fim do chamado fordismo e a materialização absoluta do pós-fordismo. Pelo contrário, consideramos que ambos coexistem na atual arrumação produtiva. 7 O conceito de multi/interescalaridade deve ser entendido no sentido do uso dos conceitos de base local e global, que inúmeras vezes são tratados de forma desconexa entre si. Um espaço multi/interescalar é caracterizado justamente pela conexão entre as escalas anteriormente citadas, ou seja, devemos considerar sempre o diálogo tanto

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Além do viés produtivo, consideramos que essa horizontalização deva ser vista quando

nos remetemos à questão da facilidade que aparatos tecnológicos (as supervias de informação,

neste sentido principalmente sistemas de mídia como televisão, rádio e cinema), fornecem para o

intercâmbio entre diferentes subjetividades, neste caso entre rural/urbanoo, oriundas de uma

urbanização segundo Rua (2002 p.34) difusa, ideológica/cultural e que dificilmente pode ser

mensurada .

É justamente neste momento, balizados na afirmações acima que apresentamos o

município de Macaé como placo de nossas reflexões.

Mapa 1: Localização do Município de Macaé no Estado do Rio de Janeiro

da base local para a global, quanto desta para a local, como fenômenos múltiplos, mas principalmente que ocorrem de forma concorrente e não dicotômica no espaço. E ainda o diálogo existente no interior das escalas anteriormente citadas e seu rebatimento com o “exterior”.

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Fonte: http://www.macae.gov.rj.br

Situado na região norte do Estado do Rio de Janeiro e apresentando 5 distritos8, o

município de Macaé apresenta como principal particularidade, dentre suas inúmeras atribuições,

o repasse dos royalties do petróleo como uma das principais fontes de renda do município. No

que concerne à produção agrícola, o espaço rural macense é composto predominantemente por

pequenas e médias propriedades, sendo a produção de banana a principal fonte de renda da

localidade.

8 Os distritos do município de Macaé são: Macaé (1ºdistrito), Córrego de Ouro, Glicério, Cachoeiras de Macaé e Sana.

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Gráfico 1:

Fonte: Censo Agropecuário 1996.

A produção agrícola do município vem perdendo sua importância na constituição do PIB ,

justamente a partir do ápice das atividades relacionadas à extração de petróleo. Até meados da

década de 80, Macaé poderia ser considerado como um município balizado basicamente na

agricultura, com quase 80% de seu PIB constituído por esta atividade. A partir de 1985 essa

importância descende de forma drástica, correspondendo no ano de 1996, a menos da metade da

importância que refletia em outrora.

Como já observamos, essa diminuição na produção agrícola, é resultado do intenso

aumento das atividades relacionadas à extração petrolífera. Esta atividade gera uma enorme

arrecadação ao município, que é paga em forma de “royalties”. De acordo com Barreto (2003, p.

33):

... os royalties são os valores pagos pelo uso e/ou exploração de recursos pertencentes a

terceiros. No caso das atividades petrolíferas, os royalties constituem uma

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“compensação financeira pela produção mensal de petróleo e gás natural” (Petrobras,

2001, p.19). Os critérios para o pagamento estão atrelados ao volume de produção dos

campos petrolíferos ou gaseíferos, ao número de habitantes e aos parâmetros do mercado

internacional.

A seguir podemos observar a evolução do PIB do município a partir de meados da década

de 70, quando mais precisamente no ano de 1978 inicia-se o repasse das quantias dos royalties ao

município, até sua constiuição (do PIB) no ano de 1996. Posteriormente é apresentado um quadro

referente aos municípios que mais se beneficiaram com este repasse. Vejamos:

Quadro 2: Evolução do PIB de Macaé

Ano Quantia referente ao PIB (Produto

Interno Bruto)

1975 R$ 156.756.873,20

1985 R$ 462.073.493,94

1996 R$901.129.251,11 Fonte: IBGE

Org.: SOUSA, 2005

Quadro 3: Municípios que mais receberam royalties - 1999 (R$1000) Municípios Royalties Porcentagem da

Arrecadação Municipal 1 Campos dos Goytacazes 48.851 51% 2 Macaé 34.958 38% 3 Rio das Ostras 17.714 46% 4 Quissamã 14.648 47% 5 Cabo Frio 13.312 21% 6 Armação dos Búzios 6.807 31% 7 Carapebus 6.207 44% 8 Casimiro de Abreu 6.115 25% 9 São João da Barra 5.413 49%

Fonte: CIDE, 2001

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Org.: BARRETO, V.S., 2004

Não pretendemos neste momento apresentar uma reflexão detalhada acerca da gênese e

continuidade deste repasse. O que enfatizamos é a importância deste para uma grande

transformação no município. Como visto acima, o PIB da localidade sofreu um aumento

vertiginoso em sua constituição, tendo como principal foco desta escalada, sem dúvida alguma, a

questão do repasse petrolífero que corresponde a quase 40% do total da arrecadação do

município.

Com uma prática de campo já efetuada à localidade, podemos observar empiricamente

este crescimento. Macaé é um espaço onde a prática de um olhar tanto multiescalar, quanto

interescalar anteriormente citado neste trabalho, pode ser observada de forma bem clara: uma

curta distância de no máximo 20 km separa uma propriedade rural bem caracterizada, por sinal

inserida no projeto frutificar do governo estadual, com uma produção de maracujá e em menor

escala de tangerina, situada bem próxima a uma feira de exposições acerca de produtos

petrolíferos que além de lidar com cifras enormes em transações, agrega um público inerente a

diferentes países. Em um mesmo espaço observamos uma base local enraizada, característica do

meio rural macaense, onde o produtor desde sua infância reside na localidade e produz nesta. De

forma concorrente observamos um grupo de interesses e indivíduos que pouco se identificam

com o espaço macaense, e que compõem a atual dinâmica daquele espaço. Além de frações da

base local e global estarem inseridas de forma concorrente no espaço geográfico, é importante a

reflexão das diferentes apreensões que obtivemos com algumas entrevistas, acerca de relações

como, local/global, geral/particular e rural/urbano. Para o produtor do local, suas observações se

limitam à localidade, aos laços de afetividade com esta e as atitudes do governo municipal e

estadual no que concerne a potencialização de sua produção. Para um “empresário do petróleo”, é

totalmente desconhecido qualquer atividade rural no município. Não queremos determinar aqui a

base local, como o produtor local e a global como o empresário. Seria um total contra-senso com

os objetivos da pesquisa. O que almejamos é ilustrar a necessidade de um enfoque difuso, com

um caráter de apreensão espacial, já explicitado anteriormente, pois sem dúvida alguma, tanto o

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produtor rural quanto o empresáro, constroem, considerando escalas de poder e atuações

espaciais distintas, o espaço geográfico macaense.

Portanto, pretendemos demonstrar que, as bases locais estão sofrendo um processo de

alongamento, ou seja, as suas construções sejam elas materiais e/ou imateriais, estão difundindo-

se a ponto de determinado espaço vivido ser influenciado e/ou entendido, a partir de uma série de

fragmentos alocados não somente em sua porção físico-territorial, mas em uma série destas, as

quais não necessariamente devam ser consideradas como porções fronteiriças a esta base local.

A partir desta teorização, tivemos como intenção, demonstrar de que forma uma visão

estritamente político-administrativa pode limitar o conhecimento das diferentes vertentes de

construção dos atuais espaços rurais, e ainda, a necessidade de uma apreensão multi / interescalar

quando pretendemos enfatizar um estudo menos uniformizante, tendendo a uma observação mais

ampla.

Nesta discussão acerca do plasma entre espaços campesinos e urbanos e ainda, como

efeito da constante urbanização em meios rurais, emerge o processo, (não tão atual assim como

nos indica Marafon (2004)9, denominado pluriatividades. De acordo com Marafon (2004, p.9):

As pluriatividades remetem a um fenômeno no qual os componentes de uma unidade

familiar executam diversas atividades com o objetivo de obter uma remuneração pelas

mesmas, que tanto podem se desenvolver no interior como no exterior da própria

exploração, através da venda da força de trabalho familiar, da prestação de serviços a

outros agricultores ou de iniciativas centradas na própria exploração – industrialização

em nível da propriedade, turismo rural, agroturismo, artesanato e diversificação

produtiva – que conjuntamente impliquem no aproveitamento de todas as

potencialidades existentes na propriedade e/ ou em seu entorno (Anjos, 2003). A

pluriatividade, portanto, não se trata de um fenômeno conjuntural, mas o resultado de

um amplo processo de transformação da agricultura, em correspondente sincronia com a

dinâmica da economia em geral e no marco da profunda reestruturação que atravessa o

modo de produção capitalista (Anjos, 2003).

9 O autor nos indica à lembrança de estudos como o de Kautsky e Chayanov, os quais já incitavam a estudos acerca de conceitos com “trabalho acessórios” e às “outras atividades não-agrícolas” que refletiam formas de complementação de renda dos pequenos proprietários rurais.

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Neste sentido, as famílias rurais, como forma de complementação de renda, buscam

atividades não-agrícolas, sejam elas localizadas no perímetro formalmente considerado como

rural ou não, para esta potencialização na renda do núcleo familiar.

Observamos no município de Macaé, justamente essa ida, principalmente dos filhos do

núcleo familiar em direção ao meio urbano, seja para atividades de cunho remunerativo e/ ou

estritamente intelectual, ou seja, o curso de escolas de ensino fundamental ou médio, cursos

técnicos ou Universidades.

A renda advinda dessas remunerações, tanto potencializam a produção agrícola do núcleo

familiar, quanto ajudam nas despesas que vão além do cultivo. Portanto, observamos essa relação

intrínseca e cada vez mais comum, entre os espaços urbanos e rurais.

Não consideramos que essa atividade seja uma das soluções e/ ou processos que podem

vir a suprir as demandas das populações rurais. Consideramos mais como uma estratégia de

sobrevivência, ou seja, uma necessidade mesmo que não voluntária, de manter em um nível

básico as necessidades do núcleo familiar.

3 – Conclusões

Ao considerarmos algumas das atuais dinâmicas no espaço rural macaense, enfatizamos a

necessidade de estudos que sejam particulares a esses processos. Portanto, esta pesquisa é

fundamental quando consideramos a racionalização de futuras intervenções espaciais, as quais

não releguem essas características, de forma a considerar as inúmeras escalas territoriais inerentes

a área rural do município.

Com isso, é de suma importância que a prefeitura macaense, potencialize as atividades

rurais no município. Não pensamos que este investimento seja feito simplesmente como uma

alternativa a um futuro esgotamento do petróleo, haja visto que esse é um recurso natural não

renovável.

Propomos que não ocorra a espera deste esgotamento para a potencialização em outras

atividades, particularmente na agricultura e no espaço rural como um todo. Com isso, se torna

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importante desde já, a o incremento na produção agrícola do município, proporcionando uma

maior inserção da população rural em seu meio.

Por fim, é de suma importância a observação dos rebatimentos materiais e imateriais

oriundos da ida da população rural, particularmente os jovens, para o meio urbano,

primordialmente em busca de fixos educacionais. Como podemos observar no mapa a seguir,

particularmente no 1º distrito do município, os fixos escolares estão situados na área urbana da

localidade, promovendo desta forma a ida da população rural até esses fixos urbanos.

Destarte, temos o conhecimento que a simples localização das escolas no meio rural

torna-se um fator insuficiente para a plena materialização proposta.

Determinados fatores aplicados de forma concorrente são fundamentais para este

processo, como por exemplo, o material didático usado, os profissionais docentes, a autonomia da

unidade escolar, etc. Neste sentido esta observação a esses fatores, estarão inclusas em trabalhos

futuros do atual autor.

Mapa 2:

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Fonte: http:// www.macae.rj.gov.br

Organização: João Victor Faria de Sousa

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1999.

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