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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLIACADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
HENRIQUE PEREIRA MASCARENHAS
O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA E A CONTROVÉRSIA SOBRE A
BORRACHA NA AMAZÔNIA (1940-1966).
Belém
2016
HENRIQUE PEREIRA MASCARENHAS
O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA E A CONTROVÉRSIA SOBRE A
BORRACHA NA AMAZÔNIA (1940-1966).
Dissertação apresentada para obtenção de grau de Mestre
em Ciências Econômicas na Universidade Federal do
Pará. Área de concentração: Desenvolvimento Regional.
Orientador: Prof. Dr. Danilo Araújo Fernandes.
Belém
2016
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFPA Biblioteca Armando Corrêa Pinto
M395 Mascarenhas, Henrique Pereira O pensamento desenvolvimentista e a controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1940-1966) / Henrique Pereira Mascarenhas. - 2016. 168 f. : il. : 30 cm. Orientador: Danilo Araújo Fernandes. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Economia, Belém, 2016. 1. Desenvolvimento econômico – Amazônia. 2. Borracha- Amazônia. 3. Economia – Amazônia - História. I. Fernandes, Danilo Araújo, orient. II. Título.
CDD 23. ed. 338.9811
HENRIQUE PEREIRA MASCARENHAS
O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA E A CONTROVÉRSIA SOBRE A
BORRACHA NA AMAZÔNIA (1940-1966).
Dissertação apresentada para obtenção de grau de Mestre
em Ciências Econômicas na Universidade Federal do
Pará. Área de concentração: Desenvolvimento Regional.
Orientador: Prof. Dr. Danilo Araújo Fernandes.
Data de aprovação:
Banca Examinadora
_____________________________________ Orientador
Prof. Dr. Danilo Araújo Fernandes PPGE/ICSA/UFPA
_____________________________________ Membro Interno
Prof. Dr. Francisco de Assis Costa PPGE/ICSA/ UFPA
_____________________________________ Membro Externo
Prof. Dr. Fábio Fonseca de Castro NAEA/UFPA
Belém
2016
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao apoio e incentivo concedido pela CAPES, pelos professores e técnicos do
PPGE/UFPA, pelos meus colegas de faculdade, sobretudo David Borges, Luz Marina, Renata
Andrade, Milena Ishihara, Pedro Henrique Brandão, Pedro Neves de Castro e Danúzia
Rodrigues e outros tantos, e pelas bibliotecárias da SUDAM e do NAEA. Um agradecimento
especial vai para o meu orientador, Danilo Araújo Fernandes, pela confiança depositada.
Fica aqui registrado que sem o carinho e o afeto da minha família, dos meus amigos e
da Bárbara eu não teria conseguido superar os intensos percalços em que me envolvi no período
de elaboração desta dissertação. A eles, ontem, hoje e sempre, serei grato. Eternamente.
Também ao meu Rex, que se foi neste meio tempo. Ele não lia, mas quem lê agradecimentos...
Reuni aqui fragmentos de reclames que circulam pela região há séculos. Reivindicações
que clamaram por igualdade de oportunidades para a Amazônia. Portanto, um tributo tem de
ser pago aos interpretes da região, os quais, mesmo com seus limites e omissões, intentaram
levar à consciência brasileira as dificuldades da vida na Amazônia.
Bônus: quem descobrir o toc que impregnou a escrita da dissertação ganha um prêmio. Valendo.
“Cada palavra dita é a voz de um morto...”
(Fernando Pessoa)
“Os homens fazem sua própria história, mas não a
fazem como querem; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas
com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado. A tradição de todas as
gerações mortas oprime como um pesadelo o
cérebro dos vivos.”
(Karl Marx)
"Do imenso reservatório do passado, o que se pode
conseguir é extrair conjuntos de perguntas
inteligentes que possam ser formuladas a temas
atuais. A importância dessa contribuição não deve
ser nem exagerada nem subestimada. A qualidade
da nossa compreensão dos problemas de hoje
depende, em grande parte, da abrangência do
nosso quadro de referência."
(Alexander Gerschenkron)
“(...) afirmar que este ou aquele regime econômico
será adotado no futuro é fazer uma profissão de fé
– é construir uma ideologia.”
(Celso Furtado)
“Parece que ali a imponência dos problemas
implica o discurso vagaroso das análises, as
induções avantajam-se demasiado os lances da
fantasia. As verdades desfecham em hipérboles”.
(Euclides da Cunha)
RESUMO
Esta dissertação estuda a ideologia e política desenvolvimentista e sua relação com a
controvérsia sobre o desenvolvimento da borracha na Amazônia entre os anos 1940 e 1966.
Uma análise histórica que investiga a interação entre a formação econômica e institucional da
região amazônica e a história do pensamento econômico brasileiro para, a partir disto,
sistematizar as ideias e as políticas para o desenvolvimento da Amazônia divulgadas em livros,
artigos e relatórios técnicos durante este período. Investigação que evidenciou a importância do
debate sobre a borracha, principalmente a controvérsia entre o extrativismo e a heveicultura,
para a emergência e consolidação do que podemos configurar como um projeto
desenvolvimentista-regionalista amazônico. Tradição de pensamento que exerceu papel ativo
na conformação das características institucionais e do conteúdo das políticas de
desenvolvimento regional que condicionaram a formação histórica e a performance econômica
da Amazônia ao longo de seu processo de desenvolvimento no século XX.
Palavras-chave: Desenvolvimentismo-regionalista. Borracha. Amazônia.
ABSTRACT
This dissertation studies the developmentalist ideology and policy and its relation with the
controversy over the development of rubber in the Amazon between the years 1940 and 1966.
A historical analysis that investigates the interaction between the economic and institutional
formation of the Amazon region and the history of thought and systematize the ideas and
policies for the development of the Amazon that are divulged in books, articles and technical
reports during this period. Research that evidenced an important debate about rubber, especially
the controversy over extractivism and a heveculture, for the emergence and consolidation of
what can configure as the Amazonian regionalist-developmentalist project. Tradition of thought
that played an active role in shaping the institutional characteristics and content of regional
development policies that conditioned the historical and economic performance of the Amazon
throughout its development process in the 20th century.
Keywords: Regionalist-developmentalism. Rubber. Amazon.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Representação de um seringueiro coagulando o látex. ........................................... 25
Figura 2 – Representação de um regatão. ................................................................................. 26
Figura 3 – Categorias presentes na controvérsia sobre a borracha na Amazônia. .................... 89
Figura 4 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1940-1946). . 90
Figura 5 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1947-1953) 121
Figura 6 – Síntese do ambiente de ideias na Amazônia (1940-1953). ................................... 124
Figura 7 – Zoneamento da valorização do Primeiro Plano Quinquenal. ................................ 129
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Características dos modelos de organização do seringal – Caboclo e Empório. .... 23
Tabela 2 – Amazônia: taxas de expansão econômica por setor de atividade econômica (%)
(1947-1963). ............................................................................................................................. 32
Tabela 3 – Distribuição da Renda Interna (%) por Setor e por Unidade da Federação (1949 e
1959). ........................................................................................................................................ 33
Tabela 4 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)
e Borracha no Extrativismo (%) (1890 – 1960/62). ................................................................. 34
Tabela 5 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)
por Unidade da Federação e Borracha no Extrativismo (%) (1959). ....................................... 34
Tabela 6 – Distribuição do Setor Terciário na Renda Interna (%) (1949-1959). ..................... 36
Tabela 7 – Amazônia: Distribuição de Renda Interna (%) entre Amazônia Ocidental e Oriental
(1947-1966). ............................................................................................................................. 37
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Amazônia: População e Renda interna (1800-1970). ............................................ 32
Gráfico 2 – Produção de borracha natural no Brasil (Toneladas) (1880-1963). ...................... 35
Gráfico 3 – Quociente do Índice de preços de venda da borracha vegetal x Índice geral de preços
(1953-1970). ............................................................................................................................. 35
Gráfico 4 – Participação das importações no consumo de borracha no país (%) (1951-1966).
................................................................................................................................................ 123
Gráfico 5 – Produção e importação de borracha no Brasil (1946-1966). ............................... 145
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Principais realizações da SPVEA (1953-1965). ................................................... 143
Quadro 2 - Aplicações da SPVEA (1954-1962). .................................................................... 144
LISTA DE ABREVIATURAS
ACA Associação Comercial do Amazonas
ACP Associação Comercial do Pará
BASA Banco de Crédito da Amazônia S.A.
BCA Banco de Crédito da Amazônia
BCB Banco de Crédito da Borracha
BRASTEC Sociedade Brasileira de Serviços Técnicos e Econômicos
DNPV Departamento Nacional de Produção Vegetal
ETA Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Estados Unidos
FIEPA Federação das Indústrias do Estado do Pará
HPEB História do Pensamento Econômico Brasileiro
IAN Instituto Agronômico do Norte
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia
INIC Instituto Nacional de Imigração e Colonização
INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
IPEAN Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Norte
MECOR Ministério Extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais
NAEA Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
PSI Processo de Substituição de Importações
REBAP Reunião de Estudos da Borracha para Aumento da Produção
SPVEA Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia
SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus
SUDHEVEA Superintendência da Borracha
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15
2 FORMAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA E O SIGNIFICADO ECONÔMICO E
INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE AVIAMENTO ....................................................... 20
2.1 A performance histórica do sistema de aviamento e seus reflexos sobre a economia
amazônica ................................................................................................................................ 21
2.2 Condições institucionais e dinâmica da economia amazônica (1940 – 1966) .............. 31
3 AS ORIGENS DO PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA
AMAZÔNICO ........................................................................................................................ 38
3.1 O desenvolvimentismo e a questão regional amazônica................................................ 39
3.2 O desenvolvimentismo-regionalista amazônico e a borracha como objeto de estudo 52
4 A CONTROVÉRSIA SOBRE A BORRACHA E O PENSAMENTO
DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA AMAZÔNICO (1940-1966) .................. 70
4.1 Do discurso do Rio Amazonas à SPVEA: a emergência de uma estratégia conciliatória
(1940 – 1953)............................................................................................................................ 72
4.1.1 O ideal desenvolvimentista em contexto adverso: a Batalha da Borracha e seus contrastes
(1940 – 1946)............................................................................................................................ 72
4.2.2 A reformulação do aparato institucional de intervenção e a institucionalização de uma
estratégia conciliatória (1947 – 1953) ...................................................................................... 92
4.2 Da Concepção Preliminar à Operação Amazônia: a estratégia conciliatória em xeque
(1954 –1966)........................................................................................................................... 122
4.2.1 Entre diagnósticos e execução: as convergências em torno da valorização da Amazônia
(1954 – 1960).......................................................................................................................... 122
4.2.2 Entre a ineficácia e a transformação: os ajustamentos da política de desenvolvimento
regional (1961 – 1966). .......................................................................................................... 142
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 159
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 161
15
1 INTRODUÇÃO
No início do século XXI as discussões sobre economia brasileira experimentaram o
retorno de controvérsias que por longos períodos acompanharam o trajeto histórico do
desenvolvimento do país. Questões como restrições no balanço de pagamentos, a oposição entre
política de combate à inflação e política fiscal anticíclica, a centralidade da indústria, entre
outros tópicos, voltam em cena e trazem à tona discussões, debates e proposições de ideias em
torno de atributos ancorados em tradições fortemente enraizadas na história do pensamento
econômico brasileiro (HPEB) (BIELSCHOWSKY, 1996; FONSECA, 2004, 2014;
BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005).
Nesta rodada histórica, retoma-se a oposição entre correntes de pensamento que
divergem entre si, principalmente, quanto a importância da atuação do Estado na superação do
subdesenvolvimento do país. De um lado, posicionam-se aqueles que são a favor de um Estado
mais ativo na condução da economia. De outro, aqueles que recomendam prudência e
moderação nas atribuições estatais. E como resultado deste embate de ideias, a noção originária,
e bastante controversa, sobre o significado do conceito de “desenvolvimentismo” voltaria a
estar presente na política, nos noticiários e nas discussões acadêmicas após décadas de
hegemonia do pensamento liberal.
E sob contexto histórico e institucional diverso daquele que possibilitou a execução de
políticas desenvolvimentistas entre as décadas de 1930 e 1980, uma série de questionamentos
emergem quanto a factibilidade de se retornar a esta tradição de pensamento e de política
econômica. Disto advém duas agendas de pesquisa importantes: 1) a articulação de bases
teóricas; e 2) a realização de genealogias historiográficas. Agendas que tem por objetivo a
construção de argumentos, a consolidação de cânones fundadores e a investigação de
experiências históricas concretas. Propriedades que revelam o conteúdo, o sentido e as razões
vinculadas a ideologia e política desenvolvimentista.
Um dos resultados destas frentes de pesquisa seria o reconhecimento do papel dos
estudos históricos, o que imprimiria a tônica da agenda de pesquisa da HPEB. Com efeito,
políticas econômicas foram revisitadas, períodos históricos reexaminados, personagens
redimensionados, autores reeditados, homenagens concedidas e institutos criados. Iniciativas
que tiveram como referência e fonte de inspiração as interpretações pioneiras da HPEB, com
destaque para o trabalho de Bielschowsky (1996), pesquisa que evidenciou a importância da
controvérsia entre ideias, ideologias e interpretações sobre as opções de políticas econômicas
16
implementadas no Brasil durante o período que ficou conhecido como o primeiro ciclo
ideológico do desenvolvimentismo no Brasil (1930-1964)1.
E neste ensejo de reconhecimento do passado e de busca pela compreensão das raízes e
alicerces deste projeto de superação do atraso e do subdesenvolvimento, ampliaram-se os
esforços para a investigação do pensamento acerca do desenvolvimento dos diversos Brasis, da
formação, da estrutura e da evolução das regiões brasileiras cujas características demonstram a
persistência de uma herança histórica ainda atual: a profunda desigualdade regional presente na
economia brasileira. Neste processo, a Amazônia, enquanto região periférica e
subdesenvolvida, observa uma retomada dos estudos historiográficos sobre a construção dos
projetos de modernização implementados na região ao longo do tempo histórico dos ciclos
ideológicos do desenvolvimentismo.
Trabalhos como Loureiro (2004), Pinto e Bastos (2007, 2014), Marques (2013),
Almeida (2008), Oliveira Jr (2009, 2013), Fernandes (2011, 2013), Fernandes et al (2015),
Andrade (2010, 2012), Lobato (2014), Santos (2014), Trindade et al. (2014), Silva e Batista
(2015) e Puga e Bastos (2016) são exemplos desta agenda de pesquisa. Estudos que partiram
de delimitações temáticas, teóricas, territoriais e temporais distintas, mas que convergiam para
a tentativa de reinterpretar a história da região a partir da compreensão da influência exercida
pelo contexto histórico da ideologia e política desenvolvimentista e de seus efeitos na
transformação das estruturas econômicas, políticas e sociais da Amazônia.
Destaca-se destes trabalhos a identificação de uma tradição de pensamento que iria
orientar as discussões acerca da superação dos dilemas da questão regional amazônica. Tradição
cujos atributos se enraizariam na história do pensamento sobre o desenvolvimento da região
amazônica, vindo a fazer parte da formação de toda uma geração de políticos, empresários,
técnicos de órgãos governamentais e intelectuais. Atores que seriam protagonistas de
acalorados debates durante a construção dos projetos de desenvolvimento que visaram a
superação dos dilemas da questão regional amazônica. Projetos cujo principal resultado seria a
cristalização de uma profunda desigualdade no acesso a bens, serviços e cidadania a ampla
parcela da população amazônica (LOUREIRO, 2004).
1 Inicialmente Bielschowsky (1996) definiu como ciclo ideológico do desenvolvimentismo os anos compreendidos
no período de 1930 a 1964. Em um reexame de sua obra Bielschowsky em parceria com Mussi (2005) estabeleceu
que o desenvolvimentismo foi hegemônico entre os anos 1930 a 1980, o primeiro ciclo contido entre os anos 1930
e 1964 e o segundo entre 1964 e 1980. O período posterior ficando conhecido como a era da instabilidade
macroeconômica inibidora das discussões sobre desenvolvimento (1980-2005), com hegemonia do pensamento
liberal.
17
Desta coletânea de trabalhos destaca-se a hipótese divulgada por Loureiro (2004) e
desenvolvida por Fernandes (2011). Hipótese que sustenta que existiria uma tradição de
pensamento e um projeto de desenvolvimento regional na Amazônia, forjado durante os anos
1940, 1950 e 1960, que seria influenciado por uma gama de vertentes teóricas e referências
intelectuais e que substanciaria a implementação dos alicerces do que a literatura interpretou,
pouco tempo depois, como um tipo de “modernização seletiva” ou “modernização de
superfície”. Uma base de reflexão que seria designada por Fernandes (2011) de
desenvolvimentismo-regionalista amazônico.
Ideário que tem sua gênese e consolidação garantida pela convergência de correntes de
ideias que acompanharam, de modo mais ou menos intenso, o decurso histórico do
desenvolvimento da região, os quais são: 1) o desenvolvimentismo; e 2) o regionalismo.
Corrente de ideias que, entre a conciliação e o conflito, dialogariam para a formação de uma
tradição de pensamento que exerceria papel ativo na conformação das características
institucionais e do conteúdo das políticas de desenvolvimento regional que condicionaram a
formação histórica e a performance econômica da Amazônia ao longo de seu processo de
desenvolvimento no século XX.
E a importância de se reconhecer a influência deste modelo explicativo nos auxilia a
reconstituir “o mosaico de conflitos, interesses e características que alimentaram (...) as regras
de funcionamento do ambiente institucional amazônico durante o chamado período do
nacional-desenvolvimentismo” (FERNANDES, p. 21, 2011). Um padrão de interpretação cujo
impacto seria a conformação de uma trajetória histórica específica à região amazônica, a qual
incorporou “biologismos, geografismos e dualismos” (ALMEIDA, p. 63, 2008) em formas de
pensar o problema amazônico que se revelariam como “limites institucionais e empecilhos para
o desenvolvimento de políticas mais adequadas de desenvolvimento regional.” (FERNANDES,
p. 25, 2011).
Um modelo cujos fundamentos explicativos produziram “obstáculos epistemológicos a
serem removidos por uma leitura crítica” (ALMEIDA, p. 63, 2008). Uma apreciação que se
constitui em uma etapa fundamental para a compreensão da complexidade das restrições
impostas ao desenvolvimento da região amazônica. Crítica que ainda não se encontra
devidamente equacionada, sobretudo quanto a investigação dos principais eventos históricos,
autores e discussões que consolidaram o desenvolvimentismo-regionalista amazônico enquanto
alternativa de interpretação dos problemas da Amazônia. Modelo que se encontra expresso nos
documentos históricos envolvidos nos debates acerca da valorização do principal produto da
pauta produtiva da região amazônica ao longo dos anos que inauguraram o moderno aparato
18
institucional de regulação e intervenção do Estado na região amazônica, isto é, sobre a borracha
e entre os anos de 1940 e 1966.
E por ter se constituído em um dos principais produtos da região amazônica desde 1850
até meados do século XX, a borracha percorreu uma trajetória de polêmicas e divergências
quanto a adequabilidade de seu modelo de produção para a sustentação de um desenvolvimento
estável e de longo prazo para a região. Discordâncias que, entre os anos de 1940 e 1966, do
Discurso do Rio Amazonas até a Operação Amazônia, fizeram parte de um ambiente
institucional que abarcou uma disputa entre três projetos: um baseado em uma concepção
agrícola e industrial, inscrito no nacional desenvolvimentismo; outro alicerçado em bases
mercantis e extrativistas, proposto pelos regionalistas e operadores do sistema de aviamento; e
o último ancorado na tentativa de conciliação entre estes dois modelos, exposto no
desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).
A par de tais informações, nota-se a importância da lacuna existente na historiografia
sobre a influência exercida pelo desenvolvimentismo-regionalista amazônico nas discussões
sobre o extrativismo da borracha na Amazônia, sobretudo devido à importância deste produto
e desta ideologia nos debates acerca do desenvolvimento regional amazônico. Disto posto, o
presente trabalho constituirá um esforço para a investigação da construção deste modelo de
interpretação no debate sobre o desenvolvimento da produção de borracha na Amazônia entre
os anos de 1940 e 1966.
Dentro deste contexto, realizaremos uma sistematização das principais ideias presentes
nas discussões sobre o problema da borracha na Amazônia, o que nos auxiliará a revelar a
importância dos autores, instituições e eventos históricos para a formação do
desenvolvimentismo-regionalista amazônico e a evidenciar os conflitos inerentes a sua tentativa
de consolidação e institucionalização no período de 1940 e 1966. Investigação que revelará não
só a amplitude e os conflitos envolvidos na construção dos projetos de desenvolvimento
regional, mas também desvendará os seus principais interpretes, meios de divulgação, redes de
articulação, bases intelectuais e etc.
E para a consecução deste objetivo, empreenderemos uma leitura deste contexto
histórico a partir de uma abordagem teórico-metodológica que discuta a história econômica da
Amazônia a partir de uma interlocução dos conceitos oriundos da Nova Economia Institucional
(NEI) (NORTH, 1990; GALA, 2003; FIANI, 2011) com os principais aspectos inscritos na
agenda de pesquisa da história do pensamento econômico brasileiro (BIELSCHOWSKY, 1996;
FONSECA, 2004, 2014; BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005). Abordagem que será importante
para a revelação das implicações que o contexto histórico da ideologia e política
19
desenvolvimentista imprimiu na realidade da economia e sociedade amazônica ao longo do
processo de construção de estruturas que conformam a sua trajetória histórica de
desenvolvimento.
Abordagem teórica-metodológica que servirá de subsídio para a leitura do contexto
histórico que envolveu as principais publicações do debate sobre o desenvolvimento da
borracha na Amazônia. Textos que substanciaram o conteúdo do emergente aparelho do estado
atinentes as políticas de desenvolvimento regional e que derivavam de contribuições de
escritores, ensaístas políticos, historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos, geógrafos
e demais profissionais de áreas disciplinares diversas que imprimiram visões de mundo ou
modelos explicativos que se inseriram dentro das linhas de pensamento no debate sobre a
borracha na Amazônia.
Portanto, serão objeto de nosso estudo documentos como livros, artigo de periódicos,
relatórios técnicos e etc. que foram publicados por instituições como: o Instituto Brasileiro de
Geografia (IBGE), no periódico Boletim Geográfico e na Revista Brasileira de Geografia, na
revista o Observador Econômico e Financeiro, na Superintendência de Valorização Econômica
da Amazônia (SPVEA), em suas monografias e relatórios técnicos, no Banco de Crédito da
Borracha (BCB) e no Banco de Crédito da Amazônia (BCA), em seus relatórios anuais de
exercício, no Instituto Agronômico do Norte (IAN), em seus pareceres técnicos e circulares,
entre outros veículos de divulgação.
Ademais isto, o presente trabalho está organizado em quatro capítulos, além deste
introdutório. O segundo capítulo versará sobre a formação econômica da Amazônia e
apresentará a configuração do sistema de produção que permitiu a ascensão da economia da
borracha, bem como revelará seus impactos na performance econômica da região. O terceiro
capítulo revelará o conteúdo da ideologia e política desenvolvimentista no Brasil e discutirá o
conceito de desenvolvimentismo-regionalista amazônico, além de especificar como seus
fundamentos foram apreendidos pelos autores que se ativeram ao estudo da Amazônia e da
borracha. O quarto capítulo enveredará pela análise de como essa vertente do pensamento
desenvolvimentista brasileiro emergiu e se consolidou ao longo da controvérsia sobre a
produção de borracha na Amazônia. Por fim, realizaremos considerações finais acerca das
principais conclusões a que conseguimos chegar a partir desta pesquisa.
20
2 FORMAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA E O SIGNIFICADO ECONÔMICO E
INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE AVIAMENTO
Depois das contribuições teóricas seminais dos neoinstitucionalistas no que diz respeito
à importância dos aspectos históricos para a compreensão do desenvolvimento da economia de
países ou regiões, as características dos sistemas econômicos e suas interconexões com os
arranjos institucionais passaram a ser vistos como impactando de maneira decisiva na
conformação da dinâmica econômica de longo prazo (NORTH, 1990; GALA, 2003; FIANI,
2011).
Desta forma, além de fatores como acumulação de capital e progresso tecnológico, os
adeptos da NEI postulam que a compreensão dos processos de desenvolvimento devem
perpassar pela análise da formação histórica das regras que substanciam a operação dos
sistemas econômicos, políticos e sociais (GALA, p. 5, 2003). Visto que o conjunto de regras de
uma sociedade, a sua matriz institucional, delimitam os incentivos ao desempenho econômico
e os limites aos aumentos de produtividade e de bem estar.
Portanto, será somente a partir da compreensão dos fundamentos que regulam a
produção, a transação e a distribuição e suas interconexões com as institucionais políticas e
sociais que poderemos compreender as trajetórias de desenvolvimento das economias.
Dinâmica que funcionaria aos moldes de um processo path dependence, conceito que postula
que uma vez iniciada uma trajetória, torna-se cada vez mais difícil desviar deste caminho, o que
explica a persistência de padrões de desenvolvimento (NORTH, 1990).
Um processo que, para sua continuidade, requer o filtro de mediações institucionais
inerciais e de mecanismos de auto reforço. Atributos que atuam em favor de preservar os
alicerces preestabelecidos e limitar as possibilidades de alteração das trajetórias, estas que são
mediadas e reforçadas por elementos como os caminhos escolhidos no passado e o
prosseguimento de processos de baixo dinamismo, os quais derivam de configurações políticas
e sociais que promovem, em algum grau, a manutenção do status quo.
Sob esta ótica, o presente capítulo realizará uma interpretação do impacto das
características econômicas, políticas e sociais do sistema de aviamento na conformação de uma
trajetória de desenvolvimento path dependence na região amazônica. Além disso, também
avaliará os dados acerca da dinâmica da economia amazônica em meio a introdução de
mudanças institucionais que visaram alterar a trajetória histórica decorrente da exploração
baseada no extrativismo da borracha e nas trocas mercantis.
21
2.1 A performance histórica do sistema de aviamento e seus reflexos sobre a economia
amazônica
A tenacidade dos fundamentos de economia amazônica em perpetuar seus alicerces é
um fato verificado na literatura, que registra que são as características do sistema de aviamento
que concebem, em menor ou maior grau, esta invariância, sendo seus elementos constituintes e
operacionais apontados como razões da estagnação e do atraso da economia da região, seja em
tempo pretérito (1850-1920) (SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993), seja no tempo histórico
em discussão (1940-1966) (TUPIASSU, 1965; BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966;
SANTOS, 1968). Deste modo, há reiterada constatação de que um processo path dependence
ocorrera no desenrolar do decurso histórico do desenvolvimento da Amazônia.
E as características econômicas e institucionais do sistema de aviamento impactariam
de modo substantivo na Formação Econômica da Amazônia. Para Santos (p. 158, 1980) este
sistema desempenhou “o papel de elemento sustentador e articulador de toda a estrutura do
homem rural amazônico com a sociedade nacional”. Para Tupiassu (p. 5, 1965), além de alçar
o extrativismo da borracha como o centro dinâmico da economia amazônica, se tornou o “mais
importante componente estrutural do conjunto sócio-econômico-político da região”. E para
Villela e Almeida (p. 193, 1966) acabou por se tornar o “principal obstáculo à modernização
das técnicas de produção do setor agrícola. (...) [e na] mais poderosa barreira a qualquer
tentativa de melhoria das condições de vida da população da Amazônia.”.
E o empreendimento colonial das “drogas dos sertões”, a gestão pombalina e a ascensão
do ciclo econômico da borracha são episódios históricos que iriam trazer inovações
institucionais e mudanças estruturais2 que estabeleceriam condições para a emergência,
consolidação e expansão deste sistema econômico que, “num grau incomum de complexidade
e sofisticação” (WEINSTEIN, p. 30, 1993), condicionaria a produção, a distribuição e o
consumo da economia amazônica e viabilizaria a oferta de uma matéria prima essencial a
dinâmica da economia mundial, a borracha. Modelo de regulação das trocas e de organização
política e social que por longa data perfilaria a trajetória de desenvolvimento da região.
2 Os eventos mais importantes foram: 1) a ascensão de uma economia baseada no extrativismo florestal e suas
mediações mercantis; 2) a política pombalina de integração do ímpeto comercial do português com o conhecimento
do caboclo amazônida sobre o manejo da floresta; 3) a descoberta do processo de vulcanização da borracha em
1839; 4) a implementação da navegação a vapor em 1852; 5) as frentes migratórias de retirantes em vários períodos
e as grandes levas após a grande seca de 1877; 6) o estabelecimento de casas importadoras, exportadoras, bancos
comerciais, casas de seguros, bolsas de valores, etc. (SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993; COSTA, 2012).
22
Em termos históricos, o sistema de aviamento funcionou como elo de conexão entre os
seringais (estruturas isoladas, de grande área de extensão, dispersas pela vastidão do território
amazônico, especializadas na extração de látex e dependentes de abastecimento de bens de
consumo e produção) e as casas aviadoras (estruturas concentradas principalmente em Belém e
Manaus, fornecedoras de créditos e viveres e receptoras dos fluxos de produtos dos seringais e
responsáveis pela exportação da borracha), permitindo a exploração das seringueiras, da hevea
brasiliens e de outras espécies vegetais, que produziam látex.
Um elo de ligação que se materializava através dos aviamentos. Unidade básica do
sistema, esta operação financeira, que remonta os tempos da Colônia e cuja extensão e
importância percorreu todo o interior do vale, consistia no fornecimento de mercadorias via
crédito. Um tipo de crédito informal que criou um emaranhado de vínculos comerciais e
creditícios que seriam administrados por contratos entre os aviadores e seus “aviados” e
legitimados através de mecanismos jurídicos, acordos tácitos, normais sociais ou pelo uso da
violência.
No primeiro polo deste sistema, nos seringais, os seringueiros representavam os
produtores diretos da borracha. Para a execução de suas atividades, que consistia na sangria,
coagulação e coleta do látex extraído das seringueiras, estes agentes recebiam aviamentos de
bens de consumo e de insumos de trabalho dos aviadores instalados nos seringais, os
seringalistas, instituindo uma dívida a ser saldada por meio do recebimento futuro de borracha
ou outros produtos extrativos ou agrícolas que porventura estivessem em seu portfólio.
O seringalista, através da figura do barracão, exercia o monopólio da consignação de
crédito e de venda de bens aos seringueiros, aviltando juros e preços, e o monopsônio da compra
da borracha, reduzindo seu preço ao menor patamar possível. Além disso, detinha também a
função de arregimentar novos trabalhadores e disciplinar o regime de trabalho dos seringueiros.
Com efeito, os resultados de sua atividade serviam para dar continuidade a extração da
borracha, extorquindo os seringueiros até o limite de sua tolerância fisiológica e reduzindo sua
reprodução aos requisitos mínimos de subsistência, além de laborar a favor de perpetuar dívidas
de difícil resgate, cumprindo o papel de controlar e fidelizar os trabalhadores do seringal.
E em uma crítica à literatura que fez uso de visões homogeneizantes dos seringais
amazônicos, não levando em conta as diferenças sociais e culturais inscritas nos diversos
seringais espalhados pelo território amazônico, Oliveira Filho (1979) destaca a existência de
dois modelos de organização das atividades econômicas atreladas a borracha: o seringal caboclo
23
e o seringal empório3 (tabela 1). Modelos cuja especificidade garantiram a proposição de
projetos de desenvolvimento distintos visando cada tipo de estrutura, seja para preservar um ou
outro modelo de seringal.
Os seringais caboclos consistiam em estruturas herdadas do século XVIII, instaladas
principalmente nas antigas áreas de colonização, nas proximidades de Belém e ao longo dos
grandes rios. Seu contingente era formado por caboclos que incorporaram os conhecimentos
indígenas sobre o manejo da floresta e nordestinos retirantes. Praticavam uma atividade
diversificada, dedicando tempo à caça, a pesca, ao plantio de um ou mais gêneros alimentícios
e a extração florestal.
Os seringais empório consistiam em estruturas que se estabeleceram nas áreas de
expansão da fronteira econômica e política, nos territórios que viriam a ser o estado do
Amazonas, do Acre e outros. Formandos quase que integralmente por mão de obra imigrante,
principalmente por camponeses nordestinos que vinham sem família e se isolavam nos seringais
mata adentro. Suas atividades tendiam à especialização no extrativismo da borracha, com pouca
margem para a diversificação da produção.
Tabela 1 – Características dos modelos de organização do seringal – Caboclo e Empório.
Modelo Caboclo Modelo Empório
1 - Exploração nos limites da fronteira
econômica.
1 - Exploração de áreas muito além das
fronteiras do mercado.
2 - Mão de obra requisitada localmente. 2 - Mão de obra quase integralmente
importada.
3 - Força de trabalho familiar. 3 - Trabalhador isolado.
4 - Pluralidade funcional da empresa
(inclusive com atividade de subsistência).
4 - Especialização da empresa, com abandono
da agricultura.
5 - Pequena produtividade do trabalhador. 5 - Produtividade do trabalhador é bem mais
elevada.
Fonte: Oliveira Filho (1979).
Estes dois modelos de organização da produção dispunham ainda de diferentes graus de
autonomia frente as mediações mercantis, o que lhes imprimia poder de barganha diferenciados
na negociação com o barracão, o que, a depender do maior ou menor grau de autonomia, lhes
3 A denotação modelo empório foi emprestada de Costa (2012), com fins a uniformizar a narrativa.
24
permitia adquirir maiores ou menores níveis de satisfação de suas necessidades e de alguma
acumulação de capital (OLIVEIRA FILHO, 1979; WEINSTEIN, 1993).
A tentativa de diversificar suas atividades produtivas, o alto grau de mobilidade
geográfica (o que abria a possibilidade de fugas do domínio dos aviadores), a venda de seus
produtos a aviadores concorrentes, fraudes e trapaças no preparo da borracha (que só viriam a
serem descobertas bem longe do seringal) e as dificuldades do controle da mão de obra,
derivadas do isolamento e da dispersão, são exemplos de recursos utilizados pelos seringueiros
com fins a obter maior autonomia frente as imposições dos aviadores.
E com vista a contornar esta autonomia relativa dos seringueiros, o sistema instituiu
uma série de mecanismos para expandir os níveis de dependência dos seringueiros aos
aviadores. Isto foi feito com o intuito de conduzir os seringueiros a um formato mais próximo
ao do seringal tipo empório, de menor grau de autonomia, dirigindo-os a se especializar na
produção de borracha e na compra de mercadorias a crédito dos aviadores.
São exemplos destas medidas o uso da violência, o regimento do barracão4, o rígido
controle da mão de obra, a escravidão por dívidas ou a cobrança de débitos não adquiridos
advindos de falsificação, a exploração dos seringueiros como produtores e como consumidores,
a inexistência de direitos de propriedade da terra, o isolamento e a excessiva jornada de
trabalho. Além disso, também era usual os seringalistas realizarem o cerceamento de outras
atividades dentro do seringal, como a caça, a pesca e o plantio de um ou mais gêneros
alimentícios (atributos de subsistência e de autonomia), pressões para que o fornecimento de
mercadorias seja pago preferencialmente por borracha e etc.
Um ponto em comum a estes dois tipos de modelos de organização da produção nos
seringais é a produtividade decrescente do sistema de extração. As primitivas técnicas de
produção diminuíam a vida útil das seringueiras, o que impactava no esgotamento dos recursos
naturais. E, ao invés de optar pelo plantio da hevea5, o sistema acomodava esta diminuição de
4 Contrato firmado pelos operadores do sistema, de início tacitamente, mas posteriormente de maneira formal, em
assembleia, onde estavam estabelecidas as regras e normas que presidiam a relação entre aviadores e entre estes e
os seus aviados. Exemplos de suas regras são: 1) o seringueiro em débito não poderia se retirar enquanto não
saldasse suas dívidas; 2) Os seringalistas não poderiam aceitar empregados de outros seringais que estivessem em
débito, caso contrário pagariam pesadas multas; (BENCHIMOL, 1977; WEINSTEIN, 1993). Apesar da acurácia
destas regras em restringir a autonomia dos seringueiros, Weinstein (1993) questiona a ampla validade e efetiva
aplicação do regimento por toda a extensa do vale. 5 Weinstein (1993) enumera que, além da necessidades de capitais, três ordens de fatores influenciavam os riscos
e as dificuldades desta investida: 1) melhorias técnicas de sementes, plantio e manutenção das árvores; 2) o elevado
tempo de maturação da hevea (nos tempos do auge acreditava-se que levaria até 15 anos para alcançar
produtividade máxima); 3) a organização da força de trabalho regular, primeiro para a dura tarefa de desbravar a
terra, e depois, para o cuidado e manutenção constantes que o cultivo da seringueira exige. O que demonstra que
“não foi simples falta de espírito empresarial, ou temor do risco financeiro, que impediu o desenvolvimento de
uma economia de cultivo na Amazônia” (WEINSTEIN, p. 47, 1993).
25
rendimentos por meio da expansão da fronteira econômica, expandindo-se para seringais em
localidades cada vez mais distantes, o que acarretava em maiores custos de transportes e
comunicação.
Soma-se a estas características as dificuldades do meio, as condições de higiene, a
subnutrição e as doenças, fatores que imprimiram precárias condições de vida a estes
trabalhadores, fato ilustrado em vários relatos e histórias sobre o boom, como na obra de
Euclides da Cunha (2000), por exemplo. Situação que coexistia com uma mediana
produtividade do trabalho, fator que é resultante, primordialmente, das rígidas condições de
trabalho no seringal empório (OLIVEIRA FILHO, 1979) e da ciência do manejo do meio
ambiente complexo no seringal caboclo (COSTA, 2012).
Figura 1 – Representação de um seringueiro coagulando o látex
Fonte: Reproduzido de Reis (1953).
Do ponto de vista histórico, até 1880 o modelo de seringal caboclo imperava. No
entanto, após o boom da borracha o modelo caboclo iria ser gradativamente substituído pelo
modelo empório (OLIVEIRA FILHO, p. 131, 1979), pois com a expansão da demanda por
borracha e a alta de preços o capital mercantil ampliou o seu grau de controle sobre a produção,
o que induziu uma maior quantidade de seringais a funcionar no modelo do tipo empório. Efeito
26
em sentido contrário ocorreu com a crise da borracha em 1912, com um processo de transição
a um modelo mais próximo do seringa caboclo (WEINSTEIN, 1993; COSTA, 2012). E com a
eclosão da Batalha da Borracha em 1942 retoma-se uma tentativa de formação de seringais do
tipo empório, ainda que não com a mesma amplitude e condicionantes.
E para a intermediação da passagem da safra de borracha de um aviador a outro até a
sua chegada aos centros comerciais, os regatões constituíam os meios de transporte típicos da
região amazônica. Em certas ocasiões, estes agentes eram firmas contratadas pelas casas
aviadoras ou pelos seringalistas, em outras, navegavam próximo aos seringais para intervir no
contrato estabelecido entre patrão e cliente e comprar à vista a produção de látex e vender
produtos aos seringueiros. Desta forma, participavam de duas maneiras, concorrendo ou
cooperando com os demais agentes mercantis. São agentes intermediários que garantiam a
passagem da borracha para os centros urbanos, servindo tanto a continuidade da acumulação de
capital quanto para interferir nesta e drenar recursos e desarticular a relação mercantil
estabelecida entre seringueiros, seringalistas e aviadores.
Figura 2 – Representação de um regatão.
Fonte: Reproduzido de Reis (1953).
No último polo do sistema, nos centros urbanos, encontravam-se as casas aviadoras,
estruturas que detinham a função de aviar bens de consumo e de produção aos seringalistas,
recepcionar a borracha e intermediar a venda desta aos exportadores. Sua atividade era
reproduzida com base nos lucros dos aviamentos cadeia abaixo e na aquisição de créditos em
casas bancárias e casas exportadoras e importadoras, onde apresentavam os estoques de
borracha e os inventários de dívidas a serem saldadas por seus aviados como garantias. Consta-
27
se ainda que eram os agentes residentes na região que concentravam a parte mais significativa
dos rendimentos do negócio da borracha.
Nota-se que os aviadores e seringalistas recolhiam lucros de duas formas, uma através
do recolhimento de dívidas advindas da venda de artigos aos seringueiros e outra com base no
preço de compra da borracha. O que permitiu a minimização dos riscos de sua atividade, haja
vista que diversificavam os ativos de seus portfólios. Esta diversificação era de tal importância
que estimativas sugerem que a remuneração derivada da consignação a crédito de bens
respondia por algo em torno de 50 % das receitas dos aviadores (SANTOS, p. 166, 1980).
Ao lado das casas aviadoras, nos centros urbanos, também se encontravam os bancos,
agências de seguros, casas exportadoras e importadoras, etc., agentes de significação notável
mas secundários para nossos propósitos. No entanto, cabe ressalva sobre dois aspectos centrais
da relação entre casas aviadoras, casas exportadoras e bancos, tais como: 1) o preço de venda
da borracha, na época do boom, era determinado pela interação entre aviadores e exportadores,
fator que em grande parte pendia a favor de maior controle exercido pelas casas exportadoras;
e 2) o entrosamento entre crédito formal, dos bancos, e informal, dos aviadores, uma vez que
os bancos emprestavam para as casas aviadoras com base em garantias baseadas em estoques e
promessas de venda futuras de borracha.
E em termos de performance histórica econômica, o ciclo econômico da borracha e o
sistema de aviamento possibilitou que a região amazônica experimentasse um impulso de
crescimento e desenvolvimento, permitindo sua ascensão a padrões mais próximos ao de
grandes metrópoles nacionais e internacionais6. Seus efeitos se fizeram sentir no financiamento
de viagens, palácios, melhoramentos urbanos e no acesso a bens e serviços de luxo as elites
regionais. Pôde também incentivar a implantação de uma modesta diversificação da estrutura
produtiva da região, com a introdução de um pequeno parque industrial e com a dinamização
de atividades agrícolas e de produção animal.
No entanto, por trás dos índices de prosperidade escondiam-se “uma série de problemas
de curto e de longo prazo que prenunciavam a longa decadência da Amazônia.” (WEINSTEIN,
p. 192, 1993), tais como: 1) a rigidez (inelasticidade) e a instabilidade da oferta de borracha; 2)
a minimização do risco individual com a diversificação do portfólio dos aviadores (entre débitos
e produtos) que aumentava o risco sistêmico pois tolhia os incentivos à produção no agregado;
6 Progresso se desconsiderarmos todo a pobreza, sofrimento e desgaste humano que acometia o seringueiro, nos
seringais rio acima e mata adentro, este que, apesar de tudo, era “quem menos perdia, porque nada tinha a perder”
(LIMA, p. 68, 1943), o que indica a desigualdade da apropriação dos rendimentos. Paradoxalmente, Santos (p.
172, 1980) ilustra que a extensão da cadeia de intermediários permitia uma espoliação hierarquizada, onde até “os
pobres exploravam os mais pobres”, consciente ou inconscientemente.
28
3) a dissipação dos rendimentos entre inúmeros intermediários; 4) a cobrança de preços
elevados que configurava um seguro contra o revés financeiro e um rendimento adicional; 5) a
expansão do crédito que dilatava-se à medida que a acumulação de débitos crescia; 6) a
especulativa instabilidade dos preços da borracha e suas severas contrações; 7) o caráter instável
dos hábitos migratórios decorrentes da extração ser de natureza esgotável; entre outros fatores
que laboravam contra a sustentabilidade da acumulação de capital de longo prazo (LIMA, 1943;
TUPIASSU, 1965; SANTOS, 1968, 1980; DEAN, 1989; WEINSTEIN, 1993).
Problemas que concorreram para infligir uma série de resultados restritivos ao
desempenho de longo prazo ao sistema econômico da Amazônia, tais como: 1) o imperativo
econômico da especialização e da dependência do latifúndio do seringal (concentração
econômica); 2) a hipertrofia do terciário com a ampliação dos lucros financeiros e dos ganhos
do comércio e dos transportes (concentração setorial); 3) a centralização da hierarquia urbana
com o inchaço das capitais e o cerceamento do desenvolvimento de pequenas cidades no interior
(concentração espacial); 4) e a elevada parcela dos rendimentos do negócio da borracha que
eram apropriadas pelas elites extrativistas e mercantis (concentração de renda).
Efeitos das interconexões entre os fundamentos do sistema econômica e seus aspectos
institucionais, os quais delinearam a ineficiência do sistema de produção e comercialização da
borracha e seu baixo dinamismo, este que tendia “a inconsistência e a desigualdade do processo
formador de renda e de emprego” (SANTOS, p. 173, 1980). Fatores que expõem as dificuldades
do sistema de alcançar altos níveis de acumulação de capital, de eficiência administrativa e
gerencial e de distribuição mais equânime dos benefícios do crescimento (SANTOS, p. 308 a
312, 1980; WEINSTEIN, p. 295 a 301, 1993).
E sem sofrer qualquer “transformação social ou econômica fundamental”
(WEINSTEIN, p. 288, 1993), o esplendor da era da borracha se mostrou “efêmero, transitório,
alucinante.” (LIMA, p. 83, 1943). E com o abrupto fim do ciclo após o advento da concorrência
dos seringais asiáticos, de produtividade mais elevada e de menor custos de produção,
cercearam-se as janelas de oportunidades da promoção de um desenvolvimento de longo prazo
tendo por base a borracha, condições as quais somente retornariam por volta anos 1940 com o
a eclosão da Batalha da Borracha e com o progressivo deslocamento dos centros consumidores
para o mercado interno (COSTA, 2004; VERGOLINO; GOMES, 2004).
E não obstante a literatura aludir excessivamente para os efeitos econômicos e
financeiros da crise do extrativismo e do sistema de aviamento estabelecido na borracha,
resultados de outra ordem se impuseram de maneira significativa, porquanto que “algumas
características dos empreendimentos gomíferos acabaram por projetar sobre a sociedade global
29
influências peculiares e duradouras.” (TUPIASSU, p. 4, 1965), mesmo após a debacle do ciclo
econômico da borracha, ainda que com alterações substantivas. Isto posto, é possível afirmar
que, o complexo econômico da Amazônia possuiu um significado muito mais amplo, sendo
menos econômico, stricto sensu, do que aparenta. Uma vez que o sistema transbordou os limites
da produção, distribuição e consumo e ancorou-se profundamente em mediações políticas e
sociais.
E em termos implicações políticas e sociais, o sistema funcionou de maneira
determinante como filtro da participação e mobilização política entre os elos do sistema, da
menor unidade, o seringueiro, até seus vértices principais, os seringalistas e aviadores
(TUPIASSU, 1965; BENCHIMOL, 1977). Assumiu uma forma de transmissão de valores,
normas sociais e códigos de conduta, estabelecendo vínculos de compadrio e instituindo o
regimento do barracão, com suas regras restritivas e punitivas, de favores e de ameaças, de uma
relação clientelista típica entre patrão e cliente (BASA, 1966; BENCHIMOL, 1977;
WEINSTEIN, 1993), o que lhe atribuiu uma “moralidade própria” que condicionou os “hábitos
e o modo social de pensar” do amazônida (SANTOS, p. 23, 1968).
Cerceou também o surgimento de unidades concorrentes de produção, principalmente
aquelas instaladas com base em contratos de trabalho distintos (LIMA, 1943; TUPIASSU,
1965; SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993). E sustentou uma dependência social dos aviados
perante os aviadores, impondo um grau de integração social tutelado, controlado pelos elos
fortes e cuja função primordial era fidelizar e regular, através da articulação de interesses por
meio dos débitos e fluxos monetários, o acesso à bens e serviços essenciais, como bens de
consumo de primeira necessidade, utensílios domésticos, insumos de trabalho e demais viveres,
além de itens como saúde, educação e favores políticos de variadas ordens (LIMA, 1943;
TUPIASSU, 1965; BASA, 1966; SANTOS, 1968, 1980; BENCHIMOL, 1977; DEAN, 1989;
WEINSTEIN, 1993).
Logo, este sistema possuiu significado econômico-institucional complexo, o que lhe
garantiu extrema capacidade de resiliência frente mudanças estruturais e institucionais,
principalmente aquelas concernentes a alterar o status quo. Sua operação serviu para legitimar
e sustentar um sistema secularmente constituído e que tinha por fundamento a manutenção da
desigualdade e a permanência de níveis de quase subsistência a ampla parcela da população
amazônica. Seu objetivo, portanto, consistia em não se desenvolver, já que, no sentido mais
usual do termo, isto requer a expansão dos níveis de vida, o que era contraproducente à própria
existência do sistema. Sua busca foi, a seu modo, a expansão de sua produtividade, sem, no
entanto, proporcionar uma redistribuição mais equânime ou equitativa de seus rendimentos, os
30
quais circularam tão somente no topo da pirâmide de comando e controle do sistema, pelas
elites regionais, extrativistas e comerciais.
Em síntese, esta descrição sumária conduz a demonstração de que o sistema de
aviamento condicionou as regras do jogo econômico, político e social da região amazônica a
evoluir dentro de restritos parâmetros necessários a sua operação em níveis normais, tendo
acomodado diversas rupturas e choques aos desígnios de suas finalidades. Funcionou, portanto,
como um dos mais interessantes e poderosos instrumentos de formatação de uma trajetória path
dependence, haja vista que limitou de maneira significativa a evolução e o desempenho
econômico da região amazônica no longo prazo7.
E a permanência do sistema ao longo do tempo se deu através da alteração de seus
contornos gerais. Seus alicerces se deslocaram para outros produtos extrativos, como castanha,
balata, madeira, pau rosa, etc., reforçaram-se na produção agrícola de subsistência, como
mandioca, arroz, etc. e em agriculturas comerciais, como a juta. Instalara-se na pecuária, na
pesca artesanal e em alguns itens de extração mineral, sendo o ouro o exemplo mais ilustrativo.
Perdera a roupagem de excessiva compulsão física da força de trabalho, sem, no entanto,
interromper seu caráter de espoliação econômica, o que garantiria maiores graus de autonomia
aos seringais, ampliando assim o contingente de seringais caboclos.
E não obstante esta continuidade, a introdução de agências bancárias, com
financiamento direto aos produtores ou cooperativas, a construção de estradas e outros meios
infra estruturais, que ampliam a disponibilidade de meios de comunicação e alternativas de
fornecimento de produtos, a incisiva concorrência dos regatões aos aviadores e o
desenvolvimento de atividades mais dinâmicas na indústria e na agricultura são fatores
apontados como mecanismos desarticuladores das bases do sistema de aviamento (TUPIASSU,
1965; BASA, 1966; SANTOS, 1968; COSTA, 2012). Desarticulação que permitiu à economia
amazônica deslocar parcela de seu núcleo dinâmico do plano extrativo e mercantil para a
indústria e agricultura.
7 Talvez poucos sejam os complexos econômicos que fincaram raízes tão profundas com a operacionalidade de
seu sistema econômico, motivo pelo qual recebe destaque em diversas análises quanto sua capacidade de não
propagar ganhos de produtividade que possibilitassem diversificação econômica e proporcionassem efeitos
dinâmicos a economia da região (SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993).
31
2.2 Condições institucionais e dinâmica da economia amazônica (1940 – 1966)
No contexto histórico da Amazônia, o perfil de uma série de mudanças institucionais
introduzidas na região no período de 1940 a 1966 reforça o argumento da continuidade do
processo path dependence estabelecido pela complexa interação entre os componentes
econômicos, políticos e sociais derivados do sistema de aviamento estabelecido no extrativismo
da borracha. Entretanto, a criação de uma outra gama de instituições que visaram alterar
substancialmente os fundamentos inerciais preestabelecidos e induzir novos núcleos dinâmicos
é um fato que demonstra a inclinação destas mudanças institucionais pela promoção da
diversificação econômica regional e a destituição desta trajetória path dependence.
Tais mudanças institucionais se inseriam em um período de ampliação da participação
do aparato estatal na condução do processo de desenvolvimento da região amazônica
(D’ARAÚJO, 1992; MARQUES, 2013; TRINDADE et al., 2014). Inovações que surgiriam a
partir da alteração do papel do Estado brasileiro na ordem econômica (FERNANDES, 2011;
PUGA; BASTOS, 2016). Mudanças que introduziram instituições atinentes ao fornecimento de
crédito, ao controle de preços, a regulação da produção, ao equacionamento tecnológico e a
formulação de prognósticos e de planos econômicos como meios para superação do
subdesenvolvimento da região amazônica8.
Disto posto, o presente tópico terá por objetivo avaliar os dados da performance
econômica da região amazônica neste período, evidenciando a magnitude dos impactos que a
atividade da borracha gerava na região. Informações que corroboram a literatura que afirma que
os resultados das inovações institucionais implementadas entre os anos 1940 e 1966 somente
tiveram impactos limitados na capacidade de alteração da trajetória de desenvolvimento da
região (BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966; D’ARAÚJO, 1992; MARQUES, 2013).
Assertiva que ilustra a permanência do subdesenvolvimento e de um alto grau de dependência
da economia amazônica ao extrativismo e ao sistema de aviamento.
De início, a avaliação das estatísticas compiladas por Santos (1980) demonstra as
tendências gerais da história econômica da Amazônia (Gráfico 1). Dados que evidenciam
diversos eventos históricos que construíram os alicerces fundadores da Formação Econômica
da Amazônia. Neste gráfico é notável a evolução da renda interna da região a partir da instalação
8 Instituições que serão apresentadas em maiores detalhes no capítulo 4, mas cujas as mais importantes criadas no
período são: Instituto Agronômico do Norte (IAN) em 1941, Banco de Crédito da Borracha (BCB) e outro rol de
instituições decorrentes da assinatura dos Acordos de Washington em 1942, Comissão Executiva de Defesa da
Borracha (CEDB) em 1947, a reformulação do BCB com a criação do Banco de Crédito da Amazônia (BCA) em
1950, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em 1952 e a Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em 1953, entre outros.
32
dos pré-requisitos operacionais que permitiram o êxito da produção extrativa da borracha, bem
como os efeitos do declínio abrupto que este ciclo ocasionou.
Gráfico 1 – Amazônia: População e Renda interna (1800-1970).
Fonte: Reproduzido de Santos (1980). Linha pontilhada: dados ignorados.
O gráfico 1 também ilustra que foi somente entre os anos de 1940 e 1970 que a economia
amazônica retomou um elevado ritmo de crescimento similar ao do grande boom da borracha
de meados do século XIX e início do XX, o que ocorreu simultaneamente a montagem do
aparelho de estado, a introdução da nova engenharia político institucional, a evolução do
processo de PSI no Brasil e a emergência da ideologia desenvolvimentista como condutora de
políticas econômicas (TAVARES, 1972; DRAIBE, 1986; BIELSCHOWSKY, 1996; NUNES,
1997; FONSECA, 2003, 2014), questões que serão apresentadas nos próximos capítulos.
A tabela 2 apresenta uma descrição detalhada desta retomada do crescimento.
Tabela 2 – Amazônia: taxas de expansão econômica por setor de atividade econômica (%)
(1947-1963).
Períodos Produto Interno Primário Secundário Terciário
1947/50 2,2 0,8 3,8 2,3
1950/55 4,7 5,7 4,3 4,6
1955/60 11,3 4,3 17,0 11,6
1960/63 5,1 6,7 6,2 3,7
1947/63 6,4 4,5 8,4 6,1 Fonte: BASA (1966) e Villela e Almeida (1966).
Observa-se que a taxa de crescimento da região amazônica entre os anos de 1947 e 1963
foi de 6,4%, número próximo ao crescimento brasileiro da época, que alcançou 5,7%. Todavia,
0
400
800
1200
1600
2000
2400
2800
3200
3600
1800 1815 1830 1840 1855 1870 1885 1900 1915 1935 1950 1965Renda Interna População total
Cabanagem Navegação a vapor
Imigração nordestina
Indústria automobilística
"Boom do mercado"
Colpaso
Batalha da borracha
SPVEA
33
não é possível afirmar categoricamente que a Amazônia expandiu seus níveis de produção
acima do ritmo de crescimento brasileiro do período, haja vista que se excluirmos do computo
a parcela relativa a indústria de manganês do Amapá (ICOMI) e a refinaria de petróleo do
Amazonas, enclaves que tinham pouca interligação com o restante da região, este número reduz
para de 4,1% (BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966).
Desta forma, verifica-se que o crescimento de 4,1% foi insuficiente para reverter a
trajetória do desnível regional de renda, tendo aprofundado ainda mais esta desigualdade.
Indica-se, portanto, que mesmo com a instalação do aparato institucional de planejamento e
intervenção não foi possível diminuir o atraso da região perante as demais regiões brasileiras
mais dinâmicas. Outro dado que reitera esta assertiva é a evolução da renda per capita da
Amazônia, esta que correspondia a 52% da renda per capita do Brasil no ano de 1949 e que
teve somente ligeiro crescimento para o valor de 56% em 1959, ilustrando um avanço limitado
(BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966).
E os dados expressos pela tabela 3 indicam a magnitude dos impactos deste crescimento
na distribuição da participação relativa dos setores econômicos9 entre as unidades da federação
da Amazônia ao longo do tempo. E a leitura conjunta da tabela 2 e 3 nos permite afirmar que o
crescimento verificado no período não decorre da evolução do setor primário ou do setor
terciário, como ocorreu nos tempos áureos da borracha, mas sim resultante uma moderada
diversificação da economia amazônica.
Tabela 3 – Distribuição da Renda Interna (%) por Setor e por Unidade da Federação (1949 e
1959).
Anos 1949 1959
UFs Primário Secundário Terciário Primário Secundário Terciário
Acre 62 2 36 62 2 36
Amazonas 30 9 61 20 34 45
Pará 21 12 68 23 18 59
Amapá 23 2 76 13 56 31
Rondônia 58 4 38 55 9 35
Roraima 35 16 49 58 2 41
Amazônia 29 12 60 23 18 58 Fonte: BASA (1966) e Villela e Almeida (1966).
9 O setor primário abrange o extrativismo, a agricultura e a produção animal. O Setor secundário expressa a
indústria. O setor terciário incorpora o comércio, administração pública, transportes e comunicações,
intermediação financeira, alugueis e outros.
34
O setor primário inclusive apresentou um declínio de sua participação na renda da
região. No entanto, este declínio ocorreu em meio a uma diversificação interna deste setor, com
uma expansão da agricultura e da produção animal em detrimento do extrativismo, como pode
ser observado na tabela 4. Além disto, a tabela 4 também indica o declínio histórico da
importância da borracha na formação da renda do segmento extrativo do setor primário.
Tabela 4 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)
e Borracha no Extrativismo (%) (1890 – 1960/62).
Ano / Subsetor 1890 1900 1910 1920 1950/52 1960/62
Setor primário / Renda Interna 50.8 48.8 44.9 35.8 29.0 26.0
Agricultura 15.1 11.5 4.4 25.3 28.4 33.3
Produção Animal 14.6 10.3 5.0 28.4 20.6 31.5
Extrativismo 70.3 78.2 90.6 46.3 51.0 35.2
Borracha 98.7 99.1 98.3 58.9 62.0* 49.0** Fonte: Com base em Santos (1890-1920) e BASA (1950/52-1960/62). Renda interna a custo de fatores.
* Referente a média do período 1947/1952. ** Referente a média do período 1957/1962.
Queda que não ocorreu de maneira uniforme no território amazônico, tendo o
extrativismo da borracha permanecido com importância significativa no Acre, em Rondônia e,
em menor grau, no Amazonas (tabela 5).
Tabela 5 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)
por Unidade da Federação e Borracha no Extrativismo (%) (1959).
UFs Agricultura Produção
Animal Extrativismo
Participação da
Borracha
Acre 18.7 13.5 67.8 59.9
Amazonas 36.3 26.9 36.8 23.5
Pará 32.0 51.3 16.7 7.1
Amapá 25.0 61.2 13.8 3.0
Rondônia 4.10 6.90 89.0 77.5
Roraima 45.2 42.5 12.3 7.1 Fonte: BASA (1966).
E o gráfico 2 indica que esta diminuição da participação da borracha na formação da
renda regional se deu em maior medida devido à queda do valor de produção, tendo a
quantidade produzida transitado entre 20 e 30 mil toneladas entre da década de 40 e 60, com
um volume médio, entre os anos de 1940 e 1963, de 27 mil toneladas.
35
Gráfico 2 – Produção de borracha natural no Brasil (Toneladas) (1880-1963).
Fonte: Elaboração do autor a partir de BCA (1964).
Uma produção que não cresceu de maneira expressiva mesmo com a escalada dos preços
garantidos pela política de subsídios introduzidas pelo BCB, BCA e CEDB, preços que
obtiveram aumentos acima da inflação ao longo do período (PINTO, 1984), como pode ser
observado no recorte dos anos 1953 à 1970 no Gráfico 3.
Gráfico 3 – Quociente do Índice de preços de venda da borracha vegetal x Índice geral de preços
(1953-1970).
Fonte: PINTO (1984). Linha de tendência em pontilhado.
Uma dinâmica mais sutil do que a do boom da borracha anterior à 1912, mas
significativa acerca da retomada da importância desta matéria prima ao longo destas décadas.
Dados que indicam a manutenção da importância do extrativismo da borracha para o
funcionamento da economia regional e do sistema de aviamento.
E no que diz respeito ao setor secundário, destaca-se a expansão de sua participação
relativa no Pará, Amazonas e Amapá, estados que apresentaram um maior grau de
0
10,000,000
20,000,000
30,000,000
40,000,000
50,000,000
1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960
0.00
0.50
1.00
1.50
2.00
2.50
1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970
36
diversificação de suas atividades, enquanto estados e territórios como Acre, Rondônia e
Roraima prosseguiram com maior participação do setor primário. No Pará esta expansão se deu
sobretudo com a diversificação de sua indústria, com destaque para a participação da indústria
(no ano de 1959) de produtos alimentares (27%), de bebidas (10%), química (9%), da borracha
(8%) e da madeira (8%), que em conjunto perfazem 62% de seu produto industrial. No
Amazonas (no ano de 1959) 3 segmentos industriais perfaziam 60% de seu produto, a indústria
química e farmacêutica (25%), organizada principalmente em torno da refinaria de petróleo, a
têxtil (24%) e de produtos alimentares (11%). No Amapá sua participação industrial é resultado
direto da instalação da mineração do manganês (BASA, p. 125, 1966).
E pelas indicações da tabela 2 apresentada anteriormente destaca-se o ligeiro declínio
da participação do setor terciário na formação da renda da Amazônia. Contudo, no geral ainda
evidencia-se a prevalência do elevado peso do setor terciário na formação da renda da
Amazônia, quadro derivado do papel estruturante do comércio, dada a extrema dependência
comercial da região perante produtos produzidos por outras regiões e a importância do sistema
de aviamento na viabilidade da economia amazônica.
A tabela 6 ilustra esta assertiva e confirma as elevadas cifras derivadas da proeminência
do sistema de aviamento, que inflam a categoria comércio de mercadorias.
Tabela 6 – Distribuição do Setor Terciário na Renda Interna (%) (1949-1959).
Setor / Ano 1949 1959
Terciário 60 58
Comércio 24 25
Administração Pública 12 11
Outros 8 10
Transportes e comunicações 10 7
Intermediação financeira 4 4
Alugueis 1 1 Fonte: IPEADATA, 2016.
E a tabela 7 ilustra que o crescimento econômico do período demonstrou uma tendência
progressiva de concentração da renda na Amazônia Oriental (Pará e Amapá) em detrimento da
Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima). O que ilustra a perdas dos “laços
de solidariedade” (VERGOLINO; GOMES, 2004) entre as subunidades amazônicas, devido a
contínua diversificação econômica.
37
Tabela 7 – Amazônia: Distribuição de Renda Interna (%) entre Amazônia Ocidental e Oriental
(1947-1966).
Ano Ocidental Oriental
1947 43 57
1950 41 59
1955 38 62
1966 33 67 Fonte: PUGA e BASTOS (2016).
No agregado, este conjunto de dados indicam que a dinâmica econômica da região
amazônica no período em questão não tivera êxito em romper com o subdesenvolvimento.
Destaca-se ainda que, mesmo com a introdução de profundas mudanças institucionais, a região
amazônica não apresentou uma expressiva diversificação de sua estrutura produtiva, não
conseguindo instalar a indústria ou a agricultura na centralidade da determinação dos níveis de
acumulação de capital. Todavia, apesar desta limitação, nota-se uma moderada alteração nesta
direção, o que demonstra que as mudanças institucionais instaladas tiveram algum impacto na
destituição da trajetória path dependence em parcela do território amazônico.
No que diz respeito ao efeito da atividade gomífera sobre este resultado, a literatura é
taxativa. Villela e Almeida (p. 193, 1966) afirmam que “o erro mais grave na política de
valorização econômica da Amazônia tem sido o de vincular o desenvolvimento dessa região às
atividades extrativas, sobretudo à produção silvestre de borracha.”. Assertiva que também é
salientada por Côrrea (p. 566, 2004) quando este autor afirma que “o imobilismo social e
tecnológico continuaria sendo a tônica nas décadas de 1950 e 1960, graças à sobrevivência das
mesmas instituições que regulavam a atividade extrativista do século XIX.”.
Assim, de um modo geral, é lícito afirmar que permanecera, em termos mais modestos,
a inércia das estruturas do aviamento, uma vez que o sistema demonstra sua força por meio da
alta participação do comércio e dos níveis moderados do extrativismo, sobretudo da borracha,
com destaque para sua importância no território amazônico, principalmente nos estados do
Acre, Rondônia e Amazonas, e sua inserção em outros ramos do setor primário. Indicações que
corroboram a literatura que sustenta a permanência da importância do sistema de aviamento na
conformação da trajetória de desenvolvimento da região (TUPIASSU, 1965; BASA, 1966;
VILLELA; ALMEIDA, 1966; SANTOS, 1968), mesmo com seu expressivo declínio a partir
da expansão de outras atividades econômicas mais dinâmicas.
38
3 AS ORIGENS DO PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA
AMAZÔNICO
As transformações que a economia e a sociedade brasileira experimentaram entre os
anos de 1930 e 1964 impactaram de maneira decisiva a trajetória de desenvolvimento do país.
A crise de 1929, por exemplo, marca a ruptura do modelo agrário exportador que o Brasil
estivera ancorado por séculos. E assim, de uma economia primária exportadora baseada
sobretudo na economia do café, o país se tornaria uma economia industrial com expressivos
índices de integração vertical (TAVARES, 1972; FURTADO, 2000).
A velocidade desta transformação e sua amplitude denunciam dispositivos catalisadores
destas mudanças. Lista-se no rol de fatores que permitiram o avanço do processo de substituição
de importações (PSI) as alterações nos parâmetros chave da determinação da acumulação de
capital (FURTADO, 2000), nas instituições estatais atinentes a coordenação das variáveis
centrais da acumulação (DRAIBE, 1986) e nas relações estado e sociedade (NUNES, 1997),
elementos que transformaram as condições estruturais e institucionais do país.
Em conjunto com estes elementos, surge neste período uma maior inclinação por
mudanças nos paradigmas e estilos de política econômica, com a instituição da ideologia e
política desenvolvimentista como atributo central das discussões políticas e econômicas do
Brasil (BIELSCHOWSKY, 1996; FONSECA, 2014). Um projeto resultante de um processo
histórico de convergência de correntes de ideias que legitimavam a atuação estatal no domínio
econômico (FONSECA, 2004), possibilitando, desta forma, a implementação do PSI.
Industrialização que aprofundou as desigualdades regionais de renda (TAVARES,
1972). Situação que incitaria a retomada da controvérsia acerca da questão regional amazônica
(FERNANDES, 2011; MARQUES, 2013; TRINDADE et al, 2014). Um contexto que
fomentou estudos e reflexões sobre a formação, a estrutura e a evolução desta região.
Discussões que influenciaram a construção dos projetos de desenvolvimento que foram
implementados na Amazônia ao longo dos ciclos ideológicos do desenvolvimentismo.
Dentro deste contexto, o presente capítulo executará uma reconstituição das conexões
entre o desenvolvimentismo brasileiro e a questão regional amazônica, tal como este parece se
consolidar a partir dos anos 1950 e 1960. Identificando nesta interação as especificidades da
ideologia e política desenvolvimentista que surgiu na Amazônia entre os anos de 1940 e 1966,
revelando suas principais influências e temáticas, além de discutir sua importância na
controvérsia sobre o desenvolvimento da borracha na Amazônia.
39
3.1 O desenvolvimentismo e a questão regional amazônica
Com raízes históricas profundas, o desenvolvimentismo é um dos marcos da
transformação da economia e sociedade brasileira, tendo substanciado parcela significativa das
decisões do estado nacional de 1930 até 1980 (BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005). E após um
interregno neoliberal nos anos 1990, têm-se uma retomada das discussões acerca do papel do
estado na condução de um projeto de desenvolvimento nacional (FONSECA, 2014), o que
conduziu a agenda de pesquisa da HPEB a investigar o debate desenvolvimentista instalado no
país durante boa parte do século XX.
Uma das fontes de inspiração desta agenda de pesquisa vem de interpretações pioneiras,
com destaque para o trabalho de Bielschowsky (1996), uma obra que ficaria conhecida por se
debruçar sobre a investigação da construção teórica, analítica e ideológica do projeto de
desenvolvimento nacional elaborado entre os anos de 1930 e 1964, período que o autor definiria
como o ciclo ideológico do desenvolvimentismo, com sua origem (1930-1945),
amadurecimento (1945-1955), auge (1956-1960) e crise (1961-1964). Investigação que utilizou
como conceito norteador a compreensão de que desenvolvimentismo consistiu em:
“[Uma] ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto
econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais:
a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento
brasileiro;
b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através
das forças espontâneas do mercado; e por isso, é necessário que o Estado a planeje;
c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os
instrumentos de promoção dessa expansão; e
d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando
recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a
iniciativa privada seja insuficiente.” (BIELSCHOWSKY, p. 7, 1996).
Uma concepção que, em geral, vincula o desenvolvimentismo à problemática do
planejamento estatal e da industrialização, relacionando estes elementos a episódios históricos
como o período de Vargas, JK e dos governos militares, assim como a fenômenos associados à
políticas econômicas tratadas como intervencionistas, tais como políticas pró-crescimento
econômico, de criação de empresas ou controles estatais, nacionalistas e etc. (FONSECA,
2014).
No entanto, posteriormente identificou-se na abordagem de Bielschowsky (1996) uma
série de restrições para a compreensão da amplitude e complexidade das experiências históricas
consideradas desenvolvimentistas. Portanto, a partir da ciência destes limites, revisões críticas
mais recentes (FONSECA, 2004, 2014; BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005) questionaram dois
40
pontos: 1) o conceito de desenvolvimentismo, discutindo seus critérios definidores e suas
influencias originárias; e 2) a delimitação temporal do desenvolvimentismo, revisitando os
períodos históricos que permitiram a emergência desta experiência.
Fonseca (2014), por exemplo, seria uma das principais referências nesta investigação
dos atributos formadores do desenvolvimentismo, investigando a forma como a ideologia
desenvolvimentista havia se expressado historicamente em vários contextos históricos.
Utilizando um teste de variáveis-perguntas as experiências históricas desenvolvimentistas
expressas na literatura acadêmica, Fonseca (2014) identificou quatro elementos como parte
constituinte do que ele passaria a chamar de “núcleo comum” entre as diferentes experiências
desenvolvimentistas, quais sejam: 1) um projeto nacional deliberado ou estratégia para a nação;
2) intervenção estatal consciente para viabilizar o projeto de desenvolvimento; 3)
industrialização; e 4) capitalismo como sistema econômico.
Elementos que levaram Fonseca (2014) a definir o conceito de desenvolvimentismo
como:
“a política econômica formulada e/ou executada, de forma deliberada, por governos
(nacionais ou subnacionais) para, através do crescimento da produção e da
produtividade, sob a liderança do setor industrial, transformar a sociedade com vistas
a alcançar fins desejáveis, destacadamente a superação de seus problemas econômicos
e sociais, dentro dos marcos institucionais do sistema capitalista.” (FONSECA, p. 28,
2014).
O resultado desta pesquisa produziu uma interpretação distinta das impressões expostas
por Bielschowsky (1996), ampliando as possibilidades de investigação para outras direções e
frentes de pesquisa. Em primeiro lugar, destaca-se desta conceituação que o
desenvolvimentismo deve ser compreendido enquanto um projeto nacional deliberado, o qual
se traduz em políticas econômicas que são formuladas e/ou executadas pelo Estado, seja ele em
nível nacional ou subnacional.
Nesta concepção, revela-se o atributo de intencionalidade da implementação do projeto
como atributo definidor das experiências desenvolvimentistas, o que estende a interpretação
para projetos que nem sempre tiveram êxito em sua implementação, podendo se ver restritos
tão somente a condição de planos e programações. Além disso, se reconhece a amplitude que
este projeto teve, tendo, inclusive, feito parte de experiências de âmbito estaduais ou regionais,
e não só nacionais.
Em segundo lugar, nota-se a centralidade da indústria para o desenvolvimentismo. No
entanto, Fonseca (2014) afirma que a proeminência deste atributo que historicamente estivera
na liderança do projeto e do conceito não significa a ausência de propostas para os demais
41
setores, como agricultura, comércio e etc., salientando que a industrialização deve ser
compreendida como uma das expressões da incorporação do progresso técnico e da repercussão
de seus efeitos nos demais setores da economia.
Portanto, inclui-se na definição de desenvolvimentismo as métricas de expansão da
produção e da produtividade da economia, medidas que, em geral, são acompanhadas de
progresso tecnológico. Abordagem que amplia o escopo de análise tanto por incluir políticas
não exclusivamente ligadas à indústria quanto também elencar um outro rol de políticas
institucionais, tais como a criação de leis, códigos, empresas estatais, órgãos, conselhos,
tratados internacionais e etc.
Em terceiro lugar, destaca-se os objetivos da ideologia e política desenvolvimentista,
haja vista que “transformar a sociedade com vistas a alcançar fins desejáveis, destacadamente
a superação de seus problemas econômicos e sociais”, revela o imperativo de alteração do status
quo, finalidade que requer de medidas de superação dos gargalos e restrições que se
antepunham a implementação de uma moderna economia, respeitando os “marcos institucionais
do sistema capitalista.”.
Objetivo que seria perseguido através de políticas de enfrentamento de um leque variado
de áreas, como por exemplo a baixa produtividade, a concentração de renda, as desigualdades
regionais, os baixos indicadores de saúde, da educação e da poluição ambiental, dentre outros
(FONSECA, 2014). O que demonstra que o desenvolvimentismo não se restringia somente a
industrialização como via única de superação do subdesenvolvimento, ultrapassando a restrita
visão de dominância de aspectos econômicos observada em Bielschowsky (1996).
Em relação a delimitação do temporal, Bielschowsky e Mussi (2005) redimensionaram
os limites temporais do desenvolvimentismo e argumentaram que existiram mais de um ciclo,
sendo o primeiro, o original, iniciado em 1930 e findo em 1964 com o golpe militar, e o
segundo, a modernização conservadora, abrangendo os anos de 1964 e 198010. Elencando ainda
que após estes ciclos se iniciaria uma era da instabilidade macroeconômica inibidora das
discussões sobre desenvolvimento (1980-2005). E a atualidade, segundo Fonseca (2014), seria
marcada por uma disputa entre velhos, novos, social-desenvolvimentistas e neoliberais.
E neste esforço de revisão da delimitação temporal, Fonseca (2004) seria o autor que se
debruçou de maneira mais aprofundada sobre a historicidade do desenvolvimentismo. Seus
achados ilustraram que o desenvolvimentismo seria tributário de um longo processo histórico
de amplitude e complexidade considerável, anterior mesmo a década de 1930. Fonseca (2004)
10 Período subdivido por tempos de amadurecimento (1964-1968), de auge (1968-1974) e auge e fragilização
(1974-1980).
42
argumentou que o desenvolvimentismo teria se originado na convergência de quatro correntes
de ideias que legitimavam a atuação estatal no domínio econômico e na promoção da
industrialização do país, os quais são: 1) o nacionalismo; 2) intervencionismo pró-crescimento;
3) a defesa da indústria; e 4) o positivismo11.
Elementos que emergiriam, em um corpo comum de ideias, para a formação da
ideologia e política desenvolvimentista. União que se tornaria “um guia de ação voltado a
sugerir ou justificar ações governamentais conscientes”, transformando-se no “elo que unifica
e dá sentido a toda a ação do governo” e em “um fim em si mesmo, porquanto advoga para si a
prerrogativa de ser condição para desideratos maiores, como bem-estar social, ou valores
simbólicos de vulto, como soberania nacional.” (FONSECA, p. 2 e 3, 2004).
Além disso, Fonseca (2004) também destaca que o embrião desta ideologia e política
remonta a tempos anteriores a década de 30, no Brasil e na América Latina. Mas assevera que
sua origem apareceria pela primeira vez nas medidas de Getúlio Vargas no governo do Rio
Grande do Sul em 1928, como ilustra a passagem:
“Nele as quatro vertentes formadoras do desenvolvimentismo aparecem associadas
não só como propostas, mas como medidas que o governo começa a implementar,
configurando o embrião de nova relação entre Estado, economia e sociedade, ao
sugerir que o primeiro deveria estar à frente das duas últimas, como forma de
estimular seu desenvolvimento. Esta palavra gradualmente substitui o progresso, de
matriz positivista, mas desta herda a noção de marcha progressiva, de evolução, de
um destino da história; o governo deveria estar à frente de uma construção.”
(FONSECA, p. 17, 2004).
Por fim, cabe notar que as obras de Bielschowsky e Mussi (2005) e Fonseca (2004;
2014) ilustraram a abrangência de conteúdo da ideologia e política desenvolvimentista, bem
como a historicidade de seus atributos formadores. Além disso, também evidenciaram que a
discussão sobre o desenvolvimento do país não estava restrita aos limites definidos no conceito
de desenvolvimentismo de Bielschowsky (1996), o que estende o campo de atuação e de
controvérsias desta a um amplo espectro de temáticas, ampliando seu raio de influência no
tempo e no espaço.
E estas impressões extraídas da literatura nos permitem ampliar nossos esforços para a
compreensão da complexidade das experiências históricas relacionadas ao
desenvolvimentismo. Perspectiva que nos incita a pesquisar com novos olhares a questão
regional amazônica dos anos 1940 à 1966, com maiores graus de liberdade para elaborar
11 Em trabalho posterior, Fonseca (2014) salientou que a contribuição do positivismo à gênese do
desenvolvimentismo deve-se ao fato deste corresponder a uma “consciência da necessidade da mudança para um
estágio superior ou desejável, a qual exigiria e justificaria ações e medidas voltadas para alcançar determinado
fim” (FONSECA, p. 14, 2014).
43
hipóteses sobre a incorporação da variável regional dentro do rol de possibilidade do projeto
desenvolvimentista brasileiro.
Duas razões nos indicam nesta direção. A primeira reside no fato de que “para o
economista e demais cientistas sociais, os conceitos são também instrumentos, ou seja,
ferramentas necessárias e úteis para formular e testar hipóteses.” (FONSECA p. 26, 2014) e,
portanto, se constituem em “instrumento válido e útil para respaldar a decisão do cientista social
para nele enquadrar ou não determinado fato ou objeto de investigação.” (FONSECA, p. 30,
2014). O segundo motivo é que, ainda segundo Fonseca (p. 37, 2014), enquanto persistirem as
condições históricas que deram ensejo ao surgimento do desenvolvimentismo, como a
consciência do atraso, o subdesenvolvimento e etc., permanecerá latente a importância e a
influência deste ideal enquanto estratégia de superação desta condição, ainda que seu projeto
exija permanente atualizações. O que revela a importância de se levar em conta a historicidade
dos projetos de desenvolvimento.
E será este conceito e esta delimitação temporal que norteará nossa investigação, uma
vez que toda a discussão envolvida em torno da controvérsia sobre a borracha e sobre a
problemática regional amazônica se deu em torno do problema da superação do
subdesenvolvimento, objetivo central da ideologia e política desenvolvimentista. Perspectiva
que nos incita a enveredar por análises que desvendem a complexidade dos fatores históricos
envoltos na construção das políticas de desenvolvimento regional amazônico.
Políticas que seriam formuladas a partir de uma série de interpretações acerca do
desempenho econômico, da especificidade e da complexidade do território amazônico, a partir
de obras que compõem uma ampla coletânea de estudos que abrangem áreas diversas do
conhecimento humano. Achados derivados de expedições científicas e oficiais formadas por
filósofos, naturalistas, botânicos, militares, agentes da coroa, visitantes corriqueiros, entre
outros estudiosos, que expuseram relatos sobre a região que inscreveram no imaginário certa
“fascinação e pavor a um só tempo” (WEINSTEIN, p. 21, 1993).
Alcunhas como “Paraíso Tropical”, “Inferno Verde”, “Celeiro do Mundo”, entre outros,
são exemplos destas impressões que oscilaram entre a exuberância e o infortúnio dos trópicos.
Expressões que evidenciam a controvérsia quanto a adequabilidade da Amazônia a exploração
econômica e a vida humana. Visões controversas que iriam expor um debate acerca dos
fundamentos e caminhos ideais que poderiam possibilitar ou restringir uma trajetória de
desenvolvimento virtuosa na região amazônica.
E um dos principais efeitos produzidos por esta vasta coletânea seria a exposição de
variadas formas de pensar o problema amazônico. Visões que convergiriam para a formação de
44
uma tradição de pensamento que iria orientar as discussões acerca da superação dos dilemas da
questão regional amazônica ao longo do século XX. Tradição cujos atributos se enraizariam na
história do pensamento sobre o desenvolvimento da região amazônica, vindo a fazer parte da
formação de toda uma geração de políticos, empresários, técnicos de órgãos governamentais e
intelectuais, atores que seriam protagonistas dos acalorados debates durante a construção dos
projetos de desenvolvimento para a região. Projetos cujo principal resultado seria a cristalização
de uma profunda desigualdade no acesso a bens, serviços e cidadania a ampla parcela da
população amazônica (LOUREIRO, 2004).
Desta coletânea de trabalhos destaca-se a hipótese divulgada por Loureiro (2004) e
desenvolvida por Fernandes (2011). Hipótese que sustenta que existiria uma tradição de
pensamento e um projeto de desenvolvimento regional na Amazônia, forjado durante os anos
1940, 1950 e 1960, o qual seria influenciado por uma gama de vertentes teóricas e referências
intelectuais e que substanciariam a implementação dos alicerces do que a literatura interpretou,
pouco tempo depois, como um tipo de “modernização seletiva” ou “modernização de
superfície”. Uma base de reflexão que seria designada por Fernandes (2011) de
“desenvolvimentismo-regionalista amazônico”, com a definição que segue:
“(...) um conjunto de idéias e iniciativas – de cunho político, econômico e cultural –,
que tinham em comum um conjunto de diretrizes voltadas para a formação de um
projeto de desenvolvimento regional em um caráter, ao mesmo tempo, independente
e complementar em relação ao projeto desenvolvimentista brasileiro (...)”
(FERNANDES, p. 251, 2011).
Ideário que tem sua gênese e consolidação garantida pela convergência de correntes de
ideias que acompanharam, de modo mais ou menos intenso, o decurso histórico do
desenvolvimento da região, os quais são: 1) o desenvolvimentismo; e 2) o regionalismo.
Corrente de ideias que, entre a conciliação e o conflito, dialogariam para a formação de uma
tradição de pensamento que exerceria papel ativo na conformação das características
institucionais e do conteúdo das políticas de desenvolvimento regional que condicionaram a
formação histórica e a performance econômica da Amazônia ao longo de seu processo de
desenvolvimento no século XX.
Um modelo explicativo que tivera papel ativo na conformação da realidade amazônica.
E cuja ciência de sua importância nos ajudam a reconstituir do ponto de vista histórico:
“o mosaico de conflitos, interesses e características que alimentaram (...) as regras de
funcionamento do ambiente institucional amazônico durante o chamado período do
nacional-desenvolvimentismo no Brasil. Características que passaram a se constituir
enquanto moldura de um campo institucional mais complexo que ao mesmo tempo se
conserva e se modifica ao longo do tempo, à medida que seus fatores de estabilidade
são pressionados e constrangidos por elementos externos. Conformando, ao longo da
45
história, uma determinada trajetória de evolução institucional de característica muito
específica e de dimensões e formato de natureza tipicamente “amazônica”.
(FERNANDES, p. 21, 2011).
Uma trajetória histórica que é produto deste padrão de interpretação e de ação, esta que
incorporou “biologismos, geografismos e dualismos” (ALMEIDA, p. 63, 2008) em formas de
pensar o problema amazônico que, mais tarde, se revelariam como “limites institucionais e
empecilhos para o desenvolvimento de políticas mais adequadas de desenvolvimento regional.”
(FERNANDES, p. 25, 2011). Pois, como salienta Alfredo Wagner de Almeida (2008):
“Os fundamentos do “modelo” explicativo produzem obstáculos epistemológicos a
serem removidos por esta leitura crítica. Considero, além disto, que eles devem ser
submetidos à crítica porque eles se encontram hoje derramados disciplinadamente nas
explicações eruditas, foram transmitidos por um inconsciente coletivo, característico
do mundo savant, e teceram uma camisa de força para se pensar a Amazônia, que vige
notadamente nos meandros das políticas governamentais. Este senso-comum erudito
sobre o que se denomina de “Amazônia” ergue, assim, obstáculos ao conhecimento
específico de processos reais e de realidades localizadas.” (ALMEIDA, p. 63 e 64,
2008).
Crítica que se constitui em uma etapa de fundamental importância para a compreensão
da complexidade das restrições impostas ao processo de desenvolvimento da região amazônica.
Crítica de um padrão de pensamento e de um projeto de desenvolvimento que se estabeleceu
nos seguintes pontos:
“1) Primeiro, era um projeto que buscava superar de modo definitivo, e por meio do
planejamento, o longo período considerado de letargia e estagnação que se sucederia
imediatamente à crise da economia da borracha no início do século XX.
2) Para isso, e como seu corolário principal, o novo discurso em formação pregava
também a necessidade, entre outras coisas, de diversificação da base econômica
regional rumo a uma ampliação de seus fundamentos produtivos agrícolas e
industriais;
3) Em terceiro lugar, tinha-se que entre os instrumentos propostos para superação dos
entraves e das limitações do ambiente institucional amazônico, uma atenção especial
deveria ser dada para a melhoria das condições básicas de educação, saúde e
infraestrutura (considerados como gargalos intransponíveis para um processo de
desenvolvimento regional na Amazônia);
4) Em quarto lugar teríamos uma diretriz mais de cunho científico e geopolítico
voltados para a formação de instituições de pesquisa de grande envergadura; com o
sentido, muito preciso, de desvendar as potencialidades (naturais) regionais e o
domínio (nacional) sobre a produção de conhecimento sobre a Amazônia. O que, no
contexto da década de 50, irá representar uma estratégia com o objetivo de garantir a
soberania nacional sobre a região;
5) Por fim, um certo consenso se constrói também, neste período, em relação à
necessidade de se integrar a Amazônia à economia brasileira. A novidade, no entanto,
está relacionada a uma compreensão do processo de integração que leva em conta a
preservação da identidade cultural e política da região amazônica enquanto estratégia
suplementar ao projeto desenvolvimentista de matriz nacionalista.” (FERNANDES,
p. 251 e 252, 2011).
Destaca-se desta tradição de pensamento a integração de elementos centrais do
desenvolvimentismo brasileiro (como a consciência do atraso e uma noção geral de progresso),
46
e do regionalismo (enquanto alternativa ao nacionalismo e de defesa dos interesses regionais)
como abordagem que valoriza as especificidade dos diferentes processos históricos e modelos
de colonização que permitiram a adaptação do homem aos trópicos (FREYRE, 1964; BASTOS,
2006; FERNANDES, 2011). Uma abordagem que levava em conta tanto o contexto nacional
quanto as especificidades e a complexidade históricas inerente ao estágio de evolução da
economia e sociedade amazônica, a qual deveria levar em consideração a sua diversidade
ecossistêmica, política, social e cultural, assim como a peculiaridade do extrativismo e do
sistema de aviamento.
Um projeto que imputava ao Estado a responsabilidade pela integração da região ao
restante da nação, pela manutenção da soberania nacional frente a cobiça internacional e pela
superação do atraso e da estagnação da região amazônica. Objetivos que deveriam ser
alcançados através da ocupação da “fronteira”, da ampliação dos investimentos públicos em
áreas como infraestrutura produtiva, urbana, demográfica, científica e tecnológica, creditícia e
etc., além da implementação do planejamento e de institucionalidades reguladoras, ideias caras
ao projeto desenvolvimentista. Meios que deveriam ser perseguidos para alcançar o progresso
da região.
Um projeto que se utilizaria do regionalismo como estratégia em favor de uma defesa
conciliatória dos interesses de preservação da autonomia das elites regionais em um projeto de
modernização e integração da região ao restante do país. Uma abordagem que incorporou as
discussões acerca da adaptação do homem ao meio e que exaltava a colonização realizada pelos
portugueses no Brasil, ideias que ancoravam-se, do ponto de vista intelectual, na chamada
ciência da Lusotropicologia de Gilberto Freyre (BASTOS, 2006; FERNANDES, 2011). Uma
leitura que buscaria a construção de uma certa identidade do “homem amazônida”, uma
estratégia de invisibilização dos conflitos e de preservação dos interesses e da autonomia das
elites regionais, demostrando, assim, um forte componente de manutenção do status quo.
Um modelo de interpretação que defendia uma política de diversificação da base
produtiva em direção a maior participação da indústria e da agricultura enquanto caminho para
expansão dos níveis de produtividade e das métricas de bem estar, sem, no entanto, negar a
importância da manutenção dos controles e incentivos ao extrativismo e ao sistema de
aviamento, como condição de equilíbrio da transição da modernização da economia e sociedade
amazônica. Conciliação que não excluía as acusações sobre a irracionalidade e a baixa
produtividade do extrativismo, incorporando a semântica da racionalização, do aproveitamento
das matérias primas regionais, do ideal agrícola e etc., atributos de negação do extrativismo que
47
viriam compor o núcleo do pensamento sobre o desenvolvimento da região amazônica de
maneira mais consistente a partir de então.
E no que diz respeito a consolidação deste ideal ao fim do período em destaque, destaca-
se que isto somente foi possível após intensas controvérsias durantes as discussões acerca dos
rumos da política de desenvolvimento regional na região. Discordâncias que gravitariam,
segundo nossa concepção, entre três modelos de desenvolvimento: 1) um, baseado em uma
concepção agrícola e industrial (fortemente lastreado no nacional desenvolvimentismo); 2)
outro, alicerçado na sustentação das bases mercantis e extrativistas (proposto pelos regionalistas
apoiados no sistema de aviamento); 3) e o último, ancorado na conciliação entre os outros dois
modelos, exposto no desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).
Assim, de um lado, posicionaram-se aqueles pensadores que circulavam mais próximo
ao nacional desenvolvimentismo. Autores que promoviam uma ideologia fundada em bases
agrícolas e industriais como alternativa ao sistema de aviamento e ao extrativismo, o qual
acusavam o sistema tradicional de se constituir em uma barreira ao despertar de uma moderna economia
na região. Salientado a irracionalidade e a disfuncionalidade do extrativismo e do comércio enquanto suporte para
o processo de desenvolvimento que haveria de vir.
De outro lado, destacavam-se aqueles pensadores que vinculavam-se as seculares bases do
sistema de aviamento e do extrativismo da borracha. Autores que divulgavam a potencialidade
e a capacidade do extrativismo e dos recursos naturais da região em restaurar a dinâmica
previamente alcançada nos idos do grande boom da borracha, potencial que seria reforçado
pelos impositivos dos Acordos de Washington e das necessidades de fornecimento da borracha
pela indústria do Centro-Sul. Autores que acreditavam não haver contradição radical entre o
extrativismo e o desenvolvimento almejado.
E entre estes dois polos, encontravam-se aqueles novos atores e intelectuais que visavam
conciliar estas posições dispares, os chamados desenvolvimentistas-regionalistas. Autores que
discorriam sobre o imperativo de modernização da economia amazônica, sem, no entanto, negar
a imprescindibilidade de um controle sob a transição do modelo de economia extrativista
mercantil rumo à diversificação produtiva da economia amazônica, haja vista a importância
deste segmento na estruturação do produto da região e na manutenção do status quo.
Correntes de pensamento que, entre a conciliação e o conflito, dialogariam no decorrer
dos movimentos da história e das discussões acerca da superação do subdesenvolvimento da
região, em reuniões, livros, artigos, discursos e relatórios técnicos entre os anos de 1940 e 1966.
Discussões que ao fim do período alçaria o desenvolvimentismo-regionalista amazônico à
hegemonia do padrão interpretativo dos problemas da Amazônia. Uma tradição intelectual que
48
teria sua influência originária no primeiro esforço de Euclides da Cunha em tentar conciliar um
projeto de desenvolvimento que fosse ao mesmo tempo nacional, mas lastreado em reflexões
sobre a especificidade do homem amazônico (MORAES, 2001; PINTO; BASTOS, 2007;
FERNANDES, 2011, 2013).
Neste sentido, é consenso na literatura que seria Euclides da Cunha o grande responsável
pela renovação da interpretação acerca do problema amazônico em meios intelectuais no Brasil.
Fato não só reconhecido pela literatura como também explicitamente apontado pelos escritos
da época, o que ratifica o papel que Euclides da Cunha teria na construção do pensamento
desenvolvimentista na região amazônica (MORAES, 2001; PINTO; BASTOS, 2007;
FERNANDES, 2011, 2013).
E em seu ensaio Um Paraíso Perdido (primeira publicação datada de 1908) Euclides da
Cunha (2000) descreveria as vicissitudes e debilidades que infringiam a população da região à
época do auge do boom da borracha, lançando luz sobre as condições que perpetuavam o atraso
regional e despertando a consciência da nação acerca do problema amazônico. Uma obra que
assumiria o papel de um verdadeiro monumento síntese da região (MORAES, 2001;
FERNANDES, 2013). Pois como destaca Fernandes (2013):
“Será com Euclides da Cunha, portanto, segundo nossa interpretação, que teremos
pela primeira vez uma inserção realmente organizada de uma matriz de pensamento
sobre a Amazônia em íntima relação com o desvendar dos problemas das
desigualdades regionais do país. Uma abordagem que alia o ímpeto
desenvolvimentista nacionalista das décadas de 50 e 60, com a observação rigorosa
das peculiaridades, dificuldades e desafios do processo de desenvolvimento da
Amazônia.” (FERNANDES, p. 4, 2013).
Neste ensaio Euclides da Cunha explicita a tragédia da terra e do homem amazônico. A
instabilidade e o descaso dos poderes públicos, que eram figuras constantes na região. O
abandono do Estado nacional era latente. As fronteiras ainda estavam por ser definidas. O atraso
reinava enquanto o abandono e o meio influíam na operacionalização da extração da borracha.
O homem amazônico, sintetizado na figura do seringueiro, ora era visualizado como herói em
sua tratativa com o meio ora era a vítima de um destino cruel. Sua luta com a terra era ainda
mais intensa quando integrava-se as elites regionais, os barões da borracha. Uma luta contra o
sistema espoliativo do aviamento.
O conhecimento do meio ainda estava em estágio embrionário, “aos fragmentos”, e sua
exuberância e magnitude imprimiam a tônica dos discursos carregados. Características de um
espaço territorial onde as raças se adaptavam em uma simbiose, em uma ecologia, digna de nota
a ser propagandeada para o restante da nação. Um sertão onde se vivia e morria com anuência
do poder público e cumplicidade das elites, um lugar onde o homem vivia a despeito do meio,
49
este que exercia uma “função superior”, visto que “Policiou, saneou, moralizou. Elegeu e elege
para a vida os mais dignos. Eliminou e elimina os incapazes, pela fuga ou pela morte.”
(CUNHA, p. 157, 2000).
Euclides da Cunha alimenta com esta narrativa ideias como a natureza enquanto
empecilho ao desenvolvimento da região, a frágil integração territorial da Amazônia ao restante
da nação, a situação de abandono a que estava submetida e a denúncia das precárias condições
de vida que seus habitantes enfrentavam. Argumentos que alertavam para a necessidade da
intervenção do Estado nacional tendo em vista os objetivos de suplantar estes obstáculos que
restringiam as possibilidades de desenvolvimento desta parcela territorial do país. Missão que
se tornava ainda mais difícil pela falta de conhecimento e de análises das potencialidades
regionais mensuradas por análises científicas, o que dificultava a definitiva harmonização da
relação homem e natureza na região.
De certo, uma visão que sustentava um ideal de progresso, derivado sobretudo das ideias
positivistas de Euclides da Cunha. Uma ótica que causou grande impacto no público geral,
principalmente pela forma e pelo conteúdo dos problemas retratados. Seria também um ponta
pé inicial para o despertar da nação acerca do intenso desequilíbrio e instabilidade com que
confrontava a região. A partir de então, o atraso da Amazônia, tão alardeado por tantos outros
intérpretes regionais, angariaria contornos de tragédia nacional, compondo mais um dos
fracassos da República Velha. Não seria sem razão que após o alvorecer da revolução de 30 a
superação do atraso da Amazônia viesse a compor um de seus objetivos estratégicos, como uma
tentativa de romper com o legado herdado.
A tudo isso, muito se deve a Euclides da Cunha. Esta missão de despertar a consciência
nacional e alardear as dificuldades impostas pelo meio e pela sua população ao progresso da
região em tons nacionalistas, a partir de uma ótica etnográfica e culturalista, fruto de uma
investigação balizada por critérios científicos. Uma leitura que imprimiu a responsabilidade do
problema amazônico as elites, ao estado nacional, ao meio e ao extrativismo exercido na
floresta, uma atividade humana que era regida sob “a mais imperfeita organização do trabalho
que ainda engenhou o egoísmo humano.”, onde o trabalhador realizava ali uma anomalia, pois
se constituiu no “homem que trabalha para escravizar-se.” (CUNHA, p. 152, 2000).
Portanto, Euclides da Cunha traça paralelos e discute elementos que seriam inscritos na
ideologia desenvolvimentista-regionalista em formação. Seria pela interlocução da necessidade
de integração e manutenção da soberania sobre o território amazônico que este autor incitaria a
necessidade de se fortalecer o ideal de região amazônica enquanto parcela territorial brasileira
carente de esforços e auxílios do governo federal (aspecto central do conceito de
50
desenvolvimentismo), o que iria se configurar enquanto razões e objetivos das intervenções
implementadas na região.
Assertivas que funcionariam para construir certa unidade ideológica, político e social as
elites regionais que utilizariam tais dizeres com o objetivo de pleitear a integração da região à
nação e a preservação de seus interesses. Uma abordagem que salientava a especificidade e a
complexidade da adaptação do meio na região enquanto barreira a se transpor e atributo a se
negar. Utilizando disto como instrumento para angariar apoio estatal, sobretudo científico e
financeiro, para a amparar e superar o modelo de extrativismo e de comércio depreciativos das
iniciativas de desenvolvimento pleno na região.
Seria a partir destas posições que Euclides da Cunha entraria para história regional como
um intérprete de grande influência na conformação da ideologia e política que seria designada
por Fernandes (2011) como desenvolvimentismo-regionalista amazônico. E sua importância
deve-se, sobretudo, “ao reconhecimento de sua influência sobre o debate a respeito da formação
do Estado-nação brasileiro em sua missão e estratégia de integração da Amazônia ao restante
do país.” (FERNANDES, p. 5, 2013).
E os argumentos deste autor viriam a fazer parte da caracterização do meio amazônico
e se reproduzir em diversos outras obras e perspectivas, fazendo parte, sobretudo, da busca por
desvendar o problema amazônico, de tal modo que Euclides influiria, decisivamente, sobre a
“formação de uma nova geração de intelectuais amazônicos”, influentes dos rumos dos “debates
sobre a estratégia de elaboração do Plano de Valorização Econômica da Amazônia durante o
período de auge do nacional-desenvolvimentismo na década de 50.” (FERNANDES, p. 212,
2011).
Geração de pensadores que salientariam o imperativo do desvendamento das
potencialidades da região, pois, como coloca Fernandes (2011), dariam atenção especial a:
“necessidade urgente de sua sistematização e conhecimento como primeiro passo para
seu projeto civilizatório em moldes nacionalistas. Uma tradição que se prolonga em
nossa cultura política-institucional durante décadas, e que valoriza a necessidade
urgente e constante de se produzir conhecimento cada vez mais aprofundados sobre a
região, com o intuito de dominá-la em uma estratégia de integração definitiva da
Amazônia ao território brasileiro, assim como de controlar as suas potencialidades
físicas e naturais para o fornecimento de insumos e matérias-primas para o processo
de industrialização brasileira.” (FERNANDES, p. 6, 2013).
Atributo que iria influenciar a tônica do discurso desenvolvimentista-regionalista
amazônico, pois como levanta Fernandes (2011):
“a obra de Euclides da Cunha representou uma transição de uma tradição naturalista
e literária sobre a Amazônia, para uma tradição de pesquisa mais fortemente ligada à
busca pelo desvendar do conhecimento científico voltado para o desenvolvimento
51
regional. Um movimento intelectual que terá no objetivo do conhecimento das
potencialidades naturais da Amazônia, por fim, seu ponto de chegada nas décadas de
50 e 60. Uma tradição que, no entanto, também viria a receber uma forte influência
de viés regionalista com o desenrolar, e amadurecimento da literatura tropicologista,
que terá em Gilberto Freyre sua figura mais proeminente. Será, portanto, da junção
destes dois componentes (literatura científica e regionalismo tropicalista) que se
formará uma nova tradição intelectual na Amazônia, em íntima relação com os anseios
metodológicos presentes na obra embrionária de Euclides da Cunha.” (FERNANDES,
p. 217, 2011).
Influencias que se faria sentir na formação de uma geração de pensadores que fundariam
esta nova forma de pensar o problema amazônico, a qual incluiria em suas fileiras figuras como:
Araújo Lima, Péricles Moraes, Djalma Batista, Artur César Ferreira Reis, Cosme Ferreira Filho,
Agnello Bittencourt, Samuel Benchimol, Leandro Tocantins, Armando Mendes, entre inúmeros
outros. Pensadores que produziriam um conjunto de interpretações e análises sobre a Amazônia
que imprimiria o sentido e o conteúdo das políticas desenvolvimentistas levadas a cabo na
região amazônica. Autores que serão objeto de nossa investigação, sobretudo aqueles
pensadores que tiveram maior engajamento no debate de ideias no período, sob a justificativa
de terem ditado os rumos da controvérsia acerca da política da borracha na região.
52
3.2 O desenvolvimentismo-regionalista amazônico e a borracha como objeto de estudo
O problema da borracha na Amazônia se tornaria um exemplo das investigações acerca
dos fundamentos ideais que a região deveria perseguir para alcançar o desenvolvimento de sua
economia e sociedade. Sobretudo devido ao fato de que a borracha percorreu uma trajetória
histórica de polêmicas e divergências quanto a adequabilidade de seu modelo de produção para
a sustentação de um desenvolvimento estável e de longo prazo para a região.
Para a definitiva solução do problema gomífero a literatura apontou, quase que de
maneira consensual, a necessidade de se ter coordenado maiores montantes de capital, crédito,
experiência técnica, apoio governamental, além de uma ampla reorganização do sistema de
organização da produção e distribuição dos rendimentos (BASA, 1966; SANTOS, 1980;
PINTO, 1984; DEAN, 1989; WEINSTEIN, 1993), tendo em vista a implantação de um sistema
de plantio de seringueiras, a heveicultura.
No entanto, apesar destes apontamentos, permaneceu ativo um forte questionamento
quanto a factibilidade da instalação deste ideal agrícola no vale, este que compreende a
agricultura como caminho indispensável ou como sinônimo da chegada da civilização, de “uma
qualidade nova da relação do homem com o meio” (OLIVEIRA FILHO, p. 115, 1979). Um
ideal agrícola que nunca conseguiu de fato se firmar enquanto alternativa real a estrutura do
seringal (PINTO, 1984; DEAN, 1989).
E apesar de não ter resultado em expansão das métricas de produção, a controvérsia que
acompanhou a borracha teria o efeito de nortear toda a reflexão envolta na problemática do
desenvolvimento regional amazônico empreendida por uma geração de intelectuais que fizeram
parte dos debates acerca da valorização econômica da Amazônia entre os anos de 1940 e 1966,
discussões cujos atributos centrais se enraizariam no pensamento sobre ao desenvolvimento da
região Amazônia nas décadas seguintes.
Dentro deste contexto, apresentaremos neste tópico uma apresentação introdutória de
como alguns pensadores que viriam a explorar elementos do desenvolvimentismo-regionalista
durante as discussões sobre o problema da borracha no período anterior a 1940. Discussões que
revelariam uma coletânea de estudos que iriam expressar a especificidade e complexidade
amazônica em contribuições individuais que se consolidariam no pensamento sobre o
desenvolvimento da região.
E das impressões dúbias relegadas por Euclides da Cunha sobre as dificuldades de
habitabilidade e adaptabilidade das populações à região, surgiria na década de 30 um
movimento intelectual contestatório deste sentido mais negativo. Segundo Fernandes (2011),
53
seria por intermédio da obra de Araújo Lima (LIMA, 1937), intitulada “Amazônia - a terra e o
homem: com uma introdução à anthropogeographia”, publicada pela primeira vez no ano de
1933, que se iniciaria uma renovação da compreensão acerca dos “fragmentos” levantados por
Euclides da Cunha e demais investigadores da realidade amazônica (FERNANDES, p. 225,
2011). Uma obra que, segundo Moraes (p. 25, 2001), “intenta, simultaneamente, a reabilitação
da terra e do homem”.
Nesta obra, Araújo Lima, médico, cientista social, político e intelectual amazonense,
teceria um estudo que descreditaria os aspectos apontados por Euclides da Cunha quanto a
“pequenez e à incapacidade do homem amazônico” (MORAES, p. 48, 2001). Em
contraposição, iria expor uma perspectiva acerca dos determinantes que constrangiam a
possibilidade de desenvolvimento do “homem amazônico”, figura que carregaria a missão de
resignificar uma região que perdera o caminho do desenvolvimento ao estabelecer seus
alicerces em torno do extrativismo, do comércio e do crédito (LIMA, 1937).
Estabelecido na sociologia e na geografia enquanto ferramental teórico-metodológico,
Araújo Lima seria um intelectual crítico as abordagens que incorriam no determinismo do meio.
Um meio que, de certo, imprimia restrições as potencialidades humanas, mas que não poderia
ser chancelado como principal razão da estagnação e das dificuldades de adaptação do homem
à região. Como alternativa, sustentaria que as limitações decorrentes das características da
região poderiam ser contornadas a partir da introdução de avanços científicos e culturais,
instrumentos que poderiam subtrair a influência natural do meio.
É nesse sentido que Araújo Lima levanta que:
“O homem e o meio — assim devemos compreender — não se isolam, nem se
oppõem: formam um systema de inter-acções, de inter-relações, de relações
reciprocas e dependentes: acção do meio sobre o homem e reacção deste sobre aquelle.
Interdependem e se correlacionam. Formam o complexo "indivíduo-meio” (LIMA, p.
31, 1937).
Uma abordagem que destaca a importância da investigação dos fundamentos
subsidiários a relação do homem e do meio, de sua adaptação e dominação da terra, para a
avaliação das potencialidades e limites do aproveitamento da região amazônica. Uma região
que era “mal vista, pouco conhecida, erroneamente interpretada” e de onde exacerbavam-se
analises a respeito do meio ao passo que pairava ainda uma “nociva ignorância à cerca do
homem” (LIMA, p. 91 e 92, 1937).
Tal perspectiva deslocava o eixo de análise do meio para o homem e ensejava uma
reinterpretação dos fatores que levaram a região amazônica à estagnação após a crise de 1912.
O que subsidiaria o autor a acusar os baixos índices de densidade demográfica e os parcos graus
54
de aperfeiçoamentos técnico-científicos como entraves sanáveis para o desenvolvimento da
região amazônica. Uma visão que contrasta com aqueles pensadores que tributavam o meio
enquanto obstáculo intransponível, pois, como salienta o autor:
“Terra deserta, por ser povoada.
Afigura-se muito agressiva e indomavel. Não ha, em verdade, uma aggressividade
real, especifica e caracteristica da terra: o homem é que se torna muito vulneravel pela
insufficiencia numerica. Não está em causa a qualidade da terra, mas a quantidade de
gente.
A terra não é insusceptivel de ser domada; apenas ainda não o foi, porque o factor
humano é minimo, escasso, mas não é incapaz.
Essa terra não é inferno nem paraiso; não é terra mysteriosa nem terra paradoxal: é
simplesmente uma terra lastimavelmente fraudada e saqueada.” (LIMA, p. 101, 1937).
Fraudada e saqueada por um modelo de colonização que engendrou uma “decadência
precoce (...) caracterizada pela annullação da vitalidade do homem e pelo depauperamento das
fontes de riqueza” (LIMA, p. 102, 1937). Resultados que são tributários da incultura e da falta
de trato dos caboclos e nordestinos na exploração da região. Dois atores sociais que eram
considerados equidistantes do cume da civilização, mas que demonstravam a impropriedade da
noção de que a região era de fato inadaptável ao progresso e à civilização.
Com esta leitura, Araújo Lima apontava que o que faltava a população amazônica era a
pratica da cultura moderna, “o exemplo, a imitação, o treino, a instrução, a educação mental, a
civilização, numa palavra, mas exercida através dos homens e das gerações. (...) Novas idéas –
idéas directrizes, ideaes novos – aspirações despertadas e nobres de grandeza” (LIMA, p. 144,
1937). Portanto, a integração da Amazônia à civilização industrial somente seria realizada a
partir da introdução de avanços tecnológicos e culturais, o que somente seria alcançado ao se
despertar “aspirações e nobres de grandeza”, ideais de progresso.
Neste sentido, Araújo Lima levanta a importância da higiene, educação, saúde e
saneamento como elementos indispensáveis da superação de uma suposta inferioridade física,
intelectual e social dos habitantes da região. Atributos considerados exemplares da
impropriedade do determinismo do meio e das leituras baseadas no conceito de raça. Além
disso, destaca-se também o deslocamento da matriz da problemática amazônica, pois Araújo
Lima inclui o fator histórico na análise da evolução da região, tal como indica:
“Não estão em causa seres anthropologicamente inferiores e incapazes. Trata-se, em
realidade, de um facto histórico, de um estádio inferior de cultura physica e intelectual,
de um recúo, na margem civilizadora, de uma sociedade humana.
Nem fatalidade ethnica, nem fatalidade geográfica.
Acidente sanável, gerado por influencias desviáveis, a civilização fará a sua obra
restauradora, removendo-o e assignlando no seio dessa gente um momento de
esplendor da sua evolução histórica.” (LIMA, p. 147, 1937).
55
E descreditado os elementos que negavam os limites étnicos e geográficos, restava a
revelação dos fatores históricos que se antepuseram ao desenvolvimento dos habitantes da
região. Neste ponto, Araújo Lima afirma que a limitada capacidade produtiva do vale decorria
da economia destrutiva do extrativismo e do sistema de aviamento. Um sistema de organização
da produção que projetou características que favoreciam a “fraude” e o “saque” da região, sem,
em contrapartida, prover elementos dinamizadores ao desenvolvimento regional.
Um extrativismo instável, nômade e dispersador que impactava no esgotamento dos
seringais de tal maneira que, mesmo que não houvesse ocorrido a crise de 1912, ter-se-ia
declarado a desvalorização de todos os seringais amazônicos pela exaustão, haja vista que sua
operação prenunciava a “depreciação, a decadência, o esgotamento dos seringais”. (LIMA, p.
149, 1937). Um sistema produtivo cujas características impactavam na constituição de
latifúndios, no desincentivo a fixação do homem à terra e na ausência de estímulos para
aperfeiçoamentos técnicos e culturais.
Um quadro cujas características poderiam ter sido evitadas através do “recurso do
plantio de seringueiras, isto é, pela transformação dos seringaes nativos (ou silvestres) em
seringaes de cultura intensiva.” (LIMA, p. 154, 1937). Medida que iria incentivar a aglomeração
de núcleos populacionais e a criação de uma economia agrícola construtiva, ao contrário da
destruição do extrativismo. Uma alternativa que considerava factível, uma vez que o cultivo da
hévea foi uma conquista da botânica e da agricultura verdadeiramente cientifica. Um exemplo
caro da improcedência do determinismo geográfico, haja vista que a capacidade técnica poderia
suplantar as dificuldades do meio, através de um processo de adaptação. O que reiterava que “o
que constitue em realidade o meio humano é a sociedade.” (LIMA, p. 163, 1937).
Todavia, sem quaisquer medidas para transformar a situação econômica à época do
boom, a floresta permaneceu “o obstáculo máximo à expansão do homem no deserto
amazonico” (LIMA, p. 167, 1937), restringindo a economia de tempo e de esforço que a
agricultura poderia gerar na imensidão do território da região. Permanecendo o latifúndio como
um dos principais elementos da configuração da economia e da sociedade da região,
característica que, segundo o autor, seria um dos principais obstáculos de uma colonização de
pequenas propriedades, modelo que seria um importante instrumento para a fixação do homem
ao solo, economizando trabalho, barateando produtos e solidarizando a população contra as
asperezas do meio ambiente (LIMA, p. 176 e 177, 1937). Como cita:
“Só assim seria possível um dia a cultura intensiva de seringueiras ou de outras plantas
uteis, a verdadeira cultura economica, base de uma riqueza estável e de uma
prosperidade moralmente bem orientada. Essa seria a solução do problema do
trabalho, da saúde, da economia.” (LIMA, p. 178, 1937).
56
Mas o que de fato permaneceu foi uma colonização fundada por famintos e incultos em
condições de miséria fisiológica e na indigência dos mais rudimentares recursos da civilização
(LIMA, p. 179, 1937). Uma aventura comercial, de onde se originou um “regime de abuso do
credito, de excesso de confiança, de extravagante facilidade de negócios.” (LIMA, p. 180,
1937). Um regime de produção onde “plantar era um crime”, havendo mesmo proibição de
cultivo de produtos alimentícios (LIMA, p. 181, 1937), características do seringal empório.
E no empenho de todos por vender o máximo pelo maior custo, assevera Araújo Lima
que “o factor mais deprimente da vida comercial amazonica era a carestia da vida” (LIMA, p.
183, 1937). E entre a hipertrofia do débito e a atrofia do crédito, um saldo deficitário decorrente
de um sistema produtivo desorganizado, sem método e nem rendimento proporcional. Sistema
que poderia ter dado margem ao surgimento de um outro modelo de economia, como indica:
“Se, no aproveitamento desses seringaes silvestres o esforço inteligente do homem,
através de meio século de exploração, os houvesse transformado em seringaes
plantados, a cultura intensiva das heveas teria reduzido as distancias entre as arvores
e, conseguintemente, augmentado muitas vezes, talvez decuplicado, a capacidade
extractora do seringueiro.” (LIMA, p. 200, 1937).
Deste balanço, Araújo Lima seria assertivo em declarar que:
“Com a faina nefasta de devastação, através da qual se processou no Amazonas a obra
talvez mais vultosa de economia destructiva sobre a terra, ergueu-se uma systema de
trabalho defeituoso e falho, dos alicerces ao vértice, comprometedor da economia, da
producção, da grandeza e da liberdade daquella gente valorosa, que, sem recursos nem
orientação, emprehendeu a tarefa cyclopica de penetrar, desbravar e domar os sertões
amazonicos.” (LIMA, p. 206 e 207, 1937).
Portanto, não era o meio ambiente que antepunha-se ao desenvolvimento da região e
sim o meio social, “falho e desvirtuado, desapparaelhado de tudo quanto fosse capaz de annullar
os inconvenientes e favorecer os estímulos do desenvolvimento natural e hygido.” (LIMA, p.
244, 1937). Desta forma, imprimia uma interpretação de que a realidade amazônica não deveria
ser analisada sem se levar em conta os avanços da técnica e da ciência, pois:
“Socorrido da cultura mental atingida, através do penoso processo de evolução e
aperfeiçoamento, o homem domina a natureza (...)
Com os recursos que a sciencia e a indústria associadas, lhe deram, o homem deixa
de ser um simples efeito do meio, servil e passivo, e surge, na éra contemporanea,
como authentico agente natural, agente geográfico, dominando a natureza e norteando
as próprias directrizes humanas.” (LIMA, p. 253, 1937).
E assim, com este estudo, Araújo Lima teceria uma interpretação que reabilitaria as
possibilidades da região, em uma leitura favorável ao uso dos recursos da ciência na
transformação da civilização na Amazônia. Uma perspectiva que ilustrava um ideal de
57
progresso que visava superar o extrativismo e caminhar para uma estrutura produtiva mais
próxima à indústria e a agricultura, o que inauguraria uma nova modalidade de adaptação do
homem ao meio. Portanto, podemos ilustrar que os elementos contidos em Araújo Lima (1937)
repercutem aspectos centrais que estariam presentes no desenvolvimentismo e no regionalismo,
utilizando de tópicos caros à Euclides da Cunha mas negando o meio como restrição ao
desenvolvimento do vale.
E outro autor que fez fileira as discussões sobre a Amazônia e sobre a borracha foi
Cosme Ferreira Filho12. Este autor se destacaria, nos dizeres de Arthur César Ferreira Reis, pela
sua tentativa de “sensibilizar a consciência regional e nacional” ao problema amazônico, sem
“ficção, mas realismo cru” (FERREIRA FILHO, 1965). Posicionamento que seriam publicados
em uma obra que reúne textos produzidos entre os anos de 1928 a 1965. Obra que reproduz
discursos, projetos de lei, artigos de imprensa, conferências e monografias que acusaram um
diagnóstico de fragilidade da economia amazônica calcada no extrativismo da borracha e
explicitaram, segundo o autor, as razões do “porque perdemos a batalha da borracha.”
(FERREIRA FILHO, p. 13, 1965).
Em um texto de 1928, em meio a análise das possíveis impactos que o empreendimento
agrícola-industrial de plantação de borracha na Amazônia da Ford13 poderia ocasionar, discorre
o autor que, se alcançados os objetivos deste empreendimento, a borracha silvestre amazônica
e os seringueiros que a produzem não poderiam mais concorrer no mercado gomífero.
Argumenta que a borracha amazônica não conseguia acompanhar os custos da borracha de
plantio, dada a incapacidade do seringal e do sistema de aviamento em baratear os custos de
produção, empecilhos decorrentes das doenças e das distâncias e dificuldades de acesso as
árvores.
Acusava o abandono dos poderes públicos a questão da borracha, sobretudo aquela
produzida no Acre e Amazonas, afirmando que a reposta a este problema urgente da civilização
brasileira no norte tivera tons de “negativa impatriótica” (FERREIRA FILHO, p. 25, 1965),
uma vez que, apesar da pequenez da significação econômica da borracha, este produto era o
12 Político, empresário e intelectual que em vários episódios se posicionaria como porta voz do setor comercial da
região, tendo inclusive trabalhado como assessor técnico da Associação Comercial do Amazonas (ACA), mas que
destoaria de boa parte de seus representantes pela sua posição de vanguarda, por se constituir em um entusiasta
dos ensaios agrícolas e das melhorias técnicas enquanto solução para a questão da borracha e para o problema do
atraso regional. 13 Empreendimento que foi uma experiência pioneira de desenvolvimento da heveicultura na região amazônica.
Foi uma tentativa da Ford, empresa americana do ramo automobilístico, contornar a dependência de seu
abastecimento de borracha dos seringais asiáticos, o que a levou a instalar no rio tapajós, na Amazônia paraense,
um grande projeto de experimentação e plantio de borracha (COSTA, 2012).
58
responsável pela “própria integridade das nossas afastadas e desguarnecidas fronteiras com
quatro nações sul-americanas” (FERREIRA FILHO, p. 26, 1965).
Neste sentido, acusa o Estado nacional de aniquilar os esforços de colonização do
território amazônico ao negar proteção à borracha, ilustrando que foi a atividade gomífera a
responsável pela organização da civilização na região, com a construção de cidade, templos,
escolas e campos de pastagens, feitos somente alcançados através da vitalidade da indústria
extrativa. E deste diagnóstico, Cosme Ferreira Filho seria enfático em propor como solução ao
problema da borracha amazônica as seguintes diretrizes:
“o problema da salvação da borracha silvestre consiste em divorciá-la dos destinos da
borracha de plantação, emprestando-lhe uma individualidade comercial distinta,
independente e própria, tal como se ela fora, o que realmente é, uma matéria prima de
caráter e propriedades diferentes, com sua curva particular de preços e de aplicações.”
(FERREIRA FILHO, p. 28, 1965).
Seu posicionamento alude para um tratamento diferenciado a este produto, o que levaria
o autor a propor a criação de um corpo de leis reguladoras de preços compensadores a borracha
amazônica, dada as peculiaridades do sistema econômica e da qualidade deste produto. E além
de clamar por proteção oficial, Cosme Ferreira Filho destaca ainda a necessidade da
implementação, em território amazônico, de manufaturas que utilizam borracha como matéria
prima, sobretudo as fabricantes de pneumáticos e câmaras de ar, para, sob alcunha de melhor
pneumático do mundo, angariar a hegemonia produtiva e integrar verticalmente a produção.
Assim, neste texto de 1928, Cosme Ferreira Filho indicava que o extrativismo da
borracha somente poderia se manter sob proteção oficial e com a garantia de industrialização
de sua produção. Ou seja, utilizando-se de argumentos como o abandono do território e de
integração da região ao corpo da nação, o autor incita auxílio do Estado como saída a debacle
ocasionada pela produção gomífera asiática. Alternativa que deveria conciliar a produção
extrativa, agrícola e industrial como caminho para o desenvolvimento.
E Cosme Ferreira Filho, em textos publicados entre os anos 1934 e 1937, iria salientar
que a borracha constituía-se em exceção aos fundamentos que baseavam o extrativismo de
outros produtos florestais, elevando este produto ao nível de possível sustentáculo da economia
regional. No entanto, posiciona-se nestes textos com desconfiança quanto a heveicultura da
Ford, passando a conclamar uma renovação na mentalidade do empresariado regional em
direção as vantagens das grandes culturas racionais.
Assim, após o texto de 1928 onde defende o extrativismo, ainda que com ressalvas,
Cosme Ferreira Filho passaria a criticar de maneira mais incisiva a extração vegetal e discorrer
sobre os benefícios da plantação de borracha na região, dada a superior produtividade
59
proporcionada por um seringal de plantação, “uma cultura racional e intensiva” ao contrário do
“extrativismo extensivo” (FERREIRA FILHO, p. 57, 1965).
Seria a partir desta nova perspectiva que Cosme Ferreira Filho insistiria que as crises
sucessivas que acometeram a região seriam uma oportunidade para a sustentação de um novo
modelo de desenvolvimento fundado na heveicultura. Um modelo agrícola como alternativa
para o reerguimento da economia amazônica no quadro nacional e como possibilidade de uma
radical transformação dos métodos de produção.
Seus argumentos teciam considerações acerca da necessidade do estado intervir na
economia, estabelecendo medidas de amparo ao produto amazônico com o intuito de revitalizar
a economia regional, proteger as fronteiras e adaptar a estrutura produtiva regional as novas
condições técnicas de produção. Argumentação que era enfatizada com a elevação da borracha
da região ao grau de único veículo possível de autonomia da região, de preservação de seus
interesses de reerguimento da hegemonia perdida.
No entanto, seria em uma monografia publicada em 1938, de título “A Borracha –
Problema Brasileiro”, que Cosme Ferreira Filho desenvolveria de maneira mais organizada seu
pensamento acerca das vantagens do regime racional e intensivo, posição que também vinha
acompanhada de uma defesa do extrativismo amazônico, ainda que realizasse uma defesa com
ciência de seus fatores limitantes e pautasse novas diretrizes para o equacionamento deste
problema.
Inicia este texto indicando que “fora da borracha não subsiste a Amazônia econômica,
social e política. Esta lhe dá características fundamentais e decisivas de vitalidade, atribuindo-
lhe expressão de autonomia, na comunhão brasileira” (FERREIRA FILHO, p. 62, 1965). O que
denota a importância da borracha ao quadro regional e nacional, pelo seu papel na defesa do
território amazônico brasileiro e dos interesses dos países sul-americanos que a produzem.
Prossegue sua exposição discutindo que, ao contrário dos momentos históricos
anteriores, seria hora de concretizar de maneira “racional e humana” a defesa ou valorização da
borracha silvestre sul-americana. Estabelece seu posicionamento de uma maneira crítica ao
modo como produtores, comerciantes e exportadores de borracha vem fazendo há séculos, com
seus “errôneos e arraigados preconceitos” (FERREIRA FILHO, p. 64, 1965).
Discorre e tece críticas sobre quatro setores chaves para a solução do problema
amazônico e brasileiro da borracha, sobre: 1) produção florestal; 2) produção agrícola; 3)
beneficiamento de matérias primas; 4) industrialização.
Para o primeiro ponto apresenta que a saída estaria na valorização tecnológica dos
recursos naturais extrativos do seringal, disciplinando estes cientificamente. Elabora
60
recomendações acerca do refinamento dos métodos de corte e coagulação, o barateamento de
transportes, o estimulo a diversificação do seringal rumo a pecuária e agricultura e melhorias
na saúde dos trabalhadores, medidas que fomentariam seringais caboclo. Todavia, considera
que esta alternativa possuía limitações, em razão de acreditar que esta não substitui a
necessidade de aumento da produtividade, medida através do “máximo de produção no mínimo
de área”, o que é “um vício original de toda e qualquer exploração da floresta na Amazônia”
(FERREIRA FILHO, p. 67, 1965).
Do segundo ponto, ventila a fundação de uma agricultura racional da hévea, indicando
a cultura de seringueiras como alternativa de maior produtividade. Além disso, inclui no
processo de racionalização os benefícios de estabilizar, civilizar, disciplinar e higienizar as
regiões. O que justifica a conjunção de “todos os esforços no sentido de se fundar a agricultura
da seringueira na amazônica, como condição preponderante no plano de seu reerguimento.”
(FERREIRA FILHO, p. 68, 1965), projeto que deveria ser buscado sem prejuízo ao setor
extrativo. Um empreendimento que dependia de auxílio estatal para ter êxito, seja através do
incentivo à iniciativa privada ou obrigando os proprietários de seringais nativos de realizarem
plantações, este último sendo uma solução intermediária ao seringal caboclo e empório.
Todavia, discorria que estas duas medidas não iriam promover diretamente o
reerguimento do vale, somente atenuar seus efeitos, haja vista que a superprodução da borracha
nos mercados mundiais impunha um diminuto preço de venda. Entretanto, argumentava que
tais alternativas eram factíveis devido a possiblidade do Brasil se tornar num futuro próximo
grande consumidor desta matéria prima. Dizia ainda que caso o país não elevasse seus níveis
de produção, corria o risco de se tornar importar de borracha, previsão que iriam se concretizar.
Além disso, discorreu também sobre o incentivo aos setores três e quatro, o beneficiamento da
borracha no país e o estímulo à industrialização.
E após uma longa digressão acerca de cada ponto, conclui ser preferível conduzir um
programa que atue simultaneamente nestes quatro setores chave. Desta forma, elegia a
necessidade de uma reorganização técnica dos seringais, da cultura da hévea, do beneficiamento
e padronização das borrachas e da promoção da indústria da borracha no Brasil, dando menor
ênfase para a reorganização técnica dos seringais. Entretanto, Cosme Ferreira Filho tinha
consciência de que tal projeto teria de enfrentar fortes resistências dos operadores do secular
sistema extrativo e mercantil, já que estas propostas promoviam:
“uma subversão completa da primitiva ideologia salvadora da borracha, que sempre
preconizou a terapêutica da produção barata, da assistência econômico-financeira e
das facilidades de transporte e distribuição, da autonomia alimentar dos seringais,
61
como remédio específico para o conjuramento da situação de angústia em que sempre
viveu, com raros clarões de vitalidade, a produção da borracha brasileira. (...)
Esta subversão da tese clássica tem, por sua vez, a virtude de deslocar o problema de
um ambiente de puro imediatismo mercantil, para a esfera mais alta e esclarecida do
pensamento brasileiro, onde o mesmo passará a ser considerado e equacionado sob
prismas diversos e mais elevados. Ter-se-á em vista não já a obtenção de proventos
ocasionais, de ordem comercial, mas a solução de um problema de Estado,
interessando, fundamentalmente, a economia nacional e envolvendo um de seus
aspectos básicos, que é o povoamento da Amazônia, segunda fórmula de garantir, com
a presença do brasileiro, o domínio efetivo de nossas fronteiras setentrionais.”
(FERREIRA FILHO, p. 97, 1965).
Este prognóstico demonstra a sensibilidade do autor as mudanças institucionais que
vinham sendo promovidas em nível nacional, o que condiciona sua indicação de solução,
recomendando para o equacionamento do problema da borracha amazônica a criação de um
órgão central de planejamento e regulação, o Instituto Nacional da Borracha, órgão que seria
responsável pelo estímulo e amparo destes quatro setores chave.
Além destas proposições, Cosme Ferreira Filho também tece consideração sobre a
antiguidade destas propostas. Cita, por exemplo, os alarmes de Silva Coutinho e Pimenta
Bueno, personalidades que advertiram entre os anos de 1867 e 1882 sobre os “perigos da região
confiar a sua economia num só rumo de trabalho, com abandono de outas proveitosas atividades
agrícolas” (FERREIRA FILHO, p. 104, 1965). Autores que em meio a ascensão do ciclo da
borracha criticaram a proeminência da borracha e a destruição de outras atividades, além de
denunciar o nível de exploração ao qual se submetiam os trabalhadores dos seringais.
Um regime de trabalho que denotava:
“[uma] característica indelével da atividade florestal, desordenada e nômade, que não
civiliza nem constrói (...). E seria supérfluo dizer que a resposta a situação de
desordem (...) está, exclusivamente, na cultura sistemática da “hevea”, com seus
atributos de ordem, disciplina, conforto e rendimento.” (FERREIRA FILHO, (p. 105,
1965).
Ademais isto, Cosme Ferreira Filho encerra esta obra clamando pela criação de um
organismo de apoio e de estabilização dos preços da borracha, órgão que:
“preparará a Amazônia para a grande luminosa cruzada de reconquista de seus direitos
perdidos pela incúria de todos. Êsse consumo interno será o alicerce sobre o qual
ergueremos a construção, ampla e soberba, de nosso futuro agrícola, como plantadores
de ‘hevea’.” (FERREIRA FILHO, p. 107, 1965).
E de maneira mais enfática do que na abordagem de Araújo Lima, Cosme Ferreira Filho
propõe um projeto de desenvolvimento que promovia a conciliação do regime extrativo e as
demais alternativas acerca da questão da borracha. Um projeto que visava subverter o quadro
imposto pelos efeitos deletérios decorrentes da operação do sistema de aviamento e do
extrativismo amazônico. Um projeto requeria planejamento estatal para seu equacionamento,
62
além de amparo científico para a readequação das condições técnicas de produção da região.
Uma intervenção que amparasse a borracha amazônica e protegesse as fronteiras para o devir
de outro modelo de produção que não mais abarcasse o extrativismo. Abordagem que integra
aspectos contidos nos textos de Euclides da Cunha e que preparava o terreno para a emergência
do desenvolvimentismo-regionalista amazônico.
Outra obra de expressão considerável no ambiente intelectual da época foi o livro “O
Ciclo do Ouro Negro” (MOOG, 1975), publicado pela primeira vez em 1936 pelo ensaísta
brasileiro Vianna Moog, uma obra que continha relatos de suas impressões acerca da região
amazônica durante seu exílio na capital amazonense. Um dos autores responsáveis pela
divulgação da tese dos diversos Brasis, do Brasil arquipélago, de um país cindido pelas divisões
de sua estrutura geográfica, econômica, social e cultural, Moog teceria considerações sobre a
especificidade singular da Amazônia, denunciando que esta região de proporções continentais
também fazia parte do arquipélago brasileiro, a despeito o descaso dos poderes públicos.
E de suas viagens aos rios, lagos, paranás e igarapés da região, Moog refletiria sobre as
consequências dos impactos da valorização da borracha na civilização amazônica. Discorre que
o principal efeito da vertiginosa valorização da borracha foi “a ruína quase integral da
verdadeira civilização ajustável à planície” (MOOG, p. 25, 1975), esta que, segundo relata,
vinha previamente se estabelecendo na agricultura, na pecuária e na indústria. Com isto,
responsabiliza a febre do “Eldorado” provocado pelo extrativismo da borracha pelo extermínio
dos “ensaios agrícolas”, o qual teria desmantelado uma “sábia organização agrícola” e iniciou
uma “desenfreada corrida rumo aos seringais” (MOOG, p. 25, 1975).
Destaca que o boom da borracha acarretou no abandono das lavouras, das oficinas e dos
rebanhos e teria custado a negativa dos melhoramentos urbanos, a dispersão da mão de obra, a
destruição das demais atividades, sobretudo dos núcleos agrícolas do interior. Fatores que
teriam levado a perda da experiência agrícola previamente adquirida, a perda de um instrumento
de adaptação do homem ao meio, e cita, em paralelo a Euclides da Cunha e a terra sem história,
que “a arte e a ciência do cultivo da terra na Amazônia é um capítulo ainda por escrever”
(MOOG, p. 27, 1975), episódio o qual os habitantes da Amazônia teriam de recomeçar, exceto
índios e caboclos, exemplos de adaptação à terra e sua instabilidade (MOOG, p. 32, 1975).
Índios e caboclos que são exaltados como sujeitos autossuficientes, desambicionados e
com desamor a prosperidade, o que lhes logrou a conformidade e adequação com a planície
amazônica. Exaltação que destoa das interpretações que alardeiam a falta de ambição como um
defeito das populações regionais. Características que, após a crise da borracha, teriam
63
incentivado a fixação do homem a terra e a permanência de um expressivo contingente
populacional na região.
Reivindica, com isto, o título de bandeirante ainda não teatralizado ao caboclo, o que,
de certo, constitui uma espécie de idealização e um de tipo regionalismo, o estabelecimento de
uma distinção entre este homem amazônico típico e os de fora dela, angariando para este a
qualidade de uma raça (abordagem da qual se utiliza) que deve ser analisada em relação a
civilização que o meio lhe impôs. O que resulta na avaliação de seus impactos a luz das
restrições impostas pelo meio.
E é por esta ótica que Vianna Moog vaticina que, no geral, “na Amazônia não há uma
grande civilização não por culpa do homem, mas por culpa do meio” (MOOG, p. 75, 1975),
uma leitura mais próxima à abordagem de Euclides da Cunha e distinta de Araújo Lima.
Todavia, meio que não é intransponível a civilização, pois a vivência do caboclo, quando
contrastada com as experiências dos demais habitantes da região, impõe que:
“Tudo quanto o homem consegue na Amazônia para fins econômicos é com muita
luta, somente com muito trabalho.
A todos o meio tem implacavelmente derrotado.
Os outros fogem. Só o caboclo fica. A sua desambição, a sua conformidade fez dele
um adaptado à terra. E é afinal o caboclo, esse tão injuriado caboclo, quem nos
assegura a posse do deserto.” (MOOG, p. 76, 1975).
Impressão que o auxiliaria a compor uma visão prospectiva do futuro da região, onde
questiona os rumos da civilização da amazônica e interpõe: “haverá acaso um projeto, cuja
execução seja capaz de levar o homem a triunfar sobre a selva?” (MOOG, p. 115, 1975). E,
entre o contraste entre a riqueza potencial e a efetiva de ser explorada, delineia um diagnóstico
que postula que a “Amazônia é pobre, dramaticamente pobre” (MOOG, p. 116, 1975). Uma
região ainda não civilizada e que, apesar das proposições pretensiosamente simples, intuitivas
e realizáveis, tais como combate as pragas e endemias e possibilidade de exploração agrícola e
industrial, não havia alcançado êxito justamente pela região não ter sido enquadrada
cientificamente, não havia preparado esta região para se tornar “a sementeira de uma grande
civilização” (MOOG, p. 119, 1975).
Projeto que não deveria se constituir em iniciativa individual, mas sim de uma
experimentação de caráter socialista, o que, além de evocar uma alteração do modo de
produção, também ilustra o clamor pelo coletivo e pelo Estado enquanto instrumento de ação
para o reerguimento da região, assinalando, em alusão a Euclides da Cunha, que:
“Somente quando já se tenham levantado as suas cidades, dotando-as de um clima
amenizado dentro dos últimos recursos da ciência, não será mais desumano acenar
para a planície aos cativos do planeta, com as palavras do Gênesis: ‘sai da tua terra, e
64
da tua parentela, e da casa de teu pai, e vém para a terra que eu te mostrarei’” (MOOG,
1936, p. 122)
Passagem que salienta a necessidade de se suplantar os alicerces do modelo de
colonização baseada no extrativismo da borracha e demais produtos extraídos da natureza, já
que este se expressa através da dispersão das populações pelo interior e pela dizimação das
experiências agrícolas. Assim, recorre a citação sobre a Gêneses para clamar a favor da saída
do estágio primitivo ao qual estivera estabelecido a economia e a sociedade amazônica, da
exploração baseada na extração de recursos naturais para um modelo que equacionasse
problemas do clima e do meio através da ciência.
Desta forma, podemos observar na obra de Vianna Moog a utilização de elementos que
seguem a linha do amadurecimento da ideologia desenvolvimentista-regionalista amazônica,
tais como a consciência do atraso e da pobreza desta região constituinte do arquipélago
brasileiro, a necessidade da adaptação do homem ao meio, com a exaltação da ocupação do
“deserto” pelo caboclo e a revelação de sua aptidão no trato com a terra e a denúncia do
extrativismo enquanto atividade nociva ao desenvolvimento do vale.
Uma interpretação que atrela o problema amazônico aos limites do extrativismo e que,
por isso, visa a construção de uma estratégia política intencional alternativa, de transformação
da região na direção do progresso, rumo a indústria e agricultura. Assim, de uma região sem
passado e história, transformar-se-ia em uma região com futuro e desenvolvimento. Uma leitura
que se aproxima do sentido atribuído por Fonseca (2014) ao desenvolvimentismo e inspirada
na tradição de Euclides da Cunha (2000).
E nas fileiras da historiografia emergiria Arthur Cézar Ferreira Reis enquanto um novo
interprete da história da colonização da região14. Um historiador que iria investigar eventos
históricos regionais e utilizar seus achados tendo em vista ensaios prospectivos. Destaca-se de
suas obras o livro “A política de Portugal no Valle Amazônico” (REIS, 1940), publicada pela
primeira vez em 1940. Um estudo que realiza um exame da importância da política de Portugal
para a consolidação das fronteiras nacionais no extremo norte do país, identificando seus
principais personagens e conteúdo.
E como afirma Sidney Lobato apud Fernandes (p. 87, 2011), a importância de tal obra
decorre do fato de que:
14 Autor que iniciaria sua carreira de pesquisa no início da década de 30, tendo como objeto de pesquisa a
investigação da história da Amazônia e da experiência da colonização portuguesa nos trópicos, utilizando-se de
uma abordagem que exaltava o domínio português na região. Um historiador que iria fazer parte da intelectualidade
regional que participou ativamente da construção das políticas de desenvolvimento regional durante a montagem
do aparelho de estado nacional na Amazônia, tendo inclusive participado como superintendente da SPVEA e como
diretor do INPA na década de 50.
65
“Livro lançado pouco depois da instituição do Estado Novo, A política de Portugal no
vale amazônico define as questões mais amplas das pesquisas de Arthur Reis relativas
à Amazônia, de forma que cada um dos seus capítulos se desdobrará depois no tema
de outros livros. Este livro foi dedicado a Getúlio Vargas e a Salazar, bem como à
aproximação entre Brasil e Portugal. A política de Portugal constitui um esforço de
interpretação da expansão, estruturação e manutenção do domínio do Estado
Português sobre a Amazônia, enfatizando que havia um esforço diligente de Portugal
em relação à garantia do domínio do vale amazônico (Lobato, p. 87, 2009, apud
FERNANDES, p. 241, 2011).”
Portanto, nota-se que esta obra prenuncia as linhas gerais de sua interpretação sobre a
Amazônia. Interpretação que seria melhor detalhada em diversos outros livros e artigos, onde
iriam ser expressos diagnósticos e prognósticos relativos aos fatores limitantes e restritivos do
desenvolvimento do vale amazônico. Textos onde este autor divulgaria uma reflexão que teria
por base a ciência da importância do estado nacional na consolidação da soberania territorial da
Amazônia e a imprescindibilidade do direcionamento do sentido da colonização amazônica
para o efetivo domínio da terra pelo homem.
“Tentativa de interpretação. Nada mais”, como afirma ao prefaciar o livro (REIS, 1940).
Mas interpretação que teria ampla influência no ambiente intelectual amazônico da época, haja
vista este autor ter se tornado uma grande referência nos estudos sobre a Amazônia. Influência
que era bem recebida por postular uma visão favorável das possibilidades regionais, em
contraposição aqueles pensadores que tenderam a elencar perspectivas negativas quanto a
ocupação e integração da Amazônia.
Reis (1940) inicia sua reflexão com a investigação das origens da conquista da
Amazônia. Cita os perigos decorrentes do enfraquecimento do domínio português sobre o Brasil
no alvorecer de 1580 e elenca a cobiça de outras nações sobre estes territórios, contexto que
influenciou as investidas portuguesas sobre a região, atuação determinante para o
estabelecimento da cidade de Santa Maria de Belém, atual cidade de Belém. Cita ainda o
empenho português para manter a soberania sobre a colônia ante os progressos dos estrangeiros.
Embate voraz, dado o entusiasmo acerca das riquezas potenciais da região, esta que era exposta
pela literatura de maneira “impressionista” como uma promessa de abundante fertilidade e de
riquezas, tanto minerais quanto vegetais, que imprimam a Amazônia o título de “Novo Oriente”
(REIS, p. 12 e 13, 1940).
E em relação à exploração e significação econômica, Arthur Cézar Ferreira Reis narra
a “exitosa campanha” pelo interior de arregimentação de mão de obra, uma vez que o “espírito
aventuroso” do português e o instinto bandeirante do mameluco (caboclo) atuavam como
diretriz que conduziam a empreitada (REIS, p. 14, 1940). E quando expedidas ordens oficiais
para a ocupação do vale, a penetração “não encontrou embaraços que a fizessem estancar. Nem
66
o indígena, que mais de uma vez tentou cortar o passo ao bandeirante, nem os rigores do clima,
a aspereza da região, toda a acção agressiva da natureza amazônica sequer a emperraram.”,
vencendo com “coragem” e “indiferença a quanto perigo encontrou” (REIS, p. 14, 1940).
Destaca-se do exposto a exaltação das características da colonização portuguesa no
extremo norte do país, a idealização de sua aventura e a elevação do português ao patamar de
homem defensor da causa amazônica, portador, por direito, de suas riquezas e conquistador de
sua soberania. Leitura que teceu tão somente pequenas críticas aos erros, violências e
crueldades inerentes a formação territorial do Brasil, que não foram poucas, como assevera
brevemente. Percebe-se nesta curta apresentação que Arthur Cézar Ferreira Reis imprime a
metrópole portuguesa e ao português o papel de construtor da história da região, vangloriando
suas ações e afirmando que, em alusão aos escritos de Euclides da Cunha, sua chegada a região
produzia a primeira página escrita da história deste território.
Impressões que podem ser extraídas dos dois primeiros capítulos de sua obra, o primeiro
intitulado “a primeira página” e o segundo “bandeirando pela hinterlândia”. Nos demais
capítulos da obra, destaca-se a exposição de temáticas que posteriormente iria ocupar a agenda
de pesquisa deste historiador. São capítulos investigam a organização do estado, a conquista
espiritual, o tratamento do gentio, a manutenção da integridade territorial, o despertar da
inteligência, o estudo da terra e do homem e o direcionamento econômico, seguido de um
capítulo de síntese. E de suas páginas é possível destacar um reiterado pronunciamento de
argumentos que alinhavam-se a elementos que viriam a ser inseridos na ideologia e política
desenvolvimentista-regionalista amazônica.
E o capítulo de síntese congrega satisfatoriamente estes componentes discutidos no
decorrer da obra. Contrapondo a colonização estrangeira em áreas amazônicas à portuguesa,
discute os erros e desacertos dos primeiros quanto a prosperidade e a valorização da terra e do
homem. Fracassos que resultavam da não efetivação da colonização, do povoamento, da
agricultura, da exploração racional da produção nativa e da “execução de uma iniciativa, a
aplicação de um plano” (REIS, p. 111, 1940). Cita ainda a ignorância destes estrangeiros quanto
a geografia da região, de sua especificidade e complexidade característica. Fatos que levam o
autor a afirmar que “no valle amazonico, numa analyse rigosoa, só o trabalho de Portugal foi
productivo”. (REIS, p. 112, 1940).
Exaltação do feito português que é acompanhada da alusão a sua luta contra a natureza
da região, a qual puderam amoldar-se, aceitando-a, contemporizando e servindo-se (REIS, p.
112, 1940). Tendo executado uma política de constituição de uma nova família, de adaptação,
de miscigenação com os habitantes da região, os indígenas. Uma política de adaptação do
67
homem ao meio, portanto. Uma política que, ao criar habitantes adaptados e vinculados à causa
da região, de seu amparo e proteção, viria a constituir um instrumento a favor da resistência
frente a cobiça das nações estrangeiras, de seus cientistas e das investidas de “ideologias
avançadas, liberaes, o estremismo da epoca” (REIS, p. 114, 1940).
E no desvendamento da atuação estatal no âmbito da produção que este autor traça
paralelos e destaca a similaridade entre o modelo português de colonização e as políticas
pensadas no contexto histórico que circunscreve a publicação de sua obra. Semelhança que é
descrita no capítulo que investigou a direção econômica imprimida por Portugal à região. Pois,
ao exemplificar que “Nada se realizou, no campo da produção, que não tivesse sido controlado,
orientado pelo Estado.” (REIS, p. 109, 1940), Arthur Cézar Ferreira Reis iria trazer lições do
passado para aqueles tempos de alteração na mentalidade atinente à atuação do estado no
domínio econômico. E prossegue:
“Portugal, no caso especial da Amazonia, realizou uma esclarecida politica
econômica. Aproveitou-lhe as riquezas. Assistio-as carinhosamente. Evitou que as
destruíssem, como era do espirito do colono. Regulou-lhes os preços e sahida do valle.
Não as comprimio com taxações vexatórias. Defendendo-as da concorrência estranha.
Fel-as substituir espécies que rareavam pela difficuldade de as buscar no Oriente.
Manufacturou-as na região. Não impedio tentativas industriaes. Promoveo a creação
de rebanhos. Defendeo o futuro imediato da colônia vedando a exploração do sub-
solo. Promoveo a immigração de excelentes elementos para a colonização. Na
miscigenação, tentou constituir um typo humano próprio para as condições da região.
Na concessão de sesmarias, regulou-lhes a extensão, para evitar o latifundio, que desse
margem ao aparecimento do potentado. Política de orientação clarividente, portanto.
Não politica liberal, de produção desorientada. Mas politica economica em que se
pode sentir a existencia de plano. Plano de valorização, como é da technica actual.
Economia orientada, para não dizer, como hoje, economia dirigida.” (REIS, p. 109 e
110, 1940).
Diretrizes econômicas que até 1730, segundo afirma o autor, não foi estabelecida com
o intuito de valorização da terra e do homem, mas sim realizada de acordo com as contingências,
das necessidades do momento, não desprendendo-se, todavia, das condições regionais, suas
peculiaridades humanas e geográficas (REIS, p. 116, 1940). Situação que, no período posterior,
iria constituir em um programa que visava:
“promover o desenvolvimento de todas as energias do solo, a exploração racional da
produção expontanea, a fixação definitiva do colono, com a propriedade e o lar, de
par com outras varias medidas, decretadas com absoluta segurança nessa direção”
(REIS, p. 116, 1940).
Programa que, segundo relata, não se concretizou devido a erros e imprudências em sua
execução, destoando da forma e das intenções que a Coroa portuguesa ordenou. Além disso,
cita também que o meio teria atuado em sentido contrário a consecução deste plano, “meio
rebelde, agreste, ainda hoje ferozmente selvagem reagia, Ainda agora reage.” (REIS, p. 119,
68
1940). Ainda assim, para Arthur Cézar Ferreira Reis, a dominação portuguesa satisfez o
imperativo de controle geopolítico e científico da região.
Além disso, destacava como maiores feitos “o descobrimento e a conquista, o
consentimento dos naturaes, as despesas feitas pela corôa, os tratados de limites.” (REIS, p.
120, 1940). Realizações que levava este autor a concordar com Joaquim Nabuco, para quem
“Nada nas conquistas de Portugal é mais extraordinária que a conquista do valle do amazonas”,
pois, para este autor, “a política de Portugal no Valle amazônico, nos seos traços mais vivos,
constituio pagina impressionante da capacidade lusitana nos tropicos” (REIS, p. 121, 1940).
Em síntese, podemos afirmar que Arthur Cézar Ferreira Reis apresenta uma
interpretação da colonização portuguesa que assinala semelhanças com o contexto histórico e
institucional brasileiro dos anos 40. Pois questões como a manutenção da soberania nacional, a
preservação da autonomia e de interesses regionais, a intencionalidade de alterar formas de
produzir e viver e a adaptação do homem ao meio levantariam questionamentos quanto o
sentido que as políticas de valorização da região amazônica deveriam seguir.
E a exaltação do modo português de governar e exercer o controle do território que
produziu uma idealização do “homem amazônico” e de sua forma de adaptação à região. Visão
que iria influenciar a formação da política de desenvolvimento regional, esta que deveria se
assentar no apoio do estado nacional ao estabelecimento de uma economia planejada e
diversificada em bases agrícolas e industriais e não mais nos moldes extrativista e mercantil.
Uma intervenção que deveria ser fundamentada pelo conhecimento da terra e do homem.
Uma interpretação sobre Arthur Cézar Ferreira Reis que também é endossada por
Fernandes (2011), que discorre que:
“A interpretação historiográfica de Arthur Reis, deste período, ressalta a denúncia do
atraso da região amazônica e a necessidade de resposta por parte de uma intervenção
técnica do Estado brasileiro com o intuito de consolidar a soberania do Estado
nacional sobre o território amazônico (FERNANDES, p. 241, 2011).”
Portanto, nota-se nesta obra uma aproximação dos estudos de Arthur Cézar Ferreira Reis
com os debates que permearam o ambiente intelectual amazônico desde os escritos de Euclides
da Cunha. Neste, sentido, podemos compreender este autor como mais um ideológico de uma
linha de investigação que produziria reflexões que impactariam na conformação das políticas e
institucionalidades instaladas na região.
E desta prévia apresentação do modo como se apresentavam as discussões e os
fundamentos do problema amazônico por pensadores oriundos de matrizes de pensamento
diversas, podemos observar um padrão, o qual, reiteradamente, postula que “a natureza
69
majestosa e ameaçadora da Amazônia era vista por Euclides e seus seguidores, como um dos
grandes empecilhos para o seu desenvolvimento” (FERNANDES, p. 6, 2013). Constatação que,
em conjunto com a consciência do atraso da região, a busca por autonomia e preservação do
status quo e a diversidade de posições acerca da adaptação do homem ao meio, iria impor uma
virada na interpretação acerca das possibilidades e alternativas para o desenvolvimento da
região amazônica e permitir a emergência do pensamento desenvolvimentista-regionalista
amazônico.
E de maneira mais precisa, podemos destacar que o sentido do problema amazônico
esteve circunscrito a abordagens que nutriam a consciência do atraso e do subdesenvolvimento
da região. Discussão que se aproxima de atributos caros ao desenvolvimentismo, esta ideologia
e política de superação de estágios civilizatórios não desejados e que possui no ideal de
progresso um de seus traços mais marcantes (FONSECA, 2014).
Nota-se também que a especificidade e a complexidade da região impuseram a
incorporação do regionalismo, de ideias acerca da adaptação do homem ao meio, da exaltação
do domínio português e do controle da transição de um modelo extrativista mercantil para uma
economia agrícola e industrial. O que denota o caráter independente e complementar do projeto
de desenvolvimento amazônico (FERNANDES, 2011).
Além disso, pelo período histórico ao qual estivera envolvidas tais obras, é possível
ainda extrair disto a anterioridade da construção das estratégias de valorização da região, o que
retoma a questionável periodização do ano de 1930 como origem do desenvolvimentismo,
como apontado por Bielschowsky (1996), ponto que foi questionado por Fonseca (2004). O que
destaca a historicidade das reflexões acerca da questão regional amazônica.
Elementos que corroboram a interpretação de que a obra de Euclides da Cunha e seus
seguidores (Araújo Lima, Cosme Ferreira Filho, Vianna Moog e Arthur César Ferreira Reis)
abarcam a essência do pensamento acerca das alternativas de desenvolvimento regional da
Amazônia. Um projeto que tinha como objetivo a gradual transição do modelo econômico de
bases mercantis e extrativa para uma moderna economia agrícola e industrial. O que ilustra a
centralidade das discussões sobre a borracha para a emergência da ideologia e política
desenvolvimentista-regionalista amazônica. Destacando a importância da compreensão dos
fundamentos deste debate para a interpretação da história econômica da Amazônia.
70
4 A CONTROVÉRSIA SOBRE A BORRACHA E O PENSAMENTO
DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA AMAZÔNICO (1940-1966)
A borracha deixara um legado na região amazônica que ultrapassa as instâncias
materiais dos palácios históricos, dos serviços de infraestrutura urbana e do saldo exportador
durante o boom gomífero. Suas contribuições se estenderam a um amplo espectro de pilares
estruturais, como condições demográficas, formas de organização da produção, modalidades
de participação política, costumes sociais e etc.
E seja para sua negação, valorização ou desenvolvimento, diversas políticas e
institucionalidades foram implementadas com o intuito de alterar a posição da borracha no
complexo econômico, político e social da região, sobretudo no que diz respeito a substituição
dos efeitos derivados da operação do sistema de aviamento no seringal amazônico na
formatação da trajetória de desenvolvimento da região.
Políticas e institucionalidades que são produto do contexto histórico impregnado pela
ideologia e política desenvolvimentista. Iniciativas que tiveram início com o pronunciamento
do Discurso do Rio Amazonas em 1940, tendo passado por importantes modificações ao longo
do tempo, e que possuíram um momento de ressignificação com a eclosão das mudanças
institucionais decorrentes da Operação Amazônia em 1966.
E por ter se constituído em um dos principais produtos da região amazônica desde 1850
até meados do século XX, a borracha percorreu uma trajetória de polêmicas e divergências
quanto a adequabilidade de seu modelo de produção para a sustentação de um desenvolvimento
estável e de longo prazo para a região. Discordâncias que, entre os anos de 1940 e 1966, do
Discurso do Rio Amazonas até a Operação Amazônia, fizeram parte de um ambiente
institucional que abarcou uma disputa entre três projetos: um baseado em uma concepção
agrícola e industrial, inscrito no nacional desenvolvimentismo; outro alicerçado em bases
mercantis e extrativistas, proposto pelos regionalistas e operadores do sistema de aviamento; e
o último ancorado na tentativa de conciliação entre estes dois modelos, exposto no
desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).
Controvérsias que serão melhor visualizadas a partir da leitura de textos de autores e
instituições que participaram ativamente do debate sobre o desenvolvimento regional na época.
Discussões presentes nas páginas de livros, relatórios técnicos, periódicos e outros meios de
divulgação que exploraram elementos da realidade amazônica, de sua história e de seus
condicionantes econômicos, políticos e sociais. Obras que expuseram uma série de perspectivas
acerca dos gargalos estruturais e das restrições impostas ao pleno desenvolvimento desta
71
extensa área territorial do país, espaço que ostentava uma áurea de desconhecimento e
imprecisões, sendo conhecida somente “aos fragmentos”, na feliz expressão de Euclides da
Cunha (2000), por meios de relato de filósofos, naturalistas, militares, agentes oficiais da coroa,
visitantes corriqueiros e etc., em expedições científicas e militares.
Gargalos estruturais e restrições que podem ser observados nas discussões acerca da
borracha amazônica, produto de importância central para a economia da região e cuja história
traz uma diversidade de relatos e proposições de autores que forneceram informações à opinião
pública “indicando e/ou fortalecendo determinada políticas quanto à borracha”, cabendo-lhes a
função de “divulgar e re-frabicar (atualizando) uma definição do ‘problema da borracha
brasileira’ – a necessidade de se passar de uma produção da borracha baseada em seringueiras
nativas à cultura racional da hevea”. (OLIVEIRA FILHO, p. 103, 1979). Discussões que
giraram em torno de antigas dicotomias ainda presentes nas discussões sobre a questão regional
amazônica: a oposição entre o “tradicional” e o “moderno”, entre “extrativismo” e
“agricultura”, entre “extrativismo” e “heveicultura”, entre “extrativismo” e “modernidade”
(ALMEIDA, 2008; FERNANDES, 2011).
Disto posto, o presente capítulo constituirá um esforço para a investigação da construção
do modelo de interpretação designado pelo termo de desenvolvimentismo-regionalista
amazônico (FERNANDES, 2011). Um modelo que, segundo nossa hipótese principal, tem no
debate sobre o desenvolvimento da produção de borracha na Amazônia, entre os anos de 1940
e 1966, seu momento de emergência e consolidação. É sobre este debate, de maneira mais
específica, que nos debruçaremos a partir de agora.
72
4.1 Do discurso do Rio Amazonas à SPVEA: a emergência de uma estratégia conciliatória
(1940 – 1953)
4.1.1 O ideal desenvolvimentista em contexto adverso: a Batalha da Borracha e seus contrastes
(1940 – 1946)
As angustias que estiveram presentes nos reclames por intensificação da atuação do
estado nacional, integração territorial e melhorias das condições de vida da região amazônica
viriam a ser sintetizadas num discurso que iria incorporar os principais atributos contidos na
discussão que previamente vinha sendo empreendida, o famoso Discurso do Rio Amazonas
proferido por Getúlio Vargas em Manaus no ano de 1940 (VARGAS, 1942). Uma “‘carta de
intenções’ que não seria cumprida” (SECRETO, p. 121 2007), mas que seria o ponto de partida
de um movimento de engajamento das elites da Amazônia e do Estado nacional em torno da
problemática central que acometia a nação e a região, a tentativa de superação do
subdesenvolvimento. Daí em diante, teria início um processo integração da região ao projeto
no desenvolvimento nacional implantado a partir do início do governo Vargas em 1930.
As diretrizes contidas em seus parágrafos foram identificadas com as ideias vinculadas
a pensadores como Euclides da Cunha, Alberto Rangel, Alfredo Ladislau (ANDRADE, 2010),
pensadores que reforçaram o imperativo da integração da Amazônia ao processo de
desenvolvimento nacional e que discutiram os imbróglios e as dificuldades de sobrevivência e
adaptação do homem da região aos imperativos do meio. Além disto, o discurso do Rio
Amazonas também foi interpretado como parte de um rol de medidas que giravam em torno da
incorporação do Sertão instada pela “Marcha para O‘este”, política que, segundo a leitura
oficial divulgada pelo departamento de propaganda varguista, “era a primeira vez que um
governo no Brasil dirigia a conquista do interior do país” (SECRETO, p. 120, 2007).
No entanto, apesar da identificação deste discurso com a obra de Euclides da Cunha,
nesta exposição Vargas iria romper com a tradição literária, científica e historiográfica que
negavam a possibilidade de superação das dificuldades do meio que constrangiam o pleno
desenvolvimento da região. Ancorar-se-ia em impressões semelhantes aos escritos de Araújo
Lima (1937), Cosme Ferreira Filho (1965), Vianna Moog (1975), Arthur Cézar Ferreira Reis
(1940), intelectuais cujos escritos carregavam elementos que iriam estar presentes nas
discussões acerca da valorização da borracha amazônica entre os anos 1940 e 196615.
15 A semelhança e proximidade deste discurso com os ideais que viriam a constituir no desenvolvimentista-
regionalista amazônico é notória ao assinalarmos que um expoente intelectual da Amazônia à época, Francisco
73
Inúmeros trechos deste discurso transmitem bem alguns dos principais alicerces da
ideologia e política desenvolvimentista em formação. “Conquistar a terra, dominar a água,
sujeitar a floresta” (VARGAS, p. 3, 1942) expõe o ideal da integração nacional, do domínio do
meio pelo Estado e pelo homem da região, componentes que iriam ser inseridos neste padrão
de interpretação e que seriam reiteradamente reforçados ao longo do discurso.
A alusão de que “os vossos problemas são, em síntese, os de todo o país” (VARGAS,
p. 3, 1942) constata uma condição de igualdade no tratamento dos problemas da nação e da
região, em sua condição de economia atrasada e subdesenvolvida. Um diagnóstico que levaria
Getúlio Vargas a incitar a necessidade de “adensar o povoamento, acrescer o rendimento das
culturas, aparelhar os transportes” (VARGAS, p. 3, 1942).
Uma proposta que surge em contraposição as visões que imputavam ao “clima
caluniado” (termo utilizado por Euclides da Cunha) a improcedência da civilização nos
trópicos, dado que “os fatos e as conquistas da técnica” comprovavam a factibilidade desta
empreitada, da implantação “às margens do grande rio” de uma “civilização única e peculiar,
rica de elementos vitais e apta a crescer e prosperar.” (VARGAS, p. 3, 1942).
O que levava Getúlio Vargas a asseverar criticamente que:
“Apenas – é necessário dizê-lo corajosamente – tudo quanto se tem feito, seja
agricultura ou indústria extrativa, constitui realização empírica e precisa transformar-
se em exploração racional. O que a natureza oferece é uma dádiva magnífica a exigir
o trato e o cultivo da mão do homem. Da colonização esparsa, ao sabor de interesses
eventuais, consumidora de energias com escasso aproveitamento, devemos passar à
concentração e fixação do potencial humano. A coragem empreendedora e a
resistência do homem brasileiro já se revelaram, admiravelmente, nas “entradas e
bandeiras do ouro negro e da castanha”, que consumiram tantas vidas preciosas. Com
elementos de tamanha valia, não mais perdidos na floresta mas concentrados e
metodicamente localizados, será possível, por certo, retomar a cruzada desbravadora
e vencer, pouco a pouco, o grande inimigo do progresso amazonense, que é o espaço
imenso e despovoado.
É tempo de cuidarmos, com sentido permanente, do povoamento amazônico. (...) O
nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos povoadores ribeirinhos
devem dar lugar a núcleos de cultura agrária, onde o colono nacional, recebendo
gratuitamente a terra desbravada, saneada e loteada, se fixe e estabeleça a família com
saúde e conforto.” (VARGAS, p. 3 e 4, 1942).
Nota-se neste trecho a incorporação de argumentos relacionados à exploração racional,
da passagem da exploração dos produtos da floresta em estado natural para o trato e cultivo
pelo homem, da transição do extrativismo para a agricultura. Proposta que vem acompanhada
de uma crítica incisiva aos efeitos da exploração extrativista estabelecida em torno do sistema
Pereira Silva, expressou que “desde aquele momento, estava iniciada a ‘Marcha da Amazônia’! O presidente,
depois de reunir todos os dados estatísticos e econômicos sobre a planície verde, foi vê-la... Viu a terra, ouviu o
homem. E compreendeu os anseios de todos” (SECRETO, p. 121, 2007).
74
de aviamento e da incitação à superação de seus limites, elencando medidas como a
concentração e a fixação dos seringueiros e ribeirinhos em “núcleos de cultura agrária” como
saída para o progresso da região amazônica (VARGAS, p. 4, 1942).
Prossegue com a promessa de que o “ingresso definitivo [da região] no corpo econômico
da nação, como fator de prosperidade e de energia criadora, vai ser feito sem demora”
(VARGAS, p. 4, 1942). Objetivo que seria alcançado através do auxílio de “todo o Brasil”, este
Brasil que demonstrava um “desejo patriótico de auxiliar o surto do seu desenvolvimento”
(VARGAS, p. 4, 1942). Projeto este, que no caso específico da região, deveria ter como objetivo
principal o impulso de “aumentar o comércio e as indústrias, e não, como acontecia antes,
visando formar latifúndios e absorver a posse da terra, que legitimamente pertence ao caboclo
brasileiro.” (VARGAS, p. 5, 1942), o que corresponde a uma reiteração da crítica a estrutura
produtiva prevalecente do extrativismo.
E para tal finalidade ser alcançada, para que o Amazonas deixasse de ser um “simples
capítulo da história da Terra” e tornasse “um capítulo da história da civilização” (VARGAS, p.
5, 1942), Vargas propunha que se deixasse de lado o “fácil deslumbramento, repleto de imagens
ricas e metáforas preciosas” pelo “estudo objetivo da realidade” (VARGAS, p. 5, 1942),
destacando a importância da investigação científica dos fundamentos e oportunidades da região,
para que fosse possível avaliar sua viabilidade à exploração econômica. Estudo que deveria ser
realizado devido a “riqueza potencial imensa” desta “extremidade setentrional do território
pátrio”, que “atraia cobiças e apetites de absorção” de nações e povos estrangeiros (VARGAS,
p. 6, 1942). Uma alusão a necessidade de integração da região como instrumento para se
contrapor à cobiça internacional.
Do resumo deste importante discurso temos a evidência do amplo uso de atributos
centrais da ideologia e política desenvolvimentista. O que depõe a favor da constatação de que
os desígnios deste modelo de interpretação dos problemas da Amazônia começavam a fazer
parte dos anseios do Estado nacional na formulação de seus diagnósticos e proposições em
termos de políticas de desenvolvimento regional.
Desta forma, percebe-se que o que Vargas propunha era uma política de Estado para o
crescimento da produtividade da economia amazônica, uma política que, baseada no domínio
da técnica e da ciência, deveria resguardar a soberania nacional sobre o território, integrar a
região “vazia e escassamente povoada” ao restante da nação e suplantar a produção extrativista
por um novo modelo de desenvolvimento estabelecido em bases agrícolas. Uma proposta que
não incluía expedientes de regionalismo, como o resguardo do status quo e o enaltecimento de
uma figura idealizada de homem da região, mas que fugia de rupturas fortes com os reclames
75
por maiores graus de autonomia regional, nutrindo tão somente a tentativa de incorporar este
homem aos desígnios da nação, à prosperidade, à superação do atraso.
Em conjunto, este discurso traz à tona um exemplo claro da emergência da ideologia e
política desenvolvimentista na região. Um conjunto de ideias que carregavam elementos
ilustrados por Euclides da Cunhas e reexaminados por Araújo Lima e demais autores que viriam
a fazer parte das estratégias de desenvolvimento regional a partir de então. Atributos que, por
conseguinte dos imperativos do contexto histórico de montagem do aparelho de estado voltado
a tarefa de intervenção no domínio econômico (DRAIBE, 1986; NUNES, 1997) e de formação
de uma ideologia de superação do subdesenvolvimento nacional (BIELSCHOWSKY, 1996;
FONSECA, 2004), seriam incorporados ao cerne de uma série de instituições que viriam a ser
criadas para tratar o problema do desenvolvimento regional amazônico.
Cabe notar que o efeito imediato deste discurso foi o de despertar os anseios das elites
amazônicas por um projeto de modernização16. No entanto, a criação do Instituto Agronômico
do Norte (IAN) (decreto-lei 1.245 de 04 de maio de 1939 (BRASIL, 1939)) e sua
regulamentação (decreto-lei 3.044 de 12 de fevereiro de 1941 (BRASIL, 1941)) demonstra a
intencionalidade de Vargas em promover a superação das deficiências tecnológicas da região
em favor de uma política agrícola. Uma instituição que detinha o objetivo de realizar
“investigações e trabalhos experimentais sobre os fatores da produção agrícola e, promover a
difusão, o melhoramento, defesa e aproveitamento econômico das plantas cultivadas e silvestres
da região” (Decreto-lei 3.044 de 12/02/1941). Ou seja, promovia uma política de incentivo as
culturas agrícolas e ao aumento dos rendimentos do extrativismo, objetivos próximos aos que
foram elencados pelo discurso do Rio Amazonas.
Seria dentro deste contexto histórico de emergência de novas ideias que se iniciaria um
processo de construção de um discurso de desenvolvimento alinhado ao desenvolvimentismo a
nível nacional (FERNANDES, 2011). Todavia, o movimento de incorporação destas ideias nas
políticas de desenvolvimento regional não ocorreria sem reflexos e ruídos de vetor contrário,
haja vista que sua tentativa de institucionalização teria de enfrentar conflitos e conciliações com
os desígnios dos regionalistas operadores do sistema de aviamento.
16 Elites que desde tempos longínquos se encontravam frustradas e desacreditas sobre a possível chegada de um
auxílio governo federal. O que criou um sentimento difuso nos habitantes da região de abandono, o que explicita
a tensa relação existente entre a nação e a região (SANTOS, 1980; FERNANDES, 2011; MARQUES, 2013).
Weinstein (p. 122, 1993) inclusive classifica o relacionamento entre a Amazônia e o Governo Central, mesmo
antes do insucesso do Plano de Defesa da Borracha criado em 1912 para reerguer a região, como um caso de
“reciprocidade negativa, cada uma das partes pouco esperando e pouco recebendo da outra.”.
76
E os embates entre estas correntes de ideias podem ser observados nas páginas de livros,
relatórios, periódicos e outras publicações do período. Obras que explicitam as divergências e
controvérsias acerca dos rumos e alternativas do desenvolvimento regional amazônico.
Publicações derivadas de áreas e disciplinas diversas do conhecimento humano, tais como
economia, geografia, sociologia e etc., além de discursos políticos que surtiam grande
influência no ambiente intelectual da época.
Um primeiro exemplo destes embates pode ser observado nas discussões que giraram
em torno dos efeitos da Segunda Guerra Mundial sobre a economia amazônica. Discussões que
podem ser acompanhadas nas páginas do periódico O Observador Econômico Financeiro,
revista de renome nacional de publicação mensal que circulou entre 1936 e 1962 e que era
presidida por Valentim Bouças17 (BIELSCHOWSKY, 1996). Periódico que publicou uma série
de reflexões sobre a problemática da Amazônia.
Assinam artigos sobre esta temática dois autores vinculados ao chamado grupo de
desenvolvimentistas brasileiros, Valentim Bouças e Rômulo Almeida18, e um autor mais
alinhado ao segmento extrativo da Amazônia, Firmo Dutra19. Destaca-se destes artigos a
existência de um debate acerca da possibilidade de inserção do segmento gomífero amazônico
no esforço de guerra norte americano, com divergências quanto aos caminhos a se tomar para
que o sistema produtivo da Amazônia se adequasse as contingências do novo contexto
internacional e superasse definitivamente seu atraso.
Firmo Dutra (1940), discutiria a importância da proteção de matérias primas estratégicas
para o avanço da indústria e para a segurança nacional, destacando a posição privilegiada da
borracha neste caso. Situação que, em tempos de guerra, impunha o país a voltar a ser um grande
produtor e exportador desta matéria prima, sobretudo devido a demanda americana e à ascensão
do mercado interno, o que redirecionava novamente os olhos para a Amazônia.
17 Um autor identificado com a corrente desenvolvimentista não nacionalista (BIELSCHOWSKY, 1996). Era
empresário, proprietário e diretor da revista, além de representante de firmas estrangeiras no país. Após a
Revolução de 30 tornou-se bastante próximo do presidente Getúlio Vargas, tendo inclusive assumido a direção da
Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios e a coordenação da Dívida Externa
Brasileira, além de ter coordenado a Comissão dos Acordos de Washington durante a segunda guerra mundial. 18 Um autor identificado com a corrente desenvolvimentista nacionalista (BIELSCHOWSKY, 1996). Em suas
contribuições destaca-se seu parecer favorável à proposta de Roberto Simonsen em 1944 durante a controvérsia
sobre o planejamento e o seu cargo de presidente da assessoria econômica durante o segundo governo Vargas
(1951-1954), onde tivera proeminência na condução de projetos como a Petrobrás, Banco do Nordeste e etc., além
de ter sido um dos redatores da lei 1.086/1953, que versava sobre a criação e atribuições da SPVEA. Destaca-se
também a sua vinculação a trabalhos envolvendo a questão regional brasileira. 19 Um autor representativo das elites regionais amazônicas, com seus interesses vinculados ao extrativismo e a
defesa da borracha. Personagem que seria presidente do BCB em 1946 e 1947, membro do conselho consultivo
do BCA em várias gestões e representante das classes extrativistas e comerciais durante as diversas discussões
sobre a intervenção federal na região.
77
E para o soerguimento da economia gomífera amazônica, estagnada desde a crise de
1912, Firmo Dutra (1940) destaca o imperativo de o Estado promover a redução dos custos de
produção dos seringais, elevando seus níveis de produtividade. Para isto, elencava medidas
como: 1) arregimentação de mão de obra; 2) melhorias nos transportes; 3) barateamento
insumos; 4) promoção de assistência sanitária (DUTRA, p. 111, 1940).
Afirma ainda que o Estado somente deveria trilhar outras alternativas após a
implementação destas diretrizes. Alternativas que, a exemplo da experiência do Oriente e da
Ford, deveriam incentivar a agricultura da hévea e de outras plantas, além de implementar
usinas de beneficiamento. Uma investida cujo auxílio do IAN seria imprescindível, instituição
que deveria prestar assistência técnica a capitais privados e cooperativas agrícolas.
Portanto, Firmo Dutra prescreveria um plano para a reativação dos seringais tipo
empório como pré-requisito para a execução de outras políticas. Intervenções que requeriam a
ingestão de crédito, porquanto, como coloca o autor, “haverá necessidade, essa immediata,
imperativa e de salvação, de cuidar do financiamento da região, de erguer-lhe as energias gastas
e consumidas em mais de quarto de século de lutas e prejuízos” (DUTRA, p. 111, 1940).
Valentim Bouças (1940), discorreria sobre a importância da borracha para o quadro
econômica nacional, enumerando suas contribuições à época do boom e incitando o país a se
empenhar no incentivo à produção deste recurso estratégico. Relata sua viagem a cidade de
Belém e arredores, apresentando uma caracterização do problema amazônico e elencando as
deficiências e as potencialidades de aprimoramento de seu sistema produtivo.
Faz isto com o objetivo de demonstrar o potencial a ser explorado na região, que poderia
ser incentivado por três vias: 1) a expansão do esforço gomífero através de melhorias técnicas;
2) o incentivo à produção de outros produtos dentro do seringal; e 3) uma política de
diversificação da estrutura produtiva da região para além da borracha, em direção ao petróleo e
as fibras vegetais, por exemplo.
Insere tal problemática no contexto de mudanças institucionais implementadas por
Vargas, estas que significavam uma “nova mentalidade a germinar em nossa terra.” (BOUÇAS,
p. 54, 1940), uma percepção acerca da emergência do desenvolvimentismo no país
(BIELSCHOWSKY, 1996). E dado o contexto de guerra, cita que a Amazônia poderia surgir
como fornecedora de matérias primas aos desígnios da nação e dos países aliados.
Deste modo, para a consecução deste objetivo e para o reerguimento da região,
posicionava-se favorável ao incentivo dos fundamentos dos seringais tipo caboclo e a uma
política de diversificação da estrutura produtiva da região. Estratégias que tornavam-se factíveis
78
neste contexto de alteração da mentalidade em relação à atuação do Estado na economia, uma
intervenção pró-crescimento da produção e da produtividade.
Rômulo Almeida (1941), estudaria o Acre e traçaria um paralelo entre a economia deste
território e da Amazônia, listando alternativas ao regime de produção da borracha. Criticaria a
espoliação que os seringueiros sofriam, tanto pelas intempéries da natureza e quanto por suas
relações com o sistema de aviamento. Um sistema de produção que não resistiu à concorrência
asiática e que demandava uma reorganização para retomar sua dinâmica histórica.
Relata ser favorável a uma reorganização direcionada por três vias: 1) aumentos de
produtividade do seringal; 2) o plantio de seringueiras; e 3) o incentivo a castanha, a madeira,
a agropecuária, entre outros. Opções que promoveriam um ajuste nas condições estruturais que
levaram ao vazio econômico e demográfico da planície através do incentivo a seringais do tipo
caboclo, da agricultura e da diversificação produtiva do setor primário.
Políticas que auxiliariam a contornar os empecilhos da natureza e do sistema de
aviamento. Alternativas que desde a crise de 1912 ganhavam espaço, mas que sofriam restrições
a sua expansão, uma vez que a “agricultura sofre colapsos, com a evasão do pessoal para os
seringais, se os produtos ‘dão altos preços’” (ALMEIDA, p. 71, 1941). O que destaca sua visão
acerca do caráter deletério da borracha à diversificação produtiva da região.
Resultado cujos efeitos derivam da ausência de conhecimento científicos e de incentivos
à fixação na terra, fruto, sobretudo, do descaso do Estado. Pois, ao contrário do Oeste, o domínio
daquele território ainda não carregava o denominador econômico da “Nação”, o que levanta o
imperativo de integração econômica da região, cabendo ao Estado auxiliar e dirigir a
reorganização total da economia do Acre e da região amazônica.
E destes três autores destaca-se a interpretação comum de que o sentido que a política
de desenvolvimento da Amazônia deveria tomar era o aumento de produtividade do seringal e
a diversificação da estrutura produtiva regional. Abordagens que salientaram argumentos como
a imprescindibilidade de se conhecer cientificamente as potencialidades regionais, o abandono
do estado nacional e a possibilidade da borracha se tornar um dos sustentáculos da transição
para uma economia agrícola e industrial. Posições que se aproximam dos desígnios elencados
no discurso do Rio Amazonas e das ideias de Euclides da Cunha (2000), Araújo Lima (1937),
Cosme Ferreira Filho (1965), Vianna Moog (1975) e Arthur Cézar Ferreira Reis (1940).
Todavia, cabe salientar que a ênfase elencada por cada autor difere. Para Firmo Dutra,
por exemplo, o incentivo ao seringal empório deveria ser pré-condição à retomada da economia
amazônica, enquanto que para Valentim Bouças e Rômulo Almeida o essencial seria o incentivo
ao aperfeiçoamento tecnológico e a produção de outros produtos paralelamente à extração,
79
rumo a implantação de seringais do tipo caboclo. Sendo comum aos dois polos o incentivo ao
plantio de seringueiras e a instalação de outras atividades agrícolas e industriais.
E a assinatura dos Acordos de Washington20 em 1942 introduziria novos condicionantes
a este contexto histórico. Deste acordo, seria criado o Banco de Crédito da Borracha (BCB)
(Decreto-lei 4.841 de 17 outubro de 1942 (BRASIL, 1942)), principal instrumento da tentativa
de reativar a produção gomífera da Amazônia, tarefa executada através do fornecimento de
crédito e do monopólio de compra e venda de borracha. Além do BCB, outras medidas foram
instaladas visando equacionar os gargalos estruturais que restringiam a produção gomífera21.
Instituições que fizeram parte de um evento histórico que ficaria conhecido como a “Batalha da
Borracha” (PINTO, 1984; MARTINELLO, 1988; DEAN, 1989).
Um conjunto de políticas que iriam garantir “sobrevida assegurada ao arcaico e
reacionário sistema de crédito e distribuição” (PINTO, p. 101, 1984), reativando o extrativismo
da borracha estabelecido no sistema de aviamento, com créditos, viveres, mão de obra, controle
de doenças e uma reorganização política do território. Um resultado que, oposto aos desígnios
dos desenvolvimentistas, derivava de uma mudança da posição de Vargas e do Estado quanto
ao problema amazônico (SECRETO, 2007), dado que “o imediatismo pragmático terminou por
predominar, deixando de lado o esforço modernizador inicial, em troca do crescimento, o mais
veloz possível, da produção.” (OSÍRIS DA SILVA, p. 618, 2004).
Uma política cuja a urgência no suprimento de borracha colocariam em rota de colisão
o governo americano, o brasileiro e as elites extrativistas e mercantis (PINTO, 1984;
MARTINELLO, 1988; DEAN, 1989). Um primeiro embate ocorreu quando a SAVA executou
uma política de fornecimento de suprimentos diretamente aos seringueiros em 1942. Um
segundo conflito se estabeleceu sobre o preço da borracha definido pelo BCB em 1943. E o
terceiro caso demonstrou a tentativa de regular o funcionamento do seringal amazônico22.
20 Os Acordos de Washington foram um conjunto de pautas firmadas entre o governo brasileiro e o norte
americano, onde se definiu, entre outras medidas, a criação da Siderúrgica de Volta Redonda, o envio de tropas
brasileiras a guerra e o suprimento de borracha amazônica aos americanos (DEAN, 1989). 21 Lista-se no conjunto de instituições criadas: 1) o Serviço de Encaminhamento de Trabalhadores (SEMTA),
substituído pela Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA); 2)
a Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA); 3) o Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP); 4) a Serviço de Navegação e Administração do Porto do Pará (SNAPP); e 5) a criação dos territórios
federais do Guaporé (atualmente Rondônia), Rio Branco (atualmente Roraima) e Amapá (CÔRREA, 2004;
COSTA, 2004; OSÍRIS DA SILVA, 2004) 22 Regulação que seria executada por meio da introdução de artigos na lei de criação do BCB, os quais versavam
sobre aspectos estruturais do seringal. Um destes artigos propunha uma distribuição proporcional dos lucros
resultantes dos preços da borracha entre seringueiros e aviadores dos lucros. Outros dispunham sobre garantias
aos seringueiros, como a permissão a caça, pesca, a coleta de castanha e o cultivo da terra. Ou seja, estabeleciam
medidas que promoviam um seringal de menor espoliação e mais diversificado, formato mais próximos do seringal
tipo caboclo.
80
Políticas que visavam desmanchar os desincentivos à produção, diminuir os custos do
esforço de guerra e expandir os graus de autonomia e os rendimentos dos seringueiros. Conflitos
que seriam vencidos sempre em favor das elites regionais, fomentando a reestruturação de
seringais tipo empório a partir da restrição as atividades da SAVA, do aumento do preço da
borracha e do descanso com as regras impostas pelo BCB23.
Situação que demonstra a extrema capacidade de resiliência do sistema de aviamento às
mudanças estruturais e institucionais, principalmente aquelas concernentes a alterar seu status
quo. E o que também denota a existência de rupturas entre os distintos projetos para o
reerguimento da economia amazônica durante a década de 1940, os quais iriam impor restrições
as alterações institucionais que visavam a diversificação da estrutura produtiva regional.
Projetos que angariariam apoios e dissidências durante a construção da política de
desenvolvimento regional amazônica. Disputas que fortaleceriam uma estratégia alinhada à
diversificação da estrutura produtiva amazônica, em direção à indústria e a agricultura, ao
mesmo tempo em que mantinha os amparos ao modelo extrativista mercantil. Ideias caras ao
desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).
Ideologia e política que, para sua consolidação, seria refinada ao longo do debate sobre
o desenvolvimento da produção de borracha na amazônica. Discussões que, entre os anos de
1940 e 1946, apresentariam teses que aproximavam-se dos elementos centrais do que seria
definido por uma nova matriz de pensamento de linhagem e inspiração desenvolvimentista,
apesar da hegemonia dos operadores do sistema de aviamento. O que destaca a importância das
controvérsias acerca da política da borracha engendradas ao longo do período.
Dentro deste contexto, podemos citar a retomada das discussões na revista O
Observador Econômico e Financeiro. Valentim Bouças (1942), por exemplo, destacaria que o
BCB deveria ser vinculado à recuperação econômica da Amazônia, tendo por base a goma
elástica. Argumentando ser natural seguir no caminho do extrativismo devido a disponibilidade
de seringueiras no vale, o que considera ser suficiente para dinamizar outras atividades.
Ou seja, estabelece no extrativismo gomífero uma pré-condição para o desenvolvimento
do vale, perspectiva mais próxima à de Firmo Dutra (1940). Defendia ainda o apoio estatal para
o saneamento e o cultivo científico, demonstrando também uma inclinação pela promoção de
um novo estágio de desenvolvimento:
23 É interessante notar a importância da Associação Comercial do Pará (ACP) e da Associação Comercial do
Amazonas (ACA), as seculares instituições representativas da classe mercantil e extrativista da Amazônia, na
resolução destes conflitos.
81
“agrícola-industrial – o empirismo cedendo lugar à técnica científica, a aventura à
racionalização – o que por si só constituirá a consolidação das riquezas criadas (...)
capaz de absorver, de fixar e dar abastança a camadas consideráveis do povo
brasileiro” (BOUÇAS, p. 5, 1942).
Uma ótica que elevava o BCB à “função de, pela borracha, incluir a Amazônia na
prosperidade que se alastra por outras regiões do Brasil” (BOUÇAS, p. 5, 1942). Papel que
seria examinado em Bouças (1943), onde este autor analisaria o desempenho da Batalha da
Borracha, destacando o papel do crédito, do fornecimento de alimentos pela SAVA e da
mobilização de trabalhadores realizada pelo SEMTA para a reativação dos seringais.
Criticaria o apetite das elites regionais por aumentos do preço da borracha. Medida que,
segundo o autor, acarretava no aumento das margens de lucros dos comerciantes e a diminuição
da produção de alimentos, aumentando o custo de vida deste sistema econômico e exercendo
somente pequenos ou nulos efeitos dinamizadores na região. Destaca ainda que a real solução
do problema amazônico deve ser a busca de:
“um programa de longo alcance, uma política de equilíbrio e estabilização, que nos
permita, após o conflito, continuar a produzir em condições melhores e de
concorrência. Com êste escopo se deverá promover o plantio da seringueira, ao passo
que se fomenta a extração da árvore nativa para atender às necessidades imediatas e
inadiáveis da guerra.” (BOUÇAS, p.14, 1943).
Assinalava, portanto, ser o plantio de seringueiras a única alternativa para se evitar o
colapso da economia regional após o fim dos acordos, retornando a um posicionamento mais
crítico aos operadores do sistema de aviamento. No entanto, cita ser necessário, para a transição,
diminuir os preços dos bens complementares à produção de borracha e a expansão do
contingente de trabalhadores.
O que demonstra sua preferência por incentivar os seringais tipo empório no curto prazo,
endossando os interesses das elites regionais, ao mesmo tempo em que se processa um plano
de longo prazo. Indicando que mesmo os desenvolvimentistas, e neste caso, o presidente da
Comissão dos Acordos de Washington, apresentava-se favorável ao controle da transição de
um modelo extrativista-mercantil para um outro modelo de matriz agrícola e industrial.
Preocupação que também esteve presente em Almeida (1943a), texto onde avaliou os
benefícios dos acordos de Washington e esboçou uma estratégia para a estabilização da
Amazônia. Objetivo que somente seria alcançado através da diversificação produtiva e da
racionalização do extrativismo, em direção a outros produtos extrativos, agrícolas e
agropecuários, e com a integração vertical à indústria, tanto para auto abastecimento quanto
como “fontes de riqueza exportável” (ALMEIDA, p. 17, 1943a).
82
Uma proposta que visava prevenir a região das altas e baixas da atividade gomífera, que
influíam na especialização da economia amazônica no extrativismo e restringiam outras
atividades e o auto abastecimento do vale. E vislumbrando neste novo modelo um futuro
próspero, tal como indica:
“é possível que as necessidades do auto-abastecimento e o programa de preparação da
nova economia amazônica libertada da dependência exclusiva da indústria extrativa
leve a Amazônia (...) a se tornar numa grande região agrícola do país, apesar da pouca
gente e da floresta monstruosa e alagada que para muita gente simboliza a inutilidade
de qualquer esforço de fixação e de domínio.” (ALMEIDA, p. 19, 1943a).
Portanto, vislumbra a fixação à terra e o domínio do território como fins factíveis,
descreditando os baixos índices de densidade demográfica e o meio como empecilhos ao
desenvolvimento da região. Finalidade cujo maior entrave seria o equacionamento tecnológico
e cultural: tecnológico, pois a diversificação e a racionalização produtiva dependia disto;
cultural, pois a integração da Amazônia ao Brasil deve ser realizada de forma harmônica, ao
tempo da floresta e ao modo de vida do caboclo.
Problema cultural, cuja responsabilidade residiria nas elites amazônicas e não nos
caboclos, visto que as “escolas, com programas universais e verbalistas, desintegra do seu meio
e desvia do seu destino de submetê-lo ao serviço da civilização amazônica.” (ALMEIDA, p.
23, 1943a). Elite que em outro artigo (ALMEIDA, 1943b) seria criticada por seu nomadismo
mercantil e sua sede pelo lucro imediato, que não estabelece um senso de permanência na região
e não se preocupa com o futuro.
Para Rômulo Almeida (1943b), não havia na Amazônia uma orientação disciplinadora
e nem assistência técnica que guiasse os objetivos de longo prazo. Por isso, discorre que “a
observação da vida amazônica levou-nos à conclusão de que o problema mais agudo para a
reorganização da economia regional é o do comércio, o do intermediário, o da mentalidade
mercantil” (ALMEIDA, p.58, 1943b).
Mentalidade que cristalizou os efeitos deletérios do extrativismo e resultou na distância
das elites às experiências científicas, como Fordlândia, o que gerou certo “abandono
psicológico” dos problemas regionais (ALMEIDA, p. 49, 1943b). Cenário que teria
oportunidade de ser revertido com uma reorganização da produção gomífera por intermédio
"das plantações e da industrialização da produção” (ALMEIDA, p. 57, 1943b).
Neste contexto, elenca a importância das inovações institucionais, citando o IAN, com
suas pesquisas e experiências agrícolas, o BCB, com o financiamento da safra, da entressafra,
das plantações e da colonização de novas áreas, e ilustrando também a SAVA, o SEMTA e o
83
SESP e seu papel de abastecimento, alocação de mão-de-obra e assistência médica e social.
Destacando ainda o contexto propício a um processo de transição da economia amazônica.
E da elucidação do conteúdo destes textos podemos perceber nítidas divergências entre
projetos de desenvolvimento, mas também o consenso de que a manutenção do extrativismo
seria pré-condição à retomada e a diversificação da economia amazônica. Controvérsia que
abarcaria ainda uma multiplicidade de outros autores, tais como Felisberto Camargo e Samuel
Benchimol, além da reinserção de Araújo Lima e Cosme Ferreira Filho.
Felisberto Camargo24, por exemplo, seria um dos maiores críticos da política de
revitalização dos seringais tipo empório produzida pela Batalha da Borracha, posicionamento
que lhe garantiu ferrenha oposição dos operadores do sistema de aviamento (DEAN, 1989).
Nacionalista, situaria a Amazônia, pelo potencial de seus recursos naturais, como uma das
alternativas para o enriquecimento do país.
Um autor que pautou sua carreira pela divulgação da factibilidade da instalação do ideal
agrícola na Amazônia, uma região paupérrima, que sofria de crises de fome e desnutrição e que
dependia da produção alimentar de outras regiões do país. E Felisberto Camargo (1944), em
um texto intitulado “Plantação de Seringueiras” e publicado pela primeira vez em 1943,
pontuaria o imperativo de uma política de colonização baseada em pequenos agricultores, aos
moldes de seringais tipo caboclo, em um consórcio de cultura de seringueira e culturas e
criações de subsistência.
Um projeto remontava uma antiga tradição de política de colonização na Amazônia,
aventada por Pimenta Bueno e Silva Coutinho ainda no século XIX (OLIVEIRA FILHO, 1979),
ponto também citado em Cosme Ferreira Filho (1965). Plano que vislumbrava na associação da
lavoura e da extração a saída para atacar simultaneamente o problema alimentar e de escassez
de borracha. Política que poderia contar com o apoio da tecnologia de clones resistentes a
moléstias e de alta produtividade, achado ainda por ser refinado pelo IAN.
Um plano mais “geopolítico e militar do que agronômico, mas cheio de dados sobre
produtividades de clones, solos e condições climáticas” (DEAN, p. 149, 1989). Plano que tinha
como alicerce os predicados de fixação e adaptação do homem à terra, instalando uma nova
qualidade de relação com o meio, a partir do respaldo de critérios científicos. Uma obra que
deveria ter como finalidade transformar a Amazônia em produtora mundial de borracha, haja
vista os imperativos econômicos e políticos do desenvolvimento da região.
24 Nacionalista, amigo pessoal do presidente Vargas e agrônomo indicado para o comando do IAN, tendo ficado a
frente deste órgão de 1941 até 1952, comandando uma instituição de vanguarda nas pesquisas científica na região,
a qual produziu tecnologias agrícolas, agropecuárias e de racionalização do extrativismo.
84
Outro autor importante seria Araújo Lima (1943), em um texto intitulado “A Explotação
Amazônica”, publicado na Revista Brasileira de Geografia, editada pelo IBGE. Obra que
listaria os feitos da conquista portuguesa, tal como Arthur Cézar Ferreira Reis (1940), sobretudo
a manutenção da soberania territorial e o direcionamento econômico rumo a agricultura e a
indústria, plano frustrado pelas investidas do extrativismo. Interpretação que reiterava
elementos presentes em Araújo Lima (1937) que reabilitaram o homem e da terra da região.
Neste contexto histórico diverso, Araújo Lima elencaria a oportunidade de a região
suplantar definitivamente as vicissitudes decorrentes da exploração extrativista e mercantil.
Finalidade que o levava a apontar as razões da improcedência da sustentação da atividade
gomífera por via extrativa em ambiente de superprodução mundial, haja vista que:
“Sem malabarismo de paradoxo, pode-se asseverar, após aprofundada análise, que o
grande mal da Amazônia é a borracha: porque monopoliza todo o trabalho, porque
desvia, da agricultura e outras fontes de vida, todos os braços e todas as aspirações; é
uma ocupação extrativa, instável, e sobretudo destruidora, que não fixa o homem e
não lhe firma vínculos da vida social, forçando-o a saquear e esgotar os seringais.”
(LIMA, p. 85, 1943).
Uma especialização produtiva nociva ao desenvolvimento do vale, cujos efeitos vinham
sendo aprofundados com a retomada dos seringais empório. Situação a qual, para ser
contornada, necessitaria se ancorar no mesmo ente causador, na “economia dirigida, de alta
envergadura, presidida por uma orientação técnica e financeira de responsabilidade
insuspeitável” (LIMA, p. 91, 1943) da Batalha da Borracha.
Uma intervenção que, além de relembrar características das intervenções elencadas
pelos portugueses, necessitava de ajustes para se adequar aos imperativos da região, e que
deveria desdobrar-se num “plano de soerguimento da Amazônia, a obra econômica definitiva,
sôbre cujos alicerces se firmará uma grandeza estável e duradora; será o aproveitamento
agrícola da região, que exige capital e tempo.” (LIMA, p. 92 1943).
Obra que seria realizada através do “plantío de héveas, além da cultura dos artigos
alimentícios sôbre a qual se apoiará a vida humana nos seringais, isto como duplo objetivo de
saúde e equilíbrio orçamentário.” (LIMA, p. 92 1943). Política que visava a instalação de
seringais tipo caboclo e de um ideal agrícola, pois como coloca:
“Pôr-se-á em prova, então, a competência técnica especializada, que se demonstrará
através da seleção dos tipos de seringueira, da preferência dos terrenos a cultivar, do
aparelhamento dos campos de plantação, da assistência alimentar e sanitária aos
trabalhadores, das medidas propagadoras de instrução e educação, dêstes e de suas
famílias, ensinando-lhes hábitos salutares, tendentes a erguer o nível mental do
homem, aprestando-o para a civilização. Serão postas em prática tôdas as providências
pertinentes à grande obra a instalar-se na bacia Amazônica, à maneira Ford, do
85
Tapajoz, mas em grande tomo, ciclópica no seu vulto e em sua finalidade.” (LIMA,
p. 92 1943).
E Cosme Ferreira Filho (1965), em um apanhado de textos que acompanharam a linha
do tempo daquele contexto histórico (de 1940 à 1946), iria expor os fatores que antepunham-se
ao desenvolvimento da Amazônia na Batalha da Borracha. Cita a necessidade de harmonizar
os interesses para preparar a transição para o tempo de paz, com medidas que se destinassem a
estabilizar e processar a passagem para um outro modelo econômico na região.
Destaca que “a volta do modo primitivo de produzir, viver e comerciar constitui um
problema que impõe dificuldades que requerem consideráveis reajustamentos, os quais somente
a planificação poderá romper com a artificialidade do período de guerra.” (FERREIRA FILHO,
p. 129, 1965), pois, como assevera:
“Planificação (...) submissa às contingências inexoráveis do nosso meio econômico e
geográfico e promovida com a sábia ajuda dos verdadeiros e autorizados
conhecedores dos nossos problemas.
Planificação urgente e inadiável, a ser reclamada, iniciada e conduzida, tão cêdo
quanto possível, pelos nossos administradores e através das instituições locais
responsáveis pela supervisão e destino dos vários grupos sociais que vivem, trabalham
e constróem, neste pedaço singular e mal definido do território brasileiro, e sem a qual
nos reservaremos um período de amargas confusões, que podemos e devemos evitar.”
(FERREIRA FILHO, p. 136, 1965).
Considerava ser imprescindível a aquisição de conhecimento acerca dos fatores que
limitavam a reorganização da vida econômica da região. De uma transformação que deveria
passar pela racionalização das atividades florestais e a sistematização das culturas vegetais, com
a borracha à frente desta intervenção, haja vista ser um produto decisivo para a conquista
territorial e principal fator do progresso da economia amazônica (FERREIRA FILHO, p. 139,
1965).
Posicionava-se de maneira otimista quanto aos cenários para a produção gomífera
devido a previsão da expansão da indústria nacional, crescimento que poderia inclusive
provocar déficits no futuro. Cenário que, em conjunto com a entrada de Firmo Dutra na
presidência do BCB em 1946, levava Cosme Ferreira Filho a postular a necessidade de se
ampliar as iniciativas que visavam o equilíbrio da borracha brasileira, rumo a um novo ciclo
para a economia amazônica.
E seria em meio a este contexto de críticas à Batalha da Borracha que insurgiria Samuel
Benchimol25 como um autor de relevância para a interpretação dos problemas amazônicos.
Contribuição que seria expressa no trabalho “O Cearense na Amazônia - Inquérito
25 Empresário, economista, cientista social e intelectual amazônida, publicou mais de uma centena de trabalhos
relacionados à causa amazônica, identificando os obstáculos ao desenvolvimento da região.
86
Antropogeográfico sobre um tipo de Imigrante”, publicado pela primeira vez em 1944 e editado
como livro em 1946, também contido em Benchimol (1977).
Tributário do regionalismo de Gilberto Freyre e fazendo uso do ferramental teórico-
metodológico da geografia, da sociologia e do pensamento social brasileiro, Samuel Benchimol
estudaria a imigração e a adaptação do nordestino à esta região tão distinta do sertão. Uma área
geográfica e econômica de penetração pioneira, de fronteira, que começava a apresentar novas
formas econômicas mais vantajosas, motivo pelo qual a imigração requeria controle, estímulos
e propaganda.
Neste texto, aborda o fluxo migratório de nordestinos para a Amazônia impulsionados
pela borracha, um fato histórico e contemporâneo à sua época. Um movimento instável,
aleatório e de um povoamento efêmero. E um processo que, para sua estabilização e sucesso,
requeria a adaptação do imigrante as asperezas da natureza, o que levava o autor a asseverar
que:
“O que precisamos é de uma política econômica que ajuda o imigrante a se fazer
colono, a gostar da terra a ter amor ao seu trabalho. (...) Já é hora de esquecermos os
métodos econômicos predatórios que até hoje estão em vigor e procurar, dentro de
nossa peculiaridade regional, uma economia mais justa e mais humana. Não queremos
soluções ingênuas ou líricas, Lutamos por uma economia que alie o interesse
econômico do imigrante ao interesse e ao destino da terra que acolhe.”
(BENCHIMOL, p. 213, 1977).
Destaca que a imigração constituiu um dos principais traços da expansão brasileira,
contribuindo para o alargamento territorial e conservação da unidade nacional. Uma expansão
que tornava visível o contraste entre o trabalho e a aventura, entre a fixação e a imigração, o
que, no caso da economia amazônica, seria expresso na antítese entre o caboclo e o nordestino,
tendo em vista que “o homem do rio é a antítese do homem da seca.” (p. 171, 1977).
Uma interpretação de caboclos e nordestinos, categorias definidas a partir de critérios
semelhantes aos de seringais caboclo e seringais empório que utilizamos neste trabalho, que
ilustrava uma crítica à política de colonização concebida pela Batalha da Borracha, a qual
considerava imprópria ao desenvolvimento do vale, pois como coloca:
“O regime de vida, terrivelmente destrutivo, vence o amor e instaura em seu lugar a
cobiça e a aventura. Sem base agrícola a fixar o imigrante não se pode falar em
colonização. Faltam-nos as raízes estabilizadoras do amanho da terra, o amor ao
trabalho, à criação, o conforto. Por muito tempo seremos ainda assim. O quadro de
ontem, com pouca diferença, ainda é o de hoje. Nada pode competir com a borracha
em tempo de alta. Abandona-se a agricultura, escasseia o braço, desaparece o roçado.
Todo mundo se dirige para os seringais. Ela é como muito bem disse Cosme Ferreira
Filho: “o único sismográfico de sua vida econômica”. (BENCHIMOL, p. 174 e 175,
1977).
87
Portanto, compara a borracha aos demais ciclos econômicos brasileiros, ao do ouro, ao
do açúcar e etc., identificando nestes produtos efeitos esterilizantes à agricultura, uma vez que
“agricultura não rima bem com seringa” (BENCHIMOL, p. 176, 1977). Característica que, em
conjunto com a opulência do regime de produção da borracha, impactava no pequeno número
de imigrantes que se adaptavam ao meio e ao seringal. Cenário que aprofundava ainda mais a
instabilidade da ocupação da Amazônia.
Efeitos que eram potencializados pela Batalha da Borracha, impactando na restrição as
alternativas ao desenvolvimento da região, haja vista que a “mentalidade da seringa invade e
influencia todas as outras. Contamina imprudência e destruição em derredor de seu meio.”
(BENCHIMOL, p. 177, 1977). E citando Euclides da Cunha (2000), Araújo Lima (1937),
Vianna Moog (1975) e Arthur Cézar Ferreira Reis (1940), discorre que as políticas de
desenvolvimento da Amazônia deveriam visar a autonomia do seringueiro como caminho para
a conquista territorial, leitura que incentivava seringais tipo caboclo, agentes que se adaptavam
mais facilmente ao meio amazônico, ao contrário dos nordestinos.
Uma problemática que requeria como solução uma política de colonização do imigrante
e do colono que compreendesse a especificidade do homem do rio e vislumbrasse na exploração
sistemática da terra a chegada da civilização. Perspectiva que seria melhor explorada em
Benchimol (1946), em texto intitulado “O Aproveitamento das Terras Incultas e a Fixação do
Homem ao Solo”, publicado e, 1946 no periódico Boletim Geográfico, editado pelo IBGE.
Neste texto, Samuel Benchimol realizaria um estudo sobre o imperativo da ocupação do
território brasileiro, indicando as linhas gerais de uma política de colonização, com ênfase sobre
a região amazônica. Destaca neste artigo a importância da ciência e da técnica na remoção dos
obstáculos à penetração nos vazios demográficos, função que vem diminuindo as influências
das leituras baseadas no “determinismo geográfico” (BENCHIMOL, p. 685, 1946).
Para o autor, sem a ciência e a técnica, se observará o que ocorria na região amazônica,
“onde uma economia destrutiva impiedosa acabará por dizimar as espécies vegetais e animais,
a menor que se tome uma providência de ordem técnica e demográfica para o aproveitamento
racional da terra.” (BENCHIMOL, p 686, 1946). E prossegue dissertando que:
“O ideal seria que pudéssemos escolher os tipos de imigrantes que melhor se
adaptassem às diferentes regiões brasileiras. Na Amazônia, por exemplo, as condições
geográficas e econômicas especiais deram origem a um problema um pouco diferente
do observado em outras zonas.
A generalização da economia extrativa-destrutiva da borracha, castanha, balata, pau-
rosa, couros, etc., é um obstáculo permanente para a organização do trabalho agrícola
sistematizado. Antes do ciclo da borracha o Amazonas tinha a sua agricultura
regularmente desenvolvida, agricultura que veio morrer por falta de braços e de
88
iniciativa; braços e iniciativa encaminhados para os seringais e castanhais dos altos
rios.” (BENCHIMOL, p. 686, 1946).
Uma leitura crítica acerca dos efeitos da economia gomífera no domínio da região
amazônica. Assim, assevera que a política de colonização deveria se ater ao “tipo de cultura, a
natureza do trabalho agrícola, a forma de exploração, o clima, o regime de vida dominante”
(BENCHIMOL, p. 687, 1946). O que, para seu sucesso, deveria ser executado em paralelo a
melhoria dos problemas de saúde, alimentação, transporte, educação, que somente deveriam ser
atacados em núcleos humanos organizados, em cidades, vilas, povoados e colônias agrícolas.
Política que deveria ter como fundamento norteador o fato de que:
“A terra precisa ser valorizada pelo trabalho e pelo homem. Êste precisa ser reabilitado
como força econômica de produção. As florestas precisam ser transformadas em
campos de cultura agrícola racional. (...)
Hoje já não pode existir a ficção literária do “homem intruso e impertinente” nem tão
pouco a imagem do “inferno verde” onde a vida humana é impossível. Estes
preconceitos serviram para quebrar a iniciativa de uma colonização do norte, sob o
pretêxto de ser uma região impossível de ser habitada pelo homem.” (BENCHIMOL,
p. 688 e 689, 1946).
Portanto, a ciência, a técnica e a cultura racional deveriam ser o alvo da política,
recomendações opostas as implementadas na Batalha da Borracha, pois como coloca:
“o pensamento dominante nessa imigração dirigida oficialmente foi exclusivamente
o de produzir mais borracha. Não o de colonizar e de fixar o homem ao solo. Fêz-se
assim, novamente, como das vêzes, anteriores, uma obra efêmera de povoamento
transitório e nunca uma obra colonizadora fecunda. O resultado foi o fracasso que
acabamos de assistir dessa empreitada imigrantista.” (BENCHIMOL, p. 695, 1946).
O que ilustra que para Samuel Benchimol a instalação do ideal agrícola seria a única
alternativa para superar os efeitos deletérios do extrativismo e do sistema de aviamento na
economia amazônica. Objetivo que deveria ser conduzido através da imigração e da
colonização levada a cabo a partir dos avanços científicos, organizando o trabalho agrícola
sistemático e fixando o homem ao solo. Diretrizes que permitiriam a superação dos gargalos e
restrições que minaram a experiência da Batalha da Borracha.
Assim, destaca-se dos textos de Felisberto Camargo, Araújo Lima, Cosme Ferreira Filho
e Samuel Benchimol a reiteração de atributos presentes nos debates sobre a Amazônia.
Encontram-se presentes nestes textos componentes como a confiança no progresso da região, o
papel do Estado e do planejamento na promoção do desenvolvimento, o ideal da diversificação
da estrutura produtiva regional, principalmente em direção à agricultura, o imperativo do
controle da integração territorial, a capacidade de adaptação dos nordestinos e dos caboclos ao
meio, a centralidade da ciência e da tecnologia para a consecução deste projeto, a amplitude de
89
áreas temáticas a se tratar (educação, saneamento, transportes, crédito e etc.) e a necessidade de
controlar a transição de uma economia extrativa à uma economia diversificada.
E do apanhado geral do conjunto de textos apresentados neste tópico, ressalta-se o
contraste entre os ideais desenvolvimentista presentes em Vargas, Valentim Bouças, Rômulo
Almeida e Felisberto Camargo, e os desígnios dos operadores do aviamento, sub representados
no debate intelectual mas ativos na conformação institucional, exposto por Firmo Dutra.
Embate que expressa a passagem das intenções iniciais divulgadas pelo Estado e seus
intelectuais para a instalação de um projeto contrário aos seus fundamentos, imposto pela
alteração na conjuntura nacional e internacional sintetizada na Batalha da Borracha.
Uma intervenção que seria executada em meio a fortes controvérsias, as quais abririam
espaço para a emergência de um padrão de interpretação dos problemas da Amazônia que seria
exposto por pensadores vinculados ao que estamos chamando aqui de projeto
desenvolvimentista-regionalista amazônico, de autores como Araújo Lima, Cosme Ferreira
Filho e Samuel Benchimol. Um ideário que seria originário de contribuições destes autores e
também tributário de outras obras como as de Vianna Moog, Arthur Cézar Ferreira Reis e,
principalmente, de Euclides da Cunha. Um projeto que integrava as ideias desenvolvimentistas
e regionalistas, com a convergência do ideal de diversificação econômica da região e a
manutenção do extrativismo da borracha, como condição de controle da transição da tradição
(extrativismo) à modernidade (desenvolvimento) (FERNANDES, 2011).
Uma forma de visualizar o apanhado de ideias divulgadas ao longo deste período é
exibindo quais autores mais se aproximaram ou se afastaram desta estratégia
desenvolvimentista-regionalista. O método que encontramos para sintetizar a exposição destas
ideias foi classificar cada obra como mais ou menos alinhada com as categorias presentes na
controvérsia, tal como definidas na figura 3.
Figura 3 – Categorias presentes na controvérsia sobre a borracha na Amazônia.
Fonte: Elaborado pelo autor.
E especificados os critérios para a classificação das ideias, construímos a figura 4.
• Progresso
• HeveiculturaDesenvolvimentismo
• Tradição
• ExtrativismoRegionalismo
Desenvolvimetismo-regionalista
• Conciliação da transição à
modernidade
• Progresso sem rupturas com o
exrtrativismo
90
Figura 4 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1940-1946).
Fonte: Elaborado pelo autor com base nas obras dos pensadores.
Posições acerca de um modelo de desenvolvimento que, no caso da borracha, alçaria ao
ambiente intelectual um projeto de colonização do território amazônico que possuía profundas
raízes no pensamento sobre o desenvolvimento da região, inspirados em cânones indicados por
autores como Pimenta Bueno e Silva Coutinho desde o século XIX (FERREIRA FILHO, 1965;
OLIVEIRA FILHO, 1979). Um plano que também esteve presente durante o auge do ciclo
econômico da borracha, como também revelado por Weinstein (1993), que cita que:
“Os mais ardorosos defensores da colonização na Amazônia acreditavam em geral
que a economia extrativa era responsável pela dispersão física e pela degradação
espiritual da população rural. Em resumo, as colônias seriam centros de progresso
econômico e cultural, ao mesmo tempo. Ampliando o nível cultural dos habitantes
rurais, com iniciativas em técnicas agrícolas mais aprimoradas e hábitos mais
diligentes de trabalho.” (WEINSTEIN, p. 141, 1993).
Uma política de colonização que almejava a instalação da agricultura de borracha, da
heveicultura, em paralelo à criação de culturas e criações de subsistência. Proposta que visava
desarticular o sistema de aviamento e de extração de borracha e estabelecer a fixação do homem
ao solo, a ocupação territorial, a adaptação do homem ao meio (tecnicamente qualificada) e a
instauração de um novo ciclo econômico à região. Problemáticas coligadas a alcunhas como a
racionalização das atividades florestais e a sistematização das culturas vegetais.
Um modelo que vislumbrava na promoção de seringais caboclos o desenvolvimento da
produção de borracha na Amazônia. Uma política que somente seria integrada ao arcabouço
institucional amazônico após a promulgação da constituição de 1946, se inserindo nas
91
discussões e intervenções do braço executor do artigo 199 da Carta Magna de 194626, por
intermédio, principalmente, da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA).
Uma das diversas mudanças institucionais que teriam papel decisivo na construção da
política de desenvolvimento regional amazônica. Instituições que, apesar de não terem
apresentado resultados tão significativos na destituição da trajetória path dependence inscrita
no sistema de aviamento e na promoção da diversificação da estrutura produtiva da região, são
importantes para a compreensão da consolidação das ideias divulgadas na controvérsia sobre o
desenvolvimento da produção de borracha na Amazônia.
26 Artigo que versava sobre a reserva de 3% da renda tributária da União e dos Estados, Territórios e Municípios
da Amazônia Brasileira para a aplicação durante 20 anos no Plano de Valorização Econômica da Amazônia
(PVEA).
92
4.2.2 A reformulação do aparato institucional de intervenção e a institucionalização de uma
estratégia conciliatória (1947 – 1953)
As incertezas decorrentes da proximidade do fim dos Acordos de Washington (previsto
para 1947) suscitaram um verdadeiro pânico nas elites amazônicas. Temia-se o desmonte do
recente aparelho de estado instalado para a efetivação da Batalha da Borracha, a extinção de
um conjunto de instituições que revitalizaram o secular sistema de aviamento e o extrativismo
da borracha. Políticas que, mesmo sob alvo de críticas, se constituíram no principal instrumento
responsável pela ruptura da estagnação da região (PINTO, 1984; DEAN, 1989).
Preocupações que surgiam em meio ao amadurecimento de uma ideologia mais alinhada
ao planejamento estatal (BIELSCHOWSKY, 1996) e a efervescência da questão regional
brasileira (FERNANDES, 2011), o que incentivaria a inserção na constituição de 1946 de
artigos que visavam a diminuição das desigualdades regionais. Deste modo, o Nordeste, o Vale
do São Francisco e a Amazônia seriam contemplados com a reserva de recursos do Estado para
o planejamento de seu desenvolvimento (D’ARAÚJO, 1992).
E no que diz respeito ao caso específico da região amazônica, passada a Batalha da
Borracha, episódio que “inibiu uma política mais duradoura e com resultados de mais longo
prazo” (D’ARAÚJO, p. 9, 1992), insurgiriam reflexões acerca dos impactos limitados desta
experiência na expansão da produção gomífera e na dinamização da região. Questionamentos
que levantariam o imperativo de alteração das diretrizes da atuação estatal na região, em direção
ao efetivo planejamento da diversificação econômica da Amazônia.
Dentro deste contexto, após um longo processo de discussões, que vão desde
encaminhamentos na Constituinte de 1946, proposições na I, II e III Conferência da Borracha
(realizadas em 1946, 1948 e 1949), deliberações na Comissão Especial de Valorização
Econômica da Amazônia (entre os anos de 1947 e 1953), disputas na Conferência Técnica
Administrativa (de 1951) e a apresentação de substitutivos de lei e diversas outras publicações,
teria espaço uma reformulação do aparato institucional de intervenção federal na região.
Assim, logo após o fim da guerra, seriam extintos o CAETA e a SAVA, mantendo-se
ativos somente o BCB, o SNAPP, o SESP e o IAN. Além disso, no decorrer do período, seriam
instaladas três importantes mudanças institucionais, quais sejam: 1) a Comissão Executiva de
Defesa da Borracha (CEDB), órgão regulador do mercado da borracha; 2) o Banco de Crédito
da Amazônia (BCA), a partir da reformulação do BCB; e 3) a Superintendência de Valorização
Econômica da Amazônia (SPVEA), braço executivo do artigo 199 da constituição de 1946.
93
A CEDB foi criada pela lei 86 de 08 de setembro de 1947 (BRASIL, 1947), cabendo-
lhe a função de regular o mercado da borracha, observando os níveis de produção, estoques,
exportação, importações e preços. Além disso, esta legislação também promulgou a
manutenção da política de créditos e preços subsidiados à borracha via BCB até 1950. Um
aparato institucional que resultava da pressão encabeçada pelas Associações Comerciais,
grupos políticos regionais e indústrias de artefatos de borracha leves e pesadas.
E com a aproximação do fim da vigência da lei 86 de 1947, intensificou-se a pressão
para a continuidade desta política de crédito para a Amazônia. Com efeito, têm-se a criação do
BCA pela lei 1.184 de 30 de agosto de 1950 (BRASIL, 1950), alteração que manteve o
monopólio de compra e venda de borracha do BCB e a CEDB, além de ter ampliado o rol de
atividades aptas a serem financiadas pelo banco27. Uma política que visava conceder maiores
montantes de crédito para a diversificação da economia amazônica28.
Por fim, teríamos a criação da SPVEA pela lei 1.806 de 06 de janeiro de 1953 (BRASIL,
1953), órgão que seria encarregado de coordenar, por meio de planos quinquenais29, a
realização de empreendimentos, obras e serviços que teriam a finalidade de promover a
diversificação da estrutura produtiva e a melhoria das condições infra estruturais e institucionais
que impediam o desenvolvimento da região amazônica. Valorização que possuía um sentido
econômico, político, social e geopolítico de ocupação e controle de uma região que ocupava
mais de 60% do território nacional.
Em síntese, destaca-se a criação de um conjunto de instituições que pautariam os debates
acerca dos rumos e alternativas que a política de desenvolvimento regional deveria tomar.
Instituições cujas normas diretrizes de suas políticas são de fundamental importância para a
27 Para fazer frente à ampliação das atribuições do BCA, criou-se o Fundo de Fomento à Produção, um fundo
formado pela reserva do montante de 10% dos recursos do artigo 199 da constituição de 1946. Fundo que era
destinado ao financiamento de empreendimentos agrícolas, pecuários, industriais, de transporte e bem como
qualquer outro ramo da economia regional, mas preferencialmente o incentivo à produção da borracha por meio
de seringais de cultura organizada. 28 Todavia, apesar das atribuições do banco alinhadas com a diversificação, existiam restrições à esta finalidade.
O Conselho Consultivo do BCA, por exemplo, era um órgão de perfil corporativo (NUNES, 1997) responsável
por propor: 1) a política de crédito gomífera; 2) a abertura, o fechamento e os eixos de atuação das agências do
banco; e 3) o plano de financiamento do Fundo de Fomento à Produção. E haja vista que este órgão era formado
por representantes dos Estados e Territórios amazônicos, de suas Associações Comerciais, da Associação de
Seringalistas e da Confederação Nacional da Industria, destaca-se o controle exercido pelos operadores do sistema
de aviamento, contrários à diversificação (CÔRREA, 2004). 29 Para a formulação dos planos a SPVEA contava com dois órgãos: a Superintendência e a Comissão de
Planejamento. A Superintendência era encarregada de executar os planos e presidir a Comissão de Planejamento,
enquanto esta última instância era responsável por elaborar pesquisas e projetos que subsidiariam o plano
quinquenal. A Comissão de Planejamento era composta pelo superintendente e por mais quinze membros, sendo
seis técnicos correspondentes a áreas chaves do plano (Produção Agrícola, Recursos Naturais, Transportes,
Comunicações e Energia, Crédito e Comércio, Saúde, Desenvolvimento Cultural) e mais nove representantes dos
estados e territórios da região. Um órgão que misturava elementos técnicos e políticos, conjugando o
corporativismo e o insulamento burocrático (NUNES, 1997).
94
compreensão da construção de um projeto de diversificação econômica da Amazônia, este que
alçaria ao centro da problemática amazônica a imprescindibilidade da borracha para a
consecução do desenvolvimento da região.
Um projeto que vinha se formando desde tempos anteriores à década de 1940, sendo
revigorado com a entrada em vigor da Batalha da Borracha e resignificado com esta
reformulação do aparato institucional de intervenção. Ideal que promovia, em termos gerais,
que o desenvolvimento da região deveria abarcar uma transição de uma economia extrativista
e mercantil para uma industrial e agrícola, controlando este processo para resguardar os
interesses das elites regionais amazônicas (FERNANDES, 2011).
Uma política que se consolidaria por meio das alterações institucionais promovidas
entre os anos de 1947 e 1953, pois como indica Pinto (1984):
“A articulação dos interesses industriais, predominantes na política nacional, e os do
grupo, fundamentalmente regional e comercial, envolvido na exploração da atividade
extrativista amazônica, resultou numa solução de compromisso que foi a Lei n. 86 de
8 de setembro de 1947, acompanhada, de forma indissociável, do já referido artigo
199 da Constituição de 1946 (PINTO, 1984, p. 104).”
Passagem que expõem a interpretação de que a promulgação da lei 86 de 08/09/1947
(que acabou por impulsionar a criação do BCA posteriormente) e a inserção do artigo 199 da
constituição de 1946 eram partes constituintes de uma estratégia de conciliação de interesses
dos desenvolvimentistas e dos regionalistas extrativistas e mercantis. Articulação que
compreendia anteparos a exploração gomífera e a intencionalidade da promoção de um plano
de desenvolvimento para a região de amplitude maior que os até então esboçados.
Mudanças institucionais que, apesar da intencionalidade em instituir um novo modelo
de política econômica, findariam por sustentar a manutenção da política de preços subsidiados
da borracha e tão somente a implementar moderadas alterações estruturais na economia
amazônica. Resultados que não impactariam significativamente na alteração da trajetória path
dependence inscrita no sistema de aviamento da borracha em parcela do território amazônico
(como indicado no capítulo 2).
Questões que ganhariam contornos cada vez mais graves com o prosseguimento do PSI,
uma vez que ocorreria um vertiginoso crescimento da demanda por borracha pelas indústrias
de artefatos de borracha instaladas no Centro Sul do país (PINTO, 1984). Consumo que cresceu
638% entre os anos de 1941 e 1960, magnitude que não conseguiu ser acompanhada pela
produção nacional, que cresceu somente 47,3%, com os déficits sendo cobertos por importações
a partir de 1951 (CÔRREA, p. 570, 2004).
95
E dada a rigidez das safras de borracha e a restrição na capacidade de importar do PSI,
a solução do problema gomífero se tornava ainda mais urgente. O que colocava em xeque o
seringal tipo empório revitalizado pela Batalha da Borracha, assim como promovia a
intensificação do debate acerca de concepções alternativas para a superação das fragilidades da
economia da região. Elementos que substanciariam a atuação do aparato institucional de
intervenção e as interpretações acerca das vicissitudes e possibilidades amazônicas.
Um contexto histórico que impactaria na introdução de uma série de proposições ao
centro das mudanças institucionais, inaugurando um novo momento na história do pensamento
sobre o desenvolvimento da região. Com controvérsias que conquistariam espaços
institucionais privilegiados, de onde cada matriz de pensamento teria um ambiente propício à
formulação de diagnósticos, auxiliando assim a institucionalização de uma estratégia
conciliatória alinhada as ideias desenvolvimentistas e regionalistas.
E seguindo a linha do tempo das proposições apresentadas ao debate, temos o retorno
de Arthur Cézar Ferreira Reis, autor que em 1947 produziu uma série de textos sobre a
introdução do planejamento estatal na Amazônia e sobre as características da dominação
portuguesa na região, tomando esta experiência como um marco para a valorização econômica.
Autor que aliava pesquisa histórica com prognósticos para a atualidade, ilustrando elementos
do passado que legitimavam um projeto de desenvolvimentista para a Amazônia.
Reis (1947a), em nota intitulada “Planificação da Amazônia” publicada no Boletim
Geográfico do IBGE, discorre sobre a importância da participação de técnicos especialistas nas
especificidades regionais na formulação da empreitada valorativa. Criticava também o fracasso
das antigas políticas implementadas na região, as quais teriam levado a nação a duvidar da
factibilidade do desenvolvimento da Amazônia, sendo exemplar o contraste entre a falência da
borracha amazônica e o êxito das plantações asiáticas e da indústria sintética.
Fracassos que não excluíam o imperativo da urgente recuperação da Amazônia,
sobretudo em face das angústias políticas, sociais e econômicas que acometiam a região. E,
para se solucionar tais infortúnios, discorre ser necessário:
“a proposição do problema em todos os seus aspectos, inclusive aquêle, tão delicado,
da importância político-militar da região. Uma vez proposto o problema, então,
organizar, à luz da experiência e dos ensinamentos da técnica de nossos dias, o
programa de trabalho, a ser executado sem desfalecimentos, por homens capazes
quanto à competência e quanto à seriedade de propósitos e de ação.” (REIS, p. 1477,
1947a).
Um trecho que ilustra o ideal do progresso da Amazônia, que somente seria efetivado a
partir da investigação técnica e científica de seus principais fundamentos, visando, sobretudo o
96
apaziguamento das incertezas geopolíticas de controle do território amazônico. Obra que
deveria estar a cargo do órgão executor do artigo 199 da constituição, instituição que seria
responsável pela “definitiva integração da Amazônia na comunhão humana e econômica do
país” (REIS, p. 1478, 1947a).
Projeto que já vinha sendo ensaiado pelos órgãos estatais em operação na região.
Planificação que apoiava-se nas autoridades e elites técnicas destes órgãos e na “experiência de
três séculos de vida aventurosa ali vivida” (REIS, p. 1478, 1947a), nos interlúdios da história
regional. Política que deveria ser construída por “técnicos, homens ligados de verdade aos
problemas da região, servidos de propósitos de brasilidade acima de qualquer dúvida” (REIS,
p. 1478, 1947a).
E em texto intitulado “A Amazônia brasileira: flagrantes de sua formação e de sua
atualidade”, publicado na Revista Brasileira de Geografia do IBGE, Reis (1947b) analisa a
evolução histórica da região. Inicia ponderando que o “cenário amazônico tem sido objeto de
uma literatura intensa e nem sempre exata. Seu descritivo é difícil”, visões que expunham a
singularidade de sua fisionomia, “sintetizável em águas abundantes, florestas gigantes,
humanidade escassa, fauna riquíssima, economia destrutiva” (REIS, p. 85, 1947b).
Enaltece a conquista da terra, a qual, por intermédio da destruição e da miscigenação,
constituiu uma composição social que, sob a tutela do estado português, foi determinante para
o domínio do território amazônico. Composição de tipos sociais que sofriam com a desnutrição,
a falta de assistência médica e a imposição de preços altos pelo sistema de aviamento.
Conjuntura que passara incólume por diversos momentos históricos, transcorrendo, segundo
classificação do autor, a era da conquista, do domínio, da Cabanagem e do ouro negro.
Períodos históricos que, destarte as tentativas de direcionamento econômico do período
pombalino e da defesa da borracha após a crise de 1912, consolidaram uma primitiva economia
gomífera como o centro dinâmico da economia regional (REIS, 1947b). Uma estrutura
econômica que, pelos idos de 1947, era percebida como um obstáculo a ser superado pelo
Estado brasileiro, como um capítulo a ser escrito na história da civilização contemporânea, de
uma região que possuía imenso potencial de matérias primas necessárias ao Brasil.
E em diálogo com Euclides da Cunha (2000), tido como um dos maiores observadores
das coisas amazônicas, afirma que “o homem estava ali presente ainda como um intruso com
um rendimento de atividades insignificante” (REIS, p. 101, 1947b). Patamar inferior de
desenvolvimento que não significava descrédito do homem e do ambiente, uma vez que, apesar
da economia destrutiva e dos intemperes históricos, as capitais Belém e Manaus demonstravam
o esforço e a capacidade da construção de centros modernos na região.
97
Reitera, assim, sua crença na factibilidade do progresso da Amazônia. Da possibilidade
de se alcançar patamares de desenvolvimento mais elevados neste espaço onde as riquezas
potenciais da floresta exigiam a continuidade de esforços. Tarefa que deveria ser uma realizada
gradualmente, visto que “o homem amazônico, por outro lado, não possa abandonar suas
atividades repentinamente, desprezando o que criou em dois séculos de trabalho para ajustar-se
a outros tipos de civilização econômica” (REIS, p. 101, 1947b).
Textos que demonstram que Arthur Cézar Ferreira Reis conciliava um ideal de
progresso com a defesa dos interesses das elites extrativistas e mercantis. Realizando isto com
base em uma ótica que descreditava os infortúnios do homem e do meio como responsáveis
pelo atraso da região e de onde, em um contexto de clamor pelo planejamento, indicava o acerto
das diretrizes malograda política de defesa da borracha de 191230, intervenção exemplar que:
“fixou os aspectos do problema amazônico e preparou o clima para as tarefas de
magnitude que ora se executam para a recuperação regional.
Êsse esfôrço de recuperação envolve a colonização, a regulamentação e o aumento da
produção, a tarefa de saneamento, o reequipamento financeiro e técnico.” (REIS, p.
97, 1947b).
Conjunto de diretrizes que poderiam se transformar na matriz central da experiência de
valorização que estava sendo formulada nas instituições regionais. E em relação a antiguidade
das propostas que retornavam ao debate, Reis (1947c) em texto intitulado “Aspectos
econômicas da dominação lusitana na Amazônia”, publicado na revista Boletim Geográfico do
IBGE, refletiria sobre o conteúdo dos planejamentos executados pelos portugueses, atendo-se
especificamente ao período da conquista e de domínio do território.
Ousadia, impetuosidade, solidariedade com o mameluco (caboclo), heroicidade são
adjetivos que Reis (1947c) utilizava para caracterizar a conquista do extremo norte do país pelo
português. Um feito que somente foi possível com a introdução de novas técnicas de conquista,
dado o ambiente (a)diverso que encontraram. Meio onde a técnica encontrara limites à
eficiência, mas que “longe desses processos de trabalho, não será possível qualquer êxito no
espaço amazônico” (REIS, p. 263, 1947c).
Deste modo, Reis (1947c) realiza um apanhado histórico dos principais momentos dos
portugueses na Amazônia, discorrendo sobre temas como a vivência indígena, as especiarias, a
tradição agrária, as riquezas da região, questionando a ideia de que Portugal abandonara a
região. Buscava com isto demonstrar a existência de iniciativas que visaram a recuperação do
30 Plano de Defesa da Borracha (decreto n. 9.521 de 17 de abril de 1912) que previa: o incentivo à indústria
extrativa e a plantação de borracha, a criação de indústrias de artefatos de borracha, a assistências aos imigrantes
nacionais e estrangeiros, facilidades para os transportes, o fomento à produção de gêneros alimentícios no vale, a
distribuição de terras no Acre, medidas de proteção e amparo a produção da borracha, entre outras coisas.
98
vale (REIS, p. 253, 1947c). Observações que vão de encontro à ideia de terra sem história de
Euclides da Cunha.
Ilustra que a Amazônia suscitou a impressão de terras fertilíssimas e de diversas riquezas
potenciais, lugar onde o português se adaptou as contingências, com políticas cujo fracasso não
eliminavam sua acurácia. Do período de conquista do território, destaca a incorporação dos
indígenas e do saber acerca da extração e da cultura de gêneros adequados à região. Do período
de domínio do território, relata a “transformação econômica”, a tentativa de transição do
extrativismo para a agricultura, pecuária e indústria, denotando um movimento de questionando
a validade de se ater exclusivamente ao extrativismo.
Da fase de domínio territorial, Reis (1947c) lista a imigração, a colonização e a
miscigenação como políticas estatais para a manutenção da soberania e como incentivo para a
agricultura e as cidades. Período definido como um “capítulo da ‘marcha para oeste’.” (REIS,
p. 268, 1947c). Destacando-se também a busca pela identificação das riquezas potenciais e
aprimoramento dos métodos indígenas de preparação do solo. Cabendo menção a importância
do Jardim Botânico de Belém, tido como predecessor do IAN, em sua busca por desvendar a
natureza amazônica, apurando o valor das diversidades econômica regional.
Elementos que levaram o autor a afirmar que teria ocorrido uma acurada investida de
Portugal em favor da soberania territorial, da adaptação do homem ao meio e da valorização
das riquezas regionais. Experiência que, por suas similaridades com os desafios da época,
evidencia uma tradição de ideias na Amazônia. Uma perspectiva que valorizava a tradição
portuguesa enquanto alicerce para a construção de um projeto de transformação da Amazônia,
conectando-se as ideias de Freyre (1964) e incorporando-as à finalidade do desenvolvimento.
E em meio à realização das conferências da borracha e de discussões acerca do formato
institucional ideal para a intervenção federal na Amazônia, surgiria uma parceria internacional
para a investigação científica das potencialidades da região. Iniciativa que seria batizada de
Instituto Internacional da Hiléia Amazônica, um órgão da Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que atenderia os desafios desta problemática
apontada por muitos como uma das causas do atraso da região.
No entanto, divergências quanto ao domínio do conhecimento das potencialidades da
região despertaram fervorosa oposição dos brasileiros e amazônidas nacionalistas, findando por
frustrar esta iniciativa. O que denota a importância política e ideológica da ciência e tecnologia
para o domínio territorial da região, bandeira comum a diversas correntes do pensamento sobre
o desenvolvimento da Amazônia. Um episódio que também evidenciaria o nacionalismo
pragmático de Felisberto Camargo, com sua campanha favorável ao Instituto Hiléia.
99
Felisberto Camargo e o instituto que comandava vinham sofrendo restrições deliberadas
de suas atividades por parte dos segmento políticos alinhados aos aviadores, o que comprometia
o desenvolvimento científico tecnológico de plantas e espécies eficientes para a implementação
de cultivos agrícolas e empreendimentos agropecuários (DEAN, 1989). Em meio a este
contexto seria publicado um texto que evidencia a posição nacionalista pragmática de Felisberto
Camargo (1948) acerca do problema amazônico, em trabalho intitulado “Sugestões para o
soerguimento econômico do Vale Amazônico”, publicado em 1948.
Camargo neste texto romperia de maneira enfática com qualquer tentativa de
conciliação de modelos de desenvolvimento, sobretudo devido sua crença na superioridade da
produtividade agrícola e agropecuária e ciência de que os operadores do sistema de aviamento
se opunham ferozmente à qualquer tentativa de transformação econômica, política e social. Um
texto que iria descrever seis projetos para a autossuficiência alimentar da Amazônia e para a
criação de um centro produtor de alimentos para exportação, finalidades que também serviriam
como pré-condição para a futura colonização da região.
Principia indicando ser calamitosa a situação econômica e social da Amazônia,
requerendo, por esta razão, o alívio de suas aflições o mais rápido possível. Situação que só não
seria ainda mais grave devido a artificialidade dos preços da borracha extrativo, o que, segundo
o autor, atenuava o êxodo do meio rural para as capitais. Um quadro que guardava
preocupações, haja vista que “todos os produtos de exportação da Amazônia se acham em crise
e os governos locais em grande dificuldade”, o que substanciava a necessidade de intervenção
para atenuar o que chamava de a “maior crise de sua história” (CAMARGO, p. 4, 1948).
Uma intervenção que sofreriam resistências, como pode ser observado pelo ilustrativo
relato de Felisberto Camargo, cujo valor requer a citação literal:
“a política das explorações extrativas, das ações de emergência, das soluções
intermediárias, das soluções simplistas, tem, na Amazônia, raízes tão profundas que
tentarão derrubar todas as paredes de qualquer obra da ciência pura, mesmo que os
recursos de financiamento venham de muito longe.
Que sirvam de exemplo ao I.I.H.A. (Instituto Internacional da Hiléia Amazônia) os
ataques que sofre o Instituto Agronômico do Norte e as recomendações que têm
surgido pela imprensa, por parte de alguns mentores da econômia regional, no sentido
de o Instituto Agronômico do Norte deixar de realizar trabalho científico, para se
transformar em chácara ou horta do Estado. Há exceções que reconhecem o mérito da
obra científica, mas estas são raríssimas, na Amazônia, e, por isso mesmo, muito
preciosas.” (CAMARGO, p. 4 e 5, 1948) (grifos do autor).
Destaca-se deste texto a exposição de projetos relativos à produção de carne, leite,
cereais, leguminosas, legumes e oleaginosas vegetais, cacau e outras plantas alimentícias, juta,
madeiras e de colaboração científica. Produtos que dependiam de intensa pesquisa científica e
100
tecnológica para sua efetivação enquanto alternativa para a redução das carências amazônicas.
Um objetivo da maior importância, sobretudo devido ao fato de que Camargo (p. 36, 1948)
considerar que “problema algum poderá ter solução na Amazônia, sem que se resolva, em
primeiro lugar, o da produção de gêneros alimentícios essenciais para a vida do homem.”.
E nos interstícios dos projetos que Felisberto Camargo submeteu à apreciação do
Instituto Hiléia, entre dados técnicos, cronogramas de execução e justificativas, sobressaem
alcunhas, argumentos e conceitos que norteiam toda a reflexão envolvida na questão amazônica.
Conceitos como organização produtiva, racionalização, fixação do homem ao solo e equilíbrio
econômico salientam o objetivo de suplantação do secular regime extrativo, este que, segundo
o autor, se mantinha devido a “inexistência de uma mentalidade agrícola na região amazônica,
onde sua população vive de explorações extrativas de borracha, timbó, castanha do Pará,
essência do pau rosa, madeira, pesca, caça, etc., etc., etc.” (CAMARGO, p. 50, 1948).
Além disso, Felisberto Camargo ressaltaria o exemplo da juta como alternativa de
desenvolvimento, atividade postulada como “a primeira chave do soerguimento econômico da
Amazônia” (CAMARGO, p. 50, 1948), sobre a qual prospecta que:
“irá transformar o seringueiro de uma vítima da produção de borracha extrativa, em
um homem novo, com uma mentalidade de agricultor e, possivelmente, muitos irão,
posteriormente, se dedicar à obra de formação de seringais de cultura e de outras
culturas, que não necessitaram de leis de proteção e de medidas de economia artificial
de emergência”. (CAMARGO, p. 50, 1948).
Também merece exposição o conflito entre o BCA e o IAN relatado por Felisberto
Camargo, quando descreve que o fim do acordo de pesquisa científica e tecnológica firmado
entre estas instituições teria profundos efeitos sobre a continuidade da formação de espécies
adaptadas à região. Cita, inclusive, que a recomendação pela descontinuidade partira do então
deputado Cosme Ferreira Filho, um dos mais árduos defensores da heveicultura na Amazônia,
objeção que era defendida devido as dificuldades do BCA em manter a política de preço
subsidiado da borracha. Ou seja, é possível extrair deste episódio um dos dilemas dos
desenvolvimentistas-regionalistas, a sua dificuldade de firmar compromisso tanto com a
manutenção do sistema de extração quanto com a instalação de novos núcleos dinâmicos.
Por fim, Felisberto Camargo eleva a ciência e a tecnologia ao patamar de mediação
indispensável para o avanço das sociedades. Cita que nas regiões atrasadas há certa aversão ao
conhecimento científico, uma vez que “domina nesses casos a mentalidade do imediatismo, do
lucro a curto prazo”. (CAMARGO, p. 61, 1948). Entretanto, cita que, após 7 anos da criação
do IAN, já haveria técnicas capazes de concretizar culturas agrícolas na Amazônia, tais como
o da seringueira, do timbó e da juta. Uma transformação a ser executada pelo Estado através de
101
um planejamento de longo prazo com os recursos do artigo 199, haja vista a inexistência de
uma mentalidade agrícola na região amazônica.
E outro texto importante para a compreensão das dissidências do período é o de Cássio
Fonseca, vice-presidente da CEDB e representante do BCB nesta comissão. Em obra intitulada
“A economia da borracha: aspectos internacionais e defesa da produção brasileira” publicada
em 1950, seria apresentado um relatório acerca das recomendações reunidas na III conferência
da borracha de 1949. Um texto que substanciaria a transição do BCB para o BCA, indicando
diretrizes, possíveis limites e formatos da instituição a ser criada.
Fonseca (1950), inicia seu texto fazendo um breve apanhado histórico da atuação estatal
na região, dando ênfase para o programa de Defesa da Borracha de 1912, ponderando que
observadores da época atribuíram o fracasso deste plano ao descaso e à indiferença do governo.
Fatores que são avaliados como indissociáveis de outras razões, tal como indica o autor:
“A pobreza financeira da nação, a falta de capitais privados, a escassez de técnicos, a
feracidade silvestre das regiões extratoras, a psicologia predatória e nómade oriunda
da corrida à seringa, a ilusão aventurosa do el Dorado, a tardança na defesa do produto,
a grandiosidade do plano e sua desproporção com as posses do país, a impossibilidade
de amparar produto exclusivamente de exportação em regime de concorrência
internacional e, principalmente, a inexistência de consumo interno, de base industrial
sólida, eis outras tantas causas de fracasso.” (FONSECA, p. 3, 1950).
Indicativos sobre um plano que, mesmo se implementado antes da eclosão da crise, não
teria surtido o efeito de limitar o potencial asiático (FONSECA, p.3, 1950). Quadro que somente
se alteraria com a contenção gomífera durante a segunda guerra mundial, com fortes impactos
na retomada da extração e na descoberta de novas fontes de produção, notoriamente a borracha
sintética. Evento inesperado que providenciaria a criação de mecanismos que garantiram
sobrevida aos seringais da Amazônia.
E no que diz respeito as nuances e efeitos destas mudanças institucionais, nada podemos
acrescentar, dado que já discutimos seus principais elementos no início deste tópico. No
entanto, cabe-nos aqui esmiuçar qual diagnóstico Cássio Fonseca apresentou para justificar a
alteração institucional da política gomífera, destacando-se os seguintes fatores: 1) a expansão
da manufatura de borracha no país; 2) o peso do extrativismo na economia amazônica; e 3) a
superprodução mundial desta matéria prima.
Para fundamentar esta mudança, afirmaria ser o extrativismo amazônico um dos pilares
mais frágeis da dinâmica econômica do setor gomífero brasileiro, sobretudo devido as
limitações da estrutura produtiva e das políticas de desenvolvimento. Dificuldades que
persistiam devido ao dogmatismo de crenças, mitos e teorias e ao entusiasmo com
102
planejamentos e regras com que muitos tratavam o problema, o que levava o autor a alertar para
a imprescindibilidade da análise da realidade, como afirma:
“O que sempre prevaleceu e prevalece, não se vendo o que o possa substituir, é o
julgamento e o trabalho do homem, a cada passo, em cada um dos casos inumeráveis
a solucionar no âmbito das relações econômicas, sociais e políticas. O homem,
origem, meio e fim das coisas do mundo é que, em última análise, faz bons ou maus
os sistemas e as leis. Da execução depende fundamental que tal ou qual obra se realize
bem ou mal.” (FONSECA, p. 6, 1950).
Uma crítica das leituras que imputam a rigidez do meio ou qualquer outro fator fora do
domínio do homem como obstáculos intransponíveis, descreditando também as soluções fáceis
como alternativas para a redenção da região. Enfoque que coloca as incompreensões, a
impaciência e a falta de visão da realidade econômica como determinantes dos baixos níveis de
desenvolvimento, de onde só seria possível escapar por intermédio do estudo, da pesquisa, do
trabalho, da experiência e do tempo.
Fonseca (1950) salienta com isto sua visão de que seria somente através da investigação
da realidade que seria possível desenvolver qualquer programa factível para a promoção da
produção gomífera da Amazônia e, com isto, garantir a soberania do território e a autonomia
nacional na produção desta matéria prima primordial para qualquer nação civilizada. Ideias que
seriam expostas ao longo do texto ao lado de informações relativas a origem, evolução e razões
da configuração do mercado nacional e internacional da borracha.
E evidenciado os fatores justificadores da transição, o método e os objetivos da política
gomífera proposta por Cássio Fonseca, ilustra-se sua leitura de que o seringal daquela época já
não mais reproduzia os abusos excessivos contra os seringueiros, ainda que apresentasse
limitações quanto a produtividade, o que levava o autor a afirmar que:
“Não há que procurar subvertê-lo radical e prontamente, sob pena de desorganizar por
completo a indústria extrativa. Êsse mecanismo, a despeito de suas deficiências, foi o
único que até agora pôde funcionar na Amazônia. É tradicional. Acha-se enraizado
nos hábitos locais. Sua substituição por métodos mais consentâneos com o progresso,
capazes de maior flexibilidade e de melhores resultados, dependerá de uma
transformação gradativa, subordinada ao desenvolvimento econômico geral da
região.” (FONSECA, p. 22, 1950).
Impressão que acabava por lançar luz sobre comparações com a heveicultura, modelo
que exigia, para seu sucesso, vultosos capitais, recursos técnicos e auxílio governamental
(FONSECA, p. 30 e 31, 1950). Atividade que no sudoeste asiático havia atraído grandes
empresas monoculturas e latifundiárias e pequenos proprietários com consórcios de
seringueiras e outras plantas, tendo resultado daí um quadro de permanente superprodução,
agravado pelo advento do substituto sintético.
103
Conjuntura internacional que aliava-se ao crescimento da manufatura nacional,
impactando no consumo de borracha no país ao passo que retirava os incentivos à produção.
Contexto que urgia novas diretrizes institucionais, sobretudo devido ao fato de que a borracha
na Amazônia era considerada:
“o barômetro de sua conjuntura econômica, condicionando-lhe os períodos de crise e
prosperidade.
(...) As demais atividades são ainda incipientes, aleatórios e dependem da criação de
aparelhamento que ainda inexiste.
Daí a precariedade e a ineficácia de todas as formulas até então preconizadas o
progresso econômica-social da Amazônia, quando esquecida a borracha, gênero
básico em qualquer tentativa de organização regional.” (FONSECA, p. 147, 1950)
Sob este contexto e com o respaldo da sabedoria da experiência prévia, Fonseca (p. 177,
1950) traçaria que o único caminho seria “dedicar-se vigorosamente à melhoria de sua produção
extrativa e à intensificação do seu consumo interno.”. Projeto que não incorporava a
heveicultura como bandeira central, haja vista que o autor não acreditava que esta opção
equacionasse os problemas básicos da questão, tangenciando o assunto no seguinte trecho:
“Para outros, e talvez sejam êstes os mais prejudiciais, desconhecendo as realidades
dos complexos internacionais e nacionais, venha a utopia depressa. E haja circular os
lugares comuns: fomente da produção, racionalização da produção, redução do custo
de produção, elevação do padrão de vida, baixa de preço, industrialização, expressões
às vêzes contraditórias, pois algumas implicam a anulação de outras, e que poderiam
às vezes ser ou serão realmente objetivos consideráveis, mas só enquanto estudados
conjuntamente inter-relacionadamente, dentro dos verdadeiros contornos que a vida
do produto apresenta no Brasil e fora dele.” (FONSECA, p. 186 e 187, 1950).
A partir desta leitura, Cássio Fonseca discute quatro componentes para a promoção da
borracha, os quais são: 1) preços subsidiados; 2) monopólio de compra e venda; 3) regulação
do mercado; e 4) fomento da produção. Pontos tido como imprescindíveis para trazer confiança
e estabilidade para a borracha e para futura diversificação produtiva da região, e que, se não
implementados, surtiriam impacto no despovoamento da Amazônia. Sendo interessante notar
que estas recomendações seriam integralmente inseridas na legislação que criou o BCA.
E no que tange ao fomento da produção, Fonseca lista ser necessário expandir o esforço
gomífero simultaneamente ao de outras atividades básicas através do incentivo à iniciativa
privada “laboriosa e profícua” da região (FONSECA, p. 225, 1950). Elencado ainda ser de
difícil implementação a heveicultura pelo demorado tempo de maturação da planta e juros
reduzidos necessários para amortizar o capital investido, o que não o impedia de sugerir para
isto o destacamento de verbas do Fundo de Fomento à Produção.
Plantação de borracha que era uma experiência nova e que teria de ser “forçosamente
iniciada do nada”, advertindo que “tudo está por fazer neste sentido” (FONSECA, p. 230,
104
1950), ignorando, neste ponto, os avanços obtidos pelo IAN, para logo mais elogia-lo por seus
serviços de assistência técnica (incoerência talvez explicada pelo conflito entre BCB, CEDB e
IAN). Além disto, afirma não ser aconselhável grandes plantações latifundiárias, devido ao
volume de recursos e riscos de endemias, indicando ser preferível seguir:
“O caminho que o bom-senso está a indicar-nos será o de aproveitar as condições
criadas pela natureza, ajudá-la, promovendo maior densidade e melhores condições
de produção nos seringais que para isso apresentem situação favorável, com o que se
obteria maior remuneração por igual trabalho e, através do estímulo à produção de
géneros básicos na região, um tipo de vida satisfatório. (FONSECA, p. 230, 1950).
Uma opção intermediária aos modelos de seringal empório e caboclo que visava
expandir a produtividade gomífera e expandir a autonomia da empresa extrativista. Medida que,
de certo, solidificaria os alicerces do sistema de aviamento em um novo contexto de consumo
crescente e de pressões para importar borracha. Projeto que possuía um caráter estratégico de
defesa nacional, fixando os seringueiros, reduzindo o gasto com divisas e resguardando a
autonomia produtiva em um panorama político internacional adverso.
E passada a controvérsia quanto a transitoriedade da lei de extensão dos subsídios (lei
86/1947) e o equacionamento da questão relativa ao crédito e a borracha (criação do BCA em
1950), as atenções se voltariam ao dispositivo institucional 199, sobre o qual se arrastavam
demoradas discussões na Comissão Especial de Valorização Econômica da Amazônia. Em
meio a isto, insurgiriam diversas análises e proposições, destacando-se as ideias de Edward
Higbee, Pierre Gourou e Álvaro Adolfo.
Pierre Gourou (1951), geógrafo, em um artigo intitulado “Amazônia: problemas
geográficos”, publicado na revista Boletim Geográfico em 1951, discorreria sobre o ambiente
de lendas e impressões que percorriam a Amazônia, questionando a acurácia da noção de
prosperidade e prodigalidade da natureza, buscando com isto desvendar os problemas
amazônicos fundamentais. Um relato ciente de sua limitação, dada a extensão do território e a
infinidade de deficiências, restringido assim sua investigação sobre as razões dos baixos e
desiguais níveis de ocupação do espaço.
Negando a influência do clima, da insalubridade, dos solos e da floresta na determinação
dos pequenos índices demográficos, Pierre Gourou (1951) retoma a experiência indígena e
indaga o porquê de não terem avançado no povoamento, respondendo assertivamente que
faltavam-lhes técnicas de exploração da natureza e novos modelos de organização do território,
aspectos que o autor responsabiliza pelos reduzidos níveis de vida regionais. Critica também as
investidas portuguesas, indicando-as como uma das razões da não ocupação da região, e indo
105
ainda mais além, criticando os efeitos das diretrizes de suas políticas sobre a estrutura produtiva
e a mentalidade do vale, quando esboça:
“Os portugueses não praticaram na Amazônia uma política de povoamento e
colonização. Mais exatamente êles limitaram seu esfôrço no povoamento da região de
Belém (...) No conjunto, a Amazônia lhes apareceu como fornecedora de especiarias
como deveria acontecer logo depois à Ásia, que perderam no século XVII. A ‘droga
do sertão’ foi a única preocupação das autoridades portuguêsas; sendo portanto
impossível colonizar e povoar com semelhante disposição de espírito. Esta
“mentalidade de colheita” é responsável da lentidão do desenvolvimento econômico
da Amazônia-Belém (...) a “mentalidade de colheita” se arraigou nos hábitos, no
pensar da população amazônica ela representa, na hora atual, o principal obstáculo ao
desenvolvimento econômico e ao elevamento do nível de vida dos seus habitantes”.
(GOUROU, p. 1190, 1951).
Apesar deste histórico, Gourou (1951) prossegue indicando que os avanços dos índices
demográficos após a ascensão da borracha (de 1870 à 1950) e o controle das endemias
garantiriam num futuro próximo o equacionamento do problema do povoamento da Amazônia.
No entanto, destacaria que a contemporaneidade guardaria outros problemas, de ordem técnica
e econômica, revelando dúvidas quanto a evolução da região, pois como coloca:
“(...) a futura população amazônica viverá sob o mesmo plano da população atual;
tirará medíocres recursos da agricultura itinerante de queimada e coleta de produtos
da natureza selvagem? Ou veremos desenvolver-se uma mentalidade e técnicas novas,
uma população de agricultores praticando uma agricultura intensiva e permanente
sôbre as boas terras, que embora não sendo muito extensas na Amazônia, excedem
largamente as necessidades de uma população mais numerosa que a atual?”
(GOUROU, p. 1190, 1951).
Relata que as plantações de hévea, de arroz e de juta demonstravam, ainda que
modestamente, que a Amazônia logo estaria abandonando “um passado de coleta e pobreza,
herdada de sua pré-história índia e de sua história colonial, para entrar na vida de um futuro
melhor, apoiando em técnicas racionais e intensivas.” (GOUROU, p. 1190, 1951). Exprimindo
ser factível a superação dos efeitos nocivos oriundos da “mentalidade de coleta”, desde que
suplantados pela ciência e tecnologia, ou seja, a partir da reformulação do modelo de exploração
que organizava a configuração econômica, política e social do território e mantinham o status
quo ou impediam uma evolução fora dos parâmetros da rotina e da tradição.
Edward Higbee (1951), outro geógrafo, relataria a busca dos norte-americanos pelas
matérias primas na região amazônica durante a Batalha da Borracha. Destaca-se de seu artigo
intitulado “O homem e a Amazônia”, publicado na revista Boletim Geográfico em 1951, a farta
base material que o substancia, trazendo informações de correspondências e relatórios da equipe
de americana que trabalharam com a exploração da borracha na Pan-Amazônia, os quais
106
descreviam a natureza diversa, a situação agrícola, a fertilidade do solo, as condições sanitárias,
o transporte fluvial, as instituições comerciais, os costumes políticos e etc.
Indicando ser “uma das paixões de nossos dias” a ideia de “explorar a estrutura de áreas
não desenvolvidas para descobrir suas fraquezas, e, se possível, os remédios pelos quais elas
possam ser reabilitadas e tornadas mais produtivas e mais adequadas à existência humana”
(HIGBEE, p. 467, 1951), o autor refletiria sobre os obstáculos que constrangiam o
desenvolvimento do vale, concluindo que:
“Fatôres tanto físicos como sociais, variados e quase intermináveis, têm contribuído
para retardar a economia da Amazônia, mas parece que o próprio homem tem criado
os obstáculos mais formidáveis ao progresso, pela maneira deficiente pela qual êle
organizou o espaço e utilizou o terreno e os recursos humanos.
(...) “fôrças políticas e econômicas têm tanto, senão mais, que ver com o retardamento
da evolução da Amazônia do que obstáculos naturais.” (HIGBEE, p. 468, 1951).
Para fundamentar tal assertiva, utiliza-se dos diversos relatos sobre as difíceis condições
de operação do negócio da borracha, tecendo comentários acerca das vicissitudes amazônicas.
Lista entre os fatores debilitadores a falta de autonomia dos amazônidas acerca da determinação
das diretrizes nacionais do desenvolvimento da região, a rigidez do secular sistema de
aviamento, as dificuldades de controle da mão de obra e os baixos rendimentos dos seringais
(descrevendo tipos próximos dos seringais tipo empório e caboclo).
Além disso, investiga as dificuldades de colonização da região, indicando que uma das
razões para sua não efetivação reside na resistência das elites regionais, uma vez que se os
trabalhadores “deixassem as fazendas dos patrões para constituírem-se em pequenos
proprietários a atual organização econômica do Amazonas, que está baseada na peonagem, seria
despedaçada” (HIBGEE, p. 473, 1951). Portanto, era o sistema de crédito, esta “velha
instituição amazônica”, que impedia uma transformação mais profunda da deficiente
organização do espaço e da ineficiente administração dos escassos recursos humanos.
Discorre que a alternativa da imigração também não alterava significativamente o
quadro, haja vista que somente emigrava homens com poucos recursos e que tão logo perderiam
sua independência econômica para o aviamento, não influenciando significativamente a
expansão da extração gomífera. E trazendo lições da malfadada Batalha da Borracha, afirma
que para se alcançar algum resultado satisfatório no desenvolvimento produtivo regional teria
de ocorrer “uma revisão drástica de costumes econômicos e políticos de longa data”,
asseverando que “a estupidez humana tem, talvez, mais que ver com a sufocação do progresso
da Amazônia, do que os obstáculos da natureza” (HIBGEE, p. 478, 1951).
107
Com base neste diagnóstico, Edward Higbee afirmaria que a precariedade das condições
econômicas e sociais da época são produto de práticas políticas e econômicas imprudentes.
Assertiva que levava-o a ratificar que sem o estabelecimento de “uma atividade econômica
intensa e sem maior colonização” jamais se alterariam as condições de vida da região (HIGBEE,
p. 478, 1951). Uma leitura autointitulada realista, que visava escapar de heroicidades, perigos
e lendas, para estabelecer que os problemas amazônicos não derivavam das impressões acerca
da natureza e do meio.
Teríamos ainda a apresentação do importante parecer sobre o substitutivo de lei que
regulamentaria o artigo 199. Elaborado pelo senador paraense Álvaro Adolfo (1951), este texto
versaria sobre as bases da execução e planejamento do dispositivo constitucional 199, definindo
o conteúdo da valorização econômica da Amazônia e incorporando uma justificativa que seria
considerada uma verdadeira enciclopédia acerca das potencialidades e vicissitudes da região
amazônica31.
O texto inicia refletindo que a valorização da Amazônia decorria do imperativo da
unidade econômica do país. Uma iniciativa inovadora que visava equacionar as múltiplas
limitações deste complexo regional, atentando-se ao potencial de riquezas a serem exploradas,
a população rarefeita e ao domínio do território, um quadro que resultava do “colonialismo
retardatário dentro do seu próprio país, por defeitos da organização do trabalho regional e falta
de técnica de produção apropriada ao meio” (ADOLFO, p. 134 e 135, 1951).
Problemática cuja solução passava por uma intervenção de longo prazo que, ante os
reveses do subdesenvolvimento, deveria fomentar:
“A formação de núcleos estáveis, pela concentração de populações em áreas
escolhidas, onde encontrem melhores condições de adaptação e produção, será a
solução mais conveniente à elevação do nível de vida e ao povoamento da região,
contra o nomadismo dos inadaptados por fôrça dos rigores do meio, pela insuficiência
de recursos e a falta de uma organização de trabalho que atenda às circunstâncias
ambientes.” (ADOLFO, p. 14 e 15, 1951)
Política que, sob a luz da experiência passada, teria de atuar de forma sinérgica com as
singularidades regionais, respeitando a tradição, pois como coloca:
“A ação oficial deve, porém ter ainda um caráter supletivo, de assistência e de
estímulo às atividades privadas, no quadro econômico que a Amazônia brasileira
apresenta, de modo que o fortalecimento da economia regional se processe sem o
sacrifício do sistema tradicional de produção e decorra do influxo da ação estatal, no
sentido de uma evolução rápida, para formas mais avançadas de técnica e de cultura,
31 Uma obra que trataria de uma variedade de problemas, tais como: área geográfica, zoneamento econômico,
borracha, minérios, pecuária, transporte, comunicações, vias navegáveis, povoamento e colonização, saneamento,
industrialização e energia elétrica, o ensino técnico, crédito e financiamento e sobre a estrutura do plano de
valorização, suas diretrizes inspiradoras e normas de execução.
108
com o aproveitamento dos quadros econômicos regionais como base de
desenvolvimento. Temos o exemplo do que ocorreu quando no período da última
guerra que se efetivou a intervenção econômica a que se denominou Batalha da
Borracha que, se não produziu os resultados esperados quanto ao aumento da
produção, foi, principalmente, pela circunstância de se ter pretendido superpôr a um
sistema econômico tradicional um processo artificial de fomento, sem levar em conta
o que as atividades privadas representavam naquela economia e as peculiaridades
desta.” (ADOLFO, p. 15, 1951) (grifos nossos).
Um diagnóstico de uma região que impressionava pelo contraste entre “a exuberância
do meio e a insuficiência econômica em que o homem se debate”, de onde “tem faltado ao
homem amazônico a técnica apropriada para o domínio da floresta e sua utilização como fonte
inexaurível de riqueza.” (ADOLFO, p. 25 e 26, 1951). Citações representativas das ideias de
Álvaro Adolfo, autor que declarava-se favorável a simultânea promoção da racionalização dos
métodos de cultura e da manutenção do regime de economia extrativa.
Exemplar do seu pensamento é o seguinte trecho, onde examina o aspecto institucional
atinente a questão da borracha e indica que:
“Êsse regime de proteção à produção e à indústria de transformação é essencial para
manter o equilíbrio da indústria extrativa da borracha (...)
Enquanto não atingirmos a grande produção em seringais de cultura de alto
rendimento e pudermos enfrentar a competição dos mercados internacionais, teremos
de continuar com o sistema de defesa da nossa produção silvestre, notadamente pela
garantia de preços mínimos. Nos preços está o ponto de ruptura do equilíbrio da
economia extrativa (...). Deixar à livre concorrência um produto tão sujeito a
flutuações, pelas condições peculiares do meio geográfico e econômico seria a ruína
da economia regional.” (ADOLFO, p. 30, 1951).
Neste ponto, defende o aparelho regulatório da borracha como condição para a
estabilidade de seu patamar produtivo enquanto não se efetiva a transição para um modelo de
seringais de plantação. Um projeto de conciliação da tradição e do desenvolvimento que
levantava a necessidade da expansão da produção gomífera, devido ao crescimento do consumo
da indústria e do vindouro déficit da produção, indicando ser a melhoria da produtividade do
seringal e o desenvolvimento de plantações as saídas mais convenientes e apropriadas.
Para o primeiro ponto, a melhoria da produtividade do seringal, propõe a manutenção
dos anteparos correntes e o incentivo à produção de subsistência, a assistência sanitária e social,
a facilidade para localização e fixação de trabalhadores, o transporte, melhores métodos de
extração e etc. Alternativa que, apesar do regime de produção precário em razão da organização
do trabalho, das asperezas do meio, da dispersão de árvores do látex e etc., crê ser factível para
alcançar as safras históricas de 1912, quando se atingiu a faixa de 40 mil toneladas.
Para o segundo ponto, a plantação de seringueiras, recomenda uma exploração agrícola
de longo prazo. Prática que requer vultosos capitais e que não tem podido atrair a iniciativa
privada, à exceção da Ford, padrão a ser seguido por sua excelência do ponto de vista genético
109
e de organização técnica. Opção que requeria a observação de suas limitações, como a falta de
confiança nas inversões agrícolas de longo prazo, a disponibilidade de mão de obra, a oferta de
crédito relativamente barato, além de assistência técnica adequada e etc.
Para isto, indica ser preferível seguir as propostas de Felisberto Camargo (1944; 1948)
do IAN, ficando a cargo do governo o plano de recuperação, como um exemplo a ser imitado
pelo capital privado. Assim, designa a colonização por pequenas propriedades, com o consórcio
de culturas permanentes e temporárias, como opção para superar os limites e as ameaças de
pragas e moléstias, sobretudo se adotadas técnicas do IAN (ADOLFO, p. 36, 1951).
Rechaçando a alternativa, cogitada por Cássio Fonseca, de plantios nos seringais nativos.
Modelo de colonização que permitia maiores níveis de produtividade, racionalizando a
produção, evitando a dispersão e ocupando o território, uma pré-condição para a estabilidade
econômica da região. E quanto aos três elementos que julga serem responsáveis pelo atraso da
região amazônica (a ausência do estado, a falta de organização do trabalho e a carência da
técnica), Álvaro Adolfo tangencia estes temas quando toca no problema do povoamento e
colonização, do ensino técnico e do crédito e financiamento.
Alega que “o maior e mais grave de todos os problemas da Amazônia é, sem dúvida, o
do povoamento.” (ADOLFO, p. 94, 1951). Deficiência cuja solução requeria condições
favoráveis de vida aos grupos humanos que viriam a se estabelecer na região. E citando Pierre
Gourou, descredita o papel da raça, do clima e das análises pessimistas enquanto impeditivos
para a fixação do homem ao meio, tudo a depender das técnicas a serem utilizadas para a
colonização. Ressaltando ainda ser bem vinda a imigração nacional e estrangeira.
No que diz respeito ao ensino técnico, aspecto que afetava toda a população regional,
das elites às classes trabalhadoras, o provimento de métodos ou processos de técnicas adaptadas
às condições ecológicas e às peculiaridades regionais era considerado um pré-requisito para a
valorização econômica da Amazônia. Elencando o IAN como exemplo a ser seguido e citando
Pierre Gourou novamente, discorre que:
“É preciso, mesmo, criar uma certa unidade de pensamento, em tôrno dos problemas,
que assinale um estádio mais elevado de cultura econômica da região, pela
compreensão de técnicas de produção de maior rendimento. Uma mentalidade
amazônica nova, gerada na confiança do êxito de empreendimentos e da ação oficial,
que supere o estado depressivo em que vivem populações subdesenvolvidas, batidas
por uma crise que se vem prolongando há cêrca de quarentas anos, apesar do esfôrço
de recuperação dos últimos tempos, depois que se abriram novas perspectivas para o
renascimento da produção regional. Deve-se ter em vista êsse aspecto psicológico do
problema amazônico, para que a mobilização dos espíritos acompanhe o
desenvolvimento do trabalho de regeneração da economia em bases definitivas, numa
ação sinérgica dos que coperam na produção da riqueza com as entidades
administrativas interessadas e os órgãos de execução dos programas a realizar.”
(ADOLFO, p. 116, 1951) (grifos nossos).
110
Por fim, destaca a importância da oferta de crédito adaptados as peculiaridades de seu
sistema econômico, de modo que a iniciativa privada interaja sinergicamente com o incentivo
oficial e colabore para elevar os índices de produtividade e o padrão de vida da região. Para
isto, descreve a necessidade de créditos de curto e longo prazo, louvando as alterações do BCA
e indicando o direcionamento de crédito para cooperativas agrícolas de produção e consumo.
Instrumentos essenciais ao equilíbrio da economia regional e a vida rural amazônica.
E paralelamente à estes textos, no plano nacional, tais ideais ganhariam contornos mais
concretos com o advento do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), um período que
ficaria conhecido como amadurecimento do desenvolvimentismo no Brasil (DRAIBE, 1986;
BIELSCHOWSKY, 1996), com a efetivação de projetos de grande envergadura que alterariam
profundamente a capacidade produtiva e institucional do país. Dentro deste contexto, a
mensagem presidencial apresentada ao congresso em 1951 é uma peça chave para compreensão
da formação da estratégia de desenvolvimento regional amazônica (D’ARAÚJO, 1992).
E o início do tópico relativo aos planos regionais é ilustrativo, pois Vargas32 expressava
ciência da necessidade de tratamento diferenciado para o desenvolvimento de cada região, dada
as peculiaridades características de cada território, quando indicava que:
“No quadro especial de um imenso território como o do Brasil as relações entre o
homem e o meio ambiente assumem aspectos variados, exigem métodos diversos de
adaptação, de conquista e de conservação em cada unidade geográfica, em cada
província climática, em cada setor regional.” (VARGAS, p. 171, 1951).
Alertando com isto para a necessidade de estratégias regionais adaptadas para a
superação dos limites ao progresso decorrentes das condições do meio singular de cada região.
Políticas que deveriam apoiar-se em investigações científicas e técnicas e ser enquadradas nos
objetivos da política nacional. E ao fazer um balanço do passado amazônico, a mensagem ressoa
nas diretrizes do Discurso do Rio Amazonas, uma vez que, ao criticar as limitações do
extrativismo na região, adverte que:
“É preciso vencer essa etapa de pioneirismo, de desregramento, dominar o meio
agressivo e nêle estabelecer, firmemente, através da execução de uma política
realística, sua definitiva integração aos quadros permanentes da civilização nacional.
As lições do passado, desenvolvidas desde a experiência portuguesa até os propósitos
governamentais consagrados na legislação de 1912, não devem ser desprezadas. Os
insucessos verificados, resultantes de nossa inexperiência política e desaparelhamento
técnico, não autorizam pessimismos apriorísticos.” (VARGAS, p. 173, 1951).
32 É sabido pela literatura (DRAIBE, 1986) que quem coordenou a elaboração deste documento foi Rômulo
Almeida, um dos autores que tomaria a vanguarda do desenvolvimentismo no Brasil (BIELSCHOWSKY, 1996),
com destaque para sua atuação sobre a questão regional brasileira. Cabe ainda lembrar que Rômulo Almeida
produziu uma série de textos sobre a região amazônica, como exposto no tópico 4.1.1 deste capítulo.
111
Trecho que demonstra certa continuidade com a linha de pensamento que outrora
orientou a intencionalidade da política de desenvolvimento amazônica, incorporando ainda
algumas das ideias divulgadas por Arthur Cézar Ferreira Reis quanto ao acerto das investidas
portuguesas. Leitura que era justificada pelos “espaços potencialmente ricos e desocupados”
que despertavam “apetites perigoso num mundo de crescentes pressões demográficas e
políticas” (VARGAS, p. 173, 1951).
Razões substanciavam a formulação de uma política de exploração da Amazônia com
múltiplas diretrizes, que passavam por técnica agrícolas, exploração racional das florestas,
pecuária, crédito e etc. Plano que, no tocante a questão da borracha, esboçava uma política de
longo prazo orientada para o suprimento do mercado interno pelo “plantio racional de novos
seringais e o adensamento dos seringais nativos” (VARGAS, p. 116, 1951). O segundo ponto
destoando do Discurso do Rio Amazonas e adotando a solução intermediária apontada por
Cássio Fonseca e rechaçada por Álvaro Adolfo.
De imediato, a primeira providência advinda da intencionalidade desta mensagem seria
a convocação de uma conferência técnico-administrativa em 1951 para o levantamento da
situação e das necessidades da região. Um evento onde ocorreria uma série de debates para
averiguação de providências a se tomar para o desenvolvimento do vale, um esboço, portanto,
do planejamento a ser executado pela SPVEA. Reunião que seria presidida por Rômulo
Almeida, tendo como secretário executivo Arthur Cézar Ferreira Reis.
Um resumo do evento seria divulgado na mensagem de Vargas ao congresso em 1952
e um livro contendo os principais documentos apresentados seria editado em 1954 (BRASIL,
1954a)33. Textos que, nas palavras de Rômulo Almeida, objetivavam:
“(...) fugir de um tratamento sentimental do problema amazônico; mas, pelo contrário,
mostrar objetivamente que a Amazônia brasileira dispõe de recursos para eficiente
aproveitamento imediato, capazes e torna-la uma região florescente, crescendo sobre
seus próprios pés e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil e dos países
vizinhos e amigos do continente”. (BRASIL, p. 6, 1954).
Neste livro encontram-se textos de Sócrates Bonfim, Gabriel Hermes, Felisberto
Camargo, Firmo Dutra, entre outros, além de sínteses compiladas pelas comissões especiais,
que, em relação a borracha, foram expressas na Comissão Agropecuária e na Comissão Especial
da Borracha. Relatos que prosseguiriam com a controvérsia sobre a valorização econômica da
Amazônia empreendida pelas diversas correntes de ideias presentes no ambiente institucional
da região.
33 Para uniformização da análise os textos publicados neste livro serão tratados como constantes ao ano de 1951.
112
Sócrates Bomfim34, em artigo intitulado “Um esboço da vida amazônica” (1954),
realizaria uma retrospectiva histórica da estrutura econômica e social da região e delinearia
projetos para o aprimoramento dos níveis econômicos e culturais do homem amazônico, fins
justificados pela unidade nacional. Relataria que a economia extrativista não tinha perspectivas
de futuro, só sendo mantida pela necessidade de sobrevivência das populações. Uma estrutura
enraizada na região que impactava nas tentativas de desenvolvimento, uma vez que:
“Há na Amazônia um temor generalizado entre as altas classes dirigentes das medidas
que possam alterar o ‘status’ social e o sistema econômico praticado na região e que
tem como base o aproveitamento dos recursos florestais. (...) Daí, os programas que
visam a defesa e prosperidade da propriedade rural como um todo, sem cogitar de sua
evolução e transformação, considerando-a, portanto, uma instituição social estável.
Essa crença na praticabilidade indefinida do atual sistema econômico amazônico é
dos mais difíceis aspectos da vida social nesta região. Muitos dos líderes sociais ou
políticos da Amazônia consideram o latifúndio extrativista como uma solução
inescapável ao problema de ocupação humana da região e enquanto persistir essa
crença essa instituição sobreviverá.” (BOMFIM, p. 17 e 18, 1954).
Uma configuração derivada da mentalidade de aventura e da inabilidade em adaptar-se
a natureza, o que influenciou na “inaptidão para construir comunidades de economia
diversificada.” (BOMFIM, p. 19, 1954). Um diagnóstico que substancia sua proscrição de
política, sobre a qual escreve que:
“A solução a longo prazo, já indicada no Discurso do Rio Amazonas, estará na
conversão das atuais atividades extrativas a uma fase agrícola pela disciplina dos
vegetais silvestres ao cultivo sistemático. Enquanto isso, e paralelamente, a floresta
deve ser objeto de uma exploração metódica que cobrirá as necessidades atuais de sua
população.
Alguns dos produtos tirados à floresta, a borracha pelo menos, são essenciais ao
equilíbrio da economia nacional. Não é possível pensar em descontinuar sua
produção. O que é necessário de imediato é procurar aumentar a produtividade e a
renda dos extratores florestais (...)” (BOMFIM, p. 23, 1954).
Portanto, Sócrates Bomfim defende uma alteração gradativa da estrutura econômica
regional. E, no tocante à borracha, indica duas soluções: 1) a racionalização e diversificação do
seringal; e 2) o plantio de seringueiras. Propondo o incentivo a seringais tipo caboclo,
endossando proposta semelhante à de Camargo (1944). Sendo também contrário a solução
intermediária de plantio em seringais nativos, em razão de ser “uma forma de fixação das
insustentáveis condições sociais em que trabalha o seringueiro”. (BOMFIM, p. 32, 1954).
Gabriel Hermes35 (1954), outro autor importante da Amazônia, produziria um sucinto
texto sobre a valorização da Amazônia. Inicia revelando o elevado peso que a goma elástica
34 Empresário e intelectual amazonense. Autor que iria fazer parte da Comissão de Planejamento da SPVEA, em
sua subcomissão de Recursos Naturais. 35 Industrial e jornalista, foi presidente do BCA (1951-1954) e da Federação das Indústrias do Estado do Pará
(FIEPA) (1950 à 1967). Também foi deputado e senador pelo estado do Pará por diversos mandatos.
113
detém no portfólio do BCA, que alcançou no ano de 1951 a cifra de 83% do seu capital, sendo
55% imobilizados em estoque de borracha, 14% nos aviadores e 13% nos seringalistas.
Destacando, com isto, o imperativo de redução dos recursos empregados na borracha extrativa
como pré-requisito para a ampliação do capital para a diversificação da economia regional.
E sem propor qualquer modificação no sistema de aviamento da extração gomífera, o
autor delinearia um plano de plantações de seringueiras na Amazônia. Recomenda ser
necessário “10% das Verbas da Valorização Econômica da Amazônia, durante 10 anos, para a
formação de seringais sob indicação técnica moderna, inclusive assistência social aos
respectivos trabalhadores e colonos.” (HERMES, p. 81, 1954) para se alcançar 70 a 80 mil
toneladas e cumprir o principal objetivo do banco, de ser sustentáculo da borracha.
Para levar isto adiante, cogita duas alternativas: 1) empresas de médio e grande porte;
ou 2) iniciativas governamentais que seriam posteriormente transformadas em colônias de
seringueiros. Ambas opções sob auxílio técnico do IAN. Indica que a segunda alternativa
deveria seguir o projeto de seringais caboclos criado por Felisberto Camargo, modelo que
intentaria estimular a produção da borracha e a “fixação definitiva do homem ao solo e a
formação de centros de vida rural” (HERMES, p. 83, 1954).
Teríamos ainda a participação de Felisberto Camargo (1954), reiterando seu modelo de
colonização por plantação de seringueiras e outras culturas de alto valor e de subsistência, em
moldes de seringais caboclos. Um texto que apresentaria inovações quanto a justificativa e o
formato operacional do projeto. No que diz respeito a justificativa, ilustraria ser recomendável
a criação de outro órgão, além de ser necessário que a política da borracha extrativa incluísse
as seguintes diretrizes:
“1º) Manter as organizações existentes que tratam da produção e do comércio da
borracha extrativa, sem alteração alguma;
2º) Conservar e não modificar a atual política de preço da borracha extrativa, durante
um período de dez anos;
3º) Determinar que os órgãos encarregados do comércio da borracha extrativa se
abstenham de imiscuir-se no problema da formação de seringais de cultura”
(CAMARGO, p. 220 e 221, 1954).
Portanto, indicava a criação de um novo órgão sem relacionamentos com o sistema de
aviamento como meio para reprimir os que buscavam absorver, despistar, desmoralizar e anular
a heveicultura (CAMARGO, p. 221, 1954). Um órgão que deveria dirigir a formação de 10 a
20 milhões de seringueiras na Amazônia, dentro do prazo de 10 anos, a fim de obter produção
mínima de 80 mil toneladas financiadas por 15% da verba do artigo 199. Política que detinha
como objetivo:
114
“Plantar seringueiras de alto rendimento, em pequenas culturas, em grandes culturas,
em associação com outras espécies vegetais, em forma de fazendas coletivas, em
forma de grandes organizações capitalistas, em forma de pequena propriedade; mas
plantar seringueiras unicamente dentro das normas técnico agronômicas mais
indicadas.” (CAMARGO, p. 221, 1954).
Ou seja, nota-se que o autor não mais restringia a política de colonização ao regime de
núcleos coloniais do tipo seringais caboclos, tal como apresentado em Camargo (1944, 1948),
mas sim ampliava seu rol de atuação para qualquer modelo de organização da produção que
pudesse “substituir o decadente sistema de seringais nativos” (CAMARGO, p. 222, 1954).
Além disso, levantava ainda que “o Brasil tem necessidade imediata de instalar, com a máxima
urgência, uma fábrica de borracha sintética” (CAMARGO, p. 222, 1954).
Tais textos iriam fazer parte de um conjunto de documentos submetidos ao debate na
Comissão de Alimentação e Produção Agropecuária da conferência técnico-administrativa,
comissão que forneceria subsídios para a elaboração do plano de valorização da Amazônia. A
questão da borracha seria tratada na Subcomissão de Agricultura36, com a temática sendo
apreciada em dois tópicos separados, um relativo a borracha extrativa, relatado por Firmo Dutra,
e o outro aos seringais de cultura, relatado por Júlio Mário da Silva Souza.
O parecer sobre a heveicultura (SOUZA, p. 138 a 145, 1954) ratificaria as
recomendações apresentadas por Sócrates Bonfim, Gabriel Hermes e Felisberto Camargo,
estabelecendo objetivos, metas e instrumentos para desenvolvimento dos seringais de cultura,
plano de longo prazo que visava a racionalização da produção. Já a borracha extrativa mereceria
atenção especial, sendo tratada na Comissão Especial da Borracha e Produtos Extrativos
vegetais, de onde saíram propostas para o aperfeiçoamento dos órgãos de amparo à borracha.
A proposta relatada por Firmo Dutra (1954) é ilustrativa da posição dos regionalistas
operadores do aviamento frente a rigidez da oferta do extrativismo gomífero. Relata que,
enquanto não for possível obter borracha de outras procedências, é necessário manter a
exploração pioneira dos seringais nativos, política que teria um caráter de longo prazo, haja
vista o tempo de demorado maturação da heveicultura e as dificuldades que enfrentaria, como
a escassez de mão de obras, de recursos técnicos e a própria magnitude do problema.
Relata que o contexto institucional do mercado da borracha e a configuração dos
seringais amazônicos, não mais tão nocivos aos seringueiros, garantiriam condições favoráveis
a esta “expedição patriótica” de manutenção do extrativismo na região, a qual poderia alcançar
as safras históricas de 1912. Para efetivar este objetivo, Firmo Dutra lista um conjunto de
36 A subcomissão de agricultura era composta por: João Ferreira Barreto (presidente), Júlio Mário da Silva Souza
(secretário), Felisberto Camargo, Sócrates Bonfim, Cássio Fonseca, Newton Beleza, Pereira Lima, Nunes Pereira
e Luis dias Rollemberg.
115
medidas, tais como: juros baixos e bonificação a aviadores e seringalistas, o fim das
experiências do IAN nas concessões da Ford, aumento do preço da borracha, de empréstimos
para produção de gêneros de subsistência, perdão das dívidas de seringais abandonados,
ampliação ou abertura de novos seringais, maior proximidade do BCA com os centros de
produção, entre outras.
Em síntese, nesta conferência seriam discutidas as bases da estratégia conciliatória que
envolveria as instituições regionais de desenvolvimento. Neste evento, fica nítido a repartição
do foco das políticas entre os órgãos da região, com o BCA e a CEDB ficando com a
manutenção do sistema extrativo e o braço executivo do artigo 199 e o IAN encarregados de
instalar um novo centro dinâmico na região, a heveicultura. Além disso, é possível notar
divergências na principal instituição de apoio ao extrativismo, o BCA, haja vista a diferença
existente entre Gabriel Hermes, então presidente do órgão, e Firmo Dutra, presidente do
Conselho Consultivo, sendo o primeiro alinhado à promoção da diversificação produtiva
regional e o segundo um defensor dos incentivos à produção extrativa de borracha.
E para além dos relatórios técnicos e documentos oficiais que realizavam diagnósticos
e prognósticos de políticas para debelar as vicissitudes que acometiam a região amazônica,
surgiria um importante ensaio literário que interpretaria aspectos regionais e apresentaria um
conjunto de sugestões para a caracterização da vida amazônica: o livro “O rio comanda a vida”
de Leandro Tocantins (1961), publicado pela primeira vez em 1952. Obra que destacaria a
importância da literatura na Amazônia e que era justificado pela ideia de que:
“a natureza absorve e prende o homem em suas malhas, apesar do lento e continuado
esfôrço para humaniza-la. Daí o rio – uma das mais poderosas fôrças do meio –
dominar a vida, que ainda é, nesta época de revolução técnica, marcada
profundamente pelos fatores geográficos” (TOCANTINS, p. 15, 1961).
Ensaio cuja relato contido no prefácio de sua segunda edição de 1961 denotaria bem o
espírito de uma época, pois quando o autor entregara um exemplar a Getúlio Vargas em 1952,
este, após folheá-lo, teria dito “Espero que o jovem escritor possa no futuro escrever outra obra
com o título A vida comanda o rio” (TOCANTINS, p. 16, 1961). Um livro que buscava “fazer
conhecida honestamente a Amazônia e chamar a atenção dos poderes governamentais para os
problemas do vale as necessidades de seu povo.” (TOCANTINS, p. 16 e 17, 1961).
E sob inspiração do regionalismo de Gilberto Freyre, Leandro Tocantins exploraria as
tradições, lendas, panoramas e fatos sociais sob a luz da história, da antropologia, da sociologia
e da geografia, intentando revelar características da região e com isto:
116
“criar uma consciência nacional em torno dos problemas da Amazônia para disciplinar
os investimentos da União na região e evoluir a mentalidade dos responsáveis pela
condução dos negócios regionais.
(...) Cada faceta de vida descrita nos capítulos deste livro é uma exortação de fé e
esperança em dias melhores, porque nos sucessos mais corriqueiros e prosaicos do
viver amazônico estão os dramas do homem, as suas lutas, as angustias, clamando
pela assistência da técnica e o amparo oficial, a fim de que a Amazônica não continue
mergulhada no primitivismo como a natureza no-la presenteou” (TOCANTINS, p. 18,
1961).
Um autor crítico do extrativismo amazônica e que almejava a integração da Amazônia
ao Brasil como instrumento para dissipar os reveses do subdesenvolvimento da região.
Integração que, aos moldes do regionalismo, visava a conciliação do progresso com a tradição.
Intenção que, nas palavras de Ribeiro apud Fernandes (p. 247 e 248, 2011), significava que:
“A palavra integração adquire, para Tocantins, um sentido de conciliação, assumindo
as dimensões de uma idéia de marcha, de um processo social que procure harmonizar
unidades diversificadas. Um processo que vise aproximar ou conciliar entidades
diversificadas numa reunião coesa. O projeto de valorização da Amazônia, proposto
a partir dessa concepção, assume um caráter de continuidade no tempo de uma forma
de dominação do passado, ao propor a coexistência de valores dentro de um equilíbrio
harmonioso entre tradição e modernidade. O passado preenche os poros do presente
impedindo qualquer forma de ruptura. Assim, a oligarquia decadente preserva seu
poder em meio às mudanças (RIBEIRO, p. 332, 2007, apud FERNANDES, p. 247 e
248, 2011).
Leitura que Fernandes (p. 250, 2011) interpretaria como “um caminho de conciliação
entre um projeto de desenvolvimento nacional e a preservação de uma certa autonomia das
elites amazônicas em um processo de condução de um projeto de desenvolvimento regional.”.
Neste livro encontra-se diversas relatos de tradições regionais, são eles: os campos do Marajó,
a obra científica de Emílio Goeldi, a culinária amazônica, a borracha que criou um mundo,
garantiu a posse do Acre e a soberania territorial, a luta entre homem, terra e rio, neste ambiente
diverso, entre outros aspectos. Um texto que aproximaria o autor de Arthur Cézar Ferreira Reis,
vindo, inclusive, a participar de sua gestão na SPVEA.
E ainda em 1952, ocorreria uma pequena reformulação institucional, com foco sobre o
campo da ciência e tecnologia e do plantio de seringueiras. Do primeiro, teríamos a criação do
Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), com a finalidade de “estudo científico do meio
físico e das condições de vida da região amazônica, tendo em vista o bem estar humano e os
reclamos da cultura, da economia e da segurança nacional.” (decreto 31.672 de 29 de outubro
de 1952 (BRASIL, 1952a)), órgão congênere ao IAN37.
37 O INPA somente seria regulamentado em 1954. Entretanto, conta D’Araújo (1992) que um dos primeiros
indicados para a presidência do órgão foi Felisberto Camargo, alteração que não se efetivou, haja vista que ele
seria transferido para São Paulo, encerrando sua carreira de defensor da instalação do ideal agrícola na Amazônia.
Além disso, entre as figuras ilustres que presidiram o INPA consta Arthur Cézar Ferreira Reis (1956-1958), após
sua saída da superintendência da SPVEA, e Djalma Batista (1959-1968), eminente cientista e intelectual da região.
117
Do segundo, teríamos a promulgação da obrigatoriedade da inversão de 20% do lucro
das manufaturas de borracha nacionais na heveicultura, sob a supervisão e assistência técnica
do Ministério da Agricultura (decreto 30.694 de 31 de março de 1952 (BRASIL, 1952b)),
dispositivo que posteriormente seria aperfeiçoado (decreto 35.371 de 12 de abril de 1954
(BRASIL, 1954b)). Regulação que teria o efeito de reduzir o montante de recursos reservados
a heveicultura pelos planejamentos, apesar de seus desprezíveis resultados na expansão da
produção (DEAN, 1989).
E do último ano da sistematização das ideias realizada neste tópico, escolhemos os
textos de Cosme Ferreira Filho (1965) compilados no período (1947-1953) e o livro “O seringal
e o Seringueiro” de Arthur Cézar Ferreira Reis (1953). Escritos que encerram um ciclo de
reflexões que teria profundo impacto sobre o ambiente intelectual amazônico, concluindo com
a institucionalização de uma estratégia conciliatória, reestruturada pela regulamentação do
artigo 199, por intermédio da lei 1.806 de 6 de janeiro de 1953 (BRASIL, 1953).
Os textos de Cosme Ferreira Filho (1965) garantem o acompanhamento, ano a ano, do
debate acerca da perspicácia ou improcedência das políticas da borracha na região. Todavia,
seus textos, em geral, são atualizações, com análises de conjuntura aliadas a diagnósticos de
suas deficiências estruturais e com a divulgação dos perigos somente se investir no extrativismo
gomífero e dos benefícios da heveicultura. Questão pela qual decidimos apenas apresentar uma
síntese das principais inovações do pensamento do autor.
Para o reajustamento das condições de produção gomífera, o autor insistiria ser
necessário diversificar a produção do seringal, em busca da autarquia alimentar, da produção
outros atividades e produtos de alto valor, além da plantação de hévea. Reiterando sua posição
favorável a conciliação entre o amparo aos seringais e a instalação de seringais caboclos ou de
grandes plantações. Justificando isto pela necessidade de fornecimento de látex e de domínio
do território. Propondo, inclusive, quando deputado, uma lei para cumprir esta finalidade.
No entanto, percebe-se uma nítida evolução da visão do autor ao longo do período,
inclinando-se cada vez mais para uma defesa enfática da heveicultura. No início do período,
por exemplo, notamos a opinião de que a transição através da condição econômica artificial é
requerida para compensar o abandono do Estado pela “única fonte exploração segura, habitual
e lucrativa da Amazônia” (FERREIRA FILHO, p. 170, 1965), produto considerado um fator de
sobrevivência das populações locais e patrimônio histórico da região.
Inclusive, criticaria as alternativas à extração, pois que:
“Os remédios clássicos do plantio de héveas e do provimento daqueles serviços
subsidiários a que aludimos não constituem a solução necessária e inadiável. O
primeiro por seu caráter moroso e nada atraente como investimento capitalista; outro,
118
porque também de efeitos demorados e de natureza periférica, não alcançando o cerne
do problema, que reside na fraqueza econômica de cada seringal (...)” (FERREIRA
FILHO, p. 191, 1965).
Problema que requeria a correção do desequilíbrio do seringal, com seu “fortalecimento
econômico, firmado numa produção mais abundante e diversificada” (FERREIRA FILHO, p.
192, 1965). E reconhecendo a existência de diversas correntes de pensamento, criticaria
também as ideias dos operadores do aviamento, quando advertia que:
“A volumosa literatura, que se tem praticado, na imprensa, em relatórios, folhetos e
conferências, não logrou, até o presente momento, alterar a atitude de cômoda
expectativa em que se colocam os principais interessados responsáveis pelo futuro da
borracha. A mística do preço alto, isto é, do preço que possa pagar e cobrir todos os
vícios do atual sistema de produção, ainda é o argumento único de que nos
socorremos, imoderadamente. E com essa solução primária imediatista perpetuamos
uma situação, que deveria ser emergencial e transitória. Convertemos uma atividade
tipicamente expedicionária em regime de trabalho permanente, alheios às
advertências dos mais cautelosos e aos exemplos que nos davam povos mais
avançados, que fizeram da seringueira o tema de uma das mais largas e rendosas
experiências agrícolas de que o mundo tem conhecimento.” (FERREIRA FILHO, p.
211, 1965).
E por receio da ideia de instalação de uma fábrica de borracha sintética no país e das
plantações da Bahia e de São Paulo, que poderiam arruinar a economia regional, alegaria que
“a agricultura de hévea constitui imperativo da economia brasileira.” (FERREIRA FILHO, p.
222, 1965). Denunciando que as barreiras à heveicultura decorriam da insistência dos “homens
de negócio da Amazônia em confinar um episódio de tamanha envergadura nos lindes do
imediatismo comercial”. (FERREIRA FILHO, p. 250, 1965).
E ao fim do período discorreria ser o fascínio da extração e a inexistência de hábitos
agrícolas um dos maiores obstáculos à valorização do homem amazônico, sobre o qual pontua
que “a mentalidade extrativista, pelo menos no setor da borracha, terá que ceder aos novos
critérios, que transformaram a cultura da hévea num dos mais fascinantes capítulos da ciência
agrícola contemporânea”. (FERREIRA FILHO, p. 290, 1965). Mentalidade mais alinhada ao
comércio do que à indústria agrícola ou florestal, o que levava o autor a afirmar que:
“A heveicultura é, na Amazônia, um movimento da atualidade, que só poderá ser
seguido por aqueles que não carregam o ônus, quase secular, de um sistema de vida,
que se tornou integrante e indesarticulável de sua personalidade, de seus hábitos e de
suas inclinações.” (FERREIRA FILHO, p. 319, 1965).
Já Reis (1953) produziria um amplo histórico da formação econômica e social da
economia da borracha na região, analisando os fatores que permitiram o avanço e a ruína desta
atividade e os seus “vestígios sobre a realidade política, social e cultural amazônica.”
(FERNANDES, p. 243, 2011). Um texto que fecharia o seu ciclo de interpretações sobre os
119
períodos marcantes da história amazônica. Portanto, uma obra essencial para compreender suas
ideias acerca das políticas de desenvolvimento regional em construção.
Inicia discorrendo que a Amazônia apresentava um “primitivismo das condições
existenciais, na rarefação populacional, na economia de sentido predatório.” (REIS, p. 12,
1953), atributos que eram consequência da luta do homem para conquistar a natureza, contra
suas características peculiares, sua extensão, rios, clima, fauna e riquezas. Uma visão que
salientava as dificuldades de se romper com as pressões exercidas pelo ambiente regional, o
que destacava o imperativo de adaptação ao meio.
E para Reis (1953), as políticas portuguesas, destarte suas diretrizes tidas como
acuradas, não conseguiu evitar que a estabilidade e a constância requeridas para a adaptação e
o desenvolvimento da colonização fossem suplantadas pelo advento da economia da borracha.
Investida que, apesar das limitações desta atividade, dariam início a uma nova fronteira política
e econômica e integraria o extremo norte à civilização brasileira. Feito alcançado ao preço da
destruição dos padrões anteriores (REIS, p. 46, 1953).
Discorre que apesar do seringal ter sido um fator importante para a ocupação do
território, o fortalecimento do estado, a integração étnica de caboclos e brabos e etc., os seus
efeitos sobre a criação de uma mentalidade extrativista e de hábitos culturais que consolidaram
um peculiar sistema produtivo não passariam sem críticas na história amazônica, haja vista que
o primitivismo desta atividade substanciaria a proposição da adoção de novos métodos de
produção e a conveniência de se criar riqueza plantando (REIS, p. 58, 1953).
Lembra ainda que as antigas propostas de colonização da região por pequenas
plantações, com o consórcio de culturas de hévea e de outras de alto valor aliadas as de
subsistência, alternativa aventada por Pimenta Bueno, Silva Coutinho e outros, advinham destas
críticas. Um projeto que sofria a resistência dos defensores da extração, que, mesmo após a
grande crise, sempre esperavam o retorno de condições favoráveis e não buscavam alterar seus
métodos de produção. O que levava Arthur Cézar Ferreira Reis a afirmar que:
“É certo que essa mudança de posição importava em mudança de mentalidade e exigia
mobilização de capitais e de iniciativas. E o que se observava era uma resistência
inexplicável a qualquer modificação. Ninguém se atrevia a enfrentar a tremenda
realidade, iniciando um novo sistema de trabalho” (REIS, p. 72, 1953).
Quanto ao abastecimento do seringal, relatava que “a terra tropical, que tanta
exuberância apresentava no esplendor de floresta fechada, seria um logro e hostil ao
empreendimento agrário.” (REIS, p. 106, 1953). Quadro que seria alterado sensivelmente após
a crise, “vencendo os obstáculos naturais criados pelo meio geográfico” (REIS, p. 108, 1953).
120
Sendo possível discernir essa passagem para um maior vínculo à produção alimentar com a
alternância entre os modelos de seringais empório e caboclos.
Uma obra que reiterava a interpretação do autor de que os ciclos econômicos da
Amazônia revelavam “ciclos de civilização”, a partir da existência ou ausência da agricultura e
da indústria em contraposição ao extrativismo (OLIVEIRA FILHO, 1979). Leitura que indicava
as raízes que o extrativismo e o sistema de aviamento haviam fincado na região, consolidando-
se por mediações econômicas, políticas e sociais. Evidenciando assim as dificuldades de ruptura
com o sistema econômico vigente mesmo em meados do século XX.
Por fim, resta-nos ilustrar a configuração institucional que o artigo 199 tomou forma
com a sua regulamentação por meio da lei 1.806/1953, norma que pode ser interpretada como
um pilar central da institucionalização da estratégia conciliatória (FERNANDES, 2011). Uma
lei que visava estimular a diversificação econômica e a garantir o equilíbrio e a estabilidade da
estrutura econômica, política e social da região, a fim de coordenar, harmonicamente, o
desenvolvimento amazônico. Intentando, com isto, conciliar modernidade e tradição.
O artigo 1º desta lei delinearia os eixos da intervenção, quando afirmava que:
“Art. 1º O Plano de Valorização Econômica da Amazônia, previsto no Art. 199 da
Constituição, constitui um sistema de medidas, serviços, empreendimentos e obras,
destinados a incrementar o desenvolvimento da produção extrativa e agrícola
pecuária, mineral, industrial e o das relações de troca, no sentido de melhores padrões
sociais de vida e bem-estar econômico das populações da região e da expansão da
riqueza do País.” (BRASIL, 1953).
E do conjunto de textos apresentados neste tópico, ressalta-se a incorporação do
planejamento ao marco de instrumento de fundamental importância para suplantar o modelo de
colonização extrativista baseado no sistema de aviamento, um elemento central do
desenvolvimentismo (FONSECA, 2014). Intervenção que deveria se inspirar nas investidas
portuguesas e no plano de defesa de 1912, respeitando ainda as limitações apresentadas na
Batalha da Borracha, mantendo, assim, os anteparos ao regime extrativo, um atributo da
tradição, elemento caro ao regionalismo (FREYRE, 1964).
Política que, no curto prazo, buscaria garantir a estabilidade da produção e o equilíbrio
da economia regional e, no longo prazo, visaria incentivar núcleos coloniais de pequenos
proprietários ou empresas agrícolas que, com auxílio técnico do IAN e créditos do BCA,
executariam plantações de hévea e de outros produtos de alto valor em conjunto com gêneros
de subsistência. Uma solução intermediária que aliava sistema tradicional e técnica moderna
com fins a dinamizar a economia da borracha e restaurar o progresso e a dinâmica da região.
Um passo inicial para a tão idealizada diversificação da economia amazônica.
121
Pensamento presente nas ideias do desenvolvimentismo-regionalista amazônico,
perspectiva que nortearia a reflexão de vários de autores envolvidos na controvérsia sobre a
borracha na região. Motivo pelo qual é possível visualizar (figura 2) que as ideias divulgadas
neste período evidenciam um maior contingente de autores próximos da conciliação.
Aproximação de tal magnitude que mesmo um autor avesso à tradição como Felisberto
Camargo flexibilizaria sua posição. Deslocamento que não seria encontrado, na mesma
intensidade, nos autores vinculados ao aviamento e à “mentalidade extrativista”.
Figura 5 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1947-1953).
Fonte: Elaborado pelo autor com base nas obras dos pensadores.
Estratégia conciliatória que posteriormente enfrentaria dificuldades em lidar com o
equacionamento dos problemas de uma região tão extensa, complexa e singular quanto a
Amazônia, fatores que seriam apontados, ao lado de outros, como responsáveis pelo insucesso
deste ensaio desenvolvimentista na região. Ainda assim, seria uma experiência que impactaria
na consolidação das diversas correntes de pensamento, com a sua institucionalização nas
instâncias regulatórias, creditícias, científicas e de planejamento, com profundos efeitos sobre
a construção das políticas de desenvolvimento.
Instituições que entrariam em xeque com o surgimento de restrições à sua eficácia,
findando por fracassar em destituir a trajetória path dependence e instalar qualquer tipo de
seringal (caboclo, intermediário ou empório) ou promover uma significativa diversificação
econômica regional. Perdendo, assim, paulatinamente, a capacidade de pautar a cena política e
institucional e formular saídas, planos e políticas para dinamizar a economia amazônica.
Sofrendo no futuro reveses irreversíveis, com a decretação do fim de um modelo de conciliação
após o advento da Operação Amazônia.
122
4.2 Da Concepção Preliminar à Operação Amazônia: a estratégia conciliatória em xeque
(1954 –1966)
4.2.1 Entre diagnósticos e execução: as convergências em torno da valorização da Amazônia
(1954 – 1960)
A esperança voltaria a rondar a Amazônia em meados da década de 50. A introdução de
uma série de instituições voltadas à programação regional daria espaço a um ambiente de
intensa atividade intelectual que não era sentido desde a avassaladora crise da borracha de 1912,
o que inauguraria um novo momento de investigações acerca das soluções para os obstáculos
que restringiam o desenvolvimento amazônico. Um sentimento coletivo que emergiria em
paralelo a aceleração do crescimento da economia nacional e regional.
No plano nacional, com a ascensão do governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961)
ocorreria a intensificação da industrialização e do planejamento enquanto instrumentos para a
superação do subdesenvolvimento do país, processos que surtiriam profundos efeitos sobre a
transformação estrutural da economia brasileira rumo à um perfil de indústria mais
verticalmente integrada (DRAIBE, 1986). No campo do pensamento, a ideologia e política
desenvolvimentista alcançaria seu auge no Brasil (BIELSCHOWSKY, 1996).
No plano regional, teríamos a expansão da taxa de crescimento da economia da região,
impactando em uma moderada diversificação de sua estrutura produtiva, com a diminuição da
participação dos produtos extrativos no cômputo do produto regional, mesmo que a borracha
tenha continuando a desempenhar papel substantivo na determinação do produto regional
(BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966). Período também marcado pela consolidação do
pensamento desenvolvimentista-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).
E no que diz respeito as tendências do mercado da borracha, o período em questão
abrange mudanças substantivas sobre as diretrizes da política gomífera brasileira e amazônica.
A instável estratégia de preços subsidiados não alteraria significativamente o nível produção,
mantendo-se mesmo quase estagnada, com o consumo sendo coberto pela ampliação do déficit
das importações, que chegaria a atingir mais de 50% das necessidades industriais (gráfico 4).
Contexto que somente seria revertido por impulso da nacionalização da política gomífera, com
a decisão pela instalação da indústria sintética no país, a expansão das pesquisas científicas e
tecnológicas sobre borracha e a implantação da heveicultura na Bahia, em São Paulo e na
Amazônia (PINTO, 1984; DEAN, 1989).
123
Gráfico 4 – Participação das importações no consumo de borracha no país (%) (1951-1966).
Fonte: Adaptado de Dean (1989). Linha de tendência em pontilhado.
E para nossos propósitos, o que é importante destacar é o clima de otimismo que circulou
em torno das possibilidades destas instituições em alterar a trajetória de desenvolvimento.
Instituições cujas políticas sofreriam uma série de restrições a sua execução, tais como: a
escassez e a pulverização de recursos, a ampliação das obrigações incluídas nas verbas do artigo
199, as ingerências políticas, as trocas no comando das instituições, o domínio extrativista, a
tão alardeada corrupção, entre outros (CAVALCANTI, 1967; DEAN, 1989; D’ARAÚJO,
1992; CÔRREA, 2004; COSTA, 2004; VERGOLINO; GOMES, 2004; MARQUES, 2013).
E não obstante o peso destes fatores, para a compreensão das limitações desta
intervenção deve-se levar em conta o conteúdo das políticas implementadas e as controvérsias
quanto as estratégias de valorização. Construções que derivavam de interpretações e
diagnósticos acerca dos problemas fundamentais e dos eixos de atuação que o Estado deveria
executar para dinamizar a economia da região. Portanto, é importante também investigar a
história do pensamento sobre o desenvolvimento da Amazônia.
Uma investigação que tem de passar pelo exame dos planos e políticas elaboradas e/ou
executadas pelas instituições regulatórias, creditícias, científicas e de planejamento regional.
Projetos que diferenciavam-se por áreas de atuação, correntes de pensamento, autores
representativos, sugestões de políticas e instituições, tal como podemos compreender a partir
dos achados dos tópicos anteriores (figura 6). E a par destas divergências, empreenderemos
neste tópico uma sistematização das principais controvérsias vinculadas à borracha, verificando
como cada autor ou instituição transmitiu ou adaptou seus diagnósticos e prognósticos a partir
da evolução da conjuntura do mercado da borracha e da estrutura econômica da região. E com
fins a sintetizar a exposição, privilegiaremos a análise por campo institucional.
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124
Figura 6 – Síntese do ambiente de ideias na Amazônia (1940-1953).
Fonte: Elaboração do autor.
A SPVEA, principal instrumento de desenvolvimento regional da Amazônia,
apresentou, em seus planos, diagnósticos que são representativos de uma visão acerca das
alternativas para reversão do quadro do subdesenvolvimento amazônico e do déficit gomífero.
Três documentos expressam sua aproximação ao problema, são eles: 1) Concepção Preliminar
da Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA, 1954a); 2) Programa de Emergência
(SPVEA, 1954b); e 3) o Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1955).
A Concepção Preliminar da Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA, 1954a)
seria o primeiro documento que divulgaria as reflexões conduzidas pelo Superintendente e pela
Comissão de Planejamento da SPVEA38. Um texto que apresentaria as diretrizes preliminares
que norteariam a estratégia conciliatória do Programa de Emergência (1954) e do Primeiro
Plano Quinquenal (1955-1960). Preliminar pois poderiam vir a sofrer retificações ou mudanças
a partir do desenvolvimento de estudos e da experiência.
E a interpretação da lei da SPVEA, o contexto propenso a mudança nos estilos de
política econômica e a emergência de uma consciência do atraso regional são fatores que iriam
impor um conteúdo fortemente vinculado a uma perspectiva desenvolvimentista à estes
documentos (FERNANDES, 2011; PUGA; BASTOS, 2016). Política que, nas palavras da
38 A primeira comissão de planejamento seria composta por Arthur Cézar Ferreira Reis, superintendente (1953-
1955); Francisco Pereira da Silva, presidente ad-hoc; Sócrates Bonfim, relator; Ricardo Borges, Waldir Bouhid,
Firmo Dutra, Francisco Custódio Freire, Stélio Maroja, Raul Valdez, Jaime Vasconcelos, Armando Storni,
Francisco de Paula Valente pinheiro, Valério Caldas de Magalhães e Cid Rojas Américo de Carvalho.
125
Comissão, deveria ser entendida como “obra política, visando a integração territorial,
econômica e social da região amazônica na unidade nacional.” (SPVEA, p. 20, 1954a).
Neste documento, encontram-se um exame preliminar das linhas gerais da SPVEA para
o equacionamento dos gargalos e restrições estruturais que comprometiam o equilíbrio
econômico, político, social e cultural da região. E com base na hierarquização dos problemas
do sistema econômico amazônico, seriam definidos os seguintes objetivos para a valorização:
“a) Criar na Amazônia uma produção de alimentos pelo menos equivalente a suas
necessidades de consumo;
b) Completar a economia brasileira, produzindo na Amazônia, no limite de suas
possibilidades, matérias primas e produtores alimentares importados pelo país;
c) Promovera a exploração das riquezas energéticas e minerais da região;
d) Desenvolvera a exportação de matérias primas regionais;
e) Converter, gradualmente, a economia extrativista, praticada na floresta, e
comercial, praticada nas cidades, em economia agrícola e industrial;
f) Estimular a criação de riqueza e a sua movimentação através de sistemas de crédito
e transporte adequados;
g) Elevar o nível de vida e de cultura técnica e política de suas populações.” (SPVEA,
p. 20, 1954a) (grifos originais).
E os enunciados a, b, e e g são os tópicos que mais se vinculam à questão da borracha,
sobretudo quando anunciam a ambição de superar gradualmente o extrativismo, atividade que
era apontada como fonte causadora de dispersão e isolamento na região, o que impedia a
concentração da produção e a prestação de assistência social (saúde, educação e etc.), motivo
pelo qual recomendava-se a valorização de núcleos agrícolas, no campo, e industriais, nas
cidades. Sobre os núcleos no campo, afirmava-se:
“9- É objetivo da valorização Amazônica transformar em atividade agrícola o trabalho
florestal da maioria de suas populações, criando núcleos agrícolas onde a população
florestal se concentre e onde, a par dos cultivos necessário à sua nutrição, e outros
ecônomicamente recomendáveis, realize agricolamente a produção dos gêneros
atualmente extraídos na floresta.
10 – A exploração florestal extrativista é a base atual da economia amazônica e o seu
principal produto, a borracha, é essencial à complementação da economia nacional,
sendo sua produção atual insuficiente para atender as necessidades do consumo do
país. Porisso a conversão da economia extrativa em agrícola será gradual, iniciando-
se pelas populações marginais que já não trabalham na floresta permanentemente, mas
ainda não se tornaram agricultores. O trabalhador extrativista será orientado e
assistido para a diversificação e aumento de sua produção pelo melhor aproveitamento
dos recursos florestais e pelo aprimoramento de suas obsoletas técnicas de trabalho.”
(SPVEA, p. 21, 1954a).
Política de colonização que era elevada a posição de base da valorização da Amazônia,
uma vez que:
“Do seu sucesso no realizar uma agricultura rendosa para o lavrador é que depende,
na realidade, o êxito de todos os trabalhos de valorização da Amazônia, porque, se
não for realizada uma agricultura de rendimento econômico alto, as populações
agrícolas retornarão ao extrativismo e à dispersão do homem, a alimentação deficiente
126
continuará a ser problema crítico da saúde na Amazônia, as cidades não se poderão
desenvolver industrialmente e não haverá possibilidade de construir uma civilização
avançada nesta região.” (SPVEA, p. 24, 1954a).
Um texto que vislumbrava ainda a possibilidade de uma rápida conversão de parcela
substantiva da população do vale à agricultura, em razão do exemplo da juta, um ideal agrícola
que incluía ainda a pecuária. Finalidade que visavam a recuperação do homem amazônico pela
elevação da produtividade e pela incorporação de avanços culturais e tecnológicos, resultados
cujo “efeito futuro e a permanência” dependiam “da conversão da população a novos hábitos e
técnicas.” (SPVEA, p. 26, 1954a).
E para o alcance destes objetivos, recomendava os seguintes eixos fundamentais:
“a) a investigação científica, que revelará a realidade amazônica em profundidade e
detalhes, de modo a que, compreendendo-a, possamos enquadrar e resolver os seus
problemas;
b) a criação ou adaptação de técnicas específicas de trabalho, adequadas às condições
do meio e do homem e que permitam a este vencer as dificuldades de sua adaptação
ao ambiente;
c) a educação profissional de todos os gráus, que vulgarize, ao par dos conhecimentos
básicos, as técnicas de trabalho próprias da região;
d) o saneamento das cidades e das áreas agrícolas e a assistência médica itinerante às
áreas extrativas;
e) a alimentação das populações amazônicas, com o desenvolvimento da produção
agrícola, da pecuária e da pesca;
f) sistemas de transportes interiores, principalmente fluvial, e estradas de acesso em
zonas encachoeiradas ou de navegação impossível; vias de comunicação com o centro
e o nordeste do Brasil;
g) energia elétrica nas grandes cidades, como base para a evolução industrial;
f) auxílio técnico e financeiro à iniciativa privada, para que promova o aproveitamento
dos recursos florestais, agrícola e minerais da Amazônia.” (SPVEA, p. 28, 1954a).
Nota-se de SPVEA (1954a) a interdependência dos problemas da região amazônica. E,
no caso da borracha, destaca-se a justificativa de sua manutenção e a apresentação da
colonização como instrumento de equacionamento do déficit na produção, seguindo, assim,
uma secular tradição de ideias e políticas. No entanto, seria somente no Programa de
Emergência (1954b) e no Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1955) que seriam detalhados os
projetos para solucionar as deficiências regionais apontadas.
Documentos (SPVEA, 1954b; 1955) que seriam construídos a partir das diretrizes
estabelecidas na Concepção Preliminar (SPVEA, 1954a), com a transmissão literal dos
objetivos da valorização pelos dois planos, os quais assentavam-se em:
“a) assegurar a ocupação territorial da Amazônia em um sentido brasileiro;
b) construir na Amazônia uma sociedade economicamente estável e progressista e que
seja capaz de, com seus próprios recursos, prover a execução de suas tarefas sociais;
c) desenvolver a Amazônia num sentido paralelo e complementar ao da economia
brasileira.
Todos êsses problemas, embora diversos entre si, guardam larga margem de contacto,
porque, no fundo, o problema único consiste na adaptação do homem às condições de
127
um meio novo, na prática de tarefas com as quais não está familiarizado.” (SPVEA,
p. 24 e 25, 1955).
Planos que partilhavam o mesmo processo de formulação, haja vista que SPVEA
(1954b) e SPVEA (1955) seriam elaborados pela Comissão de Planejamento tendo por base a
Concepção Preliminar (SPVEA, 1954a), as atividades em andamento das instituições regionais
e a análise das demandas das lideranças políticas e empresarias da região39. Diferenciavam-se
em relação à profundidade e ao alcance temporal das soluções. SPVEA (1954b) procederia a
preparação de soluções imediatas de curto prazo40, enquanto SPVEA (1955), por seu tempo de
maturação mais longo, produziria projetos de maior envergadura, intentando com isto alterar
substantivamente a estrutura produtiva e institucional amazônica.
No entanto, apesar desta distinção formal entre plano de curto e longo prazo, SPVEA
(p. 23, 1955) também seria um plano de “caráter preliminar”, apresentando-se mais como “uma
tomada de posição em face do problema”, haja vista a advertência que o plano expõe:
“Constróe-se o Plano de Valorização, por isso, mais sôbre as necessidades da região
do que sôbre suas possibilidades cientificamente verificadas, entendido que a
definição dessas possibilidades resultará, como consequência, dos estudos e
levantamentos previstos no texto do plano a seguir e que irão definir, em última
análise, os objetivos a alcançar na segunda fase qüinqüenal do período de 20 anos
previsto pela constituição (SPVEA, p. 23, 1955).
Planos que compartilhavam ainda do mesmo diagnóstico acerca das causas do atraso da
região. SPVEA (1954b) discorria que o ciclo econômico da borracha silvestre na região havia
enraizado alicerces de uma configuração econômica, política e social que restringiram a criação
ou adaptação de novas condições de produção e de vida, “conjunto de fatores que
predeterminou tôda a conjuntura social e econômica da Amazônia atual. (SPVEA, p. 6, 1954b).
Evidenciando por meio disto que:
“III – Podemos, por isso, afirmar que a crise da Amazônia não decorre das condições
adversas do meio mas, da sobrevivência dos hábitos e concepções de trabalho e da
organização social do ciclo extrativista, cuja produtividade econômica tornou-se
insuficiente para sua manutenção como sistema econômico. A população local não se
adaptou às novas condições da economia mundial. Cabe ao Governo Brasileiro,
através dos trabalhos da Valorização Econômica, operar essa transformação.”
(SPVEA, p. 6, 1954b).
39 A formulação conjunta com os demais agentes políticos, corporativos e técnicos da região não causa estranheza,
haja vista que há um clamor recorrente nos textos envoltos na formulação do plano por uma intervenção auxiliar
à iniciativa privada amazônica (ADOLFO, 1951; SPVEA, 1954a), como também ficava claro na lei 1.806 de 1953.
Ademais isto, a necessidade do plano quinquenal ser aprovado no congresso nacional denotava que este deveria
ter, no mínimo, afinidade e proximidade com os projetos políticos dos parlamentares amazônicos. 40 Por requisito da lei 1.804/1953, enquanto não era aprovada a lei orçamentária dos planos quinquenais, a execução
do Valorização da Amazônia seria iniciada por um Programa de Emergência de um ano de exercício, aprovado
diretamente pelo presidente da república.
128
Do mesmo modo, SPVEA (p. 31, 1955) afirmaria que “a realização de uma sociedade à
base do extrativismo foi demonstrada impossível no decorrer das últimas gerações”, atribuindo
o atraso à extração e ao aviamento, listando pontos já levantados neste trabalho, tais como a
concentração: 1) econômica, com a especialização extrativista; 2) setorial, com a hipertrofia do
setor mercantil; e 3) espacial, com inchaços das capitais. Além de acusar a baixa produtividade
do seringueiro. Só deixando de elencar os elevados rendimentos das elites regionais.
Análise que orientaria o eixo central da recuperação e do desenvolvimento equilibrado
da sociedade e da economia amazônica, o qual se fundamentaria em:
“a) converter a população rural a um tipo de economia de base agrícola, concentrando-
a em zonas selecionadas onde haja um sistema de transporte e recursos naturais em
proporção satisfatória para a sua manutenção e progresso;
b) industrializar as cidades;
c) aproveitar os recursos florestais e minerais por um sistema racional que evite o
extrativismo e a garimpagem;
d) aperfeiçoar as técnicas de trabalho extrativista e diversificar a produção extrativista,
como um meio de melhorar as condições de vida do trabalhador florestal.” (SPVEA,
p. 41, 1955).
Além disso, em termos de conciliação entre tradição e desenvolvimento, de resguardo
dos interesses regionais inscrito no extrativismo da borracha, os documentos se equivaleriam.
O Programa de Emergência divulgaria o problema nos seguintes termos:
“O sistema extrativista atual, com todos os seus defeitos, não pode ser, entretendo,
descontinuado porque não sòmente é a base econômica da Amazônia atual e dele vive
parte maior de sua população, como ainda realiza uma tarefa do mais alto interêsse
nacional que é a produção de borracha silvestre. Sua conversão a uma fase agrícola
ou à exploração racional da floresta terá de ser gradativa, segundo fases que o Plano
Quinquenal fixará, criando condições em que a conversão se realize espontaneamente,
pelo interêsse do extrativista na obtenção de um padrão de vida mais alto.” (SPVEA,
p. 101, 1954b) (grifos nossos).
E o Primeiro Plano Quinquenal esboçaria também linhas semelhantes:
“O desenvolvimento das zonas agrícolas e industriais da Amazônia terá como efeito
uma progressiva atração e incorporação dos trabalhos florestais ao seu complexo. Será
uma absorção gradativa cuja aceleração pode ser perigosa, pois de uma parte a
sociedade atual é mantida pela produção florestal e de outra parte, constituindo a
borracha um produto essencial à complementação da economia nacional, não é
possível substituir a produção silvestre senão quando o desenvolvimento dos
programas de heveacultura patrocinados pelo Plano de Valorização, possam alcançar
volume de produção suficiente, que torne dispensável a produção de borracha
silvestre.” (SPVEA, p. 40, 1955) (grifos nossos).
Reiterando este posicionamento quando tratou do problema da recuperação das
populações extrativistas, afirmando que:
“Conquanto anti-econômica e sem possibilidades de criar condições permanentes de
desenvolvimento, a atividade extrativista é a espinha dorsal da Amazônia atual e dos
129
resultados de seu trabalho vivem as cidades, mantêm-se os poderes públicos locais e
desenvolve-se a indústria nacional de artefatos de borracha, essencial à vida
econômica do país. Não é possível, por isso, descontinuá-la, sem, antes, ter preenchido
o vácuo que deixará.” (SPVEA. p. 112, 1955).
Por fim, para a execução de suas atividades, a SPVEA realizaria ainda um zoneamento
baseado em critérios econômicos e políticos, selecionado as áreas prioritárias (figura 7).
Figura 7 – Zoneamento da valorização do Primeiro Plano Quinquenal.
Fonte: SPVEA (1954a). A áreas mais escuras correspondem áreas prioritárias da valorização.
Nos dois documentos (SPVEA, 1954b, 1955), o caso da borracha extrativa seria tratado
na subcomissão de Recursos Naturais e da heveicultura na subcomissão de Produção Agrícola.
No tocante ao extrativismo, SPVEA (1954b) destacava o imperativo da elevação produtividade
pela diversificação produtiva e pelo aperfeiçoamento das técnicas de trabalho. Objetivo que
dependia de cooperação científica e tecnológica, representadas no Projeto Borracha, Projeto
Madeiras, Projeto Pau Rosa e outros.
O Projeto Borracha previa o estudo e a disseminação de técnicas de produção mais
eficientes, trabalho que deveria ser realizado conjuntamente pelo IAN e pelo BCA, uma
alternativa factível frente a solução considerada improcedente do encaminhamento de mão de
obra para os seringais. Neste plano, seria apenas mencionada importância da heveicultura como
130
solução de longo prazo, o que pode ser constatada pela apresentação do artigo 28 do regimento
interno da subcomissão de Produção Agrícola, o qual designava que competia-lhe estudar:
“a) as condições de vida agrícola na Amazônia e a racionalização da agricultura e
pecuária da região, a ampliação das culturas alimentares e das plantas industrias, entre
estas, particularmente, as plantas produtoras de borracha, fibra e óleos;
b) os problemas ligados ao povoamento e a colonização;
c) o regime legal de terras na região e o problema do acesso à terra, para as classes
pobres.” (SPVEA, p. 40, 1954b) (grifos nossos).
SPVEA (1955) repetiria para a borracha extrativa os princípios desenvolvidos em
SPVEA (1954b), reiterando a proposta de diversificação produtiva do seringal e de melhorias
das técnicas de produção (SPVEA, p. 112, 1955). Recusaria também o recrutamento de novos
seringueiros, alternativa dispendiosa que era vista como “uma séria limitação ao esforço
racionalizador da economia e de organizar a sociedade amazônica” (SPVEA, p. 90, 1955).
Nota-se ainda a menção ao substituto sintético, sem, no entanto, se planejar algo a respeito.
Para a heveicultura, SPVEA (1955) recomendaria o modelo de colonização de pequenas
propriedades, de seringais caboclos, com a associação da hévea e plantas de alto valor com
culturas de subsistência. Intervenção que já vinha sendo ensaiada no território do Amapá e na
colônia Guamá no Estado do Pará41. No entanto, apesar das altas expectativas da atuação do
órgão, o plano trataria o problema somente em termos modestos42, justificando isto em razão
da lei que obrigava as grandes industriais de borracha a investir na heveicultura.
Em síntese, constata-se dos objetivos, dos diagnósticos e dos projetos elaborados pela
SPVEA a intencionalidade da promoção da diversificação da estrutura produtiva regional e a
melhoria das condições infra estruturais e institucionais que restringiam o desenvolvimento da
região. Pontos que evidenciam a consolidação do pensamento desenvolvimentista-regionalista
e que corroboram a centralidade dos interesses vinculados à borracha para a estratégia
conciliatória, de transição do regime extrativo para outro agrícola e industrial.
E findo a apresentação do plano de maior envergadura até então esboçado para a
recuperação do vale amazônico, resta-nos acompanhar, de forma breve, como as instituições
regionais se portaram frente a execução do planejamento da SPVEA e as alterações na
conjuntura do mercado da borracha, o que evidenciará adaptações da estratégia conciliatória.
41 Colônia cuja instalação estava programada para o ano de 1955 pelo Instituto Nacional de Imigração e
Colonização (INIC) em associação com a SPVEA e BCA. 42 Previa-se o plantio de 37.000 de hectares de seringueira, sob supervisão técnica do IAN, auxílio creditício do
Fundo de Fomento à Produção do BCA e de governos estaduais e territoriais. Plano que somente alcançava a cifra
de 3,4% dos recursos do artigo 199 (SPVEA, p. 314 a 325, 1955).
131
Ponderações que encontram-se presentes nos relatórios anuais do BCA, nas publicações da
SPVEA43, em relatórios técnicos e demais textos.
Os relatórios de exercício anuais apresentados aos acionistas pela presidência do BCA
evidenciam a movimentação financeiro do banco e sua sincronia com as diretrizes da política
de desenvolvimento regional programada pela SPVEA, proximidade que não excluía os
amparos à borracha extrativa. Publicações que veiculariam a postura do BCA acerca da
valorização e o impasse existente entre a intencionalidade da diversificação e o imperativo da
manutenção e expansão do extrativismo gomífero.
O relatório referente ao ano de 1954 (BCA, 1955)44, por exemplo, expõe os anseios que
o plano quinquenal despertava, valorização que era tida como “obra patriótica que, certamente,
tirará a Amazônia do marasmo em que viveu pelo passado, adquirindo fé em melhorias dias no
futuro e dando ao homem nela radicado a sua verdadeira situação no âmbito nacional.” (BCA,
p. 8, 1955). Intervenção que o banco anunciava aos acionistas como “uma nova éra de
prosperidade e desenvolvimento” aos negócios e aos amazônidas (BCA, p. 9, 1955).
No tocante ao exercício financeiro de 1954, o relatório se ateria à análise conjuntural da
produção gomífero e dos demais produtos amparados pelo BCA na Amazônia, tratando ainda
do financiamento da heveicultura. Quanto a extração da borracha, listaria os motivos que
restringiam sua expansão, tais como a escassez de mão de obra, elevados custos de vida do
seringal, o êxodo de seringueiros para outras atividades e para obras da SPVEA, a questão do
preço, entre outros, as mesmas razões sempre levantadas pelos operadores do aviamento.
O conteúdo deste esquema analítico seria repetido ao longo do período 1954 a 1960,
mantendo-se ativa a defesa da garantia de preços, do monopólio do banco e do incremento de
borracha e de outros produtos, alterando-se tão somente ponderações conjunturais. Apesar
disto, estes documentos também iriam apresentar inovações quanto as soluções do problema da
borracha na Amazônia. Exemplo disto são as propostas apresentadas no relatório de 1956 e no
de 1957. Vejamos em detalhes.
Frente aos fracos resultados da extração e a reduzida demanda por créditos para plantio
de hévea, o relatório referente ao ano de 1956 (BCA, 1957) apresentaria um plano de
43 Além da publicação dos planos e informes de suas atividades, a SPVEA se destacaria pela divulgação de
trabalhos científicos sobre a Amazônia, apresentando todos os anos diversas monografias sobre os principais temas
que envolviam o esforço de valorização. Três séries foram editadas, a primeira denominada “Araújo Lima”, a
segunda “Pedro Teixeira” e a terceira “ufanistas da Amazônia”. Coletânea de textos indispensáveis para
compreender o esforço de investigação histórico-científica da instituição. Ressalta-se ainda a simbologia da
homenagem à Araújo Lima, um dos renovadores do pensando sobre o desenvolvimento da região, e Pedro Teixeira,
um dos responsáveis pela conquista da Amazônia. 44 Relatórios que sempre referiam-se ao exercício do ano anterior.
132
colonização e encaminhamento de trabalhadores para expansão dos seringais. Plano que deveria
ser executado mediante convênio entre a SPVEA, que propiciaria os recursos necessários, o
INIC, que selecionaria os retirantes nordestinos e os encaminharia à Amazônia e o BCA, que
assumiria as responsabilidades de agente financeiro da iniciativa (BCA, p. 31, 1957).
Além disso, BCA (1957) discorreria que, mesmo com a execução deste plano e a
aceleração do plantio de seringueiras, o déficit no consumo nacional desta matéria prima
permaneceria elevado, o que o levava a propor a instalação de uma fábrica de borracha sintética.
Medida suplementar ao abastecimento do mercado gomífero que não cercearia os interesses da
produção da Amazônia, haja vista que a previsão do BCA era de que o déficit permaneceria
pelo menos nos próximos 20 anos.
E partilhando do diagnóstico de déficit prolongado, o relatório referente ao ano de 1957
(BCA, 1958) esboçaria um plano de ação que teria por base as seguintes recomendações:
“a) providência de resultado a curto prazo: incentivo à produção de borracha silvestre;
b) providência de resultado a prazo médio: instalação no país de uma fábrica de
borracha sintética, com capacidade de produção de pelo menos 30/40.000 toneladas
anuais; e
c) providência de resultado a longo prazo: plantio simétrico e racional de seringueiras,
em regiões que ofereçam, simultaneamente, condições ecológicas e sociais
plenamente satisfatórias.” (BCA, p. 45, 1958).
Plano que demonstrava o reconhecimento do banco de que só a produção silvestre não
equilibraria a produção e o consumo da goma elástica (BCA, p. 12, 1958). Quanto ao substituto
sintético, seria recomendado a instalação de uma fábrica na região amazônica, o que não viria
a ocorrer, tendo se instalado no Rio de Janeiro (DEAN, 1989). Em relação a heveicultura, BCA
(1958) afirmaria que a consecução de um empreendimento tão demorado e oneroso fugia das
possibilidades do capital privado da Amazônia, cabendo então a iniciativa governamental.
Para isto, sugeria a criação de uma empresa de capital misto controlada pelo BCA
denominada HEVEABRÁS – Borracha do Brasil S.A, a qual teria a finalidade de plantio
racional e manutenção dos seringais. Empresa que funcionaria com base no consórcio de hévea
e outras culturas auxiliarias e de subsistência, em seringais tipo caboclo. Projeto que deveria
contar com a colaboração da SPVEA, do Ministério da Agricultura, do INIC e demais órgãos
públicos. Proposta que foi aprovada pelos acionistas do banco em 1958 (BCA, 1959).
Além destas interessantes propostas divulgadas pelo BCA, o ano de 1958 seria marcado
por importantes reformulações na política borracha do Brasil. Dado o contexto da iminente
implantação do setor automotivo no país, as previsões sobre o crescimento do consumo de
borracha impactariam na urgência da expansão do esforço gomífero (PINTO, 1984). Em razão
disto, ocorreriam neste período dois importantes acontecimentos: 1) a lei de liberação das
133
importações de borracha (decreto 44.728 de 22 de outubro de 1958 (BRASIL, 1958)); e 2) A
Reunião de Estudos da Borracha para Aumento da Produção (REBAP).
A liberação das importações de borracha evidenciaria a existência de uma campanha
pelo fim do monopólio do BCA. Osíris da Silva (2004) relata em detalhes este episódio.
Colocavam-se contra o monopólio a grande indústria, reunida no Sindicato Indústria de
Artefatos de Borracha de São Paulo, e a ACA. O Sindicato justificava sua posição por preferir
importar diretamente do exterior, a custos menores do que o preço estabelecido pela CEDB. E
a ACA acreditava que o controle privado da produção poderia forçar a alta de preços.
A favor da manutenção do monopólio encontravam-se a ACP, a Associação de
Seringalistas do Mato Grosso e a Associação da Indústria de Artefatos de Borracha do Estado
de São Paulo, composta por pequenos e médios fabricantes nacionais. Estes agentes preferiam
o controle estatal por este garantir estabilidade nos preços e no suprimento de borracha, além
deste monopólio drenar recursos extras ao BCA, devido ao ágio de importação da borracha,
ampliando o caixa do banco para financiamento de outros empreendimentos.
E após acomodados os interesses dos pequenos e médios industriais da borracha com a
garantia de estoques, decretou-se a extinção do monopólio da importação. Mais à frente, seriam
acomodados os interesses do BCA e demais instituições regionais, uma vez que por meio do
decreto 50.422 de 07 de abril de 1961 (BRASIL, 1961) e do decreto 880 de 10 de abril de 1962
(BRASIL, 1962) instituiu-se a destinação de 10% do valor da borracha importada e do
substituto sintético para o caixa do BCA, para o financiamento da extração, da heveicultura e
da diversificação econômica.
No que diz respeito a REBAP, evento convocado pelo Grupo de Estudos da Borracha45,
teria espaço discussões que resultariam em novas diretrizes da política gomífera. Evento que
contou com a participação de mais de 100 personalidades técnicas e autoridades administrativas
e 50 entidades diversas46 e que teria suas principais contribuições publicadas em REBAP
(1960). E diante da remota possibilidade de expansão da produção extrativa e dos altos índices
de importações de borracha, o presidente da reunião iniciaria indicando o imperativo da
“substituição de importações” (REBAP, p. 25, 1960).
45 Grupo que funcionou desde junho de 1958 no Ministro da Agricultura e que fazia parte do Conselho de
Desenvolvimento Econômico da Presidência da República. Órgão formado por representantes do Departamento
Nacional de Produção Vegetal (DNPV), do Ministério da Agricultura, da CEDB e do BCA. 46 Encontro que reuniu o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Ministério da Agricultura, DNPV, órgãos de
planejamento, divisões de fomento do governo federal, o Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Estados Unidos
(ETA), BCA, CEDB, políticos, Associações Comerciais da Amazônia, Associações de Seringalistas, empresas
privadas, representantes da Firestone, Goodyear e Dunlop, Petrobrás, federações de associações rurais, o sindicato
da indústria de pneumáticos, bem como diversos institutos de pesquisa científica e tecnológica, como Instituto
Agronômico do Leste, o Instituto Agronômico de Campinas, o IAN, o INPA, entre inúmeras outras instituições.
134
As recomendações aprovadas pela REBAP vinculavam-se a três eixos centrais, os quais
são: 1) melhor aproveitamento dos seringais nativos; 2) instalação de uma fábrica de
elastômeros; 3) desenvolvimento da cultura racional da seringueira. Nota-se a sincronia destas
prioridades com os planos elaborados pela SPVEA e com os planos de ação esboçados pelo
BCA. No entanto, o conteúdo das recomendações aprovadas expõe inovações na política
gomífera, com medidas abrangentes que incluiriam diversas institucionalidades e regiões do
país, notadamente a Amazônia, a Bahia e São Paulo.
No que diz respeito aos seringais silvestres, foram levantadas propostas relativas a
elevação da produtividade, melhorias das condições humanas, o equacionamento da escassez
de crédito, transportes, assistência sanitária e social e etc., o plantio de gêneros agrícolas, a
revisão dos mecanismos comerciais, a exploração dos seringais do Mato Grosso, prêmios para
o aumento da produção gomífera e uma lei para reservar 10% dos recursos do artigo 199 para
a aplicação pelo BCA para maior rendimento do extrativismo.
Em relação a heveicultura, foi fixada a meta de 100.000 hectares, sob coordenação do
Ministério da Agricultura, com 60% na Amazônia e o restante na Bahia e em São Paulo. Foi
recomendado o plantio de héveas em seringais silvestres e a instalação da HEVEABRÁS
proposta pelo BCA. Além disso, os critérios técnicos seriam flexibilizados, alterando-se os
requisitos tecnológicos para o plantio conforme a distância e a acessibilidades das áreas. Sendo
também defendido prêmios ao plantio e a difusão de melhores técnicas.
Além disso, seria aprovada a execução do plano de povoamento e colonização proposto
pelo BCA, a criação de uma lei para revisão semestral dos preços da borracha e a adoção, sem
caráter de prioridade, de providencias para a instalação da fábrica de elastômeros, sendo
sugerido ainda a instituição de um órgão para a coordenação das ações de todas as entidades
interessadas no aumento da produção de borracha no país, entre outras. Indicações amplas que
o próprio documento considerava impossíveis executar de maneira integral e imediata.
O primeiro resultado deste evento seria a criação do projeto ETA-54, sucessor do Projeto
Borracha da SPVEA. Este órgão era composto por um conjunto de instituições47 e detinha o
objetivo de prover assistência técnica qualificada a formação e a exploração de seringais
silvestres e da heveicultura, fornecendo treinamento de pessoal, material para plantio,
difundindo métodos, além de agir junto as autoridades competentes a fim de concretizar as
medidas recomendadas pela REBAP.
47 O projeto ETA-54 era formado pelo Escritório Técnico Brasil-Estados Unidos (ETA), DNPV, IAN, INIC e
SPVEA.
135
No entanto, o mais importante a se destacar das diretrizes acordadas neste evento é o
alinhamento que a SPVEA, o BCA, o IAN e as demais instituições passariam a ter no tocante
ao equacionamento da questão gomífera. O que indica que os polos do debate sobre a borracha
iriam se aproximar cada vez mais do ideal da diversificação econômica e da conciliação
proposta pelos desenvolvimentistas-regionalistas. Conclusão que pode ser constatada pela
observação do pensamento dos desenvolvimentistas e regionalistas em REBAP (1960).
E do rol de autores já referenciados no debate sobre o desenvolvimento da borracha na
Amazônia, teríamos a presença nesta reunião de Firmo Dutra, Gabriel Hermes, Arthur Cézar
Ferreira Reis e Cosme Ferreira Filho, além de outros ainda não citados, como Armando Dias
Mendes48 e Rubens Rodrigues Lima49. No entanto, nem todos as intervenções e participações
foram incluídas na publicação REBAP (1960). E com fins a sintetizar a análise, nos ateremos
somente ao pensamento dos autores ligados ao BCA e IAN.
A visão do segmento extrativista consolidada no BCA seria encontrada nos textos da
ACA (1960), de Cosme Ferreira Filho50 e de Firmo Dutra (1960). Indicações que seguiam linhas
semelhantes às de BCA (1957) e REBAP (1960), com a defesa da extração, da heveicultura e
da indústria sintética. Além das pautas clássicas, estes textos recomendariam a reorganização
dos seringais rumo à diversificação de suas atividades, a racionalização dos recursos florestais
e a inclusão do plantio nos seringais silvestres. Posições mais próximas à conciliação.
Cabe ainda destacar o argumento que Cosme Ferreira Filho levantaria para admitir a
manutenção da extração enquanto não se solucionava o déficit, que colocava que:
“Na realidade, o seringal silvestre deve ser encarado pelos poderes públicos mais
como um problema social e de política demográfica do que como uma emprêsa
econômica produtora de borracha. Constituindo a única atividade sedentária de
ponderável consistência, no interior da Amazônia, porquanto as demais formas de
produzir, na área da borracha, são tôdas tipicamente expedicionárias, torna-se
indispensável para expressão de nosso domínio político na hinterlândia amazônica
mais afastada” (FERREIRA FILHO, p. 100, 1965).
A visão desenvolvimentista consolidada no IAN foi expressa por Rubens Rodrigues
Lima et al (1960), texto que afirmava que os incentivos para a heveicultura em execução não
seriam suficientes, indicando a solução intervenção estatal. Esboçaria um plano de colonização
por seringueiras e lavouras de subsistência, do tipo seringal caboclo, que deveria ser operado
48 Eminente intelectual que produziria uma vasta obra sobre a região amazônica, vindo a fundar um dos mais
importantes centros de estudos da região, o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA). Teria também farta
experiência profissional nas instituições regionais, fazendo parte da Comissão de Planejamento da SPVEA de 1961
e presidindo o BCA entre 1964 e 1966, em anos de Operação Amazônia. 49 Engenheiro agrônomo que seria o sucessor de Felisberto Camargo na presidência do IAN. 50 Em REBAP (1960) o texto intitulado “Borracha Para o Brasil” seria publicado em nome da ACA, todavia, em
Cosme Ferreira Filho (1965) este texto seria apresentado como sendo de autoria deste autor.
136
por empresas de capital misto ou órgãos oficiais. Sendo notável revelar que a liberação para
plantio em seringais nativos ancorava-se em recomendações técnicas do IAN51.
Portanto, destaca-se a convergência dos prognósticos sobre a questão da borracha por
parte das instituições e dos autores envolvidos na construção das políticas de desenvolvimento
na Amazônia. O que não significa que as divergências haviam desaparecido, mas sim que, em
meio aos elevados índices de importação e as pessimistas perspectivas quanto à capacidade da
produção silvestre, havia uma maior inclinação para a conciliação dos interesses regionais, da
tradição e do progresso, entre extrativismo, heveicultura e substituto sintético.
E entre intenções e resultados, as iniciativas promovidas pela REBAP, pelo BCA e pela
SPVEA não obteriam êxito em alterar o sistema produtivo amazônico e o déficit gomífero.
Fracasso que resultava de vários fatores, tais como a escassez de recursos do BCA, os limites
da SPVEA, a falta de coordenação dos projetos, a amplitude dos objetivos e etc. (BCA, 1960;
REBAP, 1960; SPVEA, 1960a), além das dificuldades de desenvolvimento de espécies de
hévea de alta produtividade e resistentes ao mal das folhas (DEAN, 1989).
Todavia, apesar da frustração com os resultados, o fim do tempo de vigência do Primeiro
Plano Quinquenal influiria na edição de novos planos para a reversão do subdesenvolvimento
da Amazônia e para o equacionamento da questão gomífera. Destaca-se deste período dois
documentos: 1) a Atualização do Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1960a); e 2) SPVEA
(1954/1960) Política de Desenvolvimento da Amazônia (SPVEA, 1960b). Documentos que
realizariam críticas e reformulações dos termos da valorização.
Em SPVEA (1960a) nota-se a ciência por parte da Superintendência e da Comissão de
Planejamento52 dos obstáculos que restringiam a execução do planejamento da instituição, bem
como revela-se que os limites de SPVEA (1955) eram de amplo conhecimento na região. A
partir destas ponderações, SPVEA (1960a) apresentaria uma atualização dos projetos da
SPVEA, retificação que repetiria a conceituação, os objetivos e as diretrizes da política de
recuperação das populações amazônicas presentes no Primeiro Plano Quinquenal.
E a manutenção dos mesmos princípios para a valorização por uma Comissão de
Planejamento e Superintendência distinta demonstra a continuidade da tentativa de desenvolver
51 No entanto, não é possível afirmar categoricamente que tais indicações foram diretamente veiculadas pelo
instituto, haja vista não existir documento em REBAP (1960) assinado pelo órgão ratificando esta posição. 52 A comissão de planejamento responsável pela elaboração deste documento não seria a mesma do Primeiro Plano
Quinquenal. A nova composição deste órgão seria: Waldir Bouhid, superintendente (1956-1960), Amyntor
Virgolino de Amaral Bastos, Nady Bastos Genú, Mário Dias Texeira, Marcílio Felgueiras Viana, Elias Ribeiro
Pinto, Lourival de Oliveira Bahia, Mário da Silva Machado, Cláudio Palha de M. Bittencourt, Milton Corrêa da
Costa, Ewerton Pereira de Carvalho, Djalma Tenório de Brito, Raul Monteiro da Costa, Paulo Soter da Silveira e
Rubens da Silveira Brito.
137
a região amazônica por meio da promoção da conversão gradativa do regime extrativista para
outro modelo agrícola e industrial. E por partilhar do mesmo diagnóstico e prognóstico acerca
das saídas do atraso regional, e, desta forma, das ideias desenvolvimentistas-regionalistas, seria
novamente recomendado o incentivo à heveicultura e o amparo ao extrativismo.
Para o extrativismo, seria destacado o imperativo da elevação de sua produção até o
limite máximo da capacidade dos seringais nativos por meio do aperfeiçoamento técnico e da
diversificação produtiva. Admitindo o prosseguimento desta política por acreditar que:
“não será fácil nem justo se cortar, ex-abrupto, a vinculação de uma economia
tradicional e básica, como é a da exploração da seringueira nativa, a um contingente
humano ao qual se deve, pelo menos a ocupação efetiva desta grande parte do
território pátrio”. (SPVEA, p. 15, 1960a).
Discutia ainda que a indústria sintética em construção seria uma solução parcial, de
emergência, indicando que o equacionamento do déficit residia no incentivo a heveicultura,
estabelecendo os seguintes itens para o próximo quinquênio:
“a) Centralização técnica, no plano regional, através dos programas do ETA-projeto
54, visando a homogeneização das tarefas;
b) A formação de seringais de cultura, pequenos e médios, por emprêsas privadas,
com crédito especializado;
c) Formação de seringais-colônias do tipo Itacoatiara, em convênio, com os estado e
territórios, objetivando o povoamento em bases sólidas dos eixos rodoviários,
ferroviários e fluviais;
d) Criação do Fundo Regional de Heveacultura, com a participação dos Estados,
Territórios e Municípios interessados.” (SPVEA, p. 20, 1960a).
Portanto, SPVEA (1960a) acreditava haver compatibilidade entre as metas
estabelecidos por REBAP (1960) e BCA (1958), indicando ser necessário manter as linhas
centrais da política formulada por SPVEA (1955), somente alterando o foco da heveicultura
para pequenos e médios proprietários e colônias de povoamento ao longo das rodovias,
ferrovias e cursos fluviais, além da centralização dos esforços técnico-científicos no projeto
ETA-54 e a expansão da oferta de crédito por meio do Fundo da Heveicultura.
Em SPVEA (1960b) encontramos um balanço das atividades da instituição e a
apresentação de um modelo de planejamento para uma nova política de desenvolvimento
econômico da Amazônia. Estudo que refletiria sobre as causas do atraso regional e definiria a
necessidade de reformulação das estruturas administrativas, dos métodos financeiros e das
diretrizes de ação. Um documento produzido por uma empresa de consultoria, a Consórcio de
Planejamento e Empreendimentos S/A53.
53 Consta no relatório que a empresa tivera total autonomia na análise da política de desenvolvimento ensaiada
pela SPVEA (desde a coleta de dados primários, exame de referências, interpretações estatísticas e fatuais, até a
crítica e respectivas conclusões), livre, portanto, de interferências da Comissão de Planejamento e da
138
Em razão dos objetivos de pesquisa, nos atentaremos a dois aspectos de SPVEA
(1960b), os quais são: 1) o diagnóstico, os princípios básicos e os objetivos do plano; e 2) a
programação para a borracha. Dois elementos que evidenciam como foram avaliados à época
os impactos e as limitações desta instituição na dinamização da economia amazônica e como
seriam adaptadas as políticas de contenção do déficit gomífero em um contexto elevados níveis
de importação, de advento de substitutos sintéticos e de plantios em fase de implementação.
O diagnóstico deste estudo possui similaridades com as ideias desenvolvimentistas-
regionalistas de SPVEA (1955, 1960a), quando colocava que:
“Na Amazônia, os quadros de seu subdesenvolvimento (ou, chamemos de
subdesenvolvimento marginal), e seus fatores essenciais, começam a ser
compreendidos friamente. A economia extrativa, e com ela o latifúndio e o complexo
do ‘barracão’, dos ‘aviamentos’, do ‘regatão’, as grandes zonas de ‘mercado fechado’
ou de economia natural (que se manifestam particularmente sob a ação do latifúndio
extrativista), a escassez de poupanças para investimento, a subutilização dos fâtores
produtivos disponíveis (terra, recursos minerais, reservas florestais, fauna aquática,
etc.), o desemprego disfarçado nas áreas rurais, a deficiência de bens de equipamento
e de técnica produtiva, identifica, a um só tempo, as peças essenciais e as causas desse
estágio de subdesenvolvimento que a Amazônia, recentemente, sob a ação da SPVEA,
se arma para superar.” (SPVEA, p. 224, 1960b).
Quadro que era reforçado pela posição periférica e o sentido colonial da economia
amazônica, que sofria com a deterioração dos termos de troca (SPVEA, p. 224 e 225, 1960b).
Pontos que levariam o documento a recomendar uma série de princípios básicos ao plano, os
quais podem ser sintetizados neste trecho:
“Uma política de rompimento com as condições econômicas estruturais e
institucionais que geram o anacronismo do aparelho de produção, sua baixa
produtividade e os alarmantes níveis de vida da sociedade rural, em têrmos de
substituição por uma nova estrutura social e econômica, de tipo capitalista, onde os
fâtores produtivos, na indústria ou na agricultura, se manifestem de maneira dinâmica.
Se a economia tradicional perdeu sua capacidade competitiva e gradualmente se
distancia das condições tecnológicas e econômico-sociais imperantes nos países em
desenvolvimento, não há porque preservá-la ou reforçar suas bases.” (SPVEA, p. 229,
1960b).
Com base nestas recomendações, seriam fixados os seguintes objetivos:
“a) Pretende-se passar o extrativismo, rapidamente, para atividade econômica
residual;
b) pretende-se a ocupação mais intensa dos fâtores produtivos disponíveis
regionalmente, em especial os fâtores mais abundantes que são a terra e os recursos
econômicos naturais (minérios, floresta, etc.), no sentido de reforçar as forças
produtivas no domínio da indústria e da agricultura;
Superintendência. É possível ainda constatar que as ideias de SPVEA (1960b) alinhavam-se ao nacional-
desenvolvimentismo, por suas proposições, ligações com teóricos do desenvolvimento, como Ragnar Nurkse e
Gunnar Myrdall, e pela visão do diretor da equipe, Moacyr Paixão e Silva, economista ligado a esta corrente
(BIELSCHOWSKY, 1996).
139
c) o desenvolvimento da indústria e da agricultura devem ocorrer simultaneamente.
(SPVEA, p. 229, 1960b).
Referências que legitimavam a intervenção estatal para a aceleração do ritmo do
desenvolvimento capitalista na região, tendo em vista a integração nacional, o controle do
território e a quebra do círculo vicioso da estagnação econômica e do intenso desequilíbrio em
relação ao sistema produtivo do Centro-Sul do país (SPVEA, p. 226 a 230, 1960b). Plano que
visava romper com a “preponderância do extrativismo” e com as “relações de produção
tipicamente pré-capitalistas” (SPVEA, p. 229, 1960b).
Rompimento que buscava a incorporação de traços tradicionais, haja vista que:
“Importa, paralelamente, em abrir perspectivas de fazer-se do próprio sistema do
‘barracão’, e mesmo do regime de ‘aviamentos’, como escalão intermediário do
processo de desenvolvimento, peças dinâmicas de nova organização produtiva rural e
de comércio na Amazônia, substituindo-lhes as características semifeudais, ainda hoje
sustentadas, por um sistema estrutural e funcional do tipo capitalista.” (SPVEA, p.
229, 1960b).
Para se alcançar tais resultados, SPVEA (1960b) defenderia uma profunda reformulação
administrativa e operacional desta instituição, políticas de estímulos indiretos (tributárias,
aduaneiras, cambiais e etc.) e a coordenação dos dispêndios federais da região. E após a
discussão acerca dos objetivos e da capacidade institucional de implementação de políticas,
seriam delineados uma série de programas específicos para o desenvolvimento da região, dos
quais se destacam o programa para a expansão gomífera na Amazônia.
De início seriam listadas as perspectivas de suprimento do mercado de borracha. Em
relação ao extrativismo, o relatório levantaria que os incentivos aos seringais silvestres somente
eram justificados devido a persistência do déficit, quadro que deveria ser alterado com a
produção dos seringais de cultivo. Ratificando esta posição ao indicar que:
“A estrutura econômica e social arcaica, o caráter de envelhecimento histórico, os
custos antieconômicos, que se contêm no bojo da atividade nos seringais nativos, não
justificam o seu estímulo no futuro, pois este pertence à heveacultura e à indústria de
elastômeros”. (SPVEA, p. 323, 1960b).
Em relação a borracha sintética, seria somente levantado que a fábrica da Petrobrás no
Rio de Janeiro teria capacidade de produção de 40 mil toneladas e início previsto para 1962,
além de indicado que outra fábrica elastômeros seria instalado em Pernambuco, a partir do
álcool como matéria prima, com capacidade de 27.500 toneladas e previsão para 1963.
Ilustrando ainda que as indústrias de artefatos de borracha possuíam tecnologia para substituir
50% da borracha natural por sintética, podendo alcançar 60% com melhorias técnicas.
140
Já para a heveicultura, seriam listados os fatores que atuaram para retardar as plantações,
dos quais incluem-se os cortes de recursos para a implantação e reorganização das colônias
agrícolas, o erro de SPVEA (1955) de transferir parte do esforço da heveicultura para a
iniciativa privada, os créditos irrisórios para o custeio dos empreendimentos, a escassez de mão
de obra na região, a falta de uma ação coordenada dos diversos órgãos ligados à plantação de
seringueiras, bem como a resistência do status quo das elites extrativistas mercantis.
A partir disto, o relatório indicaria eixos prioritários para o êxito do programa da
heveicultura, os quais podem ser sintetizados em: 1) amparar as plantações em andamento para
o incremento da produção no curto prazo; 2) fomentar o plantio de seringais por grandes
empresas, núcleos coloniais e médios e pequenos produtores, por seringais caboclos aos moldes
do Núcleo Colonial do Guamá e do Seringal-Colônia de Itacoatiara; 3) promover a imediata
criação da HEVEABRÁS (SPVEA, p. 332 e 335, 1960b).
E para a execução deste novo programa integrado de ação, seria sugerido uma série de
medidas, tais como: a criação do Fundo da Heveicultura54, a ampliação da parcela do Fundo de
Fomento à Produção destinada a cultura da hévea, a restauração do monopólio estatal da
borracha, o controle rigoroso do plantio das indústrias dos artefatos de borracha, o exame das
condições de plantio nos seringais silvestres, a prestação de assistência técnica, a difusão de
métodos, entre inúmeros outros pontos (SPVEA, p. 337 e 338, 1960b).
O relatório indicaria para a coordenação deste programa a criação do Grupo Executivo
da Heveicultura da Amazônia, órgão que seria constituído pelos órgãos envolvidos no programa
da heveicultura e que teria suas atribuições relacionadas à elaboração, execução e supervisão
dos planos de plantio de seringueiras, além de promover estudos e pesquisas dos problemas da
borracha natural na Amazônia. Uma instituição que deveria ser a precursora da HEVEABRÁS
(SPVEA, p. 338, 1960b).
E do conjunto de recomendações deste programa, nota-se a sua sincronia com SPVEA
(1955, 1960a), BCA (1958) e REBAP (1960), distinguindo-se somente no menor peso atribuído
ao extrativismo amazônico. Desta forma, verifica-se que este documento de teor
desenvolvimentista partilhava dos diagnósticos e das recomendações de políticas para a
54 Fundo que seria gerido pela SPVEA ou pela HEVEABRÁS e que deveria ser constituído de: 1) taxa de 1% sobre
o valor da venda final da borracha natural nacional; 2) taxa de 3% sobre o valor da venda final de borracha natural
estrangeira; 3) taxa de 2% sobre o valor da venda final de borracha sintética nacional; 4) taxa de 5% do artigo 199;
5) taxa de 10% dos lucros das indústrias de artefatos de borracha, com garantia de recuperação em 15 anos com
juros de 5% ao ano; 6) a cooperação financeira do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE); e
7) e a contribuição dos Estados, Territórios e municípios interessados.
141
borracha esboçadas pelas demais instituições de desenvolvimento regional e indo além, devido
ao seu escopo amplo, sugerindo novos mecanismos institucionais para a valorização.
Aproximações que não são triviais, haja vista que nos períodos anteriores havíamos
constatado a emergência das correntes de pensamento (1940 à 1946) e a sua institucionalização
nas instâncias regulatórias, creditícias, científicas e de planejamento (1947 à 1953), mas não a
convergência das linhas centrais da política gomífera. Desta forma, é possível afirmar que a
partir deste período o pensamento desenvolvimentista-regionalista passaria a estruturar parcela
significativa dos planos e políticas de desenvolvimento da Amazônia.
Desta forma, neste contexto de déficit gomífero, esta convergência consolidaria a
estratégia da transição gradual do sistema de aviamento e do extrativismo para outros polos
dinâmicos de alta produtividade, ancorados na indústria, na agricultura, nos minérios, na
floresta e etc. E a heveicultura surgia, assim, como um mecanismo para a diversificação da
estrutura produtiva, para a restauração do progresso regional e para a integração econômica da
região à nação brasileira.
Além disso, nota-se ainda neste período a alteração dos modelos projetados para o
equacionamento da questão gomífera. Desde antes de 1940 as opções para a borracha giravam
em torno dos seringais caboclo ou empório. No entanto, pouco a pouco a partir de 1940 seria
atribuído maior peso a outros modelos, de grandes, médios e pequenos proprietários, empresas
de capital misto, colônias agrícolas, plantio em seringais silvestres e etc., pontos já levantados
nos períodos anteriores mas agora integrados em ações institucionais.
E, por fim, estas convergências e alterações dos modelos evidenciam que a evolução do
mercado da borracha e da estrutura econômica e institucional amazônica impactava na perda
da capacidade do extrativismo gomífero em representar os interesses das elites regionais.
Destaca-se disto a ênfase cada vez menor das instituições de desenvolvimento nesta atividade
e, como contraposição à esta tendência, a consolidação dos atributos do ideal da diversificação
econômica regional como elementos de defesa dos interesses das elites amazônicas.
Todavia, a distância existente entre os diagnósticos e a execução das políticas instaurava
um ponto de ruptura no ambiente institucional amazônico. O que resultaria em um movimento
de críticas ao aparato estatal de intervenção que levaria à reformulação das organizações de
desenvolvimento regional com a Operação Amazônia. Mudanças institucionais que visavam
reduzir as limitações administrativas, orçamentárias e de autonomia decisória e destituir os
controles exercidos pelas seculares elites extrativistas e mercantis.
142
4.2.2 Entre a ineficácia e a transformação: os ajustamentos da política de desenvolvimento
regional (1961 – 1966).
A frustração e falta de confiança com a eficácia das políticas para a alteração da
trajetória path dependence inscrita no extrativismo e no sistema de aviamento e para a
promoção da diversificação econômica regional instalaria um clima propício à reformulação
das instituições de desenvolvimento regional, o que seria efetivado pela Operação Amazônia
em 1966. Evento que gerou alterações legislativas que instituiriam novos instrumentos de
intervenção do Estado na região amazônica (MARQUES, 2013; TRINDADE et al., 2014).
Todavia, não seria somente em razão das críticas a estas instituições que este movimento
tomaria forma. Um outro conjunto de elementos também influíram nas mudanças promovidas
pela Operação Amazônia, os quais são: 1) a crise do desenvolvimentismo; 2) o advento do golpe
civil-militar; 3) a evolução econômica e institucional da região amazônica; e 4) a nova
conjuntura da borracha (PINTO, 1984; DEAN, 1989; BIELSCHOWSKY, 1996; CÔRREA,
2004; COSTA, 2004; OSÍRIS DA SILVA, 2004; BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005).
Em relação à crise do desenvolvimentismo, após um intenso período de industrialização
da economia brasileira teríamos o esgotamento do PSI, o que ocorreria em decorrência,
principalmente, das dificuldades de compatibilização da inflação e do crescimento acelerado,
entre outros motivos, o que era agravado pela incapacidade de se implementar reformas
estruturais para remover os pontos de estrangulamento que laboravam contra a acumulação de
capital (TAVARES, 1972; BIELSCHOWSKY, 1996; FURTADO, 2000).
Estas restrições influenciariam em uma ampla avaliação da experiência anterior e das
possibilidades de desenvolvimento da economia brasileira, com reflexões sobre os problemas
conjunturais e estruturais do país, sob o consenso de que “dentro das estruturas institucionais
existentes, a continuidade do desenvolvimento seria problemática” (BIELSCHOWSKY;
MUSSI, p. 7, 2005). Controvérsia que acirrava-se pela intensificação da polarização político-
ideológica e pelo retorno do nacionalismo.
E com o advento do golpe civil-militar, teríamos uma etapa de amadurecimento de um
novo ciclo ideológico do desenvolvimentismo que perdurou até o fim da década de 1960. Um
período marcado por reformas institucionais que fortaleceriam o Estado brasileiro e
reafirmariam o projeto de industrialização. Mudanças que indicavam que “o governo autoritário
manifestava sua opção pela ‘modernidade’ e valorizava o planejamento e a formação de uma
tecnocracia estatal eficiente.” (BIELSCHOWSKY; MUSSI, p. 15, 2005).
143
Em relação à estrutura econômica da região, os dados do capítulo 2 indicam a ocorrência
de uma diversificação produtiva que limitou-se em alterar modestamente a trajetória path
dependence em parcela do território amazônico, permanecendo o extrativismo e o aviamento a
coordenar parte do produto regional em vários estados e territórios, principalmente no Acre, em
Rondônia e, em menor medida, no Amazonas. Além disso, indicam também uma maior
concentração da renda da região na chamada Amazônia Oriental (Pará e Amapá).
E dada a interpretação, bastante difundida à época, de que o extrativismo e o aviamento
constituíam os principais obstáculos ao despertar de uma moderna economia na Amazônia,
estas diferenciações na estrutura econômica regional implicariam no fortalecimento do ideal da
diversificação econômica. Fato constatado no tópico anterior, quando observamos que as
instituições de desenvolvimento regional inseriam em seus planos, de forma cada vez mais
enfática, a promoção da agricultura, da indústria, da mineração, da pecuária e etc.
Além disso, outras informações evidenciam algumas medidas implementadas pela
SPVEA que influenciaram na alteração da estrutura econômica e na instituição do ideal da
diversificação econômica. O que pode ser verificado pela diversidade de áreas de atuação da
instituição entre os anos de 1953 e 1965 (Quadro 1).
Quadro 1 - Principais realizações da SPVEA (1953-1965).
Nº Especificação Área
1 Mandou realizar, por peritos da FAO (Food and Agriculture Organization/Nações
Unidas), os primeiros inventários florestais na região amazônica
Pesquisa de recursos
florestais.
2 Criou o primeiro Centro de Pesquisas Florestais, instalado por especialistas da FAO
e localizado no município de Santarém, Estado do Pará.
Pesquisa de recursos
florestais.
3 Mandou realizar o primeiro levantamento aerofotogramétrico da Região, em uma
área de 420 mil km² (projeto Araguaia).
Pesquisa geológica
4 Promoveu a melhoria dos sistemas de geração e distribuição de energia elétrica, das
cidades de Belém e Manaus.
Energia elétrica
5 Instalou sistemas de abastecimento de água potável em várias cidades da região. Saneamento Urbano
6 Construiu escolas, hospitais e centros de pesquisa. Infraestrutura Social
7 Apoiou a criação da Universidade Federal do Pará e da Escola de Agronomia da
Amazônia.
Educação Superior
8 Apoiou o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Ciência e tecnologia.
9 Reaparelhou os principais portos fluviais da Região. Transporte fluvial
10 Adquiriu moderna frota fluvial. Transporte fluvial
11 Participou, por meio de apoio financeiro, da introdução do cultivo racional de juta e
pimento do reino, por colonos japoneses.
Agricultura
12 Projeto experimental da cultura de dendê, que serviu de base para o seu posterior
desenvolvimento na Amazônia.
Pesquisa agrícola
144
13 Financiou a refinaria de petróleo localizada em Manaus Indústria
14 Financiou uma fábrica de cimento, no estado do Pará. Indústria
15 Formação de recursos humanos em áreas estratégicas para o desenvolvimento
regional, como geologia, engenharia florestal e engenharia de pesca.
Formação de recursos
humanos
16 Construiu a rodovia Belém-Brasília, obra mais marcante e grandiosa de todo o
período de atuação da SPVEA.
Infraestrutura econômica
17 Iniciou a abertura da estrada Cuiabá-Porto Velho. Infraestrutura econômica
Fonte: Vergolino e Gomes (2004).
Cabe notar as prioridades dos recursos da SPVEA (Quadro 2). Destaca-se, mesmo antes
da aprovação da lei que estendeu os incentivos fiscais para a industrialização do Nordeste para
a Amazônia (lei 4.216 de 6 de maio de 1963 (BRASIL, 1963)), a importância do crédito para o
desenvolvimento regional55. Diretriz que aliava-se a carteira de crédito geral e o Fundo de
Fomento à Produção do BCA (CÔRREA, 2004; COSTA, 2004; OSÍRIS DA SILVA, 2004).
Quadro 2 - Aplicações da SPVEA (1954-1962).
Aplicações %
Pesquisas de recursos naturais 1.8
Atividades do setor primário 9.6
Infraestrutura econômica 28.4
Investimentos sociais 26
Financiamento aos investidores privados 33.9
Diversos 0.3
TOTAL 100
Fonte: Com base nos dados da SPVEA, extraído de MENDES (1962). Excluídos os
gastos de custeio do órgão.
Por fim, o mercado da borracha seria outro componente que intensificaria os reclames
pelo reajustamento das institucionalidades, uma vez que a redução dos preços subsidiados, a
queda da participação da borracha no produto de estados e territórios, a diversificação
econômica, a entrada da produção sintética (gráfico 5), entre outros fatores, desestimulariam o
desenvolvimento da borracha na Amazônia enquanto alternativa para o reduzir o déficit
gomífero nacional e para dinamizar a economia regional. (PINTO, 1984; DEAN, 1989).
55 A avaliação da distribuição do crédito por setor econômico na Amazônia neste período exige a sistematização
de dados e merece uma análise detalhada em trabalhos futuros. Uma análise, possivelmente, inédita. Fontes de
informações importantes para a realização desta pesquisa são os relatórios anuais de exercícios do BCA, que
discriminam as aplicações por setores, SPVEA (1960b), que analisa o financiamento aos investidores privados
realizado pela SPVEA no período 1954 à 1960, bem como os dados sobre os incentivos fiscais concedidos entre
os anos de 1963 e 1966.
145
Gráfico 5 – Produção e importação de borracha no Brasil (1946-1966).
Fonte: Baseado nos dados de Dean (1989). Em toneladas.
Observação: Produção natural é a soma de extrativa e plantada. E devido à ausência de dados sobre a produção
plantada entre os anos de 1962 e 1966, utilizamos o valor médio de 1.500 toneladas para completar o cálculo.
Mudanças conjunturais e estruturais que seriam acompanhadas por uma série de
reflexões sobre os caminhos do desenvolvimento da Amazônia e sobre as formas de resguardar
os interesses das elites regionais frente a este novo contexto histórico. A partir disto, teríamos
a construção e a divulgação de novos projetos de desenvolvimento regional na Amazônia,
alicerçados nas experiências passadas e em novas diretrizes que viriam a ser incluídas nas
mudanças institucionais implementadas pela Operação Amazônia.
E a par destes fatores indispensáveis para a interpretação da história econômica regional,
investigaremos neste tópico qual o papel que autores e instituições atribuiriam para a borracha
no desenvolvimento da Amazônia neste novo contexto histórico. Para sintetizar a exposição,
privilegiaremos a análise por textos representativos e por campo institucional, apresentando a
controvérsia que antecedeu a criação da Operação Amazônia, os documentos envolvidos nas
discussões sobre as novas diretrizes da política de desenvolvimento regional amazônica e as
alterações institucionais instaladas por este evento. Um período crucial para a compreensão de
como as ideias desenvolvimentistas-regionalistas passariam a pautar a cena política e
institucional e inserir-se em planos e políticas para a dinamização da economia amazônica.
No campo institucional da ciência e da tecnologia, mais vinculado ao
desenvolvimentismo, teríamos a apresentação de textos sobre as perspectivas da borracha na
Amazônia por Alfonso Wisniewski do IPEAN56 no Seminário Econômico da Borracha no Rio
56 Ministério da Agricultura, ao qual o IAN estava subordinado, passaria por uma reformulação administrativa e
substituiria o IAN pelo Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Norte (IPEAN).
0
20,000
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Produção Natural Produção Sintética Importações Natural Importações Sintética
146
de Janeiro em 1962, texto publicado posteriormente no periódico deste instituto em 1963.
Nestes textos (WISNIEWSKI, 1963a, 1963b) seriam repetidas as diretrizes já divulgadas por
esta instituição e por REBAP (1960), somente atualizando-as para advertir que não havia
contradição entre a instalação da indústria sintética e o plantio de seringueiras, prosseguindo
indicando a heveicultura como opção para a diversificação econômica da Amazônia.
E Armando Mendes, intelectual amazônida, produziria neste período duas extensas
reflexões sobre a inércia da SPVEA e sobre alternativas para a valorização econômica da
Amazônia. Textos que, por haverem recebido em sua fase de elaboração críticas e
recomendações da Comissão de Planejamento da época57, seriam expressivos do pensamento
do campo institucional do planejamento e, também, das ideias inscritas no
desenvolvimentismo-regionalista.
O primeiro texto, “Linhas de Ação para a Valorização Econômica da Amazônia”, escrito
em conjunto com Adriano Menezes e Camilo Duarte, Mendes et al. (1963) realizaria a
preparação de uma proposta orçamentária da SPVEA para o ano de 1963 e desenvolveria
considerações sobre a filosofia da valorização, os instrumentos de ação e as estruturas legais e
institucionais para sua efetivação. Voltando-se, portanto, para a reorientação da estrutura do
órgão e para a fixação de princípios e meios de ação mais adequados e eficientes.
Mendes et al. (1963) definiria que o objetivo da SPVEA deveria ser a promoção de
mudanças estruturais permanentes capazes de dinamizar a economia amazônica, tendo em vista
a integração nacional, a geração de capitais regionais próprios, o crescimento da produtividade
e a inclusão dos problemas da Amazônia na consciência nacional. Para isto, aconselhava o
abandono do Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1955) e de sua Atualização (SPVEA, 1960a)
e a reformulação da lei 1.806 de 1953, que criou a SPVEA.
No segundo documento, intitulado “Uma Nova Política de Valorização da Amazônia”,
Armando Mendes (1963) desenvolveria as recomendações do texto anterior e delinearia
contribuições para a reformulação institucional dos processos de ação da SPVEA. Orientações
consideradas realistas e que insistiam no propósito de “despertar o pensamento nacional para
os problemas amazônicos” (MENDES, 1963b: 163). Assim, neste texto, seriam melhor
detalhadas novas recomendações para as políticas de desenvolvimento da Amazônia.
57 A Comissão de Planejamento da época era formada por Aldebaro Cavaleiro Klautau, superintendente, Coronel
Jarbas Passarinho, Armando Dias Mendes, Roberto Araujo Oliveira Santos, Adriano Veloso, Fernando José,
Arnaldo Corrêa, Henry Checrala Kayath, Cláudio Pala de Moraes, Antônio Nadaf, Ewerton Pereira de Carvalho,
Djalma Tenório de Brito, Camilo Montenegro Duarte, Raul Monteiro da Costa, Nelson de Figueira Ribeiro,
Rubens da Silveira Brito e David Martins de Carvalho Silva.
147
Inicia discutindo que a política de desenvolvimento da Amazônia deve se concentrar em
subáreas de maior incidência demográfica, todavia, sem dar atenção exclusiva aos programas
de fomento agrícola, e sim integrando estes com programas de industrialização primária e até
final das matérias primas locais. Destaca-se desta indicação a ausência de menções à borracha,
produto que somente seria citado quando revelaria a redução de sua importância tradicional no
produto regional, dado o avanço de outras atividades rurais.
Neste ponto, a atividade da borracha seria colocada como um indicativo permanência
da baixa produtividade do extrativismo, o que decorria de omissões, hesitações e contradições
dos responsáveis pelos destinos da região, haja vista as diversas resistências à formação de
grandes seringais de plantio. Alteração da estrutura produtiva da borracha que requeria
segurança para a aplicação de capitais de longo prazo no plantio de clones de seringueiras de
alta produtividade e resistência as doenças (MENDES, p. 172, 1963).
Mendes (1963) levantaria esta matéria prima como um exemplo dos mecanismos de
perpetuação dos círculos viciosos do subdesenvolvimento, haja vista que:
“as nossas matérias primas são industrializadas fora da área, porque não temos
mercado consumidor, ou energia, ou mão-de-obra qualificada ou produtos
complementares em quantidade suficiente. Numa segunda fase, é a própria matéria
prima que é substituída (v.g. a borracha artificial), ou simplesmente deslocada sua
produção, uma vez que não conseguimos industrializa-la. (MENDES, p. 173, 1963).
Admitia que só o planejamento e o governo federal poderiam quebrar esses círculos
viciosos, assegurando as regiões mais pobres, como a Amazônia, uma vocação específica
dentro da economia nacional. E, para isto, recomendava algumas providências relativas a
borracha, as quais assentavam-se em:
“I – numa fase de transição, a continuação da exclusividade de produtor da borracha
natural, para o Extremo-Norte
II – com os lucros obtidos através do mecanismo monopolista/monopsonista do Banco
de Crédito da Amazônia, o incentivo à sua industrialização regional
III – a transferência de parte crescente desses lucros para o fomento de outras
atividades mais remunerativas e mais definitivas” (MENDES, p. 173, 1963).
Mais à frente justificaria estas indicações em razão de acreditar que:
“O nosso pressuposto é o de que o capítulo da borracha silvestre será encerrado,
queiramos ou não, em prazo relativamente curto, e a própria borracha de plantio
tenderá a perder cada vez mais importância. A preocupação deve ser a de evitar que,
à semelhança do que ocorreu em 1912, a mudança se faça com inteira surprêsa e ante
o despreparo total da região. A borracha natural nativa deve ser utilizada como um
meio para as mudanças de estrutura econômica da Amazônia, e não como um
elemento inamovível e intocável.” (MENDES, p. 184, 1963).
148
Portanto, para Armando Mendes, a borracha não mais constituía uma das alternativas
para o desenvolvimento regional, cabendo à extração gomífera amazônica a função de ser um
elemento de transferência de recursos para a diversificação econômica regional. Indicativos que
anunciam uma reformulação dos termos da conciliação entre tradição e modernidade, uma vez
que ficaria cada vez mais nítido que os interesses regionais, agora, passavam a ir muito além da
defesa ou manutenção do extrativismo.
E este novo modelo de conciliação fica claro neste trecho:
“Se alguma aspiração a região se sente com pleno direito a anunciar é a de
semelhantemente à que o Brasil tem perante o cenário mundial, deixar de ser mera
fornecedora de matérias-primas em bruto, retendo, sempre que possível, o valor
adicionado de sua transformação industrial. Queremos deixar de ter, perante o resto
do País, o papel subdisiário das colônias, das áreas condensadas à sujeição econômica.
Isso, por um lado. Por outro, almejamos substituir parte das importações que ainda
realizamos, e que são dispensáveis se atentarmos para as possibilidades de seu fabrico
regional.” (MENDES, p. 184, 1963).
Assim, para Mendes (1963) a substituição regional de importações tornava-se o
principal mecanismo da diversificação econômica da Amazônia incluía-se e da defesa dos
interesses regionais. Adicionava que a nova política da Amazônia deveria ter como finalidade
a redução da dominação a que a região estava sujeita e o aumento do grau de dependência do
País em relação à região amazônica, o que seria alcançado por meio dos seguintes pontos:
“A - pela necessidade de importar dela certas matérias primas e alimentos que só aqui
ou predominântemente aqui sejam produzidos
B – pela necessidade de importar dela, do mesmo modo e crescentemente, produtos
industriais finais ou intermediários, que só ela pode produzir, por ser vedado adquirir
do Exterior a matéria prima
C – pela significação, tanto maior quanto mais ràpidamente crescer e mais
uniformemente se distribuir a renda ‘per capita’ da Amazônia, que ela terá com o
mercado consumidor dos produtos sulinos
D – pelo consequente adensamento, enfim, da consciência nacional da integração da
Amazônia na vida sócio-econômica do país, correspondente ao aumento do papel por
ela desempenhado e da sua insubstituibilidade.” (MENDES, p. 184 e 185, 1963).
E para se efetivar estes objetivos da valorização econômica da Amazônia, destacava ser
necessário a recuperação da lei 1.806 de 1953, da Concepção Preliminar (1954a), a extensão
para a Amazônia dos incentivos fiscais concedidos ao Nordeste, o reforço do caráter técnico
em detrimento das ingerências políticas sobre a execução orçamentária, entre outras medidas
(MENDES, p. 185, 1963), das quais se destacavam a sua indicação para a reformulação da
SPVEA e do BCA. Por fim, definia as linhas gerais desta Nova Política da seguinte forma:
“I – igualar o acesso da Amazônia aos serviços sociais e de infra-estrutura, não apenas
em termos de disponibilidade reais, como de custos de aquisição (p. ex. tarifas de
energia, fretes etc.)
149
II – preservar para a Amazônia o monopólio dos produtos que nela encontram
melhores condições de produção (borracha, pimenta, juta etc.)
III – assegurar a retenção da renda gerada na Amazônia
IV – conceder-lhe exclusividade para implantação de novas fábricas destinadas a
transformar industrialmente os seus produtos primários, sempre que constituírem
indústrias cuja localização for orientada pela matéria-prima ou pela mão-de-obra, ou
mesmo pelo mercado consumidor quando compostas de unidades divisíveis até às
dimensões do mercado regional e de sua periferia
V – concentrar recursos nas áreas e nas atividades de maior rentabilidade social por
unidade de capital empregada” (MENDES, p. 185, 1963).
Assim, Armando Mendes apresentava neste texto um projeto de desenvolvimento que
não mais abarcava a conciliação da transição do extrativismo gomífero para outros polos
dinâmicos, elegendo a diversificação econômica regional, a isonomia no tratamento da região
Amazônia no quadro nacional e a defesa das potencialidades amazônicas como meios para a
retenção da renda gerada na região, para a defesa dos interesses regionais e para superar o
subdesenvolvimento regional. O que mostrava o novo formato que o desenvolvimentismo-
regionalista ganhava a partir do declínio da borracha.
E outro campo institucional importante para a compreensão dos reclames por
reajustamentos das estratégias de desenvolvimento regional seria o BCA, instituição que, apesar
de histórica prevalência dos interesses do sistema aviamento, começava a convergir com as
ideias desenvolvimentistas-regionalistas. No relatório referente ao ano de 1962 (BCA, 1963),
por exemplo, teríamos a apresentação de preocupações quanto à industrialização da Amazônia,
setor que já absorvia 36% do crédito do banco, volume maior do que o da borracha (32%).
E em BCA (1963), no capítulo relativo à industrialização, destaca-se a intencionalidade
da exploração racional da diversidade de riquezas regionais como instrumentos para a
independência econômica e para a integração nacional. Intenções que contrastavam com a
prevalência e perseverança das atividades extrativistas, “de processos rudimentares e anti-
econômicos de duzentos anos atrás” (BCA, p. 23, 1963), especialização em produtos primários
que influenciavam na deterioração dos termos de troca da região amazônica.
Com base neste diagnóstico, o BCA chamava pra si a missão de diversificar a economia
amazônica, elencado que:
“Uma região como a nossa, quase tudo importa. Dos gêneros essenciais de
alimentação, como o feijão e o açúcar, a quanto mais se inscreva na ordem dos artigos
industriais imprescindíveis a quase tudo, no dia a dia de nossas vidas.
Somos, assim, uma região que se precisa voltar decisivamente para o trabalho de
industrialização de quanto produz, da riqueza que há nas suas florestas, no recesso de
suas matas, no fundo de suas águas, na profundeza de suas terras.” (BCA, p. 24, 1963).
Para isto, o relatório cita que o banco estava se empenhando na extensão dos favores
fiscais concedidos ao Nordeste para a Amazônia. Alteração institucional que seria efetivada em
150
1963, mudança que o relatório de 1963 considerava como uma medida que
“Incontestàvelmente, cristalizará, em definitivo, a estrutura do BCA como vida mestra da
economia regional e órgão promotor, por excelência, do desenvolvimento da Amazônia.”
(BCA, p. 7, 1964). E no que diz respeito à borracha, BCA (1964) destacaria que:
“Muito embora uma diversificação, já, de atividades produtoras na Amazônia, sua
economia continua assente, de modo especialmente marcante, na produção da
borracha, mau grado o caráter sabidamente deficitário da exploração dos seringais
nativos, como decorrência não só da sua própria condição silvestre, como da
desvalorização do homem da Planície, completamente desassistido e sangrado pela
alta incontrolável do custo das utilidades absolutamente indispensáveis à sua
subsistência.
Sem embargo, porém, a atividade extrativista não pode nem deve ser abandonada,
pelo menos enquanto não se proporcionar aos seringueiros, como sucedâneo imediato,
outro quefazer capaz de lhe assegurar melhores condições de vida” (BCA, p. 21,
1964).
E a despeito da importância atribuída ao sistema extrativista, BCA (1964) estudava os
problemas desta atividade não só base em seus aspectos econômicos, mas também nos em seus
efeitos sociais e geopolíticos no país, haja vista que dizia que a extração concorreria para manter
certo equilíbrio socioeconômico na região, no déficit gomífero nacional e na ocupação do vale
amazônico. Deste modo, advertia que:
“Reconhecemos que não será possível a mudança sumária do sistema vigente sem um
preparo, a longo prazo, de atividades correlatas que permitissem manter a mesma
economia, porém em fase de desenvolvimento e com a melhoria das condições de
vida e de trabalho da gente dos seringais.” (BCA, p. 25, 1964).
Como medida de contenção das dificuldades da extração, recomendava a preservação e
o incentivo da indústria extrativa de borracha, as cooperativas de consumo e de produção, a
diversificação produtiva do seringal, ao plantio por seringalistas, e etc., alternativas que
considerava como “melhor caminho para a estabilidade e o amparo das populações do interior.”
(BCA, p. 29, 1964). Diretrizes que eram vinculadas diretamente à industrialização, já que:
“É pacífica a tese de que não se pode estimular a industrialização de uma área sem
primeiro amparar o homem que deve produzir as matérias primas e os gêneros de
subsistência que vão alimentar as indústrias e o povo onde as mesmas se desenvolvem.
A industrialização da Amazônia será, assim, uma bonita realidade. Como deve ser o
desenvolvimento agro-pecuário. A região tem condições excepcionalmente notáveis
e o Banco de Crédito da Amazônia é o instrumento ideal para comandar êsse grande
movimento econômico. (BCA, p. 31, 1964).
O relatório apresentaria ainda um conjunto de reivindicações, tais como: o aumento de
preços da goma elástica, maiores verbas para estocagem de borracha, a ampliação para 20% do
artigo 199 destinado ao Fundo de Fomento à Produção, mais recursos para o crédito rural e para
a industrialização da Amazônia e etc. Finalizando com a exposição de um “Panorama
151
econômico da região Amazônica”, apresentando informações sobre a infraestrutura, principais
produtos industrializáveis e facilidades para investimentos na Amazônia.
Desta forma, nota-se destes relatórios do BCA publicados antes da Operação Amazônia
uma maior inclinação para a diversificação econômica regional. Ponto que sempre esteve nos
objetivos do banco, mas que agora, pela diminuição do peso da borracha em suas aplicações,
pela dinâmica das demais atividades regionais e pela interpretação da deterioração dos termos
de trocas, se equivaleria em ordem de importância com a extração da borracha. Mudança que
demonstra sua aproximação com o pensamento desenvolvimentista-regionalista.
Por fim, dos autores e instituições representativos envolvidos nas discussões sobre o
desenvolvimento da borracha na Amazônia neste período, selecionamos Cosme Ferreira Filho,
autor que levantaria os aspectos econômicos e sociais da heveicultura e criticaria a letargia das
plantações de hévea na região e o monopólio da borracha exercido pelo BCA. Textos que fazem
parte de suas reflexões sobre as razões sobre “Porque Perdemos a Batalha da Borracha”
(FERREIRA FILHO, 1965).
Em texto de 1962, iniciaria afirmando que “Está em jogo o nosso futuro, o futuro da
Amazônia, como área produtora de borracha.” (FERREIRA FILHO, p. 355, 1965), haja vista
que o avanço dos substitutos sintéticos e dos plantios na Bahia e em São Paulo ameaçam a perda
definitiva do monopólio da Amazônia na produção de borracha no país. Em texto de 1964, ao
criticar as restrições do BCA para o financiamento da heveicultura e seus limitados efeitos na
elevação da safra gomífera, discutiria que:
“Se a permanência do monopólio visa a aumentar a produção da borracha extrativa e
garantir a sobrevivência dos que trabalham nos seringais da Amazônia, está
perseguindo objetivos inteiramente contraditórios aos interesses brasileiros:
a) Porque a produção da borracha extrativa, sendo gritantemente anti-econômica,
não deve ser estimulada, nem mesmo mantida;
b) Porque essa produção impõe aos trabalhos dos seringais condições de
marginalidade, desconfôrto e impossibilidade de acesso a melhores níveis de
vida, constituindo um crime contra a pessoa humana;
c) Porque apenas contribui para conservar de pé uma estrutura sócio-econômica
incompatível com a atualidade brasileira. (FERREIRA FILHO, p. 367, 1965).
Portanto, discorre que o extrativismo da borracha cada vez mais deixava de ser uma
solução econômica para a Amazônia, atribuindo agora maior peso aos problemas sociais e
geopolíticos da atividade. E no último capítulo de seu livro, publicado em 1965, após alertar
para o progressivo despojamento da economia gomífera amazônica do mercado, questionaria
mesmo a viabilidade de se levar adianta o plantio de seringueiras na região amazônica, quando
colocava que:
152
“Será a produção de borracha na Amazônia, em têrmos de heveicultura raciona, um
investimento rendoso?
Para responder a esta pergunta, faz-se mister confrontar os custos da plantação e
exploração de seringueiras na Amazônia com os preços da borracha no mercado
internacional.
Entretanto, nem mesmo essa investigação indispensável foi feita pelos órgãos
responsáveis pela política econômica da borracha. E, sem ela, evidentemente,
ninguém possui autoridade para aconselhar ou preconizar a plantação de seringueiras
nesta área.
Por êsse e outros infortúnios, o extrativismo da borracha encerrará, melancòlicamente,
o derradeiro capítulo de sua existência.” (FERREIRA FILHO, p. 373, 1965).
Desta forma, mesmo Cosme Ferreira Filho, que desde antes de 1940 era um dos mais
árduos defensores da borracha heveicultura, viria a questionar a validade da borracha enquanto
alicerce da política de desenvolvimento regional na Amazônia. O que depõe a favor de que os
pensadores envolvidos com a tradição desenvolvimentista-regionalista neste período passavam
a reajustar seus projetos e a favorecer outras atividades como possibilidades de
desenvolvimento e de defesa dos interesses regionais.
E da experiência pioneira de intervenção no domínio econômico na região amazônica
iniciada pelo IAN/IPEAN, CEDB, BCA, SPVEA e demais instituições, teríamos o
reajustamento das políticas de desenvolvimento regional com a Operação Amazônia em 1966.
Alterações que também resultavam do embate entre intepretações quanto as opções do
desenvolvimento da Amazônia, os quais podem ser visualizados em: 1) “Desenvolvimento
Econômico da Amazônia” (BASA, 1966); e 2) “Operação Amazônia” (MECOR, 1966).
Estes documentos serviriam de subsídio para a construção das novas diretrizes da
política de desenvolvimento da borracha e da Amazônia. Destaca-se destes textos o consenso
da urgência da instalação de novas atividades, face ao horizonte que o extrativismo detinha,
com sua decadência, perda de poder gerador de renda na região e seu sentido antieconômico e
antissocial. A partir deste diagnóstico, seria recomendado, entre outras coisas, o ideal da
diversificação econômica da região amazônica.
BASA (1966) seria um estudo encomendado pelo banco da empresa de consultoria
Sociedade Brasileiro de Serviços Técnicos e Econômicos (BRASTEC)58, o qual realizou uma
avaliação da economia da borracha na Amazônia e a recomendação de novas diretrizes aos
órgãos de desenvolvimento regional para o planejamento econômico da região. E a borracha,
58 Este documento pode ser considerado um dos principais textos síntese do período, ao lado do Álvaro Adolfo
(1951). A equipe que elaborou o relatório contaria com a participação de economistas, engenheiros civis, químicos
e agrônomos, sociólogos e estatísticos. Destes, podemos notar Ramiro Nazaré, Virgílio Libonati, Ítalo Falesi e
Amilcar Tupiassu como autores que teriam vinculações com o pensamento sobre o desenvolvimento da Amazônia
em outros períodos. Além disso, cabe notar que a feição do relatório somaria a contribuição prestada de diversas
outras personalidades, tais como Djalma Batista, Cássio Fonseca, entre outros. Para checar a lista completa de
pesquisadores ver BASA (p. 18 e 19, 1966).
153
citada como um dos pilares da Operação Amazônia, seria cotada como apenas um dos capítulos
da economia regional, conquanto básico, mas em vias de superação.
No que tange ao extrativismo da borracha na Amazônia, o relatório esboça uma
interpretação que destacaria seus efeitos sobre a concentração econômica, espacial, setorial e
de renda e seus rebatimentos econômicos, políticos e sociais, em linhas bem semelhantes as
indicadas no capítulo 2 deste trabalho. E quanto aos mecanismos institucionais, criticaria o
monopólio estatal da borracha, levantando ser uma restrição para a expansão das safras e uma
forma de assegurar crédito livres das forças de mercado para as atividades comerciais.
E no capítulo referente à avaliação dos recursos, dos determinantes e das perspectivas
do desenvolvimento da Amazônia esta interpretação seria de grande valia, sobretudo por
substanciar as ponderações de que:
“O êrro mais grave na política de valorização econômica da Amazônia tem sido o de
vincular o desenvolvimento dessa região às atividades extrativas, sobretudo à
produção silvestre de borracha. (...)
Exige-se a manutenção de um monopólio estatal para garantir rentabilidade em uma
atividade primitiva, de custos crescentes, enfrentando competidores de custos
decrescentes. Esquece-se, entretanto, que essa atividade arcaica e anti-econômica é
incompatível com a o grau de civilização atual e insustentável do ponto-de-vista
técnico e econômico.
Se aceitarmos como certo que o objetivo do desenvolvimento é atingir um nível de
capacidade econômica que maximize o produto per capita em data futura, então a
produção de borracha silvestres não poderá constituir a base do processo de
desenvolvimento da Amazônia.
(...) Com certeza, não sobreviverá mais de 10 anos.” (BASA, p. 283 e 284, 1966).
E após ilustrar as mudanças na conjuntura do mercado de borracha nacional, BASA (p.
284, 1966) indagaria “Convirá à Amazônia pensar, sèriamente, em Heveicultura?”. Este
questionamento seria respondido negativamente, em razão do elevado volume de investimentos
e de mão da obra requerido e a possibilidade da substituição total das borrachas naturais pelas
sintéticas, o que tornava arriscado a heveicultura como cultura dominante na região, o que
poderia comprometer o processo do desenvolvimento regional (BASA, p. 285, 1966).
E negando os argumentos relativos à segurança nacional inseridos nos reclames pela
manutenção dos seringais, alertaria que “Enquanto a Região continuar na dependência de
atividades primárias de baixa produtividade, não se conseguirá elevar o padrão de vida das
populações locais e integrar a economia regional na economia nacional.” (BASA, p. 285, 1966).
Portanto, vislumbrava na diversificação econômica regional a saída para o longo período de
estagnação e atraso que estava inscrito na trajetória path dependence da Amazônia.
Com base nisto, destacava ser “imperativo do desenvolvimento regional a substituição
da produção silvestre, causal e nômade, por culturas racionais” (BASA, p. 287, 1966).
154
Indicando, com isto, a necessidade de a diversificação basear-se na transição de uma economia
extrativa para a silvicultura, a agricultura e a pecuária. Finalidades que requeriam amparo
técnico científico, uma política de colonização e ocupação, a implementação de rodovias e a
substituição do sistema de aviamento por um sistema oficial de crédito.
E o texto intitulado “Operação Amazônia” (MECOR, 1966) seria um relatório,
apresentado ao presidente da república, à época o general Humberto de Alencar Castelo Branco,
pelo Ministério Extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais (MECOR), que
realizaria a identificação das bases para a reformulação da política de desenvolvimento e de
segurança para a Amazônia, com fins a definir uma política definitiva de integração da região
à nação. Apresentando, inclusive, anteprojetos de lei para as novas instituições.
MECOR (1966) exibiria conexões com a apreciação relatada por BASA (1966). Citaria
que o peso do extrativismo vinha reduzindo na econômica regional, o que revelava janelas de
oportunidade, levantando a recomendação da:
“A diversificação da economia amazônica sem constituir uma clara política, tem hoje
justificativa e urgência intransferíveis, face o horizonte que enfrenta o extrativismo da
borracha (...). Não restará certamente na industrialização a grande saída para
desenvolver e promover o povoamento, no prazo exigido pelas condições nacionais
de segurança e de interesse de integração regional da Amazônia. O mérito da
industrialização local estará na fixação de bases mais estáveis para o aproveitamento
dos recursos naturais existentes e potenciais. Todavia, o aproveitamento agrícola
pecuário e até mesmo, por certo tempo, o extrativismo orientado deverão oferecer
perspectivas mais efetivas para a diversificação da estrutura econômica no ritmo
acelerado exigido presentemente.” (MECOR, p. 17, 1966).
Uma leitura que identificava no extrativismo a fonte mais expressiva do
subdesenvolvimento regional. E após um amplo diagnóstico das possibilidades e das restrições
do desenvolvimento da Amazônia, indicaria que os objetivos da nova política para a Amazônia
deveria ser o de “reduzir a importância dos setores extrativos e comercial, orientando os setores
dinâmicos como o agro-pecuário” (MECOR, p. 23, 1966). Quanto à borracha amazônica,
destacaria a tendência do seu desaparecimento do mercado nacional.
Tendo em vista este panorama desfavorável, pontuava que:
“sempre serão parciais as alternativas a encontrar para sustentar a atividade extrativa
da borracha. Isto porque, somente com programa de desenvolvimento e valorização
da área poderá vir a ser substituída, em lento processo, a atividade extrativa que hoje
constitue o principal elemento de fixação da nacionalidade e da efetiva ocupação
territorial amazônica.” (MECOR, p. 30, 1966).
E dada a possibilidade de excesso de produção gomífera, recomendaria a substituição
gradativa do extrativismo e o fomento de atividades de maior produtividade. MECOR (1966)
ofereceria sugestões para alcançar este fim, tais como a flexibilização do monopólio estatal, a
155
equiparação gradual dos preços da borracha extrativa ao da de cultivo, a manutenção dos
créditos do BCA à borracha, a diversificação econômica das áreas mais dependentes da
extração, entre outros. Buscando, com isto, evitar uma crise semelhante à de 1912.
Portanto, constata-se que as ideias e projetos que há muito tempo circulavam nas
controvérsias sobre o desenvolvimento da Amazônia começavam se inserir no centro das
discussões dos novos mecanismos institucionais de intervenção. Ideias que ecoavam em uma
tradição de pensamento e política que encontrava-se cada vez mais consolidada no ambiente
intelectual amazônico, o pensamento desenvolvimentista-regionalista. Ideário que defendia a
preservação dos interesses regionais em meio ao processo de desenvolvimento regional
integrado a uma estratégia de desenvolvimento nacional.
Este que ao longo do período de análise instituiu a defesa da conciliação entre o regime
extrativista gomífero e novos polos dinâmicos baseados na indústria, na agricultura e outras
atividades, mas que agora, passava a uma defesa mais enfática do ideal da diversificação
econômica regional como pilar de sustentação dos interesses das elites regionais. O que
impactava na ruptura da estratégia conciliatória que emergiu e se consolidou no período de
1940 à 1966. Reformulação que auxilia a explicar a emergência da Operação Amazônia.
Este evento que Armando Mendes, ao prefaciar a obra BASA (1966), definia como:
“Uma nova revolução econômica e social que pode e dever ser implantada na
Amazônia através dos novos instrumentos de ação. (...)
A ‘Operação Amazônia’ cumprir-se-á na medida em que a consciência nacional se
mobilizar para a consecução de seus objetivos finais e vier a participar efetivamente
de um esforço comum de preservação da soberania nacional nesta área, através da
realização de programas e projetos que serão, não apenas politicamente indispensáveis
e socialmente urgentes, mas também economicamente rentáveis.” (BASA, p. 16,
BASA).
Apresentados os documentos que subsidiaram a Operação Amazônia, resta-nos resumir
os quatro principais fundamentos deste novo aparato de intervenção do Estado, os quais são:
1) as leis 5.173 de 27 de outubro de 1966 (BRASIL, 1966a), 5.174 de 27 de outubro de
1966 (BRASIL, 1966b) e 5.374 de 07 de dezembro de 1967 (BRASIL, 1967a), que
substituiu a SPVEA pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM) e modificou a lei de incentivos fiscais;
2) a lei 5.122 de 28 de setembro de 1966 (BRASIL, 1966c) que transformou o BCA em
Banco da Amazônia S.A (BASA);
156
3) o decreto-lei 288 de 28 de fevereiro de 1967 (BRASIL, 1967b) que criou a
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), que reformulou a lei 3.173
06 de junho de 1957 (BRASIL, 1957) que havia criado esta Zona Franca;
4) a lei 5.227 de 18 de janeiro de 1967 (BRASIL, 1967c) que alterou o marco regulatório
do mercado da borracha e criou a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA).
E alguns dos atributos destas mudanças institucionais ratificam a assertiva de que este
aparato estatal visava instalar uma política de desenvolvimento regional que contornasse a
inércia e os efeitos limitados dos ensaios desenvolvimentistas do passado recente e que
instalasse o ideal da diversificação econômica regional. Questões que evidenciam que a
controvérsia sobre a borracha e o pensamento desenvolvimentista-regionalista amazônico
influenciaram na construção desta nova política para a Amazônia.
No caso da SUDAM e dos incentivos fiscais, por exemplo, seriam preservados os
objetivos da SPVEA e instalado um novo formato operacional de intervenção, com a redução
da influência das instâncias políticas e das elites regionais em seu processo decisório, haja vista
a exclusão destas partes dos órgãos deliberativos e a inclusão de membros de outras entidades
estatais. Uma tentativa de remover as pressões dos interesses dos operadores do sistema de
aviamento e dar contornos mais técnicos ao planejamento.
Situação semelhante ocorreu com o BASA. O novo formato institucional do banco
restringiu a participação das Associações Comerciais do estados e territórios da região no
Conselho Técnico Consultivo, órgão congênere do Conselho Consultivo do BCA. Redução
substantiva, haja vista que reduziu-se para um só representante deste setor ao invés de um
membro de cada associação comercial, incluindo ainda membros oriundos de organizações da
indústria e da agricultura e de outras entidades estatais de perfil técnico.
Na SUFRAMA tivemos a introdução de novos incentivos e a reorganização da Zona
Franca de Manaus, com a ampliação da autonomia decisória e financeira desta instituição. Além
disso, a lei de criação da SUFRAMA também redefiniu a jurisdição política da Amazônia, com
a criação da Amazônia Ocidental (Acre, Amazonas, Guaporé (atualmente Rondônia), Rio
Branco (atualmente Roraima)), e da Amazônia Oriental (composta por Pará e Amapá), o que
substanciaria a formulação de projetos específicos para cada território.
E com a criação da SUDHEVEA seria decretado o fim do monopólio estatal de compra
e venda da borracha, estabelecendo a livre comercialização deste produto, o que impactava no
fim a política de preços subsidiados. Modificações que acarretaram no abandono da política
que vinha acompanhando o mercado da borracha desde à eclosão da Batalha da Borracha, o que
157
indica uma ruptura com os mecanismos inerciais que mantinham os anteparos e incentivos ao
sistema de aviamento e à extração.
E nestas legislações, nota-se o caráter marginal que o extrativismo estava relegado, haja
vista que encontra-se nestas leis diversos de mecanismos que incentivariam a diversificação
econômica regional. Portanto, o novo contexto político e econômico nacional, a evolução da
economia amazônica e a conjuntura da borracha influenciariam na inserção de interpretações
mais vinculadas ao desenvolvimentismo hegemônico a nível nacional (BIELSCHOWSKY;
MUSSI, 2005), como a teoria da deterioração dos termos de troca incluídas em Mendes (1963)
e BCA (1964). O que assevera a integração do pensamento desenvolvimentista-regionalista
com as teses justificadoras do processo de substituição de importações brasileiro.
Deste modo, a apresentação destas mudanças institucionais e de seu contexto histórico
evidencia a ruptura da conciliação entre o extrativismo gomífero e os demais polos dinâmicos
baseados na indústria, na agricultura e outras atividades. O que, todavia, não impôs o fim da
tradição de pensamento desenvolvimentista-regionalista amazônico, mas sim o seu ajustamento
a novas diretrizes, com a edição de novos elementos de defesa dos interesses regionais frente
ao avanço dos projetos de desenvolvimento. O que ocorreu sem a perda do ideal
desenvolvimentista e do anteparo regionalista. Assim, saia de cena a borracha mas mantinha-
se ativa a busca pela conciliação da tradição e do desenvolvimento.
Com este formato, o desenvolvimentismo-regionalista amazônico, tal como esboçado
por Fernandes (2011), se consolidaria e passaria a estruturar parcela significativa das políticas
de desenvolvimento regional na Amazônia ao longo do século XX, reeditando atributos como
a defesa nacional, a fixação da populacional, a diversificação econômica, a pesquisa científica
e tecnológica e outros, enquanto subsídios de um projeto de desenvolvimento que buscava
preservar os interesses regionais. Um ideário que encontra-se imerso no processo de
desenvolvimento amazônico e que teve sua emergência e consolidação por intermédio das
controvérsias em torno da produção de borracha na região entre os anos 1940 e 1966.
Tradição de pensamento que, num futuro próximo, apresentaria um progressivo
afastamento dos governos militares, a partir do surgimento de divergências quanto à
preservação dos interesses regionais em meio à expansão do projeto autoritário de
desenvolvimento nacional sobre a Amazônia (LOUREIRO, 2004; MARQUES, 2013;
FERNANDES et al., 2015). Projeto que passaria a exibir contornos mais nítidos a partir da
década de 1970 e a fomentar uma vocação política e econômica muito mais limitada e específica
à região amazônica, incentivando e aprofundando, assim, o seu papel de “mera fornecedora de
matérias-primas” (MENDES, p. 184, 1963). Estigma amazônico que seria inserido nos
158
discursos regionalistas das elites regionais decadentes que, como órfãos da conciliação, se
manteriam ativas na busca por um ideal de desenvolvimento regional que se mostraria cada vez
mais distante da realidade concreta e longe de qualquer possibilidade de construção de uma
política nacional de desenvolvimento para a Amazônia.
159
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A crise da economia da borracha de 1912 emitiu um alerta acerca dos limites do
extrativismo e do sistema de aviamento em sustentar um desenvolvimento estável e de longo
prazo na região amazônica. Evento que deu início a um longo período estagnação que seria
interpretado como sinônimo de esvaziamento das discussões sobre o desenvolvimento da
Amazônia. Vazio que, todavia, seria rompido com a emergência da controvérsia sobre a
borracha ao centro do debate sobre a superação dos dilemas da questão regional amazônica e
do subdesenvolvimento brasileiro entre os anos de 1940 e 1966.
No entanto, a borracha, produto que carregava heranças econômicas, políticas, sociais e
institucionais do boom gomífero, sobretudo as implicações do extrativismo e do sistema de
aviamento sobre a trajetória path dependence de desenvolvimento da região, não foi
devidamente investigada pela literatura especializada no debate sobre desenvolvimento da
região. Tendo em vista esta lacuna historiográfica, o presente estudo evidenciou que o debate
sobre a borracha, que girou em torno do extrativismo e da heveicultura, originou condições para
a emergência de novas correntes de pensamento, as quais serviram como alicerce para a
consolidação de novas instâncias institucionais e a convergência para a busca da conciliação
entre o extrativismo e os ideais de progresso que vinham se desenvolvendo no Brasil.
No caso específico da Amazônia, este novo centro dinâmico do debate sobre o
desenvolvimento começou a convergir para a consolidação de um novo ideário que vislumbrava
na diversificação econômica a principal estratégia de desenvolvimento e de defesa dos
interesses das elites regionais decadentes. Para isto, autores como Euclides da Cunha, Araújo
Lima, Cosme Ferreira Filho, Arthur Cézar Ferreira Reis, Samuel Benchimol, Leandro
Tocantins, Álvaro Adolfo, Felisberto Camargo, Firmo Dutra, Armando Mendes, entre outros,
apresentariam ideias e projetos que seriam assimilados e transformados em políticas pelas
instituições regionais, pelo IAN, BCA, SPVEA e demais órgãos. Indicações que dialogaram
com o desenvolvimentismo e com o regionalismo presente no ambiente intelectual brasileiro
do século XX.
E a conjunção desses fatores fez com que este novo corpo de ideias, originários, em
grande parte, do debate sobre a borracha, passasse a consolidar uma nova dinâmica institucional
que visava a conciliação entre o ideal de progresso e a sustentação do status quo das elites
regionais. O que se tornou um pano de fundo que ajudou a pavimentar o caminho e a evolução
discursiva da trajetória histórica de desenvolvimento da Amazônia ao longo de todo o século
XX (FERNANDES, 2011).
160
Desta forma, a controvérsia sobre a borracha integrou tópicos como o planejamento, a
expansão da produtividade, a investigação científica e tecnológica, o desígnio de reverter o
subdesenvolvimento, a defesa dos interesses regionais, a integração nacional e etc., pontos que
desde Euclides da Cunha encontravam-se presentes no ambiente intelectual amazônico, mas
que, com a ascensão do desenvolvimentismo e com o imperativo da expansão gomífera,
passariam a inserir-se nas institucionalidades e políticas de desenvolvimento regional.
O que encontra-se expresso na defesa dos modelos de desenvolvimento que abarcaram
seringais tipo empório, caboclo e demais formas de colonização que tinham por fundamento o
extrativismo ou a heveicultura. Destacando-se o plantio de seringueiras, opção que se tornou o
principal elemento do debate, haja vista que era um dos mecanismos de transição do
extrativismo e do sistema de aviamento para outros polos, como a indústria, a agricultura, a
mineração, a pecuária e etc., ou seja, um atributo da diversificação econômica regional.
Portanto, a análise dos documentos históricos destes períodos, tais como livros, artigos
e relatórios técnicos, demonstrou que as ideias e os projetos divulgados pelos pensadores e pelas
instituições de desenvolvimento com o passar do tempo passariam a partilhar dos diagnósticos
e prognósticos deste novo modelo de interpretação e de políticas para a superação do
subdesenvolvimento regional e para o equacionamento do esperado déficit gomífero nacional,
o desenvolvimentismo-regionalista amazônico.
Todavia, esta ideologia e política desenvolvimentista-regionalista, ademais seus
importantes efeitos na conformação das mudanças institucionais de significado não trivial para
o futuro da região implementadas ao longo deste período, possui ainda uma história por ser
revelada, haja vista que a literatura apontou que a sua evolução histórica tendeu para o seu
distanciamento do desenvolvimentismo hegemônico a nível nacional, dada a existência de
divergências quanto a preservação dos interesses regionais. O que evidencia o imperativo de
compreender sua evolução histórica após a Operação Amazônia, sobretudo em razão de que
este modelo de interpretação fez parte da formação de toda uma geração de políticos,
empresários, técnicos de órgãos governamentais e intelectuais que participaram da formulação
de uma série de projetos de desenvolvimento para a Amazônia. Projetos cujo principal
resultado, todavia, seria a cristalização de uma profunda desigualdade no acesso a bens, serviços
e cidadania a ampla parcela da população amazônica.
161
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da borracha, e dá outras providências. 1942.
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econômica da borracha natural brasileira e dá outras providências. 1947.
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S.A. 1950.
BRASIL. Decreto 31.672 de 29 de Outubro de 1952. Cria o Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia nos termos do artigo 13, da Lei n.o 1.310, de 15 de janeiro de 1951. 1952a.
BRASIL. Decreto 30.694 de 31 de Março de 1952. Estabelece critério para a distribuição
de quotas de borracha nacional ou importada às emprêsas produtoras de artefatos de
borracha. 1952b.
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produção da borracha de seringais de cultura e dá outras providências. 1954b.
BRASIL. Lei 3.173 06 de junho de 1957. Cria uma zona franca na cidade de Manaus,
capital do Estado do Amazonas, e dá outras providências. 1957.
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Crédito da Amazônia em Banco da Amazônia S. A. 1966c.
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extingue a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA),
cria a Su. 1967a.
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