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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
MONIQUE ALESSANDRA SEIDEL
O COMPADRIO ESCRAVO NA FREGUESIA DE PALMEIRA: PERSPECTIVAS E TRAJETÓRIAS (1831-1850).
CURITIBA 2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
MONIQUE ALESSANDRA SEIDEL
O COMPADRIO ESCRAVO NA FREGUESIA DE PALMEIRA: PERSPECTIVAS E TRAJETÓRIAS (1831-1850).
Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Martha Daisson Hameister
CURITIBA 2010
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SUMÁRIO
RESUMO 4
INTRODUÇÃO 5
1.PALMEIRA, ESCRAVOS E FAZENDAS DE GADO 9
1.1 BRASIL IMPÉRIO E ESTUDOS DA ESCRAVIDÃO 10
1.2 A FREGUESIA NOVA DE PALMEIRA 16
1.3 A FREGUESIA NOVA DE PALMEIRA 22
2. ASPECTOS GERAIS DO COMPADRIO NA FREGUESIA
DE PALMEIRA 28
2.1 SOBRE OS REGISTROS DE BATISMO DE PALMEIRA (1831-1850) 33
2.1.1 As fontes 33
2.2 TRABALHANDO OS DADOS 35
2.2.1 Os batizados de crianças escravas 39
2.2.2 Filhos de livres e escravos 41
2.2.3 Africanos, expostos e índios 46
2.2.4 Segundo padrinho 50
3. PADRINHOS E MADRINHAS: HIERARQUIAS DEFININDO
TRAJETÓRIAS 54
3.1 COMPADRES E COMADRES PREFERIDOS DE PALMEIRA 56
3.2 MANOEL E ESMERIA, COMPADRES E ESCRAVOS 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS 72
FONTES 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 76
ANEXOS 79
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RESUMO Palavras-chave: compadrio escravo – campos gerais – século XIX. Na freguesia nova de Palmeira, entre 1831 e 1850, dois escravos se destacavam na função de padrinhos. Manoel e Esmeria, casados, tiveram mais afilhados que qualquer habitante da localidade. Sua trajetória despertou questionamentos não só quanto aos motivos de tal sucesso, mas também quanto aos padrões de compadrio que se estabeleciam em Palmeira durante o período e como essa relação poderia ser parte de estratégias de ascensão social ou de fortalecimento de laços já estabelecidos. Era um ambiente que ainda procurava estabilidade e o compadrio teve seu papel nesse processo. A trajetória do casal de escravos é um exemplo da importância social do batismo, mas está inscrita num conjunto maior de relações de compadrio envolvendo escravos. Por isso, foi necessário o estudo tanto de casos individuais quanto do conjunto. Por meio dessa abordagem, foi possível perceber que a família teve um papel essencial nesses laços. O compadrio foi além do parentesco espiritual entre indivíduos, ele gerou redes envolvendo famílias e seus dependentes, numa relação de troca, solidariedade e poder.
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INTRODUÇÃO
Numa pesquisa preliminar dos assentos de batismo da freguesia nova de Palmeira, um
nome passou a chamar muita atenção entre os padrinhos. Era Manoel, escravo de
Domingos Inácio de Araújo, proprietário de terras já conhecido por meio de pesquisas
anteriores da Lista de Habitantes feita no ano de 1835.1 Logo percebeu-se que se tratava
de um homem casado e com filhos. Sua mulher, Esmeria, também foi presença
constante entre as madrinhas da freguesia à época. Uma constatação inesperada foi a de
que o casal de escravos foi o mais ativo no apadrinhamento dos palmeirenses por todo o
período no qual sua trajetória ascendente como padrinhos se inscreveu.
Mas qual o motivo de tal sucesso que ultrapassou até os membros das famílias mais
tradicionais e abastadas da localidade? Para entender esse pequeno e curioso caso da
história do compadrio em Palmeira, foi preciso investigar o contexto no qual ele se
desenrolou e as pessoas que envolveu e que de algum modo compartilharam ou
conviveram com essa atuação.
Mas o que faz com que um casal de escravos tenha mais afilhados que qualquer
fazendeiro ou dona da região? A trajetória do casal de escravos é de fato curiosa, mas
para entender como ela foi possível, é preciso investigar não só contexto o qual ela se
desenrolou, mas também os principais indivíduos que de algum modo compartilharam
dessa atuação.
Para isso, foi adotada a criação de quadros que reunissem informações quantitativas
retiradas dos assentos batismais, separando em grupos os batizandos, conforme sua
condição jurídica. Foram analisados separadamente africanos, crianças expostas e
indígenas, levando em consideração o caráter especial desses apadrinhamentos. Desse
modo foi possível visualizar padrões gerais do compadrio conforme o tipo de afilhado
quanto à escolha dos padrinhos.
Veremos que os padrões estabelecidos foram majoritariamente próximos aos
encontrados por Stephen Gudeman e Stuart Schwartz para regiões do Recôncavo
baiano, entre os séculos XVIII e XIX. Os autores, sobretudo Schwartz que ainda
complementa esse estudo posteriormente com pesquisas semelhantes voltadas para
1 Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835.
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Curitiba, entendem que esse padrões tenha sido comum a muitas regiões brasileiras,
mesmo em casos onde elas apresentam características tão distintas.2
A principal distinção de Palmeira quanto a outras regiões foi a população diminuta,
assim como as fazendas e contingentes de escravos. Mas não foi por isso que essa
sociedade deixou de ser eminentemente escravista. Mesmo com o trabalho livre, de
familiares e agregados, que tiveram mais importância entre as famílias de poucas
posses, o trabalho escravo sempre foi a base de sustentação da produção agrícola e
pecuária dos campos paranaenses. A freguesia nova de Palmeira, que havia se
desenvolvido à beira do caminhos do Viamão, esteve muito ligada a esse comércio de
gado e assim como em outros povoamentos nos campos gerais, teve na fazenda de gado
seu principal meio econômico. Os fazendeiros, por sua vez, dominando essa atividade,
eram os pilares dessa sociedade.3
O compadrio foi amplamente utilizado por essa população, numa freguesia ainda muito
recente e precisada de meios para a estabilização e a formação de vínculos entre os
habitantes e com o lugar. Tanto entre livres quanto entre escravos, os laços de
compadrio tiveram papel importante no rearranjo dos parentescos ou no seu
fortalecimento. Porém, veremos que não há como desvincular essa relação de seu
princípio espiritual e moral, que por sua vez ditava normas na orientação da escolha dos
compadres. Manter esse parentesco espiritual com uma família era uma escolha
irredutível, assim todos os fatores eram pesados. O asseio moral, a imagem pública, a
ancestralidade o status social dos padrinhos, tudo influenciava em sua escolha. Uma
relação de compadrio deveria suprir não só as necessidades morais e espirituais que
poderia expressar o afilhado, mas as preocupações sociais e políticas, das quais
compartilhava a família.4
Padrinhos bem arranjados poderiam significar um degrau para a mudança de condição
jurídica, um bom casamento, bons negócios, educação. Por isso, e por outros motivos, a
escolha normalmente seguia a regra da verticalidade: os padrinhos teriam de ser de um
2 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos Sobre o Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001. 3 GUTIÉRREZ, Horacio. Fazendas de gado no Paraná escravista. Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, n. 9, 2004. 4 GUDEMAN, Stephen. "The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person". In: Proceedings of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland vol. 0. (1971). 1971. Royal Anthropological Institute of Great Britain, 1971.
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nível superior social ou juridicamente que a família do afilhado, ou pelo menos ter
condições iguais, afinal, padrinhos precisavam ter algo a oferecer em troca da imensa
honra de ser abrigado numa família pelo parentesco espiritual, mais nobre que o carnal
ou o social.5 (nota gudeman)
A trajetória de Manoel e Esmeria foi a mais bem sucedida em termos de quantidade de
afilhados, pelo que podemos acompanhar nas fontes utilizadas, mas assim como eles,
muitas outras pessoas apadrinharam recorrentemente os habitantes de Palmeira.
Reunido esses indivíduos, percebemos que, apesar de os membros da elite se
sobressaírem, há tanto escravos como livres pobres, pardos livres e fazendeiros. A
composição desse grupo de padrinhos é muito variada. O principal é que normalmente
não era apenas o indivíduo que apadrinhava, mas os membros de sua família, todos
representando a casa.6
Notaram-se algumas características bem específicas nessas relações de compadrio,
como duplas de padrinhos homens em substituição à tradicional formação de padrinho e
madrinha, e alguns padres que serviram de padrinhos. Esses casos desobedecem às
regras estabelecidas pelas constituições primeiras do Arcebispado da Bahia quanto aos
batismos no Brasil.
Para abordar todos esses aspectos, foram organizados três capítulos. No primeiro, são
abordadas as discussões sobre o contexto, indo do período imperial à historiografia
voltada para a história do Brasil e principalmente da escravidão, e as modificações na
abordagem dos temas durante o século XX. Também foram contemplados o processo de
povoamento nos campos paranaenses e os movimentos de expansão colonizadora rumo
ao oeste. A freguesia de palmeira, sua formação e aspectos gerais de sua sociedade, com
base na lista de habitantes de 1835, completam essa contextualização.
No segundo capítulo, adentra-se o tema do compadrio. Foi importante uma breve
discussão sobre o batismo e seu simbolismo entre os cristão. Aspectos de sua adoção
como sacramento principal do catolicismo, de seus diversos significados e de sua
importância enquanto laço espiritual que extrapola as portas da Igreja e da
espiritualidade adentrando a esfera social, foram expostos. Numa segunda parte, foram
explorados os dados dos assentos batismais da Paróquia Nossa Senhora da Conceição
5 Ibdem. 6 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J. Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
8
de Palmeira. Organizando quadros, chegou-se a padrões no estabelecimento de relações
de compadrio, privilegiando o compadrio envolvendo escravos.
No último capítulo, à partir de quadros em que os padrinhos e as madrinhas que
apareceram cinco vezes ou mais nos assentos batismais foram listados, verifica-se o
parentesco entre os presentes na lista. A participação de famílias inteiras e seus
dependentes em teias formadas pelo compadrio foi discutida. Algumas trajetórias
parciais foram rapidamente descritas e a trajetória de Manoel e Esmeria foi estudada
com mais atenção, chegando-se a seus laços de compadrio e à estrita relação que
mantinham com seus senhores.
Espera-se que esse estudo monográfico contribua para pesquisas futuras voltadas aos
temas do compadrio e da escravidão no Paraná, que vêm sendo cada vez mais
explorados e ainda têm possibilidades amplas de estudo e abordagem.
9
1. PALMEIRA, ESCRAVOS E FAZENDAS DE GADO.
O que conhecemos hoje por Paraná, foi por um longo período parte de um território
anexado a capitania de São Vicente, que depois se tornou Província de São Paulo 1821.
Segundo Westphalen, até meados do século XIX, os campos paranaenses foram a 5º
Comarca dessa província, também chamada de Comarca de Paranaguá e Curitiba. No
início do povoamento, o território ocupado e explorado pelos portugueses era quase
restrito ao litoral. Uma fronteira móvel e incerta separava as terras portuguesas das
espanholas, e os domínios dos espanhóis se estendiam pelos campos paranaenses,
também pelas terras catarinenses. O ouro, ou melhor, o início da busca por ele, trouxe
muitos garimpeiros esperançosos, aventureiros e algum comércio ao litoral paranaense.
Aos poucos essa população subiu ao planalto, instalando-se onde tempos depois se
formou a vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. A 5ª Comarca começou
a crescer, principalmente no século XVIII, mas não pelo garimpo e mineração, que
acabou se esgotando e perdendo mercado para Minas Gerais, e sim por uma soma de
fatores facilitadores da instalação de povoamentos no planalto. O terreno e a natureza
favoráveis à criação de animais, a passagem de caminhos por localidades próximas e a
preocupação do governo central e da capitania em manter o controle do território e
afastar tanto índios quanto espanhóis, foram decisivos para o estabelecimento de vilas
de portugueses nos campos paranaenses. No litoral, o porto apesar de pequeno tinha sua
importância local, mas só passou a crescer no século posterior, como receptor de
africanos durante a ilegalidade do tráfico.7
Além de algumas expedições de exploração e reconhecimento do território e
principalmente voltadas à preação de indígenas, que de tempos em tempos eram feitas
pelos sertões do Brasil, e ao sul de São Vicente eram muito comuns, a presença
portuguesa ficou presa às proximidades do litoral do centro sul e de parte do nordeste
por muito tempo. Mas no século XVII, e especialmente ao longo do século XVIII, o
povoamento no interior da colônia portuguesa se intensificou, dando origem a vilas e
cidades, ligadas às rotas de comércio que cresciam e às grandes fazendas de
monoculturas, que passaram a ser a atividade principal de várias regiões, voltadas à
exportação.
7 WESTPHALEN, Cecília M. A Introdução de escravos Novos no Litoral Paranaense. In: Revista de História. Vol. XLIV, ano XXIII, n. 89. Curitiba: Jan-mar/1972.
10
Esse movimento também envolve o território paranaense. O Paraná, como ressaltou
Cecília Westphalen, sempre foi um local de passagem, de caminhos. A partir do meio
do século XVIII, o comércio entre o extremo sul e o sudeste do Brasil, que compreendia
gado de vários tipos, sobretudo mulas, e charque, cresceu significativamente. Esse
crescimento foi ainda mais intenso após a mudança da corte para a colônia.
1.1 BRASIL IMPÉRIO E ESTUDOS DA ESCRAVIDÃO:
Desde a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, esta cidade
passou a ser sede do governo real. Para alguns historiadores, esse é o marco do fim do
período colonial, pois sendo sede do governo do Império luso, não mais configurava
uma colônia no sentido estrito. Dom João VI foi regente de 1815 a 1821, quando a corte
voltou a Portugal e deixou o príncipe Pedro de Alcantara como regente da coroa no
Brasil. Mas não havia como voltar às mesmas condições anteriores definidas pela
submissão de uma colônia à metrópole européia. Ao passar a sediar a corte, tornar-se o
centro político do reino, o Brasil conseguiu algumas vantagens em sua relação com
Portugal. Mas embates políticos entre colônia e metrópole levaram à independência do
Brasil em 1822, que continuou em regime monárquico, porém com um imperador: Dom
Pedro I, o mesmo príncipe regente da colônia.8
O período chamado de Primeiro Reinado, que vai de 1822 a 1831, quando Dom Pedro I
foi imperador foi turbulento. A independência do Brasil, que se constituiu império,
apesar de ser considerada um processo pacífico (quando pensado apenas como
envolvendo as principais cidades), foi causa de conflitos violentos em regiões
periféricas. Também foi o início de um período de profunda mudança no entendimento
da sociedade sobre si mesma, sobre ser parte de uma nação, de uma unidade. O esforço
para manter a unidade territorial e política do Brasil foi questão primordial então, e esse
processo passava sem dúvida pela consciência nacional da população, que na verdade
não existia e tinha que ser moldada, uma mudança que levaria muito tempo para se
consolidar. A escravidão, argumenta Boris Fausto, seria um elemento a mais para o
esforço de unidade territorial do império. Segundo ele, manter a escravidão em vigência
no Brasil, pois essa era uma instituição que já dava sinais de esgotamento, só seria
possível com a manutenção do controle político de todo o império. A escrita de uma
8 FAUSTO, Boris. História do Brasil. Edusp: São Paulo, 10ª edição, 1930.
11
constituição também foi um acontecimento importante, mesmo ainda representando o
poder absoluto do imperador.9
O imperador teve, de fato, muitos apoiadores, sobretudo da aristocracia que era
beneficiada com títulos de nobreza, mas isso não fez de seu reinado estável. A disputa
por controle de terras, exércitos e comércio, principalmente entre portugueses e
brasileiros, demonstrava a dificuldade de que o Brasil se estabilizasse como império
independente, além disso, havia as discórdias sobre a constituição e os poderes que ela
garantia ao imperador. Dom Pedro, em 1831 volta para a Europa e deixa no Brasil seu
filho e sucessor. O segundo imperador, no entanto, era ainda uma criança. Regentes se
sucederam em seu lugar até que atingisse a maioridade e esse foi um momento
conturbado de disputa entre facções políticas pelo controle do governo. Por pressão das
elites, a maioridade do príncipe foi adiantada e ele foi coroado aos 15 anos. O período
chamado de Regência dá lugar ao Segundo Reinado. Dom Pedro II reinou de 1840 a
1889. Foi um longo período em que um só homem governou, no entanto nem tudo foi
tão estável. Houve desde a Regência um crescimento das divergências políticas entre
grupos, principalmente representando regiões, interesses de províncias. Quando o
imperador assumiu o poder, dois partidos se formavam: os liberais e os conservadores.
Os conservadores representavam principalmente os interesses da corte e dos produtores
de café, que nessa época despontava como principal produto de exportação, sobretudo
ao sul do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Já os liberais representavam os
interesses das Províncias, alguns conflitos vieram desse enfrentamento. Uma das
principais diferenças entre os dois partidos era que o liberal queria maior
descentralização de poder, mais autonomia para as províncias, enquanto o conservador
defendia o controle centralizado. Inovações como a instalação de serviços bancários e as
linhas de trem que passaram a ser construídas, foram pontos essenciais no
desenvolvimento da economia nas áreas principais de produção e também aumentaram
a comunicação entre diferentes locais. A escravidão, apesar de cada vez mais decadente
no cenário internacional e no Brasil imperial, continuou a fornecer a maior parte da
força de trabalho da qual dependia a produção agrícola que sustentava o país. O Brasil
9 . A assembléia constituinte que tinha como objetivo aprovar a nova constituição foi dissolvida por Dom Pedro, que aprovou a constituição por seus próprios poderes, não sem antes modificá-la. FAUSTO, Boris. História do Brasil. Edusp: São Paulo, 10ª edição, 1930; BETHELL, Leslie & CARVALHO, José Murilo de. O Brasil da independência a meados do século XIX. In: BETHELL, Leslie (org). História da América Latina, Vol. III. São Paulo: Edusp, 2001.
12
foi último país a abandonar a escravidão, em 1888. No ano seguinte é proclamada a
República.10
Durante esse período, que tomou quase todo o século, alguns conflitos e guerras
aconteceram. A Guerra da Cisplatina, entre 1825 a 1828, foi uma das principais, na qual
o Brasil perdeu parte de seu território do extremo sul, a Cisplatina, que conseguiu sua
independência e passou a ser a República Oriental do Uruguai. A Confederação do
Equador, movimento separatista que envolveu algumas províncias do nordeste e, apesar
da rápida derrota, foi uma clara demonstração da insatisfação com o primeiro império.
O período regencial foi especialmente agitado. Várias rebeliões surgiram, prolongando-
se até o segundo reinado. A Balaiada (começou no Maranhão e alcançou o Piauí) e a
Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) foram as mais sérias. A
Farroupilha durou 10 anos (1835-1845) e conseguiu resistir por longo tempo, com a
criação da República do Piratini e a conquista de Santa Catarina. O movimento teve a
participação de pessoas de diferentes extratos sociais e direcionamentos políticos, tendo
em comum a crítica às decisões políticas da corte e as altas taxas impostas às
mercadorias riograndenses, e culminou na adoção da república. Esse movimento foi um
dos que mais afetou o Paraná, tanto economicamente quanto por sua proximidade
geográfica. Após se acalmarem as revoltas internas, o segundo Império passou pelas
guerras motivadas por controle territorial e econômico de regiões ao sul da América do
Sul. As campanhas platinas, em 1851 e 1864, foram geradas por problemas comerciais e
fronteiriços, com Argentina e Uruguai. Já a Guerra do Paraguai, foi muito mais violenta
e trouxe sérias conseqüências ao Paraguai. A guerra começou em 1864, indo até 1870,
causada principalmente pela disputa de territórios no sul do Brasil e na Argentina, aos
quais o ditador paraguaio Solano Lopez pretendia estender seus domínios, chegando até
o Uruguai. O País era o mais próspero da região, mas após o fim da guerra, derrotado
pela aliança de Uruguai, Argentina e Brasil, teve sua população e indústria arrasados.11
A guerra do Paraguai teve também graves efeitos no Brasil. O Império empreendeu
vários esforços para garantir a vitória, com custos enormes, além de morte de civis e
milhares de soldados. Porém, esse conflito representou a militarização do país de
maneira mais organizada e forte. Outra conseqüência foi o desconforto com a situação
10 FAUSTO, Boris. História do Brasil. Edusp: São Paulo, 10ª edição, 1930. . BETHELL, Leslie & CARVALHO, José Murilo de. O Brasil da independência a meados do século XIX. In: BETHELL, Leslie (org). História da América Latina, Vol. III. São Paulo: Edusp, 2001. 11 Ibdem.
13
dos escravos que tinham participado da guerra, essa participação é muitas vezes
destacada por contribuir para os crescentes debates sobre a legitimidade da escravidão.12
A escravidão foi uma forte herança deixada pelo período colonial e que vigorou, mesmo
decadente, durante praticamente todo o período imperial. Diversas obras
historiográficas se dedicaram ao longo dos anos a estudar esse tema. É essa uma
temática tão essencial à compreensão da história brasileira que não pode ser ignorada
em obras que vão do específico e regional àquelas que tentam abordar uma história total
do Brasil. Mas o importante de todos esses estudos é a maneira como eles abordam o
assunto. Dois conjuntos historiográficos, ou escolas, são extremamente importantes
nessa discussão: as obras da década de 1930, principalmente Gilberto Freyre, e as
paulistas dos anos 60. O estudo da escravidão após os anos 80 tem como fortes
referências as críticas a essas duas escolas. É importante uma rápida exposição das
idéias principais defendidas por esses movimentos e autores pois elas estão ainda
presentes no ensino escolar e em parte da historiografia, e formam parte do nosso
imaginário sobre a escravidão e a sociedade escravista.
Algumas obras formaram modelos de abordagem da história do Brasil e são importantes
referências, principalmente quando é necessário entender os diferentes olhares lançados
às mesmas questões, ainda hoje incansavelmente discutidas e revistas. Gilberto Freyre é
constantemente invocado quando se discute escravidão e formação da sociedade
brasileira. Seu livro mais conhecido, Casa Grande & Senzala, é um dos mais
importantes referenciais quanto ao assunto escravidão de nossa historiografia, isso
porque formou um modelo de abordagem da temática e abriu um precedente que
colocava esse assunto no topo de qualquer estudo da sociedade brasileira ao longo de
sua história. Para Freyre, o único modo de conhecer a sociedade era voltar às suas
origens, remontar seu passado. Assim ele chegou ao Brasil dos engenhos de cana, dos
senhores e escravos. Uma das principais críticas feitas à sua obra é o modo como o
autor estende esse universo de senhor e escravo, das grandes fazendas, a toda a
sociedade brasileira da época, que apresentava formações bem mais diversificadas que
essa relação simples dualista. Outro ponto severamente questionado, e considero o mais
importante na discussão da obra, é o modo como a relação senhor – escravo, ou mesmo
a escravidão como um todo, era compreendida por Freyre. O autor suaviza essa relação,
diminui a importância dos conflitos e da violência, entende-a de forma branda. A figura
12 Ibdem.
14
do patriarca é o centro da família, os escravos teriam a esse homem o temor e respeito
que se tem a um pai, e talvez a afeição. Desse modo, Gilberto Freyre aposta na ilusão de
um ambiente pacífico onde o poder de um senhor, menos opressor que tutor, mantém a
ordem. Entretanto, sua obra também destaca uma característica muito importante da
sociedade colonial e que ficou como herança para a historiografia: a miscigenação. O
autor dá destaque a uma miscigenação sexual, mas junto a ela está a convivência, no
espaço público e privado, de brancos e negros que formavam laços e estavam
socialmente ligados, independente de uns serem escravos de outros. Apesar de essa
convivência ter seus limites, não eram mundos separados o dos negros e dos brancos.13
Outro título a ser lembrado é Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda. O autor
tem foco no estudo das raízes de características culturais e psicológicas que moldam o
comportamento da sociedade moderna brasileira. Desde a importância da unidade
familiar frente às relações políticas até a falta de identidade do português e mesmo do
brasileiro como princípio daquilo que chama de “homem cordial”, Sérgio Buarque de
Hollanda procura em características da formação do Brasil a origem dos problemas
vividos até sua época.14
Esses modelos passaram a ser mais questionados e realmente superados nos anos 60,
com um enfoque sociológico através da Escola Sociológica Paulista, representada por
Florestan Fernandes, Roger Bastide, Octávio Ianni, entre outros. O movimento passou a
entender a escravidão como tendo na violência seu princípio e sua base e o escravo
como um homem explorado como objeto, coisificado. Desse modo havia um
antagonismo entre senhor e escravo que era pautado na ação violenta e controladora do
senhor e na passividade do escravo explorado. O capitalismo passou a ser considerado
elemento principal da escravidão, o escravo era uma fonte de renda, era a ferramenta e o
trabalho que geravam a renda; e a violência, parte essencial da manutenção desse
regime.15
O rumo que os estudos sobre escravidão tomaram nos anos 80 no Brasil, em contato
com as mudanças na historiografia em outros países, abriu os horizontes do tema
continuamente até o presente. Isso decorre, sobretudo, do diálogo com outras áreas,
como a antropologia. Nesse novo momento dos estudos históricos, diversos estudiosos
13 LIMA, Adriano B. M. Trajetórias de Crioulos: Um estudo das relações comunitárias de escravos e forros no Termo da Vila de Curitiba (c. 1760 – c. 1830). Dissertação de Mestrado, UFPR, Curitiba, 2001. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 12ª Ed. 1963. 14 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1988. 15LIMA, Adriano Bernardo Moraes. Trajetórias de crioulos. Curitiba, Dissertação de Mestrado em História, UFPR, 2001. P. 9.
15
desenvolveram questionamentos e críticas dirigidas às obras dos anos 60, sobre a
escravidão e a sociedade brasileira. O principal objetivo dos estudos feitos após os anos
80 sobre o tema da escravidão foi contestar o conceito de homem-coisa que os
seguidores da Escola Sociológica Paulista aplicaram ao escravo. Uma infinidade de
temas passou a ser trabalhada, todos eles questionavam a passividade, a inadequação e a
falta de humanidade que o conceito de coisificação agregava ao escravo. Estudos de
família, de alforrias, de resistência, de atividades autônomas indicavam a participação
ativa do cativo na sociedade escravista e até mesmo que sua relação com o senhor era
baseada também na troca, na barganha. A sociedade escravista por esse ponto de vista
ganhava diversas facetas e elementos, saía definitivamente das concepções anteriores. A
violência certamente é levada em conta, está na própria condição do escravo e é um
meio de coação, no entanto divide espaço com outros meios de interação entre livres e
cativos, entre senhores e escravos, sejam eles mantenedores do sistema escravista, ou
sabotadores dele.
Muitas das obras que formam uma base teórica dessa pesquisa são orientadas pelos
debates citados, fazendo ainda uso de fontes normalmente desprezadas e outras
metodologias. No entanto, a maioria dos estudos sobre o tema teve como recorte regiões
onde havia maior número de cativos e mais escravarias.16
A escravidão no Brasil é normalmente pensada nos termos das regiões exportadoras, ou
dos grandes aglomerados urbanos, onde o tráfico de africanos sempre foi intenso e onde
os contingentes de cativos eram constantemente renovados. Nesses locais a proporção
entre homens e mulheres foi tradicionalmente desequilibrada. A preferência dos
europeus e americanos, ao comprar escravos que viriam da África, era normalmente por
homens. Paul Lovejoy observa que no século XVIII o comércio de escravos novos
cresce vertiginosamente e passa a ter como maior mercado o Brasil. Já no século
seguinte, com as proibições do tráfico por todo o Atlântico fizeram com que esse
comércio diminuísse muito até cessar, porém, mesmo ilegal, com fiscalização e pressão
inglesa, os escravos novos não deixaram de chegar às escravarias brasileiras pelo menos
16 FRAGOSO, J. L. R. & FERREIRA, Roberto Guedes . Tráfico Interno de escravos e Relações Comerciais no Centro-Sul, séculos XVIII e XIX. 1. ed. Rio de Janeiro: LIPHIS (departamento de História da UFRJ e Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (IPEA), 2001; MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; SLENES, Robert. Na senzala uma flor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999; FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 – c.1850. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1997; SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial: 1550-1835. São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
16
até 1850, quando houve uma proibição efetiva do tráfico atlântico de africanos para o
Brasil.17
Mesmo com a chegada constante de escravos novos em grande parte do Brasil até a
primeira metade do século XIX, mesmo que a presença masculina fosse majoritária, a
formação de famílias não foi impossibilitada dentro das escravarias e sua importância é
apontada por muitos autores como decisiva e estratégica na melhora de sua condição de
vida ou até na conquista da alforria própria e de dependentes. Robert Slenes percebe a
família como meio principal de manutenção de traços culturais e de reconstrução da
identidade. Enquanto isso, Góes e Florentino destacam outra “função” da formação de
laços parentais: manter a paz, manter um contrato silencioso entre senhor e escravos. A
família não só garantiria ao escravo algumas vantagens dentro do cativeiro, mas
também daria ao senhor maior controle sobre seus cativos, mantendo um ambiente
estável onde a negociação das condições de cativeiro estava implícita.18
Esses estudos têm como alvo a sociedade escravista do Sudeste (Campos dos
Goitacazes no Rio de Janeiro e região do vale do Paraíba em São Paulo), mas o que
encontramos nas escravarias do Paraná é uma propensão ainda maior à formação de
famílias. A renovação do cativeiro com a entrada de novos escravos não teve a
intensidade que percebemos no restante do império, assim foi possível um ambiente de
características únicas. Nesse ambiente os escravos crioulos são a maioria, vivem nas
mesmas propriedades por muito tempo, nelas formam laços que não são ameaçados a
todo o tempo pela separação forçada e a distância. As famílias eram grandes, havia
muitas crianças e essa população provavelmente teria uma ligação muito forte com o
local onde sempre viveram, além disso, seriam o que havia de mais valioso nela.19
1.2 CAMPOS PARANAENSES ESCRAVISTAS E A EXPANSÃO PARA O OESTE:
O caminho que ligava Viamão, no Rio Grande do Sul, a Sorocaba, em São Paulo, foi de
extrema importância para a definição do povoamento dos campos gerais no Paraná e do
modo como se comportaram as populações ali instaladas. A rota das tropas condutoras
de mulas cortava os campos gerais e o principal ponto de passagem era Castro. A vila
17 LOVEJOY, Paul. A Escravidão na África: Uma história de suas transformações. Ed. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2002. 18 FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 – c.1850. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1997. SLENES, Robert. Na senzala uma flor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 19 LIMA, Carlos A. M. ; MELLO, K. A. V. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas de absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835). Afro-Asia (UFBA). Salvador, v. 31, p. 127-162, 2004.
17
de Castro tinha maiores fazendas e mais escravos que os outros povoamentos do
planalto no início do século XIX. Era um dos pontos principais de parada das tropas,
que necessitavam de repouso em vários momentos da longa viagem ao sudeste, para que
o gado recuperasse o peso e descansasse para seguir viagem. A criação de animais foi
estimulada pelo tropeirismo e se tornou a atividade principal dos campos gerais. Do
mesmo modo, muitas pessoas, livres e escravos, entraram para o negócio de tropas,
alguns como simples tropeiros, cuidando do rebanho durante a viagem, outros, que
tinham posses suficientes para investir no negócio, iam até o sul para comprar animais e
revendê-los em Sorocaba.20
Essa característica de passagem do Paraná, de estar entre o Rio Grande do Sul e o
sudeste do Brasil era mais importante que a pouca atividade econômica que se
desenvolvia aqui, e tornava a defesa desse território uma preocupação cada vez mais
presente entre os governantes. Este é também um tema recorrente nas obras dedicadas à
história da formação do Paraná. Romário Martins aponta a proximidade paraguaia,
principalmente no território de Guairá que era muito extenso e pertencia à Província do
rio da Prata, como especialmente preocupante. Essa Província reivindicava o domínio
de uma grande área que chegava ao porto de Santa Catarina. As missões jesuíticas no
Guairá também eram tidas como ameaça à integridade do domínio português, e foram
fortemente combatidas.21
Um dos problemas sempre evidenciados pelos autores que estudaram o
povoamento português no Paraná foi a presença indígena por todo o sertão. Longe de
formarem um grupo homogêneo, as várias nações tinham seus próprios conflitos, seus
inimigos e estavam cada vez mais pressionadas por portugueses de um lado e espanhóis
de outro. A reação desses povos indígenas era tanto de afastamento e por vezes
hostilidade, quanto a formação de alianças com um lado ou outro. Por isso, não só era
preocupante para os portugueses avançarem sobre um território pouco conhecido e que
já era ocupado por índios que poderiam resistir a esse contato normalmente violento,
20 GUTIÉRREZ, H. Fazendas de gado no Paraná escravista. In: Topoi, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, pp.102-127, 2004, pp. 102-127. MARCONDES, Renato Leite. Formação da rede regional de abastecimento do Rio de Janeiro: a presença dos negociantes de gado (1801-1811). In.: Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2001, PP. 41-47. 21 MARTINS, Romário. História do Paraná. Travessa dos Editores, Curitiba, 1995. p. 51-62.
18
como também, e principalmente, a possibilidade desses índios estarem ligados aos
espanhóis.22
Podemos dizer que são três momentos de expansão da ocupação do território paranaense
até que ele se tornasse Província. Primeiro a ocupação do litoral, depois, no XVIII a
formação de pequenos povoamentos no planalto curitibano, já adentrando os campos
gerais e ainda no século XIX, a expansão para a fronteira agrária, a partir de Castro e
Palmeira em direção ao interior do continente.
Este terceiro movimento de expansão dos territórios brasileiros no Paraná, que se
intensificou na metade do século XIX, contou com incentivos governamentais de
diversas naturezas. A intenção era não apenas levar homens que desbravassem a área
além da fronteira agrária, mas também que lá se estabelecessem famílias, que essas
famílias tivessem alguma possibilidade de produção que as segurasse na região, e que as
pessoas ali instaladas pudessem defender o território em caso de necessidade23. Essa
situação está claramente ligada aos acontecimentos pelos quais passava o Brasil durante
o início do XIX e que representavam mudanças profundas no cenário político e também
econômico do país, acontecendo num curto período de tempo.
Sobre a escravidão no Paraná, os trabalhos voltados ao tema vêm ganhando mais espaço
nas últimas décadas. Stuart Schwartz em Escravos Roceiros e Rebeldes, Cacilda
Machado, Fernando Franco Netto, Carlos A. M. Lima, Eduardo Spiller Penna, são
apenas alguns dos autores que trabalharam ou tem trabalhado o tema24. Talvez o assunto
tenha despertado pouco interesse anteriormente por ter sido a quantidade de cativos no
22 BALHANA, A. P.; WESTPHALEN, C.; MACHADO, B. P. História do Paraná. V. 1. Curitiba: Grafipar, 1969. FRANCO NETTO, Fernando. Famílias escravas nos campos gerais do Paraná In.: Anais do 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, Curitiba. 2009. 23 FRANCO NETTO, Fernando. População, escravidão e família em Guarapuava, século XIX. Guarapuava: Ed. da UNICENTRO, 2007. 24 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001. MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicure, 2008. p.20. NETTO, Fernando Franco. População, escravidão e família em Guarapuava no século XIX. Tese de Doutoramento em História. UFPR, Curitiba: 2005. LIMA, Carlos A. M. . Roças de libertos e seus descendentes nas partes meridionais da América Portuguesa (Castro, 1804-1835). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 166, n. 426, p. 271-303, 2005. PENNA, Eduardo Spiller. O Jogo da Face: A astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Dissertação de Mestrado em História. UFPR, Curitiba: 1990. E ainda: MELLO, Kátia A. V. de. Comportamentos e práticas familiares nos domicílios escravistas de Castro segundo as listas nominativas de habitantes (1824 – 1835). Dissertação de Mestrado e História. Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2004. PORTELA, Bruna M. Caminhos do cativeiro: a configuração de uma comunidade escrava (Castro, São Paulo, 1800 - 1830). Dissertação de Mestrado em História. UFPR, Curitiba: 2007. WEBER, Silvio A. Além do Cativeiro: A Congregação de escravos e senhores na Irmandade do Glorioso Sã Benedito da Vila de Morretes. Século XIX. Dissertação de Mestrado em História. UFPR, Curitiba: 2009.
19
Paraná sempre pequena, no entanto a população livre também era diminuta, assim como
as vilas, as propriedades. Horácio Gutiérrez chama a atenção para a proporção: em
alguns locais, dependendo da época, a população escrava representava um quarto da
população, mas normalmente ficava entre um quinto e um sexto. O litoral tinha sempre
as menores quantidades de cativos, enquanto os campos gerais, com o crescimento das
fazendas de gado, agrupavam a maioria. Mas essa sociedade não era tão simplificada.
Havia os senhores, os escravos, os pequenos proprietários, os livres pobres, os livres e
libertos pardos e negros.25
Segundo estimativas de Daniel Pedro Müller, o Paraná tinha 42.890 habitantes em 1836,
crescendo para 56.360 em 1852 segundo José Thomaz Nabuco de Araújo26. No entanto,
essa comparação tem suas armadilhas, já que se trata de estimativas feitas por autores
diferentes, provavelmente com fontes e parâmetros variados. Mesmo assim, nos dão
referências quanto ao tamanho da população e seu lento crescimento durante essas duas
décadas. Iraci da Costa e Horácio Gutiérrez fizeram esse levantamento para vilas
paranaenses em anos selecionados entre 1798 e 1830, com os dados disponíveis em
mapas de habitantes. Segundo eles, em 1830 eram 36.701 habitantes, desses pouco mais
de um sexto (6260) eram escravos. Os apontados como brancos eram quase 70% da
população, mas uma porção significativa (9069) era de pardos e pretos livres. Essas
proporções se alteram de vila para vila, mas são um bom parâmetro para pensar a
formação da população paranaense nesse período. Não só a sociedade, mas tudo que
envolvia a posse da terra, as atividades econômicas e políticas, nos campos gerais
paranaenses, fazia parte de uma estrutura tradicional gerada pelo ciclo do gado e que vai
sendo superada no fim do século XIX, mas deixa sua marca nessa região.27
A população escrava do Paraná era mínima se comparada ao que se veria no Sudeste,
mas formava uma parcela significativa dos habitantes, proporcionalmente próxima a de
muitas vilas do restante da Província de São Paulo ou Minas Gerais. Horácio Gutierrez
calcula que fossem 17,1% em 1830, mas com variações entre as localidades que eram
acentuadas em vilas onde a pecuária era a atividade principal, como já foi dito. Em
25 COSTA, Iraci del Nero da; GUTIÉRREZ, Horacio. Paraná: mapas de habitantes, 1798-1830. São Paulo: IPE, 1985. 26 Expostas por Iraci Costa e Horácio Gutiérrez. Ibdem. 27 GUTIÉRREZ, Horacio. Fazendas de gado no Paraná escravista. Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, n. 9, 2004, PP. 123–124. COSTA, Iraci del Nero da; GUTIÉRREZ, Horacio. Paraná: mapas de habitantes, 1798-1830. São Paulo: IPE, 1985.
20
Castro, por exemplo, eram 26,9% nesse ano e em Palmeira eram 31%.28 Além disso,
essa população estava num contexto que lhe atribuía características peculiares, como
maior autonomia em alguns casos, onde a presença dos proprietários era periódica e a
organização e rotina da fazenda era controlada apenas por capatazes ou pelos próprios
cativos.29
Gutiérrez também nota a divisão existente entre proprietários de terras que tinham
escravos e os que não tinham. O trabalho familiar, de agregados ou assalariados era
comum, mesmo sendo bem menos importante que o trabalho escravo principalmente em
grandes propriedades. Para o autor, a possibilidade de crescimento de uma atividade em
certa propriedade era determinada pela presença de cativos. O trabalho livre limitava
esse crescimento.30
Quanto à posse de escravos, as fazendas de gado eram as principais receptoras e
mantinham as maiores escravarias, porém havia pouca renovação externa nesses
planteis. Os africanos eram a minoria entre os cativos, e passaram a chegar mais
escravos novos a essas fazendas no período do tráfico ilegal.31
A questão da militarização dessa população dos campos gerais é interessante, pois faz
parte de uma preocupação no XVIII com a defesa armada do território, incentivada por
políticas públicas. O Morgado de Mateus tem um papel importante nesse contexto,
partindo dele maior parte dos empreendimentos políticos nesse sentido. Era importante
também o estabelecimento de atividades econômicas rentáveis o suficiente para segurar
a população nos novos povoamentos e também dar preferência a famílias que quisessem
se instalar nos locais, pois elas garantiriam a produção e a fixação dos povoadores. A
expansão do início do século XIX, também marcado pelo militarismo, é definida muito
mais pela abertura de novos campos que possibilitassem o crescimento do que
propriamente por levar às regiões fronteiriças uma população que pudesse proteger
militarmente o território, apesar de os dois intuitos estarem juntos e inseparáveis nesse
momento. Essa impressão é reforçada pelas guerras do Prata, que acabaram por
28 GUTIÉRREZ, H. Donos de terras e escravos no Paraná: padrões e hierarquias nas primeiras décadas do século XIX. Revista História, São Paulo, v. 25, n.1, pp. 100-122, 2006. 29 Carlos Lima e Kátia Mello identificam essa possibilidade em fazendas absenteístas de Castro e Curitiba. LIMA, Carlos A. M. ; MELLO, K. A. V. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas de absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835). Afro-Asia (UFBA). Salvador, v. 31, p. 127-162, 2004. 30 GUTIÉRREZ, H. Donos de terras e escravos no Paraná: padrões e hierarquias nas primeiras décadas do século XIX. Revista História, São Paulo, v. 25, n.1, pp. 100-122, 2006. 31
GUTIÉRREZ, Horacio. Fazendas de gado no Paraná escravista. Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, n. 9, 2004.
21
direcionar a atenção para o sul, distanciando o Paraná desses conflitos por algum
tempo.32
Porém, não podemos pensar que por ser a população e poucos os núcleos urbanos tão
pequenos, essa porção da Província de São Paulo estivesse isolada dos acontecimentos
no restante do Império. As conseqüências econômicas e políticas eram sentidas como
reflexo das mudanças num contexto maior. Um exemplo foi o aumento do comércio
entre as Províncias que aconteceu com a instalação da corte no Rio de Janeiro, outro foi
a negociação da emancipação da 5ª Comarca de São Paulo diante de revoltas que a
afetavam diretamente. As Revolução Liberal de 1842 em São Paulo tiveram muitos
potenciais apoiadores entre os paranaenses, pois muitos deles eram liberais. Também
era intenção dos farroupilhas chegarem aos campos paranaenses e, como foi feito em
Santa Catarina, com o apoio da população local, talvez separar esse território do restante
do Brasil. A adesão principalmente de proprietários de terra nos campos paranaenses
seria essencial para que esses movimentos tivessem no Paraná um ponto de apoio. Mas,
num acordo com o poder imperial para que tomasse uma posição de neutralidade diante
desses conflitos, o Paraná conseguiu sua emancipação e até contribuiu com tropas no
combate à Revolução Farroupilha.
É evidente, portanto, a participação do Paraná em eventos políticos do Império. Mesmo
quando não havia uma participação direta, esses acontecimentos manifestavam algum
efeito na sociedade paranaense. Além do mais, devemos considerar que a constante
passagem de tropeiros e demais viajantes pelos caminhos que cruzavam o Paraná,
sobretudo entre Sorocaba e Viamão, era um canal de informação sobre vários locais do
Brasil, desde o sul até São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.33
Mais uma questão política do Império que trouxe mudanças para o Paraná foi a
proibição do tráfico de escravos africanos em 1831, que não teve a eficácia desejada. A
Lei de 7 de novembro de 1831, como ficou conhecida, previa a libertação dos escravos
africanos que desembarcassem no Brasil e a punição dos traficantes. Porém essa lei
apenas tornou esse comércio mais discreto em grandes centros e deslocou as rotas de
desembarque de escravos novos para portos periféricos, onde a fiscalização poderia ser
evitada. Westphalen destaca o papel dos administradores e autoridades que controlavam
o porto de Paranaguá e a alfândega, envolvidos na receptação ou apenas fazendo vistas
32 FRANCO NETTO, Fernando. Famílias escravas nos campos gerais do Paraná. 33
GUTIÉRREZ, Horacio. Fazendas de gado no Paraná escravista. Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, n. 9, 2004.
22
grossas quanto aos desembarques clandestinos de africanos no litoral paranaense. Esse
contingente seria destinado a outras regiões, porém parte dele acabava integrando as
escravarias os campos paranaenses. Carlos Lima, analisando a população escrava de
Castro durante o período percebeu um aumento na entrada de escravos novos na época
da ilegalidade do tráfico, somada a um crescimento em geral dos plantéis. Destacou
ainda que em Castro, e isso pode ser estendido a outras vilas, as escravarias eram
majoritariamente formadas por escravos crioulos, com um número de crianças
considerável e que nesse período teve maior presença de africanos que em qualquer
outro, mesmo que tenha sido um número pequeno comparado ao de crioulos e ainda
mais de outras regiões do Brasil. Essa era uma situação comum nos povoamentos dos
campos gerais, se bem que evidenciada em Castro, mas não era o que normalmente se
encontrava em locais do império voltados para a produção em grande escala, ou mesmo
nos grandes centros.34
1.3 A FREGUESIA NOVA DE PALMEIRA:
Segundo Astrogildo de Freitas, Palmeira era nesse período uma freguesia de Curitiba
que começou como um pequeno povoado que também servia de pouso para o gado às
beiras do caminho entre Viamão e Sorocaba. Conhecida então como Freguesia Nova, só
foi realmente elevada à categoria de freguesia em 1833 e a vila em 1869. Seu nome vem
do Capão da Palmeira, região onde o povoado se instalou. Essa terra na verdade
pertencia a filha de Manuel Gonçalves da Cruz, dona Antônia da Cruz França, parte de
uma sesmaria dada ao pai. Depois de alguma confusão sobre a validade da sesmaria e da
herança, e de a posse ficar compartilhada entre alguns, o marido de Dona Antônia
França, Manuel José de Araújo acabou como dono da fazenda onde cresceu o povoado.
Outro impulso para a criação da freguesia naquela localidade foi a necessidade de
transferir os habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá, que
estava mal localizada, como afirma Moisés Marcondes, bisneto do então proprietário da
fazenda da Palmeira.35 Em 1819, Manoel de Araújo doou parte de sua fazenda a Nossa
34 WESTPHALEN, Cecília M. A Introdução de escravos Novos no Litoral Paranaense. In: Revista de História. Vol. XLIV, ano XXIII, n. 89. Curitiba: Jan-mar/1972. LIMA, Carlos A. M. ; MELLO, K. A. V. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas de absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835). Afro-Asia (UFBA). Salvador, v. 31, p. 127-162, 2004. 35 FREITAS, Astrogildo de. Palmeira: Reminiscências e Tradições. Volume II. Curitiba, Lítero-Técnica, 1984. P. 13.
23
Senhora da Conceição, onde estava sendo construída a igreja matriz da localidade, o
povoado cresceu a sua volta.36
É perceptível, desde o surgimento da freguesia, a forte relação da propriedade daquelas
terras e do domínio político da região por algumas famílias, principalmente a do tenente
Araújo, domínio que foi perpetuado pelas outras gerações. Também se deve destacar
que aquele povoamento era muito recente no período estudado, que vai de 1831 a 1850.
Mesmo que as habitações ali já existissem a algum tempo, a organização administrativa
só viria por volta desse período.37
Assim como Castro, por estar no caminho de Viamão, os habitantes de Palmeira se
envolveram com o tropeirismo e com a criação de animais. Porém as fazendas eram
menores, e o número de escravos também. A distribuição de livres e escravos era
próxima à de Curitiba, no entanto, as características geografias e econômicas de
Palmeira eram muito mais parecidas com as de Castro, não tendo, por exemplo, as
características urbanas de Curitiba. A freguesia era estrategicamente importante na
conquista de novos territórios, era uma “boca de sertão”, de onde partiam campanhas
colonizadoras, organizadas por homens de posse, alguns com patentes militares.
Palmas, Guarapuava e Ponta Grossa são povoamentos que receberam muitos
palmeirenses.
Em Palmeira, pelos dados fornecidos pela lista nominativa de 1835, podemos observar
muitas das características destacadas por Gutierrez quando fala do Paraná ou
especificamente de Castro. A principal atividade na freguesia nova era a criação de
gado, que utilizava trabalho escravo em sua maioria. Por ser um povoamento à beira do
caminho do Viamão, sua população tinha nas atividades de tropeirismo sua melhor
oportunidade econômica. Muitos dos habitantes declaram algum vínculo com essa
atividade, os exemplos mais comuns são os negociantes e condutores de tropas de
animais, outros, além de fazendeiros, também forneciam parada para o gado que
seguiria viagem. Porém não podemos esquecer da produção voltada para a subsistência
e para a venda interna. Desde as fazendas até as pequenas propriedades normalmente
tinham produção agrícola em volumes pequenos, e muitos dos que não declararam
serem pecuaristas ou criadores tinham alguns animais, possivelmente para consumo
próprio.
36 FERREIRA, J. C. V. Municípios paranaenses: origens e significados de seus nomes. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2006. PP. 219-220. 37
FREITAS, Astrogildo de. Palmeira: Reminiscências e Tradições.
24
A população de Palmeira cresceu pouco de 1830 a 1835, cerca de 14% (de 1288 para
1474 habitantes), em comparação com o levantamento de Costa e Gutiérrez para 1830.
Os escravos, em 1835 eram 445, ou seja, 30,2% da população, um percentual típico dos
padrões paranaenses, ou até um pouco mais alto. Esses índices populacionais tenderiam
a diminuir com a mudança de muitos habitantes para novos campos conquistados, como
Guarapuava ou Tibagi, e os escravos estão incluídos nesse grupo.38
Dados gerais sobre a população da Freguesia de Palmeira:
Cor Condição Domicílios Brancos 683 Livres 1017* Sem escravos 129 Pardos 349 Escravos 445 Com até 5
escravos 41
Negros 442 Libertos 12 Com mais de 5 escravos
31
Total 1474 201 Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835. *Apenas 184 deles tiveram a condição de livre declarada, e eram praticamente todos pardos ou negros, o que significa que para os brancos e muitos pardos (130), além de 22 negros, a condição de livre está implícita.
Há também uma pequena parcela da população que é formada por pardos e pretos
livres, sendo que quase metade destes tinha menos de 15 anos, e entre os adultos a
maioria era casada. Outro detalhe dessa população livre e não branca é que, quando o
domicílio era chefiado por um pardo ou preto, não havia escravos. É compreensível,
pois um escravo tinha preço alto, e especialmente valorizado durante esse período.
Portanto, as atividades para o sustento da família eram feitas pela própria família e pelos
agregados. Em maioria essas famílias eram lavradoras, trabalhando em seu próprio
domicílio, com pequenos cultivos, ou vendendo seu trabalho como jornaleiros. Poucos
eram negociantes ou condutores de gado, apesar de alguns criarem gado (vacum
principalmente). Alguns ainda declaravam viverem de algum ofício como sapataria,
ferraria, carpintaria. O mais abastado, o pardo Manoel da Silva, tinha uma pequena
criação, com 78 ovelhas e plantava milho e feijão em quantidade superior aos outros em
sua condição, além de se declarar mineiro, ocupação que pode ter dado a ele meios para
conseguir a liberdade (no caso de já ter sido escravo) e para iniciar suas atividades
38 COSTA, Iraci del Nero da; GUTIÉRREZ, Horacio. Paraná: mapas de habitantes, 1798-1830. São Paulo: IPE, 1985. LIMA, C. A. M. Tráfico ilegal para a fronteira agrária: Domingos Inácio de Araújo (Palmeira, 1830 – 1851). In.: Anais do IV Congresso Escravidão e Liberdade. Curitiba, 2009. AESP. Listas de habitantes de Curitiba e da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835-1836.
25
agropecuárias. Sua renda pode ser um pouco superior aos demais livres negros, mas está
na média dos domicílios de brancos, porém sua criação de ovelhas é a maior declarada.
Dos 348 pardos ou negros livres, uns poucos viviam como agregados em domicílios de
outros. Provavelmente eram um ajuda na força de trabalho do domicílio, mesmo que
nele existissem escravos. Era uma categoria de habitante muito comum desde o período
colonial em todo o Brasil, e percebemos que parte desses indivíduos foram escravos e
depois de libertados continuaram no domicílio, provavelmente desenvolvendo ainda as
funções de antes. Poucos dos agregados declaravam uma renda ou atividade própria, o
que reforça a idéia de que eles estariam envolvidos nas atividades da propriedade onde
viviam, assim como a família na maioria dos casos, principalmente se não houvesse ou
fossem poucos os escravos.
Em maioria, os domicílios dessa freguesia não tinham escravos, mas entre os muitos
que tinham, foi mais comum que contassem com menos de seis. No entanto algumas
poucas propriedades reuniam o maior número de cativos: apenas 14 domicílios
declaravam ter dez ou mais escravos e quase todos estavam ligados à criação de gado ou
às tropas de animais. No entanto, o máximo de cativos em uma propriedade era 25, nas
fazendas de Dona Rita Maria do Nascimento e Dona Clara Madalena dos Santos, ambas
viúvas. Em terceiro lugar vinha o Capitão Domingos Inácio de Araújo, que era filho dos
fundadores do povoamento.
Desse modo, vemos não só a quantidade de escravos demonstrar a situação econômica
de uma família, mas também uma hierarquia nas quais as famílias com mais cativos
estão normalmente no topo. Porém há famílias que fogem à regra, como a de Alfredo
Manoel Medeiros, capitão e criador, que com apenas dois escravos e uma família bem
pequena, tinha uma renda considerável, de três contos de réis declarada na lista de
habitantes.
Essa é também uma população bem jovem, a grande maioria dos habitantes tinha até
trinta anos de idade, e as crianças eram quase metade da população. A distribuição de
homens e mulheres é bem equilibrada, tanto considerando as crianças parte da
contagem, quanto contando apenas os maiores de quinze anos. Se fizermos essa
contagem apenas com os escravos, veremos que o percentual de crianças é um pouco
menor, mas o de adultos jovens se destaca. No entanto, para uma população cativa, a
quantidade de crianças pode indicar a reprodução interna, e, portanto a formação de
famílias. A distribuição de homens e mulheres é um pouco favorável aos homens se não
forem consideradas as crianças, contando com elas é uma proporção equilibrada.
26
A Palmeira visitada por Saint-Hilaire no início do século XIX, e descrita como uma
nova freguesia, pequena e de gente simples, mas hospitaleira, era também a Palmeira
escravista e de hierarquia bem demarcada, como a maioria dos pequenos povoados dos
sertões do país, onde política e família formavam um emaranhado com poucas
possibilidades de novos arranjos.39
Era ainda uma sociedade em formação, ou renovação, reunindo uma elite de famílias
que traziam de outras regiões nomes de prestígio e tradição, e principalmente bens,
sobretudo terras, que deveriam ser concentrados por seus novos membros e, aliados às
novas posses conquistadas pelo casamento, mantidas na família. Num contraste com
essa elite, mas sem de modo algum marcar uma oposição ou contrariedade, estão os
pequenos proprietários sem escravos, os pobres, os lavradores e jornaleiros, e ainda os
forros e cativos. Se a demarcação de uma elite fechada restringe a mobilidade social, ela
é maior entre os outros grupos, que formam a maioria da população. Entre os escravos
essa afirmação parece falsa, a não ser pela possibilidade de alforria, mas quando
pensamos na família e não apenas no indivíduo, identificamos um meio de ascensão
pelo menos: o casamento e a prole. Isso pode ser confirmado por registros de batismos,
onde muitos dos batizandos são filhos de escravos com livres, e sendo a mãe livre, o
filho também será. Do mesmo modo, o contrário pode acontecer se uma criança for filha
de um homem livre com uma mulher escrava, iniciando uma trajetória familiar
decadente em direção ao cativeiro.
A quantidade de famílias pobres40, e entre elas muitas formadas por pardos e negros
livres, e de pequenos proprietários de terra, ou donos de poucos escravos, é um exemplo
da diversidade desse grupo de habitantes, que representa um montante de possibilidades
de mobilidade social. Essas categorias de indivíduos, ou ainda, famílias, não estão
isoladas entre si, e sim constantemente renovando vínculos de diversas naturezas que
contribuem para essa questão da mobilidade. Um desses vínculos se dá por meio do
batismo.
O batismo é um dos meios de ter representado no mundo físico, laços referentes à
espiritualidade. Mas por meio desses laços sagrados, podem estar projetadas as
ambições de ascensão social de uma família, ou mesmo de renovação dos vínculos entre
a elite e os que estão fora de sua bolha. Diversos anseios cercariam esse forte vínculo,
39 FREITAS, Astrogildo de. Palmeira: Reminiscências e Tradições. Volume II. Curitiba, Lítero-Técnica, 1984. 40
Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835.
27
mas, sobretudo aquele que é a base do compadrio: garantir ao filho um protetor,
compromissado diante de Deus a protegê-lo e guiá-lo na hora da necessidade. Isso para
um escravo significava muito, pois a hora da necessidade estava sempre próxima.
Nos próximos capítulos o compadrio, especificamente o compadrio escravo, e seu
código de escolhas e possibilidades serão investigados, em relação à Freguesia de Nossa
Senhora de Palmeira, entre 1831 e 1850, época de consolidação da sociedade
palmeirense em seus primeiros tempos. Desde a influência da condição da criança
batizada na escolha dos padrinhos, até a hierarquia social que é refletida no
estabelecimento de relações de compadrio, várias questões envolvem o tema e algumas
delas serão desenvolvidas mais à frente.
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2. ASPECTOS GERAIS DO COMPADRIO NA FREGUESIA DE PALMEIRA
Há um aspecto de Palmeira, característico de muitos povoados, que ainda não foi
ressaltado: a importância de sua paróquia. O pequeno povoado que era um pouso para
os viajantes e animais conhecido como Tamanduá, foi substituído pela freguesia que se
estabeleceu ao redor da igreja construída num local conhecido como capão da Palmeira.
A igreja erguida em 1830 tinha importância estratégica, já que o pouso era distante de
Curitiba. O costume da missa aos domingos e mesmo outros compromissos dos
católicos como a confissão, estavam sendo abandonados pelos habitantes de Palmeira,
que também era distante de Castro. Para assegurar que a população dessa parte do sertão
continuasse praticando o cristianismo da forma correta e não acabasse pagã, a
construção da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá foi considerada
prioridade. O povoamento se estabeleceu ao seu redor.41
Essa paróquia, portanto, foi um ponto importante de convívio e encontro dos habitantes
da localidade. Certamente sua fundação fortificou esse aspecto da sociabilidade de
Palmeira e permitiu que os encontros fossem mais constantes. A intenção comum de
participar das atividades religiosas e cumprir os deveres cristãos permitiu que pessoas
de vários estratos sociais se reunissem, ainda que as distinções hierárquicas e mesmo a
segregação física fosse imposta em muitos momentos.
Maria B. Nizza da Silva ressalta o papel importantíssimo da Igreja Católica no Brasil
colônia e que persistiu por algum tempo durante o império: A igreja era uma instituição
reguladora da sociedade. Mesmo que nem sempre tivesse a eficácia pretendida e que
muitas vezes não conseguisse impor seus ditames a todos os cidadãos (e escravos), a
instituição ditava regras de conduta a seu rebanho e mantinha sempre os olhos atentos
dos párocos voltados para a sociedade e suas relações.42
Porém, não era a pressão de um pároco que mantinha a população alinhada com seus
deveres, o próprio status de um indivíduo, sua imagem perante a sociedade, dependia
dessa conduta. Nizza da Silva, num estudo sobre o casamento no Brasil colonial,
observa toda a complexidade desta instituição e sua importância nas relações sociais. A
Igreja se fez presente por meio deste e outros sacramentos, cultos e instituições.43
41 FREITAS, Astrogildo de. Palmeira: reminiscências e tradições. Curitiba: A.M. Cavalcante, 1977. 42 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamento no Brasil Colonial. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984. 43 Ibdem.
29
A conquista do status de “homem bom” ou de mulher honrada passa por um caminho
repleto de armadilhas. Manter essa imagem é igualmente difícil. Precisa-se cuidar dos
gestos, palavras e atos sobretudo perante os outros, pois se a conduta é posta em dúvida
as relações sociais são dificultadas. O social, como a autora percebe em sua pesquisa,
está ligado a uma imagem que se conquista e mantêm e que pode tanto agregar prestígio
a um indivíduo, quanto desvalorizá-lo. Muitas das decisões e dos laços formados pelas
pessoas nesse período dependiam dessa imagem: o casamento, as amizades, os
negócios, os títulos, o compadrio. Por isso podemos entender que há mesmo num
sacramento como o batismo um jogo de faces, apostas e anseios, intimamente ligado ao
status de cada um dos envolvidos, podendo representar ao apadrinhado a abertura de
algumas portas ou seu fechamento.44
Permeando os laços entre os personagens de qualquer sociedade há um jogo de
imagens, interesses e retribuições, que se estabelece por diversos meios. O compadrio é
um dos mais significativos, mas há muito a discutir sobre essa complexa instituição, que
não deve ser entendida de maneira simplista. O compadrio, como definiram Stephen
Gudeman e Stuart Schwartz, “é uma construção, um sistema de signos”. 45 Precisamos,
portanto, entender seus significados e o modo como é construído em diversos níveis de
relação entre as pessoas.46
O compadrio se inicia no batismo, que por sua vez é tão antigo quanto o próprio
cristianismo, ou ainda mais. Esse sacramento tem origem em ritos judaicos de passagem
e iniciação e desde que Jesus foi imerso por João Batista essa é uma prática repetida
entre os cristãos. Mas é a partir do século III que ele passa a ser o principal sacramento
do catolicismo e ter um significado bem definido: purificação do pecado original. A
indicação de padrinhos também é identificada já no século III.47
Alguns autores - e cito Gudeman como o principal48, compreendem a construção e o
significado do compadrio como repetição ritual do mito/dogma da concepção de Jesus
Cristo por Maria. Segundo Antonio Augusto Arantes (1982):
44 Ibdem. 45 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos Sobre o Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 35. 46 Ibdem. 47 Ibdem; BRÜGGER, Silvia M. J. & KJERFVE, Tânia M. G. Compadrio: Relação social e libertação espiritual em sociedades escravistas. (Campos, 1754-1766). In: Estudos Afro-Asiáticos. (20):223-238, julho de 1991. 48 S. Gudeman (1969), E. Hammel (1968) e A. A. Arantes (1975);
30
[Esses] autores, inspirados nas teorias de C. Lévi-Strauss e E. R.
Leach, desenvolveram a preocupação de construir modelos que
captassem o núcleo em torno do qual se constituem essas várias
modalidades de compadrio, como variações em torno de um mesmo
tema. Esses autores cada um a seu modo, procuraram explorar
sobretudo a dimensão simbólica da instituição, não a dissociando de
sua base societária, na tentativa de captar o sentido e a especificidade
do compadrio, assim como as suas múltiplas conexões com outras
instituições sociais relevantes.49
Antônio A. Arantes, por exemplo, retoma a “teoria de família e parentesco contida na
Bíblia” como princípio de sua análise.50 Os temas do nascimento e concepção de Cristo
são encontrados nos Evangelhos segundo São João, São Lucas e São Mateus, lembra
Arantes. Nessa releitura, podemos perceber como, ao conceber o filho de Deus de
maneira imaculada, a virgem Maria tem um filho livre do pecado original. José, que se
casa com Maria apesar de sua gravidez, respeitando e acreditando em seu caráter divino,
transmite a Jesus seu nome e descendência. Ou seja, há duas identidades contidas nessa
criança sagrada: uma mística, como filho de Deus, outra social, como filho de José e
descendente da linhagem de Davi. Ainda segundo Arantes:
Nas Sagradas Escrituras, encontram-se então dissociados pater
e genitor. O filho da Virgem é, ao mesmo tempo, filho social de José e
biológica e espiritualmente filho de Deus. Dos dois pontos de vista, o
foco incide nas vertentes masculinas do parentesco, a mulher
aparecendo como “a serva do Senhor”, na qual se faz “segundo a sua
vontade”.51
Para o autor, o compadrio é um paralelo a esse processo. Enquanto o pai concede ao
filho a incorporação social, o padrinho, intermediário de sua espiritualidade, lhe fornece
a essência mística. Gudeman vai além, observando, sob a mesma perspectiva, uma
evolução no conjunto de pessoas envolvidas no batizado e em seu significado como
personagens desse rito. Os padrinhos não existiram sempre como padrinhos, já foram
49 ARANTES, A. A. Pais, padrinhos e o Espírito Santo: um reestudo do compadrio. In.: (Vários) Colcha de Retalhos. Estudo da família no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982. P. 197. 50 Ibdem. 51 Ibdem, p. 199.
31
apenas testemunhas do sacramento.52 Dependendo da sociedade e época, existiram
configurações diferentes entre padrinhos e madrinhas. No entanto, desde os primórdios
do batismo, muitos conjuntos de regras foram criados e superados por outros, no intento
de guiar os ministrantes da cerimônia quanto à escolha de padrinhos, e sua conduta
junto à família a qual estaria ligado espiritualmente. Essas regras e proibições variam de
acordo com o contexto, mas há pontos centrais que não mudam, pois de outra maneira
iriam contra o dogma da instituição. Por exemplo, os pais não podem ser padrinhos de
seus filhos e as pessoas ligadas por esse laço não podem contrair casamento ou manter
relações sexuais. Isso porque o batismo estabelece um tipo de parentesco espiritual entre
essas pessoas e, portanto, um caso amoroso envolvendo dois desses elementos seria
incestuoso tal qual uma relação entre familiares próximos.53 Há também outras regras
quanto à escolha dos padrinhos: estes têm que ser católicos, batizados e comungados.54
No caso brasileiro, a Arquidiocese da Bahia regulamentava as instituições católicas
durante o período colonial, e essas regras continuaram válidas no período seguinte,
conforme ditava o Concílio de Trento. Segundo essa regulamentação, além das regras
básicas já citadas, havia também a proibição de ser o vigário a apadrinhar a criança e de
haver segundo padrinho ou madrinha. Era contra-indicado o batismo em que não
estivessem presentes padrinho e madrinha, a exceção estava nos batismos in extremus,
quando a necessidade de atribuir o sacramento a uma criança à beira da morte era mais
importante que a escolha de um padrinho dentro das exigências eclesiásticas ou mesmo
que sua presença. Também era indicado que o batismo fosse ministrado nos primeiros
dias de vida da criança, e que os escravos africanos fossem batizados. No entanto,
sabemos que muitas dessas regras não eram seguidas e que a prática era estabelecida de
forma dissociada do oficial.55
Essa prática era guiada por outras noções além das regras institucionais. Em primeiro
lugar pelo próprio dogma e pela significação do rito. É esse o momento da entrada da
criança no mundo católico, é sua apresentação por seu padrinho a sociedade, como
define Gudeman, além disso, o batismo é símbolo da aceitação do catolicismo pelo
52 GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person. In: Proceedings of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, vol. 0. 1971. Royal Anthropological Institute of Great Britain, 1971. p. 45-71. 53 Há uma brecha nessa questão: a anulação da primeira ligação viabiliza a formalização da segunda. Ibdem. 54 Ibdem. 55 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos Sobre o Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
32
batizando, por intermédio dos batizantes. Acima de tudo, esse sacramento representa a
purificação da alma e sua libertação do pecado original. Nesse momento, como já foi
dito, dissocia-se carne e espírito e se os pais são os principais guardadores da carne, o
padrinho guarda o espírito de seu afilhado e para isso tem suas obrigações.56
Os padrinhos têm a função de guiar a “nova ovelha” pelos caminhos da religião. Têm
que instruí-lo, guardá-lo de desvios e proceder de modo que, com sua ajuda, a criança se
torne um bom cristão. Os clérigos podem ter função semelhante, mas na verdade essas
obrigações individuais cabem ao padrinho; ao padre cabe orientar e olhar pela
comunidade católica de modo geral. Os padrinhos também podem ajudar seus afilhados
em outros aspectos, como na obtenção de melhores condições de vida, na intervenção
em seus conflitos, na facilitação de suas relações sociais. Apesar de não ser essa sua
obrigação, todos esses aspectos se somam na formação moral do jovem cristão e se ele
falhar é uma falha dos padrinhos.57
Estabelece-se então, uma relação muito forte entre os padrinhos, os compadres e o
batizando e esse laço nascido na esfera espiritual, mas que extrapola essa condição, é
projetado no âmbito social.58 Daí podemos averiguar como as relações sociais entre
esses compadres, entre afilhado e padrinhos são expressões59 ou ainda se originam de
solidariedades individuais entre esses indivíduos, podendo ser evocadas em vários
momentos do cotidiano. Há então na escolha dos padrinhos uma grande
responsabilidade. Esse laço durará por toda a vida e além dela, exigindo respeito e
confiabilidade entre as partes. A escolha, para tanto, tem que ser baseada não apenas na
afeição ou simpatia, mas também no respeito que os pais têm pelos compadres, na
possibilidade dos compadres contribuírem para a formação moral e religiosa do
batizando e na imagem que eles projetam perante a sociedade - expressão de sua
correção moral, a qual estará inexoravelmente ligada à imagem do batizando e de seus
pais.60
56 GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person. In: Proceedings of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, vol. 0. 1971. Royal Anthropological Institute of Great Britain, 1971. p. 45-71. 57 Ibdem. 58 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". 59 Defendem alguns autores como Schwartz, Gudeman, Kátia Mattoso e Antônio Arantes. 60 GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person.
33
2.1 SOBRE OS REGISTROS DE BATISMO DE PALMEIRA (1831-1850):
Segundo tudo o que foi discutido, podemos perceber o quão complexas são as relações
de compadrio e a quantos pormenores estão submetidas. Há muito mais que esses
vínculos podem revelar, principalmente no constante às relações sociais por eles
inauguradas. Mas não podemos esquecer que algo importante: o papel da Igreja no
Brasil como administradora ou documentadora de boa parte da burocracia estatal. Os
registros vitais dos habitantes, por exemplo, eram de controle eclesiástico; entre os mais
importantes estão os de nascimento, casamento, batismo e óbito. As paróquias faziam
normalmente muito bem esse trabalho, que seguia regulamentações prévias. Além disso,
havia um alto apelo ao batismo por parte da população, consciente da importância do
sacramento para a vida espiritual e social dos nascidos, e esse apelo vinha de todas as
camadas sociais.61
Os registros de batismos são, portanto valiosas fontes de informação sobre a sociedade
católica, revelando detalhes de suas teias internas que talvez de outro modo não fosse
possível visualizar. Porém há ressalvas a fazer: esses documentos não podem fornecer
um retrato completo de uma sociedade, apenas estão neles retratados alguns
personagens e em poucas informações. Nas palavras de Kátia Mattoso, falando sobre as
relações entre alforriados e libertos, mas estendendo esse juízo a toda a sociedade
brasileira:
Tarefa nada simples, devido precisamente à densa
complexidade desse pequeno mundo risonho e grave, formalista e
entretanto capaz de todas as adaptações, o mundo brasileiro matizado
e vivaz.62
2.1.1 As fontes:
As fontes investigadas nessa pesquisa reúnem os assentos de batismo da Paróquia de
Palmeira inscritos no segundo e terceiro livros batismais, no período que vai de 1831 a
1850. O livro dois contém ao todo 384 registros, entre 1831 e 1834, no entanto, nem
sempre o ano do registro corresponde ao ano do batismo. Há alguns poucos casos em
que, apesar do batismo ter sido feito anos antes, normalmente em casa e com caráter
emergencial, o registro só foi lançado dentro do período em que foi preenchido esse
livro. Os registros seguem a ordem de lançamento, que nem sempre é a mesma da data, 61 BRÜGGER, Silvia M. J. & KJERFVE, Tânia M. G. Compadrio: Relação social e libertação espiritual em sociedades escravistas. (Campos, 1754-1766). In: Estudos Afro-Asiáticos. (20):223-238, julho de 1991; GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". 62 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
34
e alguns não apresentam mais que o ano do batizado. Também não há separação entre
escravos e livres batizados, seus dados são todos anotados no mesmo livro, seguindo
apenas a determinação da data de lançamento. No livro três os registros são muito mais
numerosos e abrangem um período maior: são 1557 registros, de 1834 até o natal de
1850. Novamente encontram-se casos de batismos realizados anteriormente. Do mesmo
modo que no primeiro livro, escravos e livres não estão separados.63
Os registros contêm informações básicas sobre o batizando, seus pais e os padrinhos e
às vezes detalhes preciosos à compreensão dos padrões que poderemos vislumbrar ao
fim da análise. Apesar de detalhadas em alguns pontos, algumas informações só são
fornecidas em poucos assentos, como o estado civil e a condição jurídica. Essa falta de
uniformidade entre os registros e a variação da grafia dos nomes são as principais
dificuldades na análise dos documentos. Entre os dados constantes nesses assentos estão
o nome do batizando, da mãe e do pai (quando este é conhecido), do padrinho e da
madrinha. Além disso, é revelada a data do registro e às vezes a data de nascimento do
batizando, podendo também ser informada a condição civil dessas pessoas. Quando
qualquer dos indivíduos é escravo, consta não só essa condição, mas também o nome do
senhor; a condição de forro também é indicada. É possível que existam observações
sobre cada um dos presentes, como filiação, título (o que inclui não só o titulo próprio,
como dona, ou patentes militares, mas também a titulação de escravo de dona, ou
escravo de tenente, por exemplo) e também o parentesco entre os padrinhos. Há ainda as
observações sobre o batismo que apontam as crianças expostas e a maneira como
ocorreu seu abandono ou detalhes especiais do batizado como a localidade de onde
vieram os presentes, no caso de serem de fora. Em alguns casos ainda, pode haver um
segundo padrinho em lugar da madrinha, mas o registro então segue o mesmo
procedimento dos casos normais.64
Em vários momentos é necessário o cruzamento com outra documentação, como no
caso de homônimos, para verificar a identidade do indivíduo. A lista de habitantes da
freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira, feita no ano de 1835 é um
documento próximo em data e com muitas informações importantes e abrangentes sobre
essa população, e foi utilizada em muitos momentos para identificar parentesco,
condição social, situação econômica de alguns dos registrados nos livros de batismo.
Essa lista traz nome, idade, condição jurídica, estado civil, cor, sexo de cada um dos
63 Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3. 64 Ibdem.
35
habitantes de Palmeira e ainda lista-os de acordo com o domicílio ao qual pertencem. A
produção do domicílio também é informada assim como a relação dos moradores com o
chefe da casa. As informações aí contidas são muito úteis, mas nem todos os nomeados
nos registros batismais são encontrados na lista de 1835. A lista posterior, de 1846, é
pouco esclarecedora, aparentemente identificando apenas a população livre e mesmo
assim, só com nome e idade. Uma das dificuldades de trabalhar com as fontes principais
é que elas não abrangem a sociedade como um todo, apenas aqueles que passaram pela
pia batismal entre as datas referenciadas e suas famílias, nem sempre de modo completo
ou esclarecedor. Se tivermos por ponto de questionamento o ano de 1835, ao qual se
refere a lista de habitantes, documento auxiliar nessa pesquisa, teremos apenas 83
batismos em meio a uma população de 1474 pessoas. Mas, ressalvas feitas, esses são
registros importantíssimos, e seu estudo só pode ser enriquecedor, já que de modo único
eles relacionam famílias, indicam laços de solidariedade e, mesmo que não alcancem
toda a sociedade, certamente permeiam todos os grupos sociais.65
2.2 TRABALHANDO OS DADOS:
O objetivo principal dessa análise é a observação do compadrio envolvendo escravos e
os padrões que podem emergir dela, assim como das formas de compadrio adotadas pela
sociedade como um todo. Portanto, o cruzamento dos dados referentes aos escravos
com a equivalente observação do batismo entre livres é necessário para o contraste
dessas informações, evidenciando alguns detalhes que a princípio passam
despercebidos. Por isso, num primeiro momento, serão ressaltados dados gerais dos
grupos de batizandos, seus padrinhos e madrinhas.
Categorias de batizandos: Livres Escravos Livres filhos
de escravo Escravos
filhos de livres Africanos Expostos Índios
Total 1938
1385
391
22
19
66
43 12
Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
Os batizandos foram divididos em categorias, de acordo com a ascendência e condição
jurídica. Cada uma dessas categorias, devido as suas especificidades, demonstrou
comportamentos diferentes. Olhando para cada grupo separadamente é possível destacar
alguns comportamentos e visualizar padrões. Desse exame surgiram algumas questões
sobre o compadrio em Palmeira que serão discutidas ao longo do texto.
65 Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3 e Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835.
36
Diante dessa divisão percebemos que os livres são maioria, seguidos pelos escravos. Há
outra separação dentro do grupo de crianças escravas: aquelas que são filhas de mães
escravas, mas seus pais são conhecidos e livres e aquelas que, filhas de mulheres livres,
tiveram pais sabidamente cativos foram examinadas separadamente. O estudo individual
desses casos é interessante já que simbolizam grupos familiares com membros livres,
mas ainda vinculados ao cativeiro por meio de seus cônjuges. Aqueles classificados
apenas como escravos são os que tiveram mãe cativa, pai cativo ou desconhecido, e não
foram alforriados ao nascer (o que só foi notado em quatro assentos).
Há casos em que circunstâncias especiais pedem atenção especial: são os de africanos,
crianças expostas e índios. Os africanos são aqueles em que foi declarado serem de
origem africana, ou que, sem ser conhecida sua origem, foram inscritos como adultos
sem o registro da mãe. As crianças expostas, que foram abandonadas à porta de alguma
casa, têm em sua especificidade o desconhecimento das mães naturais e dos pais, ao
menos oficialmente. Os índios, normalmente descritos como gentios de campos
próximos, ou como bugres, são em maioria crianças; em poucos assentos foram
registrada as mães desses batizandos. Esse tipo de separação segue a utilizada por
Gudeman e Schwartz no artigo Purgando o Pecado Original, como parte da metodologia
de análise dos assentos batismais em localidades no Recôncavo baiano entre o fim do
século XVIII e o início do XIX.66
Condição jurídica dos padrinhos e madrinhas de crianças livres e escravas: Afilhado Padrinho
Livre Escravo Filho de escravo e livre
Total
Livre 1350 276 31 1657 Escravo 31 111 10 152 Forro - 2 - 2 Ausente 4* 2** - 6 Madrinha Livre 1254 260 32 1546 Escrava 14 98 5 117 Forra 5 11 2 18 Ausente 112*° 22**ª 2 136 Substituída por segundo padrinho
101 16 2 119
Total 1385º 391 41 1817 Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3. *Em dois a criança foi batizada em articulo mortis; **Em um caso a criança foi batizada em articulo mortis; ° Em 12 casos não houve nem madrinha e nem segundo padrinho; ª Em 6 casos não houve madrinha ou segundo padrinho; º Quatro crianças foram alforriadas ao nascer, todas elas tiveram padrinho e madrinha livres.
66 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII".
37
Mas quem foram os padrinhos dessas crianças? Supondo que seus pais escolheram os
compadres, vemos quais foram as preferências de cada grupo quando ao estatuto
jurídico desses padrinhos. Na maioria dos assentos de batismos de crianças livres, é
clara a predominância de padrinhos também livres. Não se esperaria o contrário, já que
em diversos estudos, para diferentes contextos, o resultado sempre aponta para relações
horizontais, ou verticais ascendentes. Os padrinhos raramente são de condição inferior
aos pais.67 No entanto, mesmo que seja mínima a participação de escravos ou forros
como padrinhos e madrinhas dessas crianças, essa pequena parcela não pode ser
ignorada. Algumas das mães de crianças livres que tem padrinhos cativos são na
verdade mulheres libertas e essa informação foi inscrita nos assentos. Em outros casos
foi possível confirmar sua origem escrava por meio da Lista de habitantes de 1835,
apontadas como pardas ou negras livres. Mas sobre muitas não há qualquer informação
e apesar da suposição ser atrativa, não é possível afirmar que elas tenham ascendência
escrava. O que sabemos com certeza é que a escolha de compadres de condição jurídica
inferior a sua aponta para uma forte ligação dessas mães livres ou libertas com a parte
cativa da sociedade, e também que alguns indivíduos escravos têm respeitabilidade além
dos portões do domicílio de seu senhor.
Entre os escravos, a preferência por padrinhos de mesma condição ou livres é mais
dividida. Apesar de quase um terço dessa população ter padrinhos escravos (28,5%),
que demonstra a procura de laços de compadrio com aqueles que compartilham sua
condição de cativo, a maioria (70,5%), tem padrinhos livres. Entretanto, os livres que
batizam escravos não são arte de um grupo homogêneo: entre eles, há desde pardos e
negros livres, até familiares de fazendeiros bem sucedidos. Há uma significativa
presença da figura do segundo padrinho nos assentos batismais referentes aos escravos
crioulos. Entre os escravos, 369 dos batizandos tiveram madrinhas. A ausência delas foi
pequena, mas importante, já que seria essa uma presença obrigatória segundo a
Constituição Primeira do Arcebispado da Bahia.68 A escolha das madrinhas entre os
escravos segue a tendência dos padrinhos, com preferência por mulheres livres.
67 Ibdem; SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001; BRÜGGER, Silvia M. J. & KJERFVE, Tânia M. G. Compadrio: Relação social e libertação espiritual em sociedades escravistas. (Campos, 1754-1766). In: Estudos Afro-Asiáticos. (20):223-238, julho de 1991. 68 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII".
38
Entretanto há maior escolha de forras para estabelecer o compadrio. Enquanto apenas
um padrinho é forro, 11 madrinhas têm essa condição. São poucos os forros apontados
como tal nas listas batismais e é provável que alguns dos livres tivessem essa condição,
mas a informação pode ter sido ignorada pelo pároco. Se essa possibilidade é real, ela
aponta para a conquista pelos forros de uma posição mais elevada, que mudasse seu
status. Em determinado momento, eles teriam deixado de ser forros para passarem à
condição de livres.69 Mas, como evidenciam os registros de batismo, havia uma forte
identificação dos forros com os escravos, talvez mais que com a sociedade livre.
Os filhos de escravo com livre, que seguiram a condição da mãe (dezenove deles são
escravos e vinte e dois são livres), tiveram chances de ter padrinhos escravos em
proporções muito próximas a dos batizandos do grupo “escravo”. Praticamente um terço
de padrinhos cativos, enquanto dois de padrinhos livres. As madrinhas escravas são
ainda menos numerosas, apenas cinco entre as 39. Duas delas são forras. Há um
segundo padrinho em dois batismos, um deles livre e outro cativo.
Nesse primeiro olhar lançado sobre os batismos pode-se perceber algumas situações se
delineando. O padrinho era essencial, presente em praticamente todos os batismos,
enquanto a madrinha, mesmo que valorizada, às vezes ficou ausente, o que não impediu
a realização do rito. Algumas vezes, a madrinha foi substituída por um homem, um
segundo padrinho, o que é incomum segundo vários estudos de compadrio.70 E nesse
caso tanto escravos como livres, e veremos a diante, também os africanos, expostos e
índios, têm ao menos um caso em que a madrinha é substituída por essa presença
masculina.
As madrinhas ainda mostram outra especificidade. Entre elas houve mais forras que
entre os padrinhos, sobretudo quando se tratou de batizados de escravos. As forras, além
disso, batizaram sempre ao lado de um padrinho cativo, assim como o padrinho forro,
que batizava ao lado de uma madrinha escrava. Essa situação se repete com os outros
tipos de batismos quando um dos padrinhos era liberto.
Essa troca de laços entre escravos e livres pobres ou libertos é o que mais sobressai no
quadro geral dos batismos em Palmeira. Percebemos um espaço entre o cativeiro e a
liberdade onde circula uma pequena, mas significativa parcela da população. Esse
69 Essa questão é abordada por Kátia Mattoso, comparando Bahia e São Paulo, locais nos quais os libertos e mulatos livres apresentam comportamentos diferentes quanto à população branca. MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. 70 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII"; SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
39
“limbo”, no sentido de espaço entre duas esferas bem definidas, permitiria relações de
diversas naturezas entre escravos e livres, manteria vivas ligações afetivas, familiares e
econômicas, além de tantas outras.71
Uma das preocupações principais dessa pesquisa é definir padrões nas relações de
compadrio envolvendo escravos, para isso, serão examinados a seguir dados referentes
às crianças escravas batizadas durante o período. Em seguida serão detalhadas as
relações de compadrio de filhos de escravas com homens livres, ou filhos de mulheres
livres com pais cativos.
2.2.1 Os batizados de crianças escravas:
Se nos concentrarmos um pouco nos batismos de crianças escravas, ou seja, aqueles em
que mães escravas escolhem os padrinhos de seus filhos, poderemos ver até onde se
estendem essas relações, quais são as preferências dessas mães para compadres e que
fatores podem demarcar essa escolha.
Padrinhos de crianças escravas em relação ao senhor do afilhado: Em relação ao afilhado
Mesmo Senhor
Outra escravaria
Forros Parentes do senhor
Outros livres
Senhor do afilhado
Padrinho 17 94 2 36 239 1 Madrinha 15 83 11 28 231 1 Segundo padrinho
2 7 -- 2 5 -
Total: 391 assentos Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
Separando os padrinhos dessas crianças em grupos, de acordo com suas vinculações
parentais (para os livres) e limites de propriedade (para os escravos), temos um quadro
mais claro dessas relações. A maioria dos padrinhos e madrinhas de crianças cativas é
livre como já vimos. Entre eles, 86,5% não fazem parte da família do senhor de seu
afilhado, ao menos esse parentesco não foi identificado nas fontes. Para as madrinhas
esse percentual aparenta ser um pouco maior, porém o resultado pode ser um pouco
diferente pela dificuldade em identificá-las - pela presença de homônimos e a mudança
constante da grafia de seus nomes completos. Percebe-se que uma pequena parcela teve
padrinhos e madrinhas que eram parentes de seu senhor, e isso parece acontecer com
mais freqüência nas famílias de proprietários com maiores contingentes de escravos.
Apenas em dois casos o próprio senhor apadrinhou seus escravos. 71 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; MACHADO, Cacilda. "Casamento & Compadrio: estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR)". In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2004.
40
Entre os padrinhos e madrinhas escravos dessas crianças, aproximadamente 15%
pertenciam ao mesmo senhor. Quanto os outros, alguns deles tinham senhores
aparentados dos proprietários de seus afilhados, e alguns poderiam estar vinculados ao
mesmo domicílio, mas para manter a precisão da análise foram contados apenas os que
pertenciam ao mesmo senhor, independente de dividirem o mesmo domicílio. Como a
maioria das escravarias era pequena, um fator pode ter levado esses pais a escolherem
compadres de outros domicílios: alguns não tinham muitas opções dentro da própria
escravaria e a solução foi criar laços fora dela. Essa possibilidade para regiões onde os
escravos estão em pequenos números dentro de cada propriedade já foi apontada por
Schwartz, para Curitiba no início do século XIX.72 Mas também é provável que essas
relações fossem utilizadas também para fortalecer laços entre os senhores dos padrinhos
e dos afilhados, como teoriza João Fragoso para os casos que estudou no Recôncavo da
Guanabara dos séculos XVII e XVIII. Além disso, seria essa uma forma de expandir o
círculo social das famílias escravas.73
As escravarias de Palmeira poderiam ter esse efeito, levando em conta que muitos dos
domicílios tinham poucos cativos, normalmente menos de seis.74 Grande parte dos
cativos era de crianças ou jovens, o que diminui as chances de serem escolhidos como
padrinhos. Isso completa também a impressão de que em escravarias maiores o
compadrio entre escravos do mesmo senhor foi mais fácil, já que nessas escravarias
havia, pela quantidade de pessoas, chances maiores de escolha dos compadres. Também
é possível visualizar as “trocas” de padrinhos escravos entre proprietários: alguns
escravos dos maiores proprietários se batizaram entre si com freqüência. Não significa
que eram sempre os mesmos escravos, apesar de alguns se sobressaírem no papel, nem
que eles estavam batizando filhos de seus próprios compadres, mas que entre alguns
escravos de determinados proprietários se formou uma teia de relações de compadrio.
Portanto, há uma forte ligação entre essas escravarias, assim como esses núcleos
familiares da elite escravista do local que muitas vezes faziam parte de um mesmo
tronco familiar que se mantém parcialmente fechado em seus laços. Essa questão será
aprofundada no capítulo seguinte.
72 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. 73 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J. Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 74 Considerado o panorama de Palmeira em 1835, segundo a Lista de habitantes referente a esse ano.
41
Olhando apenas para os padrinhos escravos, independente de que tipo de afilhado eles
estavam apadrinhando, vemos que eles batizaram ao lado de madrinhas livres apenas 29
vezes. A maioria de seus afilhados nesses casos eram escravos (17 ao todo), mas há
muitas crianças livres (12), inclusive uma indígena. Em nenhum desses casos o
padrinho era escravo da madrinha. Gudeman e Schwartz percebem em suas
investigações que nos poucos casos em que os padrinhos tinham condições desiguais, a
madrinha tendeu a ser socialmente inferior ao padrinho. Entre os padrinhos também
existe certa noção de igualdade, ao menos quanto à relação espiritual com os compadres
e o afilhado. Seria contraditório à ordem social que um escravo e sua senhora, ou o
contrário, fossem padrinho e madrinha lado a lado, igualando seu valor. Já os padrinhos
escravos que batizaram sem a presença de madrinhas são 20 ao todo, mas apenas em
seis assentos a madrinha faltante não foi substituída por outro padrinho.75
Quando tanto afilhado quanto padrinhos eram escravos, notamos que, entre 77, apenas
quatro casos reuniram cativos de mesmo senhor. No entanto, em 38 casos, o padrinho e
a madrinha são do mesmo senhor, enquanto a criança pertence a outro. São também 29
assentos em que a madrinha escrava batizou junto a um padrinho livre. Em 22 desses
casos o afilhado era cativo, mas apenas um africano. Apesar de claramente haver uma
relação de parentesco entre alguns dos senhores de escravos batizados e os padrinhos
dessas crianças, não há relação identificável entre eles e os senhores das madrinhas.
Chama a atenção, nesse último exame, a exclusão dos africanos dessa conjuntura. Se
entre as crianças escravas a chance de ter um casal de padrinhos em condições jurídicas
desiguais era pequena, para os africanos ela era quase nula.
2.2.2 Filhos de livres e escravos:
Os assentos de batismos daquelas crianças que tiveram mãe escrava e pai livre, ou mãe
livre e pai escravo, receberam atenção especial. Trata-se de famílias de condição mista,
que podem indicar por meio do compadrio, o uso de estratégias de libertos e cativos
para obter mais espaço na sociedade dos livres ou de manter vivos os laços com os
escravos e a antiga escravaria.
Foram listados padrinhos, madrinhas, pai, mãe e o senhor daqueles que eram escravos,
os quadros que reúnem esses dados estão em anexo. Aconteceram 41 batismos desse
tipo, separados de acordo com a condição da mãe do batizando. Como a condição
75 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”.
42
dessas crianças é controversa, elas acabam sempre por “seguir o ventre”, critério que é
comumente aplicado pelos senhores para requerer direito de proprietário sobre a criança
caso sua mãe seja escrava. Por isso, esses assentos foram divididos em dois grupos: um
com dezenove batizandos que, filhos de escravas, permaneceram no cativeiro; outro
com vinte crianças livres, seguindo o ventre. Para facilitar a visualização desses laços,
os dados gerais estão reunidos em quadros.
Crianças escravas, com mãe escrava e pai livre: Padrinho Madrinha Livre 16 16 Escravo 3 2 Total 19 18*
Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3. *Um caso com ausência da madrinha, que foi substituída por um segundo padrinho livre.
Os padrinhos foram sobretudo senhores de escravos ou livres pobres. Entre os senhores
identificados não estão grandes proprietários. Pode ser que entre os pobres livres
estivessem alguns libertos, mas por terem nomes muito comuns não foi possível atestar
sua identidade. Apenas duas mães recorreram a escravos para o batismo de seus filhos,
são elas Brígida, escrava de Felisberto dos Santos que teve cinco filhos batizados nessa
época e Mariana, cativa de Francisco das Chagas. Três filhos de Brígida tiveram
padrinhos escravos, sua filha Teresa teve também a madrinha nessa condição, já o filho
Calixto teve como madrinha uma parda livre. A escrava Mariana teve uma escrava
como comadre. Os pais das crianças são em algum momento referidos como forros, e
por vezes indica-se o estado civil de casado. Mesmo que esses companheiros não
tenham sido oficialmente casados durante todo o período em que tiveram seus filhos e
os batizaram, vemos que eram relações estáveis aquelas apresentadas. Em nenhum caso
os pais foram referidos como solteiros ou essas crianças como ilegítimas.
A formação de família é mencionada por alguns autores, como Robert Slenes, Roberto
Góes e Manolo Florentino, como um meio de obter alguma estabilidade na senzala,
melhorar as chances de negociação com os senhores. Também funciona como unidade
que consegue resguardar e manter viva uma cultura escrava que junta elementos
africanos com brasileiros e permanece em constante mudança. A família também pode
representar uma via facilitadora da liberdade.76 Mas essa é uma via de mão dupla: ao
mesmo tempo em que traz vantagens ao escravo, pode prejudicá-lo e ser positiva para o
76 SLENES, Robert. Na senzala uma flor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999; FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 – c.1850. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1997.
43
senhor. Como observam Góes e Florentino, a família também atrela o cativo à
escravaria, inibe fugas ou revoltas mais violentas, pacifica sua relação com os
proprietários. Então, mesmo que seja uma maneira eficaz de obter estabilidade, maior
status e um passo a mais para a liberdade, as formações familiares podem ter resultados
não tão compensadores e às vezes cruéis. Um caso que exemplifica bem essa questão é
o de Rita. Escrava de Joaquim Pinto, segundo consta no assento do batismo de seus
filhos, ela pode ser também a escrava Rita da viúva Maria Inácia Martins, que
novamente consta no livro. Essa possibilidade se deve ao nome do pai, em ambos os
assentos, ser o mesmo: José da Silva, um forro. Se a informação está correta, então
podemos ver que seus filhos são todos escravos, mesmo sendo seu companheiro um
homem alforriado. Cruzando os dados com a Lista de Habitantes de Palmeira de 1835,
encontra-se Rita já como escrava de Joaquim Pinto, que pode tê-la comprado da antiga
proprietária, enquanto a filha Joaquina na aparece. No domicílio de Maria Inácia,
senhora anterior da mãe, há uma menina escrava chamada Joaquina, de idade
correspondente à da filha de Rita. Portanto, considerando verdadeiras as hipóteses
acima, o casal não conseguiu a liberdade de seus filhos ou de Rita. Mãe e filha foram
separadas.77
Cacilda Machado, estudando trajetórias de casais mistos, se deparou com uma variedade
de resultados para a condição jurídica das famílias formadas por esse tipo de casamento.
Os assentos de batismo foram um apoio importante para acompanhar esses resultados
em longo prazo. A autora percebeu que, assim como alguns indivíduos escravos ao
casarem com livres conseguiram a alforria, a maioria acabou vinculada ao senhor do
cônjuge escravo, acabando numa condição de escravidão informal.78
Crianças livres, com mãe livre e pai escravo: Padrinho Madrinha Livre 15 17 Escravo 7 4 Total 19 21*
Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3. * Um caso com ausência da madrinha, que foi substituída por um segundo padrinho escravo do mesmo senhor que o pai da criança.
77 Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3 e Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835. 78 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; MACHADO, Cacilda. "Casamento & Compadrio: estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR)". In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2004.
44
Ao primeiro olhar já percebemos entre os padrinhos e madrinhas das crianças filhas de
mulheres livres com pais escravos uma presença maior de cativos: sete padrinhos e
quatro madrinhas, além de duas batizantes com condição jurídica de forra declarada no
assento. Um casal em específico demonstra preferência por compadres escravos ou
alforriados. São eles Constância Maria, forra, e Antônio, escravo de Manoel de Paula
Teixeira. Entre seus seis filhos, quatro tiveram padrinhos escravos, entre as madrinhas
havia uma escrava e ao menos duas forras. Outras famílias do grupo tiveram esse
comportamento de modo menos acentuado. Mesmo com maiores chances de essas
crianças terem padrinhos escravos e forros, normalmente os padrinhos e madrinhas
foram senhores de escravos, algumas vezes familiares do senhor de seu compadre
cativo.
Comparando os dois grupos, as diferenças são sutis. A pequenez do conjunto dificulta o
destaque de diferenças. Porém, é perceptível que entre os padrinhos e madrinhas das
crianças livres (as filhas de mulher livre e homem escravo), a presença de escravos se
avoluma, enquanto que, como compadres de mães escravas, esses cativos só aparecem
em casos isolados. Se pensarmos que eles fazem parte de um mesmo grupo, e que o
objetivo de obter a liberdade para os membros da família é coerente com todos esses
casos, então porque, quando separamos os assentos da maneira proposta, eles passam a
indicar direções opostas em suas tendências de relações de compadrio?
Talvez a condição do afilhado influenciasse a escolha no sentido de que, quando o filho
era escravo, os pais preferiram que ele tivesse padrinhos livres para, quem sabe,
intercederem por ele em problemas futuros, como acontece com os outros batizandos
cativos. Havia também a esperança de que vínculos com pessoas livres facilitassem a
conquista da alforria para os filhos. Além disso, esses laços poderiam significar uma
valorização do status social da família e prover relações futuras com mais pessoas
livres. É um meio de chegar perto da sociedade livre mesmo sem pertencer a ela, na
esperança de colher frutos positivos dessa proximidade. Essas relações também sugerem
que, como observa Fragoso, houvesse uma aproximação entre famílias e mais, entre as
famílias senhoriais aparentadas ou entre aqueles com quem mantinham relações
clientelísticas.79
No entanto, a preservação de laços com escravos, principalmente pelos pais que tiveram
filhos livres, fortalece a percepção de que a alforria não subtrai o liberto de seu meio
79 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)".
45
antigo – sobretudo nesse caso em que ao menos a mãe da família ainda estaria presa ao
cativeiro. A manutenção ou formação de vínculos com alguns elementos desse meio era
desejável e valorizada. A maioria desses padrinhos escravos pertencia ao mesmo
proprietário do pai da criança, que em muitos casos deveria ser também antigo senhor
da mãe, então vemos que os laços não são com elementos isolados, mas com a antiga
escravaria. Além disso, esse poderia ser mais um meio de manter essa família presa ao
cativeiro no entendimento do senhor.
Com todos esses dados explorados, entende-se que os padrões estabelecidos para a
escolha de padrinhos são próximos aos encontrados por Gudeman e Schwartz na Bahia,
mesmo que os contextos sejam muito diferentes. O tamanho das escravarias de
Palmeira, muito menores que as presentes no ambiente estudado pelos autores, interfere
nas diferenças identificadas, mas outra questão deve ser levantada.80
A escolha dos padrinhos, acredita-se, partiria dos pais da criança. Mas não seria uma
escolha dupla, já que é um convite aos possíveis compadres? É aceitável que os pais ou
a mãe da criança almejassem relações de compadrio que representassem de um modo ou
de outro, vantagens para seus filhos apadrinhados ou mesmo para toda a família. Esse
desejo poderia ser o de fortalecer laços afetivos, aumentar o status social, apostar na boa
intenção dos compadres de melhorar as condições de vida de seu filho ou mesmo de
agraciá-lo com alguma herança, ou então aproximar as duas famílias. As motivações
que levam à aproximação de pais e padrinhos não podem ser alcançadas por nós de
maneira direta, apesar de podermos vislumbrá-la por alguns instantes pelas pistas que
nos deixam as fontes.
Mas essas relações têm duas pontas, e na ponta dos padrinhos, há a responsabilidade de
um vínculo eterno com o afilhado e a necessidade de respeito, confiança e solidariedade
para com os compadres. Portanto, a decisão de aceitar o convite e batizar a criança
deveria ser bem avaliada.81 Muitos dos padrinhos, e madrinhas, aos quais somos
apresentados pelo livro de batismos, constam várias vezes nos registros. Sua presença
repetida é sinal de que lhes é atribuído valor como ocupante desse papel, e
provavelmente em outros campos da sociedade, então pode ser que eles filtrassem esses
batismos, escolhessem quem iriam batizar. Muitas possibilidades derivam dessa idéia:
senhores que batizam escravos de outros senhores poderiam usar esse laço como forma
80 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”. 81 Novamente chamo a atenção para a relação de solidariedade, nos termos de Gudeman. GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person.
46
de vínculo entre as famílias dos proprietários (batizando escravos não deixam de batizar
dependentes de alguém).
2.2.3 Africanos, expostos e índios:
Os assentos de africanos, crianças expostas e indígenas foram analisados
separadamente, observadas as especificidades desses batizandos. A principal diferença
para os outros batismos é a não participação da mãe na escolha dos compadres. Os
escravos novos não têm mãe ou família conhecida, ao menos as fontes não permitiram
esse tipo de associação. Alguns eram ainda crianças, mas a maioria já era adulta ao ser
batizada. As crianças expostas são as que foram abandonadas pela mãe em alguma casa
da freguesia e acolhidas por essa família, oficialmente a mãe dessas crianças não é
conhecida. Os indígenas, todos acima de oito anos, aparecem algumas vezes como
expostos ou é referido que foram criados por determinada família branca. Apenas três
deles tiveram o nome da mãe registrado, o que contraria a regra geral da não
participação das mães no compadrio, mas para demarcar a participação indígena nessa
sociedade, esses assentos foram analisados junto aos dos outros índios e não aos de
livres comuns.
Padrinhos e madrinhas de Africanos, expostos e índios, Palmeira (1831-1850): Afilhados
Padrinho Africanos Expostos Índios Total
Livre 42 43 11 96 Escravo 21 - 1 22 Forro 3 - - 3 Ausente - - - - Madrinha Livre 33 40 7 80 Escrava 17 - 1 18 Forra 1 - - 1 ausente 15 3 4 22 Segundo padrinho
8 3 2 13
Total 66 43 12 121 Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
Os expostos e índios tiveram quase sempre padrinhos livres. Apenas dois índios tiveram
padrinho ou madrinha escravo, mas com um número tão pequeno é difícil afirmar que
as relações entre indígenas e escravos, ao menos a demonstrada pelo compadrio, fossem
pouco significativas. A ausência de madrinhas foi relevante para esse pequeno número,
e também a sua substituição por um segundo padrinho.
Há ainda mais um detalhe interessante: entre os expostos, em 13 casos os padrinhos
eram os próprios receptores das crianças ou então pertenciam à família e 12 madrinhas
também eram da família receptora. Essas escolhas de padrinhos apontam para um
47
interesse menor dessas famílias em, por meio do compadrio, fortalecer laços com outros
domicílios por meio dessas crianças. É possível também que as crianças nessa situação
não fossem muito atrativas para se apadrinhar. Os batismos que tiveram padrinhos e
madrinhas receptores dos expostos indicam também, ao menos nesses casos, além da
possível pressa do batismo e a conseqüente dificuldade de encontrar padrinhos, uma
vontade de manter essas relações dentro do domicílio, ligando a criança à família de
modo irreversível.
Quanto aos escravos novos, sua situação é bem diferente. Recém chegados e destinados
ao trabalho escravo, eles ainda não tinham vínculos com essa sociedade, nem com
escravos e menos ainda com livres. A importância de construir novos laços foi também
muito grande para os africanos, pois o compadrio compreende solidariedade entre os
envolvidos. Além disso, ele poderia trazer outros benefícios aos quais os escravos
crioulos tinham maior acesso.82
Foram poucos os batismos de africanos, mostra da pequena participação desses escravos
nos planteis paranaenses. No entanto é um período de maior entrada desses escravos
novos na 5ª Comarca por meio de Paranaguá; em Palmeira, alguns proprietários eram
compradores de africanos, como Domingos Inácio de Araújo. Entre 1831 e 1833 os
batismos desses escravos foram mais numerosos, voltando a acontecer entre 1839 e
1842 em menor quantidade e mesmo em 1850, quando quatro africanos foram batizados
poucos meses antes da aprovação da Lei Euzébio de Queiroz, proibindo definitivamente
o tráfico atlântico que não tinha parado com a criminalização desse comércio em 1830.
Era um ambiente de impunidade e de insistência na escravidão como base do sistema
econômico, dando margem a fraudes e a burla de regras, o que certamente afetou
também o registro dos batismos. Por isso, as fontes devem ser olhadas com alguma
desconfiança, e devemos contar com a inexatidão de dados como idade e origem.83
Os assentos de batismos de africanos são 66. Entre eles, a maioria registrara padrinhos
de condição livre, enquanto menos de um terço apresentou padrinhos escravos. Os
padrinhos com a condição jurídica de forro indicada foram apenas três. Comparados
com a escolha de padrinhos em outros grupos de batizandos, esse levantamento revela
82 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; MACHADO, Cacilda. "Casamento & Compadrio: estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR)"; LIMA, Carlos A. M. ; MELLO, K. A. V. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas de absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835). Afro-Asia (UFBA). Salvador, v. 31, p. 127-162, 2004 83 LIMA, Carlos A. M. Tráfico Ilegal para a Fronteira Agrária: Domingos Inácio de Araújo (1830-1851). Anais do 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba, 2009
48
uma pequena, porém significativa diferença. Apesar dos padrinhos e madrinhas livres
de africanos representarem a maioria, os de condição escrava crescem em importância.
Nesse sentido, a tendência de se ter pessoas livres apadrinhando africanos vai à
contramão do observado por Gudeman e Schwartz no Recôncavo baiano, onde os
escravos africanos eram batizados sobretudo por outros escravos. No entanto, havia uma
diferença brusca entre a formação das escravarias baianas e as paranaenses, essa questão
foi levantada pelo próprio Stuart Schwartz num texto que compara o compadrio escravo
em Curitiba e na Bahia. Para o autor, o tamanho das escravarias, muito pequenas no
planalto curitibano, dificultaria a um escravo novo o acesso a padrinhos cativos e a
escolha predominante de livres para esse papel era afetada por essa característica.84
Como já foi esclarecido, os padrinhos, além de parentes espirituais de posição superior
ao afilhado, também compartilham da responsabilidade pela instrução espiritual e moral
da criança e indiretamente pelo seu bom encaminhamento social. Essa relação então
avança sobre o âmbito social e os padrinhos mantêm com seus compadres ou afilhados,
laços de respeito e normalmente uma convivência mais aberta e constante do que seria
sem a existência desse tipo de vínculo.85
Segundo Gudeman e Schwartz, no caso de africanos esses padrinhos poderiam atuar na
ambientação do novo escravo à rotina de trabalho na propriedade e à sociedade na qual
agora estava inserido, agindo como tutores do afilhado, que não tinha pais ou família a
qual recorrer nesse momento. Os autores apresentam uma teoria sobre o batismo de
africanos, aplicável àquele contexto baiano que estudaram, onde os padrinhos de
africanos eram principalmente os escravos do mesmo plantel. Nessa situação, os
proprietários desses africanos poderiam estar interferindo no estabelecimento dessas
relações, indicando ou convidando seus próprios escravos a batizar os novos cativos
africanos. Os padrinhos seriam em partes responsáveis pela "civilização" e adequação
dos africanos tanto ao ritmo de trabalho quanto aos códigos de conduta da sociedade e
ao cativeiro. O batismo teria uma função, nesses casos, destacada por Roberto Góes e
Manolo Florentino em A Paz na Senzala, de justamente manter a ordem e pacificar a
convivência entre os escravos e destes com o senhor.86
84 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”; SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. 85 GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person. 86 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”; FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas:
49
Em Palmeira, como visto, os padrinhos de africanos foram preferencialmente livres.
Entre os 21 padrinhos escravos de africanos, um terço pertencia ao mesmo senhor (7),
entre as 17 madrinhas cativas, cinco delas eram escravas do senhor do afilhado. Isso
mostra que a procura por padrinhos escravos que, pertencendo à mesma escravaria,
ajudassem o africano em sua adaptação pode ter acontecido, mas não foi o que melhor
definiu as relações de compadrio desses africanos. Mesmo que seu senhor estivesse
interferindo na escolha dos padrinhos, eles teriam que vir de fora, dos vizinhos, na
maioria dos casos. Mas isso, como aponta Schwartz, é sinônimo de maior alcance da
sociabilidade escrava que pode ter reflexos no compadrio.87
De qualquer forma, ao observar esses padrinhos escravos de africanos, vemos que a
idade mínima entre eles era de 25 anos e a maioria tinha mais de trinta, isso entre
aqueles que puderam ser encontrados na Lista de Habitantes de Palmeira em 1835. A
exceção é Manoel, que tinha 20 anos em um dos batismos, considerando que a idade
anotada na Lista de Habitantes estivesse correta. Com algumas exceções como Júlio,
que batiza apenas uma vez no período, eles estão no papel de padrinhos por várias
vezes, assim como as madrinhas, com o detalhe de que elas eram mais novas. Então,
independente de serem escravos de mesmo senhor, os africanos tinham como padrinhos
homens mais velhos e com algum respeito dentro do meio escravo por serem padrinhos
também de outros escravos. Robert Slenes, em Na Senzala uma Flor, não deixa de notar
que dentro das escravarias, seguindo padrões africanos, os homens mais velhos,
sobretudo os crioulos, estavam numa posição de poder em relação aos outros. Não
foram encontrados muitos africanos batizando africanos, apenas José, cativo viúvo que
tinha 68 anos ao batizar a africana Joana em 1831, e Antonio Congo, liberto casado com
66 anos ao batizar Francisco. Outro ponto importante é que em 11 casos, o padrinho e a
madrinha eram escravos do mesmo senhor.88
Se essas relações não foram, como as que Gudeman e Schwartz observaram na Bahia,
usadas para dar alguma estabilidade à adaptação do africano às novas condições de vida,
elas talvez estivessem fortalecendo laços entre senhores, por meio do compadrio entre
seus escravos, como João Fragoso verificou no Recôncavo da Guanabara. Mesmo o
apadrinhamento de africanos por pessoas livres poderia evidenciar relações de
Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 – c.1850. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1997. 87 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. 88 SLENES, Robert. Na senzala uma flor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999; Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835.
50
clientelismo entre o senhor desse escravo e os padrinhos, já que é difícil acreditar que
em todos esses casos houvesse algum laço preexistente entre esse escravo recém
chegado e uma pessoa livre, mesmo pobre, que motivasse o apadrinhamento.89
O Arcebispado da Bahia também havia definido que um africano deveria ser batizado,
para ter a alma salva deixando de ser pagão, mas que para isso ele precisaria de
educação e instrução nos saberes católicos, ou ainda, tornar-se minimamente
“civilizado”, assim sendo possível a ele compreender o porque do batismo e de ser
cristão. O rito em questão seria uma importante forma de civilizar esse indivíduo. Não
obstante, o africano percebia que o batismo lhe daria um status mais valoroso. Mesmo
entre os próprios africanos, haveria certo desprezo pelos que não foram batizados e
esses indivíduos, que já estavam na pior posição possível nessa sociedade, teriam ainda
menos chances de progredir de alguma forma, de serem aceitos entre os próprios
escravos, caso lhes faltasse o sacramento maior da Igreja Católica.90 Então, não
podemos excluir a possibilidade de que os próprios africanos escolhessem seus
padrinhos e que eles escolheriam padrinhos livres por entender que esse vínculo seria
valioso.
Outra constatação interessante é que quando os padrinhos de africanos foram escravos,
eles batizaram sempre ao lado de madrinhas de condição igual ou forras. O mesmo
acontece com as madrinhas escravas; em apenas um caso é observável a madrinha
escrava ao lado de um padrinho livre. O que vai de encontro ao observado também nos
assentos batismais de outros grupos, para os quais o estatuto legal do padrinho e da
madrinha tende a ser igual. Quinze batizandos africanos não tiveram madrinhas, o que
representa um percentual um tanto elevado, considerando a fração de outros grupos que
também não tiveram madrinha. Mas eles também tiveram um segundo padrinho em oito
dos casos, figura incomum que requer uma análise mais atenta.
2.2.4 Segundo padrinho:
A presença de um segundo padrinho é considerada excepcional no estudo do compadrio
em várias localidades. Como lembram Gudeman e Schwartz, o Concílio de Trento, que
instituiu normas para o compadrio, estabelece que um homem e uma mulher devem
apadrinhar a criança (ou adulto), mas as formações desse núcleo podem variar de acordo
89 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". 90 KOSTER, Henry. Travels in Brazil. 2v. Philadelphia: 1817, 2, p. 198-99. Citado por Schwartz, Stuart. Escravos, Roceiros e Rebeldes. P. 270.
51
com região ou período, sendo comum em muitas culturas a deturpação dessa regra
geral.91 Gudeman analisa alguns desses fenômenos, chegando a casos em que foi
comum santas serem escolhidas e registradas como madrinhas, onde havia mais de um
casal como padrinhos, etc. Em um desses panoramas, numa localidade rural no Panamá
do século XX, ele se depara com a configuração de duas madrinhas e um padrinho no
núcleo batismal, porém, o padrinho tinha mais destaque que as madrinhas.92 Seria um
fenômeno próximo em significado da expansiva utilização de dois padrinhos em
Palmeira, que foi amplamente aceita mesmo indo contra o recomendável pela Igreja.
Levantando os assentos onde homens substituem as madrinhas, foram encontrados 132
casos distribuídos por todos os grupos de batizandos anteriormente analisados. O
quadro a seguir mostra qual foi a formação desses núcleos e que tipo de afilhados
tiveram.
Condição jurídica do padrinho e segundo padrinho, conforme tipo de afilhado: Afilhados Padrinhos
escravos 1º livre 2º cativo
1º cativo 2º livre
Padrinhos livres
1º forro 2º escravo
Escravos 6 3 - 8 - Livres 5 3 1 93 - africanos 2 - - 4 2* Expostos e índios
- - - 5 -
13 6 1 110 Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3. *esses dois africanos foram batizados no mesmo dia pelos mesmos padrinhos, e tem também o mesmo senhor.
O que acontece nos assentos batismais de Palmeira é absolutamente incomum, muito
mais freqüente que em outros estudos nos quais se encontram essas formas de
compadrio. Schwartz apontou que ocasionalmente, em Curitiba, constavam nos
registros dois homens como padrinhos, mas ele não indicou que fosse uma quantia
significativa e nem que a ausência de madrinhas fosse relacionada com freqüência a
essa formação. Em Palmeira, mesmo que os batismos que tenham um padrinho a mais
em substituição à figura feminina sejam menos de 7% do total de 1940, essa estimativa
é alta, dada a anormalidade da situação; mais alta, por exemplo, que o percentual de
falta de madrinhas para Curitiba segundo Schwartz.93
91 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”; GUDEMAN, Stephen. Spiritual Relationship and Selecting Godparent. In: Man, New Series vol. 10. (2). Jun. 1975. Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, 1975. p. 221-237. 92 GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person. 93 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes.
52
A presença do segundo padrinho foi maior nos assentos referentes à população livre, e
esses padrinhos também foram em maioria livres. Em harmonia com o que ocorria entre
padrinho e madrinha, foi muito mais comum que os dois padrinhos compartilhassem a
mesma condição jurídica; quando não, o primeiro padrinho tendeu a ser de condição
superior à do segundo. Também foi identificado o parentesco entre muitos dos
padrinhos, sendo normalmente pais e filhos, mas a maior parte deles não tinha nenhum
parentesco próximo identificável.
Foi representativa a presença de escravos como substitutos das madrinhas em assentos
batismais de cativos. Apesar de a maioria dos padrinhos ainda ser de condição livre,
houve escolha de um batizante livre e outro escravo, ou de dois escravos em nove casos,
que são mais da metade dos que apresentam dois padrinhos. Isso frisa a presença
escrava, mesmo que de maneira secundária. Assim, essas relações poderiam ser
diversificadas, com o padrinho preferencial livre, que poderia trazer todas aquelas
vantagens já discutidas para os afilhados e famílias escravas, e, aliado a isso, um
padrinho escravo que poderia amparar o afilhado em questões não alcançadas
cotidianamente pelo padrinho livre.
Percebe-se também que os afilhados livres que tiveram dois padrinhos escravos (cinco
ao todo), não eram crianças legítimas. Essa questão pode não ter sido decisiva na
escolha dos padrinhos de modo geral, mas certamente diminuía o status da família ou da
criança, além de se referir à população livre mais pobre, que em parte era não branca e
poderia ter vínculos parentais com esses padrinhos. Os assentos de batismos de
africanos, que também tiveram casos de dois padrinhos, foram os únicos a ter um forro
como padrinho principal. Esses dois escravos novos foram batizados no mesmo dia, e
tiveram os mesmos padrinhos, apontando para uma possível intervenção do senhor na
escolha dos batizantes.
A impressão geral que fica desse levantamento é que o papel de segundo padrinho foi
mesmo em substituição à madrinha e, assim como a madrinha, esteve quase sempre em
posição inferior ao padrinho de fato quanto à condição jurídica. Entre os padrinhos de
condição igual, a posição dentro da hierarquia familiar, por exemplo, não foi expressa
na formação do altar, os pais e filhos não necessariamente seguiam a ordem de primeiro
e segundo padrinho. Esse quadro reforça o papel masculino nos batismos, que também é
característico da hierarquia social, assim como a ausência de madrinhas, muito mais
freqüente que de padrinhos. No entanto, o papel da mulher no constante aos batismos,
53
não foi de maneira alguma menor ao dos homens, sobretudo se observarmos alguns
casos individualmente.
O compadrio teve uma importância bem demarcada nessa sociedade. Sinônimo de
sociabilidade e de estratégias variadas de mobilidade social, mostra e aumento do
prestígio, procura de proteção ou de fortalecimento de relações entre famílias. Foi uma
instituição muito importante para os escravos, que souberam utiliza-la dentro de suas
próprias estratégias de sobrevivência e proteção da família, compreendendo bem seu
significado e seu poder no âmbito social.
O papel do padrinho nunca deixou de ter base espiritual, mas a sua importância social é
visível. As relações de compadrio se estendem a famílias inteiras e demarcam o alcance
da influência ou do prestígio de padrinhos, que acumulam afilhados na medida em que
seu status é maior em determinado grupo. Os padrinhos livres foram os mais
valorizados mesmo entre escravos. A população livre realmente era predominante, mas
isso não impediria os escravos de terem compadres de mesma condição jurídica.
Transparece então, justamente a procura de padrinhos de maneira estratégica, e talvez
de maneira que não se limitava à família escrava, mas servia também de reforço nos
vínculos parentais ou políticos de seus senhores.
54
3. PADRINHOS E MADRINHAS: HIERARQUIAS DEFININDO
TRAJETÓRIAS.
Os registros de batismos se mostraram muito versáteis em sua utilização como fonte de
pesquisa. Foi possível extrair dados gerais que forneceram indicações do modo como o
compadrio se desenvolveu na freguesia de Palmeira em formação. Utilizou-se uma
análise quantitativa como forma de salientar algumas características importantes no
entendimento geral da sociabilidade dessa população, que está intrinsecamente ligada às
práticas espirituais e comportamentais. Do mesmo modo, a análise qualitativa que se
seguiu permitiu resgatar trajetórias de famílias, acompanhar o crescimento
populacional, aspectos diretos da religiosidade e da aceitação ou imposição do
catolicismo. Além da compreensão do modo como se estabeleceram relações de
compadrio entre os habitantes de Palmeira, buscou-se focar principalmente aquelas que
tinham famílias escravas em uma das pontas, alguns indivíduos e sua participação nessa
cadeia de laços como padrinhos e madrinhas.
A freguesia nova de Palmeira tinha um pequeno número de habitantes (1474)94, um dos
motivos para que muitos indivíduos tivessem contínua participação nos batismos da
região. Não foi incomum que esses habitantes tivessem cinco ou dez afilhados, e isso
significava laços de compadrio com muitas famílias, às vezes de diferentes estatutos
sociais ou jurídicos.
O compadrio não apenas tinha utilidade política e social, mas como defendem Gudeman
e Schwartz, tinha significados aos quais sempre estaria vinculado. Entre tudo que o
sacramento e a instituição do batismo significam, sobre os quais já foi feita uma
discussão, há valores agregados no compadrio que são essenciais para o entendimento
deste como parte de um complexo sistema de interação social. Há, no estabelecimento
do compadrio, um implícito sentido de respeito entre os envolvidos, iniciando dos pais
para com os padrinhos. É de entendimento geral na historiografia que os pais chamam
para padrinhos pessoas de condição superior à sua, principalmente o padrinho; o
compadrio com pessoas de estatuto inferior é considerado uma exceção. A questão do
respeito está envolvida nessa escolha, assim como a do prestígio do padrinho, o que
94 Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835.
55
pode ocasionar a escolha de alguém de nível jurídico ou social inferior para batizar os
filhos, pois essa posição é compensada pelas atribuições citadas. 95
Porém, na compreensão de Martha Hameister, o compadrio não é meramente um
reconhecimento de respeito pelos padrinhos, é também e principalmente uma relação de
troca entre desiguais. Para a autora, a questão do dom, da dádiva, muito explorada pela
antropologia, é plenamente aplicável ao estabelecimento do compadrio. Para visualizar
essas trocas e como o compadrio também é um meio de acrescer prestígio a um
indivíduo ou família, foram construídos quadros onde constam os nomes recorrentes
nos assentos batismais como padrinho e madrinha. 96
95 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos Sobre o Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 35. HAMEISTER, Martha Daisson. Registros Batismais: Documentos para reavaliar o papel da mulher na família e na sociedade coloniais. In.; Simpósio temático Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidade, Deslocamentos. Florianópolis: UFSC, 2010. 96 HAMEISTER, Martha Daisson. Registros Batismais: Documentos para reavaliar o papel da mulher na família e na sociedade coloniais.
56
3.1 COMPADRES E COMADRES PREFERIDOS DE PALMEIRA.
Padrinhos, seus títulos ou condição jurídica e a quantidade de afilhados:Manoel escravo de
Capitão
31
Joaquim Ribeiro da Siva 28
Serafim de Oliveira Ribas 24
Domingos Inácio de Araújo Capitão 21
Manoel da Cruz Carneiro Major 21
Roberto José de Deus 19
Manoel Ferreira dos Santos 19
Prudente Barbosa de Brito 16
Antônio Joaquim de Camargo 16
Francisco escravo de dona
16
Manoel Teixeira de Freitas 15
Manoel Batista dos Santos 14
Manoel (Soares) do Santos 13
Luciano José de Andrade 13
Teodoro Ferreira Maciel 12
João de Paula Teixeira Tenente 12
Francisco de Paula Pereira 12
Manoel Inácio de Andrade 12
Pedro Ribeiro de Souza 11
Veríssimo Inácio Marcondes 11
José Caetano de Oliveira Alferes 11
Antônio Alexandre Vieira 11
Candido José de Almeida 10
Antônio Teixeira de Freitas 10
Manoel de Paula Teixeira Tenente 10
Ricardo Rodrigues Seixas 9
José Elizeo 9
José Cardoso 9
João Aires de Araújo 9
Francisco de Paula Farias Capitão 9
Joaquim Mateus Branco e Silva Alferes 8
João Mendes de Araújo 8
Henrique escravo de Alferes
8
Generoso Alexandre Vieira Vigário 8
Francisco Xavier Cintra 8
Benedito Gonçalves 8
Bento escravo de tenente
8
Ponciano José de Araújo Vigário 7
José Manoel Teixeira 7
Inocêncio Cardoso 7
José Prudêncio Marcondes 7
João Franco 7
Antônio José de Lima 7
Manoel José Moreira 7
Manoel Mendes de Sampaio 7
Joaquim José de Andrade 7
Antônio Cornélio 6
Serafim Gonçalves 6
Ricardo Rodrigues Franca 6
Manoel Martins de Araújo Capitão 6
Manoel José Dias da Costa 6
Malaquias escravo 6
Lucas dos Santos Cordeiro 6
Bento escravo de capitão
6
José Joaquim de Almeida Júnior
6
José Francisco de Siqueira 6
José Antônio de Camargo e Araújo
Padre 6
Joaquim Batista dos Santos 6
João Antônio Coelho 6
Gabriel Narciso Bello 6
Francisco Antônio das Chagas 6
Francisco Antônio Cardoso 6
Francisco Alves da Rocha 6
Venâncio José Ribeiro 6
Prudente José dos Santos 6
Joaquim escravo de alferes
6
Policarpo Antunes Ferreira 5
Patrício Teixeira de Oliveira Cardoso
5
Patrício escravo de tenente
5
Oliverio José da Silva 5
Lucas Antônio 5
José Ferreira dos Santos 5
Joaquim dos Santos Belém 5
João Nepomuceno Carneiro 5
João Leite Penteado 5
João José Teixeira 5
Francisco de Paula Guimarães Capitão 5
Francisco das Chagas 5
Antônio Manoel dos Santos 5
Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
Foram listados os homens que tiveram cinco ou mais registros nos assentos batismais. A
maioria deles apadrinhou cinco ou seis crianças, mas vemos um grupo menor que reúne
muitos afilhados. Esses padrinhos têm condição jurídica e social diversas e alguns
escravos também tiveram um papel importante como padrinhos, mas os homens livres
representaram não só a maioria entre os padrinhos, mas também tiveram mais afilhados.
Esses homens também não costumaram servir de substitutos das madrinhas. Poucos
deles tiveram essa participação como segundo padrinho.
Entre os nomes incluídos estão os de pequenos proprietários, pobres e escravos, mas
principalmente os formadores da elite palmeirense e seus familiares. Muitos deles
ostentam títulos e patentes militares, indicações importantes da proeminência social e
política; além dos titulados estão seus filhos, pais, irmãos. Só com esse primeiro olhar
sobre o grupo dos maiores padrinhos, já é claramente perceptível a presença de
familiares entre esses homens. Acrescentando a essa constatação um quadro semelhante
voltado para as madrinhas, o parentesco próximo entre os batizantes bem sucedidos fica
ainda mais evidente.
Madrinhas por ordem de vezes em que compareceram a pia batismal:
Nome Marido ou parentesco Nº Esmeria Manoel escravo Escrava 26 Clara Madalena dos Santos Viúva de Cândido José dos Santos Dona 24 Balbina Maria / Francisca de Siqueira Manoel (Antônio) Ferreira dos Santos Dona 22 Josefa Joaquina (Maria pinheira) de França (Marcondes)
Domingos Inácio de Araújo Dona 21
Cândida Joaquina de França (Marcondes de Sá) Filha de Domingos (casou com José Vieira Neves)
Dona 20
Mariana de Siqueira Moraes Serafim de Oliveira Ribas Dona 19 Ana Maria do Rosário Joaquim Ribeiro da Silva 16 Joaquina Soares Viúva, mãe de Manoel Soares 13 Rosa Maria de Jesus Teodoro Ferreira Maciel Dona 12 Querubina Rosa Marcondes de Sá José Caetano de Oliveira Dona 11 Ana Joaquina da Trindade (também é Ana Luciana)
Joaquim dos Santos Leal (e filha de Luciano José de Andrade)
11
Inácia Dias de Olivera Prudente Barbosa de Brito 11 Matildes Umbelina da Gloria Antônio Joaquim de Camargo Dona 11 Ludovina Maria (Narcisa) dos Santos Manoel Inácio de Andrade 10 Francisca Caetana de Oliveira Manoel da Cruz Carneiro Dona 10 Inácia dos Santos (Belém) Francisco das Chagas 9 Zeferina (Maria) Nuncia de Almeida Irmã de Cândido José dos Santos e
Almeida Dona 9
Maria Matildes de Souza Lucas dos Santos Cordeiro 9 Ana Placidina dos Passos (dos Santos) Francisco Gonçalves de Castro 8 Barbara Serena de Siqueira Pedro Ribeiro de Souza 8 Emereciana Maria da Conceição Roberto José de Deus 8 Isabel Caetana (Marcondes) de Franca Antonio Joaquim de Oliveira Dona 8 Isabel da Costa Buena José Elizeo de Jesus 8
58
Maria Cipriana de Souza Francisco Antônio das Chagas 8 Maria do Carmo José Antônio de Góes 8 Rita Maria das Neves viúva Dona 8 Umbelina de Paula (Teixeira) Cardoso José Cardoso Pais Dona 8 Ursula Maria Benedito Gonçalves 8 Maria (supondo que é sempre a mesma Maria) Bento escrava 7 Maria Aurea de Araújo Filha de Lourenço Justiniano 7 Maria Ferreira Ricardo Rodrigues Seixas 7 Maria Joaquina dos Santos José Gonçalves de Almeida 7 Maria Roberta do Espírito Santo Filha de Roberto José de Deus 7 Rita Maria do Nascimento Sogra de Domingos Inácio de Araújo Dona 7 Rosa Carmela da Candelária José Manoel Teixeira 7 Francisca Clara da Conceição Luciano José de Andrade 7 Maria Possidonia (Carneira) Teixeira João de Paula Teixeira 7 Rufina Antônia de Sá Prudente José dos Santos 7 Maria Pires (solteira) Filha de Manoel Gaspar 6 Ana Maria de Almeida (da conceição) Filha de Antônio Joaquim de Camargo Dona 6 Francisca Batista dos Santos Filha de Manoel Jose Teixeira 6 Jesuína Maria (Carolina) de Andrade Filha de Antônio Pereira de Andrade 6 Joana Maria Francisco Alves (da Rocha) 6 Joana Maria dos Santos Manoel Manso de Araújo 6 Joaquina Maria da Silva Venâncio José Ribeiro 6 Maria da Cruz solteira 6 Mara da Luz Filha de Joaquim Ribeiro da Silva 6 Maria Pires Filha de Manoel Gaspar 6 Ana Maria do Carmo Manoel Gaspar da Cruz 6 Rosa Maria Rodrigues 6 Alexandrina Maria de Oliveira João Antônio Coelho 5 Antonina Rita Maria (de Oliveira) Patrício Teixeira de Oliveira (Cardoso) 5 Apolinária da Rocha Irmã de José Elizeo de Jesus 5 Berbiana Maria da Silva 5 Maria escrava 5 Maria das Dores (Branca e Silva) Joaquim Mateus Branco e Silva 5 Maria Polucena de Araújo Filha de João Mendes de Araújo 5 Senhorinha Luiza da Silva solteira 5 Senhorinha Maria de Araújo Antônio José de Lima 5 Ursula Maria de Jesus Manoel José Moreira 5 Zeferina Marcondes de Oliveira Antônio de Sá Carneiro 5 Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
Essas mulheres, assim como no quadro de padrinhos, tiveram ao menos cinco afilhados.
Para facilitar a associação delas à família, foram indicados seus maridos ou seus pais e
irmãos além do único título que as mulheres tinham que demonstrava o poder de sua
família, o de dona.
A grande quantidade de homônimos afetou muito mais a identificação das madrinhas
que dos padrinhos, além dos muitos nomes iguais ou parecidos, sobre os quais não é
possível ter certeza quanto a quem pertencem, há muita variação de nomes para algumas
mulheres. Ana Pinheira, por exemplo, foi um nome muito comum, que por isso ficou de
fora da listagem. Se fosse referente a uma pessoa apenas, a tal Ana Pinheira estaria entre
as principais madrinhas da freguesia, entretanto, várias mulheres atenderam por esse
nome em algum momento. O caso de nomes que se modificam com o passar do tempo
mas identificam um só pessoa também atrapalhariam a precisão da avaliação. Dona
59
Josefa Joaquina de França é uma dessas mulheres. Teve uma variedade de nomes, mas
por estar sempre vinculada ao nome do marido foi possível identificar todas as
variações sem risco. Por vezes apareceu como Maria Joaquina, foi acrescentado ao seu
sobrenome o Marcondes e o Sá, e até o nome Maria Pinheira é usado em um dos
assentos pela dona. Alguns dos nomes que mais se repetem são Cândida, Maria, Ana,
Joaquina e sem uma indicação de parentesco, seja o sobrenome, seja o apontamento do
marido ou do pai, é impossível saber de quem se trata.
Por essas complicações que ocorreram principalmente na identificação das madrinhas, e
sabendo que o interesse maior desse levantamento é a identificação de parentesco entre
padrinhos e madrinhas, no caso de dúvida foram incluídas na contabilização apenas os
registros em que havia a indicação do cônjuge ou de algum familiar. Desse modo, é
possível que a quantidade de batismos de cada um desses homens, e principalmente de
cada mulher que serviu de madrinha, seja maior que o apurado.
Analisando conjuntamente as duas listas, a presença de famílias é uma impressão forte.
Olhando principalmente para as famílias nucleares, vemos casais, irmãos, pais e filhos
que batizaram muito em conjunto, além disso, numa visão mais distanciada sabemos
que muitos desses núcleos familiares têm parentesco entre si. Por isso, em vez do
acompanhamento de trajetórias parciais dos indivíduos que mais se destacaram,
veremos a atuação de suas famílias, tendo em vista que, como defendem Hameister e
Fragoso, o compadrio une famílias ou casas, não se restringe aos indivíduos. 97
Os padrinhos mais atuantes do período em Palmeira foram Manoel e Esmeria, escravos
casados de Domingos Inácio de Araújo, mas esse é um caso que terá atenção especial
posteriormente. Logo em seguida aparece dona Clara Madalena dos Santos, viúva e
proprietária de muitos escravos. Ela é comadre tanto de casais de boa situação
econômica e social, quanto de escravas e agregadas, além de mães solteiras. No entanto
não batiza os filhos de suas escravas corroborando a observação feita por Gudeman e
Schwartz. A viúva parece ser uma boa opção de madrinha entre diversos tipos de
famílias. Outra viúva que teve muitos afilhados foi dona Joaquina Soares. Era ainda
jovem e não contava com escravos, apenas com os três filhos, junto aos quais
97 Ibdem; FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J. Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
60
desenvolvia a atividade de lavra e a pequena produção agrícola. Batizou dois escravos,
uma criança exposta e livres legítimos.98
Já entre os senhores de escravos e suas famílias, vários deles aparecem recorrentemente
nos assentos batismais, como pais dos batizandos e principalmente como padrinhos.
Serafim de Oliveira Ribas teve 24 afilhados, contando o assento em que ele foi
registrado como o segundo padrinho. Era casado com Dona Mariana de Siqueira e
Morais que foi madrinha de 19 pessoas. Entre os filhos, Joaquim Mariano de Sá Ribas
também chega a participar de batismos, mas provavelmente por sua pouca idade não
esteve entre os mais bem colocados. A família era muito importante na região,
normalmente o casal nuclear participou junto dos batizados e eles eram tanto de filhos
da elite quanto pessoas pobres e escravos. Alguns dos compadres eram de outras
regiões, como Vacaria e Sorocaba. Em um dos assentos, o padre declara ignorar o nome
da madrinha. Essa demonstração de indiferença quanto à madrinha, apesar de ter
acontecido apenas uma vez, é também uma mostra da importância do padrinho.99
Manoel Ferreira dos Santos e Balbina de Siqueira formavam um jovem casal no início
desse período. Em 1835 ele tinha 36 anos, e ela 28. Mesmo assim já tinham cinco
escravos, uma criação de animais em Guarapuava e uma renda considerável. Não
tinham filhos. Era uma família de pequeno porte, mas não tão incomum, já que a
própria freguesia ainda estava crescendo e se consolidando. Além disso, já se
apresentava próspera e certamente buscava aumentar o status social além do fator
econômico, o compadrio era uma boa maneira. O casal não batizou os filhos de grandes
fazendeiros, mas pessoas de famílias menos importantes provavelmente de situação
econômica parecida com a sua. Além desses, apadrinharam um escravo africano
pertencente a José Siqueira Cortes, da família de Balbina, uma criança exposta em uma
casa da vizinhança e dois filhos de mulheres solteiras. O casal claramente buscava nos
laços com pessoas de posição inferior o aumento de seu prestígio na comunidade.100
Roberto José de Deus, também era um proprietário de terra com três escravos, apenas
Esperança e seus dois filhos. Os familiares não participaram muito dos batismos, apenas
a esposa Emerenciana e a filha mais velha, mesmo assim elas não apadrinharam muitas
pessoas. No entanto, o chefe da casa é muito presente nos assentos de batismo. A renda
que declarou na lista de habitantes é média, mas ele tinha uma criação e plantio
98 Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835. 99 Ibdem. 100 Ibdem.
61
diversificado. Como negociante de tropas de animais, criador e agricultor, contava com
uma produção variada naquele momento101. Seus filhos ainda eram novos (11 filhos, a
mais velha tinha 17 anos), mas certamente representavam a força de trabalho necessária
à continuidade de seus negócios, mesmo que não fossem um símbolo de poder como
por vezes eram os escravos. Não batizou membros da elite, apesar de ter muitos
afilhados de famílias em boa situação. Por outro lado batizou um escravo de Teodoro
Ferreira Maciel, outro indivíduo de destaque que inclusive foi um dos poucos que
batizou o próprio escravo.102
A família de Domingos Inácio de Araújo foi uma das mais participativas nos assentos
batismais. Por ser reconhecida com facilidade, assumiu maior importância para essa
pesquisa, logo saltando aos olhos, mas com um exame mais atento ela continuou a se
destacar entre a teia de compadrios de Palmeira. As famílias do capitão e de sua esposa
dona Josefa Joaquina de França estiveram entre as fundadoras da freguesia e
proprietárias iniciais daquelas terras. Domingos desenvolveu suas atividades
econômicas tanto investindo em terras e criações quanto no tráfico ilegal de africanos,
do qual era um dos principais participantes. 103
Não só o próprio chefe do domicílio, mas sua esposa e as suas filhas Cândida e Isabel,
além dos filhos Veríssimo, José Prudêncio, Antônio Cornélio e Francisco, foram
padrinhos e madrinhas de muitos palmeirenses. A formação do conjunto padrinho-
madrinha, e por vezes padrinho-padrinho, normalmente reunia integrantes dessa família.
Domingos e dona Joaquina sempre apareceram mais que os outros, mas Veríssimo e
Cândida também batizaram juntos muitas vezes. Além desse núcleo, os genros e a
sogra, também participam dessas configurações. Chega-se logo a Joaquim Mateus
Branco e Silva e a Antônio Joaquim de Camargo, um genro do Capitão Domingos de
Oliveira e outro bem próximo à família. Além dele, Manoel da Cruz Carneiro, irmão de
dona Joaquina, foi um dos padrinhos que mais batizou membros da elite, sempre ao
lado de madrinhas de “boas famílias”.
Antônio Joaquim de Camargo, natural de Sorocaba, era proprietário de muitos escravos
africanos, mulheres crioulas e crianças. Apesar de não declarar nenhuma renda ou
ocupação, tinha uma criação de animais de porte respeitável para os padrões dos campos
101 Na lista de habitantes de 1835, aparece como negociante de tropa solta, criador e lavrador, além de declarar ter rebanho de carneiros, suínos, além de 8 vacas e 15 cavalares. Também plantou feijão, milho e congonha (erva mate). Ibdem. 102 Ibdem. 103 LIMA, Carlos A. M. Tráfico Ilegal para a Fronteira Agrária: Domingos Inácio de Araújo (1830-1851). Anais do 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba, 2009.
62
Gerais. Não ostentava nenhuma patente militar, mas era respeitado e um dos principais
chefes de família da região. Ele e a esposa dona Matildes Umbelina da Glória batizaram
muitos filhos de pessoas da elite palmeirense, como de Teodoro Ferreira Maciel,
Francisco de Paula Teixeira, Domingos Inácio de Araújo, Felisberto de Oliveira Ribas.
Além disso, batizou Cândido, um “bugre de Guarapuava” e Rufina, filha de Manoel e
Esmeria, os maiores padrinhos da freguesia.104
Essas pessoas alcançaram todos os tipos de batizandos, mas foram alguns dos poucos
que serviram de padrinhos para as crianças nascidas nas tradicionais famílias da elite.
Mas não foram apenas as famílias poderosas que tiveram destaque como padrinhos.
Alguns indivíduos e famílias se dedicaram a apadrinhar pessoas pobres ou de poucas
posses, escravos e pardos livres.
Um dos casos mais interessantes é o de Joaquim Ribeiro da Silva e Ana Maria do
Rosário. O casal de pardos livres teve uma participação nos assentos mais expressiva
que as famílias citadas acima, e por vezes uma filha do casal também foi madrinha. A
ocupação que Joaquim declarou na lista de habitantes foi de mestre de música de seus
filhos. Aparentemente a família não tinha muitos recursos em terras ou escravos, mas
Joaquim e o filho mais velho, José, sabiam ler e escrever. Podia ser uma família com
renda pequena, mas eles tinham alguma instrução e um domicílio próprio; posição
bastante confortável para pardos livres. Apesar de batizarem alguns escravos, inclusive
africanos, Joaquim e Ana Maria batizaram muitas pessoas livres possivelmente de
situação econômica igual ou inferior a sua. Prudente Barbosa de Brito, marido de Inácia
Dias de Oliveira também foram padrinhos mais ligados à base da população.105
Alguns padres também tomam lugar de padrinhos. No caso de José Antônio de
Camargo e Araújo e Ponciano José de Araújo, os registros dão a entender que os
batismos nos quais serviram de padrinhos foram ministrados por vigários
encomendados de outras regiões. Mas o padre Generoso Alexandre Vieira chegou a
fazer o registro dos batismos nos quais foi padrinho, escrevendo a frase “eu mesmo” no
lugar reservado ao batizante. Este foi o padre da freguesia por um longo período e
batizou oito pessoas. O Concílio de Trento e as constituições primeiras do arcebispado
da Bahia determinavam que padres e eclesiásticos em geral não poderiam ser padrinhos,
mesmo assim vemos essas ocorrências se repetirem em Palmeira. Além disso, um
104 Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835. 105 Ibdem.
63
agregado do padre, que inclusive ganhou seu nome, Alexandre Vieira, batizou onze
pessoas.106 Ele poderia ser um representante do padre, carregando uma “herança social”
tal qual as famílias de fazendeiros.
Percebemos entre muitas dessas famílias o parentesco pelo casamento, e esse vínculo é
acrescido do compadrio entre dependentes, mesmo os escravos. A elite tentava manter o
patrimônio intacto, preservar as propriedades e perpetuá-las através dos filhos, passando
pelo casamento partes que acabariam entre famílias já aparentadas por ancestrais
comuns, ou que adentraram nessa elite pelo enriquecimento. 107 Os escravos não eram
sempre batizados pelo topo da pirâmide, mas muitas vezes por seus dependentes já que
manter esse tipo de laço, direta ou indiretamente, era importante também para a elite.108
Entre os escravos ela trazia suas vantagens, mas o vínculo horizontal tinha a força da
solidariedade e do cotidiano. Por isso, alguns os padrinhos e madrinhas mais ativos
eram escravos ou pardos livres.
João Fragoso detectou algumas relações parecidas, assim como as disputas entre
famílias da elite. Esses fidalgos, como chama Fragoso tratando de um contexto colonial,
tinham suas diferenças principalmente na disputa do poder político, mas também tinham
seus aliados nesse sentido. Por isso, manter vínculos tanto horizontais quanto verticais
era importante, fazia parte do processo de manter apoio, preservar a casa. O autor
entende o compadrio, ao menos nos casos analisados, como relações entre o que define
como casas, ou seja, famílias, com seus agregados e escravos, que representam a
família principal mesmo que indiretamente.109
Martha Hameister também utiliza o conceito de casas para analisar as relações de
compadrio, e compreende ainda que entre os compadres existia uma noção de troca, de
dádiva. Os pais oferecem aos padrinhos um parentesco espiritual, não só com o
afilhado, mas com a família, a casa e tudo o que ela representa. Os padrinhos têm que
retribuir, mas, considerando que normalmente são de condição jurídica e social superior
aos compadres, não será da mesma forma. Portanto, há uma dívida eterna entre os
106 Ibdem. 107 LIMA, Carlos A. M. Tráfico Ilegal para a Fronteira Agrária: Domingos Inácio de Araújo (1830-1851). Anais do 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba, 2009; LIMA, Carlos A. M. ; MELLO, K. A. V. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas de absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835). Afro-Asia (UFBA). Salvador, v. 31, p. 127-162, 2004. 108 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". 109 Ibdem.
64
padrinhos e os pais. 110 Obviamente também há vantagens em ser padrinho que valem a
adoção dessa troca desigual. Esse laço é um reconhecimento do respeito dos compadres
e uma vantagem para o status social.
Além disso, a autora ressalta em sua pesquisa do compadrio na vila do Rio Grande no
século XVIII, a importância das mulheres, não só no compadrio, mas como
administradoras das propriedades em alguns casos. Isso vai contra a perspectiva
freyreana que entende a mulher do período colonial meramente como reprodutora. Esse
pensamento também é aplicável ao tema do compadrio em Palmeira, já que, apesar de
não ultrapassarem os homens no número de batismos como aconteceu em Rio Grande,
elas tiveram destaque como representantes das casas e acompanharam em números a
trajetória de compadrio dos homens. 111
Alguns escravos também se destacaram no papel de padrinhos e madrinhas apesar de
não serem muitos. Francisco, escravo de dona Maria dos Passos, teve 16 afilhados. Em
maioria eram escravos, muitos africanos e poucos filhos de pais casados. Cinco eram
filhos de mulheres livres. Francisco batizou sempre escravos de senhores proeminentes
da região, até mesmo de sua senhora. Uma de suas afilhadas foi Catarina, filha de
Esmeria, que é a madrinha com mais afilhados de Palmeira. Novamente chegamos ao
casal de escravos que mais apareceu nos registros batismais que motivaram os
questionamentos quanto ao compadrio em Palmeira.
3.2 MANOEL E ESMERIA, COMPADRES E ESCRAVOS:
A trajetória dos escravos de Domingos Inácio de Araújo, Manoel e Esmeria, é a mais
impressionante entre todas as histórias que se cruzam nos registros batismais da
pequena freguesia. Juntos eles batizaram 23 pessoas, mas Manoel ainda ultrapassa a
esposa, chegando a 31 batismos, oito em companhia de outras madrinhas. O seguinte
quadro mostra os afilhados do casal, e também os casos em que eles batizaram
separados.
110 HAMEISTER, Martha Daisson. Registros Batismais: Documentos para reavaliar o papel da mulher na família e na sociedade coloniais. 111 Ibdem.
65
Afilhados de Manoel:
Nome Ano de batismo Mãe Senhor Madrinha Brás 1832(ano de
batismo de vários africanos)
Africano Domingos Inácio de Araújo Joaquina (de Clara Madalena)
Esmeria 1832 Africana José Caetano Esmeria Claudiana 1834 Floriana Antônio Joaquim de Camargo Maria (de Domingos
Inácio de Araújo) Vicência 1834 Floriana Antônio Joaquim de Camargo Maria (de Domingos
Inácio de Araújo) Ricarda 1834 Ana Manoel da Cruz Carneiro Maria (de Rita do
Nascimento) Marcolino 1836 Catarina Francisca Rodrigues, viúva Joana Maria Felicidade 1836 Maria Francisco de Paula Marques Genoveva Maria Barbara 1837 Adriana Joaquim Mateus Branco e Silva Luiza (de Domingos
Inácio de Araújo) Rufina 1838 Maria José Caetano Esmeria Amaro 1838 Maria
Rodrigues Livre Esmeria
Tereza 1839 Africana Domingos Inácio de Araújo Esmeria Tobias 1841 Luzia Tenente Antônio de Andrade ilegível Sebastião 1842 Adriana Joaquim Mateus Branco e Silva Esmeria Efigênia 1842 Maria José Caetano Esmeria Eulália 1843 Maria José Caetano Esmeria Inácio 1844 Gertrudes José Marcelino Carneiro Esmeria Brígida 1844 Emiliana Livre Esmeria Luiza 1845 Adriana Joaquim Mateus Branco e Silva Esmeria Firmina 1845 Severina Joaquim Mateus Branco e Silva Esmeria João 1845 Maria José Caetano Esmeria Martinho 1845 Eufrásia José Caetano Esmeria Joaquim 1845 Ana
Vicência Livre Esmeria
Gabriela 1846 Escolástica Antônio Joaquim de Camargo Esmeria Marcolina 1846 Maria Domingos Inácio de Araújo Esmeria Iria 1846 Gertrudes José Marcelino Carneiro Esmeria Leopoldina 1846 Ana Veríssimo Inácio Marcondes Esmeria Dulcia 1847 Adriana Joaquim Mateus Branco e Silva Esmeria Posidônio 1847 Maria Jose Caetano - Alferes Esmeria Luiza 1847 Eufrásia José Caetano de Oliveira Esmeria Ana 1849 Josefa Maria Livre Esmeria
Afilhados de Esmeria sem Manoel:
Nome Ano de Bat. Mãe Senhor Padrinho Benedita 1840 Benedita Livre Joaquim dos Santos Martinho 1848 Maria Domingos Inácio de Araújo Henrique (José Caetano de
Oliveira) Generosa 1848 Rosa Lucas Antonio de Araújo Henrique (José Caetano) Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
O escravo Manoel casou-se com Esmeria entre 1835 e 1837. Antes disso já havia
batizado uma africana como par da futura esposa, a afilhada ganhou o nome da
madrinha, Esmeria. Após o casamento, a esposa passou a ser madrinha ao seu lado em
praticamente todos os batismos. Ele batizou africanos, filhos de escravas solteiras,
66
filhos de escravas casadas, e até mesmo de mulheres livres. Esmeria, anos depois
também apadrinhou crianças sem seu marido.
Os dois eram jovens ao começar a servir de padrinhos, ele tinha 21 anos, segundo
consta na lista de habitantes de 1835, na qual a idade registrada foi 24 anos. Ela tinha 26
em seu primeiro batizado. Não eram novos demais para batizar, mas curiosamente até
aquele momento alguns dos escravos mais velhos da escravaria, Bento, Inácio e Maria
apadrinhavam mais pessoas e depois que Manoel e Esmeria começaram a ser padrinhos,
os outros escravos pouco apareceram nos assentos.112
Manoel também era sapateiro, o que era uma valorização não só de seu preço como
escravo, mas também de seu status frente aos companheiros de escravaria. Além disso,
o fato de serem os dois escravos casados é importante na preferência dos compadres.
Mas o que certamente contribuiu para o bom desempenho do casal foi o fato de terem
como senhor o capitão Domingos Inácio de Araujo, cuja família já tinha o costume de
estabelecer muitos laços de compadrio.
Entretanto, não foi a escravaria de Domingos o principal “mercado” de afilhados de
Esmeria e Manoel. Eles foram padrinhos de escravos de alguns dos proprietários mais
importantes em Palmeira com quem a família Araújo tinha vínculos muito fortes. Os
principais foram o alferes Joaquim Mateus Branco e Silva, genro do capitão, o alferes
José Caetano de Oliveira, seu cunhado113, e seu filho Veríssimo Inácio Marcondes. Além
deles, há escravos de Antônio Joaquim de Camargo e Manoel da Cruz Carneiro, que
assim com os anteriores figuram entre os padrinhos mais requisitados da freguesia.
Manoel e Esmeria com o tempo ultrapassaram os outros padrinhos escravos de seu
senhor e chegaram a um patamar que reunia os maiores proprietários da região. Se
pensarmos nessa trajetória conforme o entendimento de Fragoso, em que indivíduos
representavam casas nas relações de compadrio, então temos dois escravos que
representam a casa do capitão Domingos de Araújo. Não é difícil entender esse vínculo
como maior motivador da boa atuação do casal de escravos como batizantes, ainda mais
entendendo que toda a família senhorial atuava dessa forma. 114
A atuação do casal como compadres acompanhava a da família Araújo e era parte da
estratégia da casa em manter e fortalecer os vínculos com casas de aparentados,
112 Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835. 113 FREITAS, Astrogildo de. Palmeira: reminiscências e tradições. Curitiba: A.M. Cavalcante, 1977. 114 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)".
67
conforme a teoria de João Fragoso. Porém a importância desses escravos nas relações de
compadrio da casa era diferente da participação dos familiares do capitão. Os laços de
compadrio de Manoel e Esmeria alcançavam uma parte da população que o compadrio
da elite pouco contemplava, chegava às pardas livres e às famílias escravas com uma
amplitude talvez irrealizável pelas famílias proprietárias.
Isso não significa que o casal não tivesse o mérito de tal trajetória, eles certamente eram
valorizados na escravaria, o que levou ao acúmulo de afilhados na comunidade escrava
em geral. Pode ser também que eles tenham sido uma referência de liderança em sua
escavaria, já que mantinham uma relação mais estrita com o senhor. Além do mais, os
dois poderiam interceder por seus afilhados por meio do senhor Domingos de Araújo, já
que ele era próximo dos proprietários desses batizandos.
Essa proximidade com a família do senhor pode ser identificada examinando os
batismos dos filhos de Esmeria e Manoel. O casal teve quatro filhos enquanto casados, e
mais duas que não tiveram o pai registrado em seus assentos de batismo, anteriores ao
casamento. Apenas a primeira filha, Catarina, batizada em 1833, teve padrinhos
escravos. A partir da segunda os compadres de Manoel e Esmeria foram todos senhores,
normalmente da família de Domingos Inácio de Araújo.
68
Relações de compadrio de Esmeria e Manoel por meio de seus filhos:
Ligação entre padrinhos e afilhado Ligação entre padrinho e madrinha Ligação por casamento
* Abaixo estão os filhos de Manoel e Esmeria, de acordo com seu ano de batismo e, acima, seus padrinhos. Aqueles ligados ao Capitão Domingos Inácio de Araújo, senhor dos batizandos, são seus filhos.
** Maria é escrava do Capitão Domingos, Francisco é escravo de Maria dos Passos. Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
Filhos
Filhos
69
O casal, como aconteceu com a maioria dos pais cativos dessa localidade, deu
preferência a compadres livres e nesse caso muito bem colocados na sociedade. Essas
escolhas podem ter diversas motivações, uma delas que entre os cativos não existisse
ninguém que se equiparasse em prestígio a Manoel e Esmeria, o que deixaria as relações
de compadrio muito desequilibradas. Outro bom motivo para a eleição dos padrinhos
seria a aproximação à casa senhorial, visando melhorar a relação entre essa família e os
senhores, o que consequentemente traria melhores condições de vida e mais
estabilidade.
Independente dos possíveis benefícios de tais laços, esse casal soube aproveitar uma das
poucas formas de conseguir prestígio tanto entre escravos quanto entre livres. Sua
grande quantidade de afilhados, escravos de senhores que eram ligados à casa do
capitão Araújo ou pardos livres, deu a eles um vasto campo de circulação no qual eram
respeitados e influentes. Não conseguiram modificar a condição jurídica da família, mas
com toda a certeza não eram anônimos em uma massa de escravos e tinham laços de
solidariedade que ampliavam seus horizontes para além dos limites da escravaria.
O fato de batizarem filhos de mulheres livres, o que também aconteceu com alguns
outros padrinhos escravos, é mais uma demonstração de como o mundo dos libertos e
livres de cor era ainda muito próximo ao mundo do cativeiro. O parentesco e outros
laços ligavam essas pessoas. A hierarquia social interna à escravaria não se subverteu
quando alguns elementos passaram à condição de libertos, tanto que Esmeria e Manoel
batizam alguns filhos de mulheres livres, mas, para batizantes de seus filhos, preferiram
outras pessoas. O fator da dádiva, do qual fala Hameister, é importante nesse ponto. Os
compadres de casal eram de condição tanto jurídica quanto social muito superior à
deles. Isso significa não só que o essa família é muito respeitada, mas que ela pode,
numa relação de reciprocidade como essa, obter muitas vantagens desses laços em seu
cotidiano.115
Essa trajetória é um bom exemplo de como as relações de compadrio, quando bem
selecionadas, podem produziu um efeito de crescimento do status de famílias, para isso
o casamento e a estabilidade familiar contribuem substancialmente. A primeira vista o
caso de Manoel e Esmeria causa estranhamento, mas após a análise dos dados gerais e
de outras trajetórias de padrinhos, vemos que ele se alinha perfeitamente a forma como
o compadrio ocorreu em Palmeira. As tendências e o comportamento demonstrados pela
115 HAMEISTER, Martha Daisson. Registros Batismais: Documentos para reavaliar o papel da mulher na família e na sociedade coloniais.
70
população em relação a esse laço espiritual, unindo-o a estratégias de sociabilidade
permitiram que um casal de escravos fosse tão procurado para apadrinhar os filhos de
outros cativos e de pardos livres. Vários fatores se somaram a favor disso e Manoel e
Esmeria se tornaram uma referência importante como padrinhos para a base da
população, assim como outros indivíduos ou famílias tiveram esse papel em seus
círculos.
O fato de serem dependentes de um senhor que também tinha o compadrio como
estratégia importante de domínio e poder político, como interpreta Carlos Lima, é um
dos maiores colaboradores para tamanha expressão. Há uma troca entre a família
escrava e a família senhorial, elas colaboram e também se tornam cada vez mais
interdependentes. A forma dessa interdependência é certamente ambígua e desigual, na
medida em que uns são escravos de outros. Certamente há violência, coação e
desconfiança definindo essa relação, mas ela não deixa de ser vantajosa a ambos os
lados. Se para os senhores ela garante uma forte ligação com os dependentes, num
momento em que a força desses laços começava a ser ameaçada pela decadência da
escravidão, para os escravos ela representa uma oportunidade de conseguir respeito e
melhores condições no cativeiro para a família, quem sabe até aumentar suas chances de
liberdade. 116
Todas essas trajetórias revelam um campo de atuação dos padrinhos bem amplo. E essa
atuação por vezes se dividiu em pólos: aqueles que batizavam os filhos da elite, aqueles
que batizavam os filhos de pequenos proprietários, os padrinhos de pessoas pobres e dos
pardos livres, os padrinhos de escravos. Isso não significou que os padrinhos do
primeiro grupo não fizessem parte de outros grupos, mas a relação era sempre vertical.
Então, mesmo que um senhor de escravos batizasse um pardo livre, o maior padrinho
entre os pardos livres nunca batizaria um filho de senhor de escravos. A exceção foram
os padrinhos escravos que muitas vezes chegara a batizar filhos de mulheres libertas ou
livres apesar de sua condição jurídica ser inferior.
No entanto, como defende João Fragoso, não devemos pensar apenas nos indivíduos.
Esses escravos representavam casas, portanto a relação de compadrio com eles seria
símbolo de um laço com a família senhorial, mesmo que indiretamente. É possível
116 LIMA, Carlos A. M. Tráfico Ilegal para a Fronteira Agrária: Domingos Inácio de Araújo (1830-1851).
71
também que, como identificaram Bruna Sirtori e Thiago Luís Gil para as redes de
sociabilidade entre escravos de Vacaria, houvesse uma hierarquia entre as escravarias.117
A hierarquização é um traço característico dessa sociedade e evidenciado pelos assentos
de batismo. Tanto entre livres quanto entre escravos, notamos essa característica
influindo nas teias de parentesco ou compadrio e também ligada ao poder político. O
status social definia o lugar nessa hierarquia, portanto, na medida em que ter agregados
é ter mais dependentes e que o casamento une famílias, o parentesco espiritual
compreendido no compadrio era uma forma de estender ainda mais essas teias que
sustentavam o poder e o prestígio. Manoel e Esmeria, ao tecerem sua própria rede,
contribuíram para o fortalecimento da rede de confiança e solidariedade de seu senhor,
garantindo a ele sustentação suficiente para disputar o poder político da freguesia nova.
117 GIL, Thiago L. & SIRTORI, Bruna. Bom dia, padrinho: Espaço e parentesco na formação de redes entre cativos nos campos de Vacaria, 1778-1810. Revista Eletrônica de História do Brasil, v. 10, nº 1 e 2, Jan. – Dez., 2009.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações de compadrio em Palmeira, um local de população pequena e que ainda
criava seus laços definidores das posições sociais e da organização política, foram parte
importante na interação social daquela população. Se tratando da elite, os laços de
compadrio, assim como parentescos sociais fundados pelo casamento, poderiam ser (e
de fato eram) usados para agregar apoiadores, clientes.
Foi evidente também a importância dos dependentes nessas teias formadas pelo
compadrio. Para os grandes proprietários, ter dependentes era poder sobre um grupo
maior de pessoas que sua família. Assim como percebeu Cacilda Machado quanto aos
casais mistos, muitas vezes o senhor conquistava agregados quando seus escravos
casavam com pessoas de outra condição. Quanto maior o número de dependentes, mais
prestígio teria a família e mais cresceria seu circulo de reciprocidade.118
Como observou Horácio Gutiérrez quanto aos proprietários de terra no Paraná, “para os
padrões locais de propriedade e riqueza, e frente aos que nada tinham, esses modestos
fazendeiros encarnavam modelos de opulência e fartura, eram os senhores do mundo e,
claro, os donos dos meios de produção e de subsistência.”119 Para a população mais
pobre, para os libertos e os pequenos proprietários, o vínculo com essas pessoas era
símbolo sobretudo de proteção e ter compadres tão respeitados gerava um impacto em
seu status social. Já para os fazendeiros, essas relações também eram essenciais,
legitimando seu poder e aumentando seu prestígio.
A grande questão que se coloca ao se deparar com todas essas relações de compadrio, é
a da reciprocidade. É o que garante a manutenção e renovação desses laços e o que
define as escolhas. Entre escravos a reciprocidade também é um fator crucial na escolha
dos padrinhos, pois é uma das formas de se ligar a pessoas livres, conseguir proteção e
benefícios no cativeiro. Como observaram Gudeman e Schwartz, mesmo que houvesse
a esperança de que um padrinho comprasse a alforria do afilhado, isso dificilmente
acontecia.120 Mas se diretamente os padrinhos não influenciassem na libertação dos
afilhados, eles poderiam ajudar a família a ganhar um status diferenciado por sua 118 MACHADO, Cacilda. "Casamento & Compadrio: estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR)". In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2004. 119 GUTIÉRREZ, Horacio. Fazendas de gado no Paraná escravista. Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, n. 9, 2004. P. 110. 120 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos Sobre o Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
73
ligação com pessoas livres e em algum momento, membros dessa família poderiam ter
acesso à alforria.
As crianças que foram filhas de pessoas livres com escravos tiveram padrinhos que
demonstram bem essa situação. Algumas nasceram livres, outras escravas e estar no
cativeiro exigiu estratégias diferentes de sociabilização, que aproximassem a família, e
principalmente o batizando do mundo dos livres. Já quando essas crianças tinham a
condição jurídica de livre, era mais importante manter os laços de solidariedade com
aqueles que estavam mais próximos, na convivência diária.
Os “pardos livres” tinham essa preocupação, batizando escravos e dando seus filhos
para eles batizarem. A aproximação muito maior dessa parcela da população com a
comunidade cativa era sintoma de que a ascensão social era muito difícil além desse
ponto. Kátia Mattoso ao estudar a população livre de cor, identificou essa dificuldade na
Província de São Paulo. A ascensão social dessa população era demarcada pela cor, que
não era definida pela herança étnica ou racial e sim pela posição social e ascendência
escrava. Então, para ascender socialmente era necessário “embranquecer”. Para isso o
casamento, o compadrio e todo tipo de relação com pessoas brancas era de grande
ajuda.121
A freqüente burla das regras estabelecidas pelo Arcebispado da Bahia para guiar os
batismos também foi uma característica bem acentuada nessa sociedade. Três padres
serviram como padrinhos mais de cinco vezes, um deles foi o mesmo que ministrou o
batismo. Foi comum também o casal de padrinhos convencional, homem e mulher,
fosse substituído por uma dupla de padrinhos, o que não era permitido segundo as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Além disso, uns poucos batizados em
que o senhor apadrinhava seu próprio escravo foram encontrados. Essas características
também evidenciaram o papel masculino nessa sociedade, que eram chefes de famílias,
proprietários de terras, força política e os definidores da ordem hierárquica, o que é bem
exemplificado pela constante associação dos padrinhos principais de Palmeira a suas
patentes militares.
Em geral, os resultados corroboram os padrões encontrados por Gudeman e Schwartz,
também por Cacilda Machado, para outras regiões.122 Mas o que realmente se destacou
121 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. 122 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos Sobre o Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; MACHADO, Cacilda. "Casamento & Compadrio: estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII
74
nesse estudo foi a importância da formação familiar, não só aumentando as chances de
as pessoas serem escolhidas para compadres, mas também na cooperação dos membros
da família em estabelecer essas teias de sociabilização e comprometimento entre as
casas, conforme teoriza Fragoso.123 Os escravos serviram a esses modelos, aqueles que
se destacaram na função de padrinhos e madrinhas tinham senhores que também foram
importantes nesse papel ou tiveram seu prestígio demonstrado de outras formas. Mas a
participação escrava nas relações de compadrio não foi de maneira alguma submissa ou
imposta. Os padrinhos e madrinhas cativos também utilizaram essa brecha na limitação
de seu alcance social e espacial como parte importante de estratégias motivadas pela
proteção de suas famílias, pela facilitação das constantes negociações que envolviam as
condições de cativeiro e pela esperança de conseguir liberdade, mesmo que para seus
descendentes. Era parte do processo de “pacificação” das senzalas segundo Góes e
Florentino, tornando possível a convivência entre senhores e escravos e entre os
próprios escravos, tão marcada pela violência do cativeiro. Mas também era um sinal
dos empreendimentos de cada indivíduo escravo em favor da libertação de sua
família.124
para o XIX (São José dos Pinhais - PR)". In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2004. 123 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J. Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 124 FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 – c.1850. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1997.
75
FONTES
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2 e 3.
Arquivo do Estado de São Paulo. Listas de habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira, 1835. Fonte Secundária:
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76
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ANEXOS
1 . Batizandos filhos de mães escravas com pais livres e conhecidos: Nome Mãe Pai Senhor da mãe Padrinho Madrinha Rita Benta Prozencio de
Almeida Tenente Domingos Machado
Américo Pinheiro Francisca Maria
Mateus Brígida Felipe dos Santos (forro)
Felisberto dos Santos
Manoel Teixeira Gertrudes Andrade
Calixto Brígida Felipe dos Santos (forro)
Felisberto dos Santos
Francisco (Maria dos Passos)*
Ana Pinheira (parda livre)
Euzébio Brígida Felipe dos Santos (forro)
Felisberto dos Santos
Joaquim de Andrade
Jesuína Andrade
Inocêncio Brígida Felipe dos Santos (forro)
Felisberto dos Santos
Justiniano (Maria dos Passos)*
Ana Maria
Teresa Brígida Felipe dos Santos (forro)
Felisberto dos Santos
Antonio (Antônio de Andrade)*
Luiza (Antônio de Andrade)*
Maria Mariana Joaquim Fernandes (forro)
Francisco das Chagas
Antonio Rodrigues
Emilia (Clara dos Santos)*
Joaquina Joana Joaquim Fernandes (forro)
Francisco das chagas
João Antonio Rufina Maria
Joaquina Rita José da Silva (forro)
Inácia Martins José Matias Freitas
Gertrudes Andrade (mulher)
Pedro Rita José da Silva (forro)
Inácia Martins Francisco Teixeira Freitas
----
Benedita Vitória Inácio (forro) Joaquim Batista Lourenço Justiniano
Maria de Araújo
Maria Rita José da Silva (forro)
Joaquim Pinto José de Andrade Maria Balbina
Gertrudes Rita José da Silva (forro)
Joaquim Pinto Manoel dos Santos
Maria Narcisa Bela
Maria Rita José da Silva (forro)
Joaquim Pinto Manoel Inácio Ludovina dos Santos
Cesário Maria Francisco Batista
Manoel Moreira Ricardo Franca Dona Clara dos Santos
Lucio Antonia Francisco de Paula (forro)
Maria Tavares Domiciano Pinto Maria Develancia
Ana Antonia Francisco de Paula (forro)
Maria Tavares José Inácio de Freitas
Gertrudes Maria
José Antonia Francisco de Paula (forro)
Maria Tavares Inácio dos Santos Laura da Rocha
Calorina Antonia Francisco de Paula (forro)
Maria Miranda Isaias José dos Santos
Rosa Maria
Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
* Entre Parênteses estão os senhores desses escravos.
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2. Batizandos livres, filhos de pais escravos com mães livres: Nome Mãe Pai Senhor do pai Padrinho Madrinha Fidencio Ana Maria Antonio Manoel de Paula
Teixeira João Teixeira Maria Possidonia
(esposa) Maria Constancia Antonio Manoel de Paula
Teixeira Malaquias (Cândido de Paula)*
Angélica (José Cardoso)*
Bento Constancia Maria
Antonio Manoel de Paula Teixeira
Bento (João de Paula Teixeira)*
Maria Carneira
Generosa Constantina Maria
Antonio Manoel de Paula Teixeira
Ananias (José Teixeira)*
Lauriana Rita – Forra
Maria Constantina Maria
Antonio Manoel de Paula Teixeira
Inácio Jose Domingos
Sebastião Constantina Maria
Antonio Manoel de Paula Teixeira
Telesforo (Francisco de Paula)*
Rosa Maria – Forra
Joana Constantina Maria Pontes
Antonio Manoel de Paula Teixeira
Francisco de Almeida
Claudiane Antunes
Pedro Angélica Maria Joaquim Manuela Monteiro
Pedro Prestes Rosa Maria (esposa)
José Benedita Maria Anastácio Manoel Mendes Manoel Teixeira Emergildes Torres Benedito Ana Vicência Teodoro Salvador
Machado José Cardoso Rita Maria Barbosa
(esposa) Escolástica Francisca Maria Teodoro Salvador
Machado José Francisco Godoi
Francisca Maria (irmã)
---- Juliana Julio Maria da Conceição
Benedito (Maria dos Passos)*
Lucinda (Maria dos Passos)*
Paula Juliana Francisca
Julio herdeiros de Maria da Conceição
Bento Romualdo Maria Almeida
Fortunato Leodora Francisco Rita do Nascimento
Lourenço (Rita do Nascimento)*
Marta (Rita do Nascimento)*
Benedito Luzia da Rosa José Vigário Generoso Vieira
Vigário Generoso Maria Rosa
Maria Maria Francisca Antonio Maria Rita José Antonio Benedita Maria Irineu Maria Francisca
Xavier Antonio Maria Rita Jose Manoel Ana Joaquina
Redomina Maria Francisca Xavier
Antonio Maria Rita Prudente Barbosa Maria da Luz
Felisbino Maria Xavier Antonio Benedito Aires Manuel Jordão Maria do Nascimento
Firmina Maria Xavier Antonio Benedito Aires Francisco Xavier Ana Placidina Rosa Maria Talegrafo Francisco
Teixeira José (Milequina dos Santos)*
Dorotea (Milequina dos Santos)*
Francisco Tomasia Francisco Nossa Senhora das Neves
José da Silva Joana Gonçalves (esposa)
Fonte: Assentos de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira. Livros 2 e 3.
* Entre Parênteses estão os senhores desses escravos.