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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM DANÇA
MAXIMILIANO GOMES DE LIRA
CONSCIÊNCIA CORPORAL: PERCEPÇÕES CORPORAIS NAS OFICINAS DE DANÇA MINISTRADAS NO PROJETO RONDON 2015.
NATAL/RN 2015
MAXIMILIANO GOMES DE LIRA
CONSCIÊNCIA CORPORAL: PERCEPÇÕES CORPORAIS NAS OFICINAS DE DANÇA MINISTRADAS NO PROJETO RONDON 2015.
Trabalho de conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura Plena em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de graduado em dança, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria de Lurdes Barros da Paixão.
NATAL 2015
MAXIMILIANO GOMES DE LIRA
Aprovado em 14 de dezembro de 2015.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria de Lurdes Barros da Paixão
Orientadora
____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio
Examinadora
____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lúcia de Fátima Amorim
Examinadora
DEDICATÓRIA
Ao
Curso de Licenciatura Plena em Dança da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, por me proporcionar os conhecimentos
da dança adquiridos durante o período da
graduação.
AGRADECIMENTOS
“Agradeço aos deuses, principalmente aqueles que dançam!”
A todos que me acompanharam e estiveram próximos durante toda a jornada
acadêmica.
A José Duarte pela paciência e escuta.
Aos meus pais que, desde os primeiros passos no curso demonstraram
felicidade de ter-me a caminho do Ensino Superior, notadamente na área de
conhecimento desejada.
A minha orientadora, Prof.ª Drª Maria de Lurdes Barros da Paixão que com
muita paciência dedicou seu tempo com carinho, determinação e empenho, na
orientação, nas correções e desenvolvimento deste trabalho.
Aos funcionários do Departamento de Artes.
Aos professores do Departamento de Artes, pelo compartilhamento do saber
durante todo o curso.
Aos coordenadores e participantes do Projeto Rondon que possibilitaram a
realização e aplicação dos conhecimentos teóricos e práticos da dança neste trabalho.
A Prof.ª Lúcia de Fátima Amorim pela confiança, oportunidade e possibilitar a
minha participação no Projeto Rondon no presente ano.
À turma de dança, 2012.1, pelos compartilhamentos de ideias e à grande
amizade que se tornou realidade.
Ao Gaya Dança Contemporânea, à professora e coordenadora Larissa Kelly
por todo o empenho, carinho e dedicação aos seus bailarinos e ao grupo.
Aos meus alunos Matinhenses pela cooperação e participação nas oficinas de
dança que idealizei e realizei no período do Projeto Rondon, especialmente à
magnífica Lillian Barrada Soeiro pelo relato das oficinas conjuntamente junto com
outros participantes, que juntos, proporcionaram-me maravilhosas e significativas
vivências para minha formação profissional e para a vida.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo relatar a experiência das oficinas ministradas no
Projeto Rondon no ano de 2015 na cidade de Matinha, interior do estado do
Maranhão/MA, local, onde foram vivenciadas práticas corporais com ênfase no
desenvolvimento da consciência corporal dos indivíduos. Foram utilizadas dinâmicas
e exercícios individuais e coletivos, com ênfase na percepção e no saber do corpo,
aspectos relevantes nos estudos da Eutonia. Assim, este artigo visa refletir sobre a
tonicidade do corpo que se move cotidianamente, um corpo que pode adquirir tônus
harmonioso e equilibrado. Foram abordados também os estudos do Método Dança-
Educação Física do professor Edson Claro (1949-2013), o saber do corpo da bailarina
Mirian Dascal e os estudos da Técnica Klauss Vianna. Estes estudos foram aplicados
na prática junto aos participantes das oficinas de dança no município de Matinha do
Maranhão, e contribuíram para desenvolver a consciência corporal dos indivíduos por
meio do ensino e da aprendizagem da dança em seus aspectos técnicos, estéticos e
criativos.
Palavras-chave: Dança. Eutonia. Consciência Corporal. Tônus muscular.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Primeiro dia de oficina. ............................................................................. 6
Imagem 2: Primeira Comissão Rondon na região amazônica em 1907. .................... 8
Imagem 3: Dia de atividade na comunidade de Codó. ............................................... 9
Imagem 4: Aplicação da dinâmica do andar. ............................................................ 12
Imagem 5: Personagem folclórico da região usado da apresentação. ..................... 20
SUMÁRIO
1. Introdução ........................................................................................................... 1
2. O Projeto Rondon – dados históricos, objetivos e finalidades ...................... 8
3. A abordagem da consciência corporal nas oficinas de dança ..................... 11
3.1 Dinâmica com bolas de tênis ....................................................................... 16
3.2 Dinâmica com cabos de vassoura ............................................................... 17
3.3 Dinâmicas de corpo e voz............................................................................. 17
3.4 Criação coreográfica em conjunto ............................................................... 18
4. A proposta e a criação coreográfica ............................................................... 18
5. Relato de experiências dos alunos acerca das descobertas e aprendizados
nas oficinas ........................................................................................................... 22
6. Considerações finais ........................................................................................ 24
7. Referências ....................................................................................................... 26
1
Introdução
O ingresso no curso de licenciatura em dança, no primeiro semestre do ano de
2012, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, possibilitou-me
vivências nas disciplinas práticas e teóricas, com destaque especial para o
Componente Curricular: “Conscientização Corporal”, que trata dos estudos de caráter
teórico-prático e da pesquisa de movimento para o desenvolvimento da consciência
corporal do aluno, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Maria de Lurdes Barros da Paixão1 no
segundo período do curso - 2012.2, a qual, contribuiu na definição da temática e dos
autores escolhidos para o Trabalho de Conclusão de curso - TCC.
Nessa perspectiva, passei a estudar e refletir de forma mais aprofundada, sobre
a Eutonia e a técnica de Klauss Vianna, visando aplicar esses estudos a uma
experiência prática, resultando no trabalho de conclusão de curso de graduação em
dança. Os Estudos da Eutonia e da Técnica Klauss Vianna, suas bases
epistemológicas, contribuíram para aprofundar o conhecimento sobre o corpo e a
dança, suas potencialidades e qualidades expressivas. Miller (2007, p.21) afirma que
“Klauss Vianna estimulou o dançar de cada indivíduo, anunciando que dança é um
modo de existir; é, portanto, vida, um corpo não automatizado, um corpo que se
escuta”.
Assim, a Eutonia e a Técnica Klauss Vianna orientam o trabalho desenvolvido
no TCC, visando à aplicação desses referenciais teóricos metodológicos nas oficinas
de dança com jovens e adultos na comunidade de Matinha/MA. O presente trabalho
tece ainda considerações específicas sobre a aplicação dos estudos da Eutonia e da
Técnica Klaus Viana aplicados à dança. A Eutonia
(...) compreende educação, terapia e arte do corpo. Seu objetivo é despertar e cultivar a consciência da unidade psicofísica de cada indivíduo e proporcionar, por meio de sua pedagogia, uma infinidade de recursos para o desenvolvimento pessoal e artístico. (DASCAL, 2008, p.25).
1 Professora Adjunta do Departamento de Artes da UFRN, Vice-Coordenadora do GT Pesquisa em Dança no Brasil da ABRACE – Biênio 2015-2017. Sócio efetiva da associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas- ABRACE. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa: Linguagens da Cena: Imagem, Cultura e Representação- LINCC/UFRN. Faz parte do Grupo interdisciplinar de Pesquisa, Rituais e Linguagens: a elaboração Estética/GIP/CNPQ/UNICAMP.
2
Os estudos da Eutonia de Gerda Alexander (1983), são um meio de
investigação dos estados corporais essenciais para a descoberta das potencialidades
do corpo. De acordo com Gerda:
A Eutonia convida-o a aprofundar essa descoberta em si mesmo sem se retirar do mundo, mas ampliando sua consciência cotidiana, permitindo-lhe liberar suas forças criadoras, possibilitando-lhe um melhor ajustamento a todas as situações de vida e um enriquecimento permanente de sua personalidade e de sua realidade social (1983, p.9).
Segundo Dascal (2008, p.25) “os conceitos práticos-teóricos da eutonia criam
um vasto campo de investigação, tanto em relação aos estados corporais quanto no
que diz respeito às possibilidades de criação de repertórios de movimentos que
expressam a pessoalidade”. A partir desses estudos aliados à minha experiência
como bailarino no exercício de diferentes práticas corporais, fui capaz de detectar de
forma imediata a possibilidade de trabalhar e aplicar esses conhecimentos em outros
corpos dançantes e verificar os resultados destes estudos em oficinas e aulas de
dança. Assim, o interesse pela técnica, denominada “Técnica Klauss Vianna” da
autora Jussara Miller, se deve à abordagem corporal que a Técnica permite aos
bailarinos, atores, dentre outros sujeitos, numa perspectiva de autopercepção e auto-
observação da mobilidade e expressividade de seus corpos. O objetivo primordial
deste trabalho é o de perceber o corpo na dança em sua totalidade e o
desenvolvimento da consciência corporal do indivíduo.
A Técnica Klauss Vianna pressupõe que, antes de aprender a dançar, é necessário que se tenha a consciência do corpo, de como ele é, como funciona, quais suas limitações e possibilidades, para, com base nessa consciência, a dança acontecer. E quando a dança acontece? Quando o corpo está disponível ao movimento para realizar uma comunicação por meio da expressão corporal, com a manifestação da dança de cada um. Portanto, a Técnica Klauss Vianna propõe, antes de mais nada, uma disponibilidade corporal para o corpo que dança; o corpo que atua; o corpo que canta; o corpo que educa; o corpo que vive (MILLER, 2007, p. 51-52).
Os estudos da Eutonia e da Técnica Klauss Vianna neste trabalho foram
relevantes para todo o processo de descoberta e construção da minha própria
consciência corporal como linguagem cênica aplicada a criação e a pesquisa de
material cênico-expressivo. Também pude observar o quão positivo era aplicar esses
3
conhecimentos nos meus experimentos e no experimento dos corpos de outros
indivíduos nas aulas de dança ministradas junto aos projetos de extensão da UFRN,
bem como em outras experiências dessa natureza.
As experiências vivenciadas na trajetória do curso de dança, bem como as
diferentes atividades de caráter teórico-prático aprendidas junto aos componentes
curriculares, foram colocadas em prática nos projetos de extensão coordenados pela
UFRN. Destaco como exemplo o projeto “Trilhas Potiguares”, que viabilizou a
inscrição dos alunos, vinculados à universidade, pelo Sistema Integrado de Gestão de
Atividades Acadêmicas – SIGAA2.
Os alunos inscritos no Trilhas Potiguares são selecionados e convocados para
desenvolverem atividades em diferentes áreas do conhecimento. Geralmente o
projeto se insere em comunidades de baixa renda do interior do estado do Rio Grande
do Norte. Cerca de vinte e dois discentes de diferentes áreas do conhecimento são
convocados para atuarem. Os coordenadores organizam as reuniões com os
discentes selecionados com o objetivo de informar as diretrizes operacionais dos
trabalhos, as atividades a serem desenvolvidas e o município em que cada um dos
discentes, e sua respectiva equipe realizará as atividades propostas.
Minha experiência com o Projeto Trilhas Potiguares, se deu no ano de 2013 no
município de Santana do Matos, localizado no interior do estado do Rio Grande do
Norte. Posteriormente ao ano de 2015 tive a oportunidade de desenvolver atividades
de dança no município de Vera Cruz, também localizado no interior do estado do Rio
Grande do Norte.
Considero as atividades de dança desenvolvidas no ano de 2013 e 2015 no
projeto Trilhas Potiguares de grande importância, tendo em vista que a realização
dessas atividades contribuiu sobremaneira para enriquecer e diversificar as vivências
e práticas da dança, numa perspectiva educacional e artística.
Embora o Projeto Trilhas Potiguares tenha sido relevante para minha formação
acadêmica, é necessário ressaltar que, o Projeto Rondon contribuiu de maneira mais
efetiva para uma experiência rica, não somente de ensino e aprendizagem na área da
dança, mas também de pesquisa e extensão na área das artes cênicas e em
diferentes contextos geográficos e culturais.
2 Sistema de integralização relacionadas as atividades acadêmicas e burocráticas entre servidores, docentes e discentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
4
A experiência vivenciada no Estado do Maranhão e os desafios encontrados
na execução do projeto, tendo em vista a elaboração de um planejamento de aulas
de dança para ser aplicado e desenvolvido com sujeitos diversos em faixa etária e
singulares características corporais foi um grande desafio, pois, as aulas de dança
para crianças, jovens e adultos devem levar em conta suas diferentes e diversas
histórias corporais e sensório-motoras no processo de ensino e aprendizagem da
dança.
Nas reuniões que anteciparam a data de realização do Projeto Rondon, a Prof.ª
Dr.ª Lúcia de Fátima Amorim3 solicitou dos coordenadores e demais participantes do
projeto uma ampla visão das atividades relacionadas as artes, dentre estas a dança,
o teatro e as artes visuais. O planejamento das aulas e demais atividades no projeto
Rondon foram feitos com base nas experiências e vivências dos alunos dos diferentes
cursos de graduação da UFRN. O planejamento do projeto e sua eficácia, se deu
através da relação direta entre a respectiva área de conhecimento do estudante
selecionado e o seu trabalho junto as comunidades atendidas pelo projeto.
No caso específico da dança, as questões colocadas para o planejamento das
aulas, orientam o discente quanto à metodologia a ser adotada nas oficinas para a
comunidade, isto é, como e o que trabalhar com os diferentes sujeitos envolvendo as
técnicas corporais e os temas específicos para o desenvolvimento técnico, artístico e
criativo.
As oficinas de dança foram realizadas durante vinte dias corridos, divididos em
dois turnos diurnos, matutino e vespertino, com duração de quatro horas em cada
turno, totalizando oito horas por dia.
O objetivo principal do trabalho realizado nas oficinas de dança foi aplicar os
conhecimentos e os estudos teórico-práticos sobre o desenvolvimento da consciência
corporal dos indivíduos aplicado à dança. Nessa perspectiva, o referencial teórico
metodológico da Eutonia de Gerda Alexander, o livro intitulado “Eutonia: o saber do
corpo” da Mirian Dascal4, o Método Dança-Educação Física do professor Edson Claro5
3 Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil (2004) e
professora adjunta II da mesma instituição. 4 Bailarina e terapeuta corporal, com mestrado em artes pela UNICAMP. Especialista em eutonia,
formada, em 1991, na Argentina, pela primeira escola de eutonia da América Latina. Diretora do Espaço Aanga Arte-Educação do Movimento, em São Paulo. 5 Graduado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (1974), mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (1988) e doutorado em Psicologia Escola e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (1994).
5
e o estudo da Técnica Klauss Vianna da autora Jussara Miller6, foram utilizados como
referenciais para as considerações e reflexões apresentadas nestes escritos. Assim,
estes estudos foram aplicados visando, perceber o corpo e o desenvolvimento da
consciência corporal dos diferentes sujeitos nas oficinas de dança do Projeto Rondon
no município de Matinha do Maranhão.
Nas oficinas de dança que ministrei coloquei em prática as técnicas corporais,
com ênfase na respiração, no alongamento, nas articulações e “soltura do corpo”7.
Assim, também, foram relacionados aos métodos com foco na profilaxia do
movimento8 e equilíbrio do tônus muscular. Dessa forma,
Temos um tônus de base e um contínuo movimento muscular. O fluxo muscular se altera, algumas vezes pode haver mais tensões e outras vezes menos tensões, mas nunca para, ou seja, sempre temos tensão. O grau de atividade de um músculo, ou seu tônus, nunca chegar a “zero”, exceto em casos de paralisia, sob o efeito de anestesia ou quando se está morto (DASCAL, 2008, p.65).
A observação dos corpos em movimento de dança em diferentes variações de
dinâmica e ritmo corporal tornaram perceptíveis as singularidades de cada aluno nas
oficinas, bem como, pude perceber suas diferentes potencialidades gestuais, níveis
de tensões musculares e equilíbrio de eixo corporal, dentre outros aspectos
observados.
6 Bailarina. Coreógrafa e educadora corporal, graduada em Dança pela Universidade de Campinas (UNICAMP), mestre e doutorada em Artes pela mesma instituição. 7 Termo usado pelo Prof.º Edson Claro em seu livro Método dança-educação física: uma reflexão sobre consciência corporal e profissional (São Paulo: E. Claro, 1988) “que se baseia, literalmente, em mexer as partes do corpo”. 8 “Profilaxia do movimento tem como objetivo maior alguns dos aspectos importantes da área de Higiene, como a prevenção de lesões, a conservação de um bom estado de higidez, a importância da consciência corporal e os benefícios de atividade prática realizada com economia de esforço” (CLARO, 1988, P.189).
6
Imagem 1: Primeiro dia de oficina.
Fonte: GOMES DE LIRA, 2015.
A partir das vivências em dança, os alunos realizaram diferentes dinâmicas
corporais e colocaram questões relacionadas às experiências das aulas dos dias
anteriores. A título de exemplo, vale destacar algumas questões: Se o meu corpo se
move para direita ele também se move para esquerda? Se meu corpo tem uma parte
da frente ele também tem uma parte de trás? Eu posso cair e levantar, torcer,
empurrar, pular? Estes e outros questionamentos surgiram nas oficinas.
Essas indagações foram formuladas pelos alunos, e possibilitaram a troca de
experiência e de informações entre eles, como também colaborou na adequação e
reorganização dos conteúdos das oficinas. Esses exercícios promovem a melhoria da
sensibilidade corporal e da gestualidade expressiva e criativa dos indivíduos.
O objetivo das oficinas foi possibilitar aos os alunos conhecer, compreender, e
saber lidar com o seu corpo, numa perspectiva de autoescuta e autoinvestigação
corporal. Os objetivos se coadunam com a afirmação de Klauss Vianna (2005, p.150)
“meu trabalho, portanto, busca dar espaço para a manifestação do corpo, com os
conteúdos da vida psíquica, das expressões dos sentidos, da vida afetiva”.
A partir dos exercícios direcionados para “acordar” o corpo e desenvolver sua
expressividade e criatividade, também foi possível observar as tensões e couraças
7
dos corpos dos alunos nas oficinas. Houve a necessidade de desenvolver um trabalho
de consciência corporal, de autoconhecimento das possibilidades e capacidades e
habilidades motoras, técnicas, expressivas e criativas de cada indivíduo envolvido.
Na realização das oficinas apliquei as estratégias abaixo relacionadas, que
neste trabalho denominei de dinâmicas:
Dinâmica com bolas de tênis;
Dinâmica com cabos de vassoura;
Dinâmica de corpo e voz;
Criação coreográfica em conjunto;
A partir da aplicação dessas dinâmicas utilizadas nas oficinas de dança,
observei uma melhoria na execução das diferentes práticas corporais realizadas pelos
alunos. Descobertas significativas foram sendo testadas e trabalhadas. As dinâmicas
possibilitaram aos alunos refletir sobre o fazer e o pensar a dança problematizando
questões relacionadas ao corpo, por meio da experimentação e das vivências nos
processos de criação e formação técnico-corporal e estética. Essas estratégias de
ensino possibilitam uma prática de dança que contribui na melhoria da qualidade de
vida dos indivíduos.
O trabalho desenvolvido foi orientado com base nos tópicos abaixo
relacionados:
O Projeto Rondon – dados históricos, objetivos e finalidades.
A abordagem da consciência corporal nas oficinas de dança.
A proposta e a criação coreográfica.
Relato de experiências dos alunos acerca das descobertas e aprendizados nas
oficinas.
8
1. O Projeto Rondon – dados históricos, objetivos e finalidades
O Projeto Rondon9 é uma iniciativa do Governo Federal Brasileiro coordenado
pelo Ministério da Defesa, em colaboração com a Secretaria de Educação Superior
do Ministério da Educação – MEC. Criado em julho de 1967, durante a Ditadura Militar,
num momento de grande efervescência no país, mas foi extinto no ano de 1989.
Naquele ano, participaram de suas atividades mais de trezentos e cinquenta mil
estudantes de todas as regiões do País.
No ano de 2005, o Projeto Rondon foi relançado pelo Governo Federal a pedido
da União Nacional dos Estudantes – UNE, e atendeu nesse ano, mais de oitocentos
municípios, totalizando cerca de doze mil rondonistas10.
Imagem 2: Primeira Comissão Rondon na região amazônica em 1907.
Fonte: Site oficial do Projeto Rondon.
Atualmente, o Projeto Rondon se encontra em processo de consolidação de
suas atividades comprovada pela participação em larga escala das universidades e
dos discentes de diferentes regiões do país inseridos nas atividades do projeto.
9 Informações retiradas do site oficial do Projeto Rondon, para mais detalhes acessar o link: http://projetorondon.pagina-oficial.com/portal/. 10 Termo usado para identificar os participantes discentes das universidades do país ao Projeto Rondon.
9
O Projeto é caracterizado por práticas socioeducativas, que constituem
ferramenta capaz de potencializar a cultura e transformar a dimensão social e
educativa dos diferentes sujeitos, através das atividades propostas e executadas.
As atividades desenvolvidas no projeto Rondon podem vir a contribuir na
conscientização dos jovens universitários que participam do projeto, tendo em vista a
necessidade do trabalho socioeducativo e da troca de conhecimentos gerados frente
ao trabalho nas comunidades. A imagem abaixo ilustra uma das atividades em uma
comunidade próxima a cidade de Matinha, onde foram ministradas oficinas de dança,
palestra sobre sexualidade e prevenção, oficinas de fuxico e dentre outras.
Imagem 3: Dia de atividade na comunidade de Codó.
Fonte: STRAUB, 2015.
O Projeto Rondon tem como objetivos fundamentais:
Contribuir para a formação do universitário como cidadão.
Integrar a formação universitária ao processo de desenvolvimento nacional, por
meio das ações participativas e efetivas na realidade no país.
Consolidar o sentido de responsabilidade social e coletiva em prol da cidadania
e o estímulo ao estudante universitário.
10
Criar e produzir projetos coletivos locais nas comunidades dos municípios
assistidos.
A execução do Projeto Rondon possui etapas que são mediadas por cada um
dos grupos representantes das Instituições de Ensino Superior. Estes, por sua vez,
executam seus planos em diferentes municípios de acordo com as necessidades de
cada contexto. As etapas abaixo relacionadas orientam o desenvolvimento e
aplicação do projeto, visando à obtenção de resultados positivos.
Planejamento;
Reconhecimento;
Divulgação do convite para as IES;
Inscrição da instituição;
Elaboração do plano de trabalho;
Seleção das propostas de trabalho das IES;
Viagem precursora;
Preparação e composição das equipes;
Cadastramento;
Operação;
Relatório;
O Projeto Rondon desenvolve ações comunitárias de caráter socioeducativo
em regiões consideradas prioritárias e com maiores índices de pobreza e exclusão
social, geralmente em áreas afastadas dos grandes centros urbanos. As áreas
escolhidas são as que necessitam de aportes de bens e serviços, onde a atuação do
projeto favorecerá uma melhoria na qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos.
Assim, o projeto prioriza as regiões do norte e nordeste do país, por serem estas
regiões as que possuem o maior índice de desigualdade, pobreza e exclusão social.
O Rondon possibilita que o formando atue em sua área de conhecimento e
enriqueça seus saberes e competências profissionais, a partir do que foi proposto pelo
coordenador. A proximidade e a emergência de laços afetivos com a população mais
pobre possibilitam um grande fortalecimento de vínculo entre o profissional e o aluno,
11
presente nas oficinas, e consequentemente pode refletir-se numa práxis pedagógica
afetiva e humana.
2. A abordagem da consciência corporal nas oficinas de dança
No dia-a-dia realizamos uma infinidade de movimentos que acabam revelando a relação que costumamos manter com nosso corpo e com tudo mais que nos cerca. Se observarmos, por exemplo, o ato de andar, veremos como é possível identificar características muito distintas de comportamento. Dependendo da relação que os pés estabelecem com o chão podemos expressar agressividade, dor, alegria ou até mesmo ausência. Mas o simples ato da observação já interfere na minha maneira de andar, pois tudo aquilo que é observado – o contato dos pés com o chão, a posição dos joelhos e quadris, a colocação do tronco em relação as pernas, a posição da cabeça em relação ao tronco – acaba sofrendo uma interferência (VIANNA, 2005, p.119).
O trecho acima reflete as atividades e estratégias que realizei nas oficinas de
dança no Projeto Rondon no ano de 2015, na cidade de Matinha/MA. O livro “A Dança”
(2005), de Klauss Vianna (1928-1992), orientou o trabalho junto às oficinas de dança
no Projeto Rondon referente às diferenças e singularidades observadas e encontradas
nos corpos dos alunos inseridos nas aulas de dança que ministrei.
A partir das leituras e da aplicação dos referenciais teóricos-metodológicos do
autor, passo a descrever as atividades nas oficinas dentro do projeto Rondon, cujo
foco principal foi o desenvolvimento da consciência corporal dos participantes.
Uma das atividades que trabalhei com os alunos nos primeiros dias da oficina
de dança foi a experimentação do andar, o objetivo dessa atividade foi dirigir a atenção
dos alunos para os pés. Os comandos propostos na sala de aula foram para
caminharem pela sala, perceber e posteriormente descrever o que sentiram ao tocar
com a região plantar11 dos pés no solo.
11 Região chamada popularmente de sola dos pés.
12
Imagem 4: Aplicação da dinâmica do andar.
Fonte: GOMES DE LIRA, 2015.
Logo após os primeiros comandos, observei que os corpos colocavam-se em
posturas corporais incorretas, ou seja, os corpos caminhavam empurrando o quadril
para frente ou para trás, pois, o tronco apresentava-se fora do eixo central corpóreo,
que de acordo com os referenciais teóricos dos estudos, anatômicos, somáticos,
eutônicos e da consciência corporal localiza-se entre as espinhas ilíacas. Considero
esta orientação significativa na prática de dança, pois um corpo consciente e bem
colocado no seu eixo central realiza os movimentos de forma orgânica, isto é, não há
ruídos, todo corpo se move em uníssono.
Para os especialistas dos estudos somáticos dos quais derivam os estudos
sobre a Eutonia, estudos sobre a consciência corporal, dentre outras técnicas
corporais, comprovadamente pode se aferir ao grau de afastamento do corpo do eixo
central, pela inclinação exagerada do corpo para frente ou para trás em que a coluna
vertebral fica fora do eixo central corpóreo. De acordo com Jussara Miller o
desenvolvimento corporal dos tópicos do processo lúdico “proporcionam o eixo global,
ou seja, a integração do corpo com a gravidade na conquista do equilíbrio” (2007, p.
73). Nessa perspectiva, observei nas oficinas de dança que, os corpos dos alunos,
visivelmente apresentavam acentuadas curvaturas em suas colunas vertebrais como
13
lordoses, escolioses, cifose, dentre outras alterações de ordem morfofuncionais.
Assim,
Para o alinhamento ósseo, utilizamos o caminho de baixo para cima, iniciando nos pés e chegando à cabeça. Observamos os apoios dos pés e como estes interferem em toda a estrutura de equilíbrio, sustentação e locomoção. O contato dos pés com o chão interfere na posição dos joelhos, da bacia, do tronco e da cabeça. Considerando os pés a base e a raiz da grande “árvore humana” (MILLER, 2007, p. 74).
Posterior às observações descritas acima, concluí que o afastamento do eixo
central do corpo também é consequência do elevado nível de tensões musculares
geradas no cotidiano dos indivíduos de diferentes idades, sexo e posição social. De
acordo com Dascal (2008, p.68) “a tonicidade repercute no ser humano como um todo.
A vida afetiva, os estados emocionais alteram o tônus e a maneira como é distribuído
no corpo”.
Neste viés, desenvolvi em outro momento das oficinas uma variação da
dinâmica do andar, por exemplo: andar pela sala pisando o chão com a borda externa
dos pés, pisando o chão com a borda interna, pisando o chão com o metatarso12 e
pisando o chão com o calcanhar. Essas diferentes propostas e atividades de caminhar
sobre o solo explorando as diferentes regiões dos pés contribuiu para que eu
desenvolvesse e realizasse atividades corporais diferenciadas com os alunos, visando
corrigir e melhorar a sua percepção e consciência corporal nas aulas de dança. Assim,
a direção dada durante a realização dos exercícios era o de focar e estar atento de
onde parte ou se inicia a ação corporal, ou seja, a ênfase dada era a de ficar sempre
atento ao exercício, com ênfase na região específica a ser trabalhada.
Nessas atividades eu solicitava aos alunos que tocassem nos seus corpos, e
sentissem o tônus muscular, para que eles pudessem gradualmente avaliar o nível
positivo ou negativo das tensões musculares necessárias para geração de energia na
realização de uma dança, de um salto, ou simplesmente de uma caminhada. Dessa
forma,
Observando atentamente o meu andar, percebo a relação de apoio que tenho com o chão e como o meu corpo atua em movimento. A
12 Região do pé que compõe os cinco ossos metatársicos, os quais fazem ligação com os dedos dos pés.
14
minha maior ou menor liberdade de movimento ao andar vai, assim, tornando mais clara a relação de equilíbrio que costumo manter com o solo, o espaço, a gravidade e o meu próprio corpo (VIANNA, 2005, p.121).
A ênfase no trabalho dos pés ampliou as possibilidades de movimentos no
andar, deste modo, a partir dessas atividades, os alunos puderam explorar o espaço
no corpo e o corpo no espaço, vivenciando a tridimensionalidade espacial que é
fundamental no trabalho de dança, seja em seus aspectos técnicos ou nos aspectos
criativos da composição coreográfica. Assim, na exploração do caminhar e do correr
ocupando os diferentes espaços da sala de aula, observando como e para onde se
movem os corpos, nota-se que, as diferentes articulações funcionam como alavancas
que direcionam e indicam o limite dos corpos.
Ao realizar um determinado movimento, isto é, o andar e o correr solicitam do
praticante não somente as articulações e os apoios dos pés, mas também das pernas
e do tronco que impulsiona a realização da ação corporal em sua totalidade. Essa
ação corporal pode ser realizada com maior ou menor grau de intensidade ou esforço,
isto significa dizer, que a consciência que os diferentes sujeitos têm de seu corpo, de
suas possibilidades ósseo-articulares e sensório-motoras determinam a qualidade do
movimento expressivo na dança.
O tempo acelerado ou desacelerado que executamos ao andar, ou ao correr
na vida cotidiana foram atividades trazidas para a oficina de dança. Acrescentei a
essas atividades, variações de dinâmica e ritmo com objetivo de desestabilizar os
corpos, tira-los de sua zona de conforto, pois as ações cotidianas podem ser um
manancial para recriar e aplicar nas aulas de dança, porém deve-se estar atento que
na dança, o andar e o correr adquirem outros significados e perspectivas estéticas e
expressivas.
Nesse sentido, as mudanças e variações de dinâmicas efetuadas de forma
brusca ou repentina, com alternância do foco visual provoca e desafia os corpos dos
alunos a agirem no tempo exato da ação, e assim a dança e o movimento são a todo
instante recriados, refeitos e redimensionados.
15
Segundo Laban:
A observação e análise das ações corporais será muito simplificada se compreendermos que os movimentos de algumas das partes do corpo são realizados, consciente ou inconscientemente, em relação a
um objeto externo ou ponto de interesse (1978, p. 93).
A opção de trabalhar nas oficinas com essas estratégias, ao mesmo tempo que
causa instabilidades e rupturas no pensamento e na ação do corpo em movimento,
também proporciona uma maior liberdade na criação e no ensino-aprendizagem da
dança, em diferentes perspectivas educacionais, artísticas, estéticas e criativas.
Na realização das atividades, inicialmente os alunos se mostraram inibidos,
posteriormente à medida que iam se sentindo à vontade e compreendendo a proposta
de trabalho, os mesmos passaram a participar integralmente de todas as atividades
com desenvoltura e entrega na realização dos movimentos. Vale destacar que o
desenvolvimento e a abordagem da consciência corporal de cada sujeito envolvido
nas oficinas de dança proporcionou a cada participante, condições de apreender o
movimento a partir de suas descobertas individuais e coletivas, por meio de perguntas
e respostas ao seu próprio corpo. O trabalho desenvolvido aglutina três princípios
fundamentais para o desenvolvimento da consciência corporal em linguagem de
dança: a observação, a experimentação e a criação de movimentos. A partir desses
três princípios o aluno realizava o movimento e levava a atenção para a parte do corpo
que estava executando a movimentação, assim, partia dessa experimentação para a
criação e execução de possibilidades de movimentações.
Nessa perspectiva, nas oficinas de dança o comando a ser seguido pelos
alunos não era o de reproduzir os movimentos que eu desse, mas sim, observar,
praticar e criar possibilidades de mover o corpo a partir da autodescoberta, da escuta
do corpo, de suas necessidades, vontades e possibilidades de mover-se no tempo e
no espaço, condições imprescindíveis na dança. Para Miller (2007, p.55)
“estabelecem-se o reconhecimento das articulações e a exploração dirigida das
possibilidades dos movimentos articulares em diferentes situações no espaço”. Para
a autora, ainda,
Estimulamos o aluno a (re)conhecer o próprio corpo, para que ele possa promover a transformação gradual de ausência corporal para
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presença corporal, ou seja, da “dormência” para “o acordar”, e, consequentemente, disponibilizar o corpo para lidar com o instante do momento presente. Essa transformação se dá pelo despertar dos cinco sentidos, mediante os quais nos relacionamos com o mundo e desenvolvemos o sentido cinestésico, que compreende a percepção do corpo no espaço e no tempo (MILLER, 2007, p. 54).
2.1 Dinâmica com bolas de tênis
Esta dinâmica foi aplicada na oficina de dança visando “acordar” as articulações
dos pés e proporcionar aos alunos a percepção dos diferentes apoios dos pés. Miller
(2007, p. 75) afirma que, “o trabalho de direções ósseas está mapeado em oito vetores
de força distribuídos ao longo do corpo. Inicia-se o estudo desses vetores pelos pés e
finaliza-se no crânio”. A reflexão acerca dos objetivos do trabalho de percepção e
consciência corporal na dinâmica com as bolas de tênis chamou atenção sobre o
quanto essa ação pode ajudar a acionar musculaturas específicas para o
desenvolvimento da auto-observação, reflexão e consciência corporal de cada aluno
envolvido nas oficinas de dança.
A dinâmica com bolas de tênis possibilitou o desenvolvimento da consciência
corporal que se inicia com atividades realizadas na região dos pés. Assim, o trabalho
dos pés se inicia no metatarso, denominado por Miller (2007) de primeiro vetor do
corpo. Acredito que o trabalho do metatarso oferece uma base mais segura para o
equilíbrio corporal.
O metatarso consiste em cinco ossos metatársicos localizados no pé. É importante preservar os espaços articulares entre eles para que haja uma distribuição adequada do peso do corpo nos três pontos de apoio do pé: o primeiro metatarso, o quinto metatarso e o calcâneo, o “triângulo do pé”. Que oferece a base segura para o corpo em sua totalidade (MILLER, 2007, p. 77).
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2.2 Dinâmica com cabos de vassoura
Esta dinâmica teve como foco principal, sensibilizar o corpo a partir da base de
apoio dos pés no chão, possibilitando a movimentação de transferência de seu peso
como suporte. De acordo com Miller (2007, p. 67) “qualquer contato que o corpo
estabeleça com o chão deve ser considerado suporte, suporte este que provém do
solo, ou como transferência do corpo, acionando o movimento com base na pressão
dos apoios no chão”. Esta ação pode ser vivenciada pela movimentação do corpo para
frente e para trás, como um pêndulo, facilitando dessa maneira, o lançamento e a
recepção do objeto utilizado nesta dinâmica.
Assim, a atenção nas atividades com os cabos de vassoura possui
característica multifocada, isto é, o corpo trabalha em foco direto, com atenção
direcionada para o bastão. O objeto colocava-se apoiado no centro da mão de cada
um dos participantes das duplas e estes se movimentavam pela sala ao ritmo da
música, assim, para dificultar a dinâmica o bastão era movido para a extremidade do
dedo indicador, onde a base de apoio era menor e a atenção ao exercício era
amplificada. Nota-se nessa atividade que a ação corporal somente acontece de forma
orgânica quando há a participação de todo o corpo na ação, a partir do momento em
que este balança como um pêndulo, acelerando e desacelerando os movimentos.
2.3 Dinâmicas de corpo e voz
Nesta atividade o objetivo principal foi desenvolver com os alunos a percepção
da respiração, associada à realização dos movimentos corporais. A escuta corporal
se deu ao nível das articulações da face, envolvendo a boca, a voz e a produção de
sons, por meio de músicas cantadas pelos alunos. Este exercício promoveu uma
melhoria da qualidade e fluidez na realização dos movimentos de dança, quando
associado com os exercícios de respiração. Essa dinâmica visa estabelecer conexões
orgânicas entre corpo, voz, movimento e o tônus adequado para realização dessas
atividades. Para Dascal,
O corpo tem possibilidades de manifestar todas as variações de tônus que a vida cotidiana e profissional exige, mas nem sempre temos o
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tônus adequado. O trabalho em eutonia visa ao estabelecimento da tensão harmoniosa, o equilíbrio das diferentes tensões que coexistem no corpo, um equilíbrio do tônus geral. A ação sobre o tônus acontece ao dirigir a atenção para determinadas partes do corpo, observando sua forma, seu volume, seu espaço interno, estimulando a sensação da pele, dos tecidos, dos órgãos, do esqueleto e do espaço interior dos ossos (DASCAL, 2008, p. 51).
Nessa perspectiva, este trabalho com a respiração, possibilitou aos alunos nas
oficinas de dança perceber e vivenciar a relação entre corpo, voz e movimento na
dança.
2.4 Criação coreográfica em conjunto
As atividades realizadas com os alunos nas oficinas de dança no Projeto
Rondon na cidade de Matinha/MA, juntamente com as observações realizadas nas
dinâmicas e estratégias aplicadas nas aulas, foram o início do processo de criação
coreográfica. Nessa perspectiva, apresentei aos alunos a proposta de concepção
coreográfica, a qual seria realizada de forma coletiva, ou seja, a criação da
coreográfica se daria em processo de experimentação e descoberta de todos os
alunos presentes e inseridos nas oficinas. Inicialmente destaquei a importância de
pensarmos juntos, um tema ao contexto cultural da cidade de Matinha. O município
possui um significativo conhecimento prático sobre as danças tradicionais da região.
Assim, o eixo norteador na criação coreográfica para apresentar no encerramento das
atividades do Projeto Rondon na cidade foi a coleta de informações e seleção de
material sobre as danças tradicionais da região.
3. A proposta e a criação coreográfica
No primeiro dia de oficina de dança, apresentei aos alunos o planejamento das
aulas que iam ser aplicadas nas oficinas discorrendo sobre o referencial teórico
adotado nas mesmas. Assim expliquei a importância desses referenciais aplicados a
dança. Destaquei a Eutonia, citando a autora Mirian Dascal (2008, p. 50) que afirma:
“alguns dos objetivos essenciais da Eutonia são levar a pessoa a sentir, perceber e
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conhecer sua realidade somática que amplia os níveis de consciência sobre si mesmo,
o que contribui para liberar seu potencial energético e criativo”. Também fiz
comentários acerca da Técnica Klauss Vianna (Miller, 2007) e seus princípios
fundamentais; o “processo lúdico” que segundo Miller (2007, p. 53) é a introdução à
Técnica Klauss Vianna, que é denominada de “o acordar”, onde são abordados os
sete tópicos corporais, que são eles: presença, articulações, peso, apoios, resistência
oposições e eixo global; e o “processo de vetores” que também segundo Miller (2007,
p. 75) se fundamenta no trabalho de direções ósseas e está mapeado em oito vetores
de força distribuídos ao longo do corpo. Fiz referência ao Método Dança-Educação
Física relacionando ao estudo da profilaxia do movimento do autor Edson Claro (1988,
p.189) o qual discorre sobre: “a prevenção de lesões, a conservação de um bom
estado e higidez, a importância da consciência corporal e os benefícios da atividade
prática realizada com economia de esforço”.
Posteriormente a esses referencias de cunho teórico-metodológico abri o
espaço de diálogo com os alunos das oficinas de dança, para discutir como seriam as
estratégias e temática utilizadas na composição coreográfica. É importante ressaltar
que nesta etapa de criação coreográfica trabalhamos conjuntamente com os alunos
da oficina de teatro, consequentemente, o trabalho de composição coreográfica foi
enriquecido, embora o grau de dificuldade e a complexidade na montagem cênica
fossem uma preocupação, na verdade, constituíram-se em mais um desafio a ser
vencido nessa etapa de finalização dos trabalhos de dança no Projeto Rondon.
Deste modo, optei por inserir na composição coreográfica danças de tradição
da região de Matinha, a exemplo da dança do boi, por, acreditar na importância de se
levar em consideração, os aspectos socioculturais da região em que a dança está
sendo realizada.
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Imagem 5: Personagem folclórico da região usado da apresentação.
Fonte: GOMES DE LIRA, 2015.
A relação entre professor e aluno nas oficinas de dança foi intensa e rica com
uma significativa produção de ideias para a criação coreográfica coletiva.
Por ser um espetáculo de dança e teatro, optei em usar maquiagem
diferenciada nos respectivos alunos.
Na perspectiva coreográfica foram utilizadas movimentações da dança do boi,
as quais foram executadas em pequenos saltos para frente e para trás. A execução
dessas movimentações exige do corpo uma base de apoio e de transferência de peso
e suporte no solo que se concentra na base plantar, ou seja, nos pés, que apoiados
no chão realizam os deslocamentos e as evoluções do corpo no espaço, necessárias
para a dança acontecer. Miller (2007, p. 67) diz que “o chão tem função primordial
para o reconhecimento dos pontos de apoio, tanto na pausa, quanto no movimento,
na passagem de uma posição para outra”.
Para a movimentação do personagem, denominado de Boi Rondon, foram
trabalhadas em sala de aula exercícios para desenvolver as possibilidades de
movimentações da coluna vertebral, como: o andar com o apoio dos pés em segunda
posição paralela. Nessa posição, os pés estão afastados e localizados entre as
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espinhas ilíacas e alinhados com os calcanhares, visando manter o corpo dentro do
eixo corporal.
A postura descrita acima facilita a exploração da movimentação do tronco
flexionado para frente, dando um maior equilíbrio ao corpo do dançarino, nessa
posição o corpo realiza movimentos sinuosos que são acionados na cabeça com a
ajuda da coluna vertebral e se expandem pela região pélvica. A sensação desse
movimento é de que a cabeça é mais pesada que o corpo e ela se movimenta para o
lado direito e para o lado esquerdo, o movimento embora comece na cabeça é
impulsionado pela coluna vertebral, pelo centro do corpo, que fica estável no início do
movimento para que a cabeça seja o elemento propulsor do gesto.
Observa-se que, na dança do boi é a cabeça que parte para o ataque, para
preservar a sua vida, pois é na cabeça que está a sua defesa, nos chifres. Por esse
motivo a dança é feita com base nesse princípio de sobrevivência do animal, e a
cabeça é, portanto, o lugar de origem do movimento na dança do boi. De acordo com
Miller (2007, p. 74) “a coluna vertebral é um meio de união entre a bacia, a caixa
torácica e a cabeça. Para trabalhar bem essa união, é preciso explorar tanto a
sustentação quanto a flexibilização da coluna”.
No sábado dia 30 de fevereiro de 2015 às 18 hrs ocorreu a apresentação do
espetáculo intitulado Um casamento caipira em roda da dança. O espetáculo foi bem
aceito pela comunidade e demais integrantes, assim como pela coordenação do
Projeto Rondon e demais representantes do município.
O processo de ensino-aprendizagem no projeto Rondon rendeu ótimos frutos
referente a troca de novos conhecimentos no ensino, e na aprendizagem da dança
que se deu por meio das atividades propostas, em que o diálogo e as discussões na
sala de aula foram fundamentais para a obtenção dos resultados positivos das
oficinas.
As experiências vivenciadas nessas oficinas como professor de dança foram
significativas para minha formação profissional e humana. De forma mais efetiva, o
processo criativo em conjunto proporcionou condições de avaliar o que foi aplicado e
vivenciado nas aulas pelos alunos presentes durante as oficinas. Dessa forma,
As coreografias nascem de uma mesma necessidade, que não é saciada nas estreias, pois o processo de criação sempre está em movimento e aperfeiçoamento. O espetáculo acontece como continuação de experiência. A criação não está só no produto, mas no
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percurso, portanto não é um fim, mas um meio de validar a pesquisa que está em constante transformação (MILLER, 2007, p. 97).
4. Relato de experiências acerca das descobertas e aprendizados
nas oficinas
Ao final de todo o trabalho realizado nas oficinas de dança solicitei aos alunos
que escrevessem sobre as experiências vivenciadas nas oficinas. Segue abaixo o
relato escrito por um grupo de alunos:
Em janeiro de 2015 chegava em Matinha, cidade da baixada maranhense, um
projeto que lançou as sementes da dança em nossa cidade, e até hoje colhemos os
frutos. As oficinas trouxeram várias opções de participação, de crianças e idosos, nas
atividades do projeto. O projeto chegou durante os festejos do padroeiro da cidade,
São Sebastião, e foi aquele burburinho, todos se perguntavam, quem são aquelas
pessoas vestidas de amarelo, que nós carinhosamente apelidamos de amarelinhos.
Os amarelinhos se apresentaram para a nossa comunidade e falaram do
projeto, e como foi bom ouvir que todos poderiam participar. A cidade ficou
entusiasmada, pois, era no período de férias, então aqueles que moravam e
trabalhavam em outras cidades também poderiam participar do projeto Rondon.
Nós escolhemos a oficina de dança com o professor Max Lira por nos
identificarmos mais com essa arte. Como a procura foi grande, a turma de dança foi
divida em dois turnos, e a nossa turma fez aula pela tarde. Falar do Projeto Rondon,
em especial das oficinas de dança, é também falar da grande importância das aulas
de dança para nossa saúde e autoestima, foi legal descobrir que desejar boa sorte na
estreia do espetáculo pode ser dito como “Merda”. A integração com as pessoas que
encontramos nas ruas e nunca tínhamos falado e que devido às oficinas de dança do
Projeto Rondon possibilitou o convívio como colegas e hoje temos muitos amigos por
causa das oficinas de dança.
O diferencial nas oficinas de dança foi o que o professor Max trouxe para nós,
as atividades corporais, os aquecimentos de voz, as dinâmicas de conhecimento de
espaço foram inesquecíveis. Depois de muitos dias em sala de aula aprendendo,
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chegou o momento de criar uma coreografia junto com a turma de teatro para o nosso
dia de apresentação na praça de eventos da cidade. Pensamos, nossa, e agora
estamos sozinhos!, o professor Max nos passou a tranquilidade que nos deixou mais
confiantes e foi isto que nos ajudou a superar o medo e atingir as nossas expectativas
de dançar um espetáculo pela primeira vez. Fizemos uma apresentação pública na
praça da cidade, o público presente estava eufórico com a nossa apresentação
artística.
Durante a realização do projeto tivemos a oportunidade de conhecermos
algumas músicas e danças de outros estados, etc. Um dia antes da nossa dança, nos
reunimos para tentar fazer uma homenagem para o professor, considerado por nós
uma pessoa do bem, atenciosa, e foi um momento de emoção com choro e lágrimas,
porque sabíamos que o Projeto Rondon e o Professor Max estavam se despedindo.
No dia da nossa apresentação, logo bem cedo todos nós tomamos café da manhã,
depois almoçamos, estávamos muito ansiosos, porém confiantes. Seguimos para a
escola onde a equipe do Projeto Rondon nos ajudou com a maquiagem, que era
diferente de tudo que nós já tínhamos visto. Naquele momento nos sentimos
verdadeiramente como se fossemos artistas, fomos para o local da apresentação,
parecia que a cidade tinha parado de funcionar e que todos estavam somente
presentes na praça para nos assistir, pois tinha muitas pessoas para nos prestigiar.
Foi tudo muito lindo, tinha crianças e adultos entusiasmados com o espetáculo.
Finalmente chegou a hora de ouvirmos a música do cantor baiano Jamil,
“Celebrar, como se amanhã o mundo fosse acabar”. Foi tão emocionante que
choramos de felicidade, pois a nossa meta tinha sido alcançada, de transmitir com a
dança tudo aquilo que o professor Max nos ensinou com muito amor, amizade, carinho
e solidariedade.
Agradecimentos: Agradecemos a Deus em primeiro lugar, ao projeto Rondon e
ao professor Max Lira, por tudo, pelos nossos momentos de bagunça, e o professor
nunca perdia a paciência conosco. Temos que agradecer também pelas gargalhadas
fora de hora que dávamos nas aulas e ele não perdia sua calma e sempre nos passava
confiança no aprendizado. Queremos dizer ao professor que apesar da distância
levamos seus ensinamentos conosco e trazemos você nos nossos corações e nos
sentimos muito felizes por termos a oportunidade de participar do Projeto Rondon, por
este projeto ter escolhido a nossa cidade para realizar as oficinas de dança e ter
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trazido você para nos ensinar. Professor Max, você ficará guardado em nossas
lembranças e na história do Matinha.
A semente lançada, o que ficou?
Regamos hoje com muito carinho a semente lançada pelas oficinas de dança
em nossa cidade. Depois que as oficinas aconteceram por aqui a procura por dança
em Matinha do Maranhão fez com que as academias oferecessem aulas de dança, as
instituições passaram a oferecer a dança, o esporte, e atualmente as crianças e idosos
da nossa cidade fazem atividades que tem melhorado a saúde dos matinhenses.
No carnaval, a turma de dança das oficinas do professor Max, pulava, e faziam
coreografias, e nesse momento lembrávamos como foi bom o Projeto Rondon e as
oficinas de Dança com o professor Max. Também nos voltamos mais para participar
dos projetos sociais.
Agradecemos de coração ao professor Max Lira por tudo que nos ensinou na
arte da dança e nos faltam palavras para dizer o quanto a dança mudou nossas vidas.
Hoje recomendamos para todos aqueles que querem uma vida saudável, que dance,
caminhem, corram e pratiquem alguma atividade física ou esportiva. Peçam para que
o projeto Rondon vá até a sua cidade e desenvolva atividades de dança, com o
professor Max é claro! As oficinas de dança foram sementes lançadas e têm sido
regadas a cada dia por nós com amor, carinho e esperança. Dançamos a vida por
meio da dança e agradecemos ao Projeto Rondon e ao Professor Max Lira por essa
oportunidade.
5. Considerações finais
O trabalho realizado teve como referencial teórico e metodológico os estudos
da Eutonia, da Técnica Klauss Vianna e do Método dança-educação física. Esses
referenciais possibilitaram e contribuíram na aquisição e melhoria da consciência
corporal dos alunos.
As diferentes dinâmicas aplicadas nas oficinas de dança apresentaram
possibilidades de melhoria na qualidade de vida dos indivíduos participantes nas
oficinas, bem como, estreitou efetivamente os laços afetivos dos participantes com a
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sua comunidade. As oficinas de dança desenvolveram nos participantes suas
potencialidades expressivas, estéticas, criativas e socioeducativas.
Os alunos foram capazes de perceber que é possível dançar a partir do
reconhecimento e escuta do seu próprio corpo, reconhecendo seus limites e
possibilidades, a partir da experimentação, da criação e da improvisação de
movimentos. A dança pode utilizar os movimentos realizados no dia a dia com
diferentes objetivos e perspectivas.
Acessar o corpo na dança a partir da consciência corporal como linguagem
cênica permitiu aos alunos inseridos nas oficinas uma percepção do seu corpo e a
sua relação com o movimento consciente, criativo, expressivo e estético. Assim, este
trabalho permitiu o acesso aos conhecimentos e estudos relacionados à dança no
trânsito com as teorias e as práticas acadêmicas, um suporte fundamental para o
ensino e a aprendizagem na dança.
A troca de conhecimentos se deu entre professores, alunos e a comunidade
envolvida, por meio de estratégias e atividades lúdicas, provocadoras e
problematizadoras. Atividades que desafiaram os corpos e os fizeram experimentar e
caminhar pela dança como um questionador que a todo tempo indaga o seu corpo, a
vida, e a sua dança. O questionador na dança é na verdade um investigador, que
inquieto, salta, pula, avança e recua para produzir algo diferente, talvez um dançar
diferente. A dança produzida no município de Matinha estabeleceu relações com a
comunidade, a tradição, a educação e principalmente a humanidade dos corpos que
saíram de um estado de “ausência” para um estado de presença e organicidade no
dançar contemporâneo.
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6. Referências
CLARO, Edson. Método dança-educação física: uma reflexão sobre consciência
corporal e profissional. São Paulo: E. Claro, 1988.
DASCAL, Mirian. Eutonia: o saber do corpo. São Paulo: Editora Senac São Paulo,
2008.
ALEXANDER, Gerda. Eutonia: um caminho para a percepção corporal. São Paulo:
Martins Fontes, 1983.
MILLER, Jussara. A escuta do corpo: sistematização da Técnica Klauss Vianna. 2.
Ed. São Paulo: Summus, 2007.
VIANNA, Klauss. Em colaboração com CARVALHO, Marco A. A dança. 6. Ed. São
Paulo: Summus, 2005.
LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. 5. Ed. Organizada por Lisa Ullmann
[tradução: Anna Maria Barros De Vecchi e Maria Silvia Mourão Neto; revisão técnica:
Anna Maria Barros Vecchi]. – São Paulo: Summus, 1978.
Projeto Rondon. Disponível em: <http://projetorondon.pagina-oficial.com/portal/>.
Acessado em: 29 de novembro de 2015.