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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA LICENCIATURA EM MÚSICA JASON DESIDERIO BEZERRA IDENTIDADE DO PROFESSOR DE MÚSICA: COMPREENDENDO OS CAMINHOS DA FORMAÇÃO DOCENTE NATAL RN 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA

LICENCIATURA EM MÚSICA

JASON DESIDERIO BEZERRA

IDENTIDADE DO PROFESSOR DE MÚSICA:

COMPREENDENDO OS CAMINHOS DA FORMAÇÃO DOCENTE

NATAL – RN

2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA

LICENCIATURA EM MÚSICA

JASON DESIDERIO BEZERRA

IDENTIDADE DO PROFESSOR DE MÚSICA:

COMPREENDENDO OS CAMINHOS DA FORMAÇÃO DOCENTE

Monografia apresentada ao curso de

Licenciatura Plena em Música da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte – UFRN – como requisito parcial

para a obtenção do Grau de Licenciado

em Música.

Orientador: Profa. Drª Valéria Lázaro de

Carvalho

Coorientador: Esp. Gislene de Araújo

Alves

NATAL – RN

2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA

LICENCIATURA EM MÚSICA

JASON DESIDERIO BEZERRA

IDENTIDADE DO PROFESSOR DE MÚSICA:

COMPREENDENDO OS CAMINHOS DA FORMAÇÃO DOCENTE

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Profa. Dr.ª Valéria Lazaro de Carvalho

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Orientadora

________________________________________________

Profa. Esp. Gislene de Araújo Alves

Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN

Coorientador

__________________________________________________

Profa. Ms. Catarina Shin Lima de Souza

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Avaliador

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DEDICATÓRIA

A Deus autor e consumador de minha fé, e a minha mãe Zenilda

Barros Desiderio por todo carinho, dedicação e apoio que foram

condições relevantes para obtenção de êxito em minha

caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao Senhor!

(Salmos, 150.6)

A minha orientadora Profa. Dr.ª Valéria Lazaro de Carvalho pelo emprenho

dedicado à elaboração deste trabalho.

A minha coorientadora Gislene de Araújo Alves, pelo suporte nо pouco tempo

qυе lhe coube, pelas suas correções е incentivos.

Obrigado meus irmãos е a minha sobrinha, que nоs momentos dе minha

ausência dedicados ао estudo superior sempre foram compreensíveis.

Um muito obrigado em especial para a minha mãe Zenilda Desiderio, que me

apoiou deste os meus primeiros passos em direção a música condição relevante para que

eu prosseguisse.

Meus agradecimentos аоs amigos, companheiros e professores do CIART е

irmãos nа amizade quе fizeram parte dа minha formação е quе vão continuar presentes

еm minha vida.

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EPÍGRAFE

Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada

pessoa é única e nenhuma substitui outra. Cada um que passa

em nossa vida, passa sozinho, mas não vai só nem nos deixa sós.

Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo.

Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada.

Essa é a maior responsabilidade de nossa vida, e a prova de que

duas almas não se encontram ao acaso.

Antoine De Saint-Exupery, O Pequeno Príncipe

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RESUMO

Este trabalho teve como objetivo geral analisar o processo de construção da identidade

docente, centrado na valorização da singularidade do sujeito em permanente formação.

Buscou-se compreender as relações e significados emergidos a partir do processo de

(auto) formação, sendo evidenciados os processos de formação, de conhecimento e de

aprendizagem. O referencial metodológico e conceitual de formação docente e

aprendizagem de Marie-Christine Josso e Maurice Tardif, assim como a abordagem

(Auto)Biográfica, constituíram meu referencial teórico. A pesquisa foi realizada através

da abordagem (Auto)Biográfica em que o sujeito é o responsável pela elaboração e

reconstrução de sua memória, narrando acontecimentos a partir de uma demanda de

investigação. O trabalho contribui para que a área de educação musical possa entender o

processo de formação docente como um momento único, no qual o caminhar para si

contribui significativamente para compreensão da formação da identidade profissional.

Palavras-chave: Pesquisa (Auto)Biografica, narrativas de formação, identidade

docente.

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ABSTRACT

This work aimed to analyze the process of construction of teacher identity, focused on

the value of the subject's uniqueness in ongoing formation. He sought to understand the

relationships and meanings emerged from the process (self) training, and highlighted

the training processes, knowledge and learning. The methodological and conceptual

framework for teacher training and learning Marie-Christine Josso and Maurice Tardif,

as well as the approach (Auto) Biographical, were my theoretical framework. The

survey was conducted by addressing (Auto) Biographical where the subject is

responsible for the development and reconstruction of their memory, recounting events

from a research demand. The work contributes to the music education area can

understand the teacher education process as a unique moment, where the walk to itself

contributes significantly to understanding the formation of professional identity.

Keywords: Search (Auto) Biographical, training narratives, teaching identity.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Posições Existenciais .............................................................................................. 34

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................ 13

2.1 Compreendendo os caminhos de si: da pesquisa a formação ............................... 14

2.2 Aprender a ser professor .................................................................................. 16

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS ......................................................................... 19

3.1 Pesquisa (auto) biográfica ..................................................................................... 19

3.2 A coleta de dados ............................................................................................. 21

4 Caminhar para si: construindo sentidos ................................................................. 22

4.1 O Despertar Pela Música ...................................................................................... 23

4.2 Entre o som e o silêncio ........................................................................................ 26

4.3 O Nascer de um Professor .................................................................................... 32

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 37

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 39

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1 INTRODUÇÃO

Se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei

um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos

me fazem entrar de baixo da terra. Os teus me chamarão para fora da

toca, como se fossem MÚSICA. E depois, olha! Vês lá de longe, os

campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada.

Os campos de trigo me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu

tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiveres

cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E

eu amarei o baralho do vento no trigo ...

Saint-Exupéry, O Pequeno príncipe

No transcurso de nossas vidas, temos contatos com inúmeras pessoas em

diferentes situações. Cada qual com a sua importância e significado, algumas dessas

vivências passam sem deixar grandes marcas, outras como o pequeno príncipe na vida

da raposa, nos cativam e de alguma maneira ficam registradas para sempre. Muito do

que construímos e somos hoje, como nossas atitudes, formação pessoal e profissional,

ideias e escolhas estão vinculados as vivências e experiências que exercem uma função

relevante na construção de nossa história de vida.

Este trabalho monográfico tem como foco do estudo revelar a formação da

identidade docente em música, tendo como foco a valorização da singularidade como

um dos elementos centrais no processo da construção da identidade profissional.

O interesse pelo tema surgiu a partir de lembranças acerca de minha formação

pessoal e profissional, o olhar para si como um momento de formação e valorização das

experiências formadoras, sendo as mesmas consideradas de fundamental relevância na

construção da identidade docente.

As discussões sobre a formação da identidade profissional têm estado em

evidência nos últimos anos, sendo ressaltado o processo da inter-relação entre a

experiência e a reflexão evidenciando como, e quais experiências se fazem relevantes

no constructo da prática docente. Nessa perspectiva, ao refletir acerca das experiências

emerge um eu mais consciente a respeito do processo de formação.

O trabalho configura-se como pesquisa qualitativa e utiliza como metodologia

de pesquisa a abordagem (Auto)Biográfica, buscando compreender as inter-relações

entre o sujeito e suas experiências, na busca pela tomada da consciência de si,

construindo por sua vez caminhos de reflexão da própria trajetória de vida pessoal e

profissional. Para Carvalho,

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O relato biográfico como ato narrativo que proporciona ao sujeito

sempre uma nova oportunidade de se apresentar, recontar e

reposicionar-se, tecendo e retecendo a intriga, sob os limites da

discordância do destino, do tempo e do desconhecimento de si mesmo

(CARVALHO, 2003, p.298).

Nessa perspectiva, a abordagem (Auto)Biográfica oferece-se não só como uma

ferramenta de pesquisa, como também de formação haja vista que ao contar e refletir o

transcurso formativo de vida é possível reorganizar e reconstruir uma identidade. Este

trabalho está dividido em três partes: a revisão da literatura, os caminhos metodológicos

e o caminhar para si: construindo sentidos.

Na revisão da literatura alguns autores que discutem a aprendizagem docente em

música, a formação e construção da prática docente, bem como estudiosos que

apresentam a pesquisa/formação e a abordagem (auto) biográfica como um método e

uma prática de formação.

Nos caminhos metodológicos discorre-se sobre a pesquisa (Auto)Biográfica e

suas vertentes, sendo ressaltado o processo de investigação e formação que se revela

como condição pertinente para o caminho de autocompreensão, sendo levados em conta

as aprendizagens que constituímos ao longo de nossa vida. O processo de coleta de

dados foi realizado através da criação de um diário de formação (Auto)Biográfico,

através da escrita etnográfica (Pesquisador-narrador-personagem).

O caminhar para si: construindo sentidos, é a análise do meu diário (auto)

biográfico que está pautada na tomada de consciência de si, e nas relações e significados

emergidos a partir do processo de (auto)formação. Que procurou evidenciar os

processos de formação e aprendizagem da docência.

Na construção do diário foram ressaltadas experiências pessoas e profissionais

consideradas relevantes na construção da identidade do ser professor de música. O

diário apresenta três partes nas quais: a primeira parte intitulada “O Despertar Pela

Música” onde narro as minhas primeiras experiências musicais e auditivas, “Entre o

Som e o Silêncio” onde descrevo o início de meus estudos musicais como também as

influências recebidas pela família comunidade e amigos, e por último “O Nascer de Um

Professor” onde relato sobre minhas primeiras experiências como docente onde o

formar e o estar sendo formado se cruzam.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

As discussões sobre a formação da identidade docente, tem estado em evidência

nos últimos anos, sobretudo o processo da inter-relação entre a experiência e a reflexão

evidenciando como, e quais experiências se fazem relevantes no constructo da prática

docente. Nesse sentido pensar a experiência nos permite ir mais longe no processo

investigativo da pesquisa/formação, como também na compreensão dos processos

formativos.

Nessa perspectiva utilizei como aporte teórico a abordagem (Auto)Biográfica

tendo em vista a atenção particular que tal metodologia oferece aos sujeitos em processo

de formação. Em relação ao tema histórias de vida, autobiografia, biografia e narrativas

de formação é possível identificar trabalhos em livros e artigos publicados

recentemente. As principais publicações se desdobram na pesquisa/formação, na inter-

relação entre o sujeito e a experiência, e na busca pela tomada de consciência de si,

formando um caminho para reflexão acerca dos significados das narrativas de formação

(ABRAHÃO; 2003; 2009, CHENÉ; DOMINICÉ; FERRAROTTI; JOSSO, PINEAU;

NÓVOA 2010; SOUZA; 2006). Parte desses estudos destina-se a apresentar e discutir

metodologias e abordagens como ferramentas de pesquisa em que o sujeito e suas

experiências tornam-se objeto de estudo.

Os processos de aprendizagem docente em música acontecem de maneira

singular, tendo em vista a relevância das experiências formadoras sejam no âmbito

pessoal ou profissional que vão sendo internalizadas no decorrer da construção da

trajetória de vida. Sendo assim o “processo de aprendizagem do ser professor é um

processo único e liga-se às suas vivências e experiências pessoais e profissionais as

quais se desenrolam ao longo de sua vida, configurando seus pensamentos e práticas”

(SOUZA, 2012, p.49).

Nesse sentido alguns trabalhos que discutem a aprendizagem docente em

música, a formação e construção da prática docente (GAULKE; 2012; 2013,

BELLOCHIO; SOUZA; 2013, SAVELI; 2006; TARDIF; 2011). Alguns desses

trabalhos discutem a formação da prática docente, e outros sobre a prática docente

especificamente em música.

O processo de construção da docência é entendido por alguns autores a partir da

perspectiva acerca dos estudos sobre os saberes docentes, como levantado por Tamar

Genz Galke em sua dissertação, dentre os autores destacados estão Clermont Gauthier,

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Lee Shulman, Maurice Tardif e Selma Garrido Pimenta (cf. GALK, 2013). Sendo

entendido esses saberes como “uma diversidade de conhecimentos, competências e

habilidades que caracterizam e devem ser inerentes ao profissional professor”

(HENTSCHKE, AZEVEDO; ARAÚJO, 2006 apud GALKE, p. 14). Os saberes

docentes são classificados como saberes “disciplinares, curriculares, profissionais

(incluindo os da ciência da educação e da pedagogia) e experienciais” (TARDIF, 2011,

p.33).

Nesse trabalho serão destacados os saberes experiências, “eles constituem, por

assim dizer, a cultura docente em ação” (TARDIF,2011, p. 49). Compreendendo que os

saberes experienciais, são um conjunto de saberes atualizados, assimilados e adquiridos

através da prática profissional, onde os mesmos não se encontram estruturados em

doutrinas e teorias, nem provêm de instituições de formação nem dos currículos.

2.1 Compreendendo os caminhos de si: da pesquisa a formação

A pesquisa (Auto)Biográfica contribui para o conhecimento e o reconhecimento

de si e da história de vida de cada sujeito aprendente no qual o processo de

autorreflexão permite-nos uma tomada de consciência acerca de nossa historicidade,

como também de narrar as vivências tornando-as experiências formadoras,

significativas e de vida.

A (Auto)Biografia apresentada nesse trabalho busca refletir acerca das

experiências formadoras e musicais, buscando compreender o processo de construção

da identidade do ser professor de música. Tendo em vista a particularidade que tal

abordagem favorece a interpretação e tomada de consciência de si e de seus processos

constituintes.

A abordagem biográfica, (Auto)Biográfica e as narrativas de formação vem

sendo um instrumento de grande relevância no processo investigativo acerca do sujeito

e suas experiências como elementos centrais no processo de pesquisa/formação. Nessa

perspectiva o trabalho configura-se como “investigação porque se vincula a produção de

conhecimento às relações do sujeito com a experiência: ter experiência, fazer

experiência e pensar a experiência”. (JOSSO, 2010, p. 12). O mesmo também é

formação partindo do princípio de que o sujeito “toma consciência de si e de suas

aprendizagens experiências quando vive, simultaneamente, ao papeis de ator e

investigador da sua própria história”. (JOSSO, 2010, p. 12).

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Para Dominicé (2010, p. 148), “a biografia é um instrumento de investigação e,

ao mesmo tempo, um instrumento pedagógico”. Nesse sentido a (auto) biografia se

apresenta como um instrumento de pesquisa porque busca, através das experiências,

responder questões atreladas ao processo formativo do sujeito, estando o mesmo no

centro das preocupações sobre o conhecimento e a formação; e pedagógico, tendo em

vista o olhar para si como um momento de reflexão sobre as experiências formadoras,

podendo dizer em quê elas foram mais ou menos intensas no processo formativo.

As narrativas de formação se propõem como um caminho para auto

compreensão, sendo levadas em conta as experiências consideradas formadoras no

curso de nossa vida, o olhar para si como um momento de pensar e refletir os processos

formativos. Para Josso (2010, p. 84)

O processo de caminhar para si apresenta-se, assim, como um projeto

a ser construído no decorrer de uma vida, cuja utilização consciente

passa, em primeiro lugar, pelo projeto de conhecimento daquilo que

somos, pensamos, fazemos, valorizamos e desejamos na nossa relação

conosco, com os outros e com o ambiente humano e natural.

Sendo assim, esse transcurso de caminhar para si está atrelado ao ato de auto

orientação, sendo compreendido a partir das condições e possibilidades para uma

tomada de consciência do que já foi experienciado. Segundo Josso,

Elaborar a sua narrativa de vida e, a partir daí, separar os materiais,

compreendendo o que foi a formação, em seguida, trabalhar na

organização do sentido desses materiais ao construir uma história, a

sua história, constitui uma prática de encenação do sujeito que se torna

autor ao pensar a sua vida na sua globalidade temporal, nas linhas de

força, nos seus saberes adquiridos ou nas marcas do passado, assim

como na perspectivação dos desafios de presente entre a memória

revisitada e o futuro já atualizado, porque induzido por essa

perspectiva temporal (JOSSO, 2010, p. 86)

A construção da narrativa oferece-se como uma ferramenta relevante no

processo da construção da prática docente, haja vista os questionamos levantados acerca

de sua identidade em formação. Portanto, pensar a experiência é um trabalho

autorreflexivo que nos obriga a um olhar retrospectivo e prospectivo, em que, no

processo de autorreflexão, pode-se emergir um eu mais consciente e crítico sobre sua

caminhada. Dentre os objetivos das narrativas de formação está o de falar a experiência

formadora, conforme destacado por CHENÉ (2010, p. 133),

A narrativa de formação tem como objetivo principal, segundo o que é

pedido, falar da experiência de formação. Relativamente a narrativa de

vida, presume-se que a narrativa de formação apresente um segmento

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da vida: aquele durante o qual o indivíduo esteve implicado num

projeto de formação.

Nesse sentido poderíamos considerar a narrativa de formação como um

“instrumento de avaliação formadora, à medida que permite ao adulto tomar consciência

das contribuições fornecidas por um ensino e, sobretudo, das regulações e

autorregulações que dele resultam para o seu processo de formação” (DOMINICÉ,

2010, p. 147).

No processo de formação e construção da identidade do sujeito aprendente,

colocar as ações em perspectivas temporais e espaciais se apresenta como um momento

expressivo no processo de autoformação, em que através da reflexão acerca dos seus

percursos o aprendente forma-se a si próprio. Sendo assim o caminhar para si está para

além da compreensão de como nos formamos ou nos transformamos, esse conjunto de

vivências no qual transformamos em experiências formadoras servem para assomar um

eu mais ativo e consciente de seus objetivos, articulando melhor nossas heranças,

experiências formadoras, pertenças, valorizações, desejos e imaginário. (JOSSO, 2010).

Trabalhar a questão identitária através da autobiografia nos permite evidenciar a

pluralidade e ao mesmo tempo a fragilidade da mesma, tendo em vista dois aspectos

centrais, o constante processo de transformação do sujeito, e a uma identidade definida

num dado momento de estabilidade conquistada. Sendo essas atreladas a “tomada de

consciência de que a questão identitária deve ser concebida como processo permanente

de identificação/ diferenciação e de definição de si através de identidades evolutivas,

como emergências socioculturais visíveis da existencialidade”. (JOSSO, 2010, p. 68).

Nesse sentido a construção da identidade é movida por uma diversidade de

aspectos, que integram as muitas facetas vitais da identidade, propondo uma abordagem

na qual o entendimento não seja particularizado e sim movido pela pluralidade e

heterogeneidade.

2.2 Aprender a ser professor

Na construção da docência os campos formativos e o mundo interno do

professor exercem uma grande influência sobre a forma de conduzir e planejar a sua

prática docente, “toda ação do professor e consequentemente tomada de decisões

baseia-se no seu próprio mundo subjetivo, isto é, nas intenções, propósitos, crenças e

constructos pessoais” (SAVELI, 2006. p.96). Sendo assim, esse professor que está em

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constante aprendizado traz diversas influências que contribuem direta e ativamente na

construção de sua identidade docente.

Para Josso (2010, p.35), “Formar-se é integrar numa prática o saber-fazer e os

conhecimentos, na pluralidade de registros, [...], aprender designa, então, mais

especificamente, o próprio processo de integração”. Sendo os registros: o psicológico, o

psicossociológico, o sociológico, o político, o cultural e o econômico. Por conseguinte,

o formar-se está ligado ao neologismo autopoiese, que vem do grego, com o significado

de produzir a si mesmo, estando o professor num constante processo de reflexão e

construção de sua prática docente.

Nessa direção o processo de aprendizagem do ser professor requer mudanças

contínuas, sendo feito uma seleção de saberes através do que já foi vivenciado tornando-

se experiência formadora. Com isso a experiência nos permite uma retomada crítica,

avaliando e filtrando os saberes na perspectiva da construção de sua identidade docente

sendo a mesma possibilitada pela prática cotidiana. Nesse sentido,

A prática pode ser vista como um processo de aprendizagem através

do qual os professores retraduzem sua formação e a adaptam à

profissão, eliminado o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem

relação com a realidade vivida e conservando o que pode servi-lhes de

uma maneira ou de outra (TARDIF, 2011, p.53).

Na construção docente vivenciar a prática de sua profissão desenvolve saberes

específicos, esses saberes surgem da prática e pela mesma vão sendo validados “eles

incorporam-se a experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e habilidades,

de saber-fazer e de saber-ser” (TARDIF, 2011, p. 39). Com isso o professor cria um

modo de ser resultante de suas aprendizagens que dirigem, em certa medida, suas

escolhas, atitudes e comportamento.

Dessa forma,

Ao ensinar o professor realiza seu processo de aprendizagem de ser

professor na medida em que pensa sobre o ensino e o coloca em

prática [..] ou seja, é em sua prática docente e ao refletir sobre ela que

o professor vai construindo seus saberes e conhecimentos

profissionais (SOUZA, 2012, p.49).

Assim, o professor aprendente utiliza-se de várias características intrínsecas aos

saberes experienciais, construindo e reconstruindo a sua prática docente sendo o tempo

uma ferramenta de vital relevância no ofício do aprender a ser, na medida em que o

mesmo “contribui poderosamente para modelar a identidade do trabalhador” (TARDIF,

2011, p. 108). Sendo assim, é através do conhecimento prático e da reflexão que o

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docente vai tecendo o processo de “esculpir” sua prática docente, como também a

formação da identidade profissional, trazendo à tona os conhecimentos de si mesmo.

Tardif (2011) ressalta algumas características do saber experiencial, dentre elas a

de ser “temporal, evolutivo e dinâmico que se transforma e se constrói no âmbito de

uma carreira, de uma história de vida profissional, e implica uma socialização e uma

aprendizagem da profissão” (TARDIF, 2011, p. 111). Posto isto, o tempo nos

proporciona um saber poroso sujeito a mudanças, integrando novas experiências e

conhecimentos que auxiliam no processo da aprendizagem docente.

O saber experiencial liga-se não só as experiências pedagógicas, mas a toda

situação que contribui para o desenvolvimento integral do professor, visto que modela a

identidade do sujeito em formação. Outra peculiaridade intrínseca ao saber experiencial

está ligada a subjetividade e ao seu percurso de vida, tornando o mesmo um saber

existencial. Conforme Tardif (2011, p.110

É um saber existencial, pois está ligado não somente à experiência de

trabalho, mas também à história de vida do professor, ao que ele foi e

ao que ele é, o que significa que está incorporado à própria vivência

do professor, à sua identidade, ao seu agir, às suas maneiras de ser.

Nessa concepção a postura do profissional que vem se firmando entre as

perspectivas atuais na área de educação musical é a do professor crítico reflexivo,

pesquisador e problematizador de sua prática (PIMENTA; LIMA, 2005/2006), que

relaciona os saberes práticos e teóricos na busca de uma formação integrada,

proporcionando a constituição de um profissional que desenvolva sensibilidades e

respeite a singularidade do sujeito.

Desse modo, apresentamos a construção de um profissional que tem como

característica relevante na formação do saber-fazer a heterogeneidade, tendo em vista a

mobilização de conhecimentos provenientes de fontes diversas, emergindo um ser

pessoal que traz uma marca singular na personalidade constituída como professor.

Por fim, tais características esquissam um profissional em constante estado de

formação, que utiliza diversas fontes de conhecimentos e competência na construção de

sua identidade docente. Conhecimento esse construído através da organização e

hierarquização dos saberes em função do seu trabalho, em quê na construção de sua

prática docente considera o saber experiencial e suas características intrínsecas como

condição relevante no constructo da prática profissional.

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3 CAMINHOS METODOLÓGICOS

3.1 Pesquisa (auto) biográfica

Na busca pela identidade do ser professor as articulações entre as experiências

de vida, formação e conhecimento são de fundamental relevância na construção dos

saberes docentes. Nesse sentido, o professor está em constante estado de ressignificação

atribuindo um novo sentido à sua prática pedagógica. Assim sendo busco tecer relações

entre as experiências profissionais e pessoais, a fim de analisar o processo de construção

da identidade docente.

O presente trabalho configura-se como pesquisa qualitativa e utiliza como

metodologia de pesquisa a abordagem (auto) biográfica, que consiste em um trabalho de

investigação que se dá através da inter-relação entre o sujeito e suas experiências, na

busca pela tomada da consciência de si, formando assim um caminho para reflexão

acerca dos significados atrelados à narração de sua própria história.

A situação de construção de narrativa de formação,

independentemente dos procedimentos adotados, oferece-se como

uma experiência formadora em potencial, essencialmente porque o

aprendente questiona suas identidades a partir de vários níveis de

atividade e de registro (JOSSO, 2010, p.35).

Dessa forma, a abordagem (auto) biográfica corresponde ao processo de

investigação e formação que se revela como condição pertinente para o caminho de

autocompreensão, sendo levadas em conta as aprendizagens que constituímos ao longo

de nossa vida. Dessa maneira, o uso da narrativa (auto) biográfica está além da técnica

de registro e recolhimento de dados, sendo oferecida como um processo formativo que

nos leva à tomada de consciência de si, se utilizando dos processos relativos à formação

e à prática. Nessa perspectiva, o olhar para si está atrelado à reflexão que é feita quando

trazemos as memórias formativas à tona, possibilitando um caminho para investigação

do sujeito aprendente e suas experiências, partindo de questionamentos que nos

remetem a construção da identidade e prática do educador.

Dentre os objetivos da abordagem (auto) biográfica estão o de falar a

experiência e ampliar os conhecimentos sobre a pessoa em formação, tendo em vista a

singularidade e subjetividade do objeto e sujeito de estudo. Podemos entender a

abordagem biográfica não só como um método e sim como uma experiência formadora,

tendo em vista o narrador como participante ativo de seu processo de relato e formação.

A vista disso,

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Se a abordagem biográfica é um outro meio para um aspecto central

das situações educativas, é porque ela permite uma interrogação das

representações do saber-fazer e das referências que servem para

descrever e compreender a si mesmo no seu ambiente e natural. Para

perceber como essa formação se processa, é necessário aprender, pela

experiência direta, a observar essas experiências das quais podemos

dizer, com mais ou menos rigor em que elas foram formadoras.

(JOSSO, 2010, p. 36).

Portanto, refletir sobre as recordações é trazer à tona a representação e

influência das mesmas em seu processo de formação e construção dos saberes

observando em que elas foram formadoras. Com isso o aprendente se detém a narrar

experiências que de alguma forma significativas em seu constructo pessoal.

Segundo Josso (2010, p.37):

A recordação-referência pode ser qualificada de experiência

formadora, por que o que foi aprendido (o saber-fazer e os

conhecimentos) serve, daí para frente, quer como referência a

numerosíssimas situações do gênero, quer como acontecimento

existencial único e decisivo na simbólica orientadora de uma -vida.

São as experiências que podemos utilizar como ilustração numa

história para descrever uma transformação, um estado de coisas, um

complexo afetivo, uma ideia, como também uma situação, um

acontecimento, uma atividade ou um encontro.

Pensar a experiência é ressignificar o conhecimento construído ao longo da

trajetória de vida, pontuando aspectos inerentes à formação e construção da identidade

profissional, olhar para recordação como um processo relevante e significativo para a

prática crítico reflexiva, de maneira que possamos identificar como e de que forma essas

experiências foram expressivas na prática da (auto) formação.

Sendo assim a recordação é condição sine qua non no desenvolvimento do

pensar e ressignificar as experiências, portanto as situações vivenciadas atreladas ao

processo de reflexão influenciam diretamente a tomada de consciência sobre sua própria

formação. Contudo as narrativas de formação “contam não o que a vida lhes ensinou,

mas o que se aprendeu experiencialmente nas circunstâncias da vida”. (JOSSO, 2010, p.

40).

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3.2 A coleta de dados

No processo de coleta de dados o pesquisador que utiliza a abordagem (auto)

biográfica poderá usar de vários documentos para realização da coleta e seleção, tais

como: diários, cartas, relatos autobiográficos gravados em meios diversos (filme, vídeo,

som, palavra escrita), incluindo também documentos oficiais. (MOREIRA, 2002). Para

realização do trabalho utilizei-me do fragmento da vida que foi registrado através de um

diário (auto) biográfico como fonte primária dos dados.

Trabalhar com a narrativa (auto) biográfica está para além do recolhimento dos

dados, o sujeito e objeto de estudo é responsável pela elaboração e reconstrução de sua

memória, narrando acontecimentos a partir de uma demanda de investigação. Nesse

processo é reconhecida a memória como condição relevante na investigação. Segundo

Abrahão (2003, p.80) é “o componente essencial na característica do narrador com que

o pesquisador trabalha para poder construir elementos de análise que possam auxilia-lo

na compreensão de determinado objeto de estudo”. Nessa direção tomo a memória

como elemento central da escrita.

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4 Caminhar para si: construindo sentidos

Não se consegue escrever algo sobre si mesmo que seja mais

verdadeiro do que aquilo que se é. Essa é a diferença entre escrever

sobre si mesmo e escrever sobre objetos externos. Escreve-se sobre si

mesmo da sua própria altura, não apoiado em muletas ou andaimes,

mas com os pés descalços.

Ludwig Wittgenstein

No sentido de repensar e refletir as vivências passadas e ideias do hoje recorro à

minha memória e lembranças que ao longo do tempo vão constituindo minha identidade

pessoal e profissional, na busca da valorização da singularidade do sujeito em formação.

Sendo assim, rememorar a experiência é ressignificar o conhecimento construído

ao longo da trajetória de vida, pontuando aspectos inerentes à formação e construção da

identidade profissional, olhar para recordação como um processo relevante e

significativo para a construção de uma identidade em processo de formação. No

processo construtivo de minha (Auto)Biografia, busco trazer à tona experiências de vida

ligadas ao meu percurso musical, que ao longo do tempo foram de fundamental

relevância na minha formação pessoal, e, por conseguinte profissional.

A análise do meu diário (Auto)Biográfico está pautada na tomada de consciência

de si, e nas relações e significados emergidos a partir do processo de (auto) formação,

sendo evidenciados o processo de formação, a formação do processo de conhecimento,

e o processo de aprendizagem. (JOSSO, 2010).

Nessa perspectiva, trabalharemos com o conceito de projeto e posições

existenciais, que consiste na “relação entre projeto de conhecimento e formação do

sujeito como um eixo central da compreensão da dinâmica de formação de adultos”

(JOSSO, 2010, p. 282). Sendo as posições classificadas como: desprendimento,

expectativa, refúgio e intencionalidade. Nessa perspectiva, “o projeto é ação de

transformar o tempo e as energias de cada um em experiências, quer dizer, se é produzir

um valor acrescentado que constitui, por isso mesmo, um recurso novo, então ele é

abertura”. (JOSSO, 2010, p.292).

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4.1 O Despertar Pela Música

É sabido que na construção da identidade profissional o educador utiliza fontes

diversas do conhecimento, em que os saberes constituintes da formação nem sempre são

todos produzidos pelo mesmo. Nesse sentido,

o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre

várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da

sociedade, da instituição escolar, dos outros autores educativos, dos

lugares de formação, etc. (TARDIF, 2011, p. 64).

Sendo assim, é nesse contexto que volto as minhas primeiras experiências

musicais, em que constato diversas aprendizagens oriundas da igreja. Saberes esses

mobilizados nas iterações diárias, que surgem como condição relevante na construção

de minhas atitudes e intenções.

A igreja é entendida como um espaço de formação informal, sendo a mesma

uma “ferramenta/alternativa importante para educação musical e para o ensino e

aprendizagem dos sujeitos que dela participam. É um espaço onde se trabalha

conjuntamente, promove-se o diálogo e a colaboração de pares”. (SOUZA, 2014, p.3).

Nesta primeira parte de minha análise é ressaltada a experiência obtida na igreja

como um espaço de formação, onde evidencio parte do formar-se através das vivências

pessoais e coletivas. O despertar pela música de forma natural é estabelecido pela

convivência e vivência na igreja.

Desde muito novo comecei a frequentar a igreja evangélica do meu bairro, para

ser mais preciso aos 09 anos de idade já participava ativamente da Assembleia de Deus

– Pastor Nelson Bezerril como até hoje é conhecida, situada na rua. Pr. Nelson Bezerril,

bairro Dix-sept Rosado. E mesmo sendo muito novo já participava como membro do

conjunto infantil Embaixadores do Rei.

Os ensaios do conjunto aconteciam sempre aos sábados pela manhã, não

tínhamos preocupações apenas com aspectos inerentes a estética do louvor, pois naquele

momento o principal objetivo era evangelizar crianças de todo o bairro e das

proximidades através dos cânticos. Eu era um participante assíduo sempre presente nos

cultos, festividades e programações especiais.

Grande parte das crianças que eu tinha como vizinhança, também fazia parte da

mesma igreja o que tornava a minha ida ainda mais prazerosa, pois estávamos todos

professando a mesma fé. A igreja tinha projetos maravilhosos, muitos deles voltados

para evangelização e participação das crianças, como escola dominical, culto do

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departamento infantil, conjunto infantil, escola bíblica de férias entre outros, e todas

essas ações foram sem dúvida de fundamental importância para a minha motivação de

atuar e permanecer dentro da igreja.

Nessa perspectiva, a igreja como os membros constituintes da mesma exerce um

papel relevante em meu constructo pessoal; estar imbuído num local de práticas

convenientes a minha profissão de fé, com pessoas que buscavam caminhar na mesma

direção foram sem dúvida uma condição significativa no ato de trocar e viver

experiências.

No processo de caminhar para si é compreensível que,

Nas narrativas de vida, a busca de nós começa muitas vezes pela

escolha das amizades na infância, pela busca de uma companheira ou

de um companheiro, pela criação de uma família, pelo ingresso em

associações de interesses de toda a espécie, por uma mudança de

nacionalidade, pela busca de acolhimento, pela escolha de um partido

político no qual podemos atuar como militantes ou como cidadãos que

exercem de voto e etc. (JOSSO, 2010, p. 123-124).

Na liturgia dos cultos sempre estavam presentes os louvores, e não eram um ou

dois, e sim muitos, dentre eles estavam solos, hinos da harpa cristã, cânticos entoados

pelos conjuntos entre outros. De alguma forma sempre estávamos ligados a melodias e

letras, pois seja qual for o evento ou programação o louvor se fazia presente. Mesmo

não se falando em técnica vocal, era perceptível o esforço de todos que faziam parte do

conjunto, o esmero em cantar afinado, decorar as letras, ser assíduo, pois sempre nos era

dito que se para fora da igreja faríamos o bom, para Deus faríamos o nosso melhor.

Ser uma criança cristã estava para além do se divertir ou apenas frequentar a

igreja, pois atrelados às oportunidades vinham as exigências do ser pontual,

responsável, obediente entre outros aspectos. E desde muito novo sempre me foi

passado tudo isso pelas dirigentes do departamento infantil e regentes do conjunto.

Tínhamos uma grande missão, pois nós éramos os cristãos do amanhã, os frutos da

igreja, por isso tínhamos tantos espaços formativos em nossa comunidade.

Na Assembléia de Deus, como era de costume, tínhamos o rodízio de pastores,

quando toda a igreja ficava ansiosa e apreensiva para saber quem viria nos pastorear

durante todo o ano. E aos dez anos de idade tive a oportunidade de vivenciar juntamente

com o corpo da igreja a minha primeira troca de pastor.

Os pastores trazem com eles características pessoais onde estão intrínsecas as

mudanças dentro da igreja, por esse motivo ficávamos ainda mais apreensivos. Com a

chegada do novo pastor não foi mudado muita coisa na condução dos projetos com as

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crianças, a igreja continuava a nos ver como o futuro da igreja, então os investimentos

nos espaços formadores cristãos só cresciam e era perceptível o investimento no campo

artístico feito pelo novo pastor e suas lideranças.

Neste mesmo ano o pastor criou um grupo de flauta doce chamado Herdeiros de

Jubau, o grupo era destinado ao ensino de flauta doce a todas as crianças da igreja. O

projeto tinha como um dos objetivos inserir as crianças na prática instrumental através

da flauta doce. Com isso comecei a tocar flauta doce dentro da igreja, o grupo tinha

como repertório hinos da harpa cristã.

Aprendíamos os hinos através da imitação, o professor tocava e logo em seguida

nós repetíamos igualmente fora tocado, assim assimilando e aprendendo os hinos; este

foi o meu primeiro contato com um instrumento musical. Participar do grupo de flauta

doce Herdeiros de Jubau sem dúvida vinha como uma experiência motivante para mim,

pois enquanto criança sentia que eu estava fazendo mais pela igreja, pois estar no

conjunto infantil era uma experiência maravilhosa, no entanto, cantar e tocar era ainda

mais gratificante.

Na busca de sentido ao rememorar os meus primeiros passos em direção à

música, percebo o quanto os espaços formativos presentes na igreja se fazem relevantes

eu meu processo de formação pessoal e musical. Nesse sentido,

Um grande número de narrativas conta como a busca de sentido se

iniciou muito cedo com base, na maioria das vezes, em uma herança

religiosa, em um compromisso familiar e/ou ainda em razão de uma

personalidade exemplar anônima ou socialmente reconhecida.

(JOSSO, 2010, p. 127)

É nesse ambiente que recordo as minhas primeiras aulas de música, sendo

ressaltados os esforços pessoais e coletivos através da igreja, evidenciando o meu

processo de aprendizagem musical e formação cristã.

Esse ano foi muito especial na minha passagem pela igreja, pois tínhamos

jograis, peças, desfiles bíblicos entre outros projetos. Mas o que mais me marcou foi o

fato de que pela primeira vez a igreja estava recebendo uma orquestra, Orquestra

Filarmônica Evangélica Gênesis. Foi anunciado por mais de uma semana no bairro a

presença da orquestra na igreja, todos estávamos ansiosos por receber a mesma. Então

foi feito um culto especial onde toda condução foi feita exclusivamente pela direção da

orquestra; a igreja estava lotada com muitas pessoas que não eram cristãs, mas todos

reunidos para ver a “famosa orquestra”.

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Lembro-me como se fosse hoje dessa experiência sem igual, consigo lembrar os

sons de quase todos os instrumentos e dos louvores que foram entoados e tocados

naquela noite. Nessa mesma noite floresce em mim o desejo de tocar aquele instrumento

grande, pelo qual eu ainda não sabia o nome.

Ao terminar o culto fui logo conversar com uma moça que tocava esse

instrumento grande, perguntado como era o nome do mesmo e ela me disse que se

chamava violoncelo. A partir desse dia eu tinha certeza que o instrumento que eu

gostaria de tocar seria o violoncelo. Muito entusiasmado perguntei o que precisaria

fazer para ter aulas e ela pediu para que eu falasse com a mãe dela. Logo em seguida foi

o que fiz, falei com a senhora a qual a moça tinha me indicado, e fiz a mesma pergunta

“o que eu preciso para fazer para ter aula de música”? Ela um pouco apressada me

falou: vá ao templo central da Assembleia de Deus e me procure no mês de janeiro. Me

chamo Eunice. Essas palavras não saíram da minha cabeça até o mês chegado.

Depois dessa experiência venho a inquietação do querer saber mais sobre

música, sobre o instrumento e a curiosidade que persistia. Esse desejo só foi

parcialmente realizado quando eu fui até o templo central da Igreja Assembleia de Deus

como foi combinado com a irmã Eunice.

Informei que estava muito interessado, mas não poderia pagar a mensalidade, ao

que logo a irmã Eunice respondeu que não poderia me dar uma bolsa integral, mas para

que eu pudesse vir a ser um aluno da igreja, ele daria um desconto, para que eu e meu

irmão pudéssemos cursar as aulas de teoria musical. Esse dia foi um dos mais felizes da

minha vida, pois sentia que cada vez estava mais perto o meu contato com violoncelo.

É perceptível em minha narrativa evidenciar a relevância das vivências que a

igreja e seus espaços constituintes e de formação me trouxeram. Ter os primeiros passos

guiados e orientados atrelados à uma formação cristã me permitiu uma reflexão acerca

de minhas experiências significativas para construção do que eu sou hoje.

4.2 Entre o som e o silêncio

Nessa segunda parte da análise de meu diário (auto) biográfico, procuro

evidenciar as relações entre os processos de aprendizagem e formação. Sendo pontuados

aspectos da técnica de formação musical, do processo de aprendizagem na igreja como

um espaço não formal, e das experiências repletas de significações consideradas

relevantes para o meu processo de formação musical e pessoal. Nesse sentido, Josso

(2010) afirma que:

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As experiências de vida de um indivíduo são formadoras na medida

em que, a priori ou a posteriori, é possível explicitar o que foi

aprendido (iniciar, integrar, subordinar), em termos de capacidade, de

saber-fazer, de saber pensar e de saber situar-se. O ponto de referência

das aquisições experienciais redimensiona o lugar a importância dos

percursos educativos certificados na formação do aprendente, ao

valorizar um conjunto de atividades, de situações, de relações, de

acontecimentos como contextos formadores (266-267).

Nessa perspectiva, certifico em minha formação as atividades, acontecimentos e

situações experienciadas no âmbito da igreja.

O sonho parecia estar se concretizando, pelo menos o início dele, pois

finalmente estaria prestes a ter aula de teoria musical. Até o dia a de começar me

perguntava o que seria essa teoria? Quem será meu professor? De uma coisa eu sabia

esse era o meu primeiro passo e condição sem a qual eu não poderia começar os meus

estudos com o violoncelo.

As aulas de teoria musical aconteciam aos sábados pela manhã, e para minha

surpresa a moça que estava tocando violoncelo no concerto feito na igreja que eu

frequentava seria a minha professora de teoria. Uma surpresa muito agradável e enfim a

cada minuto que passava me sentia cada vez mais próximo da música.

As aulas de teoria musical duraram exatamente quatro meses, um módulo básico

introdutório apenas o suficiente para que a gente pudesse começar a ter as aulas

práticas. A nossa última aula teórica aconteceu de maneira diferente, foi feita dentro do

templo da igreja feita pela orquestra. A aula era uma exposição dos instrumentos cada

naipe da orquestra falava um pouco sobre o seu instrumento e em seguida tocava, o

intuito desse concerto didático era poder oferecer um maior contato com os

instrumentos ofertando um momento de reflexão na escolha de qual instrumento

escolher para dar prosseguimento aos estudos. Para mim essa aula só reforçou o que eu

já tinha escolhido desde o primeiro momento.

Terminado as aulas teóricas com o certificado em mãos pensei agora é só

começar as aulas práticas. A partir daí um novo desafio começava, pois não tinha

dinheiro o suficiente para pagar as aulas de violoncelo ofertadas pela igreja, e não tinha

o instrumento que também era um dos requisitos para se ingressar nas aulas práticas.

Então começou uma incessante busca por aulas práticas e muitos amigos e

vizinhos me diziam, não é melhor você escolher um instrumento mais barato, algo como

violino ou violão? Eles não entendiam que a experiência sonora que eu tive era maior

do que as dificuldades, minha mãe em todo o momento foi sempre muito compreensiva

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mesmo não podendo fazer muitos esforços financeiros para solucionar tal problema

nunca me desanimou.

Na busca por uma formação instrumental, percebo em meio às dificuldades

vivenciadas os esforços feitos por parte de minha família, sendo destacada a motivação

vinda de minha mãe que recordo como condição sem a qual eu não teria prosseguido

com os meus estudos musicais. Também é possível observar certa resiliência tanto de

minha parte como de minha família, à medida que tentávamos juntos contornar as

dificuldades que me afastavam da prática instrumental.

Segundo Josso (2010, p. 274-275),

O horizonte temporal da formação dos adultos é aqui agora, mas é

também um hoje que orienta o amanhã. É ver a dimensão de stress e

por vezes angústia que caracterizam o ato de aprender dos adultos; é

ver a exigência quase obsessiva da dimensão operatória e operacional

da formação para adultos, com a recusa, por vezes, em arriscar um

desvio para se autoconceder a possibilidade de uma mudança de

pontos de vista e se libertar do que pensava ser uma dificuldade sem

saída. A pouca tolerância concedida àquilo que é considerado como

uma perda de tempo em relação às urgências do momento testemunha

bem os desafios vitais do acto de aprender.

Dessa maneira, o fazer e aprender música estavam atrelados às dificuldades

momentâneas, que eram superadas e entendidas como forma de aprendizado sendo

respeitado o tempo e espaço oportuno para dar continuidade aos meus estudos musicais.

Sentia-me literalmente em pausa e sem poder fazer muita coisa, o problema

existia, mas não tinha expectativas à vista de como solucionar. Até que um dia

assistindo um jornal local antes de ir para escola o mesmo anunciava que um projeto

estaria selecionando alunos para fazer aulas de música gratuitamente. A solução parecia

estar mais próxima, bastava saber se o referido projeto tinha aulas de violoncelo, pois

para a minha surpresa o projeto contava com exatamente 6 vagas, então decidi que iria

me candidatar.

Tendo me candidatado, é chegado o dia da avaliação. Foi o próprio professor de

violoncelo quem realizou os testes, me fazendo solfejar uma melodia cantada por ele,

reproduzir com palmas ritmos e por último perguntou por que o violoncelo. Passadas

algumas semanas era a hora de receber o tão esperado resultado, e, para minha alegria

tinha sido contemplado com uma das 06 vagas. Não consigo mensurar o tamanho do

sentimento que tomava naquele momento, pois mais uma vez o sentimento de estar cada

vez mais perto da música crescia.

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O sentimento de alegria tomava conta do meu ser, pois a solução tinha chegado

enfim iria ter aulas de violoncelo. Contei na época para a minha mãe e irmãos, para os

meus parentes, amigos e vizinhos e todos demonstravam um ar de felicidade por mais

uma conquista, mas ao mesmo tempo em que estavam alegres, me perguntavam, “o que

é mesmo violoncelo”? Eu respondia de forma bem simples: é um violino grande!

Esperava ansioso por minha primeira aula de violoncelo, lembro-me que fui três

vezes e somente na terceira vez foi que o professor que na época era muito ocupado

pôde comparecer. Não consigo explicar o sentimento que me tomou na primeira vez em

que eu pude tocar o violoncelo, ainda não sabia nada da técnica correta, mas só em tirar

algum tipo de som já me deixava com muita expectativa.

A cada aula, o meu progresso no instrumento era notório; eu sempre escutava do

meu professor: você é dos alunos que vai tocar, e certo dia eu respondi mas todos que

estão aqui vão tocar! E ele me respondeu dizendo: nem todos... Essas palavras que eu

escutava do meu professor serviram de motivação pois, nem sempre era fácil estar nas

aulas de violoncelo, mesmo não pagando pelas mesmas, existiam outros gastos que para

minha realidade, faziam toda diferença. Mas nunca deixei que essas dificuldades

atrapalhassem os meus estudos musicais, dentre as maiores dificuldades estavam coisas

triviais como ter dinheiro para pagar a passagem ou até mesmo o fato de não ter o

violoncelo para estudar em casa.

Os estudos musicais não se resumiam nas aulas práticas, paralelamente tínhamos

as aulas teóricas, que avançavam num ritmo constante. Muitas vezes me questionava o

porque de estudarmos teoria musical, pois naquele momento eu sentia tudo muito

descontextualizado, talvez isso acontecesse devido a escolha do meu professor de

violoncelo em não utilizar a leitura convencional que estávamos acostumados e sim,

uma adaptada em números e algarismos romanos. As aulas práticas nem sempre eram

constantes, o meu professor na época tinha muitas responsabilidades, mesmo me

esforçando muito para superar as dificuldades algumas delas não dependiam

exclusivamente de mim. Com isso acabei adquirindo muitos vícios técnicos, e não

desenvolvendo tanto a leitura tradicional aplicada ao meu instrumento.

A falta de relação entre os conhecimentos teóricos e práticos é algo perceptível

em minha narrativa de formação, ao evidenciar tal divergência emerge uma certa

dificuldade de aprendizado ou de entendimento momentâneo. Nesse sentido,

concordamos com Pimenta e Lima (2005/2006, p.9) ao pensar que,

A prática pela prática e o emprego de técnicas sem a devida reflexão

pode reforçar a ilusão de que há uma prática sem teoria ou de uma

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teoria desvinculada da prática. Tanto é que freqüentemente os alunos

afirmam que na minha prática a teoria é outra.

Nesse sentido, a falta de percepção ou vinculação da teoria e prática por parte do

meu professor, fez surgir questionamentos acerca do meu processo de ensino e

aprendizagem. Sendo na verdade uma falta de reflexão e problematização do que me era

proposto.

Estudei nesse projeto um pouco mais de um ano, quando de repente a verba que

o financiava foi cortada, e todos os alunos que não eram particulares ficaram sem aulas.

Mais uma vez o sentimento de estar impotente voltava, pois agora nada do que eu

fizesse reverteria a situação, e dessa vez, digamos que eu fiquei muitos compassos em

pausa. Até que um dia um colega de estudo me informou que a minha primeira

professora de teoria da igreja estava a minha procura. Fui até o templo central da

Assembleia de Deus onde ela se congregava e conversando com a mesma, verifiquei

que ela já sabia do acontecido sobre a interrupção com as aulas no projeto. Foi então

que ela me convidou para voltar a ter aula de música na igreja sendo que dessa vez aulas

práticas. Fiquei sem acreditar com tal proposta, pois mais uma vez, o problema estava

sendo solucionado e eu poderia dar continuidade aos estudos.

Tendo recebido a proposta de voltar a ter aula na igreja um problema voltou à

tona: como ter aula na igreja se eu não possuía instrumento? Voltei a conversar com a

professora e foi proposto que eu participasse da Orquestra Gênesis. Com isso a igreja

poderia se mobilizar a fazer um investimento na compra de instrumentos para serem

utilizados na igreja, e para os estudos dos alunos que compõe a orquestra. Sendo assim

aceitei a proposta mesmo não sabendo tocar muito e mesmo sem instrumento, comecei

a frequentar os ensaios da orquestra. Como eu não tinha instrumento, não tocava, ficava

apenas acompanhando com uma pasta em mãos, o que por muitas vezes me deixava

triste e envergonhado.

Voltar a ter aula na igreja, em um ambiente que já me era familiar e agradável

era uma experiência maravilhosa, pois as aulas e os ensaios estavam para além da

técnica instrumental, aprendíamos também muitos ensinamentos cristãos. Em todo

ensaio existia um momento destinado a consagração da orquestra, louvor e adoração,

pois atrelado ao trabalho musical estava o de evangelização através da música. Passados

alguns meses em que eu estava participando como membro da orquestra gênesis a igreja

comprou dois violoncelos e um deles foi emprestado para mim. A partir desse momento

poderia participar ativamente dos ensaios e começar a voltar a ter aulas do instrumento.

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Nesse mesmo ano mudei de escola. Estudava numa escola municipal e ganhei

uma bolsa para uma escola privada. E por acaso, a minha nova escola tinha um grupo

chamado Armorial, onde todos os alunos que soubessem tocar algum instrumento o

grupo acolhia, sem restrição de instrumento ou técnica. Cada vez que eu via alguma

apresentação deles me dava muita vontade de participar, entretanto ao mesmo tempo

lembrava que não tinha técnica suficiente para tocar então nunca me candidatei a

participar do grupo.

Estar participante como componente da Orquestra Gênesis era algo muito

gratificante, não só por se tratar de uma oportunidade de fazer música de qualidade, mas

por ter sido minha primeira grande experiência motivadora. Atrelados a função de

músico voluntário estava o compromisso com a obra, com os estudos musicais e com a

igreja, pois tocar na orquestra exigia um tempo e dedicação para estudo das músicas a

serem tocadas. Através da prática orquestral amadureci como músico em formação, e

busquei crescer enquanto componente da orquestra. Estar na mesma era motivo

suficiente para buscar mais conhecimento, pois cada vez mais o repertório nos exigia

uma técnica mais apurada.

A participação efetiva como músico na orquestra não só me proporcionou o

estudo prático do instrumento, como também desenvolveu habilidades e características

intrínsecas a formação de instrumentista. Nesse sentido, Souza (2014) afirma que,

Essas atividades contribuem para a formação musical dos

instrumentistas, sejam esses em espaços formais ou não formais de

ensino de música e favorecem a difusão da música através da

formação de plateia, promovendo o desenvolvimento intelectual e

emocional, a construção da cidadania, ampliação do universo musical

de crianças e adolescentes pelo envolvimento com a música. (p.4)

A formação proporcionada pelos ensinamentos através dos professores oriundos

da igreja estava para além da técnica instrumental, sendo desenvolvidos diversos

espaços de aprendizagem coletiva, e de formação cristã. O incentivo a busca de novos

campos de conhecimento era uma prática constante para aqueles que de alguma forma

procuravam crescer como músico instrumentista.

Durante todo o período em que passei na orquestra, a minha professora foi uma

das minhas grandes motivadoras, sempre chegando com uma palavra amiga em meio às

dificuldades. Sempre a vi como um exemplo de determinação a ser seguido. Muito da

minha formação musical e cristã provém de influências e ensinamentos vindos

diretamente dela e de sua família que me acolheu e me deu a oportunidade de estudar

música na igreja.

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A orquestra não era para mim apenas um espaço formador musical, pois vários

aspectos eram trabalhados em nossa formação integral. Desde princípios cristãos,

morais e comportamentais, a orquestra sempre teve a família como um dos eixos

centrais do processo formativo. A minha família sempre esteve presente nas festividades

ou em qualquer outra data importante, o apoio por parte de minha família foi

condicional para que eu estivesse sempre motivado. A minha mãe mesmo não sendo da

mesma igreja que eu, sempre me cobrava pontualidade, assiduidade, ter realmente um

compromisso com a o trabalho desenvolvido na igreja.

Quanto mais nos esmerávamos na obra como assim chamamos o trabalho na

igreja, mais recebíamos oportunidades tendo em vista que a Assembleia de Deus

Templo Central é um grande espaço formador de músicos. Nesse processo de ensino e

aprendizagem é condição fundamental para dar aula na igreja, ser cristão e participante

da orquestra. Assim como muitos, eu me esforçava e almejava um dia lecionar nos

cursos livres ofertados pela orquestra gênesis.

Chegado ao término da análise dessa segunda parte, percebo quão contrastantes

foram os momentos de som e de silêncio em meu percurso de formação musical. Sendo

assim, fica sobressaído a importância da igreja como um espaço de formação musical e

pessoal, como também a relevância da família como instrumento de motivação e

incentivo.

4.3 O Nascer de um Professor

Nesta terceira parte de minha análise procuro ressaltar as primeiras experiências

como docente em que o formar e o estar sendo formando se cruzam em experiências

oriundas de diversos espaços e vivências, em que “o tempo do processo de

aprendizagem é não apenas relativo a cada singularidade, mas varia igualmente segundo

a amplitude da “renovação” que provoca no aprendente” (JOSSO, 2010, p 232). Sendo

assim, o ato de ressignificação da vivência se faz presente ao pensar como e de que

forma essas experiências se fazem relevantes na construção de minha identidade

docente.

Nesse sentido, trabalharemos com o conceito de projeto e posições existenciais,

conforme o quadro desenvolvido por Josso (2010, p. 284),

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Figura 1: Posições Existenciais

Fonte: Experiências de Vida e Formação (JOSSO, 2010)

O conceito de projeto e posições existenciais consiste na “relação entre projeto

de conhecimento e formação do sujeito como um eixo central da compreensão da

dinâmica de formação de adultos” (JOSSO, 2010, p. 282). Sendo as posições

classificadas como: desprendimento, expectativa, refúgio e intencionalidade.

A posição de expectativa está centrada na casualidade, em que o passado é

condição determinante na condução do presente e do futuro, na posição de

intencionalidade as suas conquistas, iniciativas, atividades e investidas são dinamizadas

por suas vontades, em que o sujeito crê numa casualidade teleológica. O

desprendimento é a posição que reconhece todas as suas vontades, no entanto está

atrelado as causas, condições, e as ilusões remetendo-se a procura de proteção ou

mesmo prevenção, a posição de refúgio está ligada a fidelidade num consciencioso

“servidor de uma teoria, de uma igreja, de uma paixão, de um inconsciente, de uma

ideia” (JOSSO, 2010, p.284).

Ao voltar para minha formação inicial percebo o quão significativo é a

influência da igreja na construção do “eu”, estando a mesma claramente evidenciado em

vários fragmentos de minha vida apresentados em meu diário de formação.

Em 2009 aos 16 anos eu me encontrava cursando o 3° ano do ensino médio, e

muitos questionamentos me apareceram nesse mesmo ano, dentre eles estava para qual

curso universitário eu prestaria o vestibular. Nunca fui cobrado por minha família a

obrigação de ter que cursar uma graduação, no entanto sempre me foi passado que essa

seria uma forma de melhorar de vida pois nunca fomos tão providos financeiramente.

Eu continuava participando ativamente da igreja, sendo músico voluntário na Orquestra

Filarmônica Evangélica Gênesis, e conciliava os meus estudos com as responsabilidades

na comunidade cristã.

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Eu me encontrava aflito, pois todos da minha classe já tinham em mente qual

curso iria fazer seja por decisão própria, ou a pedido dos pais, mas já estavam

encaminhados, e os meus amigos me cobravam essa decisão também. Até que um dia

conversando com a minha mãe ela me questionou porque eu não faria música. Nunca

tinha passado pela minha cabeça fazer o curso de licenciatura em música, então logo

vieram muitos impedimentos todos arraigados ao estigma e estereótipos atrelados a

profissão de ser professor. Compartilhando com os meus colegas de classe, todos

questionavam: “você quer passar fome”? Você está preparado para fazer outro curso!

Música é seu hobby ... e muitos outros comentários, todos com o mesmo cunho.

A escolha da carreira profissional é uma decisão além de difícil muito

importante em nossas vidas, tal escolha está repleta de sentimentos e critérios. Ao aludir

esses fatos posiciono-me no desprendimento havendo uma necessidade de escolhas

imbuídas de desejos e circunstâncias. A vista disso, o desprendimento

Reconhece todos os seus quereres, mas também todas as causas

e condições que pesam sobre a sua humanidade, todas as suas

ilusões de procura de proteção ou de prevenção, remetendo-se

para uma oportuna sincronização ou para uma feliz

coincidência. (JOSSO, 2010, p.).

Minha mãe me incentivou durante todo o pré-vestibular a fazer o curso de

música, mas o meu preconceito atrelado à opinião dos meus amigos, não me deixava

enxergar o quanto eu poderia ser feliz sendo professor de música e o quanto era

promissor o curso. Então optei por outros cursos, dentre eles, Radialismo e

Gastronomia. Minha mãe sempre respeitou a minha decisão quanto ao vestibular,

mesmo tendo um posicionamento diferente ela só deseja que eu estivesse satisfeito e

feliz. Então dei continuidade aos meus estudos certo de que não prestaria o vestibular

para música.

Na igreja todos os que acompanhavam meu crescimento musical me

incentivavam a dar prosseguimento ingressando num curso superior em Música; muitos

dos músicos que tocavam na igreja procuravam se especializar, alguns no curso técnico,

outros na Licenciatura em Música e Bacharelado. Sempre me relatavam de suas

experiências profissionais, me diziam que estavam satisfeitos com o que tinham

escolhido. A opinião que eu tinha formado antes mesmo de conhecer o curso, bloqueava

qualquer tentativa de ver uma carreira promissora ou estável, sendo professor de

música. Isso fez com que eu definitivamente não optasse pelo curso. Era perceptível a

influência e expectativa vinda por parte dos meus colegas e professores da igreja, como

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também o preconceito já estabelecido por mim ao pensar em cursar uma graduação de

licenciatura em música.

Tendo chegado o ano de 2010 recebi a notícia que tinha ganhado uma bolsa para

cursar gastronomia, que me deixou muito feliz e toda minha família partilhava desse

momento. No entanto, tentei fazer por três vezes a matrícula e sempre era indeferido,

nunca obtinha êxito na realização da mesma. Então, conversando com a minha mãe

decidi que estudaria de novo para tentar o vestibular da universidade federal. E mais um

ano de muito estudo e muita música, pois durante todo esse tempo nunca abandonei

meus estudos musicais e minha dedicação em ser músico voluntário na igreja.

Ao refletir sobre o fragmento anterior situo-me na posição de expectativa e

desprendimento, ao pensar que o passado é fator determinante e que influencia a forma

de viver o presente e almejar o futuro. A vista disso, “o passado determina o presente e

o futuro, que obriga a não fazer nada para si, consigo, por si, visto que isso depende do

seu destino” (JOSSO, 2010, p. 284).

É chegado em minha trajetória de vida o momento que considero saliente em

minha formação como educador musical, os primeiros passos para o caminho da

docência. Uma passagem atribuída de desafios e obstáculos, mas que com muito

empenho e dedicação foram superados.

Nesse mesmo ano recebi uma proposta por parte da minha professora de

violoncelo, como eu era um dos mais antigos e dedicados no estudo de meu instrumento

ela me ofereceu a oportunidade de ensinar nos cursos de música ofertados pela

Orquestra Gênesis. Não me achava capacitado para tal chamado, e coloquei isso para a

mesma, ela me respondeu dizendo que Deus me capacitaria. Então eu comecei a

lecionar dentro do Templo Central da Assembleia de Deus.

Cada aluno que eu recebia era um desafio novo, mesmo tendo estudado por

algum tempo às vezes ficava em dúvida por onde começar. Mas a minha antiga

professora foi me auxiliando, até que aos poucos fui conseguindo ministrar de forma

mais natural. Cada aluno tinha uma demanda diferente, alguns queriam estudar por

hobby, outros queriam seguir carreira como músico. Isso exigia de mim uma

flexibilidade e um olhar diferente ao estudo do instrumento, pois não se tratava apenas

da minha formação isolada, mas da inter-relação que eu fazia com a formação do outro,

sempre atento às necessidades de cada um.

Nas aulas de música ofertadas pela igreja muitas vezes eu tinha que estar

preparado para além do conteúdo musical, não ficávamos presos a técnicas e

cronogramas, pois eu sabia que muitos dos meus alunos só queriam em algum dia parar

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e conversar e eu entendia que para eles, esse era um momento muito importante, pois

me colocava na posição de um amigo, um irmão que eles poderiam contar a qualquer

hora e momento. Muitos não acreditavam que poderiam tocar violoncelo e por vezes já

chegavam na classe desacreditados do instrumento, então eu logo tentava explicar que

nenhum instrumento seria fácil, mas com dedicação e perseverança eles conseguiriam

cada um no seu tempo.

A cada aula que passava eu ficava cada vez mais satisfeito com o progresso dos

meus alunos, pois eu me dedicava, planejando e pensando como explicar de maneira

fácil e acessível os conteúdos que pareciam ser tão difíceis. Tínhamos na igreja

estudantes de vários níveis desde aqueles iniciantes, como também alunos já avançados

que até faziam curso técnico em outros instrumentos.

Todas essas experiências foram de grande relevância para que eu descobrisse a

minha verdadeira vocação. A cada aula ministrada, lágrimas de alunos e sorrisos de

agradecimento, eu me sentia mais satisfeito e com a sensação de dever cumprido. E

todas essas sensações foram condições sem a qual eu não teria me rendido aos

conselhos de minha mãe que tanto almejava que eu prestasse o vestibular para música.

E por tudo isso, eu prestei vestibular para música e no ano de 2011 me encontrava

cursando o primeiro período de uma longa e árdua jornada.

Refletir acerca de minhas experiências de formação musical, fez emergir um

educador consciente de seu processo formativo, ressignificando as experiências

passadas com o olhar de hoje, e ver que a construção do “eu” está atrelada ao passado

imbuído de vivências repletas de significados. No caminhar para si reconheço a

relevância que a igreja exerceu e exerce em minha formação pessoal e profissional, ao

mesmo tempo em que me proporcionou vivências e experiências em diferentes etapas

do conhecimento.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, tive como objetivo compreender o processo de construção da

identidade do ser professor de música. Busquei por meio de minha narrativa (auto)

biográfica evidenciar o processo de aprendizagem e a formação como processo de

mudança. A visão acerca dos conceitos de aprendizagem e dos saberes docentes de

Tardif (2011) e Josso (2010), bem como a pesquisa/formação em especial a abordagem

(auto) biográfica construíram meu referencial teórico.

Esta pesquisa traz uma narrativa de formação entrelaçando as experiências de

vida ligadas ao meu percurso musical, que ao longo do tempo foram de fundamental

relevância na minha formação pessoal, e, por conseguinte profissional. Nesse sentido,

procuro teorizar a minha história de vida em busca de significados atrelados à

construção da docência.

A partir das vivências narradas, pude entender a ligação dos saberes construídos

ao longo de minha trajetória, pontuando a relevância de cada experiência formadora.

Saberes esses que vão sendo construídos e validados pela prática, que nunca estão em

inércia, mas num construir e reconstruir que é contínuo e pessoal, ressaltado a marca da

singularidade na construção da identidade profissional.

Desse modo, apresentamos a construção de um profissional que tem como

característica relevante na formação do saber-fazer a heterogeneidade, tendo em vista a

mobilização de conhecimentos provenientes de fontes diversas, emergindo um ser

pessoal que traz como marca singular a personalidade constituída como professor.

A aprendizagem da docência é movida pelas experiências vivenciadas ao longo

da trajetória de vida, que se constituem como únicas na vida de cada sujeito aprendente,

bem como na construção deste trabalho.

Dentre as dificuldades vivenciadas na elaboração desse trabalho, destaca-se a

abordagem metodológica escolhida. Estar na posição de investigador ao mesmo tempo

em que estou como objeto de estudo, gerou uma complexidade ao analisar minha

narrativa de formação.

Por fim, ressalto que cada aprendente tem suas vivências e experiências que de

forma mais ou menos intensa evidenciam o seu processo de aprendizagem. Ao me ver

professor de música hoje, após a construção desse trabalho, emerge um educador

consciente acerca das experiências formadoras, ao evidenciar em meu transcurso de

vida em que e como essas vivências contribuíram para formação do “eu”.

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Esse estudo corresponde a valorização do ser humano frente as suas realizações,

ao apresentar-se por inteiro com sua história de vida, personalidade, recursos e limites.

Personalizando a marca de seu trabalho, “aproximando-se assim do conhecimento do

artista ou do artesão” (TARDIF, 2011, p. 110). À medida que ressignificamos a nossa

história nos tornamos autor e ator de nosso próprio caminhar para si.

Por esses motivos, compreende-se que a temática da pesquisa/formação ainda

deve ser explorada, visto que se trata de um amplo universo de conhecimentos e

entendimentos referentes à construção da identidade docente, promovendo assim,

contribuições significativas para a área de Educação Musical.

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Esta versão foi revisada e aprovada pelo(a) orientador(a), sendo aceite, pela

Coordenação de Graduação em Música, como versão final válida para depósito

no Repositório de Monografias da UFRN.

____________________________

Durval da Nóbrega Cesetti

Coordenador de Graduação