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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
ROBERTA VIEGAS NORONHA
REFLEXOS DE IDENTIDADES: UMA ANÁLISE SEMIOLINGUÍSTICA DE CANÇÕES DE JORGE DREXLER
NITERÓI/RJ
2016
ROBERTA VIEGAS NORONHA
REFLEXOS DE IDENTIDADES: UMA ANÁLISE SEMIOLINGUÍSTICA DE CANÇÕES DE JORGE DREXLER
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Linguística.
Orientadora: Profª Drª Beatriz dos Santos Feres
Niterói/ RJ
2016
N852 Noronha, Roberta Viegas.
Reflexos de identidades : uma análise semiolinguística de canções
de Jorge Drexler / Roberta Viegas Noronha. – 2016.
102 f.
Orientadora: Beatriz dos Santos Feres.
Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) – Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2016.
Bibliografia: f. 97-102.
1. Música. 2. Identidade. 3. Linguística. I. Feres, Beatriz dos
Santos. II. Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras.
III. Título.
ROBERTA VIEGAS NORONHA
REFLEXOS DE IDENTIDADES: UMA ANÁLISE SEMIOLINGUÍSTICA DE CANÇÕES DE JORGE DREXLER
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Linguística.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________ Profª Drª Beatriz dos Santos Feres – orientadora
(Universidade Federal Fluminense)
________________________________________________________ Profª Drª Nadja Pattresi
(Universidade Federal Fluminense)
________________________________________________________ Profª Drª Muna Omran
(Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
Niterói/ RJ
2016
Á minha mãe, que renunciou a muitas
realizações pessoais para investir na
minha formação, fazendo surgir em
mim um espírito investigativo.
Ao meu sobrinho, Arthur, motivo de
toda minha alegria.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que, com seu infinito amor, permitiu que eu chegasse até aqui. Minha eterna gratidão.
À minha mãe, que é, com certeza, o motivo de todas as minhas conquistas pessoais e presença fundamental em minha formação. Você propiciou tudo isso.
À minha orientadora, Beatriz Feres, amizade valiosa, pela paciência e generosidade a mim dispensadas em todos os momentos de orientação e por ter me aberto os olhos e o coração para o caminho da reflexão. Você tornou possível este trabalho.
Ao meu tio, Luiz Carlos, pela ajuda nos momentos difíceis, por ter sido um bálsamo na minha vida pessoal.
Aos colegas de curso, Gisella, Glayci, Anabel, Iran, Sabrina e Margareth pela contribuição intelectual e pessoal. Ao grupo de pesquisa LEIFEN. Aos professores componentes da banca examinadora, pela gentileza de terem aceitado contribuir com este trabalho.
A Drexler, motivo de inspiração para esta pesquisa.
Hay gente que es de un lugar, no es mi caso. Estoy aquí de paso.
Jorge Drexler
Por cultura entendo a mais intensa vida interior, a de mais batalha, a de mais
inquietação, a de mais ânsia.
Miguel Unamuno
Depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a
música.
Aldous Huxley
SINOPSE
Análise das marcas identitárias do sujeito enunciador
nas letras das canções de Jorge Drexler, com base
na Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso,
proposta por Patrick Charaudeau. Destaque aos
conceitos de ethos e às estratégias discursivas de
captação, credibilidade e legitimação.
RESUMO
Este trabalho tem o propósito de analisar letras de canções do compositor e cantor
Jorge Drexler, a fim de verificar, a partir da “imagem de si” criada discursivamente
pelo sujeito enunciador, a construção de uma identidade oscilante entre a
“latinidade” e a “universalidade”. Parte-se do pressuposto de que, por meio das
letras, constrói-se um imaginário discursivo que não só remete à identidade do
cantor, como também colabora para a tentativa de “apagamento” do sujeito
individual em função da composição de uma identidade universal. Para isso, analisa-
se, nesta dissertação, um corpus de cinco canções, sob o viés da Teoria
Semiolinguística de Análise do Discurso, proposta por Patrick Charaudeau (2005,
2008, 2009, 2013), com destaque aos conceitos de ethos e às estratégias
discursivas de captação, credibilidade e legitimação. Também norteiam esta
pesquisa conceitos extraídos dos Estudos Culturais (HALL, 2011; SILVA, 2013;
BAUMAN, 2005; BHABHA, 2013). Observa-se que a discografia de Jorge Drexler
supera posições identitárias fixas, estáticas, reforçando a mobilidade entre o local e
o global.
Palavras-chave: Canção; Identidade; Teoria Semiolinguística.
RESUMEN
Este trabajo tiene el propósito de analizar letras de canciones del cantautor uruguayo
Jorge Drexler, para verificar, a partir de la “imagen de sí” creada discursivamente por
el sujeto enunciador, la construcción de una identidad que oscila entre “latinidad” y
“universalidad”. Se parte del presupuesto de que a través de las letras se construye
un imaginario discursivo que no sólo remite a la identidad del cantautor, sino también
colabora a un intento de “anulación” del sujeto individual en función de la
composición de una identidad universal. Para ello se analiza un corpus de cinco
canciones, a partir del marco de la Teoría Semiolinguística de Análisis del Discurso,
propuesta por Patrick Charaudeau (2008, 2009, 20013), del cual destacan los
conceptos de ethos y las estrategias discursivas de captación, credibilidad y
legitimación. Asimismo, conceptos extraídos de los Estudios Culturales (HALL, 2011;
SILVA, 2013; BAUMAN, 2005; BHABHA, 2013) nortean esta investigación. Se
observa que la discografía de Jorge Drexler sobrepasa posiciones identitarias fijas,
estáticas, reforzando la mobilidad entre lo local y lo global.
Palabras clave: Canción; Identidad; Teoría Semiolinguística.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.....................................................................................13
1. A TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA..................................................................19
1.1 A semiotização do mundo: processo de produção do sentido...........19
1.2 Os sujeitos do ato de linguagem.........................................................21
1.3 Os modos de organização do discurso................................................23
1.3.1 Modo Enunciativo......................................................................25
1.3.2 Modo Descritivo.........................................................................27
1.3.3 Modo Narrativo..........................................................................28
1.3.4 Modo Argumentativo.................................................................30
1.4 Os imaginários sociodiscursivos..........................................................31
2. ETHOS E IDENTIDADE............................................................................35
2.1 Ethos nos estudos linguísticos............................................................36
2.2 A identidade sob o viés da Teoria Semiolinguística............................41
2.3 A identidade nos Estudos Culturais.....................................................45
3. A CANÇÃO E O COMPOSITOR JORGE DREXLER ................................50
3.1 O gênero canção: uma tentativa de descrição.....................................50
3.2 Jorge Drexler: o compositor transnacional............................................54
4. ANÁLISE DO CORPUS.............................................................................58
4.1 Metodologia...........................................................................................58
4.2 O corpus................................................................................................59
4.3 Análise das canções .............................................................................60
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................94
6. BIBLIOGRAFIA................................................................................................97
13
APRESENTAÇÃO
Em uma época na qual os fenômenos suscitados pela globalização acelerada
afetam radicalmente as sociedades tradicionais, a temática/problemática das
identidades culturais está, mais do que nunca, no centro das discussões não só
econômicas e políticas, como também das ciências da cultura e da linguagem:
sociólogos, filósofos antropólogos, psicólogos, historiadores, professores, entre
outros, vêm buscando compreender como se processa a formação e a
transformação das identidades sociais.
Bauman (2005) afirma que há apenas poucas décadas a temática em questão
não estava no centro dos debates, era apenas um objeto de meditação filosófica.
Atualmente, a identidade é o “papo do momento”, está em evidência, pois, segundo
o sociólogo, só percebemos as coisas e as colocamos no foco do nosso olhar,
quando elas fracassam e começam a se comportar estranhamente ou nos
decepcionam de alguma forma. Sendo assim, a condição provisória da identidade
não pode ser mais ocultada, já foi revelada. Entretanto, este ainda é um assunto
muito recente.
Dessa forma, o sociólogo ainda salienta que as forças mais determinadas a
ocultar a condição eternamente inconclusa da identidade perderam o interesse e
estão “contentes” com a tarefa de construir uma identidade para nós, homens e
mulheres, separada ou individualmente. Sendo assim, a identidade deve ser
considerada um propósito, um objetivo, algo a ser inventado.
Segundo Bauman (1999), a globalização tanto divide como une ou divide
enquanto une, pois aquilo que para alguns parece globalização, para outros significa
localização; para alguns é sinal de liberdade, para outros é um destino indesejável.
Porém, estão todos sendo globalizados.
A “globalização” está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” – e isso significa basicamente o mesmo para todos. (BAUMAN, 1999, p. 7)
14
Para Hall (2011), a globalização tem o efeito de deslocar as identidades
centradas, além do efeito pluralizante que produz uma variedade de possibilidades e
novas posições de identificação, tornando, assim, as identidades mais políticas,
mais diversas, menos fixas.
A tensão entre o local e o global é crescente e relevante na configuração das
sociedades atuais: as identidades se encontram descentradas e o sujeito social não
pertence mais a um único grupo identitário que o define, mas assume identidades
diferentes em diferentes momentos, pois “as velhas identidades, que por tanto
tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas e
fragmentando o indivíduo moderno”. (Op.cit.)
Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda história sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu”. (HALL, 2011, p. 13)
Além disso, o tema das identidades interessa também a linguistas e
professores de língua e literatura, evidenciando assim uma nova maneira de
conceber a educação em língua materna e estrangeira, voltada para a leitura e para
o processo de produção de sentido de um texto, a fim de possibilitar a formação de
um leitor independente, crítico e autônomo.
Moita Lopes (2003) afirma que, no campo dos estudos linguísticos, o tema
das identidades surge em meio a uma concepção de linguagem como discurso, uma
concepção que “coloca como central o fato de que todo uso da linguagem envolve
ação humana em um contexto interacional específico”, pois é impossível pensar o
discurso sem enfocar nos sujeitos envolvidos em um contexto de produção: todo
discurso provém de alguém que tem suas marcas identitárias específicas. Assim, a
aprendizagem de uma língua estrangeira vai colaborar para que o aluno tenha
consciência de si enquanto um sujeito sócio-histórico que está em constante
formação/transformação identitária.
Segundo Mota (2004), uma pedagogia pautada no multiculturalismo deve
conter alguns objetivos específicos: a construção de conhecimentos, integração de
conteúdos, uma pedagogia da igualdade e o empoderamento da cultura escolar.
Desta forma, a educação multicultural busca modificar os padrões de ensino, de
15
observação e de avaliação, auxiliando os alunos a analisar e incentivar a inclusão de
conteúdos contextualizados e que contemplem a diversidade cultural.
Para Garcia Martínez et alii (2007), o multiculturalismo é determinado pela
presença de diferentes culturas num mesmo espaço geográfico, mas cada uma com
seu modo de vida e estilos diferentes. O autor salienta também a ideia de uma
abordagem intercultural, de interdependência entre várias culturas que vivem em um
mesmo espaço concreto.
A interculturalidade é definida [...] como o conjunto de processos políticos, sociais, jurídicos e educativos gerados pela interação de culturas em uma relação de intercâmbios recíprocos provocados pela presença, em um mesmo território, de grupos humanos com origens e histórias diferentes. Isso implicará o reconhecimento e entendimento de outras culturas, seu respeito, o aumento da capacidade de comunicação e interação com pessoas culturalmente diferentes e o fomento de atitudes favoráveis à diversidade cultural. (ibid et alii, 2007, p. 90)
Em consonância com essa perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais
do Ensino Médio (PCN-EM) apontam para uma concepção de língua estrangeira que
consiste em propiciar ao aluno a possibilidade de alcançar um nível de competência
linguística que lhe permitirá o acesso a diferentes tipos de informação, capacitando-
o a comunicar-se de maneira adequada em diferentes situações da vida cotidiana,
ao mesmo tempo em que contribuía para sua formação geral enquanto cidadão.
Além disso, os PCN-EM (2000) sugerem ao professor trabalhar com temas
transversais, escolher diferentes gêneros textuais, dar atenção à pluralidade cultural
da língua meta, de forma que o aluno perceba a linguagem da maneira como é
usada no mundo social; privilegiar a leitura e a interpretação de textos, lembrando
sempre que o ensino deve ser feito de maneira contextualizada e atrelada à
realidade sociocultural do aprendiz. Além disso, o professor não deve limitar-se ao
ensino de formas gramaticais, à memorização de regras, mas contribuir para a
formação cidadã do educando, possibilitando-lhe ter uma visão crítica e aberta às
diferenças culturais.
O interesse pela problemática apresentada nesta dissertação tem sua origem
em minhas atividades como professora de língua espanhola do 1º ao 3º ano do
ensino médio das redes pública e privada de ensino, onde a maioria dos alunos tem
pouco ou nenhum contato com o idioma em questão. Além disso, ler em língua
estrangeira exige desse educando e, claro, dos professores, diferentes habilidades e
16
estratégias para aprender e ensinar a ler, pois numa turma em que a maioria dos
discentes não é bilíngue, torna-se mais difícil levá-los ao gosto pela leitura em língua
estrangeira e, consequentemente, à produção de sentido de um texto para uma
possível interpretação autônoma e proficiente.
Por acreditar que a leitura deve ser levada ao aluno como uma forma
prazerosa e instigante de relacionar-se com o mundo, trabalho em minhas aulas
com diferentes gêneros textuais, mas, sobretudo, com canções, porque percebo o
interesse que tal gênero desperta nos educandos. A canção está presente na vida
cotidiana da maioria dos alunos e, por ser um gênero híbrido (texto e música),
possibilita diferentes abordagens/análises e um amplo campo de discussões quando
levada à sala de aula. Utilizar o texto como pretexto para ensinar somente gramática
e/ou memorização de regras é “echar por la borda”, ou seja, desperdiçar todo
trabalho realizado para que o aluno seja capaz de tornar-se um leitor competente. A
canção é uma maneira interessante de aproximar-me do “mundo” desses alunos e
aproximá-los da cultura do “mundo” que é impressa nas canções. É uma forma
dinâmica de atraí-los ao texto e à língua espanhola.
Deste modo, a escolha deste gênero, como objeto pedagógico e corpus para
análise desta dissertação é extremamente relevante, pois desperta emoções,
pensamentos críticos e o desenvolvimento da produção textual. Além disso, o
conteúdo do corpus selecionado para este trabalho é raro em livros didáticos de
língua espanhola, nos quais a seleção textual nem sempre atende aos propósitos
dos professores e da turma.
Assim, instigada por essas motivações e problemáticas, pensei que uma
pesquisa centrada em canções com uma abordagem discursiva poderia contribuir
para a área de Linguística Aplicada ao Ensino e submeti-a ao Programa de Estudos
da Linguagem da UFF, optando pela orientadora Profa. Dra. Beatriz dos Santos
Feres, que já desenvolvia pesquisa com leitura, ensino e produção de sentido de
texto. Além disso, ela trabalha com a Teoria Semiolinguística de Análise do
Discurso, proposta por Patrick Charaudeau, que é a base de nossa pesquisa. Essa
teoria se ajustava ao meu interesse de pesquisa, pois, no campo da linguagem, a
Semiolinguística adota uma perspectiva interdisciplinar; aborda o discurso dentro de
um modelo comunicativo, tendo incidências em aspectos sociais e psicológicos.
Sendo assim, é uma teoria de perspectiva psicossociocomunicativa, que considera a
existência de dois responsáveis pela significação textual (o falante e o destinatário),
17
além de reservar importância ao fator situacional, o qual interferiria no resultado final
da interpretação.
Para Charaudeau (2008), o fenômeno linguageiro apresenta uma dupla
dimensão cujas partes não podem ser separadas: uma explícita e outra implícita.
Portanto, postula a ideia de que a comunicação não se situa nem no nível do que é
dito explicitamente, nem somente no nível subjacente, mas na relação entre ambos
para construir a significação de uma totalidade discursiva. Dessa forma, a finalidade
do ato de linguagem não deve ser buscada apenas em sua configuração verbal, mas
no jogo que um dado sujeito estabelece entre esta configuração e seu sentido
implícito.
Esses motivos também justificam a escolha do objeto/corpus desta pesquisa,
que é a obra (canções) de Jorge Drexler, cantor e compositor uruguaio, mais
conhecido pela sua canção "Al Otro Lado del Río", vencedora do Oscar de melhor
canção original. É considerado um artista excepcional pela sua originalidade e estilo.
É uma obra poética, rica, sensível, icônica. Ele imprime, em suas letras, temáticas
que nos interessam, como a ampliação de territórios nacionais, a identificação local
e a universal, um ethos mostrado e construído discursivamente, o caráter diaspórico
impresso nas letras, além de sua própria nacionalidade e gênero musical em que se
inscreve.
Jorge Abner Drexler Prada nasceu em Montevideo no dia 21 de setembro de
1964, formou-se em Medicina, além de ser músico e poeta. Tendo exercido a
medicina por três anos antes de se profissionalizar como músico, Drexler credita à
sua formação acadêmica o desejo de juntar ciência e arte em sua obra. Neto de
judeu polonês refugiado da Segunda Guerra Mundial, filho de um judeu alemão e
uma "uruguaia da terra" e pai de um espanhol, Jorge Drexler interessa-se pelo tema
das identidades.
Assim, este trabalho se propõe a analisar, sob o viés da Teoria
Semiolinguística de Análise do Discurso, as marcas de “latinidade” e
“universalidade” do sujeito enunciador. Ao propor uma pesquisa desta natureza,
pretendemos, a partir das marcas textuais, das representações que compõem o
ethos, das marcas de universalidade ou individualidade e do modo enunciativo
impresso nas canções, verificar: (i) o grau de individualidade e de universalidade e
sua possível compatibilidade; (ii) a dupla articulação do ato linguageiro (explicito X
implícito) relacionada às identidades construídas; (iii) a questão do Ethos – como o
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cantor constrói, a partir das imagens de si nas canções, a questão identitária. Nossa
hipótese aqui é de que as canções constroem um imaginário discursivo que nos
remetem à identidade do cantor e que há uma tentativa de “apagamento” do sujeito
individual em favor da composição da identidade universal.
Não pretendemos incentivar a formação de compositores e músicos, mas de
leitores críticos e autônomos, habilitados para ler e interpretar o que não está “dito”.
Além disso, desejamos estimular o conhecimento da cultura estrangeira e despertar
interesse pelo tema das identidades por parte dos professores de línguas
estrangeira e materna, possibilitando assim o aumento do capital enciclopédico e
cultural, promovendo, nas salas de aula, o ensino eficaz de leitura e interpretação de
texto.
Por fim, após expormos a pesquisa nesta seção, justificando sua escolha e
traçando os primeiros objetivos a serem alcançados, no primeiro capítulo, a escolha
pela Teoria Semiolinguística, alicerce desta pesquisa, será justificada e os conceitos
selecionados para análise, elencados. No segundo capítulo, revisaremos o conceito
de identidade, além de realizar uma breve discussão sobre ethos e imaginários
sociodiscursivos. No terceiro capítulo, discutiremos sobre o gênero canção, assim
como traçaremos um breve panorama histórico da música latina e do estilo e
contexto musical em que se insere o cantor e compositor Jorge Drexler. No quarto
capítulo, delinearemos a metodologia de análise do corpus e apresentaremos a
análise propriamente dita. Por fim, serão apontadas breves considerações acerca da
pesquisa.
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1 A TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA
Pretendemos desenvolver uma breve revisão bibliográfica relacionada ao
nosso objeto de pesquisa, assim como às teorias que sustentam este trabalho. Para
isso, recorremos à Semiolinguística, teoria que se filia à disciplina Análise do
Discurso e agrega conhecimentos de diferentes áreas, tais como a Sociologia,
Psicologia, Linguística, entre outras, para buscar explicar como ocorrem as
interações linguísticas e a construção do sentido.
A teoria de Análise Semiolinguística do Discurso proposta por Patrick
Charaudeau considera a existência de dois responsáveis pela significação textual (o
locutor e o interlocutor). Além disso, essa teoria adota uma perspectiva
transdisciplinar, pois aborda o discurso dentro de um modelo comunicativo, tendo
influências de aspectos sociais e psicológicos. Sendo assim, é uma teoria de
perspectiva psicossociocomunicativa.
Semio-, de “semiosis”, evocando o fato de que a construção do sentido e sua configuração se fazem através de uma relação forma-sentido (em diferentes sistemas semiológicos), sob a responsabilidade de um sujeito intencional, com um projeto de influência social, num determinado quadro de ação; linguística para destacar a matéria principal da forma em questão – a das línguas naturais. Estas, por sua dupla articulação, pela particularidade combinatória de suas unidades (sintagmático-paradigmática em vários níveis: palavra, frase, texto), impõem um procedimento de semiotização do mundo diferente de outras linguagens. (CHARAUDEAU, 2007, p.13)
Como uma disciplina de corpus1, a Semiolinguística tem como objeto de
estudo o discurso, pois se interessa pela maneira como este circula entre os
indivíduos, destacando as características dos comportamentos linguageiros (o
“como dizer”) em função das condições psicossociais que os restringem segundo os
tipos de situações de troca (os “contratos”).
1.1 A semiotização do mundo: processo de produção do sentido
Para Charaudeau (2005), o mundo não é referenciado a princípio, mas se
constrói através da estratégia humana de significação. Assim, chama o processo de
1 Do ponto de vista das ciências da linguagem, é empírico-dedutiva. O analista do discurso parte de um material
empírico, a linguagem, que está configurada numa certa substância semiológica (verbal). Ver Charaudeau, 2005.
20
construção do sentido de semiotização do mundo. Essa semiotização leva em conta
a presença de dois sujeitos designados locutor e interlocutor e a ocorrência de dois
processos: o primeiro seria a tomada, por parte do produtor, do mundo real e a sua
transformação num mundo significado, que ocorre por meio de quatro “operações”:
identificação, qualificação, ação e causação. O segundo seria a transação, no qual
esse mundo já significado se converteria em “objeto de troca” entre o sujeito falante
e seu destinatário. Além do mundo a significar e do mundo significado, também deve
ser acrescentado ao esquema proposto por Charaudeau um mundo interpretado,
que será o resultado da interpretação que o sujeito interpretante faz do mundo
semiotizado.
FIGURA 1: Processo de Semiotização (CHARAUDEAU, 2005)
Ademais, o processo comunicativo não resulta de uma única intencionalidade,
pois é necessário levar em conta não somente o que poderiam ser as intenções
declaradas do emissor, mas também o que diz o ato de linguagem a respeito da
relação que une os interlocutores. Nesse sentido, o autor considera uma dupla
dimensão presente no fenômeno linguageiro que não pode ser dissociada: uma
explícita e uma implícita.
O componente explícito atua no nível estrutural associado ao que é
manifestado pela linguagem, ligado ao processo de conceitualização e
categorização da realidade que nos rodeia. É nesse nível da linguagem que
acontecem as relações paradigmáticas e sintagmáticas entre os termos, agindo
como articuladores da estrutura textual. Segundo Charaudeau (2008), é o sentido
implícito que comanda o sentido explícito para construir a significação de uma
totalidade discursiva.
21
Quando se procura o sentido de uma palavra, é no dicionário que vamos buscá-lo (situação fora do contexto); porém, quando se trata de significação de um texto ou de uma conversa estamos aí nos referindo ao fato de discurso (ou seja, à situação de emprego). (CHARAUDEAU, 2008, p.25)
Charaudeau (2008) considera o fenômeno linguageiro como algo que se
constitui em um duplo movimento (exocêntrico e endocêntrico). O primeiro
movimento é o exocêntrico, ou seja, movido por uma força centrífuga que obriga
todo ato de linguagem a se significar em uma intertextualidade que é como um jogo
de interpelações realizado entre os signos, que no âmbito de uma contextualização,
ultrapassa seu contexto explícito. A esse movimento, Charaudeau salienta que
corresponde a atividade serial que garante a produção da significação do discurso.
O segundo movimento, o endocêntrico, é movido por uma força centrípeta
que obriga o ato de linguagem a ter significado, ao mesmo tempo, em um ato de
designação da referência (no qual o signo se esgota em função de troca) e em um
ato de simbolização (nesse ato o signo se instala dentro de uma rede de relações
com outros signos). A esse movimento, corresponde a atividade estrutural que
garante a construção do sentido da Simbolização referencial.
Esse duplo movimento define a linguagem como fenômeno conflitual no qual,
de um lado, a atividade serial põe em causa as tentativas que a atividade estrutural
empreende para fixar o signo em um lugar definitivo de reconhecimento do sentido
e, de outro lado, a atividade estrutural tenta fixar, “congelar”, o sentido comandado
pela atividade serial.
1.2 Os sujeitos do ato de linguagem
Ainda de acordo com o autor, é a partir da instância de produção e da
instância de interpretação que o ato de linguagem se configura. Para ele, todo ato de
linguagem é um fenômeno de troca entre dois parceiros que devem reconhecer-se
como semelhantes e diferentes. Semelhantes porque, para a troca acontecer, é
necessário que tenham em comum saberes compartilhados e
finalidades(motivações comuns); são diferentes porque o outro só é identificável na
dissemelhança, ou seja, “somos o que o outro não é”. Assim, todo ato de linguagem
implica “alteridade”, que, segundo Charaudeau (2005), é o fundamento do aspecto
22
contratual de todo ato de comunicação, pois implica um reconhecimento e uma
legitimação mútua entre os parceiros.
O ato de linguagem, segundo o teórico, não deve ser entendido como um ato
de comunicação que resulta da simples produção de uma mensagem que o Emissor
envia a um Receptor, mas deve ser visto como um encontro dialético entre dois
processos:
- O processo de produção, criado por um EU e dirigido a um TU-destinatário;
- O processo de interpretação, criado por um TU´- interpretante, que constrói uma
imagem do EU do locutor.
Assim, o ato de linguagem torna-se um ato interenunciativo entre quatro
sujeitos interagentes: EUc/EUe e TUd/TUi.
O TUd (sujeito destinatário) é o interlocutor fabricado pelo EUe como
destinatário ideal, adequado ao seu ato de enunciação. É um sujeito de
fala, que depende do EUe e pertence, portanto, ao ato de produção
produzido por este último.
O TUi (sujeito interpretante) é um ser que age fora do ato de
enunciação produzido pelo EUc. É responsável pelo processo de
interpretação que escapa, devido a sua posição, do domínio do EUc. O
TUi tem por tarefa, em seu ato interpretativo, recuperar a imagem do
TUd que o EUe apresentou e, ao fazer isso, deve aceitar (identificação)
ou recusar (não-identificação) o estatuto do TUd fabricado pelo EUe. O
TUi é um sujeito que age independentemente do EUc, que institui a si
próprio como responsável pelo ato de interpretação que produz.
O EUe (sujeito enunciador) é um ser de fala (como o TUd) sempre
presente no ato de linguagem. O EUe é uma imagem de enunciador
construída pelo sujeito produtor da fala (EUc) e representa seu traço de
intencionalidade nesse ato de produção.É apenas uma máscara de
discurso usada por EUc.
O EUc (sujeito comunicante) é, como o TUi, um sujeito agente que se
institui como locutor e articulador de fala. O EUc está localizado na
23
esfera externa do ato de linguagem, mas é responsável por sua
organização. O EUc é o iniciador do processo de produção e é a
relação EUc-EUe que produz um certo efeito pragmático sobre o
interpretante. O EUc é sempre considerado como uma testemunha do
real, mas, dentro desse “real”, depende do conhecimento que o TU tem
sobre ele.
FIGURA 2: Contrato de Comunicação (CHARAUDEAU, 2008, p.77)
1.3 Os modos de organização do discurso
Para Charaudeau (2008), o ato de comunicação funciona como um dispositivo
cujo centro é ocupado pelo locutor em relação a seu interlocutor. Esse dispositivo
possui quatro componentes: 1) a Situação de Comunicação, que compõe o
enquadre físico e mental no qual se encontram os parceiros da troca linguageira,
determinados por uma identidade social e psicológica e conectados por um contrato
comunicativo; 2) os Modos de organização do discurso, que compõem os princípios
de organização da matéria linguística (enunciar, descrever, contar, argumentar); 3) a
Língua, que compõe o material verbal estruturado em categorias linguísticas; 4) o
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Texto, que representa o resultado material do ato de comunicação e que resulta de
escolhas conscientes ou inconscientes feitas pelo sujeito falante.
Dessa forma, comunicar é proceder a uma encenação, cujo sujeito falante,
mais ou menos consciente das restrições impostas pela situação de comunicação,
utiliza categorias de língua para produzir efeitos de sentido, através da configuração
de um texto. Em função das finalidades discursivas do ato comunicativo, essas
categorias de língua são agrupadas em modos de organização do discurso: o
Enunciativo, o Descritivo, o Narrativo e o Argumentativo.
Charaudeau (2008) destaca que o modo enunciativo possui uma função
particular na organização do discurso, pois sua vocação é dar conta da posição do
locutor com relação ao interlocutor, a si mesmo e aos outros. Esse modo intervém
na encenação de cada um dos três outros modos. Assim, pode-se afirmar que o
enunciativo comanda os demais.
FIGURA 3: O enunciativo na encenação dos demais modos de organização do discurso
(CHARAUDEAU, 2008, p.74)
Tais modos de organização não são completamente independentes uns dos
outros, mas, no desenvolvimento dos textos, estão estreitamente ligados. Uma
descrição, por exemplo, pode ser utilizada quando se deseja persuadir o interlocutor
a uma tomada de posição. Assim, neste trabalho, revisamos as características de
cada um dos modos de organização a fim de fundamentar as análises, destacando
as estratégias utilizadas pelo sujeito enunciador na composição do ethos.
25
MODO
DE ORGANIZAÇÃO
FUNÇÃO DE BASE
PRINCÍPIO
DE ORGANIZAÇÃO
ENUNCIATIVO
Relação de influência
(EU -> TU)
Ponto de vista do sujeito
(EU -> ELE)
Retomada do que já foi dito
(ELE)
Posição em relação ao
interlocutor
Posição em relação ao mundo
Posição em relação a outros
discursos
DESCRITIVO
Identificar e qualificar
Seres de maneira
Objetiva/subjetiva
Organização da construção descritiva
(Nomear-Localizar-Qualificar)
Encenação descritiva
NARRATIVO
Construir a sucessão das
ações de uma história no
tempo, com a finalidade de
fazer um relato.
Organização da lógica
narrativa (actantes e
processos)
Encenação narrativa
ARGUMENTATIVO
Expor e provar
casualidades numa visada
racionalizante para influenciar
o interlocutor
Organização da lógica
argumentativa
Encenação argumentativa
QUADRO 1: Modos de organização do discurso (CHARAUDEAU, 2008, p.75)
1.3.1 Modo enunciativo
Segundo Charaudeau (2013), o Modo de organização Enunciativo não deve
ser confundido com a Situação de Comunicação, pois nesta última, encontram-se os
parceiros do ato de linguagem – seres sociais, externos à linguagem, enquanto no
enunciativo, o foco está voltado para os protagonistas, seres de fala, internos à
linguagem.
26
O modo enunciativo é “uma categoria de discurso que aponta para a maneira
pela qual o sujeito falante age na encenação do ato de comunicação”
(CHARAUDEAU 2008, p.82). O sujeito falante, ao enunciar, utiliza as categorias de
língua que deem conta de sua posição em relação ao seu interlocutor. O enunciativo
possui três funções:
1) Estabelecer uma relação de influência entre locutor e interlocutor num
comportamento alocutivo: o sujeito falante age sobre o interlocutor no
momento em que enuncia, impondo-lhe um comportamento, ou seja, o
interlocutor é levado a responder e/ou reagir ao ato de linguagem do locutor.
Essa imposição do locutor sobre o interlocutor estabelece entre ambos uma
relação de força, é o caso das modalidades de Injunção, Interpelação, etc.; e
uma relação de petição, como as modalidades de Interrogação e de Petição;
2) Revelar o ponto de vista do locutor, num comportamento elocutivo: aqui se
estabelece a relação do locutor consigo mesmo. Ao enunciar seu ponto de
vista sobre o mundo, o sujeito falante não leva o seu interlocutor a uma
tomada de posição. A enunciação é subjetiva, pois revela, por exemplo, de
que maneira o sujeito tem conhecimento de um propósito e de que maneira
ele julga esse propósito, revelando seu grau de adesão ao mesmo;
3) Retomar a fala de um terceiro, num comportamento delocutivo: o sujeito
falante é uma espécie de testemunha dos discursos que o mundo lhe impõe,
a partir de enunciação aparentemente objetiva, desvinculada de sua
subjetividade. Assim, o sujeito falante se apaga em seu discurso e não
implica o seu interlocutor. Ele relata, por exemplo, o que o outro diz e de que
forma diz.
Charaudeau (2008) salienta que o modo enunciativo não deve ser confundido
com a modalização, embora estejam intimamente ligados. A modalização é uma
categoria de língua que reúne o conjunto de procedimentos estritamente linguísticos
que permitem tornar explícito o ponto de vista do locutor.
27
1.3.2 Modo descritivo
O modo descritivo se assemelha ao modo narrativo e, por vezes, com este se
confunde. Porém cada um tem a sua particularidade. Segundo Charaudeau (2008),
a tradição de exercícios escolares leva, muitas vezes, a se confundir a finalidade de
um texto com seu modo de organização. Diferenciar tais modos por meio de marcas
linguísticas não é um critério seguro para caracterizar um texto, pois isso depende
da situação de comunicação: “um texto pode se inscrever no modo de organização
descritivo, enquanto o texto, em seu conjunto, possui outra finalidade além de uma
pura descrição“ (CHARAUDEAU, 2008, p. 108).
Para Charaudeau (2008), o termo descritivo é utilizado para definir um
procedimento discursivo que ele nomeia modo de organização do discurso. Assim, o
descritivo é um processo, e a descrição um resultado (um texto ou fragmento de
texto). Descrever é uma atividade de linguagem que combina com contar e
argumentar. Enquanto descrever está para as qualificações do relato, narrar está
para as suas funções.
(...) descrever está estritamente ligado a contar, pois as ações só tem sentido em relação às identidades e às qualificações de seus actantes. Não é a mesma coisa dizer: “O leão salvou o camundongo”, e dizer: “O pequeno camundongo salvou o leão, rei dos animais”; aliás, todas as fábulas que contam como um personagem se livra de uma situação perigosa com a ajuda de um artifício só podem ser compreendidas na medida em que um dos personagens é identificado e qualificado como forte e ameaçador (o lobo, por exemplo) e o outro, como frágil e ameaçado mas esperto (a raposa). (CHARAUDEAU 2008, p. 111-112)
Os componentes do descritivo são: nomear, localizar-situar e qualificar.
Nomear significa dar existência aos seres no mundo a partir de classificações em
função de sua semelhança ou diferença com relação a outros seres. Não é um
simples processo de etiquetagem de uma referência preexistente, mas é o resultado
de uma operação que consiste em fazer existir seres significantes no mundo, ao
classifica-los. Localizar-situar aponta para um recorte objetivo do mundo que
determina o lugar que um ser ocupa no tempo e no espaço. Qualificar é reduzir a
infinidade do mundo em classes ou subclasses, é singularizar, atribuir
particularidades.
A descrição pela qualificação pode ser considerada, segundo Charaudeau
(2008), a ferramenta que permite ao sujeito falante satisfazer seu desejo de “posse
28
do mundo”, pois é ele que o especifica, dando-lhe uma forma, em função da sua
própria visão das coisas, visão que depende não só de sua racionalidade, mas
também de seus sentidos e sentimentos.
Qualificar é, então, uma atividade que permite ao sujeito falante manifestar o seu imaginário, individual e/ou coletivo, imaginário da construção e da apropriação do mundo num jogo de conflitos entre visões normativas impostas pelos consensos sociais e as visões próprias do sujeito. (CHARAUDEAU, 2008, p.116)
Charaudeau (2008) salienta que o descritivo organiza o mundo de maneira
taxionômica, descontínua e aberta e o sujeito que descreve desempenha os papéis
de observador (aquele que vê os detalhes), de sábio (que sabe identificar, nomear e
classificar os elementos) e de alguém que descreve (que sabe mostrar e evocar).
Charaudeau (2008) acrescenta que o descritivo serve essencialmente para
construir uma imagem atemporal do mundo, pois a partir do momento em que os
seres do mundo são nomeados, localizados e qualificados, é como se eles fossem
impressos numa película para sempre. Segundo o autor, o descritivo se expande
fora do tempo (o que explica que o presente e o imperfeito sejam tempos
privilegiados da descrição) e, descrever, fixa imutavelmente lugares (localização) e
épocas (situação), maneiras de ser e fazer das pessoas, características dos objetos.
Assim, o descritivo é um modo de organização que não se fecha, em si, por
uma lógica interna, como os outros modos. Isso explicaria por que é possível resumir
um relato, por exemplo, e não uma descrição.
1.3.3 Modo narrativo
As diversas formas de entender o termo contar faz com que o modo de
organização narrativo seja um caso delicado de se tratar. Contar, para Charaudeau
(2008), não é somente descrever uma sequência de fatos ou acontecimentos, como
ele salienta que definem os dicionários. Para que haja narrativa, é necessário um
“contador” investido de uma intencionalidade, isto é, de querer transmitir alguma
coisa a alguém, um destinatário, e isso, de uma certa maneira, reunindo tudo aquilo
que dará sentido particular a sua narrativa.
29
Contar é uma atividade linguageira que implica uma série de tensões e de
contradições. Assim, o autor apresenta algumas maneiras de se conceber o termo
contar:
a) Contar representa uma busca constante e infinita; a da resposta às perguntas
que o homem se faz: “Quem somos? qual é a nossa origem? qual é o nosso
destino?”
b) Contar é uma atividade posterior à existência de uma realidade que se
apresenta necessariamente como passada e, ao mesmo tempo, essa
atividade tem a prioridade de fazer surgir, em seu conjunto, um universo, o
universo contado;
c) Contar é construir um universo de representações das ações humanas por
meio deum duplo imaginário baseado em dois tipos de crença que dizem
respeito ao mundo, ao ser humano e à verdade.
Charaudeau (2008) salienta que o modo de organização narrativo se
caracteriza por uma dupla articulação: 1) a construção de uma sucessão de ações
segundo uma lógica que vai construir a trama de uma história, chamada de
organização da lógica narrativa; 2) a realização de uma representação narrativa,
aquilo que faz com que essa história, e sua organização acional, se torne um
universo narrado, chamada de organização da encenação narrativa.
A organização da lógica narrativa está voltada para o mundo referencial; é o
resultado da projeção sobre um plano (a história) de algumas das constantes da
manifestação semântica da narrativa, que permite descobrir os procedimentos da
encenação narrativa.
A encenação narrativa constrói o universo narrado propriamente dito, sob a
responsabilidade de um sujeito narrante que se acha ligado por um contrato de
comunicação ao destinatário da narrativa.
É importante não confundir narrativa e modo narrativo. O narrativo é um dos
componentes da narrativa e esta corresponde à finalidade do “que é contar?”,
descrevendo, ao mesmo tempo, ações e qualificações. O narrativo organiza o
mundo de maneira sucessiva e contínua, numa lógica cuja coerência é marcada por
30
seu próprio fechamento. Assim, o sujeito que narra desempenha o papel de
testemunha que está em contato direto com o vivido.
1.3.4 Modo argumentativo
Para Charaudeau (2008), o modo de organização argumentativo é mais difícil
de ser tratado do que o narrativo, pois leva em conta um saber que provém da
experiência humana e se dá através de certas operações de pensamento, podendo
ser anulado em seu próprio fundamento pelo interlocutor.
A argumentação não se limita a uma sequência de conectores lógicos porque,
frequentemente, o aspecto argumentativo de um discurso encontra-se no que está
implícito. Segundo Charaudeau (2008), algumas condições são necessárias para
que a argumentação exista: uma proposta sobre o mundo que provoque um
questionamento quanto à viabilidade de uma proposta; um sujeito que desenvolva
um raciocínio que tente estabelecer a legitimidade da proposta; um outro sujeito que
se constitua no alvo da argumentação.
Assim, argumentar é uma atividade que depende tanto daquele que
argumenta como daquele que recebe a argumentação e emite uma resposta a partir
dela. É, portanto, uma relação triangular entre um sujeito argumentante, uma
proposta sobre o mundo e um sujeito-alvo.
A argumentação é uma totalidade que o modo argumentativo contribui para
construir, é o resultado textual de uma combinação entre diferentes componentes
que dependem de uma situação que tem finalidade persuasiva. Esse texto pode
poderá apresentar-se sob forma dialógica, escrita ou oratória, e é nesse quadro que
poderão ser utilizadas as expressões "ter bons argumentos", "bem argumentar” etc.
(CHARAUDEAU, 2008, p. 207)
A função do modo argumentativo é permitir a construção de explicações
sobre asserções feitas acerca do mundo numa dupla perspectiva de razão
demonstrativa e razão persuasiva. A razão demonstrativa se baseia num mecanismo
que busca estabelecer relações entre duas ou várias asserções, através de
procedimentos que constituem a organização da lógica argumentativa. Já a razão
persuasiva se baseia num mecanismo que busca estabelecer a prova com a ajuda
de argumentos que justifiquem as propostas a respeito do mundo, através de
procedimentos de encenação discursiva do sujeito argumentante chamados de
31
encenação argumentativa.
A encenação argumentativa consiste em utilizar procedimentos que devem
servir ao propósito de comunicação do sujeito argumentante em função da situação
e do modo como vê o seu interlocutor. Tais procedimentos têm a função de validar
uma argumentação. Os procedimentos semânticos apoiam-se no valor dos
argumentos. Os procedimentos discursivos utilizam certas categorias de língua ou
procedimentos de outros modos de organização do discurso para produzir certos
efeitos de persuasão. Os procedimentos de composição organizam o conjunto da
argumentação, repartindo, distribuindo e hierarquizando os elementos do processo
argumentativo ao longo do texto.
Assim, Charaudeau (2008) salienta que, para haver argumentação, é
necessário que haja proposta, proposição e persuasão, componentes do dispositivo
argumentativo. A Proposta, chamada também de Tese, se configura quando se põe
(explícita ou implicitamente) uma asserção em relação com outra. A Proposição se
baseia na possibilidade de pôr em causa (questionar) a Proposta, dependendo do
posicionamento adotado: tomada de posição ou não tomada de posição, cuja
argumentação se dará na direção de concordar ou de refutar a Proposta. A
Persuasão coloca em evidência uma das opções do quadro de questionamento:
refutação, justificativa, ponderação. É nessa fase que o argumentante, recorrendo a
diversos procedimentos, estabelece a prova da posição adotada na Proposição.
Em suma, o dispositivo argumentativo configura-se a partir de uma Proposta
(Tese), passa pela Proposição (quando o argumentante justifica, refuta ou pondera
sobre a Tese), chegando à Persuasão, momento em que as provas de justificativa,
refutação ou ponderação são apresentadas.
1.4 Os imaginários sociais e os imaginários sociodiscursivos
Charaudeau (2013) salienta que o homem apreende o mundo por meio dos
sistemas de representações que ele próprio constrói e que dependem ao mesmo
tempo de sua vivência. O homem necessita da realidade para significá-la. Ele é, ao
mesmo tempo, sujeito e objeto, conhecedor do mundo e por este conhecido.
32
Por meio desses discursos de representações, os indivíduos se reconheceriam como pertencentes a um grupo-classe um jogo de identificação e de exclusão, e desse modo constituiriam para si próprios uma “consciência social” que seria alienada pelos discursos dominantes que provêm de diversos setores da atividade social (direito, religião, filosofia, literatura, política etc.), constituindo uma ideologia dominante. (CHARAUDEAU 2013, p.192)
Segundo Charaudeau (2013, p. 192), a ideologia é um modo de articulação
entre significação e poder, que possui quatro pilares: 1) legitimação, que denota
conferir-se legitimidade para justificar e significar sua posição de dominação; 2)
dissimulação, que acaba por mascarar as relações de dominação, já que se trata
de uma atividade racional de legitimação; 3) fragmentação, que consiste no
resultado da dissimulação que ocasiona a oposição dos grupos entre si; 4)
reificação, uma vez que a racionalização tende a naturalizar a história como se esta
fosse atemporal.
Esses quatro pilares são parte da representação social que constrói o real. As
representações têm por função interpretar a realidade que nos cerca, por um lado
mantendo com ela relações de simbolização; por outro, atribuindo-lhe significações.
O termo representação social é entendido por Charaudeau (2013, p.192-193)
como “fenômeno cognitivo-discursivo geral que engendra sistemas de saber nos
quais se distinguem os saberes de conhecimento e os de crença”, formados por
imaginários sociodiscursivos. Os saberes de conhecimento visam a estabelecer uma
verdade sobre os fenômenos do mundo. É o saber científico e, como razão
científica, não considera a subjetividade do sujeito, mas busca explicar o que é
exterior ao homem. Assim, se constrói um discurso impessoal, que não pertence à
pessoa enquanto tal, mas é enunciado na terceira pessoa.
Os saberes de crença visam a sustentar um julgamento sobre o mundo por
valores que lhe atribuímos. Os valores são procedentes de um juízo relativo aos
conhecimentos que circulam na sociedade, procedentes de um movimento de
avaliação findado o qual o sujeito determina seu julgamento a respeito dos fatos. O
sujeito que fala faz sua escolha baseado em uma lógica do necessário e do
verossímil na qual pode interferir tanto a razão quanto a emoção.
Assim, os saberes de conhecimento e os saberes de crença estruturam as
representações sociais. Os primeiros ao construírem representações classificatórias
do mundo por meio da experimentação e os segundos ao darem um tratamento
33
axiológico às relações do homem com o mundo. A realidade tem a necessidade de
ser percebida pelo homem para significar, e é essa atividade de percepção
significante que produz os imaginários. Charaudeau (2013) salienta que a noção de
imaginário não deve ser entendida como aquilo que é fictício, irreal, inventado,
imaginado, mas como “uma imagem que interpreta a realidade, que a faz entrar em
um universo de significações”. O imaginário é uma maneira de apreender o mundo,
transformando a realidade em real significado.
Para Charaudeau (2013), o imaginário social é o que funda a identidade de
um grupo na medida em que mantém uma sociedade unida. Além disso, como o
imaginário reflete a visão que o homem tem do mundo, ele é da ordem do
verossímil, ou seja, daquilo que é possivelmente verdadeiro. Sendo assim, todo
imaginário é um imaginário de verdade que essencializa a percepção do mundo em
um saber que é provisoriamente absoluto. O imáginário social resulta de uma dupla
interação: do homem com o mundo e do homem com o homem.
Essa dupla interação leva a pensar que os imaginários não são todos
conscientes, pois alguns circulam na sociedade a partir de julgamentos implícitos
veiculados pelos enunciados, pelas maneiras de falar, assimilados de tal forma por
um grupo, que funcionam como se fossem partilhados por todos de maneira natural.
Outros imaginários estão escondidos no “inconsciente coletivo”, construindo
sistemas de pensamentos coerentes com os tipos de saberes de cada sociedade.
Os imaginários necessitam ser materializados para que possam desempenhar
bem seu papel de espelho identitário. Isso pode acontecer por comportamentos ou
por atividades coletivas. São os grupos sociais que dão sentido e sustentam essas
materializações a partir de um discurso racionalizado, apresentado por textos orais e
escritos, transmitidos de geração em geração: como as doutrinas religiosas, os
manifestos, as teorias científicas, os provérbios. Esses textos desempenham
diversos papéis (de polêmica, de apelo, de reivindicação) e expressam algum tipo de
imaginário que os reforça discursivamente. Surgem, então, os imaginários
sociodiscursivos.
Esses imaginários circulam em um espaço de interdiscursividade, pois
testemunham a visão que cada grupo e indivíduo têm dos acontecimentos. No
espaço político, por exemplo, circulam imaginários sobre a postura que um político
deve adotar conforme a situação em que se encontre: campanha eleitoral, debate,
etc.; imaginários relativos ao ethos que ele deve construir em função de uma
34
expectativa coletiva dos cidadãos. Na instância política, os imaginários
sociodiscursivos são usados com a intenção de persuadir, convencer e captar
eleitores. Porém, em outras esferas da vida, os imaginários sociodiscursivos podem
ser utilizados com outros propósitos como, por exemplo, os de gerar efeitos
patêmicos, emocionar.
No próximo capítulo, revisaremos os conceitos de ethos e identidade sob o
viés da Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso e dos Estudos Culturais.
35
2 ETHOS E IDENTIDADE
Em pesquisas como esta, cujo objetivo é analisar os discursos e/ou textos
que circulam na sociedade, se faz necessário levar em conta a identidade dos
sujeitos interagentes no ato comunicativo, o contexto sociocultural em que estão
inseridos, os elementos presentes nessa troca, entre outros fatores. Acreditamos
que todo discurso implica a construção da imagem de si, imagem daqueles que
estão envolvidos no jogo discursivo, das suas intenções e dos papéis sociais que
definem sua pessoa e seu caráter, sendo possível identificar que ethos está
presente nesse ou naquele discurso e/ou texto. Neste capítulo revisaremos o
conceito de ethos e identidade.
Sempre que se recorre à noção de ethos, compulsoriamente, percorremos um
longo caminho até a Retórica de Aristóteles, primeiro filósofo grego a conceber
teorias e lançar as bases para a construção do conceito de ethos nos estudos da
linguagem.
A retórica aristotélica tinha como essência o discurso oral. E Aristóteles,
responsável por sistematizar a arte de persuadir, apresenta, em sua obra “A
Retórica”, técnicas e conceitos que podem tornar um discurso digno de credibilidade,
válido, aceito. O filósofo ensina como um orador deve portar-se, utilizando sua
imagem, para convencer um auditório; e admite três provas engendradas pelo
discurso que garantem a eficácia do processo persuasivo: logos, pathos e ethos,
conhecidas como a tríade aristotélica. O logos pertence ao domínio da razão e torna
possível convencer; o pathos e o ethos pertencem ao domínio da emoção e tornam
possível emocionar (Charaudeau 2013, p.113).
Dessa forma, a construção do ethos – tema que nos interessa particularmente
neste trabalho – pode ser entendida em Aristóteles como um conjunto de virtudes
morais que o orador precisa mostrar a fim de convencer seu auditório, apresentando
um caráter digno da credibilidade de seu público. Sendo assim, o ethos equivale a
uma imagem que o locutor deve construir de si para inspirar a confiança dos que o
ouvem, não significando, necessariamente, a imagem real do locutor. Os antigos
designavam pelo termo ethos a construção de uma imagem de si destinada a
garantir o sucesso do empreendimento oratório (AMOSSY, 2013, p.10).
Na filiação de Aristóteles, há os que acreditam que o ethos está ligado à
própria enunciação, no próprio dizer do sujeito que fala, pouco importando sua
36
sinceridade. E “essa posição é defendida pelos analistas do discurso que situam o
ethos na aparência do ato de linguagem, naquilo que o sujeito falante dá a ver e
entender” (CHARAUDEAU, 2013, p. 114).
Para parecer digno da confiança e da credibilidade do auditório e garantir uma
imagem positiva de sua pessoa, o orador deve apresentar um conjunto de virtudes e
se valer de três qualidades: a phronesis, a aretee a eunoia.
Os oradores inspiram confiança por três razões que são, de fato, as que, além das demonstrações (apódeixis), determinam nossa convicção: (a) prudência/sabedoria prática (phrónesis), (b) virtude (areté) e (c) benevolência (eunóia). Os oradores enganam [...] por todas essas razões ou por uma delas: sem prudência, se sua opinião não é correta, se pensando corretamente, não dizem – por causa de sua maldade – o que pensam; ou, prudentes e honestos (epieikés), não são benevolentes; razão pela qual se pode, conhecendo-se a melhor solução, não a aconselhar. Não há outros casos. (ARISTÓTELES apud EGGS, 2005, p. 32)
Tais categorias reaparecem recentemente nos estudos linguísticos e foram
redefinidas por pesquisadores da análise do discurso.
2.1 Ethos nos estudos linguísticos
A teoria do Ethos foi recuperada e ampliada por diversos pesquisadores no
campo da linguagem, dentre os quais se destacam Amossy (2013) e Charaudeau
(2013).
Amossy (2013) situa suas pesquisas sobre o ethos a partir da intersecção de
disciplinas como a retórica, a pragmática e a sociologia. Para ela, a maneira de dizer
induz a uma imagem que facilita a boa elaboração do projeto, pois a apresentação
de si ocorre, com frequência, independente do conhecimento dos parceiros, nas
trocas verbais mais simples.
Todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si. Para tanto, não é necessário que o locutor faça seu autorretrato, detalhe suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas competências linguísticas e enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma representação de sua pessoa. Assim, deliberadamente ou não, o locutor efetua em seu discurso uma apresentação de si. (AMOSSY, 2013, p. 9)
37
Diz-nos Amossy (2013) que a pragmática contemporânea não se interessa
pelos rituais sociais externos à prática linguagueira, mas pela eficácia da palavra do
interior da troca verbal, pelos dispositivos de enunciação. É nessa perspectiva que a
pragmática defende a noção de ethos como um fenômeno discursivo que não deve
ser confundido com o status social do sujeito empírico.
A autora, em seus estudos, se propõe a aliar o ethos dos pragmáticos com o
ethos dos sociólogos na tentativa de mostrar que ambos são complementares numa
perspectiva aberta pela retórica. Os pragmáticos consideram que o ethos é
puramente interno ao discurso, enquanto os sociólogos o inscrevem em uma troca
simbólica regrada por mecanismos sociais e por posições institucionais exteriores.
(AMOSSY, 2013, p.122)
Inspirada na “nova retórica” do filósofo Perelman, segundo a qual se concebe
que toda argumentação se desenvolve em função do auditório ao qual ela se dirige e
ao qual o orador é obrigado a se adaptar, Amossy (2013) salienta que a importância
atribuída ao auditório conduz a uma doxa comum, que segundo ela, compreende o
saber prévio, partilhado, que o auditório possui sobre o orador. A doxa é fator
determinante no estabelecimento do ethos prévio, que corresponde ao que
Maingueneau (2012) chamou de “ethos pré-discursivo”.
No momento em que toma a palavra, o orador faz uma ideia de seu auditório e da maneira pela qual será percebido; avalia o impacto sobre seu discurso atual e trabalha para confirmar sua imagem, para reelaborá-la ou transformá-la e produzir uma impressão conforme às exigências de seu projeto argumentativo. (AMOSSY, 2013, p.125)
Amossy (2013) defende a noção de estereotipagem como papel essencial no
estabelecimento do ethos, pois o conhecimento prévio que se faz do locutor e a
imagem que este constrói não são totalmente singulares. É preciso que sejam
relacionados a modelos culturais existentes, partilhados, cristalizados para
parecerem legítimos.
É o conjunto das características que se relacionam à pessoa do orador e à situação na qual esses traços se manifestam que permitem construir sua imagem. Se esta é sempre em última instância singular, é preciso ver, entretanto, que a reconstrução se efetua com a ajuda de modelos culturais que facilitam a integração dos dados em um esquema preexistente. (AMOSSY, 2013, p. 127)
38
Nessa perspectiva, Charaudeau (2013) salienta que na medida em que o
ethos está relacionado às representações sociais que tendem a essencializar essa
visão, ele pode estar ligado tanto a indivíduos (ethos individual) quanto a grupos
(ethos coletivo).
Além disso, ao analisar o texto Carta aberta aos camponeses de Jean Giono,
Amossy (2013) traz uma questão bastante relevante com relação ao ethos. Ela
postula a ideia de um ethos discursivo e um ethos institucional indissociáveis, ou
seja, não se pode separar o ethos discursivo da posição social do locutor, nem
dissociar a interlocução da interação social como troca simbólica, pois o status
institucional do escritor como ser no mundo e a construção verbal do locutor como
ser do discurso se reforçam mutuamente. (AMOSSY, 2013, p.136)
Para Charaudeau (2013), o ethos é a imagem de que o locutor se transveste
a partir daquilo que ele diz. O ethos então pode ocorrer por um cruzamento de
olhares: “olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a
maneira como ele pensa que o outro o vê”. Assim, esse outro se apoia nos dados
trazidos pelo ato de linguagem e no que ele sabe a priori do locutor, isto é, os dados
preexistentes.
O autor salienta também que o ethos pode ser entendido como a fusão de
duas identidades: a identidade social e a identidade discursiva. A identidade social
do locutor lhe dá direito à palavra e funda sua legitimidade de ser comunicante, em
função do papel que lhe é atribuído pela situação comunicativa, e a identidade
discursiva é uma figura que o sujeito constrói para si daquele que enuncia, ou seja,
uma identidade de enunciador, que se atém aos papéis que se atribuiu em seu ato
de enunciação.
Assim, o ethos é uma concepção ideológica que o sujeito faz de seu auditório
e que o guiará para produzir a melhor imagem de si que ele acha ser mais bem
aceita pelo seu público. É uma dupla imagem.
Vale lembrar que o locutor pode esconder o que é pelo que ele diz, jogando
com suas identidades social e discursiva e, ao mesmo tempo, o interlocutor pode
interpretar que aquilo que o locutor diz aproxima-se com o que ele realmente é
sendo sensível ao que é dito. Porém, como o ethos não é totalmente
consciente/voluntário, o destinatário pode construir uma imagem do locutor que este
não desejou.
39
Charaudeau (2013) destaca ainda que o ethos trata-se de uma concepção
idealizada, ou seja, é uma imagem ideal que o sujeito cria para si achando que essa
imagem é a mais adequada para atingir o(s) outro(s). É uma idealização do sujeito
comunicante para criar um sujeito enunciador, que é uma estratégia de discurso.
O autor, em seu estudo sobre o discurso político, salienta também a
existência de figuras identitárias que se agrupam em duas grandes categorias de
ethos: ethos de credibilidade e ethos de identificação.
Os ethé de credibilidade estão ligados à identidade discursiva do sujeito
falante e não à identidade social. Dessa forma, o sujeito político, por exemplo,
preocupado em parecer digno de crédito, deve questionar-se: “Como fazer para ser
aceito”? Sendo assim, este sujeito deve satisfazer três requisitos: sinceridade (ser
transparente, dizer a verdade), performance (ser capaz de colocar em prática o que
promete), eficácia (ter meios de fazer o que promete). Para isso, é preciso que o
político construa umethos de sério, virtuoso e competente.
Ethos de sério
Para a construção desse ethos são necessários alguns índices que auxiliem
nessa tarefa, como os índices corporais, comportamentais e verbais: rigidez
na postura do corpo, expressão pouco sorridente, capacidade de
autocontrole, muita energia e capacidade de trabalho, não ser dado a
constantes brincadeiras, tom firme e comedido da voz, não utilizar-se de
frases de efeito e demonstrar elocução serena. É importante destacar que o
excesso de seriedade pode demonstrar pretensão e pouca simpatia.
Ethos de virtude
Esse ethos exige demonstração de sinceridade, fidelidade e honestidade. É
uma imagem construída através do tempo, pois a partir de atitudes
verdadeiras a virtude é mostrada, indicando integridade e retidão por parte do
político. Além disso, tais virtudes vêm acompanhadas de uma atitude de
respeito em relação ao cidadão.
40
Ethos de competência
Essa imagem exige do sujeito político conhecimento e habilidade, pois não
basta saber, é preciso provar que tem os meios, o poder e a experiência para
realizar seus objetivos e obter os resultados planejados.
O ethé de identificação é, segundo afirma o linguista francês, uma questão
delicada, pois o político vai querer mostrar-se, ao mesmo tempo, tradicional,
moderno, sincero, sagaz, poderoso, etc., jogando, assim, com valores contraditórios,
porém positivos em certas circunstâncias. Mas, apesar dessa mistura de imagens,
Charaudeau (2013) destaca aquelas que são mais recorrentes na construção do
ethos de identificação do discurso político. São seis tipos de ethé ligados à
identificação:
Ethos de potência
Pode ser entendido como uma referência à energia física. E pode ser visto
mediante uma figura de virilidade sexual– “marca por excelência da potência
masculina” (CHARAUDEAU, 2013, p. 139). Essa imagem está associada ao
seu poder para agir, pois, além de um homem de fala, o político também é um
homem de ação.
Ethos de caráter
Esta imagem está mais associada à força do espírito que à força do corpo.
Nesse ethos, pode-se perceber a figura daquele que tem “personalidade
forte”, que se indigna e se vitupera em função dessa indignação, porém o
bramido e as pulsões do corpo são controlados. Assim, o sujeito político que
“tem caráter” é alguém que demonstra uma “força tranquila”, que pode ser
entendida como perseverança, confiança em si, equilíbrio, prudência,
coragem, firmeza, moderação e sensatez.
Ethos de inteligência
Essa figura provoca e busca admiração e respeito dos indivíduos através do
nível/grau de inteligência demonstrado. Para Charaudeau (2013, p. 145),
existem duas figuras que ajudam no processo de construção de um ethos de
inteligência: a figura do homem culto, qualidade que o torna um homem de
41
bem e a astúcia ou malícia que denota um saber jogar com o ser e o parecer,
dissimulando intenções para conseguir atingir seus objetivos. Porém, essa
malícia pode ser negativa se colocada a serviço da simulação moral, para a
prática de corrupção, por exemplo.
Ethos de humanidade
Essa imagem é importante para a figura do político, pois se baseia na
demonstração de sentimentos, como a compaixão e a solidariedade para com
aqueles que sofrem, como também pela capacidade de o político poder
confessar suas fraquezas e seus gostos pessoais mais íntimos. Porém, existe
a possibilidade de esse ethos ser construído pelo outro, gerando imagens
estereotipadas por parte daqueles que trabalham com o humor.
Ethos de chefe
Esse ethos se direciona para o outro, como uma imagem que é explicitamente
oferecida ao cidadão. O ethos de chefe se manifesta e atua por meio de
variadas figuras, de guia (aquele que agrega, que acompanha, direciona), de
soberano (aquele que se posiciona como fiador dos valores até o ponto de
confundir-se com eles) e de comandante (aquele que, de maneira mais
autoritária e agressiva, lidera e participa).
Ethos da solidariedade
Esse ethos faz do político uma pessoa responsável e atenta às necessidades
dos outros, partilhando das mesmas ideias e dos mesmos pontos de vista. Ele
(o político) está interessado em não distinguir-se dos outros membros do
grupo, mas unir-se a eles. Assim, seu objetivo é convencer o outro a respeito
de suas ideias.
2.1 A identidade sob o viés da Teoria Semiolinguística
Patrick Charaudeau (2009), em seu artigo “Identidade social e identidade
discursiva, o fundamento da competência comunicacional”, salienta que não há
sociologia, nem psicologia social, nem antropologia que não levem em conta os
mecanismos linguageiros e que o tema das identidades sociais mostra a
42
necessidade de distinguir a língua do discurso, num sentido inverso ao de certa
representação que pretende que o discurso seja secundário em relação à língua. Na
realidade, o discurso é fundador da língua e a identidade é o que permite ao sujeito
tomar consciência de sua existência, existência esta que se dá através de seu
corpo, seu saber (seus conhecimentos sobre o mundo), seus julgamentos (suas
crenças) e de suas ações (seu poder fazer).
Assim, para o autor, quanto mais forte é a consciência do outro, mais
fortemente se constrói a própria consciência identitária, pois o princípio de alteridade
faz com que cada um dos parceiros da troca esteja engajado num processo
recíproco de reconhecimento e de diferenciação para com o outro, cada um se
legitimando através de uma espécie de “olhar avaliador”. Dessa forma, Charaudeau
afirma que uma vez percebida a diferença, desencadeia-se no sujeito um duplo
processo de atração e de rejeição em relação ao outro. Paralelamente ao processo
de atração, o de rejeição se dá porque a diferença percebida, mesmo sendo
necessária, não deixa de ser, para o sujeito, uma ameaça.
Vê-se então o paradoxo no qual se constrói a identidade. Cada um precisa do outro em sua diferença para tomar consciência de sua existência, mas ao mesmo tempo desconfia deste outro e sente necessidade de rejeitá-lo, ou de torná-lo semelhante para eliminar a diferença. O risco está no fato de que, ao rejeitar o outro, o eu não disponha mais da diferença a partir da qual se definir; ou, ao torná-lo semelhante, perca um pouco de sua consciência identitária, visto que esta só se concebe na diferenciação. (CHARAUDEAU, 2009, p. 2)
O autor salienta que a identidade resulta de um mecanismo complexo que
consiste na construção, não de identidades globais, mas de traços identitários, pois
a identidade do sujeito comunicante é compósita, incluindo dados biológicos,
psicossociais e dados construídos por nosso próprio comportamento. Assim, o autor
reduz estes componentes a dois: identidade social e identidade discursiva, e é por
essa combinação que se constrói o poder de influência do sujeito falante.
(...) a identidade social não explica a totalidade da significação do discurso, pois seu possível efeito de influência não está inteiramente dado por antecipação; por outro lado, é certo que o discurso não é apenas linguagem, sua significação depende também da identidade social de quem fala. A identidade social necessita ser reiterada, reforçada, recriada, ou ao contrário, ocultada pelo comportamento linguageiro do sujeito falante, e a identidade discursiva para se construir necessita de uma base de identidade social. (CHARAUDEAU, 2009, p. 4)
43
Vale lembrar que o mesmo autor postula a ideia de que o jogo entre
identidade social e identidade discursiva, e a influência daí resultante, não podem
ser considerados fora de uma situação de comunicação.
É a situação de comunicação, em seu dispositivo, que determina antecipadamente, a identidade social dos parceiros do ato de troca verbal. Além disso, esta lhes fornece instruções quanto à maneira de comportar-se discursivamente, isto é, define certos traços da identidade discursiva. Ao sujeito falante restará a possibilidade de escolher entre mostrar-se conforme as instruções, respeitando-as, ou decidir mascará-las, subvertê-las ou transgredi-las. (CHARAUDEAU, 2009)
A identidade social para Charaudeau tem como particularidade a necessidade
de ser reconhecida pelos outros, pois é ela o que confere ao sujeito seu “direito à
palavra”, o que funda sua legitimidade. Legitimidade que autoriza alguém a agir da
maneira pela qual age. No domínio midiático, por exemplo, existe uma legitimidade
atribuída pela força do reconhecimento, por parte dos integrantes de uma
comunidade, do valor de seus membros, pela atribuição de um prêmio ou de um
título honorífico. Assim, é como se o premiado ou o medalhista estivesse num
pedestal e é neles (premiado ou medalhista) que uma comunidade pode olhar-se e
reconhecer-se. Essa legitimidade da palavra provém de um saber fazer.
Dessa forma, a identidade social é, em parte, determinada pela situação de
comunicação, pois deve responder à questão que o sujeito falante tem em mente
quando toma a palavra. Vê-se que essa identidade pode ser reconstruída,
mascarada ou deslocada. Já a identidade discursiva tem a particularidade de ser
construída pelo sujeito falante para responder à questão: “Estou aqui para falar
como”? E, sendo assim, depende de um duplo espaço de estratégias: de
credibilidade e de captação.
Para Charaudeau (2009), a credibilidade está ligada à necessidade, para o
sujeito falante, de que se acredite nele, tanto no valor de verdade de suas
asserções, quanto no que ele pensa realmente, ou seja, em sua sinceridade. O
sujeito deve defender a imagem de si mesmo (um “ethos”). Neste sentido, este
sujeito pode adotar diferentes atitudes discursivas:
de neutralidade – atitude que leva o sujeito a apagar, em seu discurso,
qualquer vestígio de julgamento ou avaliação pessoal. É a atitude da
44
testemunha que fala para constatar, para relatar o que viu, ouviu,
experimentou.
de distanciamento – leva o sujeito a adotar uma atitude fria e controlada de
especialista que raciocina e analisa sem paixão, tal como um experto, tanto
para explicar as causas de um fato, comentar os resultados de um estudo,
quanto para demonstrar uma tese.
de engajamento – leva o sujeito, contrariamente ao caso da neutralidade, a
optar por uma tomada de posição na escolha de argumentos ou palavras.
Constrói, assim, a imagem de um sujeito falante como “ser de convicção”.
Já as estratégias de captação surgem quando o EU-falante não está, para
com seu interlocutor, numa relação de autoridade. A captação vem da necessidade,
para o sujeito, de assegurar-se de que seu parceiro de troca comunicativa perceba
seu projeto de intencionalidade, compartilhando de suas ideias e opiniões. Neste
caso, será necessário que o sujeito falante possa “fazer crer”, tentar persuadir,
seduzir o interlocutor, para que este se coloque numa posição de “dever crer”.
Assim, destacam-se diferentes atitudes discursivas:
uma atitude polêmica – tentando antecipar, para eliminá-las, as possíveis
objeções que os outros poderiam apresentar. Trata-se de “destruir um
adversário” questionando suas ideias, e, até mesmo, sua pessoa.
uma atitude de sedução – propor ao interlocutor um imaginário no qual
desempenharia o papel de herói beneficiário. Esta atitude manifesta-se quase
sempre através de um relato no qual as personagens podem funcionar como
suporte de identificação ou de rejeição.
uma atitude de dramatização – leva o sujeito a descrever fatos que
concernem aos dramas da vida, em relatos cheios de analogias,
comparações, metáforas, etc. A maneira de contar apoia-se largamente em
45
valores afetivos socialmente compartilhados, pois se trata de fazer sentir
certas emoções.
Assim, a identidade discursiva postulada por Charaudeau se constrói com
base nos modos de tomada da palavra, na organização enunciativa do discurso e na
manipulação dos imaginários sociodiscursivos. Essa identidade leva em conta,
evidentemente, os fatores constituintes da identidade social. E é nesse jogo entre
identidades que se realiza a influência discursiva.
2.2 A identidade nos Estudos Culturais
Para Hall (2011), as sociedades modernas no final do século XX estão sendo
transformadas por um tipo diferente de mudança estrutural, fazendo com que as
paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnias, raça e nacionalidade
sejam fragmentadas, já que antes, no passado, elas nos forneciam sólidas
localizações como sujeitos sociais. Além disso, essas transformações afetam e
mudam também as identidades pessoais e abalam a ideia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados. O sociólogo salienta que esse duplo
deslocamento do indivíduo de seu mundo social e cultural gera uma “crise de
identidade”, pois a identidade somente se torna uma questão quando está em crise,
deixando de ser fixo e estável.
Stuart Hall (2011) distingue três concepções de identidade de diferentes sujeitos:
a identidade do sujeito do Iluminismo; do sujeito sociológico e do sujeito pós-
moderno.
Sujeito do Iluminismo
Estava baseado numa concepção de indivíduo totalmente centrado, unificado,
permanente. Concepção bastante individualista do sujeito e de sua
identidade.
Sujeito sociológico
Baseado numa concepção “interativa”. A identidade do sujeito sociológico é
formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito tem um núcleo ou
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essência interior “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo com
os mundos culturais exteriores.
Sujeito pós-moderno
Concepção de sujeito que não tem uma identidade estável, fixa, permanente.
Essa identidade é definida historicamente, pois
“à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente” (HALL, 2011, p.13).
O sociólogo também salienta que a globalização é um fator relevante na
questão da identidade e no que diz respeito ao processo de mudança que as
sociedades modernas vêm sofrendo. A globalização pode ser entendida como
Àqueles processos, atuantes numa escala global que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e experiência, mais interconectado. (MC GREW, 1992 apud HALL, 2011, p. 67)
Assim, a globalização pode implicar um movimento de distanciamento da
ideia sociológica clássica da “sociedade” como um sistema bem delimitado e sua
substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está
ordenada ao longo do tempo e do espaço (GIDDENS, 1990 apud HALL, 2011).
Dessa forma, Hall (2011) salienta que umas das características principais da
globalização é a compressão espaço-tempo, ou seja, a aceleração dos processos
globais, que fazem com que o mundo pareça menor e as distâncias mais curtas e
que os eventos em determinado lugar tenham um impacto imediato sobre pessoas e
lugares situados a uma longa distância.
Além disso, o sociólogo afirma que o efeito geral dos processos globais tem
sido o de enfraquecer formas nacionais de identidade cultural, pois, quando
colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações globais se deslocam
e, algumas vezes, tendem a apagar as identidades nacionais. E quanto mais a vida
se torna mediada pelo mercado global de lugares, estilos, viagens, pelas imagens da
mídia, pelos sistemas de comunicação interligados, mais as identidades se tornam
desvinculadas, desalojadas, parecendo “flutuar livremente”.
47
A tendência em direção a uma maior interdependência global está levando ao colapso todas as identidades culturais fortes e está produzindo àquela fragmentação de códigos culturais, aquela multiplicidade de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo cultural. (HALL, 2011, p. 74)
A tensão entre o “global” e o “local” é evidente na transformação das
identidades, pois as identidades nacionais representam vínculos a lugares, eventos,
histórias, representam uma forma de pertencimento. Sendo assim, alguns teóricos
dos estudos culturais argumentam que essa visão do futuro das identidades num
mundo pós-moderno, em que os processos globais ameaçam a “unidade” nacional,
pode ser considerada um tanto exagerada e simplista, pois, juntamente com o
impacto do global, existe um novo interesse pelo local e, na verdade, a globalização
explora a diferenciação local. Nesse sentido, pode-se pensar que, ao invés do global
substituir o local, parece mais interessante pensar na articulação entre eles, pois a
globalização vai produzir, simultaneamente, identificações globais e novas
identificações locais, gerando uma fonte criativa, novas formas de cultura, culturas
híbridas.
Para Silva (2013), a identidade é a referência, é o ponto original a partir do
qual se define a diferença, pois quando eu declaro sou brasileiro, significa dizer que
não sou argentino, não sou espanhol, etc., pois tal declaração carrega em si mesma
o traço do outro. A mesmidade (ou a identidade) porta sempre o traço da outridade
(ou da diferença).
Sendo assim, a identidade e a diferença são interdependentes e partilham
uma importante característica: são o resultado de atos de criação linguística, pois a
identidade e a diferença, segundo o sociólogo, devem ser produzidas, fabricadas no
contexto de relações culturais e sociais, são o resultado de um processo de
produção simbólica e discursiva.
Dessa forma, uma vez que a identidade, como a diferença, é uma relação
social, ambas estão em estreita conexão com as relações de poder. Portanto,
afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, incluir e excluir, fazer separação
entre “nós” e “eles”. Além disso, o processo de produção da identidade vai oscilar
entre dois movimentos: os processos que tendem a fixar e estabilizar a identidade e
os processos que tendem a desestabilizá-la. Porém, por mais que a fixação seja
uma tendência, ela é, ao mesmo tempo, uma impossibilidade.
48
Assim, como exemplo do processo de estabilização e fixação da identidade
está o apelo, no caso das identidades nacionais, aos mitos fundadores. E, no que
diz respeito aos processos de desestabilização, o sociólogo destaca o hibridismo, o
sincretismo, o deslocamento, como movimentos que complicam e subvertem a
identidade.
Segundo Silva (2013), a identidade que se forma por meio do hibridismo não
é mais nenhuma das identidades originais, pois o hibridismo está ligado aos
movimentos demográficos que permitem o contato com diferentes identidades como
as diásporas, os deslocamentos nômades, os cruzamentos de fronteiras. Ele
ressalta que tais movimentos podem ser literais ou metafóricos. Assim, “cruzar
fronteira” pode significar, literalmente, cruzar geograficamente um espaço
demarcado ou “cruzar fronteira” pode significar mover-se livremente entre os
territórios simbólicos de diferentes identidades.
Se o movimento entre fronteiras coloca em evidência a instabilidade da identidade, é nas próprias linhas de fronteira, nos limiares, nos interstícios, que sua precariedade se torna mais visível. Aqui, mais do que a partida ou a chegada, é cruzar a fronteira, é estar ou permanecer na fronteira, que é o acontecimento crítico. (SILVA, 2013, p. 89)
Assim, para Silva (2013), a possibilidade de “cruzar fronteiras” e de “estar na
fronteira”, de ter uma identidade indefinida, instável, é uma demonstração do caráter
“artificialmente” imposto das identidades fixas.
Bauman (2005), em consonância com as perspectivas descritas
anteriormente, salienta que a identidade e o pertencimento não têm a solidez de
uma rocha, não podem ser garantidos para toda a vida, são negociáveis e
revogáveis. Por isso, as pessoas em busca de uma identidade se veem diante da
tarefa de alcançar o impossível. A tomada de decisão de cada indivíduo, os
caminhos que ele percorre e a maneira como age são fundamentais tanto para o
pertencimento quanto para a identidade.
Além disso, o desejo por uma identidade vem do anseio de segurança, pois, a
longo prazo, flutuar sem apoio num espaço pouco definido pode configurar uma
condição geradora de ansiedade. E, por outro lado, uma posição fixa dentro de uma
gama de possibilidades também não é algo atraente. Sendo assim, estar
desimpedido, livre, é ser um herói popular, já que o “estar fixo” é algo cada vez mais
malvisto.
49
Dessa forma, Bauman (2005) afirma que, no mundo globalizado, “identificar-
se com” significa dar abrigo a um desconhecido que não se pode influenciar, e que
talvez seja mais prudente portar as identidades como um manto leve pronto a ser
despido a qualquer momento, pois, para o sujeito moderno, quando a qualidade não
o satisfaz, ele tende a procurar a salvação na quantidade, substituindo uma
identidade por uma rede de conexões.
Segundo o sociólogo, quando a identidade perde as âncoras sociais, a
“identificação” se torna cada vez mais importante para os indivíduos, quepassam a
buscar avidamente um nós a quem possa pedir acesso. Porém, nesse mundo fluido,
comprometer-se com uma única identidade para a vida toda é um negócio arriscado,
pois as identidades servem para serem usadas e exibidas, não para serem mantidas
ou guardadas.
No próximo capítulo, discutiremos sobre o gênero canção, assim como
traçaremos um breve panorama histórico da música latina e do estilo e contexto
musical em que se insere o cantor e compositor Jorge Drexler.
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3 A CANÇÃO E O COMPOSITOR JORGE DREXLER
No intuito de estabelecer um percurso teórico para o uso da canção2 nos
estudos da linguagem e das identidades culturais, é necessário pensar, a priori, que
a canção, segundo Finnegan (2008), pode ser considerada universal, pois é um
fenômeno extensamente difundido por todos os tempos e culturas; existe na
experiência de todos os indivíduos. Além de universal, ela também é particular, pois
cada povo marca seus traços de identidade e suas nuanças na produção musical.
Pode ser eficaz em comunicar representações sociais. Dessa forma, tentaremos,
aqui, discutir sobre o gênero canção.
3.1. O gênero canção: uma tentativa de descrição
Finnegan (2008) salienta que, hoje em dia, apesar da visão romântica da
canção como sede da criatividade primeva e do transbordamento natural da
expressão humana, ela é mais comumente entendida em sua determinação cultural
que, assim como a linguagem, varia em suas especificidades.
Para o geógrafo Panitz (2010), a canção é um conjunto e uma interação de
relações criativas, interpessoais, sociais, culturais, econômicas, espaciais e
históricas que se expressam no fazer musical. A canção, principalmente a canção
popular, está presente no cotidiano de milhões de pessoas e, diferente de outras
manifestações artísticas, não está restrita a condições socioeconômicas de acesso.
Segundo o autor, a chamada indústria que envolve música, literatura e
audiovisual – responde por cerca de 7% do PIB mundial; no Mercosul, segundo o
Fórum de Biarritz, o valor chega a 3% e no Brasil, o PIB da indústria cultural chega a
1%. Assim, como prática socioespacial, o geógrafo argumenta que a canção é um
importante componente a ser considerado e estudado, não só pelo dinheiro que
movimenta, mas também pelos fluxos de pessoas, bens e serviços que são gerados
em torno desta.
No campo dos estudos linguísticos, Costa (2002) salienta que, numa primeira
definição, a canção pode ser entendida como um gênero híbrido, de caráter
intersemiótico, por conjugar dois tipos de linguagem, a verbal e a musical. Porém, o
linguista defende que a canção exige uma tripla competência: a verbal, a musical e a
2 Termo utilizado neste trabalho por entendermos que engloba texto (letra) e música.
51
lítero-musical. “A canção é uma peça verbo-melódica breve, de veiculação vocal”
(COSTA, 2002, p.107). Assim, a canção não é exclusivamente texto, nem
exclusivamente peça melódica, senão um conjugado dessas materialidades.
Para Tatit (1996, apud Costa 2002, p. 108), a canção é uma fala camuflada
em maior ou menor grau, é a síntese perfeita entre a voz que fala e a voz que canta
e o elemento que confere a eficácia da canção popular, pois, sem a voz, a melodia é
mera estrutura e, sem a voz que fala no canto, a voz é apenas um instrumento.
Sem a voz que fala por trás da voz que canta não há atração nem consumo. O público que saber quem é o dono da voz. Por trás dos recursos técnicos tem que haver um gesto, e a gestualidade oral que distingue o cancionista está inscrita na entoação particular de sua fala. Entre dois intérpretes que cantam bem, o público fica com aquele que faz da voz um gesto. (TATIT, 1996 apud COSTA, 2002, p.109)
Nesta perspectiva, Costa (2002) afirma que a influência da voz da fala no
canto contribui de maneira decisiva para distinguir a canção popular da canção
erudita. Na canção erudita, a aproximação com o texto escrito formal acontece na
dimensão verbal e no aspecto melódico. A prática musical erudita é marcada pelo
apego à partitura, à fidelidade fixada pelo compositor, ao sistema de notação que
normatizam a execução musical e condicionam a própria composição, marcando,
inclusive, o índice de competência dos músicos e intérpretes. Até a “liberdade” dos
músicos é definida pela partitura. Ela sempre será o ponto de referência.
Ainda segundo o linguista, a canção popular, diferentemente da erudita, não
se prende às amarras de um sistema de notação, pois o compositor, normalmente,
compõe diretamente no seu instrumento. Na música popular, existe partitura
também, mas ela apresenta somente os acordes necessários para a execução da
canção, ela sustenta apenas um perfil melódico e rítmico básico. Assim, os músicos
possuem liberdade para improvisar, para desenvolver variações sem nenhuma
determinação prévia.
Para Costa (2002), além de linguagem musical (ritmo e melodia), a canção
também é composta de linguagem verbal, ou seja, o texto, a letra: uma dimensão
escrita inquestionável. A canção tende a lançar mão de recursos semelhantes ao
processo de criação poética, como a métrica, a rima, o verso, o sentido figurado e,
mais recentemente, procedimentos concretistas.
52
Por essas e outras razões, a canção tem sido objeto de estudo e análise de
disciplinas da linguagem e da literatura, que privilegiam a matéria escrita. Com
frequência, a canção é vista como a combinação de “música” e “poesia” porque
ambas apresentam traços aparentemente comuns (Finnegan, 2008, p.18).
Nessa perspectiva, Costa (2002) reforça a ideia de Finnegan (2008) no que
diz respeito ao caráter poético da canção:
Parece-nos mais sensato, porém, considerar a poesia e a canção dois gêneros específicos, que se interseccionam por aspectos de sua materialidade e por alguns momentos comuns de sua produção. Na canção, texto e melodia são duas materialidades imbricadas (não sendo a melodia um mero meio de transmissão de letra e vice-versa). (COSTA, 2002, p. 113)
Matos (2008) destaca que, com o advento da cultura românica e da
modernidade artística desde o final do século XVIII, as relações entre palavra
poética e linguagem musical cresceram e se intensificaram, pois sempre foi um tema
de interesse para a filosofia da arte, a crítica de literatura e de música, para o
pensamento estético de um modo geral.
A poesia antiga e medieval era toda cantada ou entoada, tanto a épica dos
gregos, quanto a tragédia antiga e o teatro medieval. Poesia e música andavam tão
juntas a ponto de não se poderem distinguir. Porém, no final da Idade Média, com a
difusão da cultura escrita e o progresso da instrumentação musical, o vínculo que as
unia se afrouxou. Somente em meados do século XVIII é que a reaproximação entre
linguagem poética e música acontece, como um projeto pré-romântico. Dessa forma,
Matos (2008) salienta que a ligação entre poesia e música será constantemente
evocada ao longo do século XIX pelas primeiras gerações românticas.
A autora toma duas vertentes como referências para discutir a conexão entre
poesia e música: 1- os estudos literários e a criação poética e 2- o pensamento e
práticas musicais. E afirma que a primeira vertente pressupõe uma relação
idealizada de parentesco entre poesia e música, que se poderia representar na
fórmula poesia = música, e que a segunda dedica-se a interrogar as modalidades de
parceria entre as duas artes, articulação entre texto poético ou verbal e texto
musical, que poderia se representar na fórmula poesia + música.
Em consonância com essa perspectiva, Pound (1970, apud Santaella 1997)
afirma que a poesia está mais próxima da visualidade e da música do que da
linguagem verbal. Pignatari (2005) confere o que foi postulado por Pound e afirma
53
que o poeta vive o conflito signo vs. coisa, pois o poeta não trabalha com o signo,
ele trabalha o signo, faz linguagem, fazendo poema. Um (bom) poema não se
esgota: ele cria modelos de sensibilidade... É criação pura – por mais impura que
seja. Assim, defende a tese de que o poema é um ícone.
Para o poeta Octavio Paz, a poesia é:
Conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de liberação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos escolhidos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; retorno à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Prece ao vazio, diálogo com a ausência: tédio, a angústia e o desespero a alimentam. Oração, ladainha, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história: em seu seio todos os conflitos objetivos se resolvem e o homem finalmente toma consciência de ser mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar de uma forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação e outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da ideia. Loucura, êxtase, logos. Retorno á infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia; o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo e metros e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. (PAZ, 2012, p. 21)
Sendo assim, fazer poesia é transformar o símbolo (palavra) em ícone
(imagem). Percebemos então que a palavra, assim como a imagem, também pode
constituir-se iconicamente. Um poema transmite a qualidade de um sentimento. Uma
ideia para ser sentida e não apenas entendida, explicada.
Já o texto poético é caracteristicamente opaco, sedutoramente visível; é impactante, provocador de estranhezas; desafiador de sentidos. Não pode nem mesmo ser resumido, pois nessa tarefa perder-se-ia sua essência: “Posso resumir uma conceito, mas não posso resumir uma forma”. (PIGNATARI, 2004 p.24). É impossível passar por ele sem percebê-lo: tornar-se chamativo é sua meta, isto é, revestir-se de uma camada que seja vista, que “incomode”, que provoque sensações, seja pela estranheza de suas formas, seja pelos temas centrados no humano que suscita. Na opacidade de sua superfície, guardam-se os “excessos” acionadores do “conhecimento das sensações”, conforme explica Zumthor; por isso é um texto imerso em rico universo de “primeiridades” expostas ao sentimento (mais uma vez, aqui entendido como ato de sentir), em função da Qualidade das coisas. (FERES, 2010, p.142.)
Assim, valendo-nos das palavras de Pignatari (2005) e Feres (2010),
podemos dizer que o cantor e compositor Jorge Drexler, em sua discografia,
54
trabalha o signo e faz linguagem, fazendo de suas letras verdadeiros poemas
cantados. Suas composições são sedutoramente visíveis e desafiadoras de sentido.
3.2 Jorge Drexler: o compositor transnacional
Como nosso corpus é formado por canções deste compositor, faz-se
necessário um mínimo de conhecimento de sua biografia e de sua produção artística
musical, assim como um breve panorama da música latino-americana em que está
inserido, tão relevante em nossas análises.
Soares (2011) salienta que a música, particularmente a música latino-
americana, que tem sido, historicamente, um importante canal por meio do qual se
discutem questões de âmbito social, político e identitário, pois a música produzida no
continente foi bastante discutida pelo relevante papel que teve durante o período de
ditaduras em diversos países. E, nesse período, era claro o desejo de se conquistar
a tão sonhada unidade latino-americana e, assim, a produção musical de cada país
estava voltada para suas fronteiras internas e eram reconhecidas como expressões
de cada nação e seu povo.
Porém, o final do século XX e a globalização acelerada marcam um novo
cenário na canção latino-americana, pois a relação entre música e sociedade pós-
moderna não aponta, prioritariamente, para temas que representem a vida local,
nacional, mas faz surgir novas narrativas de expressão sonora híbrida, ou seja,
narrativas musicais que apresentam características que são, ao mesmo tempo,
regionais e globais.
Assim, o artista Jorge Drexler em sua discografia, objeto de nossas análises,
a partir de uma linguagem poética e sonora singulares, parece dialogar com a
tradição musical de seu país de origem ao mesmo tempo em que extrapola as
fronteiras geográficas e nacionais, constituindo assim uma identidade que não é fixa,
mas que se move do local ao universal.
Jorge Drexler, cantor e compositor uruguaio, tornou-se mais conhecido pela
sua canção "Al Otro Lado del Río", vencedora do Oscar de melhor canção original. É
considerado um artista excepcional pela sua originalidade e estilo. Sua obra
(discografia) é rica, poética e singular, pois o compositor mistura ritmos regionais e
recursos eletrônicos nos arranjos de suas canções, além de usar em suas metáforas
e composições termos (vocábulos) próprios da fisiologia e da física. Em entrevistas à
55
mídia, Drexler diz que suas canções abordam suas preocupações centrais como a
ânsia de liberdade, a urgência de vagar pelo mundo sem destino fixo, a aventura de
viver à deriva. A canção “Madera de deriva”, que integra o projeto N, aplicativo
criado por Drexler para dar vida às canções nas telas dos smartphones, exemplifica
e reforça como as viagens, as mudanças e aquilo que é passageiro definem o
cantor:
Voy a merced de la resaca y del río Vengo, voy y vengo Soy todo aquello que no puedo llamar mío
O compositor afirma à revista Emeequis, em 15 de abril de 2013, que sempre
foi consciente da diversidade e da efemeridade da vida: “Gracias a mi família nunca
me llevé muy bien con los absolutos. Desde chico fui muy consciente de la
diversidad y de lo efímero que es todo. Nada es permanente.” Assim, parece que o
fato de “não pertencer a lugar nenhum” o atrai e passa a ser tema de muitas
canções.
Jorge Abner Drexler Prada nasceu em Montevidéu, Uruguai no dia 21 de
setembro de 1964, formado em Medicina, mas músico, cantor, compositor e poeta.
Tendo exercido a medicina por três anos antes de se profissionalizar como músico,
Drexler credita à sua formação acadêmica o desejo de juntar ciência e arte em sua
obra. Neto de judeu polonês fugido da Segunda Guerra Mundial, filho de um judeu
fugido da Alemanha nazista com uma "uruguaia da terra". Jorge chegou a morar por
um tempo em Israel e diz ter escrito sua primeira canção em hebraico. Começou sua
carreira artística no início da década de 1990 e, em 1996, se mudou para Madri,
recebendo frequentemente da mídia o título de uruguaio-madrileno.
Segundo o site oficial do cantor (www.jorgedrexler.com), aos cinco anos de
idade, Jorge Drexler começa seus estudos de piano e, aos onze, de violão clássico.
Estudou linguagem musical, harmonia, composição e técnica vocal. Em 1987
escreve seus primeiros contos e, em meados de 1989 começa a escrever canções.
Edita seu primeiro LP em 1992, com o título "La luz que sabe robar". E, nesse
mesmo, ano se forma em Medicina.
Em 1993, recebe o reconhecimento da crítica musical na primeira entrega dos
Prêmios Fabini, obtendo o prêmio Revelação no gênero Violão Acústico. No final
desse mesmo ano, Rubén Oliveira o convida a participar na abertura dos shows
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oferecidos por Caetano Veloso em sua primeira apresentação no Uruguai. Lança
seu segundo disco, "RadaR”, em dezembro de 1994, e de novo recebe uma
resposta positiva por parte da crítica local. Nesse mesmo mês, Joaquín Sabina,
impressionado por Drexler, o convida a Madrid, cidade que Jorge chega em
fevereiro de 1995.
Jorge começa sua etapa na Espanha lançando três CDs: "Vaivén", "Llueve" e
"Frontera". Em 2001 lança “Sea”, seu quarto álbum. Três anos mais tarde, em 2004,
lança o disco “Eco”. No mesmo ano, porém onze meses depois, lança o disco
chamado “La edad del cielo”, que é uma recopilação dos melhores temas que o
cantor uruguaio gravou anteriormente, mais alguns temas novos.Em 2005 chega o
álbum "Eco 2", a mesma versão do disco de 2004, porém com três novas canções:
"Al otro lado del río" (canção trilha sonora do filme "Diarios de motocicleta"), "Oda al
tomate" e "El monte y el río".Em 2006 lança "12 segundos de oscuridad". E dois
anos depois se edita "Cara B", um CD duplo com temas próprios e versões de
Caetano Veloso e Leonard Cohen, entre outros grandes nomes. Jorge Drexler grava
ao vivo em 2010o álbum "Amar la trama". E, em janeiro de 2013, realiza juntamente
com uma marca telefônica um sistema chamado N,projeto interativo pensado para
smartphones onde o usuário pode escutar uma canção, selecionar e editar a voz do
artista como prefira. Ali, o usuário encontra diferentes versões de uma única canção.
Em março de 2014 lançouseu mais novo e atual álbum chamado "Bailar En La
Cueva", gravado entre Bogotá e Madri com a participação de Caetano Veloso na
canção "Bolivia".
Artistas tão importantes como Mercedes Sosa, Shakira, Ana Belén, Víctor
Manuel, Pablo Milanés, Ana Torroja, María Rita, Simone, Zelia Duncan, Paulinho
Moska, Bajofondo Tango Club, entre outros, gravaram canções de Jorge Drexler em
seus discos.Apesar disso, a ideia de se converter em um ícone e renunciar sua
“humanidade” não atrai esse uruguaio que luta para conservar sua privacidade, pois
para ele “la fama es puro cuento”. Porém, suas músicas e a experiência do Óscar
tornaram Jorge Drexler um personagem público, pois já é considerado o uruguaio
vivo mais reconhecido e popular no mundo, depois do escritor Eduardo Galeano e
do Presidente do Uruguai Pepe Mujica.
Outra característica singular da obra de Jorge Drexler é a criação do termo
“Templadismo”, que pode ser traduzido por Temperalismo ou Temperália. Esta
concepção foi inspirada na Estética do Frio de Vitor Ramil e faz alusão ao
57
Tropicalismo. Vitor Ramil (1993, apud Panitz 2010), compositor brasileiro, cria uma
concepção contemporânea tipicamente gaúcha na música brasileira ao perceber que
o frio simbolizava o gaúcho. Está metáfora do frio remete a imagens e paisagens
frias, ambientes melancólicos e calmos, característico dos pampas.
Panitz (2010) salienta que, no bojo da concepção criada por Drexler, a partir
de conversar sobre a Estética do Frio, o Movimento Antropofágico e o Tropicalismo,
está uma característica que acompanha o espaço vivido, assim como o clima e suas
estações bem definidas e suas respectivas imagens e sensações criadas. Portanto,
o “templadismo” forma uma espécie de corrente musical em que predominam
elementos imagéticos, cores, sons e climas calmos, caracterizada pelo não excesso.
Dessa forma, a produção artística de Drexler pode ser inserida no que se
convencionou chamar de “world music” ou estaríamos diante de um tipo de recorte
identitário específico?
58
4 ANÁLISE DO CORPUS
Nesta seção trataremos da metodologia e análise do corpus no intuito de
responder a algumas indagações e verificar nossa hipótese.
Estando vinculada à linha Teorias do Texto, do Discurso e da Interação, do
curso de Pós-Graduação de Estudos de Linguagem da Universidade Federal
Fluminense, esta pesquisa visa analisar as marcas de “latinidade” e “globalização”
utilizadas pelo sujeito enunciador a partir da maneira como este constrói o ethos
(imagem de si) e, assim, a questão identitária.
4.1 Metodologia
A metodologia utilizada é a qualitativa com análise de dados. Assim, para
analisar as canções, seguimos alguns passos. Inicialmente, descrevemos a canção,
acompanhada de três informações contextuais básicas: quem foi o compositor (ou
compositores), qual o ano de lançamento e que álbum (CD) tal canção integra.
Posteriormente, analisamos cada canção a partir de um circuito de análise
que contemple os procedimentos empregados pelo compositor para a constituição
do ethos e dos traços identitários do sujeito enunciador das canções, a saber:
CIRCUITO DE ANÁLISE DAS CANÇÕES
1º- Os imaginários sociodiscursivos que circulam na canção
2º- A identidade social do sujeito falante: a legitimidade
3º- A identidade discursiva do sujeito falante: atitudes de neutralidade e captação
4º- Procedimentos expressivos: o “bem falar”, o “falar forte”, o “falar tranquilo” e o “falar regional”
5º- Procedimentos enunciativos: a elocução, a alocução e a delocução
6º- As categorias do ethos e as marcas identitárias
Quadro 2: Esquema do Circuito de Análise das canções
59
Além disso, analisamos a primeira canção “Milonga del moro judío” de forma
mais detalhada e as outras, para evitar repetições desnecessárias e enfado, de
forma mais esquematizada.
Da Teoria Semiolinguística, destacamos aspectos que pudessem auxiliar na
análise, aproveitando-nos da noção de semiotização do mundo.
Finalmente, mencionamos aspectos culturais e históricos que consideramos
relevantes e que pudessem intervir na produção de cada canção.
Para a análise e compreensão das canções selecionadas, o leitor/ouvinte
precisa estar atento às condições de produção, já que os signos linguísticos
constituintes da composição musical não são dotados de sentido pleno, funcionam
como “índices” que permitem alcançar a significação desejada, pois, para que a
semiotização do mundo – construção do sentido – aconteça, é necessário levar em
conta os contextos linguístico e extralinguístico ativados pela letra da canção. Assim,
no que diz respeito ao sentido de língua e discurso, em “Milonga del moro judio”, por
exemplo, há muitos elementos implícitos que exigem do leitor/ouvinte fazer muitas
inferências, pois, segundo Charaudeau (2008, p. 26),é o sentido implícito que
comanda o sentido explícito para construir a significação de uma totalidade
discursiva.
Além disso, é importante considerar que “em todo ato de discurso, o propósito
é aquilo de que se fala, o projeto que se tem em mente ao tomar a palavra; o que é,
afinal, proposto” (CHARAUDEAU, 2013, p. 187). Assim, só é possível, na relação
com o outro, influenciá-lo, seduzi-lo ou persuadi-lo, se tivermos por objeto o
conhecimento que se tem da realidade e os julgamentos que fazemos dela.
Conhecer o propósito do discurso do sujeito comunicante Jorge Drexler é de
extrema relevância para compreender as temáticas impressas em suas canções e a
composição do ethos do sujeito enunciador.
Dessa forma, para garantir essa totalidade, pretende-se, aqui, associar os
possíveis projetos de fala do sujeito enunciador ao contexto de produção das
canções.
4.2 O corpus
O corpus se compõe de cinco canções, escolhidas de forma a permitir uma
amostragem do gênero, dos traços e da temática recorrente em cada uma delas. A
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ordem em que se apresentam não segue uma cronologia, mas um agrupamento por
temáticas similares.
1- Milonga del Moro Judio
2- Disneylandia
3- Montevideo
4- Frontera
5- Todo se transforma
4.3 Análise das canções
Por cada muro un lamento
En jerusalén la dorada
Y mil vidas malgastadas
Por cada mandamiento.
Yo soy polvo de tu viento
Y aunque sangro de tu herida,
Y cada piedra querida
Guarda mi amor más profundo,
No hay una piedra en el mundo
Que valga lo que una vida.
Yo soy un moro judío
Que vive con los cristianos,
No sé qué dios es el mío
Ni cuales son mis hermanos.
No hay muerto que no me duela,
No hay un bando ganador,
No hay nada más que dolor
Y otra vida que se vuela.
La guerra es muy mala escuela
No importa el disfraz que viste,
Perdonen que no me aliste
Bajo ninguna bandera,
Vale más cualquier quimera
Que un trozo de tela triste.
Y a nadie le dí permiso
Para matar en mi nombre,
Un hombre no es más que un hombre
Y si hay dios, así lo quiso.
El mismo suelo que piso
Seguirá, yo me habré ido;
Rumbo también del olvido
No hay doctrina que no vaya,
Y no hay pueblo que no se haya
Creído el pueblo elegido
CANÇÃO 1
MILONGA DEL MORO JUDÍO
Álbum: Eco / Eco2 (2004-2005)
Composição: Jorge Drexler
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CANÇÃO 1
MILONGA DO MOURO JUDEU
Álbum: Eco / Eco2 (2004-2005)
Composição: Jorge Drexler
Por cada muro um lamento
Em Jerusalém a dourada
E mil vidas desperdiçadas
Por cada mandamento.
Eu sou poeira do teu vento
Ainda que sangre de tua ferida,
E cada pedra querida
Guarda meu amor mais profundo.
Não há uma pedra no mundo
Que valha uma vida.
Eu sou um mouro judeu
Que vive com os cristãos,
Não sei que deus é o meu
Nem quais são meus irmãos.
Não há morto que não me doa,
Não há um lado ganhador,
Não há nada mais que dor
E outra vida que voa.
A guerra é uma péssima escola
Não importa o disfarce que veste.
Perdoem que não me aliste
Sob nenhuma bandeira.
Vale mais qualquer quimera
Que um pedaço de pano triste.
E a ninguém dei permissão
Para matar em meu nome,
Um homem não é mais que um homem
E se há Deus, ele quis assim.
O mesmo solo que piso
Seguirá, eu já terei ido;
Rumo do esquecimento
Não há doutrina que não vá,
E não há povo que não se ache
O povo escolhido.
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“Milonga del moro judio”, composta e interpretada por Jorge Drexler, integra o
álbum “Eco”, sétimo álbum de sua carreira e aquele que dá ao artista verdadeira
visibilidade mundial. Foi gravado em Montevidéu com músicos argentinos,
uruguaios, brasileiros e espanhóis e lançado em 2004. No ano de lançamento, Jorge
Drexler vivia há nove anos na Espanha.
Nesta canção, o sujeito enunciador, que se apresenta como um mouro judeu
(“yo soy un moro judio”), expressa seu sofrimento e sua condição de desterrado em
função das guerras em “nome” de Deus. Para isso, recorre à metáforas verbais, à
interdiscursividade e adota algumas atitudes discursivas para defender um ethos.
Bakhtin (1997) salienta que os indivíduos, ao interagirem por meio do texto, buscam
diferentes discursos, historicamente situados, para elaborar seus enunciados. A
interdiscursividade é, portanto, um componente importante para a construção dos
sentidos do texto, que, segundo Charaudeau (2013), é o espaço onde os
imaginários sociodiscursivos circulam. Esses imaginários “dão testemunho das
identidades coletivas, da percepção que os indivíduos e os grupos têm dos
acontecimentos, dos julgamentos que fazem de suas atividades sociais”
(CHARAUDEAU, 2013, p.207).
Observa-se que, na canção, circula o discurso de retorno às fontes,
valorizando a responsabilidade em relação à origem como herança moral.
Por cada muro un lamento En jerusalén la dorada Y mil vidas malgastadas Por cada mandamento
Esse discurso de retorno às fontes é evidenciado pelos vocábulos muro e
lamento, em que sistemas imagéticos e culturais se ligam ao verbal e evocam a
imagem do Muro das Lamentações, sagrado para os judeus como local de fazer
orações e depositar seus desejos e também pelo uso metonímico da expressão
Jerusalén la dorada que nos remetem à imagem da Porta Dourada, entrada mais
antiga da cidade de Jerusalém, ambos representativos, aqui, da origem, cultura e
história do povo judeu, marcada por genocídio, exílio e sucessivas diásporas. O
sujeito enunciador se mostra responsável em apresentar tais discursos para
legitimar sua fala e expressar o sofrimento daqueles que defendem a cidade
63
sagrada, seja por ideologia seja obrigação que, apesar das feridas causadas, não
impedem que o sujeito deixe de amar seu território.
De todos os diversos lugares sagrados da capital de Israel, o Muro das
Lamentações é um dos mais significativos. Sua história começa em 957 a.C., com o
Templo de Jerusalém. Erguido pelo rei Salomão, o templo simbolizava a ligação com
Deus.
Segundo Krausz (2012), o prédio foi derrubado pelos babilônios e reerguido
pelos judeus após cinco décadas. A obra ficou intacta até Roma dominar a cidade e,
em 40 a.C., Herodes assume o domínio sobre a região. Começa então uma grande
ampliação que demorou 46 anos.
Mas o resplendor durou pouco e uma revolta contra os romanos leva a nova
destruição do templo. Os judeus começaram uma grande diáspora e construções
islâmicas surgiram no local, como o Domo da Rocha. O atual Muro das
Lamentações é uma pequena parte da parede que sobrou da grandiosa obra de
Herodes. Das três secções do muro que restaram depois da destruição – a do leste,
do sul e do oeste – é a do oeste, a ocidental, onde está situado o Muro das
Lamentações, daí ser também chamado de Muro Ocidental.
Depois de uma longa história de guerras e conflitos, no local onde existia o
Templo de Salomão é atualmente o Monte do Templo ou a Esplanada das
Mesquitas, onde os muçulmanos construíram as Mesquitas de Al-Aqsa e a Mesquita
do Domo do Rochedo. De acordo com a crença dos muçulmanos, foi na Esplanada
das Mesquitas onde ocorreu a ascensão do Profeta Maomé aos céus de Alá3 e isso
faz desse lugar o terceiro mais sagrado aos muçulmanos, depois de Meca e Medina.
O Muro das Lamentações é o segundo lugar mais sagrado do judaísmo, atrás
somente do Santo dos Santos no Monte do Templo.
Portanto, o lugar onde havia o Templo de Salomão é sagrado tanto aos
judeus como aos muçulmanos. É uma área bastante sensível em termos políticos e
religiosos, especialmente porque os judeus têm restrições quanto a circular na
Esplanada das Mesquitas, que está sob jurisdição islâmica. A competição não oficial
pelo controle de Jerusalém acontece pedra por pedra.
O Muro é conhecido também pela tradição que já existe há séculos: de
colocar nas suas fendas um papel dobrado com pedidos escritos nele endereçados
3 Deus em língua árabe.
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a Deus Jehová. Assim, é um lugar para se depositar esperanças e também de fazer
orações. É possível encontrar pessoas rezando dia e noite à frente do Muro das
Lamentações.
Y aunque sangro de tu herida, Y cada piedra querida Guarda mi amor más profundo
Para Charaudeau (2013), essa responsabilidade nos obriga a nos tornarmos
porta-vozes e transmiti-la por nossa conta em uma longa cadeia de filiação e
solidariedade histórica, pois “a descoberta de nossa origem determinaria nossos
engajamentos” (CHARAUDEAU, 2013, p. 214).
Esses engajamentos dizem respeito à identidade social do sujeito falante,
pois ao tomar a palavra, deve responder a seguinte questão: “Estou aqui para dizer
o quê, considerando o status e o papel que me é conferido por esta situação? ”
(CHARAUDEAU, 2009, p. 4).
Observa-se que, com a expressão “Milonga del moro judío”, título desta
canção, aproximam-se elementos (milonga e moro judío) que evidenciam o “dizer o
quê” (expressar um lamento) e o status do sujeito falante (pertencente a um grupo).
Para o dicionário on-line da Real Academia Espanhola (2010), o termo milonga
designa
um estilo de música tradicional em várias partes da América Latina e na Espanha. É considerado o ritmo nacional da Argentina, do Uruguai e do Rio Grande do Sul. É também conhecido por Molonga e originou-se de uma forma de canto e dança da Andaluzia, Espanha, que, nos fins do século XIX, popularizou-se nos subúrbios de Montevidéu e Buenos Aires.
Para Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, no dicionário Miniaurélio Século
XXI (2000, p. 463), a milonga é “certa música platina, dolente, cantada ao som do
violão”. E segundo o Diccionario de La Musica (1981), a milonga é vista como
Canto popular muy corriente em las repúblicas sudamericanas, que se canta con acompañamento de guitarra. [...] Su especto musical es el de una canción somnolenta, de movimiento lento, proveniente de la forma rítmica de su acompañamiento.
É a música com que os cantores sul-americanos expressam suas emoções,
num ritmo apagado e nostálgico, como no tango, expressando tristeza, sofrimento.
Sendo assim, a milonga é a representação metonímica de lamento.
65
Além disso, a identidade social institui a legitimidade do orador. Em Milonga
del moro judio, é atribuída ao sujeito enunciador a legitimidade por filiação, que
segundo Charaudeau (2013) se funda na ideia de que o falante deve ser “bem-
nascido” ou deve pertencer a certo grupo social (classe, meio, casta)
Yo soy un moro judío Que vive con los cristianos
Assim, ao declarar-se um mouro judeu, o sujeito enunciador evidencia os
grupos aos quais pertence, evoca o testemunho dos antigos e legitima a sua voz,
tornando-se um encarregado de levá-la adiante. Este sujeito está autorizado a dizer,
pois, mais do que ninguém, conhece sua própria origem e história.
Conhecedor de seu status e de seu propósito, o sujeito falante precisa
responder a outra questão: “Estou aqui para falar como”? Dessa forma, deve adotar
atitudes discursivas no intuito de ser levado a sério e conseguir a captação de seu
público. Verifica-se que o sujeito enunciador em Milonga del moro judio defende um
ethos a partir da atitude de engajamento, que, segundo Charaudeau (2009), é a
tomada de posição na escolha de argumentos ou palavras, construindo assim um
sujeito falante como um ser de convicção.
Krausz (2012) salienta que, na história dos judeus, uma das dispersões se dá
quando a comunidade judaica da Babilônia começa a declinar. Parte dos judeus foi
para o norte da África, região que hoje corresponde a Argélia, Marrocos, Sahara
Ocidental e Mauritânia, e lá se assentaram nos domínios de duas tribos
mulçumanas: os beberes e os mouros. Sabendo que os mouros estavam em franca
expansão pela Espanha, muitos judeus foram com eles e ficaram conhecidos como
os sefaradim, que significa Espanha em hebraico.
Os mouros chegaram por volta do ano 711 e se estabeleceram na Espanha
por oito séculos até que os reis católicos espanhóis, numa tentativa de acabar com o
domínio mouro no território espanhol, estabeleceram uma ofensiva que ficou
conhecida como “A Reconquista” e assim expulsaram e/ou mataram aqueles que
não aceitavam se converter à fé cristã. Os que se convertiam eram chamados de
“cristãos-novos”, porém ainda eram alvos de suspeita dos inquisidores.
La guerra es muy mala escuela No importa el disfraz que viste
66
Assim, esse sujeito se posiciona contrariamente à questão da guerra entre
cristãos, mouros e judeus, pois, a partir da metáfora construída no verso acima,
defende a ideia de que a guerra, por mais que se tenham motivos “nobres” ou
“santos”, é sempre prejudicial comparando-a a uma escola de qualidade ruim,
duvidosa, que não educa, não forma, mas deforma os cidadãos.
Quanto aos procedimentos expressivos para a composição do ethos,
Charaudeau (2013) salienta que cada locutor tem uma maneira de falar que lhe é
próprio, mas que, ao mesmo tempo, depende de comportamentos e papéis sociais
repertoriados. O autor ainda destaca que a maneira de falar de um locutor
caracteriza-se sempre por certa vocalidade, que pode ser categorizada em: “o bem
falar”, o “falar forte”, o “falar tranquilo” e o “falar regional”.
Sendo assim, o sujeito enunciador desta canção se apresenta como aquele
locutor que tem o “falar tranquilo”, que segundo Charaudeau (2013), se caracteriza
por possuir uma dicção lenta e um tom de voz que não é terno nem estrondoso, a
articulação, sem ser exageradamente marcada, é compreensível e dá a impressão
de uma grande simplicidade natural que a aproxima da conversação familiar. Este
falar pode evocar vários ethé: de caráter, de inteligência, de chefe, demonstrando
uma força de alma interior capaz de se encarregar dos problemas do mundo.
Além disso, essa simplicidade da conversação familiar é marcada pela
escolha do ritmo milonga e pela composição do sujeito enunciador como a figura do
cantador ou “milonguero” que necessita transmitir, através da tradição oral, sua
mensagem.
No hay muerto que no me duela, No hay un bando ganador, No hay nada más que dolor
Essa mensagem é transmitida de maneira simples a partir da utilização de um
vocabulário comum, marcado pela presença da anáfora no hay no início dos versos,
remetendo-nos aos ditos populares “No hay mal que por bien no venga”, “No hay
que ser caballo para saber de carreras”, “No hay mal que dure cien años ni cuerpo
que lo resista” entre outros característicos da cultura espanhola.
Jorge Drexler é um artista que possui uma voz agradável, melodiosa e
tranquila, assim como sua música, que transita entre o acústico e o eletrônico,
67
caracterizada pelo não excesso. Em Milonga del moro judio, ele utiliza o ritmo
milonga, de tom reflexivo e melancólico, de cadência e ponteio rigorosos, quase
como uma marcha e sutil em seus movimentos melódicos, reforçando o ethos que
ele constrói para conseguir a adesão de seu público e seduzi-lo facilmente.
Não podemos esquecer-nos do “falar regional”, visto que é a marca do falar
de Jorge Drexler e evoca sua região de origem, pois, segundo Charaudeau (2013),
esse falar, ao mesmo tempo em que revela o torrão natal ao qual pertence o orador,
estabelece uma relação de proximidade com aqueles que participam dessa mesma
origem. Assim, ao enunciar utilizando o falar regional, o sujeito enunciador da
canção constrói um ethos de autenticidade e de humanidade que o legitima a falar
aos seus, legitima o grupo identitário a que esse sujeito pertence e o coloca na
posição de defensor dos valores de sua nação, não negando suas origens e sua
identidade.
Ao pensarmos no mercado musical, Jorge Drexler poderia compor e cantar
suas canções em outro idioma para conseguir maior público, maior visibilidade e
maior vendagem, porém sua escolha ao produzir canções em língua materna é uma
escolha, antes de tudo, ideológica.
Além disso, Charaudeau (2008 p. 128) salienta que as canções, nas quais o
eu-enunciador expõe sua experiência e sua visão pessoal do mundo e dos seres
que o rodeiam, são textos que tem a finalidade de contar. O universo assim
construído é relativo ao imaginário pessoal do sujeito, que, a partir de uma descrição
subjetiva, deixa transparecer seus sentimentos, seus afetos e suas opiniões, a tal
ponto que, às vezes, o mundo descrito pode se confundir com os estados de alma
daquele que o descreve. Assim, na canção Milonga del moro judio, o eu poético-
descritor utiliza os componentes de organização descritiva nomear, localizar-situar e
qualificar para construção do mundo narrado ou descrito.
7. Nomear: consiste em fazer existir os seres no mundo. Esses seres representam
uma referência material ou não material e são nomeados por nomes comuns,
que os individualizam e os fazem pertencer a uma classe (identificação
genérica), ou por nomes próprios (identificação específica).
8. Localizar-situar: uso de categorias de língua que pode fornecer ao relato um
enquadre espaço-temporal, jogando com a precisão, o detalhe e a identificação
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dos lugares e da época de um relato ou, ao contrário, podem deixar os lugares
e o tempo incertos, sem identificação particular porque o relato não se ancora
em uma realidade específica. Esse enquadre depende da visão que um grupo
cultural projeta sobre esse mundo.
9. Qualificar: permite construir uma visão objetiva ou subjetiva do mundo, e
produzir efeitos de realidade / ficção a partir da descrição dos seres humanos
em seu aspecto físico, gestual, de indumentária, em suas posturas, gostos,
identidade, comportamentos, os objetos que possuem etc. Essa descrição se dá
pela acumulação de detalhes de tipo factual com o objetivo de produzir um
efeito de coerência ou pela utilização de analogias explícitas ou implícitas que
consiste em colocar em correspondência os seres do universo e as qualidades
que pertencem a âmbitos diferentes.
“Por cada muro un lamento En jerusalén la dorada” “Yo soy un moro judío Que vive con los cristianos”
Os nomes comuns, aqui, identificam na canção os personagens como
indivíduos que representam uma classe de seres, à qual é atribuído um papel, uma
espécie de arquétipo (moro judio, cristianos) e o nome próprio (Jerusalén) fornece
também o enquadre espacial, localizando a história narrada, carregada de
evocações simbólicas. Observa-se também que a qualificação se dá por meio da
expressão moro judio que vive con los cristianos, que singulariza o personagem e
evidencia sua identidade, sua postura, além de seus gostos, opiniões e sentimentos
encontrados ao longo de todo texto, explícita ou implicitamente.
No que diz respeito aos procedimentos enunciativos, Charaudeau (2013)
salienta que tais procedimentos permitem ao sujeito falante colocar-se em cena
(enunciação “elocutiva”), implicar seu interlocutor no mesmo ato de linguagem
(enunciação “alocutiva”) e apresentar o que é dito como se a ninguém estivesse
implicando (enunciação “delocutiva”).
Fica evidente em Milonga del moro judio a elocução, expressa por meio de
pronomes pessoais de primeira pessoa (“yo soy un moro judio”), revelando a
69
implicação do locutor e seu ponto de vista pessoal. Charaudeau (2008) salienta que
o comportamento elocutivo se configura linguisticamente através de categorias
modais específicas. Assim, destacaremos algumas dessas categorias e os papéis
atribuídos ao locutor apresentados na canção:
Saber/ Ignorância - uma informação é pressuposta e o locutor diz se tem ou
não conhecimento dela: “No sé que dios es el mío, ni cuales son mis
hermanos”.
Apreciação – o locutor avalia não mais a verdade do propósito, mas seu valor,
seus próprios sentimentos. Trata-se de uma avaliação de ordem afetiva: “no
hay muerto que no me duela, no hay más que dolor”.
Concordância / Discordância – pressupõe que foi dirigido ao locutor um
pedido de dizer se adere ou não à verdade de um propósito de um outro e ele
responde expressando sua adesão ou sua não adesão a esse propósito:
“perdonen que no me aliste bajo ninguna bandera”.
Proclamação – faz existir um ato no momento em que profere uma fala que
descreve esse ato. Tem uma posição institucional (ou considera como tal),
que lhe dá autoridade para fazer com que essa fala se torne um ato: “a nadie
le di permiso para matar en mi nombre”.
Declaração – o locutor detém um saber e supõe que o interlocutor ignora esse
saber ou duvida da verdade desse saber: “yo soy un moro judio que vive con
los cristianos”.
Dessa forma, a elocução evoca, aqui, o ethos de humanidade, o ethos de
chefe e o ethos de solidadriedade, a partir de algumas figuras que demonstram as
fraquezas, a condição humana e os sentimentos do sujeito enunciador.
O ethos de humanidade constitui um imaginário importante para a figura do
locutor, pois o ser humano é mensurado pela capacidade de demonstrar
70
sentimentos, compaixão por aqueles que sofrem e pela capacidade de confessar
suas fraquezas.
Assim, ao declarar-se um moro judío, o sujeito evidencia sua humanidade,
sua condição de desterrado e demonstra, ao longo da canção, sua posição contrária
à guerra, adotando uma atitude de compaixão e atenção às necessidades dos
outros, daqueles que padecem na guerra. Muito mais que observar esse sofrimento,
o enunciador sofre porque se coloca como um soldado do front que defende as
minorias, aqueles que, como ele, vivem desterrados em nome de doutrinas que
reforçam a soberania de um grupo em detrimento de outros.
O ethos de solidariedade está intimamente ligado ao ethos de humanidade. A
solidariedade caracteriza-se pela vontade de estar junto, de não se distinguir dos
outros membros do grupo e, sobretudo, de unir-se a eles a partir do momento em
que se encontram ameaçados. Charaudeau (2013) salienta que todo movimento de
solidariedade passa por um processo de identificação de um grupo por meio de uma
ideia, um valor.
Yo soy um moro judio Que vive com los cristianos no hay muerto que no me duela no hay nada más que dolor
Além disso, a figura do guia-profeta caberia ao sujeito falante, pois tal figura,
variante do ethos de chefe, diz respeito àquele que, ao mesmo tempo, é fiador do
passado e é voltado para o futuro, para o destino dos homens. Ele é uma palavra,
uma voz.
Y a nadie le dí permiso Para matar en mi nombre, Un hombre no es más que un hombre Y si hay dios, así lo quiso
Observa-se que, na canção, também circula o discurso do direito à identidade
que, segundo Charaudeau (2013), diz respeito à questão de saber se as relações
que os grupos mantêm entre si devem ser de integração ou de assimilação das
diferenças, criando uma identidade coletiva, ou se as relações devem ser de defesa
do grupo local e de preservação de sua identidade.
Dessa forma, duas concepções estariam em oposição: uma que pode ser
chamada depopular, no sentido de que os indivíduos se reconhecem como
pertencentes a uma massa, soberania que é mantida por um discurso que apaga as
71
fronteiras nacionais; outra que pode ser relacionada à preferência nacional, fundada
sobre o passado histórico, sustentada pelos discursos de especificidade identitária.
Na canção Milonga del moro judio, apesar de se observar o discurso de
retorno às origens, ao passado, não é este que sobressai no texto, e sim aquele que
defende o igualitarismo do ponto de vista da identidade cidadã, que deve abolir as
diferenças de tratamento em função da pertença dos indivíduos a uma raça, religião,
etnia etc.
Un hombre no es más que un hombre Y si hay dios, así lo quiso.
Ao tratar da questão dos mouros, judeus e cristãos, o sujeito enunciador se
posiciona contrário ao imaginário de uma soberania popular intolerante, excludente
diante da “ameaça” que representa um grupo dominante e defende a noção de
hibridismo cultural a qual estamos todos irremediavelmente associados. “Em vez de
pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como
constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou
identidade” (HALL, 2011, p. 62).
Bauman (2005) salienta que identificar-se com significa dar abrigo a um
destino desconhecido que não se pode influenciar e que talvez seja mais prudente
portar identidades como um manto leve pronto a ser despido a qualquer momento.
Para Bhabha (2013), a questão da identificação é sempre a produção de uma
imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem é “o
retorno de uma imagem de identidade que traz a marca da fissura no lugar do Outro
de onde ela vem”.
É importante destacar também que as marcas identitárias estão presentes na
elocução, evidenciando um caráter mais subjetivo impresso nas canções, pois a
identidade e a condição do sujeito comunicante se misturam com a do sujeito
enunciador. Dessa forma, pode-se perceber que, ao tecer discursivamente a
identidade do sujeito enunciador, Drexler constrói sua própria identidade: filho e neto
de judeus.
Assim, ao construir discursivamente sua identidade, Drexler deixa em realce
suas raízes e se vê “encarregado” de levá-las adiante, ainda que com o advento da
globalização, não consigamos fugir de uma identidade universal. As marcas
72
linguísticas e a construção discursiva evidenciam o caráter latino, pessoal da
canção.
Enquanto artista, Drexler se vê legitimado a falar sobre a temática impressa
em Milonga del moro judio, na tentativa de não só emocionar seu público, mas
também, através da identificação, de fomentar a reflexão e garantir a adesão de seu
interlocutor. Além disso, enquanto seres sociais, somos também seres políticos na
medida em que nos colocamos no mundo, lutamos por nosso direito, expressamos
nossas opiniões, defendemos uma causa etc. Assim, ao expressar suas ideologias
“em forma de canção”, Drexler faz política e necessita, para isso, recorrer a um
ethos que se constrói a partir da figura do sujeito enunciador desta canção.
1º- Os imaginários sociodiscursivos que circulam na canção
“Tradição” – discurso de fidelidade – dada como um valor moral, um dever de assumir a origem. (CHARAUDEAU, 2013, p.213)
Ex: “Yo soy un moro judio que vive con los cristianos”.
“Direito à identidade” - diz respeito à questão de saber se as relações que os grupos mantêm entre si devem ser de integração ou de assimilação das diferenças, criando uma identidade coletiva, ou se as relações devem ser de defesa do grupo local e de preservação de sua identidade (CHARAUDEAU, 2013)
Ex: “un hombre no es más que un hombre”.
2º- A identidade social do sujeito falante
Legitimidade“por filiação” – pertencer a certo grupo, meio, classe ou casta. (CHARAUDEAU, 2013, p. 71) O sujeito enunciador se apresenta como um mouro judeu.
Ex: “Yo soy un moro judío”.
3º- A Identidade discursiva do sujeito falante
Credibilidade: o sujeito enunciador adota uma atitude de engajamento – imagem de um sujeito como “ser de convicção”.
Ex: “La guerra es muy mala escuela No importa el disfraz que viste”.
4º- Procedimentos expressivos Falar regional e o falar tranquilo
73
5º-Procedimentos enunciativos Enunciação “elocutiva”
Ex: Yo soy, no sé, no me alisto, mi nombre
6º-Ethos e marcas identitária. Ethos de humanidade, ethos de solidariedade,
ethos de chefe sujeito Drexler constrói sua própria identidade: filho e
neto de judeus.
QUADRO 3: CIRCUITO DE ANÁLISE 1: “Milonga del moro judío”
74
Hijo de inmigrantes rusos casado em
Argentina con una pintora judía, se casa
por segunda vez con una princesa africana
en Méjico.
Música hindú contrabandeada por gitanos
polacos se vuelve un éxito en el interior de
Bolivia.
Cebras africanas y canguros australianos
en el zoológico de Londres.
Momias egipcias y artefactos incas en el
Museo de Nueva York.
Linternas japonesas y chicles americanos
en los bazares coreanos de San Pablo.
Imágenes de un volcán en Filipina salen en
la red de televisión de Mozambique.
Armenios naturalizados en Chile buscan a
sus familiares en Etiopía.
Casas prefabricadas canadienses hechas
con madera colombiana.Multinacionales
japonesas instalan empresas en Hong-
Kong y producen con materia prima
brasilera para competir en el mercado
americano.
Literatura griega adaptada para niños
chinos de la Comunidad Europea
Relojes suizos falsificados en Paraguay
vendidos por camellos en el barrio
mejicano de Los Ángeles.
Turista francesa fotografiada
semidesnuda con su novio árabe en el
barrio de Chueca.
Pilas americanas alimentan
electrodomésticos ingleses en Nueva
Guinea.
Gasolina árabe alimenta automóviles
americanos en África del Sur.Pizza
italiana alimenta italianos en Italia.Niños
iraquíeshuídos de la guerra no obtienen
visa en el consulado americano de
Egipto para entrar en Disneylandia.
CANÇÃO 02
DISNEYLANDIA
Álbum: 12 Segundos de Oscuridad (2006)
Composição: Arnaldo Antunes
Versão: Jorge Drexler
75
Filho de imigrantes russos casado na
Argentina com pintora judia, casou-se
pela segunda vez com uma princesa
africana no México.
Música hindú contrabandiada por ciganos
poloneses faz sucesso no interior da
Bolívia.
Zebras africanas e cangurus australianos
no zoológico de Londres.
Múmias egípcias e artefatos íncas no
museu de Nova York.
Lanternas japonesas e chicletes
americanos nos bazares coreanos de
São Paulo.
Imagens de um vulcão nas Filipinas
passam na rede de televisão em
Moçambique.
Armênios naturalizados no Chile
procuram familiares na Etiópia.
Casas pré-fabricadas canadenses feitas
com madeira colombiana.
Multinacionais japonesas instalam
empresas em Hong-Kong e produzem
com matéria prima brasileira para
competir no mercado americano.
Literatura grega adaptada para crianças
chinesas da comunidade europeia.
Relógios suiços falsificados no Paraguai
vendidos por camelôs no bairro mexicano
de Los Angeles.
Turista francesa fotografada seminua
com o namorado árabe na Baixada
Fluminense.
Pilhas americanas alimentam
eletrodomésticos ingleses na Nova
Guiné.
Gasolina árabe alimenta automóveis
americanos na África do Sul.
Pizza italiana alimenta italianos na Itália.
Crianças iraquianas fugidas da guerra
não obtém visto no consulado americano
do Egito para entrarem na Disneylândia.
CANÇÃO 02
DISNEYLÂNDIA
Álbum: 12 Segundos de Oscuridad (2006)
Composição: Arnaldo Antunes
Versão: Jorge Drexler
76
A canção “Disneylandia”, que integra o álbum “12 Segundos de Oscuridad”
lançado em 2006 por Jorge Drexler, é uma versão em espanhol de uma composição
do músico brasileiro Arnaldo Antunes, gravada no disco “Cabeça Dinossauro”, de
quando ele era integrante dos Titãs, banda paulistana formada nos anos 1980 por
jovens colegas de escola. O grupo fez parte daquilo que se designou, nos veículos
midiáticos, de “rock nacional”, período de surgimento e propagação de bandas cujas
letras das canções eram de cunho crítico-social e retratavam problemáticas da
realidade brasileira como violência urbana, corrupção, política, desigualdades etc.
Porém, é importante salientar que, ao cantar sua versão, Drexler “ocupa” o lugar do
enunciador.
A escolha desta letra para compor o corpus deste trabalho se deve ao
conteúdo e à temática da mesma, uma vez que a riqueza de detalhes de processos
representativos de uma sociedade em transformação, sem limites geográficos bem
delimitados é marcante. Nota-se que o sujeito enunciador, aqui, se assemelha a um
jornalista que noticia o fluxo de pessoas e produtos e eventos sociais característicos
dos anos 1990, daquilo que se convencionou chamar de processo de globalização.
Para Castells (1999), a Globalização é o processo resultante da capacidade de
certas atividades de funcionar como unidade em tempo real em escala planetária. É
um fenômeno novo porque só nas últimas décadas do século XX se constituiu um
sistema tecnológico de sistemas de informação, telecomunicações e transporte que
articula todo o planeta numa rede de fluxos nas quais convergem as funções e
unidades estratégicas dominantes de todos os âmbitos da atividade humana.
Segundo Bauman (1999), o significado mais profundo transmitido pela ideia
da globalização é o de caráter indisciplinado, indeterminado e de autopropulsão dos
assuntos mundiais, a ausência de um centro, de um painel de controle, a “nova
desordem mundial” de Jowitt com outro nome. É um movimento de abertura
comercial que possibilita a integração econômica e estimula o desmantelamento do
Estado para acelerar investimentos da mais-valia global.
Pautado nos elementos discursivos e na temática em questão, observa-se
que, nesta canção, diferentemente de “Milonga del moro judio”, circula o imaginário
da “modernidade”, que segundo Charaudeau (2013), trata de um conjunto de
representações que os grupos sociais constroem a propósito da maneira como
percebem ou julgam seu instante presente. São celebradas, neste imaginário, a
ação do homem e sua capacidade de transformar o mundo com seu pensamento,
77
sua mão (criação manufatureira) e as novas ferramentas que produz (criação
tecnológica).
Pilas americanas alimentan electrodomésticos ingleses en Nueva Guinea
Tal imaginário é portador de uma crença na existência do progresso
necessário à realização do bem-estar do homem e das sociedades e engendra, em
seu interior, dois tipos de discursos: um centrado na economia e outro na tecnologia.
O discurso centrado na economia diz respeito ao modo como uma sociedade
representa para si a legitimidade das maneiras de gerir a vida coletiva do ponto de
vista da produção e repartição de riquezas, já que os indivíduos não são igualmente
produtores nem têm o mesmo acesso às riquezas criadas. Daí nascem os discursos
de “regulação controlada” e “autorregulação natural”. O primeiro, segundo
Charaudeau (2013), está fundado no reconhecimento de que em qualquer
sociedade existem dominantes e dominados, e o segundo fundamenta-se na ideia
de que em toda sociedade as relações de força são inevitáveis, garantia de um
dinamismo que manifesta a livre concorrência entre produtores, fazendo crescer o
consumo.
Linternas japonesas y chicles americanos en los bazares coreanos de San Pablo Multinacionales japonesas instalan empresas en Hong-Kong y producen con materia prima brasilera para competir en el mercado americano.
Em “lanternas japonesas e chicletes americanos nos bazares coreanos de
São Paulo”, bens de consumo duráveis e não duráveis (lanterna, chiclete) vindos de
países desenvolvidos (Japão e Estados Unidos) aparecem no mercado interno
brasileiro através de estabelecimentos (bazares) situados em São Paulo, cujos
donos são estrangeiros (coreanos), reforçando, assim, a ideia de um sistema
produtivo pautado na produção, distribuição e consumo. É evidente, aqui, o
referencial econômico dos fluxos globalizados. Tal referencial aparece através da
abertura ao mercado internacional, da conexão comercial entre multinacionais e
78
suas filiais, das relações de dominação, do controle de matéria-prima e mão de obra
em busca de lucratividade.
Outro discurso que circula na canção é o que está centrado na tecnologia e
que, segundo Charaudeau (2013), testemunha uma representação social sobre a
maneira de enfocar o mundo e a técnica do ponto de vista de seu valor. Esse
discurso é portador de um imaginário de verdade ligado à noção de eficácia e
competência. O século XXI é marcado pela tecnologia da comunicação, pela
fabricação de modos de transmissão eletrônicos e digitais, pela organização das
conexões em rede e permite circular uma informação em um espaço de tempo curto
e colocar em contato direto pessoas que se encontram distantes umas das outras.
Para Flichy (1991 apud CHARAUDEAU 2013), nossa época é marcada pelo que
chamou de “imaginário cooperativo”.
Imágenes de un volcán en Filipina salen en la red de televisión de Mozambique Turista francesa fotografiada semidesnuda con su novio árabe en el barrio de Chueca
Assim, esse imaginário se funda na crença de que todos podem ter acesso a
todas as informações que circulam no mundo e que estas seriam imediatamente
compreendidas por todos devido à modernização dos meios de comunicação que
articula o planeta numa grande rede.
Um elemento interessante e fundamental nesta canção é o fluxo de pessoas,
o movimento populacional que acontece entre as fronteiras, que envolve emigração-
imigração, identificação x desidentificação, choques culturais, componentes da
globalização.
Hijo de inmigrantes rusos casado en Argentina con una pintora judía, se casa por segunda vez con una princesa africana en Méjico. Niños iraquíes huídos de la guerra no obtienen visa en el consulado americano de Egipto para entrar en Disneylandia.
Ao emigrarem da Rússia, pais dão ao filho a condição de se fixar em outro
local (Argentina, México), buscando construir novos vínculos identitários via
casamento com pessoas de outras culturas e territórios (judia, africana). Porém,
esses fluxos populacionais também encontram “muros” sociais, políticos e culturais
que dificultam a fixação em território estrangeiro, pois se observa que crianças
79
iraquianas foram impedidas de entrar nos Estados Unidos através do complexo
turístico da Disneylândia, tratado, aqui, como ponto de passagem, como “não lugar”.
Outras referências com forte apelo à identificação e representação (comunidade,
naturalizado, adaptado, entrada) aparecem na canção e evocam a ideia de
hibridismo, de assimilação.
Assim, para relatar os acontecimentos de um mundo globalizado, o sujeito
falante adota uma postura de neutralidade, que, segundo Charaudeau (2009), é a
atitude que leva o sujeito a apagar, em seu discurso, qualquer vestígio de avaliação
pessoal, atitude esta da testemunha que fala para constatar o que viu, ouviu,
experimentou. Dessa forma, o sujeito enunciador recorre à enunciação delocutiva
para apresentar o que é dito como se a palavra dada dependesse unicamente do
ponto de vista de uma voz terceira, voz da verdade. Para Charaudeau (2013), a
delocução é expressa com a ajuda de frases que apagam todo traço dos
interlocutores, para se apresentar de forma impessoal. O sujeito falante se
apresenta, então, como um “soberano”, aquele que está acima das massas e se faz
portador de uma verdade estabelecida. Esse modo de enunciação pode construir um
ethos de grandeza e revelar, também, uma distância, uma frieza e ainda um espírito
dogmático por parte do orador.
Dessa maneira, a partir da atitude discursiva do sujeito enunciador e dos
procedimentos enunciativos observados para a composição do ethos, Drexler
assume um discurso que tenta apagar qualquer sinal de identidade latina para
composição de uma identidade universal.
1º- Os imaginários sociodiscursivos que circulam na canção
“Modernidade” – esse imaginário se define inicialmente contra um passado que seria percebido como uma era, senão de obscurantismo, ao menos de um saber menor, de um saber “de uma outra idade” e, assim, o tempo presente se beneficiaria de um estado de saber superior. (CHARAUDEAU, 2008, p. 216)
Ex: “Pilas americanas alimentan electrodomésticos ingleses en Nueva
Guinea”.
“Turista francesa fotografiada semidesnuda con su novio árabe en el barrio de Chueca”.
80
2º- A identidade social do sujeito falante Legitimidade pela força do reconhecimento ou domínio midiático
3º- A Identidade discursiva do sujeito falante
Credibilidade: o sujeito enunciador adota uma atitude de neutralidade – imagem de um sujeito que apaga qualquer vestígio de avaliação pessoal. Captação: o sujeito adota uma atitude de dramatização – descreve fatos que concernem aos dramas da vida.
Ex: “Niños iraquíes huídos de la guerra no obtienen visa en el consulado americano de
Egipto para entrar en Disneylandia.”
4º- Procedimentos expressivos Falar regional e o falar tranquilo
5º-Procedimentos enunciativos
Enunciação “delocutiva” – é expressa com a ajuda de frases que apagam todo traço dos interlocutores. (CHARAUDEAU, 2013, p.179) Ex: “Armenios naturalizados en Chile buscan
a sus familiares en Etiopía”.
6º-Ethos e marcas identitárias
Ethos de grandeza, soberania Apagamento da identidade individual
QUADRO 4: CIRCUITO DE ANÁLISE 2: “ Disneylandia”
81
CANÇÃO 03 MONTEVIDEO Álbum: Llueve (1997) Composição: Jorge Drexler
Yo tengo pintada en la piel
la lágrima de esta ciudad,
la misma que da de beber,
la misma te hará naufragar.
Yo tengo en la piel su sabor,
un leve resabio de sal,
que nunca he sabido esconder,
que nunca he sabido mirar.
Si dejo elegir a mis pies
me llevan camino del mar,
me llevan camino del mar,
me llevan camino del mar.
El mar que me trajo hasta aquí,
el puerto en que habré de zarpar,
un día pensando en volver,
un día volviendo a escapar.
Un día cualquiera me iré
dejando su lágrima atrás
la pena que me haga partir
la misma me hará regresar.
Si dejo elegir a mis pies
me llevan camino del mar,
me llevan camino del mar,
me llevan camino del mar
82
CANÇÃO 03 MONTEVIDÉU Álbum: Llueve (1997) Composição: Jorge Drexler
Eu tenho pintada na pele
a lágrima desta cidade,
a mesma que dá de beber,
a mesma te fará naufragar.
Eu tenho na pele o seu sabor,
um leve sabor de sal,
que nunca soube esconder,
que nunca soube olhar.
Se deixo os meus pés escolherem
me levam a caminho do mar,
me levam a caminho do mar,
me levam a caminho do mar.
O mar que me trouxe até aqui,
o porto em que terei de zarpar,
um dia pensando em voltar,
um dia voltando a fugir.
Um dia qualquer eu irei
deixando sua lágrima para trás
a tristeza que me fará partir
a mesma me fará regressar.
Se deixo os meus pés escolherem
me levam a caminho do mar,
me levam a caminho do mar,
me levam a caminho do mar.
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A canção “Montevideo”, composta e interpretada pelo músico Jorge Drexler,
integra o álbum “Llueve”, lançado em 1998.O sujeito enunciador, que se apresenta
como um residente ou nativo da cidade de Montevidéu, expressa seu desejo de
escape a partir de suas experiências, do conhecimento de sua história e das
condições de sua cidade, que o faz, então, produzir um discurso que valoriza o
tempo presente e rompe com os valores do passado. O que está em jogo é a
legitimidade de uma maneira de viver, uma nova visão do mundo.
Este desejo de fuga da cidade natal diz respeito à identidade social do sujeito
falante, pois se observa que, com as expressões “Montevideo”, “volver” e “escapar”,
aproximam-se elementos que evidenciam o “dizer o quê”. Além disso, fica evidente,
aqui, a enunciação elocutiva(Yo tengo pintada en la piel)que evoca o ethos de
humanidade e faz referência à identidade do sujeito comunicante Drexler, uruguaio
nascido em Montevidéu. É interessante perceber que o título da canção evidencia
uma identificação local, apesar do desejo de partir.
1º- Os imaginários sociodiscursivos que circulam na canção
“Tradição” – discurso de fidelidade – dada como um valor moral, um dever de assumir a origem. (CHARAUDEAU, 2013, p.213)
Ex: “Yo tengo pintada enla piel la lágrima de esta
ciudad”. “Tengo en la piel su sabor que nunca he sabido
esconder.”
“Modernidade”–esse imaginário se define inicialmente contra um passado que seria percebido como uma era, senão de obscurantismo, ao menos de um saber menor, de um saber “de uma outra idade” e, assim, o tempo presente se beneficiaria de um estado de saber superior. (CHARAUDEAU, 2013, p. 216)
Ex: “la misma que da de beber, la misma te hará naufragar”.
“Si dejo elegir a mis pies, me llevancamino del mar”.
84
2º- A identidade social do sujeito falante
Legitimidade“por filiação” – pertencer a certo grupo, meio, classe ou casta. (CHARAUDEAU,
2013, p. 71)
O sujeito enunciador se apresenta como um nativo (uruguaio) ou morador da cidade de “Montevideo” – título da canção. Ex: “Tengo pintada el la piel la lágrima de esta ciudad”.
“Un día culaquiera me iré dejando su lágrima atrás”
3º- A Identidade discursiva do sujeito falante
Credibilidade: o sujeito enunciador adota uma atitude de engajamento – imagem de um sujeito como “ser de convicção”. Captação: o sujeito adota uma atitude de dramatização–apoia-se em valores afetivos socialmente partilhados pois trata-se de fazer sentir certas emoções.
Ex: “la pena que me haga partir, la misma me hará regresar”.
“Si dejo elegir a mis pies, me llevan camino del mar”
4º- Procedimentos expressivos
Falar regional e o falar tranquilo
5º-Procedimentos enunciativos
Enunciação “elocutiva”
Ex: Yo tengo, he sabido, iré, me trajo, me hará, habré
6º-Ethos e marcas identitárias
Ethos dehumanidade, ethos de virtude Ao tecer discursivamente a identidade do sujeito enunciador, Drexler constrói sua própria identidade: uruguaio.
QUADRO 5: CIRCUITO DE ANÁLISE 3: “Montevideo”
85
CANÇÃO 04 FRONTERA Álbum: Frontera (1999) Composição: Jorge Drexler
Yo no sé de dónde soy,
mi casa está en la frontera
Y las fronteras se mueven,
como las banderas.
Mi patria es un rinconcito,
el canto de una cigarra.
Los dos primeros acordes
que yo supe en la guitarra
Soy hijo de un forastero
y de una estrella del alba,
y si hay amor, me dijeron,
y si hay amor, me dijeron,
toda distancia se salva.
No tengo muchas verdades,
prefiero no dar consejos.
Cada cual por su camino,
igual va a aprender de viejo.
Que el mundo está como está
por causa de las certezas
La guerra y la vanidad
comen en la misma mesa
Soy hijo de un desterrado
y de una flor de la tierra,
y de chico me enseñaron
las pocas cosas que sé
del amor y de la guerra
86
FRONTEIRA
Álbum: Frontera (1999)
Composição: Jorge Drexler
Eu não sei de onde sou,
minha casa está na fronteira
E as fronteiras se movem,
como as bandeiras.
Minha pátria é um cantinho,
o canto de uma cigarra.
Os dois primeiros acordes
que eu aprendi na guitarra
Sou filho de um forasteiro
e de uma estrela d’alva,
e se existe amor, me disseram,
e se existe amor, me disseram,
toda distancia se salva.
Não tenho muitas verdades,
prefiro não dar conselhos.
Cada um por seu caminho,
vai aprendendo com a idade.
Que o mundo está como está
por causa das certezas
A guerra e a vaidade
comem na mesma mesa
Sou filho de um desterrado
e de uma flor da terra,
e de menino me ensinaram
as poucas coisas que sei
do amor e da guerra.
87
“Frontera”, composta e interpretada pelo músico Jorge Drexler, integra o
álbum de mesmo título, gravado em Buenos Aires e lançado em 1999. Nesse álbum
encontramos canções que vão desde o candombe a ritmos mais pop, com a mescla
de recursos eletrônicos nos arranjos. A canção apresenta um discurso de fluidez, de
passagem, de uma vida sem limites geográficos bem delimitados, retratando um
homem que não está preso a verdades absolutas, mas que “desconhece” sua
própria identidade nacional, não se fixando em nenhum lugar.
A palavra “fronteira”, título da canção sugere um lugar de entremeio, uma
ponte, travessia, passagem, lugar de encontros e desencontros culturais, alcance de
novas margens, novos lugares, hibridismo, remetendo ao que afirma Bhabha sobre
o “local da cultura”:
É outro lugar de enunciação, híbrido, ‘inadequado’, outro lócus de inscrição e intervenção das lutas de identificações: raça, gênero, vinculação institucional, orientação sexual, localidade geopolítica, língua, habilidades e competências, dentre outras. A cultura é fronteira, passagem, travessia, (des)encontros de vozes dissonantes. (BHABHA, 2013, p. 51)
O sujeito enunciador, ao declarar Yo no sé de dónde soy, mi casa está en la
frontera, pode ser visto como o sujeito pós-moderno de Hall (2011) que, envolto a
uma “crise de identidade”, se percebe deslocado, sem uma identificação plenamente
unificada, segura, mas cambiante, móvel, pois sua casa está na fronteira. A crise de
identidade que salienta Hall (2011, p.7) é entendida como:
parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e os processos centrais da sociedade moderna e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem no mundo social.
Além disso, fica evidente en “las fronteras se mueven como las banderas” que
esse sujeito enunciador já não tem mais um lugar específico a ocupar e que, talvez,
a busca por uma identidade seja uma tarefa quase impossível, pois Bauman (2005)
salienta que
Não há mais ‘fronteiras naturais’ nem lugares óbvios a ocupar. Onde quer que estejamos em determinado momento, não podemos evitar de saber que poderíamos estar em outra parte, de modo que há cada vez menos razão para ficar em algum lugar específico (e por isso muitas vezes sentimos uma ânsia premente de encontrar – de inventar – uma razão).
88
Além dos elementos, já analisados, como constituintes da identidade do
sujeito enunciador, é possível destacar, mais uma vez, que o modo enunciativo em
1ª pessoa, presente na construção desta canção, faz referência à identidade do
sujeito comunicante Jorge Drexler, evidenciando uma canção de cunho
autobiográfico, pois nos versos abaixo se observa que o cantor faz referência a ele
mesmo (“soy hijo”), a seu pai como “un desterrado”, por sua condição judia e a sua
mãe, uruguaia, como “una flor de la tierra”.
Assim, Drexler compõe uma canção de caráter mais universal, que tenta
ampliar os espaços geográficos, de saída do local para uma localização mais
continental, fazendo uma referência simbólica ou concreta à “fronteira”. É evidente,
também, que os elementos constituintes de uma identidade local não se perdem,
estão ancorados no discurso, porém não é o que sobressai.
1º- Os imaginários sociodiscursivos que circulam na canção
“Modernidade” – esse imaginário se define inicialmente contra um passado que seria percebido como uma era, senão de obscurantismo, ao menos de um saber menor, de um saber “de uma outra idade” e, assim, o tempo presente se beneficiaria de um estado de saber superior. (CHARAUDEAU, 2013, p. 216)
Ex:“Yo no sé de donde soy, mi casa está en la frontera”.
2º- A identidade social do sujeito falante
Legitimidade “por filiação” – pertencer a certo grupo, meio, classe ou casta. (CHARAUDEAU,
2013, p. 71) O sujeito enunciador se apresenta como filho de um desterrado, de um forasteiro e de uma “flor da terra”. Ex: “Yo soy hijo de un desterrado y de una flor de la
tierra”.
3º- A Identidade discursiva do sujeito falante
Credibilidade: o sujeito enunciador adota uma atitude de engajamento – imagem de um sujeito como “ser de convicção”. Captação: o sujeito adota uma atitude polêmica – leva o sujeito a questionar certos valores defendidos pelo interlocutor
Ex:“Que el mundo está como está por causa de las certezas”.
89
4º- Procedimentos expressivos
Falar regional e o falar tranquilo
5º-Procedimentos enunciativos
Enunciação “elocutiva”
Ex: Yo no sé de donde soy, Soy hijo de um
forastero, Prefiero no dar consejo
6º-Ethos e marcas identitárias
Ethos de humanidade, ethos de virtude, ethos de caráter. Ao tecer discursivamente a identidade do sujeito enunciador, Drexler constrói sua própria identidade: filho de um desterrado (pai judeu) e de uma flor da terra (mãe uruguaia)
QUADRO 6: CIRCUITO DE ANÁLISE 4: “Frontera”
90
CANÇÃO 05
TODO SE TRANSFORMA
Álbum: Eco2 (2005)
Composição: Jorge Drexler
Tu beso se hizo calor,
Luego el calor, movimiento,
Luego gota de sudor
Que se hizo vapor, luego viento
Que en un rincón de La Rioja
Movió el aspa de un molino
Mientras se pisaba el vino
Que bebió tu boca roja.
Tu boca roja en la mía,
La copa que gira en mi mano,
Y mientras el vino caía
Supe que de algún lejano
Rincón de otra galaxia,
El amor que me darías,
Transformado, volvería
Un día a darte las gracias.
Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simples,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma.
El vino que pagué yo,
Con aquel euro italiano
Que había estado en un vagón
Antes de estar en mi mano,
antes de eso en Torino,
Y antes de Torino, en Prato,
Donde hicieron mi zapato
Sobre el que caería el vino.
Zapato que en unas horas
Buscaré bajo tu cama
Con las luces de la aurora,
Junto a tus sandalias planas
Que compraste aquella vez
En Salvador de Bahía,
Donde a otro diste el amor
Que hoy yo te devolveria
Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simples,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma
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CANÇÃO 05
TUDO SE TRANSFORMA
Álbum: Eco2 (2005)
Composição: Jorge Drexler
Teu beijo se fez calor,
Logo o calor, em movimento,
Logo gota de suor
Que se fez em vapor, logo vento
Que em um recanto da La Rioja
Moveu a pá de um moinho
Enquanto pisavam o vinho
Que bebeu tua boca vermelha.
Tua boca vermelha na minha,
A taça que gira na minha mão,
E enquanto o vinho caía,
Soube que de algum lugar distante
Cantinho de outra galáxia,
O amor que me darias,
Transformado, voltaria
Um dia a agradecer-te.
Cada um dá o que recebe
E logo recebe o que dá,
Nada é mais simples,
Não há outra norma:
Nada se perde,
Tudo se transforma.
O vinho que eu paguei,
Com aquele euro italiano
Que havia estado em um vagão
Antes de estar na minha mão,
E antes disso em Turim,
E antes de Turim, em Prato,
Onde fizeram meu sapato
Sobre o qual cairia o vinho.
Sapato que em umas horas
Buscarei debaixo de tua cama
Com as luzes da aurora,
Junto a tuas sandálias planas
Que compraste aquela vez
Em Salvador da Bahia,
Onde a outro deste o amor
Que hoje eu te devolveria
Cada um dá o que recebe
E logo recebe o que dá,
Nada é mais simples,
Não há outra norma:
Nada se perde,
Tudo se transforma.
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A canção “Todo se transforma”, composta e interpretada por Jorge Drexler,
integra o álbum “Eco”, gravado em Montevidéu com músicos argentinos, uruguaios,
brasileiros e espanhóis, o que já salienta seu caráter globalizante. Editado em Los
Angeles e Madri, o álbum foi lançado em 2004 e reeditado em 2005.
A canção pode ser interpretada com uma constatação sobre a mobilidade da
vida moderna, fala de ”tudo”, das relações interpessoais, do amor, do “estar no
mundo”, das ações como geradoras de reações e transformações, da fugacidade e
efemeridade das coisas, salientando que elas passam, mudam, se transformam,
remetendo à Lei de Lavoisier conhecida pela célebre frase “na natureza nada se
cria, nada se perde, tudo se transforma”.
O caráter global se justifica também pela presença de elementos constituintes
de diferentes territórios e nacionalidades como euro italiano, vinho, La Rioja,
Salvador, Bahia, evidenciando um sujeito que está em conexão com essas regiões,
onde as distâncias temporais/espaciais e/ou simbólicas não significam mais nada,
pois, com o advento da globalização e da tecnologia, as conexões são cada vez
mais rápidas e as distâncias cada vez menores.
Sobre a composição do ethos do sujeito enunciador, pode-se perceber que há
um apagamento da identidade individual para composição de uma identidade
universal, trazendo, em seu discurso, uma fala e temáticas que podem ser
identificadas com qualquer pessoa do globo.
1º- Os imaginários sociodiscursivos que
circulam na canção
“Modernidade” – esse imaginário se define inicialmente contra um passado que seria percebido como uma era, senão de obscurantismo, ao menos de um saber menor, de um saber “de uma outra idade” e, assim, o tempo presente se beneficiaria de um estado de saber superior. (CHARAUDEAU, 2013, p. 216)
Ex:“No hay otra norma: nada se pierde
todo se transforma”.
2º- A identidade social do sujeito falante Legitimidade pela força do reconhecimento
3º- A Identidade discursiva do sujeito
falante
Credibilidade: o sujeito enunciador adota uma atitude de engajamento – imagem de um sujeito como “ser de convicção”.
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Captação: o sujeito adota uma atitude de sedução – apoia-se em valores afetivos socialmente partilhados.
Ex: “Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da”.
4º- Procedimentos expressivos Falar regional e o falar tranquilo
5º-Procedimentos enunciativos
Enunciação “alocutiva” – é expressa com a ajuda de pronomes pessoais de segunda pessoa que revelam, ao mesmo tempo, a implicação do interlocutor; o lugar que lhe designa o locutor e a relação que se estabelece entre eles. (CHARAUDEAU, 2013, p.176)
Ex: “Tu beso se hizo calor”. “Tu boca roja enla mía”.
6º-Ethos e marcas identitárias
Ethos de humanidade, ethos de inteligência,
ethos devirtude
Tentativa de apagamento da identidade
individual.
QUADRO 7: CIRCUITO DE ANÁLISE 5: “Todo se transforma”
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É frequente ouvirmos falar sobre a importância do papel da escola na
formação de leitores proficientes. Entretanto, desenvolver a competência leitora nos
alunos requer professores competentes, visto que, na atividade de leitura,
acionamos conhecimentos linguísticos, enciclopédicos, relações com o outro,
experiências, lugar social, fazemos inferências e comparações. Saber ler é ser
capaz de circular entre textos e produzir sentidos. Dessa forma, é fundamental que o
professor auxilie o educando, apontando o “caminho” a ser percorrido para se
alcançar a significação de uma totalidade discursiva.
Vimos a importância da análise do discurso no que diz respeito à análise de
textos, pois buscamos na dupla dimensão do ato linguageiro (implícito x explícito),
um norte para estabelecer inferências, chegar à significação plena e verificar nossa
hipótese. A partir dos implícitos, do contexto linguístico e extralinguístico, dos
possíveis projetos de fala do sujeito enunciador associados ao contexto de produção
das canções, foi possível compreender as temáticas impressas em cada letra e
compor o ethos do sujeito falante e, consequentemente, sua identidade.
Além disso, propomos um trabalho em que se valorizem os aspectos culturais
e históricos, favorecendo a compreensão e interpretação de possíveis implícitos e a
conscientização do aluno como sujeito sócio-histórico, pois o processo de ensino-
aprendizagem de uma língua estrangeira favorece a construção identitária dos
sujeitos, o respeito à diversidade cultural e o exercício da cidadania. Por isso,
acreditamos que o gênero escolhido, neste trabalho, é uma importante ferramenta
para discutir os imaginários que circulam em uma sociedade, os eventos históricos,
os recursos linguísticos e discursivos empregados pelo sujeito comunicante, além do
contato com a música, a melodia, despertando, no aluno, a fruição musical.
Dessa forma, estabelecemos um circuito de análise das canções a fim de
verificar os elementos linguísticos empregados e as atitudes discursivas adotadas
pelo sujeito enunciador para a composição da “imagem de si” e, consequentemente,
de uma identidade oscilante entre o local e o global. O circuito contemplou os
imaginários sociodiscursivos, a identidade social e a identidade discursiva do sujeito
falante, os procedimentos expressivos, os procedimentos enunciativos e as
categorias do ethos.
95
Os discursos presentes nos textos possibilitaram verificar os posicionamentos
mais ou menos engajados do sujeito enunciador, posicionamentos estes que
estabelecem a identidade do compositor. Além disso, os procedimentos enunciativos
nos ajudaram a caracterizar cada canção como mais ou menos subjetiva e nos
permitiram distinguir qual a postura adotada pelo cantor e, então, “inseri-lo” em
diferentes categorias do ethos.
É impossível ao sujeito que fala escapar à questão do ethos, pois revelar-se
emocionado, alegre, ser convincente, estar acima das massas, defender valores,
exprimir compaixão, contribui para a construção de uma imagem com a qual o
interlocutor poderia identificar-se.
Assim, confirmamos nossa hipótese inicial de que os textos remetem à
identidade do cantor e comprovam que esta identidade oscila ente “latinidade” e
“universalidade”, uma vez que as canções “Milonga del moro judio e “Montevideo”
são consideradas mais “latinas” e as canções “Disneylandia”, “Frontera” e “Todo se
transforma”, mais universais. Além disso, a partir dos imaginários sociodiscursivos
que circulam em cada canção, da interdiscursividade, dos elementos linguístico-
discursivos para composição do ethos, como atitudes de legitimidade e captação e
os procedimentos enunciativos empregados pelo sujeito enunciador, observamos
que Jorge Drexler recompõe antigas representações e compõe uma identidade
móvel, transnacional.
Em sua discografia, é possível observar temáticas que superam posições
estáticas, fixas, de permanências imutáveis, pois a mistura de tecnologia e arranjos
eletrônicos com ritmos regionais como a milonga, por exemplo, reforçam a
mobilidade entre o artesanal, local e o global e a ampliação do seu território. Dessa
forma, podemos dizer, levando em conta sua biografia e heranças identitárias, que
Jorge Drexler é um artista inserido em um mundo globalizado, marcado por
constantes mudanças.
Verificamos, também, que o ethos é uma marca saliente na análise de
canções e reforça a necessidade de se delinear um perfil dos compositores e dos
cantores, de forma que seja criado um modelo para facilitar próximas leituras.
Porém, tomar o ethos como um padrão fixo dos artistas pode ser um erro, já que os
mesmos podem se inserir em diferentes estilos ao longo de suas carreiras. Assim,
quando analisamos as canções e o percurso artístico de Drexler, vimos não ser
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possível relacionar a ele um único ethos. Ele se apresentou de maneiras diferentes
em cada canção, reforçando assim um “ethos eclético”.
Tentamos refletir, aqui, maneiras de identificar a postura dos sujeitos e como
isso poderia interferir na construção dos sentidos de canções consideradas “latino-
americanas” divulgadas nas últimas décadas.
Ao propormos um trabalho desta natureza, mostramos ser possível promover,
por meio do trabalho com língua estrangeira, um ensino culturalmente relevante,
pois a temática das identidades pode e precisa ser explorada no processo educativo,
uma vez que esse tema, dentre tantos outros, como as relações de poder, a
ideologia dos discursos, a diversidade sociocultural, são caros à Linguística Aplicada
e reúnem os diferentes contextos históricos e culturais que se originam com a
língua.
Dessa forma, as aulas de língua estrangeira se constituem como um espaço
privilegiado para a compreensão do papel das línguas e das culturas na sociedade
cada vez mais globalizada. Salientamos, também, que o investimento em certo
conhecimento “semiolinguístico” possibilita a formação de leitores competentes,
capazes de relacionar texto e contexto.
97
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