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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Daniela Natale Nasser R.A: 003200500841 O INSTITUTO DA INDIGNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO São Paulo 2008

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Daniela Natale Nasser

R.A: 003200500841

O INSTITUTO DA INDIGNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

São Paulo

2008

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Daniela Natale Nasser

R.A.: 003200500841

O INSTITUTO DA INDIGNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Coordenação do Curso de Direito da Universidade São

Francisco, como requisito parcial para a obtenção do

Título de Bacharel em Direito, orientado pelo Professor

Henrique Antonio Esteves Margy.

São Paulo

2008

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Daniela Natale Nasser

R.A.: 003200500841

O INSTITUTO DA INDIGNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em ..../..../......., na Universidade São Francisco,

pela Banca Examinadora constituída pelos professores:

__________________________________________

Orientador: Profº Especialista Henrique Antonio Esteves Margy

USF

__________________________________________

Examinador: Profª Mestre Silmara Faro Ribeiro

USF

__________________________________________

Examinador: Profª Mestre Simone Guimarães Lambert

USF

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Ao estimado professor Henrique Antonio Esteves Margy, pelo carinho, auxílio e dedicação sempre presentes.

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Agradecimentos:

Agradeço a Deus por mais esta vitória em minha vida. Aos meus pais, José Carlos e Elisabeth por todo amor e por estarem sempre ao meu lado.

À minha irmã Tatiane, por sua amizade. E ao meu namorado Rafael, pelo incentivo, paciência e compreensão.

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“A moralidade é a melhor de todas as regras para orientar a humanidade”. (Friedrich Nietsche)

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NASSER, Daniela Natale. O instituto da indignidade no Direito Brasileiro, TCC, Curso de Direito, São Paulo: USF, 2008.

RESUMO

O presente trabalho visa, por meio de pesquisa bibliográfica, trazer uma análise reflexiva sobre o Instituto da Indignidade no Direito Brasileiro. A Indignidade é considerada uma pena civil que priva o herdeiro ou legatário de receber a herança a que teria direito por ter cometido atos reprováveis, estabelecidos expressamente no artigo 1814 do Código Civil, contra a vida, a honra e a liberdade de testar do autor da herança ou seus familiares. A importância deste Instituto se dá pelo fato de que, além de proteger os bens do falecido, também tem a preocupação com o aspecto moral, o que é muito relevante, afinal não é justo que alguém cometa atos desrespeitosos e criminosos contra aquele que deveria respeitar e amar, e ainda se beneficie herdando os bens daquele que ofendeu. A indignidade, portanto, trata-se de uma forma legal de excluir o herdeiro ou legatário da herança do ofendido.

Palavras-chave: pena civil, exclusão do herdeiro/legatário da sucessão, atos ofensivos e criminosos, autor da herança, aspecto moral e patrimonial.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 9

SEÇÃO 1 – SUCESSÃO.................................................................................................... 11

1.1. Conceito .................................................................................................................... 11

1.2. Evolução Histórica do Direito das Sucessões ........................................................... 14

1.3. Capacidade Civil e Capacidade Sucessória .............................................................. 16

1.4. Espécies de Sucessão ................................................................................................ 19

1.5. Efeitos da sucessão mortis causa .............................................................................. 24

1.6. Herdeiros e Legatários .............................................................................................. 25

SEÇÃO 2 - INDIGNIDADE.............................................................................................. 26

2.1. Conceito .................................................................................................................... 26

2.2. Hipóteses de Indignidade.......................................................................................... 28

2.2.1. Homicídio .......................................................................................................... 29 2.2.2. Denunciação caluniosa e crimes contra a honra ................................................ 31 2.2.3. Da liberdade de testar......................................................................................... 32

2.3. Efeitos da declaração de indignidade........................................................................ 32

2.4. Julgamento do Indigno pelo juízo criminal............................................................... 35

2.5. Reabilitação do Indigno ............................................................................................ 36

SEÇÃO 3 – INDIGNIDADE E INSTITUTOS JURÍDICOS CORRELATOS............ 39

3.1. Herdeiro Aparente..................................................................................................... 39

3.2. Incapacidade Sucessória X Indignidade ................................................................... 40

3.3. Deserdação X Indignidade ........................................................................................ 42

CONCLUSÃO.................................................................................................................... 45

REFERÊNCIAS................................................................................................................. 47

ANEXO - JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................ 49

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa discorrer sobre o instituto da indignidade, um dos mais

importantes assuntos pertencentes ao ramo do Direito das Sucessões. Tal importância se dá,

principalmente, pelo fato do instituto ter como foco principal a proteção da família, cujo

valor no âmbito das sociedades contemporâneas assume cada vez maior relevância.

A Carta Política de 1988, em seu capítulo VII do Título “Da Ordem Social”, mais

precisamente no artigo 226, estabelece que a família é a base da sociedade e, por isso, tem

especial atenção do Estado. De acordo com o ordenamento jurídico-constitucional vigente,

a família assume posição estrutural na sociedade, ou seja, ocupa um dos alicerces da

coletividade e, por essa razão, merece absoluto zelo do Estado em todos os seus aspectos.

Dessa forma, não há dúvida que o direito brasileiro reconhece a importância da

família e a protege incondicionalmente. No entanto, ao lado da família propriamente dita, é

importante reconhecer a preocupação da atual ordem jurídica com a esfera patrimonial da

entidade familiar, assunto que ultrapassa a esfera do direito de família para adentrar, com

especial particularidade, no ramo do direito das sucessões.

Nesse contexto, um assunto merece nossa especial atenção, notadamente por

interferir de forma direta na questão da preservação da entidade familiar resguardada pelo

ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se da declaração de indignidade do sucessor, assunto

bastante relevante e delicado na medida em que pressupõe o cometimento de algum ato

realmente grave contra o autor da herança capaz de resultar na exclusão do ofensor da

cadeia sucessória.

Consciente da importância desse tema, a presente pesquisa pretenderá identificar,

num primeiro momento (Seção 1), o conceito de Sucessão e a evolução histórica do Direito

das Sucessões, com especial atenção para assuntos introdutórios, como a distinção entre

capacidade civil e capacidade sucessória; a descrição e detalhamento das espécies de

sucessão; os efeitos da sucessão mortis causa; bem como as diferenças existentes entre os

conceitos de herdeiros e legatários, tudo isso visando preparar o caminho para a melhor

compreensão do tema abordado nos próximos capítulos do trabalho.

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A Seção 2, por sua vez, pretende aprofundar o estudo do instituto da indignidade,

descrevendo com cuidado os casos em que a lei determina a privação do indigno de seus

direitos sucessórios. Para tanto, o capítulo será abordado em quatro subitens, nos quais

serão analisados, de forma detalhada: o conceito de indignidade no Direito brasileiro; as

hipóteses de declaração de indignidade trazidas pela legislação civil; os efeitos da

declaração de indignidade e suas implicações nas relações familiares; e, por fim, os casos

em que é possível a reabilitação da pessoa anteriormente declarada indigna para suceder. O

objetivo desse capítulo é fornecer um panorama concreto do instituto da indignidade, bem

como detalhar o estudo dos instrumentos normativos nacionais que cuidam da matéria.

Por fim, de posse de tais conceitos e informações, a pesquisa não poderia subtrair-se

a um exame teórico de institutos jurídicos paralelos ao da indignidade mas que com ele não

se confundem, tais como os conceitos de herdeiro aparente, deserdação e incapacidade

sucessória, delineando as diferenças existentes entre esses e o conteúdo próprio da

declaração de indignidade. Finalmente, ressaltando que o instituto da indignidade não tem

apenas a preocupação com o patrimônio, mas também – e especialmente – com o vínculo

de afeto, confiança e amor na relação familiar, o presente trabalho pretende provocar uma

reflexão sobre a importância desse instituto no Direito de Família contemporâneo.

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SEÇÃO 1 – SUCESSÃO

1.1. Conceito

A origem da palavra sucessão, segundo Eduardo de Oliveira Leite1, vem do latim

succedere, e significa “vir no lugar de alguém”. O professor Márcio Candido da Silva2, por

sua vez, ensina que “sucessão é o fenômeno em que uma pessoa ocupa a posição de outra

numa relação jurídica”. Igualmente, Caio Mário da Silva Pereira3 leciona que sucessão é a

respectiva seqüência, por meio da qual o sucessor assume a condição própria daquele a

quem sucedeu.

Na linguagem jurídica – obviamente a que mais nos interessa –, a expressão tem

duplo significado, isto é, pode tanto assumir o sentido amplo, denominada sucessão inter

vivos, que ocorre quando uma pessoa toma o lugar de outra substituindo o antigo titular do

patrimônio nos direitos que lhe competiam4, quanto o sentido próprio ou restrito, que

designa a transmissão de bens do de cujus para os sucessores (herdeiros ou legatários),

denominada sucessão causa mortis.

Em sentido amplo, o termo sucessão, segundo Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira5

“aplica-se a todos os modos derivados de aquisição do domínio, de maneira que indicaria o

ato pelo qual alguém sucede a outrem, investindo-se, no todo ou em parte, nos direitos que

lhe pertenciam. Trata-se da sucessão inter vivos, pois o comprador sucede ao vendedor, o

donatário ao doador, tomando uns o lugar dos outros em relação ao bem vendido ou

doado”.

Já em sentido restrito, segundo ensinamentos de Maria Helena Diniz6, “sucessão é a

transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros. É

a sucessão mortis causa que, no conceito subjetivo, é o direito por força do qual alguém

1 LEITE, Eduardo de Oliveira, Direito Civil Aplicado – Direito das Sucessões, vol.6, São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2004, p. 23. 2 SILVA, Márcio Candido, Procedimentos Especiais, Ed. 2, São Paulo: Plêidade, 2007, p. 157. 3 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, v. 6:direito das sucessões, Rio de Janeiro:Editora Forense, 2006, p. 40. 4 Em uma compra e venda, por exemplo, o comprador sucede ao vendedor, adquirindo todos os direitos que a este pertenciam. 5 OLIVEIRA, Itabaiana de. Tratado de direito das sucessões, v.1, p.52.-3. 6 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Direito das sucessões, v.6, p.16.

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recolhe os bens da herança, e, no conceito objetivo, indica a universalidade dos bens do de

cujus, que ficaram com seus direitos e encargos”.

Sob o mesmo enfoque, sucessão para Washington de Barros Monteiro7 – “lato sensu

– inter vivos, significa ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindo-se a

qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam”. Já no âmbito do

direito sucessório “stricto sensu – mortis causa – designa-se sucessão tão somente a

transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja

por força de lei, ou em virtude de testamento”.

No sentido restrito, portanto, sucessão8 é a transferência dos direitos/obrigações de

uma pessoa para outra(s), conforme ordem de vocação hereditária estabelecida pela lei ou

através de testamento. A sucessão está constituída legalmente nos artigos 1784 a 1797 do

Código Civil.

No exato momento da morte, a herança é transmitida aos herdeiros. Tal

acontecimento é denominado de “Principio do Saisine”9, e assim abre-se a sucessão. O

patrimônio do de cujus é então passado a seus sucessores de acordo com a ordem de

vocação hereditária, que consiste na relação dos sucessores estabelecida pela lei de acordo

com a presunção de afinidade do de cujus ou por vontade própria estabelecida pelo titular

da herança através de testamento.

Sigifica dizer que, com o advento da morte, o de cujus transmite aos sucessores o

domínio e a posse da herança, sendo certo que esta transmissão é regulada pelo Direito das

Sucessões, que disciplina a transfereência do patrimônio (ativo e passivo) do de cujus (ou

autor da herança) a seus herdeiros e legatários ou sucessores. Essa expressão latina é

abreviatura da frase de “cujus successione” (ou “ hereditatis agitur”), que significa aquele

de cuja sucessão (herança) se trata e cuida.

7 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.6, p.1. 8 Segundo o Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva, atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, 25ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1339, a palavra sucessão, em linguagem técnico-juridica, significa “a transmissão de bens e de direitos, a uma ou mais pessoas vivas, integrantes de um patrimônio deixado por uma pessoa falecida.” 9 Esse princípio não prevalece em todos os países. Existem alguns países em que só há transmissão da herança após a investidura dos herdeiros nessa condição por uma autoridade, e mesmo assim, após a investigação da real condição de herdeiro. Há outros países, ainda, em que a aquisição da herança só ocorre com a aceitação do herdeiro. No caso do Brasil, a aceitação é mero ato de ratificação da transmissão da herança, que ocorre desde a confirmação da morte.

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Suceder, portanto, é substituir, entrar no lugar de outro. Na sucessão, existe uma

substituição do titular de um direito, para seus herdeiros, legatários ou sucessores. Esse é o

conceito amplo de sucessão no direito. Falecendo uma pessoa, sendo ela titular de bens

(patrimônio) há necessidade de se passar esses bens a outro, no caso da sucessão a seus

herdeiros legítimos ou testamentários.

Já a herança é o patrimônio que alguém deixa “causa mortis”, para passagem aos

herdeiros legítimos, legatários ou sucessores que sobreviveram ao falecido, representando

direitos e obrigações, pois os herdeiros também são responsáveis pelas dívidas do espólio

no limite e na potência do que herdam (Art. 1792 do Código Civil).

Importante ressaltar que, no decorrer deste trabalho, o vocábulo sucessão deverá ser

entendido sempre em seu sentido restrito, visando designar tão somente a transferência da

herança por morte de alguém a seus herdeiros por força de lei, pois no Brasil só se concebe,

segundo o disposto em lei, direito de representação na sucessão legítima, em que pese

respeitáveis discordâncias doutrinárias a respeito. Nesse sentido é o ensinamento de

Washington de Barros Monteiro10, “falecendo o beneficiado antes do testador, nenhum

direito ele transmite aos seus herdeiros, nem mesmo aos próprios descendentes por direito

de representação, pois descabe jus repraesentationis na sucessão testamentária, por ser

instituto peculiar à sucessão legítima”.

Em suma, importa compreender que suceder é entrar e ocupar o lugar do outro, afinal

o patrimônio do falecido terá que ser transmitido, sendo que com o falecimento dos pais os

seus bens e valores deverão passar a seus filhos e demais herdeiros, legatários ou

sucessores. Nesse sentido, a transmissão hereditária dos bens faz com que a riqueza (bens e

patrimônio) não sofra uma estagnação em sua continuidade, razão pela qual podemos

entender que sucessão nada mais é que a substituição do patrimônio de uma pessoa para

outra, ou seja, na ocasião da morte os herdeiros ou legatários são chamados para assumir o

patrimônio do falecido.

10 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.6, p.213.

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1.2. Evolução Histórica do Direito das Sucessões

O direito das sucessões, segundo Silvio Rodrigues11, foi constituído na antiguidade,

através do direito egípcio, hindu, babilônico, entre outros. Todavia, o direito sucessório em

suas regras antigas, visava proteger a família e continha causas religiosas, diferentemente

do direito atual onde o patrimônio do de cujus é o objeto a ser protegido.

No direito Romano, nos ensina Silvio de Salvo Venosa12, além do herdeiro substituir

o falecido nas relações jurídicas, também o fazia nas relações religiosas, que em nada se

relacionavam com o patrimônio do morto. A substituição causa mortis era, na verdade, a

continuação do de cujus através de seus herdeiros, afinal, deveria haver sempre alguém para

dar continuidade ao culto familiar, e assim, não deixar que o culto se extinguisse, pois desta

forma os bens estariam protegidos.

O testamento tinha uma importância significativa nas civilizações antigas,

especialmente em Roma, já que acreditavam que a morte sem sucessor provocaria desgraça

aos mortos, e extinção do lar familiar. Fundamental frisar que a sucessão somente era

possível através de herdeiros homens, já que as mulheres não podiam dar continuidade ao

culto por razões matrimoniais que a fariam assumir a religião do marido, deixando a da

família.

Além da importância religiosa, existia um grande interesse dos credores do de cujus,

que podiam cobrar dos herdeiros as dividas contraídas pelo morto, já que o patrimônio do

sucessor se unia ao do falecido. No caso de inexistência de herdeiros, os credores podiam se

apropriar de forma universal, ou seja, de todos os bens do defunto.

Podemos verificar que a sucessão a titulo universal já era conhecida no direito

romano, pois segundo obra de Silvio de Salvo Venosa, o herdeiro recebia todo o patrimônio

do falecido e assumia desta maneira, a propriedade dos bens. Não obstante, o Direito das

Sucessões sofreu necessárias alterações em razão das mudanças dos padrões culturais, da

ética, da escala de valores em virtude das grandes mudanças ocorridas no Direito de

Família, enfim foram mudanças que se impunham em nossa sociedade.

11 RODRIGUES, Silvio. Direito das Sucessões. Ed.26, vol. 7, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4. 12 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, 2003, p. 17/18.

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Tais alterações e inovações aconteceram com o reconhecimento da União Estável, as

substituições do regime legal da comunhão universal de bens pelo regime da comunhão

parcial de bens, são algumas realidades extraídas da Lei do Divórcio e do texto

Constitucional. A própria caracterização do cônjuge como herdeiro necessário, a cessão de

direitos na herança, a petição de herança, a concorrência do cônjuge sobrevivente, com os

descendentes na herança do cônjuge falecido, dependendo do regime de casamento e outras,

essas mudanças pontuaram todos os títulos e capítulos do Direito Sucessório.

No Código de 1916, existiam 233 artigos e respectivos incisos e parágrafos ou letras

que disciplinavam a matéria. Já no Código Civil atual são 243 artigos, parágrafos, incisos e

letras, porém, devemos ressaltar que, foram introduzidos mais 10 novos artigos, sem falar

em mais 20 artigos com sua redação parcialmente modificada, e cerca de 170 que tiveram

seus textos totalmente ou parcialmente reformulados, perfazendo hoje, como acima já foi

mencionado, 243 artigos, seus parágrafos, incisos e letras que devem ser estudados no

tocante ao direito sucessório, alem de alguns dispositivos contidos nas Disposições Finais e

transitórias, importando em significativas alterações tanto em seu conteúdo como em sua

forma.

Para se ter uma idéia, com base no reconhecimento da União Estável, hoje

considerada “Entidade Familiar” pelo próprio texto constitucional, foi reconhecida a

participação dos companheiros na sucessão e herança do outro em concorrência com

descendentes e colaterais (art. 1790 incisos I, II, III e IV- do NCC).

Assim, atualmente o Direito das Sucessões consiste no conjunto de normas que

disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, aos herdeiros

legítimos ou testamentários, em virtude de lei ou de testamento. Consiste, portanto, no

complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão do ativo e passivo do de cujus

aos herdeiros13.

Enfim, o Direito das Sucessões visa discutir a passagem do patrimônio do falecido a

seus herdeiros, legatários ou sucessores, dando ênfase aos efeitos jurídicos decorrentes do

fim da personalidade jurídica da pessoa natural, ensejando a abertura do inventário até a

partilha dos bens do de cujus, quer por força da Sucessão Legítima, quer pela Sucessão

13 DINIZ, Maria Helena, Direito Civil Brasileiro – 6º Volume – Edit. Saraiva – 19ª edição – 2005 –Dir. das Sucessões.

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Testamentária; proporcionando aos operadores do direito elementos que permitam a

reflexão sobre as normas jurídicas que regulam a vocação hereditária e a sua transmissão.

1.3. Capacidade Civil e Capacidade Sucessória

O Código Civil, em seu artigo 1º, dispõe sobre capacidade afirmando que toda pessoa

é capaz de direitos e deveres na ordem civil. A partir desse dispositivo legal, vislumbra-se

que toda pessoa é sujeito de direitos e obrigações, e, portanto, possui capacidade jurídica ou

de direito, sem discriminação de qualquer natureza (cf. art. 5º da Constituição Federal).

Entretanto, isto não significa dizer que todas as pessoas que são sujeitos de direitos e

obrigações possuem capacidade de exercício de todos os atos da vida civil, uma vez que

esta capacidade de fato encontra restrições na própria lei, ao relacionar, nos artigos 3º e 4º

do referido diploma, os absolutamente incapazes14 de exercer pessoalmente os atos da vida

civil, e os considerados relativamente incapazes para exercer determinados atos15.

Com isso, tem-se a seguinte classificação da capacidade de exercício ou capacidade

de fato: absolutamente incapazes de exercer pessoalmente, necessitam ser representados

(artigo 3º e incisos do Código Civil); relativamente incapazes a certos atos ou à maneira de

os exercerem, necessitam ser assistidos (artigo 4º e incisos do Código Civil); e, por fim,

absolutamente capazes de exercerem pessoalmente, sem necessidade de serem

representados ou assistidos, os atos da vida civil (artigo 5º do Código Civil). Nesse sentido,

segundo entendimento do professor Sebastião José Roque16, capacidade civil é a

competência que uma pessoa possui para praticar todos os atos da vida civil.

Não obstante, o artigo 1798 do Código Civil prevê que para a pessoa ter legitimidade

para suceder basta estar viva ou já concebida no momento da sucessão, adquirindo, assim, o

que se chama de capacidade sucessória. Conforme lição de Sílvio de Salvo Venosa17,

14 Artigo 3º Código Civil – São absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil: I – os menores de 16 (dezesseis anos); II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. 15 Artigo 4º do Código Civil – São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de 16 (dezesseis) anos e menores de 18 (dezoito) anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. 16 ROQUE, Sebastião José. Direito das Sucessões. ed.2ª., São Paulo: Ícone, 2003, p. 47. 17 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito das Sucessões, ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, 2003, p. 55/56.

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capacidade sucessória é aquela em que a pessoa deve estar viva ou já concebida na ocasião

da morte do dono da herança, além de ter competência para receber o patrimônio de

determinada herança e não ser considerada indigna.

A priori, cumpre editar a regra geral sobre capacidade para suceder, que está disposta

no artigo 1798 do Código Civil Brasileiro.

“Art. 1.798.Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas

ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.

A partir da leitura do dispositivo legal acima transcrito, é possível perceber a

diferença existente entre a capacidade civil e a capacidade sucessória, a primeira

consistindo na aptidão que tem uma pessoa para exercer pessoalmente os atos da vida civil,

e a segunda repousando sobre a questão de determinada pessoa ser ou não hábil para

adquirir bens deixados causa mortis.

Nesse sentido, capacidade sucessória é a aptidão da pessoa natural ou jurídica de

receber direitos e obrigações, bem como deveres deixados pelo autor da herança. É a

capacidade de receber e exercer direito, seja por parentesco, seja por testamento. O

fundamento jurídico do direito do herdeiro, que consiste na demonstração de que se

enquadra como herdeiro em virtude de lei, encontra-se no artigo 1.786 do Código Civil,

primeira parte, combinado com os artigos 1.829 e 1.844.

Oportuno se torna dizer que a capacidade sucessória do herdeiro será apurada

observando a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão, ou seja, a do momento do óbito

do autor da herança, conforme explicitado no artigo 1.787 do Código Civil, devendo ser

observados, nessa ocasião, os pressupostos necessários para apuração da capacidade

sucessória dos herdeiros.

Primeiramente é imprescindível que o autor da herança tenha falecido em momento

anterior ao sucessor, ainda que por fração irrisória de tempo, visto que só com a abertura

da sucessão é que se transmite a propriedade e a posse da herança aos herdeiros, bem como

somente terá capacidade para adquirir esta herança àquele herdeiro existente à época do

óbito do de cujus ou pelo menos concebido.

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Os nascituros detém capacidade sucessória excepcional, uma vez que estes, por

expressa menção do artigo 1.798 do Código Civil, apenas sucederão se nascerem com vida.

Trata-se, portanto, de capacidade sucessória sob condição resolutiva, ou seja, nascendo o já

concebido ao tempo da morte do autor da herança, com vida, a sucessão terá sido válida e

eficaz, porém se nascido morto, ineficaz tornou-se a sucessão. Dessa forma, verifica-se um

estado de pendência, recolhendo seu representante legal a herança sob condição resolutiva.

Prova-se a concepção por presunção. Este é o modo pelo qual o artigo 2º do Código Civil

assegura os direitos sucessórios dos nascituros.

Ainda não se pode perder de vista o pressuposto de que o herdeiro, via de regra, deve

pertencer à espécie humana para que tenha legitimação para suceder, devendo-se ressaltar,

entretanto, a possibilidade de a herança na sucessão legítima ser deferida a um dos entes da

Federação (Municípios, Distrito Federal ou União) mencionados no artigo 1.844 do Código

Civil. Estes são pessoas jurídicas de Direito Público, e sucedem quando da ausência de

descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente e colaterais até 4º grau do de cujus.

Portanto, têm capacidade sucessória todas as pessoas existentes no momento da

abertura da sucessão, sejam físicas (naturais) ou jurídicas. As pessoas naturais (físicas) -

herdam de acordo com sua vocação hereditária (art. 1829 e incisos do novo Código Civil).

As pessoas jurídicas são também para efeito de sucessão, equiparadas as pessoas físicas

(naturais), podem com isso as mesmas sucederem e serem chamadas a sucessão.

Necessário, porém, a designação em testamento, conforme artigo 1799, §2º do Código

Civil.

Admitem também alguns doutrinadores, que a sociedade de fato, também é capaz de

suceder, pois atuam no mundo jurídico e a qualquer tempo podem tornar-se sociedade

regular.

No entanto, ressalte-se que nem todas as pessoas físicas são capazes para suceder.

Isto acontece com os indignos, mencionados através das causas de indignidade no artigo

1814 do Código Civil e seus incisos, bem como os deserdados, cujas causas de deserdação

vêm alencadas no artigo 1961/2 e incisos do Código Civil, ressalvando que a deserdação só

se dá através de testamento no qual conste a explicação do testador acerca da Justa Causa.

Indignidade é pena civil, enquanto deserdação é ato de vontade.

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Assim, considera-se indigno o herdeiro que cometeu atos ofensivos à pessoa ou à

honra do de cujus, ou atentou contra sua liberdade de testar, reconhecida a indignidade em

sentença judicial. A parte do indigno será atribuída aos herdeiros do mesmo, sendo parte

legitima para propor a ação judicial quem tenha interesse na declaração de indignidade.

Desse modo, fica claro que a capacidade civil se distingue da capacidade sucessória,

pois uma pessoa pode ter capacidade civil e ser incapaz de suceder, como pode ocorrer o

contrário, isto é, alguém que não goze de plena capacidade para praticar os atos da vida

civil pode ter plena capacidade para suceder.

1.4. Espécies de Sucessão

Há duas espécies de sucessão: sucessão testamentária e sucessão legítima. A primeira

consiste naquela que deriva de testamento ou de última disposição de vontade do de cujus,

conforme conceitua Silvio Rodrigues18. Neste tipo de sucessão, o titular da herança

expressa sua vontade de disponibilizar seus bens a pessoas que deseja beneficiar, devendo

seguir o previsto nos artigos 1789, 1845, 1846, 1801 e 1850 do Código Civil.

Já o segundo tipo de sucessão, sucessão legítima, resulta da própria lei, vale dizer,

ocorre quando não há testamento ou quando este é nulo, anulável ou quando advir sua

caducidade (perda de sua eficácia), como bem observa Silvio Rodrigues.

Trata-se da sucessão ab intestato, é a sucessão daquele que falece sem deixar

testamento, defere-se a herança aos herdeiros expressamente indicados pela lei, cuja ordem

de vocação hereditária vem através do artigo 1829 do novo Código Civil, bem como do art.

1844 que o complementa com relação aos direitos sucessórios dos companheiros (art.

1790).

Na sucessão legítima, os bens do de cujus são transferidos para pessoas indicadas pela

lei, conforme ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1829 do Código Civil. Com

este rol previsto no referido artigo, a lei age como se fosse guardiã do patrimônio do de

cujus, transferindo seus bens à pessoas que ele presumidamente teria mais afinidade, ou

18 RODRIGUES, Silvio. Direito das Sucessões. Ed.26, vol. 7, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 16.

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seja, seus filhos, pais, cônjuge, enfim as pessoas mais próximas, e provavelmente mais

queridas pelo falecido.

Veja-se que a sucessão atualmente contempla os descendentes (filhos), em

concorrência com o cônjuge sobrevivente. Se não tiver descendentes, aos ascendentes do de

cujus, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. No caso de não haver descendentes e

ascendentes, o cônjuge sobrevivente será herdeiro universal, isso dependendo

evidentemente do regime de casamento.

Posteriormente a Lei contempla os colaterais até o 4º grau e por fim o Estado (artigo

1844 do Código Civil), deixando claro que os mais próximos excluem os mais remotos. Os

bens componentes da herança terão que ser objeto de inventário e serem transmitidos, e os

beneficiados com o patrimônio terão que suportar as eventuais dívidas e encargos do

espólio no limite do herdado.

Por outro lado, a sucessão testamentária é aquela em que a transmissão hereditária se

opera por ato de última vontade (testamento), o qual é revestido da solenidade requerida por

lei, sendo o testamento feito em vida pelo de cujus, evidentemente, consoante permissão

legal, e, em havendo herdeiros necessários (art. 1845 do Código Civil), não poderá ser

ferida a legítima dos mesmos. A sucessão testamentária encontra-se do artigo 1857 ao 1911

do Código Civil.

Dessa forma, a sucessão testamentária não decorre de Lei, mas sim de testamento

válido ou de disposição de última vontade válida. O sistema adotado pelo nosso Código

Civil para a liberdade de testar é limitado, de maneira que, tendo o testador herdeiros

necessários, ou seja, descendentes, ascendentes e cônjuge sucessíveis, só poderá dispor da

metade de seus bens.

O testamento deve respeitar e obedecer a lei em vigor no momento de feitura, a

capacidade do testador e dos beneficiários, deve respeitar a lei no tocante as disposições de

vontade, nunca agredindo a legítima dos herdeiros necessários. É um ato personalíssimo,

unilateral, gratuito, solene, revogável, pelo qual alguém, segundo norma jurídica, dispõe, no

todo ou em parte, de seu patrimônio para depois de sua morte, ou determina providências

de caráter pessoal ou familiar. Na sucessão testamentária no caso do Estado de São Paulo,

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o foro competente será sempre o Foro Central (João Mendes Junior), o que consta da Lei de

Organização do Poder Judiciário.

A sucessão testamentária regula-se pela lei vigente no momento da disposição de

última vontade do testador, com respeito à lei em vigor ao tempo da abertura da sucessão,

que rege a capacidade passiva e eficácia jurídica do conteúdo das disposições, devendo o

testador respeitar a legítima dos herdeiros necessários se tiver, pois somente pode dispor em

testamento da porção disponível de seu patrimônio.

O cálculo da porção disponível é feito sobre o total dos bens existentes ao falecer o

testador, subtraindo às dívidas e as despesas do funeral. Por isso, herança é somente o que o

falecido deixa depois de satisfeitos os seus credores, de maneira que, se as dívidas

absorverem todo o patrimônio hereditário, não haverá herança e seus herdeiros responderão

pelos débitos até a força de seus quinhões (artigo 1792 do Código Civil). Consoante o

Artigo 1857 do atual Código Civil, “toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da

totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte”.

O herdeiro necessário pode receber mais que a legítima se no testamento o testador

deixar parte da porção disponível (artigo 1849 do Código Civil). Isto acontece porque, se é

possível privilegiar um estranho, por que não um herdeiro legítimo? No artigo 1859 há

previsão de que extingue-se em 5 (cinco) anos o direito de impugnar a validade do

testamento, contado do prazo da data do seu registro.

Há, contudo, algumas restrições impostas pelas lei à liberdade de dispor, proibindo-

se, por exemplo, a disposição de mais da metade dos bens do autor da herança, havendo

herdeiros necessários (artigo 1846).

Para ser capaz de dispor de seu patrimônio por meio de testamento ou ser por ele

beneficiado, a pessoa deve apresentar um conjunto de condições juridicamente necessárias.

Há hipóteses em que um indivíduo pode ter capacidade para testar, mas não para receber

em testamento específico, por exemplo: o Oficial Público que lavrou o testamento, bem

como as testemunhas. Consta dos artigos 1860 e 1861 do Código Civil que o testamento

feito por incapaz será nulo, mesmo que cesse a incapacidade posteriormente, pois o que

vale é o dia de sua feitura. Por isso, se incapaz quando da feitura, o testamento será nulo

ainda que o sujeito adquira tal capacidade posteriormente.

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São incapazes para testar os menores de 16 anos (significa que com 16 anos pode

testar); loucos de todo gênero; surdos-mudos que não puderem manifestar sua vontade; os

que no momento da elaboração do testamento não se encontrarem em seu perfeito juízo; e

os pródigos nos casos da disposição tratar de testamento com conteúdo patrimonial. Cegos

e analfabetos somente podem testar por testamento público, uma vez que têm capacidade

para testar, mas não liberdade quanto à forma testamentária.

No testamento é possível a deserdação de parte dos herdeiros, pois a mesma vem a ser

o ato pelo qual o de cujus exclui da sucessão, mediante testamento, com expressa

declaração da causa, herdeiro necessário, privando-o de sua legítima, por ter praticado ato

taxativamente enumerado nos artigos 1814 ao 1818 e art. 1962 do Código Civil.

Com a abertura da sucessão, o translado é apresentado em juízo (CPC art. 1128 e

parágrafo único), sendo lido na presença do apresentante e dos interessados que queiram

ouvir, oficiando-se logo em seguida o Ministério Público. Não havendo vício, o magistrado

ordena o registro e o cumprimento do testamento. Se algum interessado pretender invalidar

o testamento, poderá fazê-lo contenciosamente, pela via ordinária, e não em processo de

inventário.

No testamento em geral nomeia-se um testamenteiro, competindo ao mesmo, em

síntese, dar execução ao testamento, exercendo as atribuições conferidas pelo testador.

Quando não especificadas no testamento, cumpre-lhe praticar os atos definidos na lei como

próprios da testamentária. Deve primeiramente, apresentar em juízo o testamento, para

registro. Se estiver em poder de outra pessoa, pode requerer ao Juiz a intimação do detentor

para que o exiba, sob pena de busca e apreensão.

Compete-lhe ainda dar execução às disposições testamentárias, sustentar a validade

do testamento, defender a posse dos bens da herança. Pode ser inventariante também,

porém, se for deverá fiscalizar e zelar pelo exato cumprimento das disposições contidas no

ato que lhe outorgou tal função.

Para que o testador grave a disposição de última vontade, ele necessita de justa causa,

ou seja, motivação.Nos casos em que o testador já fez o testamento antes da vigência do

Código atual, a disposição e o gravame prevalecera 1 (um) ano após a vigência do atual

Código, se neste prazo o testador ainda não aditar o referido testamento para declarar a justa

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causa, colocada na legítima não subsistirá a restrição, ou seja, o gravame (Art. 2042 do

Código Civil).

As cláusulas que gravam o testamento são as de impenhorabilidade,

incomunicabilidade e inalienabilidade, no atual Código Civil, as quais não podem recair

sobre a parte da legítima dos herdeiros, somente com justa causa.

Importante salientar que o testamento pode ser feito a qualquer tempo e sempre

livremente pelo testador, enquanto vivo e capaz, pouco importando se seus motivos sejam

justos ou não. Isto porque o fundamento da disposição testamentária é o princípio da

autonomia da vontade.

É também possível que o testador promova no testamento o reconhecimento de filho;

a deserdação de parte (artigos 1961 a 1965 do Código Civil); o perdão do indigno (artigo

1818); a nomeação do testamenteiro (artigo 1976). No caso de deserdação, o testador deve

deixar declarado que exclui da sua sucessão herdeiro necessário, privando-o de sua

legítima, expressamente declarando a prática de um dos atos taxativamente arrolados nos

artigos 1814, 1962 e 1963 do Código Civil.

Hoje, pela Lei 11.441 de 04 de janeiro de 2007, temos a sucessão administrativa ou

sucessão notarial, ou seja, quando todos os herdeiros forem maiores e capazes, o de cujus

não deixou testamento, e se a partilha for amigável (consensual), sendo todos assistidos por

advogado, pode-se fazer o inventário por escritura pública em Tabelião de Notas.

Essa Lei deu nova redação aos artigos 982 e 983 do Código de Processo Civil, bem

como introduziu o artigo 1.124-A ao mesmo, admitindo também a Separação consensual e

Divórcio Consensual – direto e indireto por escritura pública, atendendo os requisitos acima

mencionados.

A Sucessão pode ser a Título Universal, quando envolve todo o patrimônio do de

cujus, ou uma porcentagem sobre toda sua riqueza, e pode ser a Título Singular, que é

aquela que recai sobre bens individualizados da herança, ou seja, se dá pela transferência de

bens determinados e certos.

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1.5. Efeitos da sucessão mortis causa

A sucessão mortis causa defere-se, quanto aos seus efeitos, de duas formas: sucessão

a título universal, quando gera a transmissão da totalidade do patrimônio deixado pelo de

cujus ao sucessor (herdeiro em virtude de lei ou de testamento), o qual se subrrogará na

posição do finado como titular da totalidade ou de parte da universitas iuris, bem como se

responsabilizará pelo passivo na medida das forças da herança recebida, nos termos do

artigo 1.792 do Código Civil Brasileiro, e a outra forma consiste na sucessão a título

singular, quando gera a transmissão, ao legatário, de bens individualizados por sua

qualidade, quantidade ou situação, em instrumento hábil denominado de testamento

deixado pelo de cujus. Neste último caso, diferentemente da sucessão a título universal, o

legatário não se responsabilizará pelos encargos da herança.

A professora Maria Helena Diniz19 conceitua a sucessão a título universal e a

sucessão a título singular, respectivamente, nos seguintes termos:

sucessão a título universal: “Quando houver transferência da totalidade ou de parte indeterminada da herança, tanto no seu ativo como no passivo, para o herdeiro do de cujus, que se sub-roga, abstratamente, na posição do falecido, como titular da totalidade ou de parte ideal daquele patrimônio no que concerne ao ativo, assumindo a responsabilidade relativamente ao passivo”.

sucessão a título singular: “Quando o testador transfere ao beneficiário apenas objetos certos e determinados, p. ex.: uma jóia, um cavalo, uma determinada casa na rua " X" etc. Nessa espécie é o legatário que sucede ao de cujus sub-rogando-se concretamente na titularidade jurídica de determinada relação de direito, sem representar o morto, pois não responde pelas dívidas da herança”.

Salienta ainda que a sucessão legítima será sempre a título universal, ou seja, é

transferido aos herdeiros o total do patrimônio do falecido ou somente uma fração deste20.

No caso da sucessão testamentária, será universal se o testador instituir herdeiro que lhe

suceda na totalidade ou em quota parte de seus bens, e será singular no caso do testador

deixar a um beneficiário um bem individualizado, caso em que ao legatário se transmite

aquele bem determinado.

19 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Ed.19, vol. 6, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 22/23. 20 Ibid., p. 24.

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1.6. Herdeiros e Legatários

São chamados de herdeiros aqueles que receberão a herança do de cujus. O herdeiro,

conforme nos ensina Silvio Rodrigues, sucede a título universal, já que a herança é uma

universalidade e abrange o total do patrimônio do falecido21. O herdeiro legítimo, também

chamado de necessário, é aquele que não pode ser excluído da sucessão pela vontade do

testador, afinal, a lei garante a este tipo de herdeiro o direito a metade do patrimônio do

finado22. O rol dos herdeiros necessários está expressamente divulgado no artigo 1845 do

Código Civil, e são eles, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Desta forma, segundo entendimento de Silvio Rodrigues, podemos entender, por

exemplo, que se o testador tiver filhos ou for casado, ou ainda, tiver vivo algum de seus

ascendentes, ele não poderá dispor livremente de todo seu patrimônio, mas somente da

metade deste, esta metade configura-se a legítima, que é a parte reservada por lei aos

herdeiros necessários. Esta disposição legal visa consolidar a harmonia da família,

assegurando assim a estes herdeiros a garantia legal ao patrimônio do de cujus. O herdeiro

necessário é sucessor a título universal23.

No que se refere ao legado, o sucessor recebe um bem individualizado do falecido,

normalmente através de testamento. Neste caso o sucessor é chamado de legatário, e recebe

um bem específico, determinado, portanto, conforme doutrina de Silvio Salvo Venosa, o

legatário é um sucessor a título singular, ou seja, individual.

21 RODRIGUES, Silvio. Direito das Sucessões. ed. 26, vol. 7, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 18. 22 ROQUE, Sebastião José. Direito das Sucessões. ed.2ª., São Paulo: Ícone, 2003, p. 145. 23 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Ed. 3, vol. 7, São Paulo:Altas, 2003, p. 21.

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SEÇÃO 2 - INDIGNIDADE

2.1. Conceito

A palavra indignidade deriva do latim (indignitate), e significa ausência de honra, de

respeitabilidade. No que se refere ao tema desta pesquisa, a indignidade pode ser

conceituada como uma sanção civil contra aquele que agiu de maneira ofensiva ou ainda,

que tenha contribuído de alguma forma para que o dono da herança fosse forçado a alterar

de qualquer modo sua última vontade.

No Direito Romano, do qual procede este instituto, os bens do herdeiro considerado

indigno eram transferidos para a Fazenda Pública, e, apesar da herança lhe ser atribuída, era

privado de seu direito hereditário por determinação legal.

Para que seja solidificada a existência da indignidade, é imprescindível que o

sucessor, seja ele herdeiro ou legatário, cometa ato realmente grave contra o titular da

herança. Acentua-se que não basta qualquer ato para considerar o sucessor indigno, pois se

trata de uma questão bastante delicada, e, exatamente por esta razão, o legislador inseriu

expressamente na lei todos os atos que caracterizam a indignidade.

Nesse sentido, excluídos da sucessão estão aqueles que atentam contra a vida dos

pais, que os caluniam e cometem injúria contra os mesmos, bem como aqueles que

impedem de dispor de seus bens livremente. A indignidade é sempre declarada por sentença

judicial.

Torna-se evidente que a indignidade somente tem sanção no âmbito civil, e além de

extinguir direitos do sucessor, o afasta de toda uma relação jurídica. Assim, a indignidade

nada mais é do que a retirada do direito a herança do sucessor que cometeu atos de

ingratidão contra a vida, a honra e a liberdade de testar do titular da herança.

Reconhecida a indignidade em sentença judicial, a parte do indigno será atribuída aos

herdeiros do mesmo. É parte legitima para propor a ação judicial quem tenha interesse na

declaração de indignidade. Esse direito de pedir ao Juízo que declare um herdeiro indigno

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se extingue em 4 (quatro) anos. Se a pessoa que sofreu o ato de indignidade reabilitar o

indigno por ato de testamento esse será contemplado na herança.

O herdeiro do indigno herda em seu lugar, ao contrário da renúncia de herança que os

herdeiros do renunciante não herdam. No caso da indignidade é pessoal o efeito da sentença

que a declara, portanto, os herdeiros do indigno recebem a herança por direito de

representação, sendo que o indigno não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens

que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens.

A ação de indignidade só pode ser proposta por quem tem interesse na sucessão, isto

é, por quem obtém um ganho com a exclusão do indigno. O credor deste herdeiro também

pode ajuizar a ação. O Município também pode ajuizar a ação, desde que a herança se torne

jacente com a exclusão do indigno. Se ninguém propuser a ação, o indigno herda, sendo

vedado no Ministério Público propô-la, uma vez que o interesse é eminentemente privado.

A morte do indigno impede a propositura da ação. Se acaso o acusado de indignidade

morrer no curso do processo, este deve ser extinto sem julgamento do mérito, pois a

indignidade é uma pena e esta não deve passar além do criminoso. Ademais, trata-se de

ação personalíssima. A doutrina diz que a sentença de indignidade é meramente

declaratória, tendo em vista a retroatividade de seus efeitos (ex-tunc).

O prazo para propositura da ação é de quatro anos, a contar da abertura da sucessão.

Com o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento da indignidade, operam-se desde

logo os seguintes efeitos: o primeiro é de que o indigno é excluído da herança; se o indigno

for herdeiro legítimo seus descendentes herdarão em seu lugar; se for herdeiro

testamentário seus descendentes não herdarão, sua parte irá aos demais herdeiros

testamentários por força do direito de acrescer.

O art. 1817 do Código Civil considera válida as alienações onerosas de bens da

herança, feita pelo indigno a terceiros de boa-fé, antes da sentença de exclusão, subsistindo

aos demais herdeiros quando prejudicados por tal alienação, o direito de demandar-lhe

perdas e danos.

Dessa forma, a indignidade pode ser conceituada como uma sanção civil que extingue

o direito sucessório daquele que praticou algum dos atos previstos no artigo 1814 do

Código Civil, afastando-o da relação jurídica sucessória.

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2.2. Hipóteses de Indignidade

Os casos que excluem os sucessores considerados indignos estão taxativamente

inseridos no Capitulo V, artigo 1814 do Código Civil, inciso I ao III, e, segundo leitura de

Silvio Rodrigues24, a lei somente autoriza a exclusão da herança do sujeito que agir de

acordo com qualquer das hipóteses inseridas no referido artigo.

Desta forma, só é considerado indigno, o sucessor que atente contra a vida, a honra,

ou contra a liberdade de testar do hereditando, conforme disposição expressa do artigo 1814

do Código Civil. Assim, estabelece o referido artigo que será excluído da herança o

sucessor que tiver agido como autor, co-autor ou partícipe de homicídio doloso, ou tentativa

deste, contra o titular da herança, além de seu cônjuge, companheiro, ascendente ou

descendente. Esta previsão encontra-se estabelecida no inciso I do artigo em comento, e,

ainda no entendimento de Silvio Rodrigues, não resta dúvida de que o legislador agiu

corretamente, pois não teria cabimento o sucessor privar ou tentar privar o titular da

herança de seu maior bem, ou seja, de sua própria vida.

Importante ressaltar que também é excluído da sucessão o sujeito que tentou ou

praticou homicídio doloso contra a vida das pessoas mais próximas do dono da herança,

sejam elas o companheiro, o cônjuge, ou ainda, seus ascendentes e descendentes.

O inciso II do artigo 1814 do Código Civil, por sua vez, prevê que será excluído da

sucessão a pessoa que houver acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou

cometer crime contra a sua honra ou de seu cônjuge ou companheiro.

O texto contido neste inciso visa punir o sucessor que ingressa judicialmente contra a

pessoa do titular da herança ou seus familiares, mesmo ciente da inocência destes. Saliente-

se que a acusação deve ter sido ingressada no juízo criminal, e não no civil, caso em que

não configuraria a indignidade.

O inciso III do referido diploma legal, por fim, dispõe que é excluído da sucessão por

indignidade a pessoa que, por violência ou meios fraudulentos, de alguma forma inibe o

24 SILVIO, Rodrigues. Direito das Sucessões , Ed 26, vol. 7, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 67.

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autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. Neste caso, a

lei procura proteger o titular da herança no sentido de lhe garantir a sua última vontade, e,

por conseguinte, punir o sucessor que violar este direito.

2.2.1. Homicídio

Homicídio é a destruição da vida de um homem praticada por outro.25.O crime de

homicídio está previsto no artigo 121 do Código Penal e pode ser considerado uma das

formas mais grave de indignidade, pois o sucessor visa acabar com a vida do titular da

herança.

Para que possa ocorrer a exclusão da herança por indignidade deve, obrigatoriamente,

existir o dolo do sucessor, ou seja, este deve agir com vontade de matar o hereditando. O

código civil de 2002 acrescentou que ocorrerá exclusão por indignidade daquele que

praticar ou tentar crime contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou

descendente.

Conforme leciona Washigton de Barros Monteiro26, a lei é clara ao dizer que somente

o homicídio doloso ou sua tentativa excluirá o sucessor da herança, de modo que se o

homicídio for culposo, ou seja, se não houver a vontade do sucessor em matar o titular da

herança, este não será excluído da sucessão. Assim, aquele que atuar com imperícia,

imprudência ou negligência contra a vida do titular da herança, não será considerado

indigno já que nestes casos há ausência de dolo, que é elemento essencial para afastar o

sucessor da herança.

Ensina ainda o professor Washington de Barros Monteiro que, para ser excluído da

sucessão, tanto faz se o herdeiro for o autor do homicídio ou se a sua participação no crime

foi indireta, como no caso de co-autor ou partícipe, desde que a sua conduta seja

considerada dolosa.

De acordo com Silvio de Salvo Venosa, os casos de legítima defesa, estado de

necessidade ou exercício regular de direito não configura motivo de exclusão por

25 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, 2º vol., parte especial, São Paulo, Saraiva, 2007, p.18. 26 MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, v. 6:direito das sucessões, São Paulo: Saraiva, 2003, p.65.

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indignidade, assim como se dá quando o herdeiro se encontra sob embriaguez ou problemas

psíquicos.27 Do mesmo modo, segundo doutrina de Marcelo Fortes Barbosa Filho28, no

caso de erro sobre pessoa ou erro de execução não ocorrerá exclusão por indignidade, visto

que o sucessor visava atingir um terceiro e não o autor da herança.

Acrescenta o jurista Marcelo Fortes Barbosa Filho que, se ocorrer situação contrária,

ou seja, se o sucessor atingiu um terceiro mas sua vontade era de atingir o próprio

hereditando, pode ser configurada a exclusão por indignidade.

Com relação à eutanásia (morte por ação ou omissão do sujeito ativo com a finalidade

de evitar o sofrimento de seu ente querido), por tratar-se de uma questão extremamente

delicada, é assunto bastante discutido no âmbito jurídico, sociológico, psicológico e

médico.

O código penal brasileiro não reconhece a impunibilidade do homicídio eutanásico,

seja ele com ou sem consentimento do ofendido, somente há uma diminuição de pena

devido ao valor moral.29

Segundo ensinamento de Silvio de Salvo Venosa30, enquanto a eutanásia for

considerada crime, deverá também ser motivo de exclusão por indignidade. O mesmo

ocorre com a instigação ao suicídio que, para efeito de indignidade, deve ser equiparada ao

homicídio.

Já Marcelo Fortes Barbosa Filho31 tem entendimento diverso em relação a instigação

ao suicídio, pois acredita que não há caracterização de indignidade e, portanto, não poderia

o herdeiro ser excluído da sucessão.

No que tange a inimputabilidade do ofensor, também é um tema complexo. Marcelo

Fortes Barbosa Filho entende que não pode ser imputada a pena de indignidade àquele que

27 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, Seção 2003, p. 78 28 BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes, A Indignidade no Direito Sucessório Brasileiro, São Paulo, Ed. Malheiros, 1996, p. 34. 29 MIRABETE, Julio Fabbrini: Manual de Direito Penal – Ed 23. vol.2, São Paulo: Atlas, 2005, p.67. 30 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, Seção 2003, p. 82. 31 BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes, A Indignidade no Direito Sucessório Brasileiro, São Paulo, Ed. Malheiros, 1996, p. 58.

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não tem discernimento completo, ou seja, o menor de 18 anos, bem como ao doente mental,

enquanto perdurar seu estado psíquico anormal.32

Silvio de Salvo Venosa discorda de tal entendimento, e diz que a questão deve ser

analisada com reservas, afinal a indignidade é uma pena civil e não tem caráter criminal.

Desta feita, explica que apesar de o menor de 18 anos ser inimputável, não seria correto que

pudesse usar sua menoridade para se beneficiar da herança daquele que matou e portanto,

deve ser punido no âmbito civil e ser excluído da sucessão.33

2.2.2. Denunciação caluniosa e crimes contra a honra

O artigo 1814, inciso II do Código Civil, prevê que aquele que denunciar

caluniosamente em juízo contra o titular da herança ou praticar crime contra sua honra ou

de seu cônjuge ou companheiro, poderá ser excluído da sucessão por indignidade.

A denunciação caluniosa está prevista no artigo 339 do Código Penal e consiste em

dar causa a instauração de investigação policial ou de processo judicial de investigação

administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém,

imputando-lhe crime de que o sabe inocente34.

Maria Helena Diniz35 ilustra que antigamente seria considerado indigno somente

aquele que fez a acusação caluniosa no juízo criminal, entretanto, nos tempos atuais, não

importa se tal acusação foi feita no âmbito criminal, civil ou por investigação

administrativa, pois qualquer destes casos acarretará a exclusão da herança por indignidade.

Também poderá ser excluído por indignidade aquele que cometer crimes contra a

honra do titular da herança quais sejam: calúnia, prevista no artigo 138 do código penal,

que é a falsa imputação de fato criminoso a outrem; difamação, prevista no artigo 139 do

código penal – é a imputação a alguém de fato ofensivo a sua reputação; e a injúria, prevista

no artigo 140 do Código Penal- ofensa à dignidade ou decoro de outrem.

32 Idem Ibidem, p. 82. 33 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, Seção 2003, p. 82. 34 Código Penal, mini código, Revista dos Tribunais, 7ed.São Paulo: 2005, p.399/400 35 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Ed.19, vol. 6, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 54.

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32

2.2.3. Da liberdade de testar

O último caso de indignidade prevê a exclusão do sucessor que através de violência

ou meios fraudulentos, inibir ou obstar o autor da herança de dispor livremente de seus bens

por ato de última vontade (artigo 1814, III do Código Civil).

O legislador, ao criar este inciso, busca proteger a liberdade de disposição do de

cujus, excluindo o sucessor que de alguma maneira impedir o falecido de dispor de seus

bens livremente, como, por exemplo, forçar o titular da herança a modificar seu testamento,

impedir a revogação deste ou ainda forjá-lo.36

O sucessor não será considerado indigno se corrigir a tempo seus atos, assim, se

coagir o titular da herança a alterar o testamento e posteriormente inutilizar este mesmo

testamento, não será excluído da sucessão.

Da mesma maneira, se o testamento que foi alterado forçosamente já era nulo, não

haverá exclusão por indignidade em razão da alteração37.

2.3. Efeitos da declaração de indignidade

A indignidade provoca diversos efeitos à relação jurídica e a própria pessoa do

indigno. Conforme estabelecido no artigo 1816 do Código Civil, a sanção imposta ao

sucessor considerado indigno é pessoal, ou seja, somente a este é atribuída a exclusão da

herança.

Por esta razão, os sucessores do indigno não são prejudicados pela sentença, e herdam

por representação, já que o indigno é tido como morto na relação sucessória. Deste modo,

conforme leciona Silvio Rodrigues38, os efeitos da indignidade recaem somente sobre o

indigno, não atingindo de qualquer forma seus herdeiros.

Assim, em virtude da regra da responsabilidade pessoal (artigo 5º, XLV, da

Constituição Federal de 1988 e artigo 1816 do Código Civil) e do princípio que nullum

36 Idem Ibidem, p. 66. 37 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Ed.19, vol. 6, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 55. 38 SILVIO, Rodrigues. Direito das Sucessões , Ed 26, vol. 7, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 72.

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patris delictum innocenti filio poena est (nenhum crime do pai pode prejudicar o filho

inocente), o efeito da condenação civil não poderá se estender aos sucessores do indigno,

apenas aplicando-se ao declarado indigno para suceder.

Em razão da existência do instituto da representação sucessória no direito brasileiro,

sendo o indigno descendente ou irmão do autor da herança, seus descendentes próximos

poderão ser chamados a substituí-lo na sua qualidade de herdeiro legítimo, bem como

passarão ser considerado de seu mesmo grau, podendo ainda, exercer in totum o direito

hereditário que ao indigno competia; frisa-se, no entanto, que a invocação deste instituto da

representação sucessória, apenas poderá ser feita pela linha reta descendente infinitamente e

pelos filhos de irmãos do de cujus na linha colateral, quando o sobrinho concorrer com tios

ou tio vivos.

Os efeitos da sentença de indignidade são retroativos (ex tunc), pois quando o

sucessor é considerado indigno ele é afastado da relação jurídica a partir da abertura da

sucessão como se houvesse falecido, e, portanto deixa de existir no mundo jurídico para

fins sucessórios.

Quando ocorre a indignidade, o herdeiro desonroso somente perde o direito

sucessório após o trânsito em julgado da sentença, e logo é excluído da sucessão. Assim,

podemos entender que os efeitos da sentença de exclusão do herdeiro indigno retroagem à

abertura da sucessão, conforme disposto no artigo 1817, parágrafo único do Código Civil.

Para que o herdeiro seja excluído da sucessão por indignidade, não basta que se

comprovem os atos ofensivos constantes no artigo 1814, inciso I ao III do Código Civil,

deve haver uma provocação da parte interessada, ou seja, o herdeiro ou legatário do titular

da herança deve ingressar com uma ação ordinária, de natureza declaratória para que se

comprove a indignidade, e assim o sucessor indigno será excluído da relação jurídica em

questão. No caso de morte do indigno, a ação é extinta.

Frise-se que a indignidade é matéria de interesse privado, e mesmo quando for

constituído crime, o Ministério Público não poderá ingressar com a ação competente.

Entretanto, a doutrina não é pacifica nesse sentido. Maria Helena Diniz acredita que se o

Código foi omisso ao tratar esta questão, o Ministério Público também teria legitimidade

para propor a ação declaratória de Indignidade, afinal, além de haver o interesse social em

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não permitir que o indigno se beneficie com a herança, o Ministério Público estará

exercendo sua função agindo como o guardião da lei.

No caso de incapacidade dos sucessores do indigno, deverá ser designado outro

representante legal, já que o indigno é tido como morto, e, portanto não poderá participar de

qualquer ato da relação jurídica que foi excluído.

O sucessor indigno apenas é excluído da sucessão daquele contra quem praticou ato

ofensivo, e, portanto, poderá ser chamado para sucessão de outro parente, já que os efeitos

da indignidade devem ser considerados de maneira restrita.

Outra questão importante é que o indigno não terá direito ao usufruto e a

administração dos bens que seus sucessores herdarão por representação, e deverá devolver

os frutos colhidos após a prolação da sentença declaratória de indignidade. Se assim não

fosse, não haveria punição alguma para o indigno, pois este poderia se beneficiar da

herança da qual foi excluído.39

Extingue-se em quatro anos o direito de demandar a exclusão do herdeiro ou

legatário, conforme estabelecido no artigo 1815, parágrafo único do Código Civil: “Art.

1815 – A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer dos casos de indignidade, ( art.

1814 e incisos) será declarada por sentença. (...) Parágrafo Único. O direito de demandar a

exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em 4 anos, contados da abertura da

sucessão.”

É dever do indigno devolver os bens do patrimônio do de cujus, chamados de

“erépticos”, e restituir seus frutos, bem como aqueles que por sua culpa pereceram.

Por fim, depreende-se do artigo 1.818 do Novo Código Civil, que o herdeiro que

incorrer em um dos atos atentatórios ao autor da herança, expressamente previstos no artigo

1.814 do NCC, já acima transcrito, poderá ser perdoado pelo de cujus, porém como foi

necessário um processo formal com sentença declaratória de indignidade proferida em ação

ordinária transitada em julgado, para ser declarado indigno a suceder; querendo o autor da

herança, ainda vivo, revogar os efeitos da indignidade e admitir novamente o ofensor à sua

39 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, Seção 2003, p. 78.

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herança, deverá fazer constar de documento hábil (escritura pública ou testamento) sua

vontade em perdoar e reabilitar o indigno.

Tendo o filho cometido homicídio a seu pai, tornou-se indigno e incapaz de receber

herança paterna (art. 1814 - I - CC) - Não herda também sua filha menor, pois ao tempo da

abertura da sucessão do avô não era nascida (art. 1814 - CC ) Decisão - confirmada - TJ -

RS ap. n. 30.520 - RJTJRS 73/582), bem como o réu absolvido de ser o mandante pela

morte de seu pai em assassinato, tal questão não pode ser suscitada no cível para excluí-lo

por indignidade. (RT 630/85). - A excludente de responsabilidade - doença mental -

tornando a filha inimputável, afasta a exclusão da legatária da herança, embora autora do

homicídio do testador. Não se pode reabrir o debate sobre o ato delituoso, quando declarado

inimputável o réu (art. 22 do Código Penal), mediante sentença criminal que transitou em

julgado (STF, RE n. 93.623, 2ª T. Rel. Ministro Djaci Falcão).

2.4. Julgamento do Indigno pelo juízo criminal

A lei não exige o prévio julgamento condenatório do acusado na área criminal para

considerá-lo indigno no âmbito civil, todavia, se na esfera criminal for apontada a

inexistência do crime ou o juízo penal declarar que a pessoa não cometeu o delito, ocorrerá

coisa julgada no cível.40

Washington de Barros Monteiro41 entende que nos casos de crime contra a honra,

deverá ocorrer prévia condenação no juízo criminal para que seja caracterizada a

indiginidade. Rui Ribeiro de Magalhães42 corrobora com este entendimento, e informa que

seria mais sensato aguardar a decisão definitiva do juízo criminal, pois assim não restaria

dúvida de que o herdeiro realmente deve ser privado da herança.

Acrescenta ainda que, se houver absolvição por negativa da autoria ou reconhecida

causa de excludente da antijuridicidade, o sucessor não poderá ser considerado indigno. Já

40 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, Seção 2003, p. 82. 41 MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, v. 6:direito das sucessões, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 66. 42 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das Sucessões no novo código civil brasileiro, Ed 1ª, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 58/59.

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no caso da absolvição por falta de provas, o processo poderá seguir na esfera cível, e caberá

a esta instância colher as provas necessárias.

2.5. Reabilitação do Indigno

Cabe somente ao titular da herança perdoar o herdeiro desonroso. Tal disposição

encontra-se no artigo 1818 do Código Civil. Para que o sucessor indigno se beneficie da

herança, não basta a simples declaração do ofendido, pois a lei prevê um procedimento

mais rigoroso para que ocorra o perdão.

Silvio de Salvo Venosa ensina que o perdão do indigno é ato privativo e formal do

titular da herança. Privativo porque só é válido se for feito pelo ofendido, ou seja, é ato

personalíssimo do ofendido, mesmo no caso do insulto ter sido dirigido à outra pessoa

descrita no artigo 1814 do Código Civil (cônjuge, ascendente ou descendente), e formal

porque deve atender à determinação da lei.43

Segundo Washington de Barros Monteiro44, a declaração do ofendido deve ser feita

através de testamento ou por ato autêntico, como por exemplo, a escritura pública. Afirma,

ainda, que para formalizar o perdão não há necessidade de se utilizar palavras muito

elaboradas e muito menos as razões que levaram o ofendido a perdoar o indigno.

O perdão pode ser expresso ou tácito. O código antigo previa somente a forma

expressa, no entanto o novo Código Civil aceita a forma tácita. Ocorrerá o perdão expresso

se o testador se manifestar claramente sobre o fato em questão, e haverá perdão tácito

sempre que, mesmo ciente dos atos ofensivos de seu sucessor, o testador o contemplar no

testamento. É importante ressaltar que o perdão tácito somente é válido na forma

testamentária.45

43 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Ed. 3, vol. 7, São Paulo: Atlas, Seção 2003, p.78. 44 MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, v. 6:direito das sucessões, São Paulo: Saraiva, 2003, p.68. 45 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, v. 6:direito das sucessões, Rio de Janeiro:Editora Forense, 2006, p. 45.

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Rui Ribeiro de Magalhães46 leciona que o perdão é irretratável, no entanto, se o

testador foi constrangido a testar contra sua vontade, além de gerar nova causa de

indignidade, acarreta a invalidade da declaração.

A declaração de vontade por meio da qual o indigno é perdoado pelo Autor da

herança denomina-se reabilitação. Assim reabilitação do indigno trata-se do perdão do

mesmo, feito esse perdão pelo Autor da herança (de cujus). É um ato que também requer

solenidade, pois deve ser feito através de testamento ou documento autêntico, escritura

pública ou documento particular, não pode ser verbal.

No Direito Português, a reabilitação do indigno consta do artigo 2038 do Código

Civil Português, também por escritura pública ou testamento. Do mesmo modo como

ocorre no Direito Brasileiro, se o testador já sabia da indignidade e ainda assim beneficiou

com testamento o indigno, pode o mesmo suceder dentro dos limites da disposição

testamentária.

Outra questão relevante é quanto a validade do testamento, pois, como bem coloca

Caio Mário da Silva Pereira, se o testamento apresentar qualquer vício formal, não há razão

para anular a declaração do ofendido. De outro modo, se for configurado vício de vontade,

ou seja, se o testador foi de alguma maneira forçado a declarar seu perdão, obviamente não

configurará indignidade.47

De igual modo, se o testamento for revogado, há de se levar em consideração a

vontade do testador, pois se na revogação o testador nada mencionou sobre o perdão do

indigno, é certo que não teve a intenção de privar o herdeiro indigno da herança.

Tal disposição não tem entendimento pacífico na doutrina, pois segundo Caio Mário

da Silva Pereira, há doutrinadores que entendem que a revogação do testamento é total,

independentemente do de cujus fazer ou não referência ao indigno.

46 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das Sucessões no novo código civil brasileiro, Ed 1ª, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 63. 47 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, v. 6:direito das sucessões, Rio de Janeiro:Editora Forense, 2006, p. 80.

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Conforme entendimento da professora Ana Cláudia Silva Scalquette, se o testador

tinha ciência da causa de indignidade e mesmo assim contemplou o indigno em seu

testamento, este poderá suceder no limite da disposição testamentária.48

48 SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva, Família & Sucessões, para aprender direito, São Paulo, 2005: Barros, Fisher & Associados, p. 140.

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SEÇÃO 3 – INDIGNIDADE E INSTITUTOS JURÍDICOS CORRELATOS

3.1. Herdeiro Aparente

O herdeiro aparente é aquele que ostenta perante terceiros a qualidade de herdeiro,

muito embora não possua direito a herança, pelo menos até o momento do ajuizamento da

ação declaratória de exclusão. Ou seja, é aquele que perdeu sua condição de herdeiro por ter

cometido algum ato afrontoso previsto em lei contra o titular da herança.

Para Mário Moacyr Porto49, herdeiro aparente é aquele que não sendo titular dos

direitos sucessórios, é tido, entretanto, como legítimo proprietário da herança, em

conseqüência de erro invencível e comum.

Zeno Veloso50 conceitua o herdeiro aparente como aquele que está na posse dos bens

hereditários como verdadeiro sucessor, e assim é visto por todos em razão de erro comum.

Se o indigno se comporta como se herdeiro fora, é considerado herdeiro aparente e

possuidor de má-fé. Tem esta qualidade porque não pode ignorar o vício do seu título de

aquisição, consistente em fato pessoal. Obrigado fica, em conseqüência, a restituir os frutos

e rendimentos que dos bens da herança houver percebido.

Desta forma, podemos entender que o herdeiro aparente, efetivamente antes da

sentença de exclusão, é considerado herdeiro, porém, com a comprovação da indignidade,

após o trânsito em julgado da sentença, este não mais possui tal qualidade, vindo a perder

todos os direitos sobre os bens que fazem parte da sucessão.

Em face de terceiros, no entanto, o herdeiro aparente conserva a figura de herdeiro,

sendo válidas as alienações de bens hereditários anteriores à sentença declaratória da

indignidade. Nesse sentido, o artigo 1817 do Código Civil mencionando que são válidas as

alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé e os atos de administração

praticados pelo herdeiro, antes da sentença de exclusão. Acrescenta, em parágrafo único,

49 PORTO, Mário Moacyr, Teoria da Aparência e herdeiro aparente, in ação de Responsabilidade Civil e outros estudos, p. 132. 50 VELOSO, Zeno, Novo Código Civil comentado, Ed. Saraiva, p. 1625

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que o excluído da sucessão se obriga a devolver os frutos e rendimentos que dos bens da

herança houver recebido, embora com direito a ser indenizado das despesas com sua

conservação.

Conforme lição de Rui Ribeiro de Magalhães51, não há prejuízo ao terceiro que age

de boa-fé ao adquirir bens do indigno antes de ser proferida a sentença de indignidade.

Assim sendo, apesar dos atos praticados pelo indigno serem nulos, pois a sentença retroage

à abertura da sucessão, a condição de herdeiro aparente do indigno faz com que o estranho

de boa-fé negocie com o herdeiro sem que seja prejudicado e o ato se torna válido.

Todavia, se o terceiro era conhecedor da situação do sucessor indigno, e mesmo assim

com ele negocia, fica comprovado que agiu de má-fé, e, deste modo não poderá ser

beneficiado, pois, nesse caso, o ato será nulo de pleno direito.

Por fim, o Código Civil, no parágrafo único do artigo 1827, estabelece que somente

serão válidas as alienações feitas pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé a título

oneroso, pois do contrário não haveria qualquer prejuízo e o ato poderia ser desfeito.

3.2. Incapacidade Sucessória X Indignidade

A incapacidade sucessória não deve ser confundida com a indignidade. A grande

diferença é que, na primeira, o incapaz nunca veio a adquirir a herança, pois tal direito

nunca existiu, logo o incapaz jamais foi sucessor. Na indignidade, o herdeiro ou legatário

considerado indigno, em um primeiro momento tem direito à herança e até a adquire,

porém, vem a perdê-la com o trânsito em julgado da sentença declaratória de indignidade.52

A professora Maria Helena Diniz entende que o incapaz nada transmite a seus

sucessores, uma vez que nunca teve direito à herança. Contudo, o indigno transmite os bens

a que teria direito a seus herdeiros, afinal, sendo declarado indigno é considerado morto

para fins sucessórios.

51 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das Sucessões no novo código civil brasileiro, Ed 1ª, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 62. 52 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, v. 6 – direito das sucessões, 19ª ed. São Paulo, Saraiva, 2005, p.61.

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Elucidando de maneira singular as diferenças entre esses dois institutos, a professora

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka53 descreve que, no que tange à indignidade:

• o herdeiro recebe a herança, mas a perde com a sentença declaratória de

indignidade;

• trata-se de uma sanção civil aplicada ao herdeiro ou legatário que cometeu algum

dos atos estabelecidos no artigo 1814 do código civil;

• o direito à herança que possuía o indigno acaba com a declaração de indignidade;

• a pena de indignidade tem caráter pessoal, e portanto só atinge a pessoa do indigno,

desta forma, os sucessores do indigno recebem a herança que lhe cabia por

representação;

• a declaração de indignidade impede o indigno de continuar com a herança.

Já no que diz respeito à incapacidade para suceder, ressalta que:

• a pessoa nunca receberá a herança pois não tem legitimidade para tanto;

• trata-se de uma inaptidão para receber a herança;

• o ilegítimo não existe para a sucessão, portanto não tem direito de receber a

herança;

• obviamente, os herdeiros do ilegítimo também não recebem em seu lugar, salvo em

caso legitimidade própria;

• impede a existência do direito sucessório.

Corroborando tal entendimento, a professora Maria Helena Diniz54, distingue com

maestria incapacidade sucessória de indignidade, motivo pelo qual merece transcrição ipsis

verbis:

“Embora a indignidade esteja bastante próxima da incapacidade sucessória, com ela não se confunde, por quê: a) a incapacidade impede que surja o direito à sucessão e a indignidade obsta a conservação da herança; b) a incapacidade é um fato oriundo do enfraquecimento da personalidade do herdeiro, enquanto a indignidade é uma pena que lhe é imposta, se violou o art. 1.814 do Código Civil; c) o incapaz não adquire a herança em momento algum, ao passo que o indigno já recebe a posse e o domínio dela por ocasião da abertura da sucessão,

53 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes e PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Direito das sucessões e o novo código civil, Belo Horizonte, Del Rey, 2004., p. 358. 54 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, v. 6 – direito das sucessões, 19ª ed. São Paulo, Saraiva, 2005, p.58.

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vindo a perder os bens hereditários somente com o trânsito em julgado da sentença declaratória de sua indignidade; d) o incapaz nunca foi herdeiro, nada transmitindo a seus sucessores; o indigno, por sua vez, foi herdeiro, e, devido ao caráter personalíssimo da pena, transmite sua parte na herança, como se morto fosse, a seus descendentes.”

Diante de tão elucidativas diferenças, pode-se concluir que a incapacidade é

característica da ausência de personalidade do herdeiro, enquanto a indignidade é uma

sanção imposta para despojar aquele que cometeu atos ofensivos descritos em lei, contra o

titular da herança ou seu cônjuge, ascendente ou descendente, de receber a herança.

3.3. Deserdação X Indignidade

Outro instituto que se aproxima muito da indignidade é o da deserdação, no entanto,

são significativas as suas diferenças.

Para Orlando Gomes55, deserdação é a privação, por disposição testamentária, da

legítima do herdeiro necessário. Ou seja, é o ato pelo qual o titular da herança priva por

vontade própria seus herdeiros necessários (cônjuge, ascendente e descendente) de

participar da sucessão.

Acrescenta que somente através de testamento se pode deserdar. Todavia, não basta

apenas a declaração de vontade do testador. O legislador estabelece que deve haver

limitação de causas; esclarecimento da indicação dos motivos determinantes e comprovação

judicial a posteriori. Estas exigências servem para se comprovar que houve realmente um

ato de ingratidão do herdeiro contra o dono da herança. Ademais, para que haja deserdação

torna-se obrigatória a existência de herdeiros necessários, bem como de testamento válido e

declaração de causa pelo testador.

Sebastião Luiz Amorim56 informa que é preciso motivo grave para ocorrer

deserdação de herdeiro necessário, suficiente para que seja excluído da herança, uma vez

que naturalmente esse sucessor teria direito à legítima. No caso do testador querer privar

herdeiros que não são necessários, fica afastada a deserdação, pois será considerada uma

55 GOMES, Orlando, Sucessões, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 225. 56 AMORIM, Sebastião Luiz, Inventários e Partilhas, direito das sucessões, 12ª ed., São Paulo, Livraria e editora Universitária de Direito, 1999. p.32.

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exclusão simples, chamada de erepção, afinal, somente os herdeiros necessários têm direito

à legítima.57

A deserdação pode ocorrer tanto para os descendentes como para os ascendentes.

Dispõe o artigo 1962 do Código Civil que, além das causas estabelecidas no artigo 1814,

ocorre a deserdação dos descendentes pelos ascendentes no caso de ofensa física, injúria

grave, relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto e desamparo do ascendente em

alienação mental ou grave enfermidade.

Já o artigo 1963 do referido diploma legal diz respeito à deserdação dos ascendentes

pelos descendentes, e estabelece as seguintes causas: ofensa física, injúria grave, relações

ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou

companheiro da filha ou o da neta, desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou

grave enfermidade.

Conforme lição de Orlando Gomes, para que seja válida a deserdação, não basta a

simples manifestação de vontade do testador, deve haver uma comprovação das causas que

levaram este a deserdar seu herdeiro. Após a abertura da sucessão, será apurado em juízo se

o herdeiro realmente praticou os atos apontados pelo testador.

Apesar da indignidade e da deserdação terem a mesma finalidade, qual seja, afastar o

herdeiro da sucessão, cada instituto apresenta as suas peculiaridades, sendo importante, por

isso, ressaltar as suas diferenças.

Como bem observa a professora Giselda Hironaka, a indignidade é requerida por

terceiros interessados; enquanto a deserdação é ato realizado pelo próprio testador. A

indignidade atinge herdeiros e legatários ao passo que a deserdação somente atinge o

herdeiro necessário. A indignidade pode ser requerida antes ou depois da morte do Autor da

herança, a deserdação ocorre sempre antes da morte do testador. As causas de indignidade

são válidas para a deserdação, mas nem todos os motivos da deserdação configuram a

indignidade. A indignidade resolve uma vocação hereditária existente no momento da

abertura da sucessão, já na deserdação, há a privação de uma vocação legítima por meio da

vontade do testador.

57 GOMES, Orlando, Sucessões, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 226.

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Além desses aspectos, a deserdação é a única forma que tem o testador de afastar de

sua sucessão os herdeiros necessários, sempre com motivação justa e relevante, pois não é

qualquer problema familiar, nem uma paixão de momento, que possibilitará o afastamento

do herdeiro. Ao contrário da indignidade – que sempre decorre da Lei –, a deserdação

depende sempre de ato de vontade, ou seja, disposição volitiva do testador.

Deve-se notar que há uma certa semelhança entre as causas, estando todas elas

vinculadas a ofensas à integridade física ou à honra e à ausência de prestação de alimentos

em casos de evidente necessidade, bem como questões morais relativas a convivência

harmônica da família.

Contudo, a deserdação difere-se da exclusão por indignidade tendo em vista que a

deserdação depende de um ato de vontade do Autor da herança, ainda quando em vida, de

cujo ato deverá constar expressamente a declaração da causa de deserdar. Dispõe o artigo

1.964 do Código Civil que somente com expressa declaração de causa pode a deserdação

ser ordenada em testamento. Nota-se que o Legislador, além de falar em causa, determina a

forma pela qual deve ser exteriorizada essa sua vontade.

Portanto, apesar de a deserdação e a indignidade terem o mesmo objetivo – a punição

de quem ofendeu o de cujus –, são institutos distintos, pois: a) a indignidade funda-se,

exclusivamente, nos casos expressos do art. 1.814 do Código Civil, ao passo que a

deserdação repousa na vontade exclusiva do auctor successionis, que a impõe ao ofensor no

ato de última vontade, desde que fundada em motivo legal; b) a indignidade é própria da

sucessão legítima, embora alcance o legatário, enquanto a deserdação só opera na seara da

sucessão testamentária; e c) a indignidade priva da herança sucessores legítimos e

testamentários, e a deserdação é o meio usado pelo testador para afastar de sua sucessão os

seus herdeiros necessários.

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CONCLUSÃO

Conforme restou demonstrado ao longo da presente pesquisa, o instituto da

indignidade no direito brasileiro consiste no mecanismo de defesa criado por lei para

proteger a vontade do Autor da herança que foi ofendido gravemente por aquele que

deveria oferecer-lhe amor e confiança.

Trata-se de uma sanção civil contra aquele que agiu de maneira ofensiva, ou de

alguma forma contribuiu para que fosse limitada a liberdade de testar do de cujus. Nesse

sentido, ficam excluídos da sucessão aqueles que atentam contra a vida ou que praticam

crimes contra a honra do titular da herança ou de seu cônjuge ou companheiro, bem como

aqueles que o impedem de dispor de seus bens livremente.

O mecanismo legal legitima outro herdeiro ou legatário a ingressar com uma ação

ordinária, de natureza declaratória, visando comprovar a prática do ato de indignidade pelo

pretenso sucessor, excluindo da relação jurídico-sucessória a pessoa que cometeu atos de

ingratidão contra a vida, honra ou liberdade de testar do titular da herança.

Por essa razão, além de resguardar o patrimônio do falecido, não é demais reconhecer

que a declaração de indignidade procura, especialmente, preservar o vínculo de afeto,

confiança e amor na relação familiar, na medida em que tem como principal objetivo a

proteção de valores como a lealdade, fidelidade e respeito mútuo entre o sucessor e aquele

cujo patrimônio é transmitido com o advento da morte.

Pode-se afirmar, com isso, que o legislador agiu bem ao objetivar uma forma de

impedir que o indigno aproveite a herança daquele a quem foi dirigido o ato de indignidade.

Ao assim estabelecer, a lei nada mais fez do que reconhecer o esforço de um(a) chefe de

família que muitas vezes – especialmente nos tempos atuais –, luta durante uma vida inteira

para formar um patrimônio suficientemente capaz de garantir a subsistência de sua prole,

impedindo que um herdeiro indigno, desprovido do mínimo de feição, respeito e amor, leve

proveito do fruto de seu pesado trabalho, reservando este direito àqueles que realmente

guardavam, em vida, uma relação afetuosa junto ao falecido.

Considerando que a família é a base da sociedade e sempre merecerá a integral

proteção do Estado, a pena de exclusão por indignidade é, sem dúvida, uma forma justa e

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eficaz (quando evidentemente provados todos os fatos) de afastar da relação sucessória

aquele que cometeu qualquer dos atos descritos no artigo 1814 do Código Civil contra o

hereditando.

Apesar de não serem raros os casos de sucessores que atentem contra a vida, a honra e

a liberdade de testar do titular da herança, o instituto da indignidade não é muito conhecido

em nossa sociedade. Talvez tenha se tornado um pouco mais conhecido através do

lamentável caso da jovem Suzane Von Richthofen, bastante divulgado pela mídia, que

infelizmente não foi apenas um caso isolado, e sim mais um entre tantos outros alheios aos

olhos da coletividade.

Por ser um assunto muito delicado, o legislador mais uma vez agiu bem ao

estabelecer que a ação declaratória de indignidade deva ser interposta por via ordinária,

respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Além disso, o sucessor

somente poderá ser considerado indigno após o trânsito em julgado da sentença

declaratória. Outro fator importante que deve ser ressaltado é a questão do caráter

personalíssimo da pena de indignidade, pois o indigno é o único que sofrerá os efeitos da

indignidade, logo, seus herdeiros poderão suceder por ele.

Este trabalho teve a intenção de comentar e explicar as peculiaridades do instituto da

indignidade no direito brasileiro. Evidentemente não se esgotou o tema que, aliás, em

alguns aspectos – como por exemplo na exclusão do sucessor menor –, ainda não há

entendimento pacífico na doutrina.

Por fim, diante das informações explanadas no presente trabalho, fica registrada a

importância da lei em defender o cidadão. O instituto da indignidade é a prova de que a

justiça deve agir em prol das pessoas de bem, protegendo-as incondicionalmente e

aplicando suas sanções àqueles que contrariam a moral, a justiça e a paz social.

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ANEXO - JURISPRUDÊNCIA

Apelação Cível 2472314000 Relator(a): Fábio Quadros Comarca: Palmeira D Oeste Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 17/01/2008 Data de registro: 06/02/2008 Ementa: Declaratória de indignidade. Prática de maus tratos do apelado para com sua esposa de saúde frágil. Falecimento. Irmãos requerendo a exclusão do cunhado da herança. Falta de provas. Recurso improvido. Agravo de Instrumento 3611664500 Relator(a): José Roberto Bedran Órgão julgador: Segunda Câmara de Direito Privado de Férias Data de registro: 11/03/2005 Ementa: ... homicídio doloso contra os falecidos pais e, por indignidade, excluído da sucessão. Intervenção da Unido Federal, reclamando a perda da herança, em seu favor, como efeito da condenação penal do indigno (art 91, II, "b", do C.Penal). Descabimento, por ser caso de sucessão, por representação, dos descendentes do herdeiro indigno (arts.

.599, do C.Civil de 1916 e 1.816, do novo ... 1

6ª Vara Judicial da Comarca da Capital – SP. Processo nº 001.02.145.854-6

Vistos. Andréas Albert Von Richthofen, assistido pelo tutor Miguel Abdala, ajuizou Ação de Indignidade em face de Suzane Louise Von Richthofen, alegando, em síntese, que em 31 de outubro de 2002 a demandada, objetivando herdar os bens de seus genitores, planejou a mortes destes, que em companhia de seu namorado, Daniel Cravinhos de Paula e Silva, de 21 anos, e o irmão dele, Cristian, de 26, executaram o casal de forma brutal, vez que munidos de barras de ferro golpearam as vítimas na cabeça até a morte. A demandada foi citada e apresentou contestação (fls. 110/120), em sede preliminar argüiu inépcia da petição inicial, suscitando a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito pediu a improcedência do pedido inicial e aduziu, que agindo sob influência e indução dos efetivos executores, Cristian e Daniel, apenas facilitou o ingresso destes na residência, sem estar ciente das conseqüências decorrentes. Sustenta por fim, a impossibilidade de sua exclusão da sucessão, buscando abrigo no artigo 5º, LVII da Constituição Federal de 1988. Em audiência de Instrução Debates e Julgamentos, foram ouvidas as partes e as testemunhas (fls. 147/152). É o relatório. Fundamento e decido.

Os pedidos são procedentes. A indignidade é uma sanção civil que acarreta a perda do direito sucessório, privando dos benefícios o herdeiro ou o legatário que se tornou indigno, visando à punição cível. É imoral quem pratica atos de desdouro, como fez Suzane, contra

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quem lhe vai transmitir uma herança, Ação plenamente aplicável conforme art. 1.815, do Código Civil.

No conceito doutrinário, temos que a "Indignidade é a privação do direito hereditário, cominada por lei, ao herdeiro que cometeu atos ofensivos à pessoa ou à honra do de cujus. É uma pena civil imposta ao sucessor, legítimo ou testamentário, que houver praticado atos de ingratidão contra o hereditando".

Não há necessidade da condenação em ação penal para a exclusão por indignidade. As provas da indignidade produzidas nestes autos comprovam a co-autoria da demandada no homicídio doloso praticados contra seus genitores. A Constituição Brasileira enfatiza a vida como supremo bem, pressuposto exclusivo para função de qualquer direito. Tanto que todos os bens são chamados "bens da vida". Desta feita, plenamente aplicável o artigo 1.814, do Código Civil, que prevê: "São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente”; Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a Ação de Indignidade, não nos restando duvidas de que seu irmão, Andréas, de 16 anos, será o único herdeiro dos bens, excluindo assim, Suzane, da cadeia hereditária.

P.R.I.C. São Paulo, 24 de Setembro de 2004. "

EMENTA: MEAÇÃO. DIVÓRCIO. INDIGNIDADE. QUEM MATOU O AUTOR DA HERANÇA FICA EXCLUÍDO DA SUCESSÃO. ESTE É O PRINCÍPIO CONSAGRADO NO INC. I DO ART. 1595 DO CC, QUE REVELA A REPULSA DO LEGISLADOR EM CONTEMPLAR COM DIREITO SUCESSÓRIO QUEM ATENTA CONTRA A VIDA DE ALGUÉM, REJEITANDO A POSSIBILIDADE DE QUE, QUEM ASSIM AGE, VENHA A SER BENEFICIADO COM SEU ATO. ESTA NORMA JURÍDICA DE ELEVADO TEOR MORAL DEVE SER RESPEITADA AINDA QUE O AUTOR DO DELITO NÃO SEJA HERDEIRO LEGÍTIMO. TENDO O GENRO ASSASSINADO O SOGRO, NÃO FAZ JUS AO ACERVO PATRIMONIAL DECORRENTE DA ABERTURA DA SUCESSÃO. MESMO QUANDO DO DIVÓRCIO, E AINDA QUE O REGIME DO CASAMENTO SEJA O DA COMUNHÃO DE BENS, NÃO PODE O VARÃO RECEBER A MEAÇÃO CONSTITUÍDA DOS BENS PERCEBIDOS POR HERANÇA. APELO PROVIDO POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (SEGREDO DE JUSTICA) (Apelação Cível Nº 70005798004, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09/04/2003) EMENTA: DECLARACAO DE INDIGNIDADE DE HERDEIRO. CARENCIA DE ACAO POR IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. AS CAUSAS QUE AUTORIZAM A EXCLUSAO DE HERDEIRO OU LEGATARIA DA SUCESSAO ESTAO TAXATIVAMENTE ENUMERADAS NO ART. 1.595, DO CCB, CONSTITUINDO NUMERUS CLAUSUS, E NAO ADMITEM INTERPRETACAO EXTENSIVA. NELAS NAO SE ENQUADRA O PRETENSO ABANDONO MATERIAL QUE O REU TERIA PRATICADO EM RELACAO AO AUTOR DA HERANCA. NEGARAM PROVIMENTO (Apelação Cível Nº 70003186897, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 27/02/2002).