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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ EDUARDO TANCREDO ARCIE A TERCEIRIZAÇÃO, O PROJETO DE LEI 4330/04 E A PRECARIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE TRABALHO CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

EDUARDO TANCREDO ARCIE

A TERCEIRIZAÇÃO, O PROJETO DE LEI 4330/04 E A PRECA RIZAÇÃO

DA RELAÇÃO DE TRABALHO

CURITIBA

2016

EDUARDO TANCREDO ARCIE

A TERCEIRIZAÇÃO, O PROJETO DE LEI 4330/04 E A PRECA RIZAÇÃO

DA RELAÇÃO DE TRABALHO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti Paraná, para obtenção de Graduação em Direito.

Orientadora: Prof. Mariana G. Krieger.

CURITIBA

2016

TERMO DE APROVAÇÃO

EDUARDO TANCREDO ARCIE

A TERCEIRIZAÇÃO, O PROJETO DE LEI 4330/04 E A PRECA RIZAÇÃO

DA RELAÇÃO DE TRABALHO

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do

grau de graduaçãoao Curso de Direito da Universidade Tuiuti Paraná, pela seguinte

banca examinadora:

Orientador: Prof /Ms. Mariana G. Krieger

Direito - Universidade Tuiuti Paraná

Membros: _________________________________________

_________________________________________

Curitiba, ____de ___________ de 2016

RESUMO

Esta pesquisa almeja demonstrar a evolução da terceirização no Brasil, seus atuais delineamentos, as hipóteses permitidas atualmente e as que são ilícitas, mas principalmente como a terceirização pode precarizar a relação de emprego, piorando as condições gerais de trabalho, uma vez que o empregado, presumidamente considerado a parte mais fraca da relação de emprego, pode ter uma redução significativa de seus direitos e garantias. Além disso, a pesquisa pretende demonstrar a grande regressão que o Direito do Trabalho poderia sofrer caso o projeto de lei 4330/04 entre em vigor. Buscou-se identificar os aspectos conceituais da terceirização e ao regramento atual para sua utilização entre aspectos positivos e consequências danosas para os empregados e sociedade em geral. O debate em estudo é de suma importância para que haja normatização assertiva do instituto da terceirização. Ademais, o presente trabalho busca traçar um comparativo e esclarecer os danos que devem ocorrer com a aprovação do Projeto de Lei 4.330/2004, que atualmente tramita no Congresso, bem como mostrar as consequências que devem surgir com o advento da Lei, com uma enorme regressão de conquistas auferidas ao longo do tempo pela classe operária. Espera-se ainda que este projeto sirva de consulta para os estudantes de Direito, especialmente no ramo do Direito do Trabalho, a fim de que possa ser ferramenta para aprofundar o conhecimento sobre a terceirização do emprego no cenário brasileiro. A metodologia da pesquisa foi bibliográfica por meio da consulta em obras que estejam relacionadas ao tema trabalhado, analisando também sites que tragam textos, artigos e teses acerca do tema, além de doutrinas, jurisprudências e demais fontes necessárias para o desenvolvimento adequado da pesquisa.

Palavras-chave: Terceirização. Precarização. Direito do Trabalho.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 5

2 DIREITO DO TRABALHO ..................................................................... 7

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TERCEIRIZAÇÃO................................... 10

2.2 A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL........................................................... 11

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA TERCEIRIZAÇÃO....................................... 12

3 DELINEAMENTOS ATUAL DA TERCEIRIZAÇÃO PELA SÚMULA 331 TST.................................................................................................. 15

3.1 HIPÓTESES PERMITIDAS PELA SÚMULA 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.................................................................. 18

3.2 TERCEIRIZAÇÃO LICITA X ILÍCITA...................................................... 20

3.3 ATIVIDADE MEIO X ATIVIDADE FIM.................................................... 23

3.4 A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.......................... 25

4 PRECARIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE TRABALHO .............................. 29

4.1 PROJETO DE LEI 4330/04 DA RELAÇÃO DE TRABALHO DO ENTÃO DEPUTADO FEDERAL SANDRO MABEL (PL/GO) E APENSOS E SEU PREJUÍZO AOS TRABALHADORES...................... 34

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................... ................. 40

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo da pesquisa em tela é analisar a terceirização à luz do Projeto de Lei

4330/04 e a possível precarização da relação de trabalho. A terceirização apresenta um

crescimento considerável nos últimos anos, pois facilita aspectos como a redução de

custos e alinhamento da competividade em um mundo empresarial globalizado.

Um mercado dinâmico e competitivo exige das empresas modernas

especialização, capacitação contínua, oferta de produtos, serviços e tecnologias de

forma cada vez mais célere. A associação de diversas empresas em parceria para

atender este mercado é também cada vez mais comum.

Embora não exista legislação vigente sobre terceirização, a matéria é regulada

pela súmula 331, editada pelo TST. A terceirização é um instituto que possibilita a

contratação por intermédio de empresa interposta entre o tomador do serviço e a mão-

de-obra, mediante contrato de prestação de serviços, de modo que a relação de

emprego se faz entre a empresa prestadora de serviços e o prestador de serviços e não

diretamente com o tomador do serviço.

A Súmula 331 do TST traz ainda um adendo, no qual consta que nas hipóteses

de vigilância, conservação e limpeza e atividades-meio da empresa não pode haver

subordinação e pessoalidade em relação ao tomador do serviço, sob pena da

terceirização ser anulada e ser caracterizada a relação de emprego entre tomador e

prestador de serviços. A subordinação e pessoalidade deve ser para com o contratante

– empresa interposta.

Entretanto, o Projeto de Lei que 4330/04, que tramita no congresso

nacional, veio com a intenção aparente de preencher uma lacuna da Lei, tendo em vista

que nosso ordenamento jurídico não possui regulamentação sobre o assunto. O Projeto

dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho

dele decorrentes, além de outras medidas. À ideia que norteia o Projeto de Lei é

estender a terceirização de serviços para quaisquer atividades, inclusive para as

atividades-fim da empresa, ou seja, a tomadora do serviço entregaria à empresa que

terceiriza o serviço o cumprimento da atividade que justifica a razão de sua existência, o

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que ocasionaria sua própria terceirização às custas é claro do sacrifício de muitos

direitos trabalhistas conquistados ao longo do tempo.

Diante de um cenário globalizado e competitivo, a terceirização deve ser

regularizada e amparada por Lei e Projetos evitando a precarização de direitos

trabalhistas.

A impropriedade dos requisitos previstos na Súmula fez com que a discussão

avançasse ao Supremo Tribunal Federal, com reconhecimento da repercussão geral da

matéria e a perspectiva de nova solução advinda do ativismo do Poder Judiciário,

aguardada com expectativa pelos atores do processo produtivo, esperançosos em

redirecionar os recursos hoje represados em discussões trabalhistas para o

investimento em suas plantas e consequente desenvolvimento econômico e social do

país.

O Projeto de Lei 4330/04 é o objeto de análise deste estudo como principal

iniciativa da regulação brasileira e processo legislativo ordinário e seus principais

aspectos como as dificuldades na evolução pelo Poder Legislativo para regramento

definitivo, ou seja, a consagração da terceirização ou a sua vedação definitiva,

justificando a escolha do tema em tela.

O primeiro capítulo apresenta os aspectos do direito do trabalho, sua evolução

histórica bem como a terceirização no Brasil e sua natureza jurídica.

O segundo capítulo versa sobre os delineamentos da atual terceirização pela

Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, hipóteses permitidas pela Súmula e a

diferenciação da terceirização lícita e ilícita e a atividade meio e fim.

O terceiro capítulo apresentou os aspectos da precarização do trabalho e o

projeto de Lei 4330/04 da relação do trabalho ressaltando os apensos do Deputado

Federal Sandro Mabel (PL/GO) como forma de comprovar a realidade do tema proposto

nesta pesquisa.

A metodologia da pesquisa foi bibliográfica por meio de livros, artigos

disponibilizados na internet, doutrina e jurisprudências.

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2 DIREITO DO TRABALHO

O Trabalho tem várias origens e participações nas sociedades antigas, todavia,

para não se ater a fatos históricos, mas sim no tema principal desta pesquisa, tem-se

que o Direito do Trabalho, como entendido na atualidade especificadamente com o

aparecimento do capitalismo diante da Revolução Industrial (BIRNIE, 1964, p.17).

Conforme destaca Gerson Lacerda Pistori (2007, p. 72), importante escolher o

período da história para que se possam relatar os fatos:

A concepção de vida e seu reflexo no dia-a-dia influíram e influem no direito de forma direta. Há, portanto, uma relação direta entre a forma de pensar e agir com o direito, sendo fundamental uma visão, ainda que sumária, sobre o pensamento em geral no período escolhido, para que possamos melhor observar o pensamento jurídico, [...].

Para tanto, no Direito do Trabalho, cabe salientar que a relação de trabalho

subordinado surgiu principalmente com a situação desfavorável das relações servis e a

colocação do trabalhador no sistema de produção industrial nas cidades.

Somente para ilustrar que o início das relações trabalhistas ocorreu muito antes

do período ora abordado, traz-se citação de Segadas Vianna (1993, p. 27):

[...] o homem sempre trabalhou; primeiro para obter seus alimentos. Depois, iniciou-se na fabricação de armas e instrumentos de defesa. Posteriormente, passou a lascar pedras para fabricar lanças e machados, criando sua primeira atividade industrial.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado (2005, p.1471), o Direito do

Trabalho quanto ao seu surgimento por meio do capitalismo era uma forma de amenizar

também o tratamento ao trabalhador menos favorecido em meio ao advento e

evoluções no sentido capitalista da sociedade e do trabalho como civilidade e contra

algumas forças de trabalho consideradas perversas.

A origem do Direito do Trabalho ora destacada foi um tanto atribulada, eis que

com a observância em especial da Revolução Industrial, a população migrou do campo

para as cidades de forma que passaram de camponeses a trabalhadores das

indústrias, conforme Delgado (2005, p.71).

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Cumpre salientar nas palavras de Arthur Birnie (1964, p. 22) que:

Além da tendência no sentido da produção em grande escala, o industrialismo moderno distingue-se por três características: a) concentração da população nas cidades; b) o crescimento das regiões industriais; c) a expansão do comercio exterior.

O surgimento do Direito do Trabalho assegurou particularidades ao trabalhador

no decorrer da história como forma de garantir ao trabalhador seus direitos

fundamentais. Observa-se que a Revolução Industrial foi o marco desencadeante

quanto ao Direito do Trabalho, protegendo o trabalhador para aos seus direitos jurídicos

e econômicos.

Pelo pensamento de Arthur Birnie (1964, p. 67) tem-se que a Revolução

Industrial na realidade:

Foi um movimento que se difundiu por um período de cento e cinquenta anos, e suas origens podem ser claramente discernidas em forças ativamente em ação desde o fim da Idade Média. Mas o termo, de certo modo, não deixa de ser adequado. As modificações por ele descritas foram tão amplas e profundas, tão trágicas na sua estranha mescla do bem e do mal, tão dramáticas na sua combinação de progresso material e sofrimento social, que poderão muito bem ser classificadas como revolucionarias. Seja como fôr, denominá-las dessa forma ajuda a lembrar-nos que a rapidez da modificação econômica durante os séculos XVIII e XIX foi maior do que em qualquer época anterior e que o preço exigido sob a forma de sofrimento social foi mais do que geralmente pesado.

A Revolução Industrial foi um marco para desvalorização do trabalho manual,

pois muitos foram substituídos por máquinas, e os que trabalhavam na fábrica, só

participavam de determinada fase da produção. O trabalho se tornava algo contínuo,

repetitivo, mecanizado, por exemplo, se a função era bater um prego em determinado

local do produto, era só isso que se fazia o dia inteiro, na mesma velocidade e ritmo.

Muitos não sabiam nem qual era o produto final, e essa função muitas vezes não

correspondia ao valor do que ele era capaz de produzir (NASCIMENTO, 2009, p.57).

Atualmente, pode-se dizer que com as mudanças e ocorrências históricas o

trabalho é considerado o meio de dignificação da pessoa humana onde esta se insere

no seu meio social de forma a permitir sua sobrevivência. Dejours (1992, p.11) propõe

uma compreensão da relação entre trabalho e saúde mental, pondo fundamentalmente

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na história primária dos indivíduos a principal razão do modo de expressão do

sofrimento psíquico. O trabalho, nesse caso, define o momento da expressão do

sofrimento, mas não sua forma, que, por sua vez, resulta da estrutura psíquica

característica do indivíduo.

Pode-se observar do texto do Autor Daniel Gustavo Mocelin (1998, p. 308) que:

O desenvolvimento tecnológico da Era da Pré Industrialização foi crescente até a Era das Tecnologias de Comunicação e Informação Micro-Eletrônica. Ainda, observa-se que a jornada de trabalho foi ascendente no período da Pré Industrialização até o período da Industrialização Mecânica, depois tendo rebaixo dos períodos do Taylorismo, Fordismo,eletromecânica, até o período que dispõe da das Tecnologias de Comunicação e Informação Micro-Eletrônica. A demanda por trabalho qualificado foi uma curva também ascendente a qual sofreu diminuição no período da Industrialização Mecânica e posteriormente aumento nos períodos sucessivos.

O sistema jurídico constitui segundo Arnaldo Sussekind (2003, p.144) a

necessidade de proteção social aos trabalhadores bem como demais direitos previstos

constituindo assim a sua raiz sociológica e de princípios fundamentais aos

trabalhadores.

O objetivo do direito do trabalho quanto à proteção, na visão de Carlos

Henrique Bezerra Leite (2000, p.39) constitui o objetivo de estabelecer, entre o

empregado e o empregador, a igualdade jurídica.

O Direito do Trabalho vem sendo abordado diante de situações desfavoráveis

ao trabalhador, mas pode-se continuar relatando que este se encontra em constante

mudança, eis que a era em que se vive atualmente também está requerendo

modificações e implementações na lei, como é a questão de trabalho virtual,

desemprego, dentre outros.

A Declaração de Direitos Humanos reconhece a dignidade e direitos dos seres

humanos sendo todos livres, com direitos iguais e com fundamentos na liberdade,

justiça e paz no mundo. Declara ainda, em aspecto trabalhista, que todos têm direito ao

trabalho, à livre escolha do emprego, à condições justas e favoráveis de trabalho e

proteção contra o desemprego. Com a globalização surgiu, então, uma nova

modalidade de trabalho: a terceirização.

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2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TERCEIRIZAÇÃO

Ao retomar ao passado, compreende-se melhor o desenvolvimento desse

instituto, que promoveu profundas modificações nas clássicas relações de trabalho,

tanto no âmbito das relações privadas como também nas relações de trabalho regidas

por normas de Direito público, como as contratações feitas pela Administração Pública,

conforme dispõe Leite (2000, p. 57).

Para Castro (2000, p. 75):

É certo que a terceirização encontra sua origem durante a II Guerra Mundial, quando os Estados Unidos aliaram-se aos países europeus para combater as forças nazistas e também o Japão. As indústrias de armamento não conseguiram abastecer o mercado, necessitando suprir o aumento excessivo da demanda e aprimorar o produto e as técnicas de produção. Essa necessidade demonstrou que a concentração industrial deveria voltar-se para a produção, e as atividades de suporte deveriam ser transferidas para terceiros, o que, sem dúvida, gerou um maior número de empregados na época. Retomando a história, poder-se-ia comparar com o modelo de produção toyotista. Ao estudar o fenômeno da terceirização e seu surgimento, o autor Rubens Ferreira de Castro destaca que: Antes da II Guerra Mundial existiam atividades prestadas por terceiros, porém não poderíamos conceituá-las como terceirização, pois somente a partir deste marco histórico é que temos a terceirização interferindo na sociedade e na economia, autorizando seu estudo pelo Direito Social, valendo lembrar que mesmo este também sofre grande aprimoramento a partir de então.

No Brasil, a noção de terceirização foi trazida por multinacionais por volta de

1950, pelo interesse que tinham em se preocupar apenas com a essência do seu

negócio. As empresas que têm por atividade limpeza e conservação também são

consideradas pioneiras na terceirização de serviços no Brasil, pois existem desde,

aproximadamente, 1967. O objetivo dessas empresas era conseguir mão-de-obra com

menores custos, sem se furtar às disposições tutelares da legislação trabalhista, a qual

visa a proteger o hipossuficiente da relação de trabalho, de acordo com Pamplona

(2006, p. 35).

Pode-se definir a terceirização como estratégia empresarial, com objetivo de

potencializar ou especializar determinada atividade na empresa. Como bem define

Sergio Pinto Martins (2012, p. 11):

11

[...] o objetivo principal da terceirização não é apenas a redução de custo, mas também trazer agilidade, flexibilidade, competitividade à empresa e também para vencer no mercado. Esta pretende, com a terceirização, a transformação de seus custos fixos em variáveis, possiibilitando o melhor aproveitamento do processo produtivo, com a transferência do numerário para aplicação em tecnologia ou no seu desenvolvimento e também em novos produtos.

Em linhas gerais, significa afirmar que a terceirização pode contribuir para a

especialização no processo produtivo, trazendo ao mercado produtos e serviços de

melhor qualidade; a medida que são executados em parceria com aqueles que detêm o

melhor know how a contribuir na produção.

Segundo Mauricio Godinho Delgado (2002, p. 417):

A expressão terceirização resulta de neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente. Não se trata seguramente, de terceiro, no sentido jurídico, como aquele que é estranho a certa relação jurídica entre duas ou mais partes. O neologismo foi construído pela área da administração de empresas, fora da cultura do Direito, visando enfatizar a descentralização empresarial de atividades para outrem, um terceiro a empresa.

Para Amauri Mascaro Nascimento (2007, p. 376) o chamado progresso do

maquinismo gerou problemas como acidentes de trabalho ao passo que a

regulamentação de leis com relação a proteção e dignidade do trabalhador,

configurando, em meio a tais transformações o surgimento da terceirização a partir do

momento que o desemprego era crescente em muitos países. Portanto, a terceirização

surgiu como forma de amenizar tal crise, ofertando aos desempregados uma

possibilidade de prestação de serviços.

2.2 A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL

Na década de 1940, época da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), a

terceirização não era constituída como um fator abrangente aos termos do trabalho o

que contribuiu para que a CLT regulamentasse apenas duas normas para a chamada

subcontratação (utilização de serviços de empresas constituídas ou de profissionais

autônomos, mediante remuneração).

A primeira, a empreitada (uma das partes se sujeita à execução de uma obra,

mediante remuneração a ser paga pelo outro contratante) e segundo, a subempreitada

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(contratação de terceiros, feita pelo empreiteiro, para que uma empreitada, tarefa ou

obra, previamente combinada seja finalizada dentro do prazo estipulado)., conforme art.

455 da CLT e pequena empreitada pelo artigo 652 regulamentada pelo Código Civil

Brasileiro de 2002 em dispositivos legais nas primeiras décadas da evolução no ramo

jus trabalhista no Brasil, conforme Queiroz (1992, p. 25).

Sobre a falta de norma regulamentadora, explica Maurício Godinho Delgado

(2005, p. 274).

Isto ocorre pela circunstancia de o fato social da terceirização não ter tido, efetivamente, grande significado socioeconômico nos impulsos de industrialização experimentados pelo país nas distintas décadas que se seguiram a acentuação industrializante iniciada nos anos de 1930/40. A terceirização instalou-se em nossa legislação sobre a forma do trabalho temporário. Trazendo consigo as rudimentares concepções dos serviços prestados por terceiros, nas chamadas atividade-meio das empresas tomadoras de serviços, sendo estes serviços nas áreas de limpeza e segurança regulamentados pelas leis 6.019/74 e 7.102/83, respectivamente.

Hipótese de contratação permanente de serviço é a regulada pela Lei 7.102, de

20 de junho de 1983. Primeiramente, apenas permitia a contratação de segurança para

os estabelecimentos financeiros, fixando normas para constituição e funcionamento das

empresas particulares especializadas na exploração de serviços de vigilância,

segurança e transporte de valores. É regulamentada pelo Decreto nº 89.056, de 24 de

novembro de 1983. As modificações introduzidas pela Lei 8.863, de 28.03.94

autorizaram essas empresas especializadas a prestarem serviços também a

estabelecimentos não financeiros, conforme leciona Delgado (2005, p. 81).

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA TERCEIRIZAÇÃO

O acordo contratual realizado entre as partes denomina a natureza jurídica da

terceirização, onde de uma parte se encontra a empresa contratante denominada de

“tomadora” e por outro lado a empresa prestadora de serviços, “prestadora.

Segundo Sérgio Pinto Martins (2005, p. 26), “Dependendo da hipótese em que

a terceirização for utilizada, haverá elementos de vários contratos, sejam eles

nominados ou inominados”.

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Ainda sobre a natureza jurídica da terceirização, ensina Evaristo de Moraes

(2010, p. 316):

A terceirização, portanto, enquadra-se em uma das espécies contidas no gênero denominado “contratos de atividade”, entendidos como “aqueles em que alguém se compromete a colocar sua atividade em proveito de outrem mediante remuneração.

Importante enfatizar que a terceirização não pode ser confundida com

subcontratação, pois em diversas situações em que a empresa passa a ter

necessidades maiores na demanda de produção, o interesse maior é a contratação de

pessoal. Por outro lado, o contrato com o terceirizado é considerado permanente e não

ocasional como na subcontratação.

Esclarece Maurício Godinho Delgado (2003, p. 430) neste sentido:

Para o direito do trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. (...) O modelo trilateral de relação socioeconômica e jurídica que surge com o processo de terceirizante é francamente distinto do modelo clássico, modelo empregatício, que se funda em relação de caráter essencialmente bilateral. Essa dissociação entre relação econômica de trabalho (firmada com a empresa tomadora) e relação jurídica empregatícia (firmada com a empresa terceirizante) traz grandes desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizam o direito do trabalho ao longo de sua história.

Para Maurício Godinho Delgado (2001, p. 47), a proteção do trabalhador

hipossuficiente deve estar direcionado aos princípios do Direito do Trabalho com

relação a tais implicações no modelo de contratação da força de trabalho, ou seja, a

terceirização.

O modelo trilateral de relação jurídica oriundo da terceirização é efetivamente diverso daquele modelo bilateral clássico que se funda a relação celetista de emprego. Assim, exceto nas hipóteses expressamente previstas ou permitidas pelo Direito pátrio, doutrina e jurisprudência tendem a rejeitar a hipótese terceirizante, porque modalidade excetuativa de contratação de força de trabalho.

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Rubens Ferreira de Castro (2000, p. 83) cita que a terceirização “enquadra-se

em uma das espécies contidas no gênero denominado 'contratos de atividade',

entendidos como aqueles em que alguém se compromete a colocar a sua atividade em

proveito de outrem mediante remuneração”.

Sergio Pinto Martins (2005, p. 38) entende que é difícil definir a natureza

jurídica da terceirização, pois, “dependendo da hipótese em que a terceirização for

utilizada, haverá elementos de vários contratos distintos.” E o autor segue

exemplificando alguns deles, como “de fornecimento de bens ou serviços”; “de

empreitada”; “de franquia”; “de locação de serviços”, e, conclui dizendo que “a natureza

jurídica será do contrato utilizado ou da combinação de vários deles”.

O ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em matéria trabalhista, possui

uma série de normas pendentes de regulação definitiva, e uma outra série de

regramentos cuja necessidade de adaptação não tem sido acompanhada pela atividade

legislativa no Congresso Nacional e aos delineamentos da atual terceirização pela

Súmula 331 TST.

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3 DELINEAMENTOS ATUAL DA TERCEIRIZAÇÃO PELA SÚMULA 331 TST

A morosidade do Poder Legislativo vêm sido suprida pelo Poder Judiciário em

corrente denominada jus ativismo, que em resumido conceito pode ser definida como a

supressão das lacunas legais – ou adaptação de seus conceitos – por parte da

jurisprudência (CASTRO, 2000, p.101).

O Ministro Luiz Roberto Barrozo (2004, p. 21) define tal fenômeno como

“Judicialização da Vida”, assim conceituando:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontra o Presidente da República, seus ministérios e administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas nas linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.

Trava-se intenso debate acerca dos pensadores do direito acerca da

legitimidade do jus ativismo num sistema positivista, de base civil law tal qual é o

ordenamento jurídico brasileiro. A discussão, por certo, poderia ser tema de extensas

considerações.

Contudo, em sendo o foco principal de nossa análise a terceirização, sob os

efeitos da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, exemplo de tal modalidade de

atuação do Poder Judiciário; o intento deste arrazoado neste tópico é delimitar e

demonstrar a forte presença do ativismo judicial, através de suas decisões, e sua

interferência nos demais poderes da Federação.

Eduardo Brol Sitta (2011, p. 54), em artigo denominado “O ativismo judicial,

legitimidade democrática e a jurisdição constitucional” relaciona a ideia de ativismo

judicial a uma “participação mais ampla e intensa por parte do Poder Judiciário na

concretização de valores e fins constitucionais, implicando uma maior interferência nas

esferas de atuação dos demais poderes da federação”.

O artigo de Sitta (2011, p. 27) destaca passagem do discurso do Ministro Celso

de Mello, na ocasião da posse do Ministro Gilmar Mendes como Presidente do

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Supremo Tribunal Federal, a ilustrar o pensamento dominante naquela Corte acerca do

jus ativismo:

[...] Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente desempenhadas por esta corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não se pode reduzir a uma posição de pura passividade.

A primeira manifestação do ativismo judicial seria, portanto, a mais evidente: a

da interpretação da norma, especialmente sobre o viés constitucional, tutelando,

mantendo e controlando a supremacia da Constituição; para ao texto frio da lei conferir

disposição que atenda, de fato, o intuito protetivo e o resguardo dos direitos

fundamentais, especialmente em se tratando de minorias e vulneráveis – condição que

se adequa com perfeição aos princípios basilares do Direito do Trabalho, conforme

Martins (2004, p. 78).

Como Barrozo (2004, p. 27) bem define, “[...] o Judiciário deixou de ser um

departamento técnico especializado e se transformou em verdadeiro poder político,

capaz e fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com outros

poderes”. Classifica que a postura ativista se manifesta por meio de diferentes

condutas, que incluem (i) a aplicação direta da Constituição a situações não

expressamente contempladas em seu texto e independente de manifestação do

legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos

emanados pelo legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e

ostensiva violação à Constituição; e (iii) a imposição de condutas ou abstenções ao

Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

A ausência de regramento adequado – ou sequer de um regramento – para o

trabalho terceirizado foi solucionada, em parte, pela edição da Súmula 331 do Tribunal

Superior do Trabalho; única fonte de interpretação no Direito Brasileiro para se aferição

da legalidade de contratações nesta modalidade.

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O jus ativismo, ou a criação de normativa através de orientação dos Tribunais

Superiores, é fenômeno cada vez mais comum no Brasil, reflexo de um Poder

Legislativo letárgico e pouco atuante em face aos interesses e necessidades da nação.

A referida Súmula, conforme Miessa (2013, p. 57) tem a seguinte redação:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Das disposições do Enunciado, merecem destaque neste estudo especialmente

os incisos II e III da Súmula, que esclarecem quais modalidades de contratação que,

sob a ótica do Tribunal Superior do Trabalho, seriam válidas para a terceirização.

A disposição do inciso I é exclusiva, visto que conceitua como ilegal a

contratação por empresa interposta, salvo no contrato de trabalho temporário.

Basicamente, o fundamento deste inciso é a Lei 6.019/1974.

Em sequência, o inciso III exclui da formação de vínculo de emprego a

contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza – cujo embasamento é

a Lei 7.102/1983, também já analisada. Passa, então, à autorização para a

terceirização de “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde

18

que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”, consoante esclarece Miesse

(2013, p. 59).

3.1 HIPÓTESES PERMITIDAS PELA SÚMULA 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO

TRABALHO

Além das hipóteses de terceirização previstas anteriormente pelas Leis nº

6.019/1974 e 7.102/1983, a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho incluiu

outras duas: (i) serviços de conservação e limpeza; e (ii) serviços especializados

ligados à atividade-meio do tomador, ambas no item III, conforme Silva (2013, p. 78).

Os “serviços de conservação e limpeza” são serviços expressamente

determinados (definidos) pela Súmula. Foram incluídos no rol do artigo 3º, parágrafo

único, da Lei nº 5.645/1970, já transcrito, e, após essa previsão legal, a terceirização

dessas atividades passou a ocorrer também no setor privado, mesmo com o posterior

advento da Súmula nº 256, de acordo com Martins (2015, p.153).

Já os “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”não são

serviços determinados, uma vez que a “atividade-meio” varia de empresa para empresa

(critério genérico-finalístico). Assim, apesar da Súmula nº 331 ter permitido a

terceirização de “atividade-meio”, coube a doutrina tentar definir o que seria “atividade-

meio”ou diferenciá-la da “atividade-fim”, visto que a Súmula não definiu, nem qualquer

outra regulamentação posterior, conforme Martins (2015, p.155).

Define Mauricio Godinho Delgado (2005, p. 462):

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.

Conceitua Amauri Mascaro Nascimento (2007, p. 636):

19

Pode-se, no entanto, conceituar, de modo simples, atividades-meio como aquelas que não coincidem com os fins da empresa contratante, e atividades-fim como aquelas que coincidem. Se um estabelecimento bancário contrata empresa de serviços de vigilância, trata-se de contratação de atividades-meio, mas, se contrata empresa de serviços de caixa, trata-se de atividade-fim. Se um colégio se vale de empresa de limpeza, a atividade contratada é meio, mas, se contrata empresa de professores, a situação caracteriza-se como contratação de atividade-fim, porque as aulas são a finalidade do colégio.

Entende Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2014, p. 357) que “atividade-meio” é

aquela de mero suporte, que não integra o núcleo, ou seja, a essência, das atividades

empresariais do tomador, sendo atividade-fim, portanto, aquela que a compõe”.

Sobre “pessoalidade” e “subordinação”, ensina Gustavo Filipe Barbosa Garcia

(2014, p. 358):

Quanto à pessoalidade (requisito da relação de emprego mencionada no art. 2.º, caput, da CLT), significa a prestação dos serviços pelo próprio trabalhador (pessoa física, conforme art. 3.º da CLT), sem que seja substituído constantemente por terceiros, aspecto este relevante ao empregador, que o contratou tendo em vista a sua pessoa. Como se nota, o contrato de trabalho caracteriza-se por ser intuito personae. A subordinação (ou “dependência”, na redação do art. 3.º da CLT) significa que a prestação dos serviços é feita de forma dirigida pelo empregador, o qual exerce o poder de direção. O empregador é quem corre os riscos da atividade exercida e o empregado, justamente por não ser trabalhador autônomo, exerce sua atividade não por conta própria, mas sim alheia (ou seja, com subordinação jurídica ao empregador).

A imprescindibilidade da distinção entre atividades “fim” e “meio” é ponto crucial

do Direito do Trabalho, uma vez que a licitude da terceirização e a responsabilidade do

tomador de serviços estão diretamente ligadas a essas definições, de acordo com a

interpretação da Súmula 331 do TST. Conforme o inciso I da súmula, em caso de

terceirização ilícita, é reconhecido o vínculo de emprego diretamente com o tomador de

serviços, ficando este responsável por todos os encargos trabalhistas decorrentes da

contratação ilegal do trabalhador terceirizado. Ocorre que, “na realidade, tais conceitos

de atividade-fim e atividade- meio não são jurídico-trabalhistas”, conforme Castro (2003,

p. 5/9), não surgiram do Direito do Trabalho.

Com essa condição, observou o Tribunal Superior do Trabalho, como não

poderia deixar de fazer, os artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, os

quais dispõem que existe o vínculo de emprego entre o trabalhador (pessoa física) e a

20

empresa caso haja a existência de onerosidade, pessoalidade, não eventualidade e

subordinação, conforme Cavalcanti (2007, p. 67).

As hipóteses de terceirização não elencadas pela Súmula nº 331 devem ser

consideradas ilícitas, conforme ensina Mauricio Godinho Delgado (2005, p. 105):

Excluídas as quatro situações-tipo acima examinadas, que ensejam a terceirização lícita no Direito brasileiro, não há na ordem jurídica do país preceito legal a dar validade trabalhista a contratos mediante os quais uma pessoa física preste serviços não eventuais, onerosos, pessoais e subordinados a outrem (arts. 2º, caput, e 3º, caput, CLT), sem que esse tomador responda, juridicamente, pela relação laboral estabelecida.

Na terceirização lícita, quem deve fiscalizar, controlar e organizar as atividades

do empregado (do serviço terceirizado) não é o ente tomador, mas, sim, o empregador,

que é a empresa prestadora de serviços. Se, com o fim de terceirizar certa atividade, for

contratada empresa prestadora, mas o tomador exercer o poder diretivo perante o

trabalhador, este passa a ter sua relação jurídica de emprego com o próprio tomador.

Trata-se da consequência da terceirização ser considerada ilícita, de acordo com

Delgado (2012, p. 67).

3.2 TERCEIRIZAÇÃO LICITA X ILÍCITA

A terceirização lícita é aquela que observa os preceitos legais e não tem o

objetivo de fraudar direitos trabalhistas, ou seja, a terceirização lícita está perfeitamente

delineada na Súmula 331 do TST. Já a terceirização ilícita é aquela que caracteriza a

locação permanente de mão de obra lesando os trabalhadores, conforme Nascimento

(1999, p. 57).

A terceirização ilícita ocorre quando o tomador de serviços contrata na

atividade-fim, ou seja, gera-se vínculo empregatício direto entre o trabalhador e o

tomador e, logicamente, responsabilidade pelos débitos trabalhistas.

O entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante admite que a

empresa contrate empresas prestadoras de serviços à terceiros para a realização das

suas atividades-meio, ou seja, aquelas atividades que não são voltadas diretamente

para a atividade principal da empresa contratante. Contudo, tal entendimento exige que

21

não haja na prestação dos serviços à terceiros, a pessoalidade e a subordinação direta.

Daí depreende-se que a empresa contratada dirigirá a prestação dos serviços dos seus

respectivos empregados na empresa contratante, e não haverá vinculação pessoal do

empregado ao serviço a ser realizado, o que significa que o trabalho pode ser realizado

por diferentes trabalhadores determinando os aspectos de subordinação e

personalidade no âmbito jurídico, nos moldes delimitados por Delgado (2012, p. 61).

Diferentemente da forma ilegal de terceirização, a responsabilidade do tomador

de serviços, quando a modalidade de terceirização for lícita, será apenas subsidiária.

Retornando à questão da terceirização ilícita, que basicamente conceituada se traduz

em contratar trabalhadores por interposta pessoa, temos a previsão legal para este fato,

conforme esclarece Cassar (2009, p. 97).

Segundo Sérgio Pinto Martins (2009, p. 158):

[...] a terceirização, para que seja válida, exige que não estejam presentes os requisitos pertinentes à relação de emprego, senão vejamos: Para que a terceirização seja plenamente válida no âmbito empresarial, não podem existir elementos pertinentes a relação de emprego no trabalho do terceirizado, principalmente o elemento subordinação. O terceirizante não poderá ser considerado como superior hierárquico do terceirizado, não poderá haver controle de horário e o trabalho não poderá ser pessoal, do próprio terceirizado, mas realizado por intermédio de outras pessoas. Deve haver total autonomia do terceirizado, ou seja, independência, inclusive quanto a seus empregados.

No elemento subordinação, que deve estar ausente, como já sabido, devemos

fazer a distinção entre subordinação jurídica e subordinação técnica, pois a

subordinação jurídica vai ser verificada com a prestadora de serviços, que irá admitir,

dar ordens, e a técnica será verificada com o tomador, que dará comandos técnicos de

como deseja a realização do serviço, principalmente quando prestado em suas

dependências, conforme Manus (2001, p. 87).

Ainda conforme a lição de Sérgio Pinto Martins (2009, p. 159):

[...] algumas regras devem ser observadas, sob pena de tornar ilícito o contrato: [...] (a) idoneidade econômica da terceirizada; (b) assunção de riscos pela terceirizada; (c) especialização nos serviços a serem prestados; (d) direção dos serviços pela própria empresa terceirizada; (e) utilização do serviço, principalmente em relação à atividade-meio da empresa que terceiriza serviços, evitando-se a terceirização da atividade-fim; (f) necessidade extraordinária e temporária de serviços.

22

Caso quaisquer dessas regras enumeradas sejam quebradas e esteja também

presente o elemento subordinação, a jurisprudência tem entendido pela configuração

da relação de emprego:

Trabalhador demitido que adquire a ferramenta de trabalho anteriormente fornecida pelo empregador e continua na mesma atividade exercendo os mesmos serviços, para a mesma empresa, através de outra, pertencente ao mesmo grupo com subordinação, dependência econômica e pessoalidade, configura o vinculo empregatício” (TRT 6ª Região, RO 788/86, Ac. 3ª T., j.6- 7-87, Rel. Juiz Adalberto Guerra Filho, Ltr 52-7/838). Irrelevante ter o empregado constituído pessoa jurídica para continuar prestando os mesmos serviços ao empregador, no mesmo local, na mesma condição, com móveis, telefone e empregados pagos pela reclamada, porque a situação caracteriza a continuidade do vínculo empregatício” (TRT 9ª Região, RO 871/82, Ac. 1.606/83, j. 12-7-83, Rel. Juiz George Christofis, Ltr 48-7/860).

Pode-se dizer que a terceirização ilícita vai implicar na locação permanente de

serviços, em fornecimento de mão-de-obra barata e em desrespeito aos direitos

trabalhistas. Nem sempre será fácil distinguir entre a terceirização legal da ilegal, razão

pela qual esta tarefa muitas vezes é repassada ao Poder Judiciário, através dos Juízes

trabalhistas, especialmente no que se refere a distinção entre atividade meio-fim.

Manus (2001, p. 81) expõe que:

Assim, o item IV da Súmula 331 do TST, dispõe que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implicará em responsabilidade subsidiária quanto ao tomador, nos seguintes termos: IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Ademais, ao contrário do que afirma a Prof.ª Vólia Cassar, o vocábulo

“irregular” não é o mais correto, pois abrange apenas os casos que contrariam a lei ou o

regulamento. Assim define De Plácido e Silva: “Irregular. Contrário a regular. Que sai da

regra jurídica ou que contravém à lei ou ao regulamento. Equivalente a ilegal”, conforme

Silva (2001, p. 452).

23

Isto posto, a partir de agora serão analisados os tipos de atividades exercidas

pela empresa, tendo em vista que a licitude ou ilicitude da terceirização também está

intrinsicamente ligada com a atividade para a qual ela é contratada.

3.3 ATIVIDADE MEIO X ATIVIDADE FIM

A impropriedade da definição acerca da legalidade ou não das modalidades de

terceirização por meio da edição de Súmula por si só se constitui falha, mas traria o

mesmo problema se fosse replicada para o processo legislativo ordinário. Delgado

(2011, p. 438) explica que:

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços. Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.

Tal afirmação justifica-se dada à grande dificuldade, na prática empresarial e

até mesmo na defesa em processos judiciais da definição concreta e restrita dos

conceitos de atividade meio e atividade fim.

Almir Pazzianotto (2005, p. 17), em interessante raciocínio a demonstrar quão

falha é a concepção de atividade fim, mostra que o Banco do Brasil, a TV Bandeirantes,

o Shopping Iguatemi ou mesmo a pequena Confecções Santa Terezinha possuem

similitudes entre si, mesmo organizadas em ramos de negócio distintos. Todas foram

organizadas tendo como atividade fim o lucro. Capital social, número de sócios, ramo

de atividade, nunca são os mesmos; o objetivo final, contudo, se resume na estimulante

ideia de gerar lucro.

Ensina que, segundo a inteligência do artigo 981 do Código Civil, celebram

contrato de sociedade as pessoas que se obrigam a contribuir com bens ou serviços

para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

24

Segundo se conclui pela ciência econômica, pessoas físicas ou jurídicas não

empenham tais contribuições para produzir bens de consumo no intuito de satisfazer as

necessidades da população. Seja fabricando medicamentos ou automóveis, vendendo

espaço publicitário nos jornais, rádio e televisão, a finalidade precípua é a realização do

lucro. Mannrich (2010, p. 186):

Pouco importa se a terceirização se dá na atividade-fim ou na atividade-meio, sendo fundamental, como já referido, a transferência completa de uma atividade ou fase autônoma do processo produtivo, como se se (sic) tratasse de uma empreitada.

Para tanto, valem-se de informações, marcas, instalações, matérias primas,

parque de máquinas e demais equipamentos, publicidade, material humano

consubstanciado em dirigentes e empregados. Tudo de que se servem é meio de

acordo com Mannrich (2010).

Pazzianotto, que participou da discussão que culminou na edição da Súmula

331 quando Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, admite que o Enunciado

funciona como fonte provocadora de conflitos, haja vista a impossibilidade de se traçar

linha divisória nítida e objetiva capaz de diferenciar atividade meio de atividade fim.

Martins (2012, p. 130) explica que:

Atividade-fim é a que diz respeito aos objetivos da empresa, incluindo a produção de bens ou serviços, a comercialização etc. É a atividade central da empresa, direta, de seu objeto social. É a atividade principal da empresa, a nuclear ou essencial para que possa desenvolver seu mister. A atividade-fim da empresa não é o lucro. Este é o seu objetivo. Para o Direito Comercial, atividade-fim é a que consta do objeto do contrato social. É a atividade principal. [...] A atividade-meio pode ser entendida como a atividade desempenhada pela empresa que não coincide com seus fins principais. É a atividade não essencial da empresa, secundária, que não é seu objeto central. É uma atividade de apoio a determinados setores da empresa ou complementar. [...]. Já a atividade-fim é a atividade em que a empresa concentra seu mister, isto é, na qual é especializada.

Alguns dispositivos nos socorrem nesta tentativa de definição, ainda que por

analogia. A citar o artigo 580 da CLT, em seu parágrafo 2º, que entende por atividade

preponderante (ou fim) “a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo

25

final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em

regime de conexão funcional”.

Não existem parâmetros bem definidos do que sejam Atividade-Fim e Atividade-

Meio, muitas vezes quando levadas a juízo ambas confundem-se, ficando a cargo do

juiz defini-las, consoante esclarece Abdala (1996, p. 128).

Carolina Pereira Marcante (2004, p. 67) esclarece uma mudança no conceito

mais antigo de Atividade-fim, para o dos dias atuais:

Concorda-se que a terceirização na atividade-fim está muito próxima da ilicitude, uma vez que, nesses casos, é dificílimo se provar a ausência da subordinação direta. Há de se ponderar, todavia, que o conceito de atividade-fim está relativizando. As empresas estão cada vez mais especializadas. Hoje, é possível se afirmar que existem fabricantes das mais variadas peças de automóveis, bem como existem companhias voltadas apenas para a montagem de tais peças. Logo, ao se julgar sobre a licitude da terceirização na atividade-fim, é primordial ter-se em mente a especialização do mercado e investigar se estão presentes ou não os requisitos de relação de emprego.

Valle, Ejnisman e Gômara (2007) ressaltam que independentemente da

terceirização da atividade-meio ou fim, caso seja verificado que o profissional alocado

na prestação de serviços estiver, de fato, exercendo suas funções de forma pessoal e

com habitualidade, bem como subordinado às ordens e mandamentos da empresa

tomadora de serviços, fatalmente será considerado empregado desta empresa,

reconhecendo-se a fraude na terceirização da atividade.

3.4 A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Diante das proporções que da terceirização vinha tomando e da sua

generalização no mercado laborativo do país, a jurisprudência trabalhista viu-se forçada

a encarar o fenômeno com mais atenção, com o intuito de viabilizar a sua prática.

A principal diferença quando se fala de terceirização no setor público e no setor

privado reside no fato de que a Administração Pública deve observar os princípios que

se aplicam a ela, fundamentada na supremacia e indisponibilidade do interesse público,

a qual sempre deve ser considerada para verificar se é possível utilizar a terceirização

no setor público.

26

A normatização atual que possibilita que a Administração Pública terceirize

serviços são a Lei 8.666/1993 e a Lei 8,987/1995. Nestes diplomas legais, a

terceirização em relação à Administração Pública pode ser classificada em dois tipos,

que são a terceirização dos próprios serviços públicos e a terceirização de atividades

ligadas aos serviços públicos, isto é, é possível ocorrer a terceirização junto à

Administração Pública mediante contrato de prestação de serviços (terceirização de

atividades ligadas aos serviços públicos), regulada pela Lei 8.666/93, ou a terceirização

como contrato de concessão ou permissão (terceirização de serviços públicos), que é a

terceirização do próprio serviço público, cuja base legal é a Lei 8.987/95, art. 37, XXI e

a Lei 11.079/2044, art. 1753, caput.

Além disso, ao lado da multiplicidade de interpretações jurisprudenciais

lançadas nas decisões das últimas décadas, o Tribunal Superior do Trabalho editou

duas súmulas de jurisprudência uniforme, a de nº 256, de 1986, e a de nº 331, de

dezembro de 1993 (esta última revisando a anterior), além de duas orientações

jurisprudenciais (ambas da Seção de Dissídios Individuais 1 – SDI-1 –, do TST).

Uma das orientações jurisprudenciais serve para casos específicos de

terceirização de mão de obra por ente público, que prevê a ilicitude da contratação de

mão de obra por empresa interposta e a formação de vínculo trabalhista diretamente

com o tomador de serviços, enquanto a outra reforça a ideia de inexistência de vínculo

empregatício com a Administração Pública, em face da necessidade de prévia

aprovação em concurso público para tanto, conforme prevê a Constituição Federal, art.

37, II e § 2º, ratificada pelo inciso I da Súmula 331 do TST. Passando-se à análise dos

verbetes supramencionados, temos que o texto original da Súmula 256 vedava

qualquer prática de terceirização, com exceção daquelas já previstas em lei, ou seja,

nos casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância.

Com efeito, a Justiça Trabalhista não deixou de imputar responsabilidade à

Administração Pública por débitos trabalhistas de suas contratadas, mesmo após o

julgamento da ADC nº 16, porém, já é possível verificar que essa imputação está em

consonância a referida ADC, ou seja, verificação, no conjunto fático-probatório, da

culpa in vigilando da Administração Pública, conforme se depreende da ementa de

alguns julgados colacionados abaixo:

27

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADC 16. CULPA IN VIGILANDO. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO NA FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DESPROVIMENTO. Confirma-se a decisão que, por meio de despacho monocrático, negou provimento ao agravo de instrumento, por estar a decisão recorrida em consonância com a Súmula 331, IV, do c. TST. Nos termos do entendimento manifestado pelo E. STF, no julgamento da ADC- 16, em 24/11/2010, é constitucional o art. 71 da Lei 8666/93, sendo dever do judiciário trabalhista apreciar, caso a caso, a conduta do ente público que contrata pela terceirização de atividade-meio. Necessário, assim, verificar se ocorreu a fiscalização do contrato realizado com o prestador de serviços. No caso em exame, o ente público não cumpriu o dever legal de vigilância, registrada a omissão culposa do ente público, ante a constatada inadimplência do contratado no pagamento das verbas trabalhistas, em ofensa ao princípio constitucional que protege o trabalho como direito social indisponível, a determinar a sua responsabilidade subsidiária, em face da culpa in vigilando. Agravo de instrumento desprovido”. (TST, Ag-AIRR- 153040-61.2007.5.15.0083, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 15/12/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: 28/01/2011) “RECURSO DE REVISTA - ENTE PÚBLICO - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADC Nº 16 - JULGAMENTO PELO STF - CULPA IN VIGILANDO - OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE DOS AUTOS - ARTS. 58, III, E 67, CAPUT E § 1º, DA LEI Nº 8.666/93 - INCIDÊNCIA. O STF, ao julgar a ADC nº 16, considerou o art. 71 da Lei nº 8.666/93 constitucional, de forma a vedar a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas devidos pela prestadora dos serviços, nos casos de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do vencedor de certame licitatório. Entretanto, ao examinar a referida ação, firmou o STF o entendimento de que, nos casos em que restar demonstrada a culpa in vigilando do ente público, viável se torna a sua responsabilização pelos encargos devidos ao trabalhador, já que, nesta situação, a administração pública responderá pela sua própria incúria. Nessa senda, os arts. 58, III, e 67, caput e § 1º, da Lei nº 8.666/93 impõem à administração pública o ônus de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo vencedor da licitação (dentre elas, por óbvio, as decorrentes da legislação laboral), razão pela qual à entidade estatal caberá, em juízo, trazer os elementos necessários à formação do convencimento do magistrado (arts. 333, II, do CPC e 818 da CLT). Na hipótese dos autos, além de fraudulenta a contratação do autor, não houve a fiscalização, por parte do Estadorecorrente, acerca do cumprimento das ditas obrigações, conforme assinalado pelo Tribunal de origem, razão pela qual deve ser mantida a decisão que o responsabilizou subsidiariamente pelos encargos devidos ao autor. Recurso de revista não conhecido”. (TST, RR-67400- 67.2006.5.15.0102, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de julgamento: 07/12/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: 17/12/2010).

No ano de 2011 houve uma alteração fundamental na Súmula 331 do TST, que

editou o inciso IV, bem como acrescentou os incisos V e VI, o quais delimitaram a

aplicação desta norma, especialmente no que diz respeito à Administração Pública, a

saber:

28

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Ensina Sérgio Pinto Martins (2014, p. 28) que “A finalidade da decisão foi

deliberar a responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas e

previdenciárias do contrato de trabalho.

Entretanto, se o Projeto de Lei 4.330/2004 obtiver êxito em sua tramitação no

Congresso, alguns fatores podem ser seriamente alterados, vez que o Estado poderá

terceirizar quaisquer serviços, inclusive os mais essenciais como ensino e educação.

Além do mais, outra fragilização ao trabalhador pode ocorrer, pois a proposta admite

que a Administração Pública invoque a Lei 8.666/1993 para se exonerar da

responsabilidade subsidiária nos contratos de que é parte e com a qual a empresa

interposta não cumpriu com suas obrigações, tornando sem efeito as limitações

dispostas na Súmula 331 e desta forma esvaziando a possibilidade do trabalhador de

pleitear seus direitos em juízo, em razão do pedido não ser juridicamente possível, uma

vez que não terá base legal alguma na qual possa se apoiar.

29

4 PRECARIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE TRABALHO

Ao longo das últimas décadas do século XX o Estado tornou válida a

flexibilização do trabalho pleiteada pelas empresas, resultando num enorme processo

de precarização do trabalho cujas evidências estão intimamente ligadas a um cenário

político conturbado e instável e sob a composição de uma estrutura econômica ainda

incipiente, que faz com que Mello (1998, p. 24) a denomine de “capitalismo tardio”. Tais

evidências se materializaram, dentre outras formas, na flexibilização dos vínculos da

relação empregatícia com o surgimento de novas modalidades como os contratos

temporários, os contratos voluntários e a terceirização, que trouxeram também outras

consequências danosas à relação de trabalho, especialmente no que tange à distinção

de salários, recebimento de benefícios, segurança no trabalho, dentre outras inúmeras

hipóteses que diminuem o vínculo de emprego. Os empregados terceirizados, por

exemplo, não têm os mesmos direitos de um empregado com vínculo formal, tampouco

têm seus direitos devidamente protegidos por alguma legislação específica, que faz

com que aumentem as irregularidades cometidas contra a categoria destes

profissionais. Já os empregados que têm vínculo formal possuem todos seus direitos

pautados em normas legais, ACT e/ou CCT que sua categoria conquistou ao longo do

tempo. A fim de ratificar esse posicionamento, pode-se tomar como exemplo o Estudo

elaborado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), em abril de 2015, no qual

afirmou que os trabalhadores terceirizados recebem 25% menos em salários, trabalham

7,5% (3 horas) a mais que outros empregados e ainda ficam menos de metade de

tempo no emprego (http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/)

Ao longo do período compreendido entre 1888 a 1933 são constituídas as

bases necessárias para a efetivação do capital industrial no país, caracterizado nesta

época por pequenas indústrias de aço, cimento e uma forte participação da agricultura

no que se refere ao fornecimento de matérias-primas. Todo o processo ocorrido ao

longo deste período teve como financiador as exportações cafeeiras.

Para Ricardo Antunes (2006, p. 89), diante de todo esse processo de

precarização a expressão classe-que vive-do-trabalho engloba toda e qualquer forma

de trabalho desde o trabalho produtivo (gerador de mais-valia) até os trabalhos

30

improdutivos inseridos no setor de serviços, bancos, comércio, turismo, serviços

públicos, trabalho domiciliar, trabalhadores terceirizados, os “assalariados” da economia

informal e até mesmo os desempregados que foram excluídos do processo produtivo

frente ao novo sistema de acumulação do capital. No entanto, o fenômeno da

precarização do trabalho se manifesta de maneira diferenciada.

No âmbito das relações de trabalho, Annie Thébaud-Mony e Graça Druck

(2007, p. 38) abordam a precarização da seguinte maneira:

O debate acerca da precarização do trabalho no Brasil refere-se fundamentalmente aos resultados e impactos da flexibilização, cujas noções que marcam as análises são a fragmentação, a segmentação dos trabalhadores, a heterogeneidade, a individualização, a fragilização dos coletivos, a informalização do trabalho, a fragilização e crise dos sindicatos e, a mais importante delas, a idéia de perda – de direitos de todo tipo – e da degradação das condições de saúde e de trabalho. Noções que dão conteúdo à idéia de precarização, considerada como a implicação mais forte da flexibilização.

No Brasil, a terceirização resulta em precarização porque há um desvirtuamento

desse instrumento. A terceirização foi desenvolvida no campo da Administração de

Empresas como uma alternativa para melhorar a qualidade do produto ou serviço

vendido, por meio da especialização das atividades produtivas. Nesse processo, uma

empresa transfere parte de suas atividades para outra empresa, concentrando seus

esforços nas suas atividades principais.

A despeito dessas finalidades, a terceirização em nosso país tem sido utilizada

unicamente para redução de custos, sem preocupação com a melhora da produtividade

ou da qualidade do produto ou serviço. As empresas contratam as prestadoras de

serviços que apresentam os menores preços, geralmente inidôneas, e não as

prestadoras mais especializadas ou que oferecem os melhores serviços. As empresas

brasileiras, da mesma forma, normalmente não conferem as condições de trabalho a

que os terceirizados são submetidos e não fiscalizam se as empresas contratadas

estão pagando seus empregados em dia.

Por consequência, o trabalho terceirizado é precarizado, pois há redução de

salários e benefícios, aumento no número de acidentes no trabalho, agravamento dos

problemas de saúde e diminuição da vitalidade da ação sindical. Tais consequências

31

são ratificadas em pesquisas e estudos publicados e validados, como a pesquisa da

CUT (Central Única dos Trabalhadoras), realizada em abril de 2015, que afirma que os

terceirizados recebem menos, trabalham mais e permanecem mais tempo em seus

empregos, a qual já fora mencionada e está detalhada no início deste capítulo, além da

realizada pelo DIEESE (2010, p. 9/12), a qual constatou que os acidentes de trabalho

no setor elétrico ocorrem, em maior número, com os trabalhadores terceirizados. O

DIEESE constatou ainda uma grande redução nos quadros de trabalhadores daquele

setor e concluiu que isso tem clara relação com a intensa terceirização por ele

suportada.

Outros dados do DIEESE mostram que os riscos de um empregado terceirizado

morrer de acidente de trabalho é 5,5 vezes maior que nos demais segmentos

produtivos. Entre outras razões para o elevado número de acidentes, destaca-se o

compromisso da empresa contratada em cumprir prazos pelo menor preço, com a

intensificação da jornada de trabalho com mais horas de atividade e imposição de

condições perigosas e penosas, revelando assim a precarização social.

Como salienta Márcio Pochmann (2008), a expansão da terceirização no Brasil

instituiu um padrão asiático de emprego da mão de obra, isto é, ocupações com contida

remuneração, intensa rotatividade e elevada jornada de trabalho

(http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/).

A isonomia se justifica pelo princípio da não discriminação remuneratória (arts.

7º, XXXII da CF e 3º, parágrafo único da CLT) e pelo princípio da igualdade (art. 5º,

caput e I da CF). Acrescente-se, ainda, a justificação de Mauricio Godinho Delgado

(2012, p. 201):

Insista-se que a fórmula terceirizante, caso não acompanhada do remédio jurídico da comunicação remuneratória, transforma-se em mero veículo de discriminação e aviltamento do valor da força de trabalho, rebaixando drasticamente o já modesto padrão civilizatório alcançado no mercado de trabalho do país. Enxergar na terceirização um mero instrumento de tangenciamento da aplicação da legislação trabalhista é suprimir o que pode haver de tecnologicamente válido em tal fórmula de gestão trabalhista, colocando-a contra a essência do Direito do Trabalho, enquanto ramo jurídico finalisticamente dirigido ao aperfeiçoamento das relações de trabalho na sociedade contemporânea.

32

A verdade, o princípio da igualdade por vezes supõe e até mesmo reclama

tratamento legal desigual, para que, compensadas as desigualdades reais, caminhe-se

para maior igualdade efetiva, como já reconheceu inclusive o Supremo Tribunal

Federal: "Princípio isonômico: a sua realização está no tratar iguais com igualdade e

desiguais com desigualdade." O princípio da isonomia enseja e exige a equivalência

real, caso a caso, in concreto, para não se correr o risco de tratar com desigualdade os

iguais, ou os desiguais com igualdade, o que seria desigualdade flagrante, e não

igualdade substancial, conforme Martins (2009, p.212).

No direito do trabalho o princípio da isonomia surgiu como conseqüências de

que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica

desiguais conduzias a diferentes formas de exploração, inclusive mais abusivas e

iníquas. Para tanto, o legislador, através do princípio da isonomia, na tentativa de

buscar medidas para garantir uma igualdade jurídica que desaparecia diante da

desigualdade econômica no direito do trabalho, busca-se uma justiça real, concreta ou

material. O nível de capacidade legal de agir, de contratar, em que se defrontavam

operário e patrão, ambos iguais porque ambos soberanos no seu direito, cedia e se

tornava ficção com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do segundo.

Se a categoria de cidadão colocava os dois no mesmo plano de igualdade, não

impediria essa igualdade, como alguém observou, que o cidadão proletário,

politicamente soberano no Estado, acabasse, economicamente, escravo na fábrica.

Assim, se traçaram normas publicas reguladoras das relações jurídicas impondo-se

direitos e obrigações. Desta forma, foram criadas restrições ao poder econômico,

estabelecendo regras mínimas quanto à jornada, ao salário, à forma de contratação, ao

trabalho do menor e da mulher, nos moldes lecionados por Delgado (2012, p. 89).

A responsabilidade solidária é uma forma de dar garantia e segurança para o

direito do trabalhador, que tem caráter alimentar. Sem essa imputação, a empresa

procurará a prestadora menos custosa, não se importando em verificar a idoneidade ou

fiscalizar o cumprimento dos deveres trabalhistas. A atual forma de responsabilização

incentiva condutas irresponsáveis e negligentes, resultando na concentração de renda

de poucos e na precarização das relações de trabalho, de acordo com Martins (2009, p.

37).

33

Entende-se por terceirização ilícita, portanto, aquela realizada fora das

hipóteses expressamente previstas em lei, e desde que atendidos os requisitos

insculpidos nesses diplomas normativos, como no caso de trabalho temporário limitado

a três meses, de forma que qualquer outra modalidade de contratação que se valha de

um intermediário recebendo parte do salário que seria devido integralmente ao

trabalhador deve ser rechaçada. É o que deixa claro Martins Filho (1993, p. 128) ao

destacar que:

A distinção que se faz entre terceirização legal e terceirização ilegal refere-se, pois, à distinção entre prestação de serviços e locação permanente de mão de obra. Se, na prestação do serviço, o componente primordial é a mão de obra e não o equipamento (como no caso de mero fornecimento de digitadores), e essa mão de obra é utilizada quase que exclusivamente pela mesma empresa tomadora de serviço, por vários anos, o que se verifica não é uma verdadeira prestação de serviço, mas o fornecimento de mão de obra mais barata.

A responsabilidade subsidiária não se harmoniza com um dos princípios

basilares do Direito do Trabalho, que é a proteção ao trabalhador. Nesse sentido, critica

Jorge Luiz Souto Maior (2008, p. 164):

Como se estabeleceu, no Direito do Trabalho, pela Súmula n. 331, do TST, uma espécie de responsabilidade secundária do “tomador” dos serviços, sem que este para exercê-la sequer precise indicar bens livres e desembaraçados do devedor principal suficientes para a satisfação do crédito, acabou-se criando no Direito do Trabalho um ilógico sistema de proteção do devedor, que, vale lembrar, é um devedor de crédito trabalhista e que possui uma condição econômica pressupostamente superior a do credor e mesmo daquele a quem a Súmula conferiu a responsabilidade primária, o tal “prestador” de serviços. Nada, nada mesmo, nas ordens jurídica, moral e ética, justifica esta situação, que precisa, portanto, ser alterada, urgentemente.

Da mesma maneira, é imprescindível o estabelecimento de igualdade de

condições de trabalho. É necessário que os trabalhadores cumpram a mesma jornada,

tenham acesso aos mesmos serviços de transporte e alimentação e, principalmente,

tenham as mesmas condições de saúde e segurança do trabalho. Essa igualdade de

condições é de suma importância para a autoestima do trabalhador, além de evitar a

discriminação entre os empregados, conforme Antunes (2007, p. 17).

A aprovação do Projeto de Lei nº 4330/04, que trata da terceirização de mão de

obra, significará evidente retrocesso social e ofensa aos Direitos Fundamentais

34

mínimos dos trabalhadores insculpidos na Constituição Brasileira conforme abordado

no tópico seguinte.

4.1 PROJETO DE LEI 4330/04 DA RELAÇÃO DE TRABALHO DO ENTÃO DEPUTADO

FEDERAL SANDRO MABEL (PL/GO) E APENSOS E SEU PREJUÍZO AOS

TRABALHADORES.

Iniciativa concreta tramitando no Congresso Nacional, o Projeto de Lei

4.330/2004 se caracteriza como única expectativa de evolução do ordenamento a

respeito da matéria, de acordo com Antunes (2007, p.17).

A partir da análise da motivação da propositura do Projeto de Lei 4.330/2004

percebe-se o elevado grau do viés empresarial oculto na proposta, a fim de resguardar

seus interesses, em detrimento à abordagem de uma melhoria aos trabalhadores

envolvidos. Isso é facilmente identificado ao analisar um trecho da justificativa da

proposta, que tem o seguinte teor:

[...] a terceirização é uma das técnicas de administração do trabalho que têm maior crescimento, tendo em vista a necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço.

Tendo por objetivo tal propósito que o artigo 2º. do Projeto de Lei 4.330/2004

prevê o seguinte:

Art. 2º: [...] § 2º Não se configura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo.

Diante da aprovação do Projeto, que se tornaria Lei, passaria a viger a

terceirização irrestrita, tendo em vista a ausência de vínculo, independentemente do

ramo de prestação de serviços. Deste modo, haveria uma autorização à empresa e/ ou

administração pública para a terceirizarem quaisquer atividades, como uma espécie de

manobra ilícita, com o intuito de intermediar a contratação de mão-de-obra para as

atividades-fim desenvolvidas pela empresa e ou administração pública, o que está em

absoluta desconsonância com a Súmula 331 do TST - que atualmente rege a matéria e

35

já foi objeto de apreciação detalhada em capítulo anterior – a qual limita a terceirização

apenas para as atividades-meio.

O dispositivo é polêmico também por ser omisso sobre a hipótese que configura

a relação de emprego entre o trabalhador e a empresa que toma seus serviços, como a

subordinação, a pessoalidade, a não-eventualidade e a onerosidade. Neste sentido,

Felipe Santa Cruz aponta a dificuldade existente para se implementar a terceirização

em atividades-fim, ainda mais em setores que firmam elo de pessoalidade entre

profissional e público alvo.

Elos de confiança como os encontrados, por exemplo, entre médico e paciente ou professor e aluno, são construídos através do tempo e do convívio. Como se dará a evolução interpessoal, prioritária, seja no tratamento de doentes, seja na alfabetização de estudantes, diante da impossibilidade da estabilizar estes postos? Pelo mesmo princípio, como manter a expertise de técnicos de uma empresa?

As principais precarizações resultantes da aprovação do Projeto de Lei

4.330/2004 estão dispostas a seguir:

A pior alteração, já amplamente debatido neste trabalho, será a de que

qualquer serviço poderá ser terceirizado pela empresa ou administração pública

(inclusive os mais importantes como ensino e educação). Atualmente, na legislação

brasileira, o trabalho precário (terceirização) é tratada como exceção, contudo, com as

alterações propostas, passará a ser regra;

Haverá a possibilidade de redução salarial, pois com a mudança de

empregador, a empresa terceirizada não tem obrigação de pagar o mesmo valor que

anteriormente o funcionário recebia na empresa em que trabalhava, mesmo exercendo

as mesmas funções na nova empregadora;

Fim da equiparação salarial, isto é, trabalhos idênticos e que estejam cumprindo

as condições exigidas para haver a equiparação, poderão ser remunerados de maneira

desigual, em havendo distinção de empregadores;

Os benefícios concedidos por intermédio de acordos e convenções coletivas de

trabalho não serão passíveis de cumprimentos pela nova empregadora, uma vez que

ela não pactuou e de cujas negociações sindicais não participou;

36

Haverá enfraquecimento dos sindicatos com a desintegração em massa dos

trabalhadores em diversas empresas, que terão datas-bases diferentes, acarretando na

fragmentação das negociações coletivas, frustrando as reivindicações legítimas das

categorias;

Dificuldade ainda maior de inserção da pessoa com deficiência no mercado de

trabalho, tendo em vista que apenas empresas com mais de 100 funcionários são

obrigadas a empregar 2% de pessoas com deficiência. Assim, as empresas poderão

ser segmentadas em múltiplas empregadoras, não sendo necessário que observem tais

cotas;

Prejuízo à saúde e segurança do trabalhador devido à alta rotatividade de mão-

de-obra em relação às terceirizadas, ficarão prejudicados os treinamentos e a

capacidade, gerando um ambiente propício a acidentes de trabalho, que se deve

também ao baixo investimento em segurança pelas contratantes, visando o baixo custo.

Neste sentido, olhando pelo âmbito do trabalhador, concluem Druck e Borges:

[...] além da perda de direitos – por poucos que sejam os direitos de um contrato formalizado no Brasil – e da perda material-financeira, há uma perda moral, à medida que eles reconhecem, na condição de terceirizado, a ‘perda de respeito’, ‘perda de auto-estima’, e ‘é muito sofrimento.

Também na mesma linha de pensamento o procurador do Trabalho, Bruno

Gomes Borges da Fonseca explica:

[...] “hoje a terceirização – permitida apenas para atividades-meio (quando o serviço não é o principal negócio de uma empresa) – é cercada de irregularidades. “Temos dados que mostram a precarização das relações de trabalho. Os terceirizados recebem salários menores, tem jornada de trabalho superior ao dos efetivos, alta rotatividade e são mais vulneráveis a acidentes. Se o projeto for aprovado, haverá um aumento significativo de terceirizados”, explica. Na avaliação do procurador, a terceirização no Brasil tem um viés econômico e não vislumbra a contratação de um serviço especializado para o aperfeiçoamento do negócio. “A regra muda todo a ideia de direito trabalhista. É um marco negativo para o trabalhador”.

Diante do exposto e analisando o Projeto de Lei 4.330/2004 - que possui regras

que agradam ao empresariado e ignoram assuntos significativos para os trabalhadores

terceirizados – é possível concluir que ele visa sobretudo regulamentar a terceirização

37

com o intuito de constituir um mecanismo facilitador que permita aos empresários dispor

de mão-de-obra a custo mínimo, entretanto, isso implicará em precarizações

extremamente severas para os trabalhadores envolvidos, bem como em perdas de

direitos consolidados que levaram muito tempo para serem conquistados, além de um

enorme retrocesso no direito trabalhista brasileiro.

38

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho demonstrou que a terceirização surgiu no Brasil com o intuito de

delegar serviços especializados a empresas de menor porte, a fim de que os

empresários pudessem dedicar mais tempo às atividades essenciais da empresa, ou

seja, às atividades finais da empresa.

Diante da prática cada vez mais recorrente no mundo empresarial, houve

reflexos no âmbito do direito do trabalho, motivo pelo qual o Tribunal Superior do

Trabalho se posicionou diante do assunto e editou a Súmula 331, que atualmente

regula a terceirização no país e estabelece, primordialmente, que ela só pode ser usada

para as atividades-meio da empresa, pois foi com esse propósito que ela surgiu.

Entretanto, surgiu em 2004, o Projeto de Lei 4.330, que atualmente está

tramitando no Congresso e está prestes a ser aprovado, o qual, em seus artigos,

estabelece uma série de hipóteses que vão totalmente de encontro à Sumula 331,

especialmente a autorização da terceirização para atividade-fim.

Em análise aprofundada do Projeto de Lei 4.330/2004 percebe-se facilmente

que possui viés eminentemente empresarial e que não aborda pormenores de questões

significativas como, por exemplo, em relação às obrigações que a empresa interposta

terá para com os trabalhadores por ela contratados, dentre outras inúmeras hipóteses,

as quais estão sendo motivo de debates ferrenhos e que na grande maioria pedem o

arquivamento da proposta, isto é, a não aprovação do Projeto de Lei.

Aceitar que a terceirização é uma forma moderna de administração empresarial

é um equívoco, pois a verdade é que seu interesse é diminuir custos explorando o

trabalhador.

O maior capital de uma empresa é sua força de trabalho e de nada adianta a

tecnologia se não existirem pessoas comprometidas e qualificadas. O que os

trabalhadores necessitam são recursos jurídicos que lhe resguardem um mínimo de

direitos, dentre os quais, de outro modo, não há como manter motivado um trabalhador.

39

Se aprovado com o atual teor, O Projeto de Lei terá como único beneficiário o

empresariado, pois este deixará de ter vínculo com seu trabalhador. Além disso,

decretará a falência dos direitos trabalhistas, de modo que flexibilizará sobremaneira as

relações de trabalho, criando um mecanismo eficiente de precarização de direitos, os

quais não estarão respaldados para serem requeridos judicialmente. Assim a

precarização normatizada em pouco tempo tomará conta da relação de trabalho no

Brasil e será uma verdadeira afronta à Constituição Federal e simbolizará uma enorme

involução dos direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas de lutas da classe

trabalhadora.

40

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