UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ERICK NORBERTO...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
ERICK NORBERTO BASSO
A TEORIA DA DERROTABILIDADE DAS NORMAS
CURITIBA
2014
ERICK NORBERTO BASSO
A TEORIA DA DERROTABILIDADE DAS NORMAS
Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel. Orientador: Profº Dr Sérgio Said Staut Júnior
CURITIBA
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
ERICK NORBERTO BASSO
A TEORIA DA DERROTABILIDADE DAS NORMAS
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção de Bacharel em Direito da
Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba ____, ____________ de 2014
__________________________
Bacharel em Direito
Orientador: Prof. Dr. Sergio Said Staut Júnior
Universidade Tuiuti do Paraná
Membros:
Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo incentivo e apoio nos momentos de maior dificuldade.
Ao meu orientador Sérgio Said Staut Júnior, pelo afinco e paciência ao
apontar a senda a ser percorrida neste trabalho.
Agradeço, também, ao professor Francisco Pinto Rabello Filho, que sempre
e sempre esteve contribuindo para meu sucesso pessoal e acadêmico, que me
mostrou verdadeiramente o significado da palavra "mestre".
À minha segunda família, Anissara Toscan, Danielli dos Santos Weber Costi,
Karina Gimenez Kania Godzikowski, Karla Verusca Michelan e Wanessa dos Reis
Shwencke, pelo amparo incondicional.
E, finalmente, aos meus preciosos amigos, os quais iluminam cada dia de
minha existência.
À todos vocês, meu mais sincero agradecimento, pois foram a suas
existências que possibilitaram e possibilitam a minha caminhada rumo ao futuro.
RESUMO
O presente trabalho possui como tema "A derrotabilidade das normas". Para Hart as normas jurídicas admitem exceções implícitas impossíveis de se enumerar previamente, condições não positivadas que podem alterar a regra disposta pelo enunciado normativo, e é a partir daí que se inicia o estudo da derrotabilidade. A principal questão em análise é como essa derrotabilidade se constitui, de modo a possibilitar a existência de conclusões diversas levando-se em conta a peculiaridade de cada caso concreto apresentado ao julgador, sem, contudo, não violar o princípio da segurança jurídica, o qual garante estabilidade às relações jurídicas. Palavras-chave: Derrotabilidade. Normas jurídicas. Lógica clássica. Lógica não- monotônica. Sistemas jurídicos. Segurança jurídica.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 7
2 NOÇÕES GERAIS DA DERROTABILIDADE .................................................. 8
2.1 A ORIGEM DA TEORIA .................................................................................... 8
2.2 AS FORMAS DE DERROTABILIDADE ............................................................ 9
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ...................................................................... 11
3.1 A DISTINÇÃO ENTRE NORMA E TEXTO ..................................................... 11
3.2 A DERROTABILIDADE DA NORMA E NÃO DO TEXTO ............................... 12
3.3 NORMA JURÍDICA HIPOTÉTICO-CONDICIONAL ........................................ 13
3.4 A LÓGICA DA DERROTABILIDADE .............................................................. 15
3.4.1 A lógica clássica ............................................................................................. 16
3.4.2 A lógica não-monotônica ou derrotável........................................................... 17
4 A APLICABILIDADE DA DERROTABILIDADE ............................................ 19
4.1 AS NORMAS JURÍDICAS DERROTÁVEIS .................................................... 19
4.2 CASOS DE DERROTABILIDADE .................................................................. 20
4.3 A DERROTABILIDADE PROCESSUAL ......................................................... 22
4.3.1 A teoria de Giovani Sartor ............................................................................... 23
4.3.2 A teoria de Neil Maccormick ........................................................................... 24
5 A DERROTABILIDADE E A APROXIMAÇÃO DE SISTEMAS JURÍDICOS . 27
5.1 OS SISTEMAS DE COMMON LAW E CIVIL LAW ......................................... 27
5.2 A APROXIMAÇÃO DOS SISTEMAS JURÍDICOS .......................................... 30
6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 33
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 34
7
1 INTRODUÇÃO
Um dos maiores problemas enfrentados pelas Cortes de Justiça brasileiras é
a inflexibilidade que o sistema codificado impõe ao direito. Tal rigidez impossibilita
que a um determinado caso atípico seja dada uma solução que se coadune com
todas as suas peculiaridades.
A teoria da derrotabilidade das normas se propõe a solucionar esse
problema. No âmbito dessa teoria se admite que cada norma jurídica possui uma
exceção implícita, que se configurada possui o condão de afastar o comando legal.
Tecnicamente, a ideia de derrotabilidade consiste na possibilidade de que
mesmo após a configuração do antecedente normativo não se opere o respectivo
consequente, ao fundamento de existir um determinado fator que impossibilite a
perfectibilização de tal relação.
A partir daí, se propõe que o magistrado interprete o conteúdo normativo
conjuntamente ao caso concreto que lhe é apresentado, a fim de averiguar se em tal
situação existe alguma peculiaridade apta a afastar a conclusão prima facie da
norma.
O presente trabalho procurou introduzir o tema da derrotabilidade
explanando, de forma breve, sobre seus aspectos técnicos e metodológicos, para ao
fim, demonstrar a possibilidade de sua aplicação fática e objetiva no direito
brasileiro.
8
2 NOÇÕES GERAIS DA DERROTABILIDADE
2.1 A ORIGEM DA TEORIA
A ideia de derrotabilidade normativa surgiu no ensaio denominado The
Ascription of Responsability, de autoria de Herbert Lionel Adolphus Hart. Carsten
Bäcker, em seu artigo "Regras, princípio e derrotabilidade", cita o trecho da
mencionada obra de Hart em que se extrai a origem da referida teoria:
Quando o estudante aprende que no direito inglês há normas positivas para a existência de um contrato válido, [...] sua compreensão do conceito legal de um contrato ainda é incompleta [...]. Pois tais condições, embora necessárias, não são suficientes, e ele ainda tem que aprender o que pode derrotar a alegação de que há um contrato válido, mesmo que todas essa condições sejam satisfeitas. O estudante ainda tem que aprender o que implica a expressão „a menos que‟ [...].
1
Para Herbert Lionel Adolphus Hart, então, existem normas que admitem
exceções implícitas impossíveis de se enumerar previamente, ou seja, condições
não positivadas que podem alterar a regra disposta pelo enunciado normativo. E é
nessa “alteração” que se encontra a derrotabilidade normativa.2
Aqui, importante consignar que posteriormente Hart, em sua obra “O
Conceito de Direito” modificou seu entendimento “[...] onde desenvolveu a lição
segundo a qual uma regra que conclui com a expressão „a menos que[...]‟ continua
sendo uma regra”.3
Entrementes, apesar dessa mudança, a lição de Hart desenvolvida em The
Ascription of Responsability introduz e fundamenta a teoria da derrotabilidade das
normas.4
1 HART, H.L.A. The ascription of responsability anda rights. in logic and language. Oxford: Blackwell, 1951 apud BÄCKER, Carsten. Regras, princípios e derrotabilidade. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, p. 61-62, jan./jun. 2011.
2 TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 46-47.
3 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 49.
4 TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 46.
9
2.2 AS FORMAS DE DERROTABILIDADE
O legislador, como ressabido, possui a função de criar leis com o escopo de
regular determinadas condutas da sociedade. Para tanto, idealiza uma situação
hipotética a que pretende tutelar. Todavia, encontra-se aí uma limitação invencível
ao legislador, a impossibilidade de imaginar e enumerar todos os desdobramentos
dessa situação.5
Vem daí a ideia de derrotabilidade normativa, quando uma norma encontra
uma exceção que afasta a possibilidade de sua aplicação.
Fernando Andreoni Vasconcellos, em sua dissertação denominada “O
conceito de derrotabilidade normativa”, cita as onze formas de derrotabilidade
apresentadas na obra “Las trampas de la derrotabilidad. Niveles de análises de la
inderteminación del derecho”, de autoria de Luiz Rodriguez e Gérman Súcar, as
quais são:
1. A interpretação que se atribui a um enunciado jurídico em um certo momento pode ser diferente em relação a que atribui em outro momento, de modo que a norma por ele expressada passe a compreender casos que antes não eram compreendidos ou deixe de resultar aplicáveis a casos antes compreendidos. 2. Pode-se promulgar no sistema novos enunciados jurídicos que substituam a solução normativa estabelecida para um caso, ao introduzirem exceções antes não contempladas. 3. O conteúdo conceitual de um enunciado jurídico não pode ser precisado sem considerar-se o contexto no qual é formulado. Outros enunciados do sistema podem permitir exceções na forma por ele expressada. 4. Os enunciados jurídicos estão sempre sujeitos ao problema da textura aberta de linguagem, razão pela qual resta ineliminável um grau maior ou menor de certeza a respeito da aplicabilidade de uma norma com relação a um caso particular. 5. Ao legislar, uma autoridade legislativa não pode considerar mais do que casos normais, mas sempre pode pensar em casos reais ou imaginários atípicos que mereçam uma solução diferenciada. Por isso as obrigações e direitos gerais consagrados em normas gerais devem ser entendidos como sujeitos a exceções implícitas. 6. Por ser o uso primário dos conceitos jurídicos adscritivo e não descritivo (isto é, que não podem validar-se em razão da informação fática trazida em seu apoio) não pode se enquadrar os fatos dentro do alcance dos conceitos jurídicos em termos de condições necessárias e suficientes. Por isso um juiz, ao qualificar uma situação mediante um conceito jurídico, como por exemplo o de “contrato”, possui uma margem não eliminável de discricionariedade. Ele não descreve o fato de que algo seja um contrato em função de certas características empíricas identificáveis, mas descreve a algo a qualidade de contrato.
5 BÄCKER, Carsten. Regras, princípios e derrotabilidade. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, p. 67-68, jan./jun. 2011.
10
7. Qualquer norma jurídica pode restar derrotada em sua aplicação a um caso particular levado ao conhecimento de um órgão jurisdicional, com fundamento no preceituado em uma norma moral reconhecida por tal órgão, se este reputa injusta a normativa derivada do sistema jurídico. 8. A norma geral que um órgão jurisdicional invoca como fundamento de validade da norma por ele criada para a resolução de um caso, não somente serve para convalidar essa norma individual efetivamente adotada, mas também toda uma classe de soluções igualmente válidas. 9. Para se determinar a qualificação normativa de certa conduta de um sujeito em um caso particular, é necessário descrever a situação em que ele se encontra. Diferentes descrições podem determinar diferenças na qualificação normativa. Como não há uma descrição que pode considerar-se „verdadeira‟ ou „completa‟, sempre é possível que, em uma situação na qual se crê ser sujeito detentor de uma obrigação, contenha-se ademais alguma particularidade que torne operativa uma exceção. 10. No ponto anterior se supõe informação completa. Todavia, nossa informação acerca da realidade é sempre incompleta. Quando formulamos juízos normativos a respeito de casos particulares, somente podemos emitir juízos derrotáveis, pois uma maior informação poderia derrotá-los. 11. Qualquer pretensão formulada perante um juiz, com base no disposto em uma norma geral, pode ser derrotada pela parte contrária, se esta demonstrar que no caso em questão concorre uma exceção que também encontra apoio em uma disposição do sistema.
6
Como se vê, a conclusão originada de um comando normativo pode, não
raro, ser afastada. Aliás, Vanconcellos ainda conclui que o rol exposto é
exemplificativo e não exaustivo, ou seja, é possível que existam ou passem a existir
novas hipóteses de derrotabilidade normativa.7
6 RODRIGUEZ, Luiz; SÚCAR Gérman. Las Trampas de la derrotabilidad. Nivelis e análisis de la indterminación del derecho. In: COMANDUCCI, Paolo; GUASTINI, Riccardo(coord.). Analisi e diritto. Richerche di Giurisprudenza Analitica. Turim: Giappichelli, 1998 apud VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 49-50.
7 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 51.
11
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
3.1 A DISTINÇÃO ENTRE NORMA E TEXTO
Para verificar-se o campo de atuação da derrotabilidade é preciso ter em
mente a diferença entre o texto legal e a norma jurídica.
O texto é um conjunto de verbetes e frases que objetivam "[...] expressar o
significado, o conteúdo e a extensão das regras de conduta; assim, o texto é finito e
limitado".8
As normas, por sua vez, são os comandos insertos no texto legal, os quais,
apesar de possuírem como substrato o dispositivo, têm uma amplitude muito maior
do que o nele exposto.9
Por exemplo, o artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal prevê que
"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”,
deste dispositivo também é possível extrair o comando ”todos são obrigados a fazer
algo, quando assim previsto em lei”.
Cabe ao intérprete (magistrado), então, verificar as normas contidas no
dispositivo redigido pelo legislador aplicando-as ao caso concreto.
Sobre essa diferença entre norma jurídica e texto legal, o Supremo Tribunal
Federal, quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental n.º 153 – em que se discutiu a lei de anistia – consignou o mesmo
entendimento que venho expondo, cujo acórdão restou assim ementado:
EMENTA: LEI N. 6.683/79, A CHAMADA "LEI DE ANISTIA". ARTIGO 5º, CAPUT, III E XXXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL; PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E PRINCÍPIO REPUBLICANO: NÃO VIOLAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E TIRANIA DOS VALORES. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E DISTINÇÃO ENTRE TEXTO NORMATIVO E NORMA JURÍDICA. CRIMES CONEXOS DEFINIDOS PELA LEI N. 6.683/79. CARÁTER BILATERAL DA ANISTIA, AMPLA E GERAL. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA SUCESSÃO DAS FREQUENTES ANISTIAS CONCEDIDAS, NO BRASIL, DESDE A REPÚBLICA. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E LEIS-MEDIDA. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A
8 SLAIBI FILHO, Nagibi. Texto, norma e valor: a evolução na Constituição de 1988. p. 4. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=c693bfd0-05c0-45e7-b86c-aac27bf80880&groupId=10136>. Acesso em: 15/09/ 2014.
9 SLAIBI FILHO, Nagibi. Texto, norma e valor: a evolução na Constituição de 1988. p. 4. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=c693bfd0-05c0-45e7-b86c-aac27bf80880&groupId=10136>. Acesso em: 15/09/2014.
12
TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES E LEI N. 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997, QUE DEFINE O CRIME DE TORTURA. ARTIGO 5º, XLIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO E REVISÃO DA LEI DA ANISTIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 26, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1985, PODER CONSTITUINTE E "AUTO-ANISTIA". INTEGRAÇÃO DA ANISTIA DA LEI DE 1979 NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. ACESSO A DOCUMENTOS HISTÓRICOS COMO FORMA DE EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE. 1. Texto normativo e norma jurídica, dimensão textual e dimensão normativa do fenômeno jurídico. O intérprete produz a norma a partir dos textos e da realidade. A interpretação do direito tem caráter constitutivo e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e da realidade, de normas jurídicas a serem aplicadas à solução de determinado caso, solução operada mediante a definição de uma norma de decisão. A interpretação/aplicação do direito opera a sua inserção na realidade; realiza a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção no mundo da vida. [...].(ADPF 153, Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2010, divulgado em 05/08/2010 e publicado em 06/08/2010).
Assim, é necessário a existência de um intérprete que ao ler o texto legal
extraia dali a norma aplicável ao caso concreto. Isto é, que retire o direito do mundo
das ideias e o transfira para o fenomênico.
3.2 A DERROTABILIDADE DA NORMA E NÃO DO TEXTO
Distinguidos os conceitos de norma e texto de lei, cabe agora verificar sobre
qual deles ocorre o fenômeno da derrotabilidade.
Pois bem. A derrotabilidade somente pode ser admitida quando se verifica a
presença de um intérprete retirando a norma contida em um dispositivo legal e
aplicando-a a uma determinada situação. “O texto de lei por si mesmo e sem a
intervenção de um intérprete, não irá se derrotar”.10
Consoante Ricardo Guastini, citado por Vasconcellos, “às vezes, concorda-
se que o texto normativo T exprime a norma N1, mas alguns se perguntam se tal
norma é, ou não, 'falível' (derrotável), ou seja, sujeita à exceções implícitas que não
podem ser identificadas a priori”.11
10
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f.132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 52.
11 GUASTINI, Riccardo. Le point de vue de la science juridique. In: COMANDUCCI, Paolo;
GUASTINI, Riccardo (coord.). Analisi e diritto. Richerche di Giurisprudenza Analitica. Turim: Giappichelli, 2006. p. 142 apud VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 53.
13
A partir daí é possível verificar que o fenômeno da derrotabilidade ocorre na
norma e não no texto de lei. Somente quando alguém ao interpretar o dispositivo
legal verifica se a norma dali extraída será, ou não, aplicável ao caso é que será
possível a derrotabilidade.12
3.3 NORMA JURÍDICA HIPOTÉTICO-CONDICIONAL
As normas jurídicas exigem a existência de um modal deôntico (dever ser)
que as liguem a um fato praticado no mundo fenomênico, mediante aquilo que se
convencionou chamar de imputação.13
Nesse rumo, Vasconcellos, citando Von Wright, define norma hipotética-
condicional como àquela que possui a cláusula “se-então”, por exemplo, “se concluir
o curso de economia, então poderás exercer a profissão de economista”.14
A norma hipotética-condicional pode ser dividida em duas partes
denominadas antecedente e consequente. O antecedente é um fato ocorrido, ao
passo que o consequente é o resultado jurídico derivado desse fato. Esta norma
jurídica, tendo em vista a lógica aplicável ao direito, manifesta-se através dos
modais obrigatório (O), permitido (P) e proibido (V). Exemplificativamente, o artigo
239 do Código Civil dispõe que "Se a coisa se perder por culpa do devedor,
responderá este pelo equivalente mais perdas e danos". É dizer, se o devedor
perder o objeto da obrigação, deve então responder pelo seu valor somando-se as
perdas e danos.15
A dogmática jurídica tradicional, via de regra, não admite que configurado o
antecedente (i.e. perda da coisa por culpa do devedor) não se opere o consequente
(i.e. obrigação de responder pelo valor do objeto, mais perdas e danos). Quanto a
esse tipo de situação – configuração do antecedente sem a operação do
consequente – a doutrina clássica limita-se a falar em perda de eficácia ou
12
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009.p. 53.
13 TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas
decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 49.
14 VON-WRIGHT, Georg Henrik. Norma y acción: uma investigación lógica. Madrid: Tecnos, 1979.
p.177-193 apud VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 54.
15 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009.p. 54.
14
descumprimento legal, sem, todavia, tratar tal hipótese como um fenômeno
recorrente na prática, o qual ocorre quando a norma a priori deixa de ser aplicada.16
É aí em que se concentra a teoria da derrotabilidade, a qual objetiva
responder de forma eficaz a ocorrência do aludido fenômeno. Para tanto, pressupõe
que as normas possuem uma solução prima facie, a qual pode ser afastada em
razão de um determinado fator não enumerado previamente.17
Na esteira do que venho expondo, Vasconcellos ainda registra que:
Em se tratando de deveres jurídicos, o conceito de obrigação prima facie está atrelado ao teor literal (gramatical) do texto positivado, no âmbito da 'justificação da interna',enquanto ponto de partida para a aplicação do direito, parâmetro normativo utilizado nas relações intersubjetivas. Esta interpretação prima facie, no entanto, apegada à literalidade textual adstrita ao plano de justificação interna, pode não prevalecer após uma análise sistemática/pragmática do ordenamento jurídico.
18
Nesse sentido, é possível citar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
de Estado de São Paulo na apelação cível n.º 991.06.054960-3.
Trata-se esse caso de embargos à execução hipotecária movida pelo Banco
ABN ANRO Real S.A. em face de Wagner Antônio Lopes e sua esposa, Elisabete
Santos Lopes.
Os embargantes, em 20 de janeiro de 1999, celebraram com a referida
instituição financeira “Instrumento Particular de Compra e Venda com
Financiamento. Pacto Adjeto de Hipoteca e outras Avenças”. Posteriormente,
descobriram que seu filho sofria de leucemia e, em razão dos gastos com tratamento
de tal patologia, não puderam mais arcar com as parcelas devidas ao embargado.
Configurado o inadimplemento, o Banco ABN ANRO Real S.A ajuizou, em setembro
de 2004, execução hipotecária no valor de R$ 65.779,14. Wagner Antônio Lopes e
Elisabete Santos Lopes, então, opuseram os referidos embargos à execução,
requerendo, para ficar no que aqui importa, a exclusão dos valores relativos aos
juros de mora e multa contratual do montante devido, sob o argumento de que a
16
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 54.
17 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 55. 18
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 55.
15
demora no pagamento somente ocorreu em função dos gastos com o tratamento da
enfermidade de seu filho.
Em sede recursal, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acolheu a
tese dos embargantes afastando a norma prima facie em detrimento da
excepcionalidade do caso.
Afirmou o desembargador relator que a culpa pela grave doença que
acometeu o filho dos embargantes não poderia ser a eles imputada, o que atrairia a
incidência da norma contida no artigo 396 do Código Civil (Não havendo fato ou
omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora).
Consignou, também, que o mencionado infortúnio caracterizava, em
verdade, caso fortuito ou força maior, aplicando-se, por isso, o disposto no artigo
393 do Código Civil (o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não houver por eles se responsabilizado).
Por fim, esclareceu que os contratos devem ser interpretados a luz de sua
função social.
Fundamentada em tais premissas, a 11.º Câmara de Direito Privado deu
parcial provimento ao recurso, para o fim de excluir do valor executado os juros de
mora e a multa contratual relativamente ao período compreendido entre junho de
2002 e outubro de 2004 (data do falecimento do filho dos embargados).
Como se vê, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo derrotou a
literalidade textual do contrato em razão de uma interpretação sistemática do
ordenamento jurídico exigida pela situação fática excepcional.
3.4 A LÓGICA DA DERROTABILIDADE
Ao se falar em lógica da derrotabilidade é imprescindível esclarecer a
existência de duas correntes doutrinárias, uma defendendo a aplicabilidade da lógica
clássica e a outra a incidência da lógica não-monotônica (ou derrotável).
16
3.4.1 A lógica clássica
Para a lógica clássica, a conclusão obtida a partir de um conjunto de
premissas será sempre a mesma, mesmo que inseridos nesse conjunto novos
elementos (por isso à lógica clássica é dada a alcunha de monotônica).19
Objetivando explicar a derrotabilidade do ponto de vista clássico, Carlos
Alchourrón, Peter Gärdenfors e David Makinson elaboraram o chamado “câmbio
racional de teorias”.20
Essa teoria pode ser entendida utilizando como exemplo o homicídio.
Quando um sujeito pratica um homicídio deve ser punido, surgindo – consoante
expõe Bäcker – a seguinte fórmula lógica21,22:
x(Hx →OPx) (1)
Ha (2)
OPa (3) (1),(2)
Em palavras: se "x" pratica homicídio, então "x" deve ser punido (1); "a"
praticou homicídio (2); então "a" deve ser punido (3), o que decorre de (1) e (2).
Outra regra possível, é de que um homicídio praticado em legítima defesa não
merece punição. Na fórmula:
x(LDx → ⌐OPx) (1)
LDa (2)
⌐OPa (3) (1),(2)
Ou seja, se "x" pratica homicídio em legítima defesa, então "x" não pode ser
punido (1); se "a" praticou homicídio em legítima defesa (2), então "a" não pode ser
punido.
19
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 60.
20 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 64-65. 21
BÄCKER, Carsten. Regras, princípios e derrotabilidade. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 102, p. 64-66, jan./jun. 2011..
22 Significado dos símbolos, conforme explica Bäcker (2011), são: "O", operador deôntico-obrigatório;
"→", implicação; "H", homicídio; "P", punição; "x", variável geral; "a" um sujeito particular; "LD", legítima defesa; "⌐", negação; e "ᶺ", conjunção.
17
Entretanto, aplicando as duas fórmulas em conjunto surgiriam dois
resultados lógicos contraditórios:
x(Hx →OPx) ᶺ (LDx → ⌐OPx) (1)
Ha ᶺ LDa (2)
OPa ᶺ ⌐OPa (3) (1),(2)
A fim de solucionar esse problema, cria-se uma nova regra, qual seja se
alguém comete homicídio deve ser punido, ao menos que tenha agido em legítima
defesa:
x x (Hx ᶺ LDx → ⌐OPx) (1)
Ha ᶺ LDa (2)
⌐OPa (3) (1),(2)
A proposta dessa teoria, então, é de que surgindo uma situação em que a
norma prima facie não possa ser aplicada, o conjunto de premissas que dão origem
a síntese deve ser revisto, para que possa ser lido de forma a se adequar a exceção
averiguada.
3.4.2 A lógica não-monotônica ou derrotável
A lógica não-monotônica surgiu no âmbito das ciências da computação, o
objetivo era encontrar um sistema de inteligência artificial que se assemelhasse a
forma humana de raciocinar. O resultado de tais estudos implicou na formulação do
sistema não-monotônico.23
O racícionio não-monotônico, ao contrário da lógica clássica, permite que a
síntese resultante do confronto de determinadas premissas seja modificada ao
acrescentar-se novo(s) elemento(s) a fórmula.24
23
SERBENA, Cesar Antonio. Normas jurídicas, inferência e derrotabilidade. In. SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 14-15.
24 SERBENA, Cesar Antonio. Normas jurídicas, inferência e derrotabilidade. In. SERBENA, Cesar
Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012.p. 15.
18
Exemplificativamente: A + B = C. Entretanto, acrescentando novo elemento,
passa a existir nova conclusão: A + B + X = D.
A fim de ilustrar o acima exposto, Cesar Antonio Serbena, em seu artigo
Normas Jurídicas, expõe que:
[...] perguntei ao meu filho de 3 anos e alguns meses qual era a seguinte letra, que desenhei em um papel „U‟; ele respondeu tratar-se da letra “C”. Em outra ocasião, desenhei outra letra, “Z”, e perguntei qual era esta letra; ele respondeu-me que era a letra „N‟. Após alguns minutos, percebi que suas respostas faziam sentido, pois ele respondia às perguntas a partir das letras que conhecia, C e N. As letras U e Z eram as mesmas letras, apenas estando „viradas para cima‟. Ele ainda não havia incorporado a premissa de que se tratam de letras diferentes, e que há um ponto de referência (ou um centro de gravidade) na grafia das letras. Distinguir C de U, e N de Z significa incorporar ao já conhecido esta distinção, este ponto de referência, de que as letras, como dizemos às crianças, estão “em pé ou deitadas” (brincando, dizemos que „C‟ é um „U‟ deitado etc.). Este curioso fato revela um traço característico do raciocínio humano: aprendemos sobre o mundo e possuímos nossas crenças sobre ele; dizemos frequentemente qu pássaros voam”. Concluímos que, na ausência de uma exceção, „os pássaros voam‟. Agregando uma nova informação de que „pinguins não voam‟, revisamos nossa base de crenças para que possamos dizer que „pássaros voam, exceto pinguins‟.
25
Ao adotar-se a lógica não-monotônica , então, torna-se viável a existência de
um sistema que possua normas prima facie (uma conclusão, em princípio, aplicável)
que admitam exceções que possam afastá-las.26
Nesse rumo, tem-se que nessa lógica o modal dever-ser é entendido da
seguinte forma "Se A, então normalmente B".27
A crítica a esse modelo, bem expressa por Bayón, é a redução do poder
inferencial, ou seja, da certeza da síntese obtida pela análise das premissas.28
25
SERBENA, Cesar Antonio. Normas jurídicas, inferência e derrotabilidade. In. SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 30.
26 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 62. 27
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 62.
28 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 63.
19
4 A APLICABILIDADE DA DERROTABILIDADE
4.1 AS NORMAS JURÍDICAS DERROTÁVEIS
Uma das maiores indagações que surgem ao se falar em derrotabilidade é:
todas as normas jurídicas são derrotáveis?
Pois bem. Toda norma positivada pode ser transcrita à formulação
hipotética-condicional (Se A, então deve ser B). Fernando Andreoni Vanconcellos,
em citação a Humbérto Ávila, registra que a existência de uma hipótese de
incidência normativa é uma questão de formulação linguistica, de modo que até
mesmo os princípios podem ser reconduzidos a aludida formulação.
Exemplificativamente, se um sujeito é acusado de uma conduta delituosa, deve ser
presumido inocente até que haja, contra ele, sentença penal condenatória (princípio
da presunção de inocência, CF, art. 5.º, inc. LVII).29
A interpretação sistemática do ordenamento jurídico possui a capacidade de
afastar a conclusão prima facie da norma jurídica, ou seja, Se A, não mais será B.
Aliás, até mesmo as normas constitucionais, em princípio imutáveis, podem
ser enquadradas neste sistema. Como exemplo disso, Vasconcellos cita a
obrigatoriedade do voto para os maiores de 18 anos, nos seguintes termos:
Esta previsão constitucional pode ser convertida para o modelo hipotético-constitucional [...] „Se for maior de dezoito anos, então o voto é obrigatório‟. Essa norma prima facie é clara, objetiva e deve ser seguida por todos os seus destinatários. Ocorre, entretanto, que o cidadão maior de dezoito anos pode possuir „incapacidade absoluta‟, razão pela qual a ele o voto não será obrigatório, justamente em razão da interpretação sistemática/infraconstitucional do Código Civil acerca da capacidade [...].
30
A partir daí, verifica-se que todas as normas que compõem o ordenamento
jurídico são potencialmente derrotáveis.
Ainda em reforço a essa ideia, é possível lembrar o ensinamento de Juan
Carlos Bayón, que afirma que uma norma em princípio aplicável pode ser afastada
em virtude da existência de um princípio que, no caso concreto, seja contrário ao
29
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009.p. 71.
30 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 72.
20
comando legal. Diante disso, conclui o aludido autor, que sendo impossível
enumerar todos os casos em que tal situação possa ocorrer, não há como
determinar um conjunto preciso de normas derrotáveis.31
4.2 CASOS DE DERROTABILIDADE
Estabelecido que todas as normas são potencialmente derrotáveis, cumpre
agora analisar os casos em que ela pode ser operada.
Existem quatro problemas jurídicos que podem ser utilizados como
parâmetro para a caracterização da derrotabilidade, são eles, o problema de
pertinência, o problema de interpretação, o problema de prova e o problema de
qualificação.32
O problema de pertinência é relativo a chamada antinominia, ou seja, ocorre
quando existe dúvida sobre qual norma aplicar ao caso concreto, tendo em vista a
existência concomitante de dispositivos de lei com soluções diferentes para a
mesma situação.33
O problema de interpretação advém de situações em que surgem dúvidas a
respeito da mensagem legislativa inserta em um texto legal, ou seja, de como se
entender determinada norma. Tal problema reside na relação entre texto e
intérprete, na dificuldade que se depara toda pessoa que pretende interpretar uma
mensagem escrita, uma vez que a “[...] amplitude de significados atribuídos a certas
palavras utilizadas, tanto na linguagem natural como no direito, produzem certa
vagueza e ambiguidade [...]”.34
Aliás, para ilustrar a ocorrência na prática desse tipo de problema, é possível
citar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.650-DF:
31
BAYÓN, Juan Carlos. Proposiciones normativas e indeterminación del derecho y positivismo jurídico: Isonomia. Revista de Teoria y Filosofia del Derecho, Alicante, v. 1, n. 13, p. 62-63, 2000.
32 TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas
decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 53.
33 TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas
decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 53.
34 TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas
decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 54.
21
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 7º da Lei 9.709/98. Alegada violação do art. 18, § 3º, da Constituição. Desmembramento de estado-membro e município. Plebiscito. Âmbito de consulta. Interpretação da expressão „população diretamente interessada‟. População da área desmembranda e da área remanescente. Alteração da Emenda Constitucional nº 15/96: esclarecimento do âmbito de consulta para o caso de reformulação territorial de municípios. Interpretação sistemática. Aplicação de requisitos análogos para o desmembramento de estados. Ausência de violação dos princípios da soberania popular e da cidadania. Constitucionalidade do dispositivo legal. Improcedência do pedido. 1. Após a alteração promovida pela EC 15/96, a Constituição explicitou o alcance do âmbito de consulta para o caso de reformulação territorial de municípios e, portanto, o significado da expressão “populações diretamente interessadas”, contida na redação originária do § 4º do art. 18 da Constituição, no sentido de ser necessária a consulta a toda a população afetada pela modificação territorial, o que, no caso de desmembramento, deve envolver tanto a população do território a ser desmembrado, quanto a do território remanescente. Esse sempre foi o real sentido da exigência constitucional - a nova redação conferida pela emenda, do mesmo modo que o art. 7º da Lei 9.709/98, apenas tornou explícito um conteúdo já presente na norma originária. 2. A utilização de termos distintos para as hipóteses de desmembramento de estados-membros e de municípios não pode resultar na conclusão de que cada um teria um significado diverso, sob pena de se admitir maior facilidade para o desmembramento de um estado do que para o desmembramento de um município. Esse problema hermenêutico deve ser evitado por intermédio de interpretação que dê a mesma solução para ambos os casos, sob pena de, caso contrário, se ferir, inclusive, a isonomia entre os entes da federação. O presente caso exige, para além de uma interpretação gramatical, uma interpretação sistemática da Constituição, tal que se leve em conta a sua integralidade e a sua harmonia, sempre em busca da máxima da unidade constitucional, de modo que a interpretação das normas constitucionais seja realizada de maneira a evitar contradições entre elas. Esse objetivo será alcançado mediante interpretação que extraia do termo „população diretamente interessada‟ o significado de que, para a hipótese de desmembramento, deve ser consultada, mediante plebiscito, toda a população do estado-membro ou do município, e não apenas a população da área a ser desmembrada. [...].(ADI 2650, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24/08/2011, divulgado em 16/11/2011 e publicado em 17/11/2011).
O terceiro problema é o chamado problema de prova, este, segundo Torres,
se caracteriza quando surgem dúvidas a respeito de se algum fato importante para a
aplicação do direito ocorreu, ou quando se verifica a existência de defeitos ou vícios
incidentes sobre tal fato, tal como o vício de consentimento.35
O Código de Processo Civil elenca entre os artigo 342 ao 443 diversos
meios de prova que podem ser utilizados pelo operador do direito para comprovar os
35
TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 54.
22
fatos alegados na demanda, todavia se não lograrem êxito em tal escopo o resultado
poderá ser de inaplicabilidade da norma jurídica invocada.36
A derrotabilidade por problema de prova ocorrerá quando a norma já foi
aplicada, mas resta processualmente demonstrado que o fato que a originou inexiste
ou possui algum vício.37
O quarto problema, de qualificação, acontece nas situações em que não há
certeza se um fato específico pertence, ou não, a um conceito genérico. Tal
problema ocorre em razão de dois fatores, quais sejam a inexistência de
determinada informação relevante a respeito de um caso concreto, impedindo sua
qualificação no conceito genérico, e a imprecisão de palavras utilizadas nas
premissas.38
Nesse sentido, Torres, em citação a Carlos Alchourrón, expõe que:
[...] ninguém pode ser penalmente responsável por um ato cometido em legítima defesa, independentemente das ambiguidades que podem dificultar sua interpretação, é possível que surjam dúvidas significativas a respeito de se um ato de legítima defesa tenha sido excessivo ou proporcional à agressão recebida. A dificuldade pode derivar da falta de informação a respeito dos fatos acontecidos ou, como se indicou antes, da vagueza da noção de proporcionalidade.
39
Em síntese, ficou esclarecido que a derrotabilidade poderá ocorrer quando
verificada a existência de problemas de pertinência, de interpretação, de prova e de
qualificação.
4.3 A DERROTABILIDADE PROCESSUAL
Quando se fala em derrotabilidade processual é imprescindível a análise de
duas principais teorias, a primeira criada por Giovani Sartor e a segunda por Neil
MacCormick.
36
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 78.
37 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 78. 38
TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 54.
39 ALCHOURRÓN, Carlos. Sobre derecho y lógica. Revista Isonomía, n. 13. p. 29, 2000 apud
TORRES, Dennis José Almanza. A derrotabilidade das normas jurídicas e sua presença nas decisões judiciais. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.).Teoria da derrotabilidade: Pressupostos Teóricos e Aplicações Curitiba: Juruá, 2012. p. 54.
23
4.3.1 A teoria de Giovani Sartor
Sartor, ao analisar a estrutura hipotético-condicional, distingue duas
categorias existentes no antecedente normativo, as quais denomina de probanda e
non refutanda.40
Probanda são os elementos existentes no antecedente que devem ser
provados para que a norma produza seus efeitos (consequente). Non refutanda, por
seu turno, são os componentes do antecedente a serem refutados por aquele que
pretende afastar o consequente normativo.41
Resumidamente, o probanda está relacionado às regras e o non refutanda
às exceções.42
Segundo Vasconcellos43, é possível exemplificar a teoria de Sartor por meio
do artigo 183 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “Decorrido o prazo,
extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato,
ficando salvo, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa”.
A regra exposta nesse dispositivo (probanda), então, é de que decorrido o
prazo, extingue-se o direito da parte praticar o respectivo ato. Por outro lado, é
possível ao interessado afastar a regra demonstrando que o ato não foi praticado em
razão de justa causa (non refutanda).44
A partir desse raciocínio, também é possível constatar que o artigo 333 do
Código de Processo Civil segue a lógica do probanda e non refutanda de Sartor.45
O aludido dispositivo dispõe que:
40
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A Derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 366.
41 SERBENA, Cesar Antonio. Normas jurídicas, inferência e derrotabilidade. In. ______.Teoria da
derrotabilidade: Pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 20. 42
SERBENA, Cesar Antonio. Normas jurídicas, inferência e derrotabilidade. In. ______.Teoria da derrotabilidade: Pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 20.
43 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A Derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar Antonio
(Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 367.
44 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A Derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar
Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 367.
45 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A Derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar
Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 368.
24
Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto a fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Os fatos constitutivos caracterizam o probanda, ao passo que os
impeditivos, modificativos ou extintivos, o non refutanda.
Consoante expõe Vasconcellos, a lógica que ampara a teoria de Sartor é a
não-monotônica, uma vez que é a única modalidade que comporta a ideia de que
configurados todos os probandas não se conforme o consequente.46
4.3.2 A teoria de Neil Maccormick
A teoria de derrotabilidade processual proposta por Neil MacCormick parte
do reconhecimento de que “[...] os arranjos jurídicos apresentam requisitos
ordinariamente necessários e presumivelmente suficientes”.47 Para MacCormick um
arranjo jurídico aparentemente válido pode estar sujeito a alguma intervenção que o
invalide.48
Em termos práticos, essa teoria pode ser explicada da seguinte forma: A
pretende opor a B a regra D, para tanto precisa demonstrar que as condições de
dessa regra, c1, c2 e c3, ocorreram. Demonstrada a ocorrência de c1, c2 e c3 a
regra deverá ser aplicada, entretanto pode B afastar D se comprovar a existência da
condição excepcional e1.49
Com isso, é possível afirmar que o ônus de A é demonstrar c1, c2 e c3, ao
passo que o de B é o comprovar a configuração de e1. Por outro lado, a certeza de
que A obterá o direito pleiteado depende de que B seja incapaz de provar e1.50
Em relação ao acima exposto, Vasconcellos acrescenta:
46
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 368.
47 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar
Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 370.
48 MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Coleção Teoria e filosofia do direito:
Elsevier Brasil, 2008, p. 310. 49
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 370.
50 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar
Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 371.
25
Diante do caso dos legatários homicidas (ou herdeiros), que perdem o legado em razão do princípio implícito de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, MacCormick questiona se, nesse caso, o direito nunca existiu ou existiu, mas é considerado derrotável. Escrevendo em termos pragmáticos, MacCormick entende o mais correto como a caracterização de uma "pretensão ao legado derrotável", ou seja, há um direito que primeiro existe e depois é derrotado.
51
A partir daí, para MacCormick, o direito (right) deve ser entendido como um
fato institucional, que se apresenta apenas nas situações em que todas as
condições exigidas para que a norma seja aplicada em um determinado caso (i.e.
c1, c2 e c3) tenham sido comprovadas e não excepcionadas (i.e. e1).
Desse modo, para esse autor, o que pode ser excepcionado (derrotado) é a
"[...] atribuição de um direito, ou a afirmação de um pleito a alguém (ou daquilo que
alguém busca receber por meio do direito [...]"52.
Em relação ao direito (law), Neil MacCormick explica que sua formulação
ocorre de forma abstrata e que as condições nele genericamente formuladas são
sempre capazes de omitir um elemento que pode se tornar um fato decisivo para um
determinado caso53. Isso ocorre em razão da infinidade de condições possíveis que
surgem da interação de diferentes partes do direito, entre regras positivadas ou de
reelaborações doutrinárias de dispositivos legais a partir do enunciado de um
determinado princípio ou valor. Seria demasiadamente difícil tentar enumerar todas
as condições de validade de todos os enunciado de cada norma, e mesmo que tal
trabalho fosse realizado, o resultado seria a inteligibilidade do direito.54
Por aí, tendo em vista que as formulações gerais não evidenciam muitas
condições, é possível afirmar que apesar de um arranjo jurídico fornecer, até certo
ponto, segurança àquele que pleiteia determinado direito, somente com a efetivação
judicial, ocorrida após o confronto dos fatos constitutivos com as alegações de fatos
51
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 370.
52 MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2008. p.
315. 53
MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2008. p. 315-316.
54 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar
Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 371.
26
impeditivos, é que será terá a segurança definitiva, a partir da visão do ônus da
prova.55
Destarte, o escopo da derrotabilidade processual é viabilizar a construção de
soluções normativas por meio da excepcionalidade, relativamente aos casos cujo as
premissas impuserem resposta evidentemente única.56
55
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 371.
56 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. A derrotabilidade processual. In: SERBENA, Cesar
Antonio (Coord.). Teoria da derrotabilidade: pressupostos teóricos e aplicações. Curitiba: Juruá, 2012. p. 372.
27
5 A DERROTABILIDADE E A APROXIMAÇÃO DE SISTEMAS JURÍDICOS
5.1 OS SISTEMAS DE COMMON LAW E CIVIL LAW
Antes de adentrar efetivamente ao tema do capítulo – a derrotabilidade e a
aproximação de sistemas jurídicos – faz-se necessário esclarecer quais sistemas
serão analisados, bem como tecer algumas breves considerações sobre eles.
Pois bem. No direito ocidental dois principais modelos jurídicos prosperaram,
o common law e o civil law.57
O common law, de origem anglo-saxônica, trata-se de sistema jurídico
primordialmente consuetudinário, é dizer, baseado nos costumes sociais.
Nos primórdios desse paradigma os litígios eram solucionados por
integrantes de determinadas Cortes de Justiça, que utilizavam os costumes locais
como fonte do direito. Com o passar dos anos, nos países em que tal sistemática se
estabeleceu, criou-se uma espécie de direito baseado em precedentes judiciais
emitidos pelos Tribunais.58
Nesse sentido, é a lição de Marco Antonio da Costa Sabino59:
[...] no contexto do common Law, o costume perdeu a importância que tinha nos primórdios. O século XIX consolidou o poder de dizer o que é o direito nas mãos dos juízes. Foi criada, na Inglaterra, a doutrina do stare decisis, ou o precedente vinculante (stare dicisis et non quieta movere), pelo qual, basicamente, casos posteriores seriam decididos de acordo com análise anteriormente realizada pelo Judiciário que tenha se tornado um precedente. Esse modelo foi copiado e adaptado aos demais países do Commonwealth, sendo, hoje, largamente utilizado alhures. Hoje, mesmo na Inglaterra, não se pode confundir costume com precedente.
A partir daí, foram criadas duas teorias para definir a natureza da decisão
judicial no sistema common law, a declaratória e a constitutiva.
57
ALATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. As tradições jurídicas de Civil Law e Common Law. In: Novas Tendências do Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 558-559.
58 CROCETTI, Priscila Soares; DRUMMOND, Paulo Henrique Dias. Formação histórica, aspectos do
desenvolvimento e perspectivas de convergência das tradições de common law e civil Law”. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). A força dos precedentes: estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual civil da UFPR. Salvador: JusPodivm, 2010. pp. 18 e 25.
59 SABINO, Marco Antonio da Costa. O precedente jurisdicional vinculante e sua força no Brasil.
Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, v. 1, n. 85, p. 55, 2010.
28
A teoria declaratória afirma que o direito está nos costumes gerais, sendo
função do magistrado tão-só transcrever em sua decisão a norma consuetudinária
preexistente. É dizer, a decisão judicial formaliza (declara) determinado costume.60
A teoria constitutiva, por seu turno, prega que o direito não advém de um
costume “descoberto” e declarado pelo juiz, mas sim que é efetivamente criado pela
vontade do magistrado, o qual possui a chamada law-making-authority. 61
Em análise a essas definições do mesmo sistema (common law) verifica-se
que independentemente da teoria que se adote o direito será delineado pela
jurisprudência, que definirá, de fato, as normas válidas para a sociedade.62
Nesse sentido, Marinoni citando Margaret N. Kniffin, expõe que:
As Cortes, ao decidirem casos, „descobrem‟ o direito, o qual sempre existiu, ou elas o „criam‟? Se as Cortes descobrem o direito, uma Corte de Apelação, ao prever uma ação da Suprema Corte e tomar uma atitude sem esperar que a Corte Superior o faça, chega, antes da Suprema Corte, a um ponto já existente. Se, de outro lado, a Suprema Corte cria o direito quando revoga o precedente, uma Corte de Apelação, antecipando, desenha o que acredita que a Corte Superior gostaria de criar. A tentativa de escolher entre esses dois conceitos pode gerar uma confusão desnecessária. Cada qual pode ser considerado um olhar diferente sobre o mesmo objeto. A despeito de se saber se a Corte Superior descobre ou cria o direito esse só tem efeito após a decisão. Após a edição de norma pela corte (holding) é lei até ser revogada, também independentemente de se a Corte descobriu ou criou o direito.
63
Passo seguinte, cumpre analisar o modelo civil law.
Também denominado por sistema de direito codificado, sistema romano-
germânico e sistema continental –, o civil law, de origem romana (apesar de seu
desenvolvimento ter sido fundamentalmente após a revolução francesa), ao
contrário do common law, pressupõe a existência de normas positivadas. Nesse
sistema tem-se definido que o Poder Legislativo cria o direito por meio de lei
60
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 24-25.
61 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011. p. 25-26. 62
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 33.
63 KNIFFIN, Margaret N. Overruling supreme court precedents: antecipatory action by United States
of appeals. Fordham Law review, 1982, p. 66 apud MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.30.
29
(entendida, aqui, como norma positivada) cabendo ao Poder Judiciário a
responsabilidade de aplicá-la ao caso concreto.64
A partir daí constata-se que, em princípio, no civil law não são as decisões
judiciais que criam o direito, mas sim a lei.
Convém aqui a lição de Paulo Dourado de Gusmão:
[...] devemos distinguir o sistema da common Law (Estados Unidos e Inglatera) do sistema continental [...] dominante na Europa Continental e na América Latina. No primeiro, o costume e o precedente judicial são fontes principais do direito. Já no sistema continental, a lei. [...] No sistema continental, temos subordinação do costume [...] à lei, que não pode ser contra legem e que não admite o desuso da lei [...]. O fato de uma lei não ser observada e de não ser aplicada pelo Judiciário não acarreta sua inexistência jurídica, isto é, sua vigência, pois, a qualquer momento, desde que não revogada, pode ser aplicada.
65
Também Francesco Carnelutti, na obra Teoria Geral do Direito, aponta a lei
como meio de criação de direito:
Ao direito produzido pela ordem máxima e soberana, dá-se o nome de lei. Legislação é, pois, a atividade do Estado na medida em que se traduz em lei, ou seja, enquanto produz leis. O próprio Estado, enquanto exerce a legislação, diz-se Estado legislador. [...] A função legislativa é [...] a mais alta função do Estado, pois é verdadeiramente a que coloca mais alto o Estado de fronte ao cidadão, isto é, a que marca maior distância entre este e aquele. É uma função puramente jurídica, no sentido de que não se realiza de outro modo que não seja produzindo direito.
66
Realizada essa breve análise sobre os aludidos paradigmas jurídicos torna-
se evidente que o sistema que predomina no Brasil é o civil law.
Isso porque, no Brasil adota-se a lei como principal fonte do direito.
É o que se observa do disposto no artigo 4.º da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro:
Art. 4.º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
64
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 41. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 310-312.
65 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 41. ed. atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. p. 105-106. 66
CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 2006. p. 134-135.
30
Como se vê, somente na hipótese de não haver previsão positiva é que o
juiz poderá recorrer a outras alternativas.
Nesse diapasão, novamente cabe preleção de Paulo Gusmão Dourado, que,
na mencionada obra, afirma: “De modo geral, podemos dizer que o sistema jurídico
brasileiro pertence ao sistema ou espaço social do direito codificado. É, pois,
sistema de direito escrito, onde a lei é fonte suprema do direito”. 67
Em conclusão, o paradigma jurídico adotado como regra no Brasil é o civil
Law.
5.2 A APROXIMAÇÃO DOS SISTEMAS JURÍDICOS
A pretensão desse último tópico é demonstrar que a derrotabilidade, por ser
eminentemente jurisprudencial, resulta na aproximação do sistema de civil law com
o de common law, e que tal sistemática não implica a perda da segurança jurídica.
Pois bem. Vasconcellos, citando Ronald Dworkin, lembra que68:
[...] o Juiz deve se comportar como um autor em uma cadeia itinerária (chain novel), dividindo espaço com outros autores , cada qual escrevendo um capítulo de um „romance sem fim‟, sendo-lhe permitido revisar a história escrita pelos outros, mas para seguir o caminho traçado anteriormente e não para trilhar um percurso individual, pois „o dever de um juiz é interpretar a história legal que encontra, não inventar uma melhor‟.
Para Dworkin, então, o magistrado, apesar de possuir a liberdade de decidir
no caso concreto, deve sempre respeitar os precedentes judiciais, de modo a existir
uma espécie de sequência de interpretações adequadoras.69
É nessa forma proposta por Dworkin que deve ser aplicada a
derrotabilidade. Em uma lógica derrotável a conclusão sempre será a mesma desde
que adotado o mesmo conjunto de premissas. É dizer, sempre que as mesmas
67
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 41. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 329.
68 DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Texas Law Review. v. 60, p. 544, 1982 apud
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 115.
69 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 115.
31
premissas se apresentarem, estará presente o vinculo com a conclusão
anteriormente adotada.70
A partir daí, é possível afirmar que um Tribunal que adote a conclusão "X"
para o caso "A" + "B", deverá sempre decidir "X" para qualquer caso cuja as
premissas sejam "A" + "B".
Tal fato, entretanto, não impede a alteração da conclusão quando surge uma
nova situação fática, normativa, ou até mesmo valorativa, que implique na alteração
do conjunto de premissas submetidas ao julgador. “Trata-se de correlação entre
estabilidade e flexibilização, entre a necessidade de seguir o precedente e a
exigência de um julgamento justo para o caso concreto”.71
O julgador que pretenda modificar algum entendimento pretérito – por
constatar a existência de nova premissa – deverá, necessariamente, motivar e
fundamentar sua decisão com especial atenção aos argumentos aduzidos pelas
partes. A correlação entre precedente e decisão singular poderá culminar na
derrotabilidade, contudo a observância de critérios de coerência e fundamentação
devem sempre estar presentes, sob pena de violação à isonomia, à segurança
jurídica e ao espírito democrático.72
No Brasil o legislador se preocupou com a questão da segurança jurídica, a
partir daí criou alguns mecanismos hábeis a controlar as decisões judiciais,
concedendo, assim, estabilidade às relações jurídicas. Nesse sentido,
Vanconcellos73 lembra dos artigos 102, parágrafo 2.º, da Constituição Federal,
artigos 481, parágrafo único, e 557 do Código de Processo Civil e do artigo 4,º da
Lei n.º 9.469/1997, que possuem, respectivamente, as seguintes redações:
Art. 102. Omissis [...] §2.º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
70
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 116.
71 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 117. 72
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 117-118.
73 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 119.
32
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. [...] Art. 481. Omissis Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. [...] Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. [...] Art. 4º Não havendo Súmula da Advocacia-Geral da União (arts. 4º, inciso XII, e 43, da Lei Complementar nº 73, de 1993), o Advogado-Geral da União poderá dispensar a propositura de ações ou a interposição de recursos judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores.
74
Como se vê, diversos instrumentos legais vinculam as decisões do Supremo
Tribunal Federal às demais que possam ser proferidas no âmbito do judiciário e da
Administração Pública, com o evidente escopo de proteger a segurança jurídica e a
boa-fé daqueles que confiaram na manutenção dos precedentes, além de aplicar
exigências atinentes aos textos positivados (i.e. a irretroatividade da lei penal) a
normas jurídicas (interpretações) geradas pelos demais órgãos do Poder Judiciário.75
Em conclusão, apesar de o direito brasileiro ser fundado principalmente no
modelo civil law, a derrotabilidade busca elementos no sistema common law que
objetivam trazer a flexibilização ao direito nacional – se harmonizando com os
instrumentos jurídicos já existentes –, sem, contudo, abandonar a segurança jurídica
que nos é tão cara. Assim, a aplicação de uma lógica derrotável ao sistema
brasileiro é maneira de valorizar a peculiaridade de cada caso, até porque, como
bem afirmava Thomas Fuller, não existe nenhuma regra útil sem uma exceção.
74
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
75 VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. 2009. f. 132.
Tese (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 120.
33
6 CONCLUSÃO
A existência de normas positivas abstratas é essencial para a manutenção
do sistema jurídico nacional. Entretanto, a impossibilidade de o legislador prever
todas os desdobramentos possíveis das normas que cria exige que a rigidez do
sistema codificado seja relativizada.
Por outro lado, não se pode admitir que a flexibilização do mencionado
sistema ocorra sem qualquer critério, sendo unicamente subjetiva, sob pena de
malferimento à segurança jurídica.
No presente trabalho, concluiu-se que a teoria da derrotabilidade fornece
resposta para tal impasse, na medida em que ao mesmo tempo que admite que
determinado comando normativo não se aplique em virtude de algum fator atípico,
fornece instrumentos objetivos para que isso ocorra.
É lembrar que a derrotabilidade normativa encontra amparo em mecanismos
legais já existentes, além de exigir sempre, por parte do julgador, que sejam
respeitados critérios de coerência, razoabilidade e fundamentação, de modo a
permitir que a estabilidade das relações jurídicas não se perca.
Destarte, a discussão sobre a teoria da derrotabilidade normativa faz-se
necessária no âmbito nacional, para que possamos cada vez mais inseri-la no
cotidiano forense, possibilitando, assim, a existência de decisões mais próximas a
necessidade do jurisdicionado.
34
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