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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CAROLINE MANOEL DE AZEVEDO O SUICÍDIO E OS CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

CAROLINE MANOEL DE AZEVEDO

O SUICÍDIO E OS CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA

CURITIBA

2014

CAROLINE MANOEL DE AZEVEDO

O SUICÍDIO E OS CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profa. Doutora Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann

CURITIBA

2014

TERMO DE APROVAÇÃO

CAROLINE MANOEL DE AZEVEDO

O SUICÍDIO E OS CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção de título de Bacharel no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ______ de _________________de 2014.

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

__________________________________________________

Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias

__________________________________________________

Orientadora: Profa. Doutora Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann

__________________________________________________

Prof.

__________________________________________________

Prof.

RESUMO

Trata da questão sobre o pagamento de capital de seguro de vida em hipótese de suicídio. Perante a divergência do tema, analisa o embasamento jurídico diante da liberdade de contratar do indivíduo e as negativas de pagamento por parte das seguradoras. A matéria já foi sumulada pelos tribunais brasileiros, mas mostra-se complexa diante da obrigação da seguradora em provar a premeditação, sob pena de gerar o dever de adimplemento. Exibe-se, através de uma Revisão Bibliográfica, conceitos sobre a teoria dos contratos, os dados publicados sobre suicídio e os impactos sob a ótica jurídica, observando publicações sobre o tema abordado em sites, assim como jurisprudências. A pesquisa possibilitou concluir que o atual posicionamento da jurisprudência pátria tende a decidir em prol do beneficiário, parte vulnerável na relação contratual, uma vez que a prova de premeditação exigida da seguradora é de difícil obtenção e a boa-fé do segurado sempre será presumida. Não obstante, por razão das circunstâncias, o suicídio pode ser considerado como estado de inconsciência, assim configurando morte involuntária, resultando no dever de pagamento do capital ao beneficiário. Palavras chave: Seguro de vida. Suicídio. Pacto contratual. Ônus da prova. Premeditação.

“O verdadeiro conhecimento vem de dentro”.

Sócrates

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pela vida e pelo despertar da fé em Santo Antônio de Pádua,

fonte inesgotável de força nos momentos mais difíceis da caminhada.

Ao meu marido Anderson, amor da minha vida, razão de todas as lutas, ser humano

ímpar, que esteve sempre ao meu lado com quem divido todas as minhas

conquistas.

A minha professora orientadora Doutora Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann

pelo exemplo de pessoa dedicada, pelo auxílio e apoio que me prestou e por me

fazer acreditar que tudo isso valerá a pena.

A minha família e aos meus amigos por ser motivo de sempre seguir em frente, em

especial a minha mãe a quem devo cada segundo da vida.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 7

2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS .............................................................................. 9

2.1 CONCEITOS E PRINCÍPIOS ........................................................................................... 9

3 O CONTRATO DE SEGURO......................................................................................... 14

3.1 A REGULAMENTAÇÃO DAS SEGURADORAS ............................................................ 17

4 O CONTRATO DE SEGURO DE VIDA ......................................................................... 19

4.1 O SEGURO DE VIDA À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ............... 20

5 O SUICÍDIO E SUA LEITURA NO DIREITO BRASILEIRO ........................................... 24

5.1 O SUICÍDIO E OS CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA ............................................. 26

5.2 ÔNUS DA PROVA DA PREMEDITAÇÃO DO SUICÍDIO ............................................... 29

5.3 A NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE VEDA O PAGAMENTO DO

CAPITAL NA HIPÓTESE DE SUICÍDIO .............................................................................. 31

6 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 34

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 35

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda a questão do suicídio do segurado e o

pagamento de capital advindo de contrato de seguro de vida. A matéria em questão

já sumulada gera ainda controvérsia diante da obrigação das seguradoras de

comprovar a premeditação do ato atentatório frente o direito de contratar do

segurado que, em primeira análise, tendo em vista a boa-fé e a lealdade contratual,

deve ter a obrigação satisfeita.

A grande problemática se apresenta na questão da premeditação do

contrato de seguro visando um futuro suicídio. Uma vez que, juridicamente se

imponha ao segurador o dever de pagar o capital em caso de não premeditação,

percebe-se a linha tênue que envolve o ônus probatório e a boa-fé presumida do

segurado. Destaca-se a dificuldade em definir se o segurado agiu com a intenção de

beneficiar terceiro ou se passava por desequilíbrio emocional e mental, ou até,

inconsciência, a ponto do fato ser considerado como morte acidental.

Partindo da premissa de que o contrato de seguro de vida é baseado na

imprevisibilidade, se estudará qual tem sido a posição adotada pelo Direito para

pacificar a questão de forma a não incentivar este grave ato e ao mesmo tempo

garantir a segurança jurídica do contratante de seguro, o qual diante de

adversidades que o levem ao suicídio tenha a obrigação contratual satisfeita.

Com o objetivo de cumprir o que foi exposto acima, o presente trabalho trará

conceitos de Direito Civil no tocante a Teoria Geral dos Contratos, sobre Direito do

Consumidor, sobre o suicídio e desequilíbrios emocionais e posicionamentos

jurisprudenciais sobre a matéria.

O trabalho encontra-se estruturado em introdução, cinco capítulos e

conclusão. No primeiro capítulo, apresentamos a introdução. No segundo, a Teoria

Geral dos Contratos e um breve histórico da sua evolução, explanando a respeito

dos princípios inerentes aos contratos.

No terceiro capítulo, trataremos sobre o contrato de seguro, suas

características e especificidades, assim como das empresas seguradoras. O quarto

capítulo será dedicado à reflexão sobre o contrato de seguro de vida, a formação da

relação jurídica como se apresenta nos dias de hoje e sua análise à luz do Código

de Defesa do Consumidor.

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No quinto capítulo, abordaremos o suicídio, seus conceitos, fazendo ligação

entre o evento e as implicações jurídicas relacionadas ao contrato de seguro de

vida, incluindo as súmulas já existentes dos tribunais superiores assim como

trataremos do ônus probatório por parte da seguradora e a nulidade da cláusula que

veda o pagamento de capital em caso de suicídio.

Por fim, no sexto capítulo, elencaremos a conclusão do trabalho e as

percepções sobre o tema.

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2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

2.1 CONCEITOS E PRINCÍPIOS

Ao abordar um ponto relacionado a contratos é necessário mencionar os

conceitos principais do tema.

Desde os primórdios o ser humano procura atingir seus propósitos e

objetivos de vida, sendo na incessante busca pela sobrevivência, seja almejando

condições melhores para si e sua família. A inteligência e a evolução tecnológica

propiciaram conquistas que aperfeiçoaram a vida em sociedade.

Avançando a sociedade o modo de viver se adapta e em seu percalço segue

o Direito buscando delinear as relações sociais.

Diz Siviero (2008, p.1):

O ponto de partida do direto é a sociedade. É a partir dela que tudo é organizado, que se produzem normas jurídicas. O produtor das normas tem como limite a vontade e o respeito da complexidade social. Organização pressupõe coexistência de sujeitos diferentes. Ela procura o bem de todos os indivíduos envolvidos através do controle social.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, conhecida como a

constituição cidadã, houve grande valoração do princípio da dignidade humana, de

forma que nos contratos entabulados se leve em conta não apenas os objetivos

comerciais, mas também o respeito mútuo entre as partes contratantes.

Vale ressaltar, principalmente, o artigo 1º, incisos III e IV da Carta Magna,

que traz: “a República Federativa do Brasil, [...] constitui-se em Estado Democrático

de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; IV – os

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

A Constituição Federal elevou os direitos fundamentais a status de cláusula

pétrea, dando a eles posição central no ordenamento jurídico. É o que se extrai do

apontado por Lora (2008), como definição do princípio da dignidade humana:

É apontado como elemento fundante, informador e unificador dos direitos fundamentais e uma das bases do Estado de Direito Democrático, conforme previsto no inciso III, artigo 1º da Constituição Federal, servindo também como elemento orientador do processo de interpretação, integração e aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais.

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O Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002, em seu artigo 421

diploma que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da

função social do contrato”.

As consequentes evoluções sociais foram se refletindo na seara contratual

de tal forma que “a positivação da função social dos contratos é, talvez, a questão

mais importante e mais nebulosa em matéria contratual trazida pelo Código de

2002”. (SANTIAGO, 2006, p.21)

Nesta vertente, cabe ressaltar o caminho histórico elaborado por Santiago

(2006, p.42):

Com o desenvolvimento do sistema capitalista, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, pregados fervorosamente na Revolução Francesa, mostraram-se ineficientes para a proteção dos indivíduos. O desequilíbrio e a desigualdade econômico-social entre as pessoas tornaram-se evidentes, provocando injustiças e insatisfações por parte dos segmentos menos abastados. [...] A rapidez na celebração dos contratos, exigida pela economia de consumo, e a necessidade de criar negócios homogêneos a serem celebrados com grande número de pessoas fazem com que não haja tempo para uma discussão detalhada das cláusulas contratuais, e consequentemente a parte mais forte no negócio acaba por impor à outra parte as condições consideradas essenciais para a contratação. Isso gera a padronização das cláusulas contratuais.

Desta forma, pode-se entender que deste cenário sobrevieram diversas

normativas com o intuito de regular as relações contratuais com a preocupação

inclusive, de proteger a parte hipossuficiente do contrato, tentando minimizar a

desigualdade jurídica. Surge, assim, o regime contratual atual cerceado de princípios

que norteiam as relações jurídicas.

A função social do contrato visa abarcar as relações entre as partes,

impondo-se a lealdade do negócio, e ainda em face da coletividade, considerando o

impacto do contrato na sociedade em que fora celebrado. Pode-se entender que o

grande objetivo da função social do contrato seja coibir qualquer abuso de direito

além de limitar as cláusulas de forma a criar um equilíbrio contratual que beneficie

os dois polos da relação.

As obrigações assumidas em um contrato têm o objetivo de satisfazer

interesses contrapostos que estarão em consonância com a autonomia da vontade,

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mas não podem esses interesses ferir o fundamento constitucional da dignidade da

pessoa humana.

Nessa linha, as palavras de Tartuce (2005 apud ROSENVALD, 2005, p.

204):

Não se pode esquecer que o contrato é importante fonte obrigacional. Nesse sentido, Nelson Rosenvald, um dos mais brilhantes juristas da nova geração sintetiza muito bem como deve ser encarada a obrigação atualmente: “A obrigação deve ser vista como uma relação complexa, formada por um conjunto de direitos, obrigações e situações jurídicas, compreendendo uma série de deveres de prestação, direitos formativos e outras situações jurídicas. A obrigação é tida como um processo – uma série de atos relacionados entre si -, que desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do interesse na prestação. Hodiernamente, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Para além da perspectiva tradicional de subordinação do devedor ao credor existe o bem comum da relação obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos da personalidade e da dignidade do credor e devedor”.

Se contrato é uma convenção entre pelo menos duas partes visando

constituir, modificar ou extinguir direitos, estando suas obrigações impostas no

instrumento, limitadas aos fundamentos constitucionais, é dado às partes a

possibilidade de buscar na lei os efeitos desejados para a efetiva satisfação dos

envolvidos.

Dentre os princípios que permeiam o contrato estão: a autonomia da

vontade, a força obrigatória do contrato, a função social, a boa-fé, o equilíbrio

contratual e a relatividade contratual.

Segundo Dias (2014, p.492), em se tratando da autonomia da vontade “as

partes são livres para contratar podendo, dentro da lei, estabelecer o que melhor lhe

aprouver. Esta liberdade abrange o contratar, o com quem contratar e o que e como

contratar”. Desta forma, podemos entender que a autonomia da vontade confere aos

contratantes a livre disposição quanto aos limites e consequências advindas do ato,

desde que respeitando os ditames da Lei Maior.

Quanto à força obrigatória do contrato, ou força vinculante, elenca o autor

que “este princípio está diretamente ligado ao da autonomia, visto que, para

possibilitar que as partes exerçam com plenitude sua liberdade de contratar, é

necessário que haja respeito à relações estabelecidas, com o devido cumprimento

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das avenças”. Assim, se já se delineou o objeto e as limitações do acordo, só resta

cumprir as obrigações impostas por ele.

Vindo reforçar o que já se definiu anteriormente como a função social, este

princípio nas ideias do autor é:

Um dos novos princípios que passaram a plasmar a relação contratual partir da segunda metade do século XX. Este princípio determina que o contrato passe a importar para toda a sociedade, de modo que os terceiros passam a influenciar e ser influenciados pela existência do contrato. (DIAS, 2014, p.494).

Através dos conceitos sobre a função social do contrato, pode-se extrair que

ela se dá em dois níveis: Intrínseco, que abarca as relações entre os contratantes, e

em nível extrínseco, onde o contrato é visto levando em conta a sociedade em que

as partes estão inseridas.

Em se tratando da boa-fé, este princípio deve ser encarado como norma

geral, uma vez que impõe aos contratantes a observação da honestidade, do

cuidado, da lealdade, da informação e do agir com ânimo de cumprir com todas as

obrigações avençadas.

Se a função social do contrato diz respeito ao impacto social causado pelo

que foi pactuado entre as partes, a boa-fé vincula os contratantes de modo a manter

a clareza e a informação relativamente ao objeto contratual, estabelecendo entre

eles o equilíbrio de condições que possa resultar no completo adimplemento da

obrigação assumida.

A boa-fé já estava presente no artigo 85, do Código Civil de 1916, vejamos a

literalidade do artigo: “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nela

consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Há duas espécies de boa-fé: a objetiva e a subjetiva.

A objetiva é encarada como norma jurídica, cláusula geral comum no

universo dos contratos. É como uma característica inerte ao contrato, de onde se

supõem que as obrigações sejam assumidas como foi pactuado. É a justa

expectativa do contratante, dever jurídico principal dos polos do negócio.

Já a boa-fé subjetiva refere-se diretamente ao comportamento do indivíduo,

vinculada a não consciência da ilicitude da conduta, ao agir acredita estar

procedendo de forma correta. Comum do Direito de Família, no Direito das Coisas e

no Direito das Sucessões. Essa boa-fé é apenas um estado de ânimo.

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Em que pese o equilíbrio contratual é definido por Dias (2014, p.495) como:

Também denominado de Justiça Contratual, determina que não pode haver desequilíbrio na estrutura econômica contratual fora da previsão das partes. Assim, se fatos futuros, supervenientes, determinam uma modificação do equilíbrio econômico do contrato, em que, por exemplo, uma parte está pagando mais do que está recebendo (e não se trata de um contrato aleatório), é necessário (re) equalizar a avença, dando aos envolvidos direito de permanecer no acordado, com a justiça reestabelecida.

Em se referindo à relatividade contratual, ainda nas palavras do autor (DIAS,

2014, p. 493), “O contrato vincula unicamente as partes nele envolvidas, não

havendo em se falar de efeitos erga omnes. Assim, o credor só pode exigir o

cumprimento do devedor”.

Este princípio apresenta algumas especificidades, senão vejamos:

A) Estipulação em favor de terceiro (artigo 436 do Código Civil): A

estipulação em favor de terceiro é relação entre o estipulante e o promitente em

favor do beneficiário. Este somente passará a estar vinculado ao contrato quando

aceitar a avença em sua integridade.

B) Promessa por fato de terceiro (artigo 439 do Código Civil): é o

compromisso do promitente em obter a anuência de um terceiro para a realização de

determinado fato. O promitente deverá obter a vinculação do terceiro e, uma vez

conseguido isto, terá adimplido sua parte na avença, sendo assim, uma obrigação

de resultado.

C) Contrato com pessoa a declarar (artigo 467 do Código Civil): em um

contrato desta natureza a parte estabelece a faculdade de se fazer substituir por

outra pessoa.

Assim, tendo elencado e definido as bases principiológicas que rodeiam a

atividade contratual, poderemos passar a tratar especificamente do contratado de

seguro, foco norteador deste trabalho.

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3 O CONTRATO DE SEGURO

O renomado doutrinador Silvio de Salvo Venosa (VENOSA, 2008 apud

ALVIM, 1983:7) aborda com especialidade a origem do seguro, senão vejamos:

O seguro surge inicialmente no direito marítimo na Idade Média. Embora possuísse institutos próximos, a Antiguidade não conheceu esse contrato. Em princípio, quando ainda era pequena a atividade comercial, surgiram as sociedades de contribuição mútua entre os navegantes, semelhantes às de beneficência. Quando algum proprietário de navio sofria prejuízo ou perda, outros integrantes do grupo o socorriam com contribuições para a aquisição de outros bens. (Alvim, 1983:7). Em sua fase inicial, o seguro cobria os navios e as respectivas cargas. A insegurança das viagens aguçou o espírito dos negociantes a especular sobre o risco. O contrato de seguro com os contornos atuais foi surgindo paulatinamente, em decorrência das necessidades sociais, como sói acontecer com os institutos de origem mercantil. Sua ampla difusão partiu da Inglaterra no século XVII, tendo sua adoção se generalizado a partir do século XIX, então também acolhido pelo nosso Código Comercial.

Nosso Código Civil em seu Titulo VI, elenca e delineia as várias espécies de

contratos. Abordaremos em especial o que é elencado no capítulo XV, artigos 757 e

seguintes, sobre os contratos de seguro.

Na própria definição legislativa pode-se extrair a definição da obrigação nos

contratos de seguro, qual seja: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga,

mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo

à pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".

Nos contratos de seguro, o contratante tem o objetivo de, diante de um

evento futuro e danoso do qual não deu causa, ter seu bem ressarcido. Os riscos

inerentes da vida em sociedade oferecem perigo de perda patrimonial, por esta

razão o contratante de seguro quer se antever aos acontecimentos, assegurando-se

das possíveis perdas.

Os riscos estão ligados ao desenvolvimento da sociedade, pois com o

avanço tecnológico e científico se tornou possível a previsão de alguns riscos. Como

exemplo, podemos destacar as estatísticas de risco levantadas pelas seguradoras,

estudos estes que baseiam o mercado securitário ao estipular seus preços.

Nas lições de Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2010, p.487): “Há duas

grandes espécies de seguro, de acordo com a natureza do interesse segurado: o de

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dano (também chamado “ramo elementares”) e o de pessoas (“vida ou acidentes

pessoais com morte”)”.

Reafirmando essa definição, Fran Martins (MARTINS, 1984, p.415, 416) diz

que o seguro de dano visa amparar o risco decorrente de evento incerto e o de vida

diz respeito a uma indenização paga ao beneficiário diante da morte do segurado.

Diz Martins (1984, p.416): “Podem, ainda, os seguros de vida ser individuais

ou coletivos, também chamados este seguros de grupo”. Estes últimos, “são os em

que várias pessoas, pertencentes a uma associação, por exemplo, são seguradas

em uma mesma apólice, cada uma concorrendo com certa importância [...]”.

No tocante às características, o contrato de seguro é bilateral, oneroso,

aleatório, consensual e de adesão.

O contrato de seguro é bilateral visto que ambas as partes devem cumprir

obrigações. É o que ensina Alvim (1986, p.120):

À luz desses princípios que norteiam os contratos bilaterais, no direito comum, deve-se entender o contrato de seguro. Ambas as partes assumem obrigações recíprocas. O segurado, de pagar o prêmio, não agravar o risco do contrato, abster-se de tudo que possa ser contrário aos termos do estipulado e cumprir as demais obrigações convencionadas. O segurador, de efetuar o pagamento da indenização ou da soma prevista no seguro de pessoa. Sendo as obrigações principais e correlativas, o inadimplemento por um dos contratantes rompe o equilíbrio do contrato.

O contrato de seguro é oneroso uma vez que as partes têm como objetivo

vantagens patrimoniais. O segurado busca garantir-se em uma futura perda por

ocasião de sinistro que lhe afete o bem objeto do contrato e o segurador, o prêmio

que recebe para que possa garantir a cobertura avençada.

Em se tratando da aleatoriedade dos contratos de seguro, nas palavras de

Alvim (1986, p.123):

O seguro é tipicamente um contrato aleatório. Gira em torno do risco, acontecimento futuro e incerto cujas consequências econômicas o segurado transfere ao segurador, mediante o pagamento do prêmio. Se o evento previsto ocorre, uma soma bem maior que o prêmio será paga ao segurado; em compensação, reterá o segurador a quantia recebida, se o fato não se verificar. Não há equivalência nas obrigações, por força da natureza aleatória do contrato. O segurado perde ou ganha, mas o segurador escapa a essa condição, não em relação a um contrato isolado, mas no conjunto dos contratos celebrados, compensando os lucros e perdas de cada um. Eis por que o seguro é um negócio de massa. Sua estabilidade cresce na razão direta do volume da carteira.

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Devemos destacar a discordância do autor Fábio Ulhoa Coelho (COELHO,

2010, p.492) no que tange a aleatoriedade do contrato de seguro. Segundo ele,

após o advento do Código Civil de 2002 não se pode mais afirmar que o contrato de

seguro envolva uma álea:

Isto porque a lei não define mais a obrigação de a seguradora pagar ao segurado (ou a terceiro beneficiário) uma determinada prestação, caso venha a ocorrer evento danoso futuro e incerto. Este pagamento é, na verdade, um dos aspectos da obrigação que a seguradora contrai ao contratar o seguro: a de garantir o segurado contra riscos.

A definição de consensual se dá pelo fato de depender do acordo das

vontades contratantes e sendo esse consentimento o que basta para a formação do

negócio jurídico em questão. Contudo, é preciso reduzir a termo o contrato de

seguro, e perfectibilizar o avençado na apólice de seguro.

Neste sentido: “Com efeito, favorece a essa conclusão o fato de não ficar o

segurador vinculado à simples emissão da apólice. É necessário remetê-la ao

segurado, [...]. É pela remessa que se manifesta a vontade do segurador”. (ALVIM,

1986, p.128)

Em relação à apólice, preleciona Martins (1984, p.418):

A apólice é o documento mais importante do contrato de seguro, porque é o instrumento da constituição do mesmo. Deverá conter todos os requisitos necessários para a caracterização da sociedade segurada e mais os dados constantes da proposta sobre o interesse segurado, montante da indenização, beneficiário, prazo de vigência do contrato. Sobre esse, deve a apólice minuciosamente especificar o dia, mês e ano em que se inicia e encerra a cobertura dos riscos. Deve a apólice, igualmente, fixar o valor do prêmio.

Se por um lado ao contrato consensual basta o acordo de vontades, no

contrato de seguro, além da mútua convergência de interesses, necessário se faz

solenizar o objeto em apólice que deverá estar em poder também do contratante.

Já nos referimos anteriormente à autonomia da vontade remetendo-nos

inclusive ao equilíbrio contratual, onde o contrato possa espelhar um verdadeiro

acordo que satisfaça ambas as partes. Mas a realidade econômica e dinâmica do

mercado securitário não permite que se discutam todas as cláusulas que figurarão

como norma nesse tipo de negócio, e neste ponto, surge o contrato de adesão.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor traz a definição do contrato

de adesão como sendo o que tem suas cláusulas estabelecidas unilateralmente pelo

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fornecedor de produtos ou serviços, não havendo a possibilidade do consumidor

modifica-las. Trataremos da abordagem do contrato de seguro à luz do Código de

Defesa do Consumidor em capítulo posterior.

Assim, “O contrato de seguro está incluído entre os contratos de adesão.

Realmente, o segurado não participa da elaboração de suas condições gerais.

Foram elas preparadas pelo segurador, tendo em vista a experiência de cada ramo”.

(ALVIM, 1986, p.134).

3.1 A REGULAMENTAÇÃO DAS SEGURADORAS

Antes de adentrar no mérito da regulamentação das companhias

seguradoras no direito pátrio, Cláudia Lima Marques (2002, p.394 apud ALVIM,

1999, p.50) faz referência interessante sobre a primeira seguradora do Brasil:

“Segundo noticia Alvim, p.50, a primeira seguradora implantada no Brasil, em 1808,

chamava-se justamente Boa-fé”.

O comentário acima fará todo sentido, curioso inclusive, quando

adentrarmos no cerne do trabalho, que gira exatamente torno da presunção da boa-

fé do contratante de seguro de vida.

Traz o Código Civil, no parágrafo único do artigo 757: “Somente pode ser

parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente

autorizada”. Assim vamos abordar a legislação brasileira, positivada pelo Decreto-lei

Nº. 73, de 21 de novembro de 1966, que define como operações de seguro privado

os seguros de coisas, pessoas, bens, responsabilidades, obrigações, direitos e

garantias.

O referido decreto positiva que poderão operar em seguros privados apenas

Sociedades Anônimas ou Cooperativas, que devem ser nominativas, devidamente

autorizadas por Portaria do Ministro da Indústria e do Comércio, ficando proibido que

explorem qualquer outro ramo de atividade.

Através desse decreto foi criado o atual Conselho Nacional de Seguros

Privados (CNSP), que têm entre outras atribuições a de fixar diretrizes e normas da

política de seguros privados, e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP),

pessoa jurídica de direito público, voltada à promoção da política definida pelo

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CNSP, jurisdicionada ao Ministério de Indústria e Comércio, autarquia federal que

goza de autonomia administrativa e financeira. “Ela tem competência para fiscalizar

todas as seguradoras, exceto as especializadas em seguro saúde, que se

encontram sob o controle de outra autarquia, a ANS (Agência Nacional de Saúde)”.

(COELHO, 2010, p.488).

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4 O CONTRATO DE SEGURO DE VIDA

No seguro de vida o objetivo é garantir aos herdeiros ou beneficiário valores

futuros em razão da morte do segurado. No de acidentes pessoais, é garantir

indenização em dinheiro em caso de invalidez, total ou parcial, temporária ou

permanente.

Para Fábio Ulhoa Coelho, o que a seguradora deve ao segurado não se

pode chamar de indenização, visto que a vida não tem preço. O referido autor

chama de “adimplemento de obrigação pecuniária decorrente de contrato de

garantia contra riscos. Por essa razão, o valor devido por contrato pela seguradora

não é chamado na lei, de indenização – como no caso de seguro de dano -, mas sim

de capital”. (COELHO, 2010, p.497).

O artigo 789 do Código Civil nos traz que nesta modalidade de seguro, o

capital segurado não tem limitação, podendo ser atribuído de forma livre pelo

proponente quanto ao valor e quanto ao número de seguros sobre o mesmo

interesse. Assim, “[...] o beneficiário poderá, uma vez ocorrida a morte ou sobrevida

daquele, reclamar o pagamento de todas as seguradoras”. (COELHO, 2010, p.497)

No seguro de pessoa é permitido contratar seguro de vida de outra pessoa,

visto o que elenca o artigo 790 do diploma já citado: ”No seguro sobre a vida de

outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse

pela preservação da vida do segurado”.

O parágrafo único do mesmo artigo ainda especifica que se presume o

interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do

proponente.

O Enunciado 186, III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal

positivou ainda a inclusão do companheiro no rol das pessoas tratadas no artigo 790

do Código Civil: “O companheiro deve ser considerado implicitamente incluído no rol

das pessoas tratadas no artigo 790, parágrafo único, por possuir interesse legítimo

no seguro de pessoa do outro companheiro”.

O beneficiário do seguro de vida deve ser indicado expressamente na

apólice, ou, elenca o artigo 792, que na falta da indicação o capital segurado deverá

ser destinado metade ao cônjuge não separado judicialmente e a outra metade aos

herdeiros, respeitando a ordem de vocação hereditária.

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A norma é complementada com o disposto no parágrafo único: “Na falta das

pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do

segurado os privou dos meios necessários à subsistência”.

No tocante ao tema sucessório, segue importante observação de Coelho

(2010, p.498):

O recebimento pelo beneficiário do capital devido pela seguradora, quando falece o segurado, não tem natureza de sucessão. É o próprio beneficiário o titular do direito de crédito de modo que não incide sobre a importância paga qualquer tributo de transmissão causa mortis. Por esta razão, os credores do falecido não podem executar os seus créditos sobre a mesma importância (CC, art. 794). É claro que, morrendo o próprio beneficiário, após ter-se tornado titular do crédito perante a seguradora, os herdeiros ou legatários daquele sucedem-no na importância contratada, hipótese em que o seu pagamento deve ser considerado herança ou legado.

Em sendo um contrato oneroso, incumbe-se ao segurado a obrigação de

pagar o prêmio à seguradora, acarretando a inadimplência na resolução do contrato.

O prêmio ainda pode ser estipulado por certo tempo, ou conveniado por toda

a vida do segurado. É a norma explícita do artigo 796 do Código Civil.

No seguro de pessoas, é lícito que se estipule um prazo de carência a partir

do qual se passará a contar o início da garantia. O artigo 797 declara que: “No

seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência,

durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro”.

Nas palavras de Martins (1984, p.422): “Sinistro é a ocorrência do dano

previsto no contrato, acarretando a obrigação da seguradora de fazer a indenização

prometida. É a verificação do acontecimento incerto que constitui o risco [...]”.

Assim, ocorrendo o sinistro, nasce o dever da contra prestação por parte da

empresa seguradora.

4.1 O SEGURO DE VIDA À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/90, foi criado por força do

advento da Constituição Federal, que traz a normativa, em seu artigo 5º inciso

XXXII, “O Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor” e do elencado

no Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, no artigo 48, “O

21

Congresso Nacional, dentro de 120 dias da promulgação da Constituição, elaborará

código de defesa do consumidor”.

É uma legislação protetiva que visa o equilíbrio entre consumidor e

fornecedor, este primeiro considerado vulnerável diante da para com o segundo.

Neste sentido, Cláudia Lima Marques (MARQUES, 2011, p.323, 324) a

vulnerabilidade técnica decorre da disparidade de conhecimento sobre o bem em

questão, não tem este domínio técnico sobre o objeto de consumo. A vulnerabilidade

jurídica seria a diferença de capacidade de compreender os limites dos negócios

que contratam e de compreender quais são seus direitos e exigi-los. A

vulnerabilidade fática, ainda nas ideias da autora, é a debilidade econômica do

consumidor frente ao fornecedor. E por fim, a vulnerabilidade informacional tem

relação com o direito do consumidor em conhecer os riscos a que está sujeito,

principalmente no que tange as novas tecnologias.

Isto posto é necessário delimitar a aplicação da legislação que protege o

vulnerável exclusivamente aos consumidores de fato e não a todas as situações

onde envolva relação negocial sob pena de resultar em uma aplicação igualitária.

Nesta linha, observemos o relatado por Sollero Filho (2001, p. 215 apud

QUEIROZ, 2010):

Quando a utilização do produto ou serviço integra a atividade profissional ou os objetivos empresariais, não surge a figura do consumidor, ainda que materialmente seja este o destinatário final. Sinteticamente, o caracterizável como insumo exclui a ideia de consumo, tal qual prevista no CDC. Exemplificativamente, o combustível adquirido por uma transportadora e usado nos seus veículos é insumo, sem configurar ato de consumo, na forma preconizada pelo Código.

O artigo 2º da legislação consumerista traz que “Consumidor é toda pessoa

física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

No tocante ao conceito de consumidor, há três correntes que procura

delimitar este como destinatário final: A corrente finalista, a maximalista e a finalista

aprofundada.

De acordo com Marques (2002, p.253), “Para os finalistas, pioneiros do

consumerismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial,

agora concedida aos consumidores”.

22

Desta forma o consumidor final, segundo essa corrente, é o destinatário

fático e econômico do bem ou serviço, sendo necessário não adquiri-lo para uma

possível revenda.

Já no tocante a corrente maximalista, “O CDC seria um Código geral sobre o

consumo [...], o qual institui normas e princípios para todos os agentes do mercado,

os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores”.

(MARQUES, 2002, p. 255).

Seria uma interpretação extensiva do artigo 2º. do CDC – “Consumidor é

toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final” – , de forma que as normas protetivas poderiam ser aplicadas a

um número grande de relações de consumo.

Em meio a essas duas correntes o Superior Tribunal de Justiça, atualmente

tem se posicionado de forma a combinar de certa forma os dois posicionamentos, é

o que se chama na doutrina de corrente finalista aprofunda ou mitigada. Onde se

adapta a interpretação de destinatário final levando em conta o caso concreto.

Este posicionamento foi fixado pelo STJ através do Recurso Especial

476428 de Santa Catarina, como se pode verificar:

Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. - Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. (STJ. Terceira Turma. REsp 476428 SC 2002/0145624-5. Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 19/04/2005).

Partindo para definição de fornecedor, pela imposição do artigo 3º. do

Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

23

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Já no tocante a definição de serviço, o parágrafo 2º. diz que “é qualquer

atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de

natureza bancária, financeira, de crédito e securitária [...]”.

Assim, nas palavras de Anna Finke (UNIVERSIDADE FEDERAL DO

PARANÁ, 2001, p. 21): “Como efeito desta aplicação, os contratos de seguro ficam

sujeitos a revisões pelo Poder Judiciário de modo a equiparar as prestações, sem

onerosidade excessiva para nenhuma das partes, principalmente para o segurado”.

Cláudia Lima Marques (2002. p.394) afirma que os contratos de seguro

foram causa de evolução jurisprudencial, mostrando a necessidade de um direito

contratual mais social, mais comprometido com a equidade e boa-fé e menos

influenciado pela autonomia da vontade.

A autora demonstra a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos

contratos de seguro com uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

A jurisprudência brasileira interpreta hoje os contratos de seguro à luz do Código de Defesa do Consumidor, como ensina a decisão do STJ: “Seguro – Competência – Ação de cobrança da indenização – Código de Defesa do Consumidor – O descumprimento da obrigação de indenizar é fato ilícito contratual e gera a responsabilidade civil do infrator. Ocorrendo na relação de consumo (serviços de seguros), pode a ação dela derivada ser proposta no foro de domicílio do autor, nos termos do art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor”. (STJ – Resp 193.327 – MT – 4ª. T. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 10.05.1999). (MARQUES, 2002, p. 397)

Mais uma vez, pode-se referir ao princípio maior da boa-fé objetiva, que

permeia todo o Código de Defesa do Consumidor, assim como a Teoria Geral dos

Contratos, devendo ser observada para que em especial, enfoque do presente

ensaio, nos contratos de seguro, seja estabelecida a igualdade material entres

polos, segurado e seguradora.

24

5 O SUICÍDIO E SUA LEITURA NO DIREITO BRASILEIRO

O suicídio, segundo Maria Fernanda Pacheco Vaz (UNIVERSIDADE

FEDERAL DO PARANÁ, 2001, p. 125), foi reputado como crime, tanto na

Antiguidade quanto no Medievo. Era tido como ato infame na Grécia, e em Roma, se

feito com o propósito de se livrar de alguma punição, se estabelecia a pena do

confisco. Ainda, “No Direito Canônico, o suicídio era comparado ao homicídio,

representando um crime e um pecado contra Deus”.

Em nosso ordenamento, o ato contra a própria vida não é considerado

crime, uma vez que o Direito Penal não pune a autolesão. Porém, o induzimento,

instigação ou auxílio ao suicídio é tipificado como crime contra a pessoa e está

elencado no artigo 122 do Código Penal.

Com relação a não tipificação do suicídio como crime, Maria Fernanda

Pacheco Vaz (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, 2001, p. 126):

“Modernamente o suicídio não é mais tido como crime, uma vez que não é possível

aplicar-se uma pena a um cadáver ou ameaçar com uma pena alguém que não

teme mais sequer a morte”.

Em estudos recentes (relatório publicado em 04 de setembro de 2014), a

Organização Mundial da Saúde, publicou um artigo chamado “Prevenindo o suicídio

– Um imperativo global”, que trouxe a aberrante conclusão de que uma pessoa se

suicida a cada 40 segundos no mundo. Isso mostra o suicídio como um grave

problema de saúde pública que merece atenção.

O site ONU BR (2014) – Nações Unidas no Brasil aduz que:

O documento, que demorou 10 anos para ser compilado e é o primeiro que aborda este tema, afirma que os métodos mais comuns de suicídio são ingestão de pesticidas, enforcamento e armas de fogo. Dados coletados em diversos países sugerem que a limitação no acesso a estes materiais podem ajudar na diminuição de mortes por suicídio. O relatório também diz que suicídios ocorrem em todas as faixas etárias, porém, globalmente, as taxas são mais altas entre pessoas com mais de 70 anos. Em alguns países, entretanto, esta taxa é mais alta entre os jovens, já que o suicídio é a segunda causa mundial de morte entre pessoas com idades entre 15 e 29 anos. Em geral, afirma o relatório, mais homens morrem por suicídio do que mulheres: nos países mais ricos, a taxa de homens que se suicidam é três vezes maior do que a das mulheres. Cerca de 75% dos suicídios ocorrem em países de renda baixa ou média.

25

Por essas conclusões e pela característica do Direito estar no percalço dos

acontecimentos da sociedade, este ensaio apresenta sua relevante discussão.

O suicídio não se mostra como um fator isolado, de mero enunciado, mas

como uma das principais causas de morte mundial.

Segundo o site Notícias UOL (NOTÍCIAS UOL, 2014):

Em termos absolutos, o Brasil é o oitavo país do mundo com maior número de casos de suicídio, mais de 11,8 mil em 2012. Mas, em proporção ao tamanho da população, a taxa é inferior à média mundial. O que preocupa os especialistas é que esse comportamento tem atingido número cada vez maior de pessoas. Em apenas dez anos, o número de suicídios aumentou no país em mais de 10%.

A liderança em termos de números absolutos é da Índia, com 258 mil casos por ano. A China vem em segundo lugar, com 120 mil. Na terceira posição estão os americanos, com 43 mil suicídios por ano, seguidos por Rússia, Japão, Coreia, Paquistão e Brasil.

Isaías Carvalho (CARVALHO, 2014 apud DURKHEIM, 1897), em site

onde apresenta resumos e resenhas de obras conhecidas, faz um paralelo entre o

suicídio e a obra de Émile Durkheim. Para Durkheim há três tipos de suicídio:

Suicídio egoísta. O egoísmo é um estado em que os laços entre o indivíduo e os outros na sociedade são fracos. Uma vez que o indivíduo está fracamente ligado à sociedade, terminar sua vida terá pouco impacto no resto da sociedade. Em outras palavras, existem poucos laços sociais para impedir que o indivíduo se mate. Esta foi a causa vista por Durkheim entre divorciados.

Suicídio altruísta. O altruísmo é o oposto do egoísmo, em que um indivíduo está extremamente ligado à sociedade, de forma que não tem vida própria. Indivíduos que cometem suicídio baseado no altruísmo morrem porque acreditam que sua morte pode trazer uma espécie de benefício para a sociedade. Em outras palavras, quando um indivíduo está tão fortemente ligado à sociedade, ele cometerá suicídio independentemente de sua própria hesitação se as normas da sociedade o levarem a tal.

Suicídio por anomia. A anomia é um estado em que existe uma fraca regulação social entre as normas da sociedade e o indivíduo, mais frequentemente trazidas por mudanças dramáticas nas circunstâncias econômicas e/ou sociais. Este tipo de suicídio acontece quando as normas sociais e leis que governam a sociedade não correspondem com os objetivos de vida do indivíduo. Uma vez que o indivíduo não se identifica com as normas da sociedade, o suicídio passa a ser uma alternativa de escape. Durkheim viu esta explicação para os suicidas protestantes.

Aqui nos interessa o suicídio não sob o enfoque da sociologia, mas por um

viés jurídico. Sendo encarado como um ato imoral reprovado pela sociedade, o fato

é que está presente em nosso meio, razão pela qual o Direito deve regular as

relações que se formem a partir dele.

26

5.1 O SUICÍDIO E OS CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA

Positivado pelo artigo 798 do Código Civil, não se obriga o pagamento do

capital estipulado ao beneficiário em caso de suicídio do segurado durante os dois

anos iniciais de vigência do contrato. Ainda, no parágrafo único traz que:

“Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a clausula contratual que exclui

o pagamento do capital por suicídio do segurado”.

Ainda que a legislação garanta o direito ao segurador de estipular prazos de

carência, não permite inserção de cláusula que exclua o dever de indenizar o

beneficiário de segurado suicida. Aqui nos parece uma limitação ao poder unilateral

do fornecedor ao estabelecer limites típicos de contrato de adesão.

De acordo com as lições de Coelho (2010, p.498):

O beneficiário de seguro de vida não terá direito ao recebimento do capital, se a morte é voluntária, tal como decorre de suicídio premeditado. O suicídio não premeditado não é causa excludente de recebimento do valor do seguro (Súmula 61 do STJ). Considera-se dessa categoria o suicídio cometido após os dois primeiros anos de vigência inicial do seguro ou de sua recondução depois de suspenso (CC, art. 798). Também não exonera a seguradora o falecimento ocorrido em razão da prática de esportes arriscados, exercício de atividade profissional perigosa, cirurgia, prestação de serviços militares, atos de humanidade em auxílio de outrem ou dos riscos maiores oferecidos por meio de transporte (CC, art. 799).

Este assunto, ponto central deste trabalho, não pode ser interpretado sem se

referir às súmulas 105 STF - “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do

segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento

do seguro” - e 61 STJ -“O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado”. Assim,

em evento ocorrido em prazo inferior a dois anos, é necessário que a seguradora

prove a má-fé ou premeditação do segurado.

Se a boa-fé contratual deve ser presumida, o contrário dela, ou seja, a má-fé

deve ser comprovada.

Em pesquisa jurisprudencial, o que se percebe é que na sua grande maioria

o Direito Brasileiro decide por pagar o capital ao beneficiário nesses casos. É o que

se pode verificar ao analisar as jurisprudências abaixo:

Decisão: Acordam os membros integrantes da nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer o recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do relator. Ementa: Apelação cível - seguro de vida em grupo - suicídio cometido durante o

27

prazo de carência previsto no artigo 798, do CC - negativa de cobertura que só se justifica na hipótese de suicídio premeditado - ônus da prova que incumbe à seguradora - má-fé não comprovada - seguro devido - recurso conhecido e não provido - no caso de suicídio cometido nos primeiros dois anos de vigência do contrato, para que a seguradora se exima do dever de indenizar, deverá comprovar que este foi premeditado, ou seja, que o segurado assim agiu, exclusivamente, para obter em favor de terceiro, o pagamento da indenização. [grifo nosso]. (TJPR. 9ª. Câmara Cível. Apelação Cível n.1078873-7. Relator: Francisco Luiz Macedo Junior, julgado em 13/03/2014).

Decisão: Acordam os desembargadores integrantes da oitava Câmara Cível, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Ementa: Apelação cível n° 1.036.370-1, da Comarca de Marechal Cândido Rondon - Vara Cível e anexos Apelante: HSBC Seguros (Brasil) S/A Apelada: Ana Brancher Fiss Relator: Des. J. J. Guimarães da Costa Apelação cível. Ação de Cobrança de seguro de vida. suicídio não premeditado no prazo de carência do contrato. Negativa de pagamento pela seguradora. Procedência do pedido inicial. Formal inconformismo. Afastamento da indenização. Impertinência. Evento de caráter acidentário. Indenização securitária devida. Plena nulidade da cláusula geral excludente da cobertura. Aplicabilidade das súmulas 61 do STJ e 105 do STF. Interpretação lógico - sistemática do artigo 798 do Código Civil à luz dos princípios da lealdade e da boa fé objetiva. Presunção de conduta involuntária. Necessidade de prova da premeditação. [grifo nosso]. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJPR. 8ª. Câmara Cível. Apelação Cível n.1036370-1. Relator: Guimarães da Costa, julgado em 13/03/2014).

O que se mostra é que em não conseguindo provar a premeditação, o

capital será devido, estando ou não dentro do período de carência de dois anos de

cobertura.

Felipe Peixoto Braga Netto (NETTO, 2012) traz excelentes elucidações

sobre o controvertido tema. Em suas palavras: “Cabe indagar, em análise jurídica, á

luz do direito brasileiro, acerca da obrigatoriedade da seguradora pagar o seguro de

vida à família, em caso de suicídio do segurado”. Afirma ele, como já demostrado

pelas colações jurisprudenciais acima, que o posicionamento sempre foi firme no

sentido de não eximir do pagamento a seguradora nos casos referidos, a não ser

que fosse provada a premeditação em obter vantagem ilícita.

Aduz ainda o citado autor que, a premeditação, neste contexto, refere-se ao

planejamento da contratação do seguro com finalidade de favorecer o beneficiário,

não com relação ao ato de suicídio. Dito isto, fica claro que não se pode falar em

comprovar a premeditação do ato atentatório, uma vez que sempre será

premeditado, e sim demonstrar a intenção de contratar seguro de vida a fim de

beneficiar terceiro pretendendo suicidar-se.

28

Ou seja, ficaria límpida a questão se comprovada a intenção de obter

vantagem de forma a burlar o real sentido do contrato de seguro, onde se buscaria

assegurar aos seus parentes, ou beneficiário indicado, uma condição de vida

melhor, caracterizando um enriquecimento ilícito.

Citando ainda Netto (2012 apud NANCY ANDRIGHI, 2011), este faz uma

análise sobre as súmulas dos tribunais superiores e a controvérsia que percebe

entre elas e o Código Civil:

O Código Civil, no entanto, em disposições infelizes, conturbou a questão – que era pacífica. [...] Escrevendo em 2008 (Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, p. 374), criticamos a orientação legal: "O artigo (797), no seu caput, é claro ao estabelecer um prazo dentro do qual a seguradora presumivelmente não responde – os dois primeiros anos da vigência inicial do contrato. Não é, seguramente, a melhor solução. Pode haver suicídio não premeditado dentro desse prazo (o segurado é acometido por depressão grave, ou o segurado perde ente querido e se desespera), o que evidencia o despropósito dessa presunção absoluta. Por outro lado, pode haver suicídio premeditado após os dois anos (o segurado, em graves dificuldades financeiras, faz vultoso seguro de vida, e planeja se matar três anos após firmar o contrato)". Concluíamos na ocasião: "A jurisprudência saberá interpretar com razoabilidade a norma. O desejável seria que se mantivesse a jurisprudência anterior – tanto do STF como do STJ –, no sentido de excluir a obrigação da reparação no caso de suicídio premeditado, imputando, no entanto, a prova de premeditação à seguradora". Felizmente, a jurisprudência se orientou no sentido que mencionamos. O STJ, em julgado publicado em 2011, conclui: "O planejamento do ato suicida, para fins de fraude contra o seguro, nunca poderá ser presumido. A boa-fé é sempre pressuposta, ao passo que a má-fé deve ser comprovada". Continua, de modo claríssimo: "A despeito da nova previsão legal, estabelecida pelo art. 798 do CC/02, as Súmulas 105/STF e 61/STJ permanecem aplicáveis às hipóteses nas quais o segurado comete suicídio". A Ministra Nancy Andrighi conclui: "A interpretação literal e absoluta da norma contida no art. 798 do CC/02 desconsidera importantes aspectos de ordem pública, entre os quais se incluem a necessidade de proteção do beneficiário de contrato de seguro de vida celebrado em conformidade aos princípios da boa-fé objetiva e lealdade contratual" (STJ, REsp 959.618, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3 T., DJ 20/06/11).

Assim, resta demonstrado que, mesmo sendo visto como controvertido o

texto que trata a matéria, o advento do Código Civil de 2002 não prejudicou a

aplicação das súmulas dos tribunais superiores, não restando alternativa às

seguradoras a não ser provar a má-fé do contratante de seguro em questão.

29

5.2 ÔNUS DA PROVA DA PREMEDITAÇÃO DO SUICÍDIO

O Código de Processo Civil, Capítulo VI - Das Provas, traz em seu artigo

333 que: “O ônus da prova incumbe: I. ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu

direito; II. ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do

direito do autor”.

Relacionando o disposto no artigo acima com o tema abordado, recai sobre

a seguradora o ônus da prova de contratação premeditada, uma vez que caracteriza

fato impeditivo do direito do segurado a intenção de obter vantagem para terceiro,

tendo em mente posterior suicídio.

Corroborando com essa vertente, as súmulas 105 STF - “Salvo se tiver

havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não

exime o segurador do pagamento do seguro” - e 61 STJ - “O seguro de vida cobre o

suicídio não premeditado”, evidencia-se a obrigação da seguradora fazer prova da

premeditação do segurado e de sua má-fé.

Além da norma civilista, por força da legislação consumerista aplicável ao

contrato de seguro – o que já se discutiu em capítulo apartado – sendo inerente ao

consumidor a vulnerabilidade, o ônus de provar a premeditação é da seguradora.

Vasco Della Giustina (GIUSTINA, 2011, p.6 apud PEREIRA, 2007, p.467)

citando Caio Mário da Silva Pereira faz importante e esclarecedora explanação com

relação ao prazo bienal estabelecido pelo artigo 798 da legislação civil:

Esta regra deve ser interpretada no sentido de que após dois anos da contratação do seguro presume-se que o suicídio não foi premeditado. Se o suicídio ocorrer menos de dois anos após a contratação do seguro, caberá à seguradora demonstrar que o segurado assim fez exclusivamente para obter em favor de terceiro o pagamento da indenização. Essa prova de premeditação é imprescindível, sob pena do segurador obter enriquecimento sem causa, diante das pesquisas da ciência no campo da medicina envolvendo a patologia da depressão. Essa tinha sido a solução sugerida por mim no Código das Obrigações, e adotada no Código de 2002”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. “Instituições de Direito Civil”. V. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 467.

O mesmo autor ainda elenca que a interpretação do artigo 798 do Código

Civil é a que tem sentido verdadeiramente humanitário, pois retira o critério

subjetivo, fixando lapso temporal, sendo eliminada a polêmica, pois após o prazo

bienal a indenização será devida, sendo ou não comprovada a sua premeditação.

Continua:

30

Assim, a lei facilitou o trabalho do intérprete e seu aplicador, pois, arredando a busca pelo elemento psíquico do suicida, aclarou matéria até então nebulosa. Ademais, a orientação objetiva, segundo se sublinhou, é a que mais preservaria a vida, coibindo, em vez de incentivando, o triste ato de dar cabo à própria vida, negando-se qualquer estímulo ao suicídio. (GIUSTINA, 2011, p.12)

Vê-se que o legislador de 2002, que já percebia o tema dentro de um

contexto onde decisões eram tomadas com base na matéria já sumulada, procurou

valer-se de um lapso temporal de forma a desencorajar que alguém se valesse de

contrato de seguro de vida de forma ilícita.

Em termos práticos, através de diversas jurisprudências pesquisadas, vê-se

que é grande a tendência de condenação da seguradora ao pagamento do capital

estipulado visto a dificuldade de comprovação da premeditação.

Segue abaixo um exemplo do afirmado:

Agravo Regimental no agravo em Recurso Especial. Seguros. Suicídio. Inaplicabilidade do artigo 798 do Código Civil. Ausência de má-fé na contratação. Premeditação não demonstrada. [grifo nosso]. Incidência da Súmula 83/STJ. Improvimento. 1- Nas hipóteses relativas aos contratos de seguro, a presunção de boa-fé deve prevalecer sobre a exegese literal do artigo 798 do Código civil. Incidência da súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça. 2- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3- Agravo regimental improvido. (STJ. 3ª. Turma. Agravo Regimental n.83.109/RS. Relator: Ministro Sidnei Beneti, julgado em 27/02/2012).

Se em linhas gerais a boa-fé é presumida, não há meios de se adentrar no

âmago do contratante, no momento da celebração do contrato, e obter a informação

de que exista intenção de suicídio deste. De outra banda, não se tem elementos

suficientes para se apurar existência de causa superveniente a contratação que leve

o segurado a dar cabo à sua vida, como por exemplo, uma desgraça pessoal ou

familiar.

De todo modo, a dicotomia das duas posições é angustiante. A seguradora

não teria elementos para comprovar a premeditação do contrato, ficando obrigada a

realizar o pagamento. E do ponto de vista da segurança contratual, o beneficiário

não pode deixar de receber o capital sob simples alegação de premeditação.

31

De encontro a essa controvérsia, as decisões jurídicas se apoiam nas

súmulas já editadas e na nulidade da cláusula que veda o pagamento de capital

diante do evento suicídio.

5.3 A NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE VEDA O PAGAMENTO DO

CAPITAL NA HIPÓTESE DE SUICÍDIO

Todo o núcleo do presente trabalho se localiza, principalmente, no artigo 798

do Código Civil, que traz, in verbis: “O beneficiário não tem direito ao capital

estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial

do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no

parágrafo único do artigo antecedente”.

Para completude da compreensão, o artigo 797 traz que no seguro de vida

para o caso de morte, é lícito estipular-se prazo de carência, e em seu parágrafo

único o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva

técnica já formada.

Isto posto é a regra do parágrafo único do artigo 798 que interessa

aprofundamento. A letra do referido parágrafo afirma que, ressalvada a hipótese do

caput do artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por

suicídio do segurado.

Em resumo, mesmo que se admita carência para pagamento do capital, por

dois anos, em caso de suicídio do segurado, não se admite inclusão de cláusula que

vede o adimplemento em caso de morte por suicídio.

Tendo já citado em capítulo próprio, o consumidor de prestação de serviço

de seguro está sob a égide protetiva do Código de Defesa do Consumidor e o seu

contrato deve observar todas as normativas que este ordenamento impõe.

Citando Anna Finke (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, 2001, p.22):

[...] O contrato de seguro é, e nisto não há dúvidas, um contrato sujeito à Cláusulas Gerais, muitas delas ditadas por leis ou regulamentos. Estas cláusulas, mesmo neste caso de disciplina legal, podem ser revistas e até invalidadas pelo Poder Judiciário. A invalidação da cláusula ocorre quando há abusividade na forma dos Artigos 53, 35 e 51 do CDC, que não conceituam, mas indicam certos casos de abuso e, com isso, deixam subsídios para que a jurisprudência fixe outros casos. A caracterização da cláusula abusiva se dá concomitantemente com a formação do contrato.

32

Não tendo correspondente no Código Civil de 1916, o artigo 798 do atual

diploma foi elaborado em época de vigência do CDC - Código de Defesa do

Consumidor. Pode-se entender a vedação da cláusula que exclui o pagamento do

capital por suicídio segurado baseada nos princípios norteadores do CDC.

Segundo Cláudia Lima Marques (MARQUES, 2001, p.800), o CDC trouxe

grande renovação a legislação civilista e a chamada de Teoria dos Contratos, visto

que decisões tomadas mesmo que não tendo por base a legislação consumerista,

são fruto do reequilíbrio e justiça contratual imposta pelos princípios do CDC.

Para a mesma, as normas do CDC são de ordem pública e constitucional,

sendo expressamente proibidos abusos contratuais.

Explica a autora: “O legislador brasileiro preferiu instituir a proteção contra

cláusulas abusivas no CDC em apenas uma lista de cláusulas, sempre nulas,

prevendo, ou praticamente escondendo, a norma geral de proibição de cláusulas

contra a boa-fé [...]”.

Os tribunais referenciam a nulidade da cláusula que exclui o pagamento de

capital em caso de suicídio do segurado, vejamos:

Apelação cível. Ação de cobrança. Seguro de vida. Indenização das beneficiárias. Suicídio do segurado no prazo bienal de carência previsto na apólice e no código civil. Interpretação a „contrario sensu‟ do art. 798 do CC/2002. Presunção relativa de premeditação no biênio inicial à perfectibilização do contrato. Afastamento. Desobediência da seguradora ao art. 333, II do CPC. Responsabilidade da seguradora que se impõe. Cláusula contratual restritiva de direito abusiva. Incidência do art. 51 do código de defesa do consumidor. [grifo nosso]. Indenização devida nos termos da apólice. Súmulas 105 do STF e 61 do STJ não revogadas pelo CC/2002. Honorários advocatícios. Percentual mantido. Recurso conhecido e não provido. (TJPR. 9ª Câmara Cível. Apelação Cível N° 1039486-6. Relator: Des. D‟artagnan Serpa Sa, julgado em 11/12/2013).

O objetivo presumido do indivíduo que contrata seguro sobre sua vida é que,

em ocorrendo sua falta, as pessoas que dependam dele, ou o beneficiário que

indicar na apólice, esteja materialmente amparado. Ocorre que, por quaisquer

acontecimentos da vida, pode-se passar por momentos de desespero e tristeza que

por vezes podem perdurar de tal forma que resultem em momentos de

inconsciência.

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Pela incerteza inerente à própria existência do ser humano, permitir que se

insira em contrato cláusula que veda o pagamento de capital em caso de morte por

suicídio cerceia o direito de ter o objeto do contrato satisfeito, não obstante a prática

é considerada abusiva.

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6 CONCLUSÃO

O Direito tem o grande objetivo de estar no percalço dos acontecimentos da

vida em sociedade. Avança o modo de vida e as regulações necessitam transformar-

se no mesmo ritmo.

As vivências nos dias de hoje possibilitam uma grande rapidez de

informação, as tecnologias evoluíram de sobremaneira, e de todo este avanço não

se tira apenas consequências positivas. A depressão já é tida como a doença do

século e não raro desemboca em suicídio.

Na tentativa de minimizar perdas patrimoniais ou advindas da morte, os

seguros são a saída cada vez mais procurada pelas pessoas.

Dentro deste contexto, esse trabalho procurou analisar a controvérsia entre

o contrato de seguro de vida e a hipótese de suicídio.

Percebeu-se que, na vigência do Código Civil de 1916, ocorreram a edição

das súmulas já exaustivamente citadas (105 do STF e 61 do STJ) e a matéria

parecia estar pacificada. Porém, com o advento do Código Civil de 2002, levantou-

se a questão novamente, dando aso a diversas interpretações, principalmente ao

texto do artigo 798 do mesmo diploma.

Doutrinariamente, percebeu-se que a aplicação jurisprudencial não sofreu

mudanças, uma vez que perdura a necessidade de comprovação por parte da

seguradora que nega pagamento de capital ao beneficiário de segurado que se

suicida.

Em época de grande difusão do Direito Consumerista, parece não haver

mais espaço para qualquer outra discussão a não ser a de beneficiar o vulnerável da

relação, neste caso em específico, consumidor por equiparação, o beneficiário.

Não obstante, é preciso salientar a dificuldade em encontrar jurisprudências

que entoem no sentido contrário, fato que se acredita ocorrer pela dificuldade na

comprovação da premeditação por parte das seguradoras, uma vez que esse ato

está carregado de subjetividade.

O presente estudo teve o intuito de analisar a questão frente às aberrantes

estatísticas que demonstram o aumento crescente deste ato contra a própria vida.

Por hora seja suficiente apenas o estudo do impacto na área jurídica desse grande

problema que nos parece ser de saúde mundial.

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REFERÊNCIAS

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