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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Wlademir Roberto Vieira Jr. TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Wlademir Roberto Vieira Jr.

TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA

CURITIBA

2011

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TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA

CURITIBA

2011

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Wlademir Roberto Vieira Jr.

TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Rafael Lippmann

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Wlademir Roberto Vieira Jr.

“Tutela Antecipada de Evidência”

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2011.

________________________________________

Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ______________________________________________

Prof. Orientador Rafael Lippmann

Universidade Tuiuti do Paraná

_______________________________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

________________________________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

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DEDICATÓRIA

Dedico a presente monografia, em primeiro lugar, a Deus, pois sem Ele nada seria possível. Em seguida, estendo minhas homenagens a todos os amigos e familiares que sempre se fizeram presentes, em especial ao amigo Dr. Sigurd Roberto Bengtsson. Por fim, a dedico a uma pessoa muito especial que Deus colocou em minha vida, a minha amada esposa Ana Paula de Oliveira Vieira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os olhos sempre atentos e carinhosos que muito me ajudaram, sem os quais jamais teria conseguido, também ao Professor Rafael Lippmann, que me orientou brilhantemente no desenvolvimento deste trabalho.

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RESUMO A presente monografia tem por escopo abordar a tutela antecipada de evidência¸ insculpida no artigo 273 §6º do CPC, unificando e compendiando os entendimentos até aqui esparsos: relativamente à natureza jurídica do pronunciamento jurisdicional que a concede; sobre qual cognição se pauta o magistrado ao enfrentá-la; qual a estabilidade desse provimento; qual o recurso hábil a impugná-lo e, na ausência deste, perquirir se o pronunciamento judicial faz e qual a qualidade da coisa julgada, bem como analisar de que maneira se dá sua efetivação no plano material, isso tudo de modo a facilitar a intelecção do tema. Contudo, previamente à parte específica da presente, se abordará, na parte geral, os princípios e os institutos processuais com os quais a tutela antecipada de evidência está umbilicalmente ligada, bem como será feita uma digressão histórica entrelaçando a evolução da sociedade com a do Estado e do Direito. Palavras-chave: concessão da tutela antecipada de evidência; decisão interlocutória ou sentença; agravo ou apelação; coisa julgada material ou formal e, efetividade e tempestividade da prestação da tutela jurisdicional.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 09

1. NOÇÕES PRELIMINARES .................................................................................. 11

....1.1 Do Conflito de Interesses à Regulamentação pelo Direito das Relações

Jurídicas ................................................................................................................... 11

....1.2 Direito Material e Direito Processual .............................................................. 15

....1.3 Acesso à Justiça ............................................................................................. 17

........1.3.1 A Admissão ao Processo (ingresso em juízo) ......................................... 19

........1.3.2 O modo-de-ser-do-processo ................................................................... 22

........1.3.3 Justiça das Decisões ............................................................................... 23

........1.3.4 A Efetividade das Decisões ..................................................................... 24

....1.4 Dicotomia Entre Celeridade Processual e Segurança Jurídica ...................... 27

2 PRINCÍPIOS .......................................................................................................... 35

....2.1 Princípio Do Devido Processo Legal .............................................................. 36

....2.2 Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa ............................................. 39

....2.3 Princípios da Demanda e do Impulso Oficial ................................................. 41

....2.4 Princípio da Razoável Duração do Processo ................................................. 44

....2.5 Princípio da Igualdade .................................................................................... 47

3 INSTITUTOS PROCESSUAIS ATINENTES À TUTELA ANTECIPADA DE

EVIDÊNCIA .............................................................................................................. 50

....3.1 Ação ............................................................................................................... 50

....3.2 Tutela Jurisdicional ......................................................................................... 54

....3.3 Cumulação de Pedidos .................................................................................. 60

....3.4 Da Citação à Revelia e seus Efeitos .............................................................. 64

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4 TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA FRENTE AS DEMAIS TUTELAS

ANTECIPATÓRIAS .................................................................................................. 72

5 TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA .............................................................. 80

....5.1 Origem e Positivação da Tutela Antecipada de Evidência e seus Embates

Teóricos .................................................................................................................... 80

....5.2 Pressupostos à Concessão da Tutela Antecipada de Evidência ................... 88

....5.3 Hipóteses de Aplicabilidade da Tutela Antecipada de Evidência ................... 97

....5.4 A Tutela Antecipada de Evidência e as Características da Irreversibilidade e

Revogabilidade ....................................................................................................... 112

....5.5 Natureza Jurídica do Pronunciamento Jurisdicional que Enfrenta a Tutela

Antecipada de Evidência e seus Consectários ...................................................... 115

........5.5.1 Quanto a Sua Cognição ........................................................................ 116

........5.5.2 Quanto a Sua Estabilidade, Formação e Qualidade da Coisa Julgada 119

........5.5.3 Recurso Cabível .................................................................................... 124

........5.5.4 Efetivação da Tutela Antecipada de Evidência (Execução) .................. 136

6 COMPARAÇÃO ENTRE A ATUAL PREVISÃO E REGULAMENTAÇÃO DA

TUTELA EM ESTUDO COM O PROJETO DO NOVO CÓDIGO ........................... 141

....6.1 Especificidades da Tutela da Evidência ....................................................... 141

....6.2 Disposições Gerais ....................................................................................... 144

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 150

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem por tema a tutela antecipada de evidência¸

insculpida no artigo 273, parágrafo 6º do Código de Processo Civil.

Muito embora não seja o assunto em comento fruto de recentíssima alteração,

visto que data da segunda onda de reforma do atual processo civil, acrescido ao artigo

273 pela lei n. 10.444/2002, o mesmo, como se demonstrará nas páginas seguintes,

ainda parece não ter sido muito bem assimilado pelos aplicadores do direito.

Justamente compendiar os entendimentos até agora esparsos e unificá-los em

um só texto, de modo a facilitar a melhor intelecção e compreensão do instituto é o

escopo da presente e, é também com o que o leitor irá se deparar abaixo.

O estudo em confecção será percuciente quanto à evidência de fato do direito

do autor. Vale dizer, o que faz o pedido ou parcela dele tornar-se incontroverso, bem

como abordará a divergência doutrinária acerca da natureza jurídica da decisão que

concede a tutela antecipada de evidência e os efeitos dela decorrentes: tanto em

âmbito judicial, relativamente ao instrumento hábil e preciso a impugná-la e bem assim

quando da omissão ou da superação do inconformismo (trânsito em julgado), qual a

qualidade da coisa julgada desse pronunciamento e, por fim, quanto extrajudicialmente

à esfera de direitos e deveres das partes envolvidas.

Antes, porém, de abordar o mote central, como premissa básica da engenharia,

mostra-se imperioso enraizá-lo em rocha firme; daí porque será capitulado previamente

a evolução histórica da sociedade e do direito e também os princípios e institutos

processuais atinentes ao tema, de sobremaneira a ressaltar o acesso à justiça ao que

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tange a efetividade da prestação da tutela jurisdicional como finalidade do Estado que

tem por função precípua atender e propiciar a pacificação social.

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1. NOÇÕES PRELIMINARES

1.1 Do Conflito de Interesses à Regulamentação pelo Direito das Relações Jurídicas

O homem vive em sociedade e mais do que qualquer outro ser necessita de

meios e instrumentos para garantir uma vida confortável. A esse animus que o ser

humano tem de se apropriar e se utilizar de certos bens, dá-se o nome de interesse.

A vida em grupo social trouxe e traz, certamente, inúmeras vantagens, mas

invariavelmente dada a finitude dos bens e aos ilimitados desejos, dois ou mais

indivíduos acabam desenvolvendo o mesmo interesse sobre um determinado bem.

Surge, então, com isso, o conflito intersubjetivo de interesses ou meramente conflito de

interesses.

A primeira forma de resolução de conflitos adotada pelos indivíduos do grupo

social foi a auto-tutela. Nesta fase, os impasses eram dirimidos pelo uso da força bruta.

Assim, o mais forte, ágil e astuto impunha soa vontade fazendo com que esta,

independentemente de ser a mais correta, justa e técnica, prevalecesse à vontade do

mais fraco.

Embora bastante arcaica e desumana, a auto-tutela ainda é frequentemente

utilizada nos dias correntes como meio de solução de conflitos extrajudiciais, inclusive

com raríssimas disposições no ordenamento jurídico pátrio, dentre as quais pode se

citar a faculdade posta à disposição do esbulhado ou turbado de se manter em sua

posse pelo uso do desforço imediato, vide CC, art. 1.210 § único.

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Com o evoluir da sociedade, melhoraram também as formas de solução de

conflitos, e a antiga e obsoleta auto-tutela e sua força dava lugar, agora, a racionalidade

da auto-composição.

Esta, por sua vez, possuía três mecanismos de pacificação social, a saber: a)

solução antagonista, consistia-se basicamente pela ausência de conflitos, já que uma

das partes envolvidas simplesmente renunciava de sua pretensão a fim de evitar o

entrave direto à parte adversa; b) solução contratualista, como o próprio nome faz

supor, os impasses eram resolvidos por concessões mútuas, fruto da transação entre

as partes e, por fim, c) solução pela arbitragem, os contendores submetiam-se a

resolução desfechada por um terceiro (sacerdote, ancião, rei ou árbitro).

Moacyr Amaral Santos assim observou a passagem da auto-tutela para a auto-

composição:

“Substituindo a força pela razão, apresentam-se três modalidades de soluções pacíficas: a) Os antagonistas se conformam em limitar seu interesse, inclusive renunciando-o. É a solução moral, concebível numa sociedade espiritualmente muito desenvolvida e, assim mesmo, de modo excepcional. b) Ou, um temendo a força do outro, ambos se entendem e convencionam a composição do conflito: solução contratual. c) Ou, ainda, temendo-se reciprocamente, confiam em uma terceira pessoa a função de resolver o desencontro dos seus interesses: solução arbitral, baseada no respeito à força do árbitro.” (SANTOS, 2002, p. 4).

Em que pesem funcionarem como solução de conflitos, nenhumas das soluções

até aqui apontadas promovia de fato a pacificação social. Faltava-lhes, para tanto, duas

características cruciais, viabilizadas pela instituição do direito: uma delas advinda da

jurisdição (definitividade) e outra do próprio Estado (coercitividade). Surge, assim, o

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Estado e o direito, o segundo como instrumento do primeiro para prevenir e eliminar os

conflitos, garantido, desta feita, à sociedade humana a paz social e a ordem.

Thomas Hobbes, em sua clássica obra Leviatã, chama a atenção à importante

função que desempenham Estado e direito enquanto constituem um poder

considerável, a fazer prevalecer ao grupo social, ainda que pelo uso da força, o que o

autor chama de Leis de Natureza (sentimentos e boas intenções), justificando, com

isso, a instituição do Estado enquanto ente abstrato que garanta tais condições, como

se pode observar pelas próprias palavras do autor:

“O Fim último, Fim ou Desígnio dos homens (que apreciam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si para viver nos Estados, é a preocupação com sua própria conservação e a garantia de uma vida feliz. [...]. Porque as Leis de Natureza tais como (justiça, equidade, modéstia, piedade, que determinam que façamos aos outros o que queremos que nos façam), são contrárias às nossas paixões naturais, que nos inclinam para a parcialidade, orgulho, vingança e outras, se não houver o temor de algum poder que obrigue a respeitá-las. Sem a espada, os pactos não passam de palavras sem força que não dão a mínima segurança a ninguém. Assim, apesar das Leis de Natureza (que cada qual respeita quando tem vontade e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder considerável para garantir nossa segurança, o homem para proteger-se dos outros confiará e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade. Roubar e espoliar uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, que não era considerada contrária à Lei de Natureza, em locais em que as pequenas famílias se agrupavam, e quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida.” (HOBBES, 2000, 123-124).

O direito passou então a prescrever as condutas e as consequências, dando

gênese a idéia de relação jurídica, assim conceituada por Moacyr Amaral dos Santos:

“Relação jurídica, é, pois, o conflito de interesses regulado pelo direito. Nela se

compreendem duas situações jurídicas: uma subordinante ou protegida, também dita

ativa, e outra subordinada, também dita passiva.” (Santos, 2002, p.6).

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O Estado como ente abstrato cria normas gerais e abstratas (leis) destinadas a

regular os conflitos de interesses, as quais, se não cumpridas espontaneamente por

seus destinatários, fazem surgir a lide, que nas palavras do já citado autor é “Lide,

portanto, é o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e

pela resistência do outro. Ou, mais sinteticamente, lide é o conflito de interesses

qualificado por uma pretensão resistida.” (Santos, 2002, p. 9).

Há que se ressaltar, no entanto, que a lide, da forma como supracitada, foi

clássica e originariamente conceituada por Francesco Carnelutti, o qual, analisando a

fundo e com propriedade os conceitos abertos de bens, interesses, pretensões,

resistência, entre outros, destacou que a lide seria “caracterizada por um conflito

(intersubjetivo) de interesses qualificado por uma pretensão resistida.” (CARNELUTTI,

1999, p. 78).

Nunca é demais sublinhar que a característica consubstanciadora de lide é a

resistência, pois sem esta, remanesce apenas a pretensão, a qual não encontra óbice

algum para a sua plena satisfação. Consoante aduz Sérgio Bermudes “É a resistência

oposta à pretensão que torna a situação litigiosa, enquanto houver só pretensão, não

pode haver lide.” (BERMUDES, 2006, p. 12).

Nesta nova fase de solução de conflitos, o Estado substitui as partes, criando

normas que regulamentam a conduta do indivíduo social e, bem assim, editando os

mecanismos por meio dos quais são aplicados ao caso concreto o direito material

previsto. Surge, então, o direito processual.

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1.2 Direito Material e Direito Processual

Por ser dotado de soberania e ainda por possuir a característica peculiar de

impor coercitivamente a vontade do grupo social sobre os indivíduos, incumbe ao

Estado o encargo de editar as normas que tutelam os bens e regulam as relações

jurídicas entre os sujeitos. A esse emaranhado de normas, princípios e regras que

disciplina a vida em sociedade dá-se o nome de direito material.

Na ótica dos autores Cintra, Grinover e Dinamarco, direito material é “[...] o

corpo de normas que disciplina as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da

vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, tributário, trabalhista etc,).” (CINTRA,

GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p. 46).

Quando um direito material é lesado ou ameaçado de sofrer lesão, o Estado

permite que o titular do direito resistido se utilize de seu direito público e subjetivo de

ação, constitucionalmente garantido, art. 5º, inciso XXXV, a fim de ver atendida sua

pretensão. O conjunto de regras de que se utiliza o Estado para exercer sua função de

pacificador social, denomina-se direito processual, assim conceituado pelos já citados

doutrinadores: “E chama-se direito processual o complexo de normas e princípios que

regem tal método de trabalho, ou seja, do exercício conjugado da jurisdição pelo

Estado-Juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado.” (CINTRA,

GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p. 46).

Tem-se com o passar desses conceitos que o direito material cuida de veicular

os bens tutelados pelo direito, bem como de reger e disciplinar as relações jurídicas

entre os sujeitos e entre estes e seus bens. Já o direito processual destina-se a dar

cabo àquelas normas substantivas ignoradas ou desrespeitadas por uns em detrimento

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de outros. Vale dizer, o processo serve como instrumento de aplicação do direito

material ao caso concreto.

Eduardo Melo de Mesquita, ao discorrer sobre a efetividade da tutela

jurisdicional, fez uma importante observação da passagem do direito material para o

direito processual, bem como de que modo deve o juiz agir em tal circunstância:

“Deveras, em um primeiro momento, as normas de direito substancial dirigem-se à vontade dos indivíduos para que se atenham a certa conduta. Todavia, não atendido o mandamento, voltam-se ao órgão estatal, para que ponha em obra, contra o relitente, o aparato coativo predisposto. Aqui há uma penetração da norma substancial no processo, impondo imperativamente ao juiz, não mais como instrumento de investigação de reconstrução histórica, impelindo-o à realização do conteúdo da providência in iudicando em consonância à atividade externa in procedendo. O conteúdo da providência a ser adota pelo juiz é dado pela norma substancial, pois, a partir do momento em que não fora cumprida por quem a ela estava obrigado, assume a postura de por em prática o momento sancionatório da norma violada”. (MESQUITA, 2002, p, 147).

Apesar da autonomia ostentada pelo direito processual em relação ao direito

material, aquele não está completamente isolado e separado deste, como aliás

observou Cândido Rangel Dinamarco:

“A autonomia do direito processual e sua localização em plano distinto daquele ocupado pelo direito material não significam que um e outro se encontrem confinados em compartimentos estanques. Em primeiro lugar, porque o processo é uma das vias pelas quais o direito material transita rumo à realização da justiça em casos concretos; ele é um instrumento a serviço do direito material. Depois, porque existem significativas faixas de estrangulamento, ou momentos de intersecção, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico.” (DINAMARCO, 2002, p. 43).

Nesse caminhar destoa latente e cristalino que o direito processual é mais uma

das formas, esta evoluída e com uma série de garantias para ambas as partes (devido

processo legal, contraditório, ampla defesa, juiz natural, duplo grau de jurisdição, entre

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outras), de solução de conflitos. Visto que, somente se é dado falar em processo

quando o direito material não foi espontaneamente respeitado por quem quer que o

devesse ter feito.

1.3 Acesso à Justiça

Se o Estado por meio do direito (material e processual) desempenha de fato a

missão de eliminar e prevenir os conflitos de interesses, mantendo com isso a ordem

social e, por conseguinte a própria sociedade, a todos deve ser garantido o pleno

acesso à justiça, com seus mecanismos e garantias que assegurem ao jurisdicionado

uma tutela jurídica justa e, principalmente, efetiva.

Para os vanguardistas estudiosos do tema, Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o

acesso à justiça é o mais básico dos direitos humanos e deve ser assegurado por todos

os Estados realmente compromissados com os direitos humanos, sob pena de os

mesmos declararem tais direitos afonicamente e, não, de fato, os garantir aos seus

destinatários.

Para os autores: “[...] O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado com o

requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico

moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de

todos.” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 12).

Muito se fala em acesso à justiça, sem, contudo, entender de fato o que seria

justamente a “justiça”, seja para aquele que a procura ou nela queira ingressar (mote

objeto deste tópico), seja ao terceiro estranho à relação jurídica material. Fato é, que o

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conceito de justiça é algo bastante subjetivo, vago e amplo, dependendo à sua

valoração, entre outros, dos usos e costumes locais donde se deu o fato, que agora se

pretende julgar (fazer justiça).

Certo é, no entanto, ao menos na visão de John Rawls em Uma Teoria da

Justiça que tanto a justiça, quanto a verdade (e, diga-se de passagem, guardam estas

expressões íntima ligação, conquanto se pretenda por meio da justiça alcançar a

verdade, quando esta por si só não se fez naturalmente) se constituem em virtudes

primeiras de toda e qualquer atividade humana, consoante se extrai:

“A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira; [...] Portanto, numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo dos interesses sociais. [...] Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis.” (RAWLS, 1997, p. 3-4).

Já por acesso à justiça deve se entender, não somente o sentido literal da

expressão “acesso”, como forma de ingresso, mas também e, sobretudo, deve ser

assegurado ao jurisdicionado (autor, réu e terceiros), um processo com meios e

mecanismos que mitiguem os óbices sociais, políticos e jurídicos, nos quais está

envolta a sociedade.

Outro não é o entendimento da doutrina acerca do real significado do acesso à

justiça:

“acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. [...], para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defende-ser adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinada causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para integralidade do acesso à

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justiça, é precisos isso e muito mais.” (CINTRA, GRNOVER e DINAMARCO, 2009, p. 39).

Como se vê, o mero emprego da expressão acesso à justiça desvinculado de

um efetivo agir, não garante a finalidade do processo. Ou seja, para a plena

consecução de sua missão social, de pacificador de conflitos, mostra-se imperioso, de

um vértice, tomar consciência global de todo o sistema (político, social e jurídico) e, de

outro, erradicar os óbices que impedem o bom acesso à justiça a todos.

Para Cappelletti e Garth: “[...] Em outras palavras, quantos dos obstáculos ao

acesso efetivo à justiça podem e devem ser atacados: A identificação desses

obstáculos, consequentemente, é a primeira tarefa a ser cumprida.” (CAPPELLETTI e

GARTH, 1988, p. 15).

Esses óbices situam-se em quatro pontos sensíveis, todos ligados diretamente

com a ordem constitucional supra, a saber:

1.3.1 A admissão ao processo (ingresso em juízo)

A admissão do titular de um direito agredido ou ameaçado de sofrer agressão

deve ser garantida, independentemente de sua situação econômica, quer seja para

defender direito em nome próprio, ou para se valer das ações coletivas na defesa dos

direitos, coletivos, difusos e transindividuais.

O Estado, como fato notório que dispensa maiores comentários, não possui

renda própria, senão pela própria arrecadação de tributos que o faz de maneira

vinculada (estando sujeito à sanção administrativa a autoridade que não o fizer) à

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ocorrência de cada fato gerador que se amolde perfeitamente à hipótese de incidência

legalmente prevista.

Parte da receita do Estado é destinada à mantença do Poder Judiciário, o que

não exclui a cobrança de outros valores, quer seja estatizada ou privada a escrivania,

serventia, secretaria que presta auxílio ao juízo. Além disso, é sempre bom ressaltar

que os bons préstimos ofertados pela Defensoria Pública mal supre a demanda, tendo

a parte na grande maioria esmagadora dos casos que contratar advogado, o que

implica, por óbvio em mais custas, estas a cargo dos honorários daquele profissional.

Isso sem mencionar que a parte vencida no embate jurídico, terá ao final, por força do

princípio da sucumbência que arcar, além dos honorários de seu patrono, com os da

parte vencedora; o que implica sem maiores complicações matemáticas em um

pagamento em dobro.

Os altos custos também foram objeto de análise por Cappelletti e Garth, que

assim discorreram e concluíram:

“O alto custo é particularmente óbvio sob o “Sistema Americano”, que não obriga o vencido a reembolsar o vencedor nos honorários dispendidos com seu advogado. Mas os altos custos também agem como uma barreira poderosa sob o sistema, mais amplamente difundido, que impõe ao vencido os ônus da sucumbência. Nesse caso, a menos que o litigante em potencial esteja certo de vencer – o que de fato extremamente raro, dadas as normais incertezas do processo, ele deve enfrentar um risco ainda maior do que o verificado nos Estados Unidos. A penalidade para o vencido em países que adotam o princípio da sucumbência é aproximadamente duas vezes maior – ele pagará os custos de ambas as partes. Além disso, em alguns países, como a Grã-Bretanha, o demandante muitas vezes não pode sequer estimar o tamanho do risco – quanto lhe custará perder – uma vez que os honorários advocatícios podem variar muito. Finalmente os autores nesses países precisam às vezes segurar o juízo no que respeita às despesas do adversário antes de propor a ação. Por estas razões, pode-se indagar se a regra da sucumbência não erige barreiras de custo pelo menos tão substanciais, quanto às criadas pelo sistema americano. De qualquer forma, torna-se claro que os altos custos, na medida em que um ou ambas as partes devam suportá-los constituem uma importante barreira ao acesso à justiça.” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 16-18).

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Para os já citados autores, os óbices relativos aos altos custos são mais

sensivelmente sentidos pelas causas que versam sobre pequena monta, pelo que

aduzem:

“Causas que envolvem somas relativamente pequenas são mais prejudicadas pela barreira dos custos. Se o litígio tiver de ser decidido por processos judiciários formais, os custos podem exceder o montante da controvérsia, ou, se isso não acontecer, podem consumir o conteúdo do pedido a ponto de tornar a demanda uma futiidade.” (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 119).

Destarte, para se viabilizar o ingresso ao processo é necessário que o Estado

implemente normas nesse sentido e com tal escopo, a fim de permitir que os

economicamente menos favorecidos possam também solucionar seus conflitos.

O Estado brasileiro compadece e é partícipe desse intento, tanto que fora

editada em 1950 a Lei 1.060 que disciplina os benefícios da assistência judiciária

gratuita e da outras providências. Posteriormente, com a Constituição de 1988, a

matéria em questão, foi alçada à ordem constitucional, constando, hoje, do inciso

LXXIV, do art. 5º da CF.

Outro aspecto desse ponto a ser levado em consideração, é a recente

possibilidade de se demandar em juízo na defesa de interesses supraindividuais, o que

pode ser feito por meio da ação civil pública (Lei, 7.347/1985), ou pelo emprego do

mandado de segurança coletivo (CF art. 5º, LXX).

Contudo, como observam Mauro Cappelleti e Bryant Garth a defesa em juízo

dos direitos difusos não são das mais fáceis tarefas, mas muito vem se avançando

neste sentido. Para os autores os:

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“Interesses “difusos” são interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam – a razão de sua natureza difusa – é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação. [...] Assim, conquanto como regra, a proteção privada de interesses difusos exija ação de grupo, é difícil assegurar que tal ação coordenada tenha lugar, se o próprio governo falha [...]. É profundamente necessário, mas reconhecidamente difícil, mobilizar energia privada para superar a fraqueza da máquina governamental.” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 26-28).

Essa inovação vem de encontro à norma prevista no artigo 6º do CPC, o qual

prevê que ninguém poderá postular em juízo, direito alheio em nome próprio, mitigando,

assim, nos casos supracitados, esta última norma.

1.3.2 O modo-de-ser-do-processo

Por esse ponto deve ser entendido e superado o óbice da posição passiva do

juiz para com as partes e o processo. Não deve o magistrado atuar como mero

figurante da relação processual, ao contrário. Deve ele adotar posição de protagonista e

participar ativamente do processo na incessante busca do melhor deslinde possível.

Mas não somente pelo juiz ativo deve ser entendido esse ponto, aqui também

se insere o devido processo legal e os meios e recursos a ele atinentes.

Dessa forma, incumbe ao juiz intermediar e conduzir a relação processual,

assegurando às partes todos os meios e recursos que satisfaçam a relação processual

concreta, da mesma forma da abstrativamente prevista.

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O modo-de-ser-do-processo exprime então a escorreita forma pela qual o juiz,

parte imparcial, deve conduzir o processo, de modo a propiciar às partes parciais o

atendimento de todas as garantias e princípios constitucionais / processuais.

1.3.3 Justiça das Decisões

A justiça das decisões guarda estreita relação com o tópico último, o modo-de-

ser-do-processo, a diferença reside no ponto de que aquele é mais abrangente e é

voltado a todo o processo, desde a propositura da ação por meio da peça inicial aos

instantes imediatamente anteriores a cada ato de decidir, sendo este então o traço que

cuida este item.

Da mesma forma ativa que a do item anterior, deve o juiz proceder com o intuito

de garantir uma decisão mais justa. Porém, aqui o julgador deve pautar-se em seu

senso próprio de justiça ao: a) apreciar e deliberar sobre a pertinência e finalidade das

provas; b) enquadrar os fatos e os acontecimentos do mundo fenomênico às normas e

categorias jurídicas e, c) interpretar textos de direito positivo.

A justiça das decisões está intimamente atrelada ao postulado final do processo

enquanto mantenedor da ordem social. Por isso, deixa o processo de lado a absoluta

formalidade e tecnicidade para dar lugar ao urbanismo e a humanidade das decisões

proferidas e calcadas sobre um convencimento racional e motivado, às vezes pós-

positivista do juiz.

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1.3.4 A Efetividade das Decisões

O acesso à justiça deve ser aplicado como um todo conglobante, permitindo,

assim, desde a universalidade de ingresso ao processo, pelos economicamente menos

favorecidos ou na defesa de direitos supraindividuais (tutelas coletivas), à justiça e a

efetividade das decisões, passando, antes dessas, pelo mode-de-ser-do-processo.

Em que pese seja o acesso à justiça uno, o principal ponto de tangência do

mesmo com este trabalho reside na efetividade das decisões. Já, que, foi justamente

pensando em satisfazer a efetividade das tutelas jurisdicionais que se concebeu falar e

adotar o uso das medidas cautelares e antecipatórias.

Destarte, a efetividade das decisões, visa, em suma, dar a cada litigante aquilo

que lhe é próprio de direito. Assegurando, com isso, não somente uma tutela

jurisdicional, mas, sim, uma prestação jurisdicional justa e efetiva.

Ocorre que, por vezes o direito do suplicante encontra-se de certa maneira já

bastante lesionado ou muito próximo disso, que não dispõe o litigante de lastro

temporal a esperar a final prestação jurisdicional, senão a recebê-la de imediato por

meio de uma antecipação parcial ou total (tutela antecipatória) ou de outra forma que

coloque a salvo seu direito (tutela cautelar).

Todavia, o clamor da sociedade por uma tutela célere e eficaz que restabeleça

ou resguarde seu direito, não faz desaparecer a conduta cautelosa que deve o juiz

adotar diante de um pedido cautelar ou antecipatório. Com efeito, o magistrado tem de

ser sensível ao ponto de coabitar com condutas restauradoras e preventivas, aptas e

suficientes a um só tempo a atender a pretensão do pedinte autor, de um lado, sem

com isso, lesionar a esfera de direito do relitente réu, de outro.

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Acerca das diferentes tutelas cobradas pela sociedade, bem como do modo

pelo qual o juiz deve se portar diante delas, na persecução da solução de conflitos, se

posicionou Eduardo Melo de Mesquita:

“Formas alternativas de tutela estão sendo cobradas pela coletividade que, cada vez mais, se recente de uma efetividade jurisdicional, assumindo, se necessário, uma postura restauradora, sem ouvidar da queloutra preventiva, capaz de abordar embrionariamente a relação conflitiva, assim, pacificando a coletividade com justiça. [...] Com efeito, este é o caminho a ser perseguido, tutelas diferenciadas para interesses materiais diferenciados, por meio de procedimentos modeláveis, mas a tutela jurisdicional, esta deve ser inflexível, no sentido de dever ser buscada a qualquer custo, porque só assim terá o processo, enquanto instrumento do direito material, utilizado pelo Estado para a pacificação social, alcançado seu escopo, inexoravelmente tutelar.” (MESQUITA, 2002, p.155).

Cândido Rangel Dinamarco chama a atenção para o que entende o autor ser o

único meio de garantir, de fato, “a universalização da tutela jurisdicional”; para tanto

propõe, não somente uma reforma extraprocessual, relativas aos pontos supracitados,

mas também, uma reestruturação endoprocessual, pautada no trinômio tempestividade,

efetividade e qualidade da prestação da tutela jurisdicional, consoante assim aduz:

“Mesmo quando se reduza ao mínimo suportável a chamada litigiosidade contida (Kazuo Watanabe), restam ainda as dificuldades inerentes à qualidade do serviços jurisdicionais, à tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e a sua efetividade. Isso significa que não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo. Um eficiente trabalho de aprimoramento deve pautar-se por esse trinômio, não bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta. Para a plenitude do acesso à justiça imporá remover os males resistentes a universalização da tutela jurisdicional ao aperfeiçoar internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e efetivas. É indispensável que o juiz cumpra em cada o dever de dar efetividade ao direito, sob pena de o processo ser somente um exercício improdutivo de lógica jurídica. Tal é mesmo dever do uiz estabelecido no art. 125, inc. II, do Código de Processo Civil.” (DINAMARCO. 2002, p. 114).

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John Rawls entende que a todos deve ser assegurado um projeto satisfatório

de direitos e liberdades básicas e iguais, que assegure, sobretudo, a igualdade de

oportunidades e que privilegie os menos favorecidos, consoante aduz que:

“Todas as pessoas tem direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas e iguais para todos, projeto este compatível com todos os demais; e nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor equitativamente garantido; b. as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos: primeiro devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todo, em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e segundo, devem apresentar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedde.” (RAWLS, 2000, p. 47).

Assim como Cândido Rangel Dinamarco e John Rawls, Mauro Cappelletti e

Bryant Garth também entendem que reformas são necessárias a fim de assegurar o

pleno e efetivo acesso à justiça. Porém, chamam a atenção para o fato de que uma

barreira isolada das demais não pode ser removida, sem que com isso, cause nefastos

efeitos em outro ponto. Assim, uma reforma somente será eficaz, quando muito bem

orquestrada e desde que seja adotada como um todo sobre o sistema e, não

isoladamente como já se expôs.

Na explanação dos próprios autores:

“Finalmente, como fator complicador dos esforços para atacar as barreiras ao acesso, deve-se enfatizar que esses obstáculos não podem simplesmente serem eliminados um por um. Muitos problemas de acesso são inter-relacionados, e as mudanças tendentes a melhorar o acesso por um lado podem exacerbar barreiras por outro. Por exemplo, uma tentativa de reduzir custos é simplesmente eliminar a representação por advogado em certos procedimentos. Com certeza, no entanto, uma vez que litigantes de baixo nível econômico e educacional provavelmente não terão a capacidade de apresentar seus próprios casos, de modo eficiente, eles serão mais prejudicados que beneficiados por tal “reforma”. Sem alguns fatores de compensação, tais como um juiz muito ativo ou outras formas de assistência jurídica os autores

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indigentes poderiam agora intentar uma demanda, mas lhes faltaria uma espécie de auxílio que lhes pode ser essencial para que sejam bem sucedidos. um estudo sério do acesso à Justiça não pode negligenciar o inter-relacionamento entre as barreiras existentes.” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, 29).

Dessa forma, o processo, tal como o direito vem à reboque da sociedade, tem

de se amoldar e evoluir juntamente com ela, pois só assim será capaz de atender os

anseios desta, na incessante busca da manutenção da ordem social. Escopo final este

que somente será pela atividade conjunta dos Poderes Constituídos por meio de

elaboração de leis mais sábias, melhor gestão da máquina pública em prol da

coletividade e, por fim, com a sensata aplicação da melhor interpretação da lei ao caso

concreto.

1.4 Dicotomia Entre Celeridade Processual e Segurança Jurídica

Sem sombra de dúvidas, a tentativa de explicar a coexistência harmônica entre

celeridade processual e segurança jurídica é tema corrente, sendo-lhe dispensada

relativa quantidade de tinta nos manuais e cursos de direito. Porém, não obstante o

incessante trabalho filosófico da sociedade dos aplicadores do direito, o tema ainda não

está pacificado e um ou outro prepondera a depender do movimento pendular à época

em que são confrontados.

Hoje no Brasil, parece que o pêndulo está um pouco mais voltado à celeridade

processual, assim se conclui após análise das medidas que recentemente vem sendo

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tomadas pelo Estado a fim de promover e garantir a rápida solução dos conflitos,

garantindo por conseguinte a melhor efetividade da prestação jurisdicional.

São medidas adotadas pelo Estado que permitem a indução da conclusão

acima exposta: os I e II Pacto Republicano de Estado Por Um Sistema de Justiça Mais

Acessível, Ágil e Efetivo, firmado pelos chefes dos três poderes, que pelo próprio nome

dispensa maiores comentários acerca de sua intenção; o próprio projeto do novo

Código de Processo Civil (projeto de lei n. 166/2010) que traz em seu corpo uma série

de medidas a homenagear a celeridade processual (item 6 infra); a nova temática dos

recursos repetitivos disciplinada pelo art. 543 – B do CPC; a edição de súmulas

vinculantes; a vedação de férias coletivas em juízos e tribunais de segundo grau, entre

outras.

A segurança jurídica está, em seu aspecto mediato, intimamente ligada à

característica da definitividade da jurisdição, a qual tem por postulado final que, uma

vez dirimido pelo Estado o conflito de interesses, a solução encontrada torna-se

imutável às partes (salva raríssimas e recentíssimas exceções a cargo da relativização

da coisa julgada). Há, assim, a pacificação social. Sob o ponto de vista mais próximo, a

segurança jurídica implica na obediência e aplicação de todos os meios, mecanismos e

recursos (devido processo legal, contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição,

etc.) antes de se chegar à decisão definitiva.

Marcos Destefenni cuidou de abordar a expressa previsão constitucional do

princípio da segurança jurídica e suas implicações, pelo que asseverou:

“Trata-se de um princípio expresso, mais de uma vez na Constituição Federal de 1988. Já no preâmbulo é consignado expressamente. Depois é reproduzido

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no caput do art. 5º, de tal forma que é um valor supremo para o Estado democrático e é considerado como cláusula pétrea imodificável. [...] A segurança jurídica é expressa por diferentes formas no ordenamento jurídico brasileiro. Podemos citar, a título de exemplo de aplicação processual, o princípio da legalidade e a garantia da coisa julgada.” (DESTEFENNI, 2006, p. 37-38).

Em outras palavras, consoante Teresa Arruda Alvim Wambier, a segurança

jurídica deve ser entendida, não como a imutabilidade que engessa o ordenamento

jurídico, senão pela previsibilidade dos meios e dos resultados assegurados a todos os

contendores. Nesse sentido, aduz a citada autora:

“Havendo, todavia, lei, jurisprudência e doutrina, e os princípios aí incorporados, [...] em nosso entender, embora com um teor incomparavelmente mais intenso de discutibilidade, continua o direito garantindo a segurança, já que aos jurisdicionados é dado ter certas expectativas a respeito de certos resultados.” (WAMBIER, 2008, p. 59).

José Afonso da Silva também enxerga essa mesma previsibilidade citada pela

autora, mas a enfoca sob o prisma de que aos cidadão deve ser assegurado o respeito

e obediência dos atos praticados sob a égide de determinada lei, ainda que esta por

inúmeros motivos venha a ser extirpada do ordenamento, ainda assim terá o negócio

jurídico celebrado quando da vigência da mesma de garantir sua eficácia no tempo.

Para o autor, essa possibilidade de antever os efeitos e alcances da lei, é, pois

segurança jurídica, consoante aduz que:

“[...] A segurança jurídica consiste no “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida”. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa ceteza de que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída.” (SILVA, 2006, p. 433).

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Segurança jurídica não é, pois, imutabilidade, senão o é a previsibilidade pelo

jurisdicionado de todo um arcabouço de regras, normas e princípios que garantam o

devido processo legal, seja para o expectante autor pretensioso, seja ao relitente réu.

Porém, como não se pode deixar de ser observado, o demasiado apego à

segurança jurídica faz com que, invariavelmente, o processo fique moroso,

distanciando-se, com isso, a efetividade da tutela jurisdicional da pretensão pleiteada

pelo autor, além de se ocupar a máquina estatal às vezes por mais tempo do que o

seria necessário se medidas de outro rumo, céleres, fossem adotadas.

O traço marcante da segurança jurídica deixada como legado do direito iberiano

é a burocracia, que por sua vez é motivada pela desconfiança, a qual leva à

insegurança, desta, por fim, resultando o caos social, visto que distancia (ou ao menos

retarda) o direito de seu postulado final. Qual seja, a pacificação social.

A fim de mitigar a angustiante espera do autor pelo provimento jurisdicional,

concebeu-se a celeridade processual, hoje também alçada à matéria constitucional,

sendo inclusive um direito fundamental, já que fora acrescido o inciso LXXVIII ao art. 5º

da CF, pela emenda número 45/2004, o qual prevê que a todos em âmbito judicial ou

administrativo é assegurado a razoável duração do processo.

A respeito desse importante direito fundamental que também integra o devido

processo legal, assevera Alexandre de Moraes:

“A emenda constitucional número 45 assegurou a todos no âmbito judicial e administrativo a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, pois, o direito a julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do due process of law. Os processos administrativos e judiciais devem garantir todos os direitos às partes, sem, contudo, esquecer a necessidade de desburocratização de seus

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procedimentos e na busca de qualidade e máxima eficácia de suas deecisões.” (MORAES, 2007, p. 101).

Após a ordem constitucional instaurada pela referida emenda, se de um vértice

o autor clama pela rápida solução de seu litígio, de outro, ao réu, é assegurado, entre

outros, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

No mais, sobre a celeridade processual, dispor-se-á mais detalhadamente no

item 2.4 infra, tendo em vista que a razoável duração do processo, economia, eficiência

e celeridade processual, são todos sinônimos a versarem basicamente sobre o mesmo

direito constitucionalmente garantido.

Um olhar mais atento à celeuma supracitada aponta movimento pendular entre

segurança jurídica e celeridade processual, leva a conclusão que no fundo está a se

discutir, por traz do véu, os direitos constitucionalmente garantidos ao autor e réu,

respectivamente, da ação e da defesa.

Como se demonstrará no item 3.2 infra, para parte da doutrina os direitos

supracitados trata-se de um ou dois dos eixos metodológicos do direito processual

dependendo se o autor compreende a defesa como pilar fundamental e autônomo ou

se a visualiza inserida dentro da ação; porém, não menos do que aquela e, sim, seu

próprio reflexo, com a ressalva de que é destinada ao réu.

Teresa Arruda Alvim Wambier vê certa dose de simetria entre os institutos da

ação e da defesa, ao dispor que: “Parece que, de fato, se pode enxergar certa dose

significativa de simetria entre conceitos de causa de pedir e razão de defesa, que

determina que, pelo menos em parte, o tratamento jurídico que se lhes deva imprimir

seja o mesmo” (WAMBIER, 2005, p. 112).

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Nesse diapasão, ação e defesa são “os dois lados de uma mesma moeda”, já

que diferentemente do que ocorre no direito penal, na esfera cível não há a predefinição

de quem, dado o direito material, deva ocupar o lugar de autor ou de réu.

Explica-se: se A e B celebram um contrato e A, independentemente de ter ou

não razão, ajuíza contra B ação de obrigação de fazer visando o adimplemento

contratual, A será logicamente autor e B consequentemente o réu. Agora, caso B faça o

mesmo que A, será aquele o autor e este o réu.

Como se pode notar, requerente é aquele que primeiramente ingressa em juízo

na defesa de seus interesses, exercendo, desta feita, o direito público e subjetivo de

ação. Já o requerido, por sua vez, é aquele de quem o autor, por meio da coercitividade

peculiar do Estado, espera ver cessada a resistência e satisfeita, portanto, sua

pretensão. Para o réu, defender-se e expor a realidade dos fatos se dá pelo exercício

do direito de defesa, que não é menos nem pior do que o direito de ação, senão com a

mesma intensidade, força e vetor, porém em sentido contrário.

Acerca da igualdade das garantias constitucionais da ação e da defesa, cita-se

agora Cândido Rangel Dinamarco, que por sinal é um dos que defende a defesa como

eixo independente e autônomo. Contudo, pela seguinte passagem percebe-se que o

autor atribui o mesmo valor às duas garantias. Veja-se:

“Postas assim, ação e defesa tem muito em comum e são poderes que se situam rigorosamente no mesmo plano, considerada a essencial igualdade das partes no processo. No mesmo nível constitucional em que está a garantia da ação (Const., art. 5º, inc. XXXV), estão também outras garantias que, destinando-se a todos os sujeitos processuais, tem o efeito de dar pesos equivalentes à ação e à defesa (isonomia das partes, contraditório, ampla defesa: v. esp. art. 5º, inc. LV). A ação e a defesa, tanto quanto a jurisdição, exercem-se no processo e a oferta de oportunidade equilibrada para o exercício de ambas constitui exigência do devido processo legal, preordenada à

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produção da tutela jurisdicional a quem efetivamente tiver razão (processo justo e équo).” (DINAMARCO, 2002, p. 300).

Destacada a importância e a profundidade que a celeridade e a segurança

jurídica implicam às partes, autor-ação e réu-defesa, volta-se neste momento para a

celeuma endoprocessual diariamente vivenciada nas Varas e Tribunais de Justiça.

À frente desse impasse situa-se o juiz diante de um conflito de princípios

fundamentais, o qual pode ser dirimido, na ótica de Teresa Arruda Alvim com a

ponderação de princípios por meio do princípio da proporcionalidade. Este assim

visualizado pela autora:

“Disse que o princípio da proporcionalidade é o princípio dos princípios, porque, na verdade, tem conteúdo que se pode chamar, sob certo aspecto, de metodológico. Com isso quer-se dizer que se trata de um princípio para lidar com outros princípios, de molde a preservar os direitos fundamentais previstos na constituição federal.” (WAMBIER, 2008, p. 79).

Luiz Guilherme Marinoni também enxerga o princípio da proporcionalidade

como o meio eficaz para, no caso concreto, aplicar este ou aquele outro princípio sem

que isso, contudo, implique em sua extirpação do ordenamento jurídico, pelo que aduz:

“Os princípios, por sua natureza, devem conviver. A sua pluralidade, e a conseqüente impossibilidade de submetê-los a uma lógica de hierarquização, faz surgir a necessidade de uma metodologia que permita a sua aplicação diante dos casos concretos. Fala-se, nesse sentido, de ponderação dos princípios ou de aplicação da “proporcionalidade” como regra capaz de permitir a sua coexistência ou de fazer prevalecer um princípio diante do outro sem que um deles tenha que ser eliminado em abstrato, ou sem que o princípio não preferido em determinada situação tenha que ser negado como capaz de aplicação em outro caso concreto.” (MARINONI. 2006, p. 52).

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Linhas à frente Teresa Arruda Alvim exemplifica o que pode decorrer do

demasiado apego a um princípio em detrimento de outro, situando ainda neste contesto

o importante papel desempenhado pelo princípio da proporcionalidade. Veja-se:

“Tem-se que os princípios, em geral, não são como as regras jurídicas no sentido estrito, já que, muitas vezes, o respeito exagerado a um deles pode levar à afronta a outra, o que seria indesejável, se, efetivamente, dado ordenamento jurídico os adota a ambos. No âmbito do processo, pode se pensar que o excessivo apego ao princípio do contraditório poderia levar a que se considerasse inconstitucional a possibilidade de que houvesse decisões liminares, que gerassem constrição no patrimônio do réu, sem que esse fosse antes ouvido. Nesse caso, estaria sendo esquecido o princípio segundo o qual há de ser efetivo e estaria, por isso, equivocada a solução. Justamente em casos desse tipo desempenha papel de relevo o princípio da proporcionalidade.” (WAMBIER, 2008, p. 80,81).

Por trás desse exemplo emerge cristalino que o impasse ali dirimido pelo uso do

princípio da proporcionalidade é justamente a celeuma abordada por este tópico e tal

como no caso hipotético supra, somente se pode chegar a uma solução no caso

concreto ponderando-se caso a caso cada conseqüência.

Observe-se, no entanto, que não há resposta definitiva e standart para tal

conflito de princípios. Todavia, ocorre por vezes situações análogas que tendem a

ativar o B.I.O.S. (basic in-put out-put sistem) da mente do julgador, daquelas mesmas

decisões outrora adotadas.

Mais adiante amadurecerá a resposta com qual instituto - celeridade processual

ou segurança jurídica - está a tutela antecipada de evidência mais intimamente

atrelada.

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2. PRINCÍPIOS

Cuida o presente capítulo de uma sucinta análise dos princípios processuais

com os quais está a tutela antecipada de evidência umbilicalmente ligada.

O Processo Civil brasileiro, como qualquer outro ramo do Direito, é embasado e

regido por um conjunto de princípios, regras e normas que viabilizam e possibilitam a

aplicação do direito abstrato material ao caso concreto.

Antes, porém, de adentrar aos princípios específicos que regem a persecução

satisfativa do direito processual pátrio, faz-se necessário compreender qual o processo

de gênese dos princípios, bem como quais são suas finalidades.

Acerca do tema, bem observaram Cintra, Grinover e Dinamarco:

“A doutrina distingue os princípios gerais do direito processual daquelas normas ideais que representam uma aspiração de melhoria do aparelhamento processual; por esse ângulo quatro regras foram apontadas, sob o nome de “princípios informativos do processo: a) o princípio lógico (seleção dos meios mais eficazes e rápidos de procurar e descubrir a verdade e de evitar o erro); b) o princípio jurídico (igualdade no processo e justiça na decisão); c) o princípio político (o máximo de garantia social, com o mínimo de sacrifício individual da liberdade) e, d) o princípio econômico (processo acessível a todos, com vista a seu custo e sua duração).” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2009. p. 57).

Da citação supra extrai-se que os princípios no âmbito do processo civil tem sua

criação relacionada aos aspectos lógico, jurídico, político e econômico, a depender do

papel que desempenham na relação jurídica processual.

Entre os princípios norteadores do direito processual civil que guardam, com

maior ou menor intensidade, relação com a tutela antecipada de evidência, destacam-

se os seguintes:

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2.1 Princípio do Devido Processo Legal

Como visto anteriormente, o Estado por meio do direito garante a ordem social

prescrevendo e regulamentando as condutas aceitas pelo grupo social e as sanções

pelo descumprimento daquelas.

O meio pelo qual se utiliza o Estado para tornar pública e notória as condutas

socialmente aceitas e suas respectivas sanções é a lei. Daí o porquê da nomenclatura

“devido processo legal”, que como o próprio nome faz supor, está de antemão

integralmente previsto em lei, ao ponto de possibilitar as consequências advindas pela

inexecução do direito material.

Tal como a sociedade, o direito e as formas de solução de conflitos evoluíram, o

princípio do devido processo legal também acompanhou tais avanços, até por que, se

de modo contrário fosse, restaria prejudicado se vislumbrar um correto e adequado

sistema de pacificação social.

Acerca da evolução história do referido princípio, aduz Marcos Destefenni:

“O princípio do devido processo legal tem origem no direito inglês. A maioria da doutrina aponta como tendo surgido com a magna carta de 1215. Derivou do capitulo 39, que garantia a todo indivíduo o direito de ser julgado pela lei da terra. Portanto, a expressão due process of Law é mais recente sendo derivada da expressão Law of the land. [...] No Brasil, o princípio foi positivado com a Constituição Federal de 1988 que, em seu art. 5º LIV, passou a garantir que ninguém será privado de seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo legal. Adotou-se, no Brasil, a fórmula da 5ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, suprimindo-se, por razões óbvias, a menção à vida. O princípio comporta dois sentidos: um material e outro processual. No sentido substancial se aproxima do princípio da razoabilidade, no sentido de que todas as normas devem ser aplicadas e todos os bens devem ser tutelados de forma razoável. Do ponto de vista processual garante que o processo seja justo e adequado, de tal forma que o julgamento da lide ou a solução do caso submetido à

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apreciação judicial seja feita com a observância de um conjunto mínimo de regras e de valores.” (DESTEFENNI, 2006, p. 11-13).

O princípio do devido processo legal está constitucionalmente previsto no art.

5º, LIV, e sem ele ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens.

A respeito da previsibilidade do devido processo asseverou Luiz Rodrigues

Wambier:

“O devido processo legal significa o processo cujo procedimento e cujas conseqüências tenham sido previstas em leis, e que estejam em sintonia com os valores constitucionais. Exige-se um processo razoável a luz dos direitos e garantias fundamentais.” (WAMBIER, 2007, p. 70).

Na visão do citado autor, devido processo legal é aquele que guarda obediência

às normas constitucionais supra, relativas a direitos e garantias fundamentais, e às

normas infraconstitucionais que o regulamentam a luz da própria constituição.

Uma das consequências do caráter eminentemente legal do princípio do devido

processo legal reside na intangibilidade imposta às partes e ao próprio juiz de não

poder modificar, quer seja o processo em si, quer seja qualquer de seus procedimentos.

A esse respeito aduz Ernane Fidelis dos Santos:

“O processo é o meio pelo qual a jurisdição atua. Em conseqüência, falece às partes e ao próprio juiz optar por formas processuais e procedimentais não previstas em lei. Além do contraditório e da ampla defesa, o direito ao devido processo legal é também garantia do cidadão estando catalogado na tábua dos direitos fundamentais (CF, art. 5º., LIV).” (SANTOS, 2006, p. 42).

Deveras, para que haja de fato um bom processo e seja este devidamente

legal, é necessário que todo ele esteja previamente positivado, evitando-se com isso

surpresas às partes lançadas ao livre arbítrio do julgador, ou até mesmo o

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favorecimento deste a uma ou outra parte. Garante-se, portanto, entre outros, com este

princípio, o juiz natural e imparcial e a impessoalidade.

Cândido Rangel Dinamarco também compartilha da mesma sintonia de Luiz

Rodrigues Wambier e assim leciona:

“A expressa garantia do due process of Law, contida no inc. LIV, do art. 5º da Constituição Federal, tem o significado sistemático de fechar o círculo das garantias e exigências constitucionais relativas ao processo, numa fórmula sintética destinada a afirmar a indispensabilidade de todas e reafirmar a autoridade de cada uma. Esse enunciado explícito vale ainda como norma de encerramento portadora de outra exigência não típica das em fórmulas mas igualmente associadas a ideia democrática que deve prevalecer na ordem processual (art. 5º, §2º).” (DINAMARCO, 2002, p. 243).

Este princípio,exterioriza em verdade o protocolo de intenção do legislador

constituinte em garantir que a todos seja ofertado e aplicado um devido processo legal,

antes de, por qualquer meio estatal, ter sua liberdade ou seus bens restringidos,

assegurando para tanto um arcabouço de outros princípios, regras e normas, que, se

concomitantemente respeitadas, atenderam o devido processo legal.

Finalizando e otimizando o estudo sobre o princípio em comento, fica a ideia de,

assim como a Constituição ocupa o vértice superior do modelo piramidal Kelseniano,

relativo às normas positivas: “Se começarmos levando em conta apenas a ordem

jurídica estadual, a Constituição represente o escalão de Direito positivo mais elevado.”

(KELSEN, 2009, p. 247). O devido processo legal mesma posição ocupa no mundo

jurídico dos princípios que norteiam as normas processuais. De tal sorte que se uma ou

mais das garantias processuais for desrespeitada, fica prejudicado se vislumbrar o

devido processo legal.

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2.2 Do Contraditório e da Ampla Defesa

Estes dois princípios são corolários do devido processo legal e, tal como este,

possuem previsão constitucional, CF. art. 5º, LV, e devem ser assegurados a todos em

âmbito judicial e administrativo, com os meios e recursos a eles inerentes.

Acerca da evolução histórica da positivação desses princípios aduzem Antonio

Carlos Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco:

“No Brasil, o contraditório para a instrução criminal vinha tradicionalmente eregido em expressa garantia constitucional, sendo deduzido da própria constituição, indiretamente embora, para o processo civil. Idêntica postura era adotada quanto a garantia da ampla defesa, que o contraditório possibilita e que com este mantém intima ligação, traduzindo-se na expressão Nemo inauditus damnari potest. A constituição de 1988 previu o contraditório e ampla defesa num único dispositivo, aplicável expressamente aos litigantes, em qualquer processo, judicial ou administrativo e os acusados em geral (art. 5º, inc. LV).” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p. 62).

O processo civil tem sua gênese pela iniciativa da parte (autor), vide CPC art.

262, mas desenvolve-se por impulso oficial. Contudo, a relação jurídica processual

somente se perfectibiliza com a citação válida do réu. Tem-se, com isso, a

angularização processual e a instauração do contraditório em sua primeira face. Qual

seja, dar ciência ao réu, de que contra ele corre em juízo uma determinada ação,

oportunizando ainda, a seu critério, que faça ou deixe de fazer o que melhor lhe

aprouver. Sendo esta, então a segunda face do contraditório.

Neste diapasão se vê que a garantia constitucional do contraditório para além

de ser um direito às partes implica também em uma série de deveres ao Estado-Juiz.

Neste sentido aduz Rangel Dinamarco:

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“A garantia do contraditório, imposta pela Constituição com relação a todo e qualquer processo – jurisdicional ou não (art. 5º, inc. LV) – significa em primeiro lugar que a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes no processo e o juiz deve franquear-lhes esses meios. Significa também que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deste resolve-se portanto em um direito das partes e uma série de deveres do juiz.” (DINAMARCO, 2002, p. 213,214).

O princípio do contraditório também possibilita a dialética processual, que em

linhas gerais significa a busca pelo Estado-Juiz da síntese a partir do confrontamento

entre a tese levada a juízo pelo autor e a antítese sustentada pelo réu.

Para Marcos Destefenni o caráter dialético do processo é que faz surgir o

contraditório e daí também decorre a legitimidade de atuação do Estado-juiz, como se

vê em suas próprias palavras: “O princípio do contraditório decorre do fato de que a

relação jurídica processual deve ser dialética, como condição da própria legitimidade da

atuação do poder judiciário.” (DESTEFENNI, 2006, p. 14).

Em suma, o contraditório pode ser resumido como o princípio que ao mesmo

tempo informa às partes (autor e réu) e aos terceiros sobre tudo aquilo que foi praticado

no processo, permitindo ainda aos mesmos que esbocem uma reação. Se atendidas a

um só tempo a informação e possibilidade de reação, também o foi o contraditório.

Outrossim, ampla defesa para o constitucionalista Alexandre de Moraes:

“Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário.” (MORAES, 2007, p. 100).

Já para Cassio Scarpinella Bueno:

“Não há razão para deixar de entender a ampla defesa, [...], como a garantia ampla de todo e qualquer acusado em sentido ampla (que é a nomenclatura

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mais empregada para o processo penal) e qualquer réu (nomenclatura mais utilizada para o processo civil) ter condições efetivas, isto é, concretas de se responder às imputações que lhes são dirigidas antes que seus efeitos decorrentes possam ser sentidos. Alguém que seja acusado de violar ou, quando menos, de ameaçar violar normas jurídicas tem o direito de se defender amplamente.” (BUENO, 2009, p. 115).

Marcos Destefenni visualiza a ampla defesa como sendo a garantia destinada

às partes para que estas possam em juízo defender seus direitos e interesses, segundo

segue:

“A garantia da ampla defesa significa que as partes tem a garantia constitucional de promover a ampla defesa de seus direitos e interesses. Nesse sentido deve ser entendida a expressão, ou seja, ampla defesa de direitos, pois, com essa conotação, a expressão ganha significado mais amplo, aplicando-se ao autor e ao réu.” (DESTEFENNI, 2006, p. 19).

Finalizando, por ampla defesa, deve ser entendido a possibilidade, não

somente do réu, mas que as partes possuem de utilizar todos os meios lícitos, em

direito admitido, a fim de convencerem o magistrado de que sua tese, constitutiva,

declaratória, condenatória, mandamental ou executiva (para o autor) ou impeditiva,

modificativa ou extintiva (para o réu) está acobertada pela razão e, por isso deve

prosperar.

2.3 Princípios da Demanda e do Impulso Oficial

O princípio da demanda, também denominado princípio dispositivo ou da ação,

guarda estreita relação com a característica da inércia da jurisdição, a qual preconiza

que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado

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a requerer”, vide artigo 2º do Código de Processo Civil. Ou, nas palavras de Marcos

Destefenni: “Uma das características mais marcantes da jurisdição é a sua inércia, isto,

é o fato de que somente atua no caso de requerimento de uma parte ou interessado.”

(DESTEFENNI, 2006, p. 46).

O referido princípio busca sua fonte de validade no brocardo latino non

procedat judex ex officio, que na língua corrente significa não proceda o juiz de ofício.

Nas palavras de Antonio Carlos Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco:

“Princípio da ação ou da demanda, indica a atribuição à parte da iniciativa de provocar o exercício da função jurisdicional, como veremos denomina-se ação o direito (ou poder) de ativar os órgãos jurisdicionais visando à satisfação de uma pretensão. A jurisdição é inerte e, para sua movimentação exige a provocação do interessado. E a isso que se denomina princípio da ação: Nemo judex sine actore.(CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO. 2009. p. 63,64).

O referido princípio ao vedar o início da atividade jurisdicional de ofício pelo

Juiz, quer com isso, garantir, sobretudo, a imparcialidade do órgão jurisdicional e evitar

que a tutela jurisdicional seja prestada a quem não a solicitou. Acerca dessas

finalidades advindas do princípio da demanda leciona Rangel Dinamarco:

“A mais severa das limitações que o devido processo legal impõe ao exercício da jurisdição é a rígida proibição de exercê-la sem a iniciativa de um sujeito que peça a tutela jurisdicional (CPC, arts. 2º e 262). Essa exigência é imposta em atenção à necessidade de preservar a imparcialidade do juiz [...] e à inconveniência social de realizar processos para uma possível tutela a quem não se animou a pedi-la. Ela constitui a positivação legislativa das máximas ne procedat judex ex officio e Nemo judex sine actore.” (DINAMARCO, 2002, p. 42).

Contudo, uma vez retirado de sua inércia tem o Estado-Juiz o dever de

entregar, desde que atendidas todas as exigências legais (condições da ação e

pressupostos processuais), a tutela jurisdicional pleiteada. Com base nesse

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entendimento redigiu o legislador à época no Código buzaidiano o artigo 262, o qual

agasalha a um só tempo a junção dos princípios da demanda, há pouco mencionado, e

a do impulso oficial.

Salienta-se, que a parte ou interessado ao invocar a inafastabilidade do Poder

Judiciário e se utilizar de seu direito subjetivo de ação deve se atentar às condições da

ação e aos pressupostos processuais, sob pena de sua peça inicial ser indeferida ou de

sofrer a extinção anômala do feito; de uma forma ou de outra, não sendo sua pretensão

apreciada.

Superada as exigências legais à propositura da ação e estando em termos a

exordial, o Juiz a fim de instaurar o contraditório e possibilitar a ampla defesa,

assegurando desta feita o devido processo legal com os demais princípios a ele

inerente, incisos LIV e LV do catálogo de direitos fundamentais da Constituição Federal,

determinará a citação do réu.

Luiz Rodrigues Wambier conceituando e localizando o princípio do impulso

oficial dentro do processo converge com o que até aqui exposto e, assim aduz: “Outro

princípio é do impulso oficial, segundo o qual, uma vez instaurado o processo por

iniciativa da parte ou interessado (princípio da inércia), esse se desenvolve por iniciativa

do juiz, independentemente de nova manifestação da vontade da parte.” (WAMBIER,

2007, p. 71).

Como se pode observar, uma vez retirado da inércia o aparelho dirimidor de

conflitos estatal, este tem o dever de, atendidas certas exigências legais, entregar a

tutela jurisdicional ou pretendida pelo autor ou resistida pelo réu.

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2.4 Princípio da Razoável Duração do Processo

Com a nova ordem Constitucional instaurada pela Emenda número 45 de 2004,

que fez profundas modificações na estrutura, organização e funcionamento do Poder

Judiciário, guindou-se à categoria de direito fundamentai o princípio da razoável

duração do processo, hoje insculpido no inciso LXXVIII do rol de direitos e deveres

individuais e coletivos, o qual prevê que a todos em processo judicial e administrativo

são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação.

Diz-se alçado à categoria de norma constitucional, pois, muito embora o Brasil

já velasse, formalmente, pela célere solução dos litígios, em razão de ser signatário do

Pacto de San Jose da Costa Rica, (o qual prevê em seu art. 8º, inciso I, a garantia

judicial de que toda pessoa será ouvida por um juiz natural e imparcial e dentro de um

prazo razoável), incorporado ao ordenamento pátrio com a promulgação do decreto

número 678/1992, o princípio da razoável duração do processo somente passou a fazer

parte das garantias constitucionais processuais após a edição da referida Emenda.

O princípio em comento, também denominado de princípio da economia,

eficiência ou brevidade, agasalha a um só tempo dois postulados do direito processual.

Um deles diz respeito à razoável duração do processo e o outro, complementar aquele,

refere-se a celeridade da tramitação do próprio processo, consoante aduz Cássio

Scarpinella Bueno:

“É importa destacar que o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, mesmo que possa ser lido sob o modo comum de “economia processual”, [...], traz duas diretrizes diversas embora complementares. Uma é relativa à

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“duração razoável do processo”. Outra é relativa aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (BUENO, 2009. 146).

Embora os princípios pareçam dizer, em síntese, a mesma coisa, há

diferenciação. A razoável duração do processo está atrelada a percepção empírica do

tempo dispensado a dirimir lides dessa ou daquela natureza, chegando-se, daquela

análise, a uma média (meses, anos), diz-se, então, que esta é a razoabilidade que se

impunha à lides de idêntica natureza. Por sua vez, a celeridade da tramitação do

processo impõe meios e medidas, entre as quais pode se citar a prioridade de

tramitação insculpida no art. 1.211-A do CPC, acrescido pelo Estatuto do Idoso (Lei n.

10.173/2004), a adoção de meios eletrônicos no processo (Lei n. 11.419/2006), a

adoção de tutelas antecipatórias, entre outros, a fazer com que aquela média de tempo

dispendida para solução final do conflito, seja a menor e a mais breve possível, sem

que isso implique no desapego das demais garantias processuais. O devido processo

legal, o contraditório, a ampla defesa, entre outros, serão igualmente respeitados,

cabendo ao juiz conduzi-los harmoniosamente juntamente com a razoável duração do

processo e sua célere tramitação. Tal celeuma entre celeridade processual e segurança

jurídica foi objeto do item 1.4 supra.

Jose Afonso da Silva visualiza o princípio da razoável duração do processo

como mais uma garantia constitucional determinada a assegurar a já existente e igual

garantia do direito de acesso à justiça e efetividade da prestação jurisdicional (art, 5º,

XXXV da CF), de sorte que o contido no inc. LXXVIII do art. 5º da CF só terá, de fato,

eficácia com a adoção de políticas públicas, não sendo suficiente sua mera declaração

formal, como aliás sublinha o autor:

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“Aqui interessa o processo judicial, que é o resultado do exercício do direito de acesso à justiça previsto no inciso XXXV de que já falamos supra. De fato o acesso à justiça só por si já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado – mas crônica morosidade do aparelho judiciário o frustava; daí criar-se mais essa garantia constitucional, com o mesmo risco de gerar novas frustações pela sua ineficácia, porque não basta uma declaração formal de um direito ou de uma garantia individual para que, num passe de mágica, tudo se realiza como declarado. Demais, a norma acena para a regra da razoabilidade, cuja textura aberta deixa amplas margens de apreciação, sempre em função de situações concretas. Ora, a forte carga de trabalho dos magistrados será, sempre um parâmetro a ser levado em conta na apreciação da razoabilidade da duração dos processos a seu cargo. É, nesse contexto, que entra o outro aspecto da norma em análise, qual seja: a organização dos meios que garantam a celeridade da tramitação dos processos. A garantia de celeridade de tramitação dos processos constitui um modo de impor limites à textura aberta da razoabilidade, de sorte que se o magistrado demora no exercício de sua judicatura, por causa, por exemplo, de excesso de trabalho, a questão se põe quanto à busca de meios para dar maior celeridade ao cumprimento de suas funções, prevendo-se mesmo que o congresso nacional promova alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à justiça e mais célere a prestação jurisdicional (EC-45/2004), ART. 7º; se, no entanto, a morosidade decorrer da desídia do magistrado, o tribunal a que ele pertence, seja qual fora a sua condição, deve tomar as providências para o cumprimento das garantias asseguradas no inciso em apreço.” (SILVA, 2006, p. 432-433).

Acerca da inter-relação do princípio da razoável duração do processo com

os demais princípios, aduz Moacyr Amaral Santos:

“Conforme o princípio da brevidade, o processo deve desenvolver-se e encerrar-se no menor prazo possível, sem prejuízo do princípio da veracidade. O interesse público é o de que as demandas terminem o mais rapidamente possível, mas que também sejam suficientemente instruídas para que sejam decididas com acerto. Ao princípio da brevidade se prende intimamente o princípio da utilidade.” (SANTOS. 2002. p. 298).

Importa dizer que o princípio da razoável duração do processo, em suas duas

frentes, resulta ao processo uma indiscutível economia, quer seja de tempo às partes e

aos julgadores e serventuários da justiça, quer seja de recursos financeiros destinados

para mantença da máquina estatal dirimente de conflitos. Observou a esse respeito

Cássio Scarpinella Bueno:

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“Entre as várias possibilidades de aplicação daquela nova norma jurídica está, justamente, a de reconhecer nela a necessidade de o “processo” (sempre: método de atuação do Estado) e o “direito processual civil” como um todo ser pensado do ponto de vista de sua economicidade, seja em termos de tempo ou em termos de recurso, de técnicas ou de meios a serem empregados para atingimento de suas finalidades, visando, com isso, uma melhor e mais eficiente prestação da tutela jurisdicional.” (BUENO, 2009, p. 147).

Em que pese o princípio da economia estar originariamente atrelado à

universalidade de jurisdição, conquanto prevê como premissa básica a assistência

judiciário gratuita aos necessitados, vê-se com a citação acima o estribo fundamental

para se também rotular o princípio da razoável duração do processo como princípio da

economia, vez que a aplicação do princípio da razoável duração do processo implica

em economia de tempo, de recursos, etc.

Finalizando e justificando mais uma vez a abordagem deste princípio, nunca é

demais ressaltar que a prestação tardia pelo Estado-Juiz da tutela jurisdicional pode

acarretar a ineficácia do provimento jurisdicional final e, para além de não pacificar os

conflitos sociais, multiplica-os, na medida em que enquanto tramita o interminável

processo surge dele o dano marginal.

2.5 Princípio da Igualdade

Princípio da igualdade, também conhecido por princípio da isonomia ou da

paridade de tratamento, cuida em linhas gerais da premissa básica de que todos são

iguais perante a lei e, por conseguinte, a todos deve ser dispensado o mesmo

tratamento, não podendo aquela fazer qualquer distinção entre seus destinatários.

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O referido princípio é corolário, não só das garantias constitucionais

processuais, mas também de todos os direitos fundamentais salvaguardados pelo

Estado Democrático de Direito Brasileiro, tendo em vista que está estrategicamente

alocado no caput do art. 5º da Constituição Federal.

Cândido Rangel Dinamarco correlacionando os pilares sobre os quais se

assentam um Estado Democrático com o processo civil moderno destaca dentre eles a

igualdade, aduzindo:

“Destinado a ser um microcosmos em relação ao Estado democrático, o processo civil moderno rege-se pelos grandes pilares da democracia, entre os quais destaca-se a igualdade como valor de primeira grandeza. O princípio isonômico ditado pela constituição em termos de ampla generalidade (art. 5º, caput, c/c art. 3º, inc. IV), quando penetra no mundo processo assume a conotação de princípio da igualdade das partes. Da efetividade deste são encarregados o legislador e o juiz, aos quais cabe a dúplice responsabilidade de não criar desigualdades e neutralizar as que porventura existam.” (DINAMARCO, 2002, p. 207).

No campo do direito processual, conforme Marcos Destefenni: “A isonomia,

decorrente da conhecida ideia de que todos são iguais perante a lei, exige paridade das

armas no processo.” (DESTEFENNI, 2006, p. 20).

Porém, a igualdade formal, sustentada, entre outros dispositivos, pelo art. 5º

caput da CF, não exprime de fato a realidade vivenciada pelos sujeitos destinatários da

igualdade formal.

Visando minimizar a discrepância da norma nati morta, que, embora fosse

louvável, no intuito de prever que todos seriam iguais e a lei, assim, não os

diferenciaria, permitiu-se conceber a igualdade material ou substancial.

A partir dessa premissa, tem-se o conceito que igualdade é tratar os iguais de

maneira igual, e os desiguais desigualmente na justa medida de suas desigualdades.

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Cintra, Grinover e Dinamarco, acompanharam e assim redigiram a passagem

da igualdade formal para a material:

“A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidade para todos a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais.” (CINTA, GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p. 60).

Por força deste princípio, se autor e réu tiverem a mesma condição econômica,

aos mesmos serão dispensados por parte do Estado-Juiz idêntico tratamento. Caso

seja o autor pessoa humilde, não dispondo assim dos meios financeiros suficientes

para arcar com as custas processuais, sem seu detrimento próprio e o de sua família, a

ele será assegurado o direito de gozar dos benefícios da assistência judiciária gratuita,

já que se constitui este tratamento de uma medida desigual direcionada a um desigual.

Com isso, também se deu vazão ao acesso à justiça, no tocante à

universalidade da jurisdição, anteriormente mencionado.

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50

3. INSTITUTOS PROCESSUAIS ATINENTES À TUTELA ANTECIPADA DE

EVIDÊNCIA

Antes de abordar propriamente a tutela antecipada de evidência, faz-se

necessário tecer um breve comentário acerca de alguns institutos processuais, com os

quais está aquela intimamente atrelada. São eles:

3.1 Ação

Um dos temas sempre recorrente em manuais e cursos de processo civil, o

direito de ação, até atingir os moldes atuais, passou por uma vasta mutabilidade ao

longo há história, sobretudo nos dois últimos séculos, sendo ainda objeto de acentuada

divergência.

Como já demonstrado no item 1.2 supra, primeiro emana naturalmente o direito

material, e caso este não venha a ser respeitado espontaneamente pelos indivíduos do

grupo social o Estado por meio do direito regula as condutas e as consequências,

inclusive prevendo os meios e mecanismos que serão utilizados para a aplicação do

direito material ao caso concreto; sendo este, então, o direito processual dentro do qual

se insere o direito de ação.

Como o próprio direito processual surge em momentos de crise e fraqueza do

direito material, muito comum e natural que à luz de um estudo incipiente se vinculasse

e subordinasse o próprio direito instrumental ao substancial. E, assim ocorreu com o

direito de ação às diversas teorias que o tentaram explicar, até a atualmente aceita, a

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qual ainda não é pacífica por toda a doutrina e, ainda assim, ao menos em parte atrela

o direito de ação ao direito material – como se demonstrará a seguir.

O que releva a ser abordado por este tópico, a fim de dinamizar o estudo, são

as teorias que contribuíram incidente e diretamente à formulação da teoria hoje

adotada.

Luiz Rodrigues Wambier muito bem registrou as teorias advindas da separação

do direito processual do material, bem como expôs a chamada teoria concreta e o

motivo pelo qual – na visão do autor - a mesma não logrou êxito no sistema brasileiro,

pelo que aduz:

“Depois, outras teorias foram surgindo, já a partir da separação havida entre o direito material e o direito processual, resumindo-se, as mais importantes em duas: a teoria da ação como direito autônomo e concreto e a teoria da ação como direito autônomo e abstrato. A primeira - a ação como direito concreto - também não logrou obter êxito no nosso sistema, justamente porque somente admitia a efetiva existência da ação se e quando se tratasse de hipótese em que a sentença fosse favorável ao autor.” (WAMBIER, 2007 p. 124).

Marcos Destefenni visualiza a ação como direito autônomo e concreta como:

“Surgem as chamadas teorias concretistas, que, embora visualizem a diferença entre o direito de ação e o direito material, subordinam a existência do direito de ação à existência do direito material. Ou seja, entendia-se que tinha direito de ação somente aquele que tivesse efetivamente direito, que tivesse sua pretensão acolhida em juízo.” (DESTEFENNI, 2006, p.99).

Como se vê, a teoria da ação como direito autônomo e abstrato previa em

partes a ruptura do direito de ação da relação jurídica material, por isso autônoma, mas

condicionava o próprio exercício efetivo da ação se e semente se a sentença fosse

favorável, isto é, fosse procedente, caso contrário não haveria ação.

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Em sentido oposto da teoria supra, tem-se a teoria da ação como direito

autônomo e abstrato, a qual prevê o rompimento total do direito de ação com a relação

jurídica material. Para esta teoria, qualquer um pode provocar o Poder Judiciário,

independentemente de ter ou não razão naquilo que pede, pouco importando também

se tem ou não o direito que afirma possuir, a fim de obter uma prestação jurisdicional e,

para a presente teoria, sendo procedente ou improcedente a sentença, teve o

jurisdicionado o que pediu – atuação jurisdicional.

Luiz Rodrigues Wambier é adepto dessa teoria inclusive como sendo a que o

Estado brasileiro a adota, o que pode se notar pela seguinte passagem:

“A teoria que prevalece no nosso sistema processual é a da ação como direito abstrato de agir. Segundo essa teoria, a ação é o direito de que qualquer um é titular, e por meio do qual pode pedir a atuação jurisdicional - tenha ou não razão naquilo que pede, detenha ou não o direito que afirma deter. Então, se o juiz julga improcedente o pedido, isso significa que o autor não tinha o direito material alegado. No entanto, tinha, e exerceu, o direito de ação - tanto que pediu a atuação jurisdicional e a recebeu (ainda que mediante uma sentença desfavorável).” (WAMBIER, 2007, p. 124).

Repise-se, que apesar de controverso na doutrina qual a teoria do direito de

ação adotada pelo sistema processual pátrio, em que pese o embate teórico sobre o

tema, parece que o Código de Processo Civil brasileiro optou por adotar uma teoria que

mesclasse as duas anteriores: abstrata, porque independe (relativamente) da relação

jurídica material e, concreta, pois está condicionada às chamadas condições da ação.

Teoria eclética esta assim conceituada por Wambier:

“Mas há ainda uma teoria eclética, segundo a qual a ação é abstrata, mas condicionada. De acordo com essa doutrina, todos têm direito de pedir a atuação jurisdicional (é a "ação constitucional"). Mas nem todos têm o direito de receber uma sentença de mérito (ainda que desfavorável). Para tanto, é preciso preencher as codições da ação. A ação, na sua dimensão processual, é

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definida, segundo esse entendimento, como o direito a uma sentença de mérito. Então, para essa teoria, a "abstração” não é, todavia, absoluta, pois, para que se possa exercer o direito de ação, isto é, com possibilidade de se obter sentença de mérito (no processo de conhecimento), é preciso observar as condições da ação.” (WAMBIER, 2007, p. 124).

O traço distintivo entre estas teorias reside na relação de subordinação ou

dependência que o direito de ação deveria guardar com o direito material, presente na

teoria concreta e ausente na teoria abstrata.

Para a teoria atualmente adotada (eclética) direito de ação é ter direito a uma

sentença favorável ou não. Assim, a corrente eclética do direito de ação não está

vinculada a uma sentença favorável (teoria concreta), mas também não é totalmente

independente do direito material (teoria abstrata).

Elpidio Donizetti discorrendo sobre a teoria eclética sintetizou que para esta

teoria: “[...] Ação, portanto, numa concepção eclética: e o direito a um pronunciamento

que solucione o litígio, fazendo desaparecer a incerteza ou a insegurança gerada pelo

conflito de interesses, pouco importando qual seja a solução a ser dada pelo juiz.”

(Donizetti, 2007, p.21).

Neste diapasão, Cândido Rangel Dinamarco entende que estará assegurado e

exercido o direito de ação, tanto quando a sentença acolher a pretensão do autor, como

quando rejeitá-la. O que fica bem evidenciado pela seguinte passagem:

“Ação é costumeiramente definida como direito ou poder de exigir o provimento jurisdicional final ou, especificamente no processo de conhecimento, como o poder de exigir a sentença que julgue o mérito da causa ou ainda direito a Sêneca de mérito. Julgar o mérito é decidir a pretensão trazida pelo autor em busca de tutela jurisdicional – pela procedência ou improcedência. Ter ação não significa, por si só, ter direito a sentença favorável, mas direito a sentença de mérito tout court. Tanto atende ao direito de ação a sentença que acolhe a pretensão do autor, dando lhe tutela jurisdicional, como a que rejeita, tutelando o réu.” (DINAMARCO, 2002, p. 299,300).

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De outro lado, acerca das características do direito de ação e de suas

interpretações, constitucional e processual, aduz Costa Machado:

“Ação, em sentido constitucional, é o direito não sujeito a condições de invocar tutela jurisdicional do Estado Civil (CF, art. 5º, XXXVI). Já em sentido estritamente processual é o direito a uma sentença de mérito. Este é um direito: objetivo (autorização dada por uma norma jurídica); pública (porque contra o Estado); de índole constitucional (porque tem fundamento na CF); autônomo (porque distinto do direito material); abstrato (quanto ao conteúdo de provimento que gera: procedência ou improcedência); vinculada a uma situação concreta (o litígio ou relação controvertida); e que tem por objeto uma sentença de mérito (sentença que aprecia o pedido, pretensão ou direito material deduzido).” (MACHADO, 2007, p. 4).

Ação, é, portanto, o direito público e subjetivo posto à disposição da parte, que

o exerce se o achar por bem (subjetivo) em face do Estado (público), para que este

coloque em prática o sistema de solução de conflitos, previamente já disciplinado

(devido processo legal), com o intuito de promover a pacificação social, viabilizada com

a entrega da efetiva prestação jurisdicional, vinculada ainda ou não ao direito material

pretendido.

3.2 Tutela Jurisdicional

Como vem se explicando, o direito processual civil é o conjunto de princípios,

regras, normas e institutos que possibilita, em apertada síntese, a aplicação da norma

substancial ao caso concreto.

Esse conjunto de técnicas instrumentais pode ser dividido, como sustenta parte

dominante da doutrina, em três ou quatro grandes ramos, cada qual com seu

arcabouço próprio de regras, normas, princípios e outros institutos entrelaçados

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harmoniosamente entre si de tal modo a propiciar o postulado final e peculiar a que se

destinam, garantindo, também, com isso, o atingimento da finalidade precípua do direito

processual.

Àqueles que enxergam o direito processual estribado em um tripé, colocam-no

sobre os eixos metodológicos dos institutos da ação, da jurisdição e, por fim do

processo. Este grupo doutrinário é bem representado por: Ernane Fidelis dos Santos,

Elpidio Donizetti, Luiz Rodrigues Wamgier e Moacyr Amaral Santos que assim aduz:

“Ação, jurisdição, processo, eis o trinômio que enfeixa o fenômeno da resolução dos

conflitos de interesses; a ação provoca jurisdição, que se exerce através de um

complexo de atos, que é o processo.” (SANTOS, 2002, p. 147).

Já para outra parte da doutrina, que vislumbra o direito processual sobre um

quadrilátero, apenas acrescentam àqueles institutos a pouco mencionados a figura da

defesa. Esta linha é defendida e adota por: Luiz Guilherme Marinoni e Cândido Rangel

Dinamaraco, o qual aduz:

“As grandes categorias do direito processual, que compõem e exaurem o objeto das normas processuais, são a jurisdição, a ação, a defesa e o processo. A jurisdição é o poder que o juiz exerce para pacificação de pessoas ou grupos e eliminação de conflitos; a ação é o poder de dar início ao processo e participar dele com vista à obtenção do que pretende aquele que lhe deu início; a defesa é o poder de resistir, caracterizando-se como o exato contraposto da ação; o processo é ao mesmo tempo o conjunto de atos desses três sujeitos, o vínculo jurídico que os interliga e o método pelo qual o exercem suas atividades.” (DINAMARCO, 2002, p. 296-297).

Não obstante a divergência doutrinária supracitada, Cássio Scarpinella Bueno à

luz da efetividade da prestação jurisdicional, art. 5º, XXXV da Constituição Federal,

chama atenção ainda para a criação de um novo eixo metodológico do direito

processual civil, a tutela jurisdicional, ao fundamento de que:

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“A uma, porque também é daquela norma que se deve partir para uma reflexão sobre o conceito, sobre o alcance do que deve ser entendido sobre “tutela jurisdicional”: o que o autor, que se sente lesionado ou ameaçado em direito seu, pode buscar perante o Estado-Juiz a título de proteção? A duas, porque é a partir daquela norma que se pode (que se deve, a bem da verdade), construir um novo paradigma para estudo “tutelas jurisdicionais”, não como base na noção de reparação de uma lesão a direito já consumado, já ocorrida no tempo, mas a partir da ideia de lesão a ser evitada, a partir, pois, da noção de ameaça a direito.” (BUENO, 2009, p. 270,271).

Como se vê, pretende o autor alçar a tutela jurisdicional à categoria de instituto

independente e autônomo do direito processual, servindo esta não somente ao objeto

que se destina a reparar o direito já lesionado, mas também assumindo um papel ativo

e eficaz a impedir a consumação da lesão ao direito.

Outro princípio constitucional, além do já mencionado princípio da efetividade,

que se deve dar importância na visão do autor para instituir a verdadeira efetividade

tempestiva e eficaz da prestação jurisdicional pelo Estado-Juiz é o princípio da razoável

duração do processo, ou da economia/eficiência (supra 2.4), como chama o autor que

assim aduz:

“Nada há de errado em, dando merecido destaque ao inciso LXXVIII do art. 5º, o “princípio da economia e eficiência processuais” [...], também levá-lo em conta para que as reflexões sobre o tema “tutela jurisdicional” sejam evidenciadas, e a necessidade de a atividade do Estado-Juiz dever-ser eficiente, deve-ser tempestiva, dever-ser pensada de forma a garantir a obtenção de melhores resultado com o mínimo de atividade.” (BUENO, 2009, p. 271).

Frise-se, diante da já fragmentada ideia de que o processo é o método pelo

qual tende a ser realizado e concretizado, a tutela jurisdicional, para Scarpinella Bueno,

“só pode ser entendida como esta realização concreta do direito que foi lesado ou

ameaçado.” (BUENO, 2009, 271).

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Nessa linha de raciocínio, tem-se que tutela jurisdicional é, portanto, tutela a

salvaguarda dos próprios bens e direitos que o Estado tutela ou mais sinteticamente,

tutela jurisdicional é proteção ao quadrado: uma, pela própria proteção que, dada a

relevância do bem ou direito, o Estado elege a tutelar e, outra, a proteção que se deve

dar às normas que tutelam os bens ou direitos importantes.

O autor, em termos de proteção, vai ainda mais adiante, discorrendo que a

proteção da tutela jurisdicional agasalha a um só tempo os pedidos mediato e imediato,

consoante assim aduz:

“O que é importante, pois, de se ter em mente, destarte, é que tutela jurisdicional significa, a um só tempo, o “tipo” de proteção pedida ao Estado-Juiz – o que a doutrina tradicional usualmente chama de “pedido imediato” – mas também (e principalmente) os “efeitos práticos” desta proteção no plano do direito material com vistas a proteger um determinado bem jurídico (um determinado interesse) que justificou o pedido de exercício da função jurisdicional (“pedido mediato”, para empregar a nomenclatura tradicional) (BUENO 271,272).

Da passagem acima, extrai-se que tutela jurisdicional é dar, a quem tem razão,

o bem da vida controvertido que motivou seu ingresso em juízo para defendê-lo,

(pedido mediato), seja no curso ou ao final do processo, respectivamente, pelo

emprego das tutelas antecipatórias ou pelo uso das sentenças (declaratória,

constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva – pedido imediato).

Após a breve dissertação acerca dos princípios da efetividade, economia,

razoável duração do processo e do princípio da eficiência, bem como da análise da

proteção da salvaguarda dos direitos tutelados pelo Estado e, por fim, da abordagem

sobre os pedidos mediato e imediato, torna-se possível, neste momento, conceituar e

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enfatizar o relevante posto que a tutela jurisdicional ocupa, justificando, bem assim, o

porquê deve a mesma ser encarada como eixo metodológico do direito processual.

A respeito desses fatores, leciona Scarpinella Bueno:

“De todo o exposto, é lícito concluir que a expressão “tutela jurisdicional” só pode ser entendida como significativa da “proteção jurisdicional efetiva e tempestiva dos direitos controvertidos”. Ao lado e sem prejuízo da declaração judicial de uma específica ameaça ou lesão a direito pelo Estado-Juiz há correlata necessidade, em todas aquelas situações em que a mera declaração judicial não der àquele que busca do Estado-juiz a satisfação que aguardava no plano do direito material, da atuação concreta da normatização jurisdicional, isto é, da produção pelo juiz de outros atos voltados precipuamente à satisfação do autor.” (BUENO, 2009, p. 276)..

Por ouro lado, a tutela jurisdicional é conceituada pela doutrina clássica,

representada pelos autores infra, como sendo:

- para Elpídio Donizetti, a tutela jurisdicional é a lei específica, ditada no caso

concreto, quando as partes submetem ao Estado-Juiz a solução de um conflito de

interesses, pelo que assim aduz:

“Pode ocorrer, porém, de a lei não ser suficiente para evitar os conflitos de interesses, [...]. surgido um conflito de interesses, a parte cujo direito é ameaçado ou violado deve buscar na lei, uma lei específica para o caso concreto. Vale dizer, ante a insuficiência da lei abstrata parte-se para uma lei específica, representada pela decisão judicial que resolve o conflito de interesses ou, simplesmente, soluciona a lide. Para esse mister, o Estado põe à disposição dos jurisdicionados a via processual, “cuja finalidade é garantir que a norma substancial seja atuada mesmo quando o destinatário não o faça espontaneamente”.” (DONIZETTI, 2007, p. 7, 8).

- para Cândido Rangel Dinamarco:

“Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão no litígio deduzido em processo. Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupo de pessoas, em relação ao bem

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pretendido ou à situação imaterial desejada ou indesejada. Receber tutela jurisdicional significa obter sensações felizes e favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição.” (DINAMARCO, 2002. p. 104).

Consoante se extrai dos autores supracitados, ambos veem, em linhas gerais, a

tutela jurisdicional como sendo aquele provimento que se prestará àquele que tem

razão ao final do exercício da jurisdição. Fica evidente, por este viés, que para os

referidos autores a tutela jurisdicional não é um meio em si, tampouco se presta a

salvaguardar o direito lesionado ou ameaçado de lesão, sendo somente, pois, a mera

prestação jurisdicional pleiteada.

No entanto, a proposta de Scarpinella Bueno é justamente antagônica às

posições adotadas pelos referidos autores. Pretende este autor emancipar a tutela

jurisdicional da jurisdição, o que pode ser bem visualizado pela seguinte passagem:

“É chegada a hora de ser sublinhado a necessidade de ser construído um verdadeiro “neoconcretismo”, [...]. Para tanto, é imperioso indicar, como quer este Curso, a “tutela jurisdicional” como eixo metodológico do direito processual civil distinta de outros temas como a “ação”, o “processo”, a “defesa” e a própria “jurisdição”. A tarefa, com efeito, mostra-se bastante recompensadora para o processualista civil da atualidade em busca da construção proposta pelo parágrafo anterior. A construção de um “neoconcretismo”, tal como este Curso propõe, convida a uma verdadeira revisitação das estruturas clássicas e tradicionais do nosso direito processual civil, do contesto do seu exame e da indicação de um novo eixo metodológico (a tutela jurisdicional), para adequá-las, vez por todas, ao anseios, por todos compartilhado, do papel a ser desempenhado pelo processualista civil do século XXI e, mais amplamente , pelo próprio direito processual civil, inclusive legislado, a partir de seu “modelo constitucional”. ” (BUENO, 2009, p. 277,278).

Cabe por fim ressaltar que a tutela jurisdicional da forma como proposta por

Bueno e abordada neste capítulo, está longe de ser matéria pacífica na doutrina, como

aliás se demonstrou. Visualizá-la, porém, sob a ótica aqui exposta trará maior fluidez

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quando da intelecção da tutela antecipada de evidência, o que ficará mais bem

demonstrado no capítulo 6 infra.

3.3 Cumulação de Pedidos

O instituto da cumulação de pedidos foi previsto no processo civil em apego ao

princípio da economia. Destarte, se a cada pretensão subjetiva do autor (ação) fosse

dado deduzir somente um pedido por vez, inúmeras seriam as ações entre as mesmas

partes e desnecessário também seriam os institutos da conexão e da continência.

Acerca da economicidade que a cumulação de pedidos implica para o

processo, aduz Luiz Rodrigues Wambier:

“O Art. 292 permite que ao autor cumule, na mesma ação, mais de um pedido em face do mesmo réu. Na verdade, trata-se de cumular mais de uma ação contra o mesmo réu, Pois, já que cada pedido autoriza uma ação independente, realmente existe tantas ações quantos forem os pedidos.” (WAMBIER, 2007, p, 302).

Antonio Cláudio da Costa Machado também visualiza o instituto da cumulação

de pedidos sob o prisma da economicidade, afinal:

“A figura da cumulação de pedidos num único processo inspira-se inequivocadamente no princípio da economia e tem por finalidade impedir a proliferação de causas mediante o julgamento único de vários litígios. Se vários pedidos se cumulam, na verdade o que há é uma cumulação de ações, uma vez que cada pedido corresponde a uma ação e isso independentemente da identidade ou não da causa de pedir.” (MACHADO, 2007, p. 304).

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O apego ao princípio da economia trouxe ao processo civil, entre outros, a

possibilidade de cumulação subjetiva (litisconsortes, CPC arts. 46 e 47) e a objetiva,

tratada pela norma em comento.

Outro não é o entendimento da doutrina, aduzem Nelson Nery Jr. e Rosa Maria

de Andrade Nery que: “A norma permite cumulações de ações no mesmo processo. A

cumulação pode ser objetiva (de pedidos) ou subjetiva (de partes – litisconsórcio – CPC

46 47).” (NERY Jr. e NERY, 2006, p. 486).

A respeito da cumulação de pedidos, também já se posicionou o Superior

Tribunal de justiça, por meio da súmula número 47, que prevê a possibilidade de se

cumular em uma só ação, quando derivados do mesmo fato, indenização por dano

moral e material.

Há no ordenamento jurídico pátrio diversas formas de cumulação de pedidos,

como, por exemplo, a cumulação implícita, que mesmo sem a expressa pretensão do

autor a seu respeito, lhe será dada, sem que isso, contudo, implique por parte do juiz

em desrespeito ao princípio da congruência da sentença ao pedido, já que se trata de

expressa previsão legal, constante do art. 290 do CPC.

Costa Machada observou outras espécies de cumulação de pedidos:

“Além da cumulação subsidiária (art. 289) e da implícita (art. 290), [...] outras formas existem, como a cumulação sucessiva, a simples e o concurso de pedidos, que a rigor, não é cumulação pelo menos pelo prisma formal. As três encontram-se admitidas pelo presente dispositivo. [...] Cumulação sucessiva se verifica quando se deduzem dois pedidos e o segundo só é apreciado no caso de o primeiro ser julgado procedente [...]. Já a cumulação simples e a que, em lugar em função da independência dos pedidos cumulados [...]. E, por fim, consideramos o concurso de pedidos que se dá nas hipóteses em que há formalmente um só pedido e um só fundamento.”(MACHADO, 2007 p. 304-305).

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Consoante se extrai da citação supra, a cumulação de pedidos sucessiva terá

lugar quando o primeiro pedido for julgado procedente, analisando-se, após,

sucessivamente o segundo. Já haverá cumulação simples quando, dada a

independência dos pedidos, o segundo, terceiro e, assim por diante, puder ser

apreciado independentemente do acolhimento do primeiro pedido. Por fim, concurso de

pedidos, não é propriamente uma cumulação de pedidos, senão uma hipótese de

cumulação de causas de pedir para um só pedido.

Todavia, o direito de cumular pedidos não é absoluto, e deve o autor caso

pretenda desse instituto se valer, atentar para os requisitos previstos no art. 292 §1º e

seus incisos, que devem estar concomitantemente presentes, sob pena de o juiz rejeitar

o pedido em sede de medida liminar, ou sob a forma de extinção (CPC art. 329), ou

ainda, com o saneamento do feito (CPC art. 331, §2º).

Constituem requisitos exigidos para a cumulação de pedidos: em primeiro lugar

que os pedidos sejam compatíveis entre si.

Pedidos compatíveis entre si são aqueles que podem coexistir em uma só

decisão sem que um conflite no todo ou em parte com o outro. Assim, não é possível

em uma só ação pleitear a rescisão contratual e a obrigação forçada do objeto

contratado.

Caso se depare o juiz com um pedido dessa natureza, facultará ao autor a

emenda da inicial para optar com qual dos pleitos quer prosseguir ou até mesmo

rejeitar a inicial por ser a mesma inepta, nos termos do art. 295, parágrafo único, inciso

IV do CPC.

Segundo, que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo.

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Por este requisito deve ser guardada obediência às regras de competência

material, territorial e funcional.

E, por fim, que seja adequado para todos os pedidos o mesmo procedimento e

também o mesmo processo.

O processo e o procedimento por qual deve o autor trilhar tem de ser

compatível com todos os seus pedidos, ou na impossibilidade disso ocorrer, deve,

então, ser adotado o mais amplo e abrangente, no caso o ordinário, conforme

disposição do §2º do art. 292 do CPC.

Sobre os requisitos exigidos da cumulação de pedidos, sintetiza Luiz Rodrigues

Wambier:

“Todavia, o § 1º do art. 292 exige, para a cumulação, os seguintes requisitos: I) compatibilidade. Diversamente do que ocorre na cumulação eventual (ordem sucessiva de pedidos), caso em que o atendimento a um deles exclui a do outro, a cumulação propriamente dita exige que os pedidos cumulados não sejam excludentes, porque todos poderão ser atendidos. Assim, não é possível pedir a restituição da coisa e o pagamento do preço, porque uma coisa exclui a outra. II) competência. Já que todos os pedidos cumulados serão conhecidos (sob pena de nulidade da sentença), é mister que o juízo seja competente para todos. Se se tratar de incompetência absoluta, a cumulação está vedada. Se relativa, é possível a cumulação, face o fenômeno da prorrogabilidade. III) procedimento adequando. Não cabe ao autor escolher o procedimento que melhor conforta sua pretensão. Compete-lhe, apenas, adequar a ação ao procedimento previsto. Por isso, se os diversos pedidos tiverem seguir procedimentos distintos, a cumulaçã9 está afastada, exceto se o autor abrir mão das peculiaridades que o procedimento sumários ou especial lhe outorga, optando em formular todos os pedidos pelo procedimento comum ordinário (art. 292, §2º). Todavia, jamais será viável quando os pedidos disserem respeito à espécies distintas de processo. Assim, é impossível cumular pedido de execução por quantia certa fundada em título executivo extra judicial com pedido de condenação ao pagamento de uma outra quantia. O primeiro enseja o processo de execução; o segundo, de conhecimento.” (WAMBIER, 2007, p. 302-303).

Por fim, vale lembrar, que o autor poderá cumular pedidos contra um mesmo

réu, ainda que entre eles não haja conexão.

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3.4 Da Citação à Revelia e seus Efeitos

O Código de Processo Civil conceitua citação como sendo o ato pelo qual se

chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender, vide CPC art. 213.

Como já visto anteriormente, a citação é o meio pelo qual se angulariza a

relação jurídica processual, pela mesma também se instaura o contraditório,

assegurando-se desta feita, num primeiro momento, a obediência ao devido processo

legal e possibilitando ainda que o réu exerça a ampla defesa.

Outro não é o entendimento da doutrina acerca da multifuncionalidade da

citação. Para Luiz Rodrigues Wambier citação:

“É também pressuposto processual de existência a citação válida do réu. Antes da citação do réu há no processo apenas um esboço inicial da relação jurídica que se formará, efetivamente, com esse ato pelo qual ao réu é dada ciência da existência de processo contra si.” (WAMBIER, 2007, p. 213).

Dada sua importância para o processo, a mesma se dará, precípua e

inicialmente, pelos meios que revistam de certeza a consumação do ato citatório,

podendo ser então praticada por Carta com Aviso de Recebimento (A.R.),

pessoalmente, por Oficial de Justiça e ainda por meio eletrônico.

Caso reste prejudicada a citação real pelas formas supracitadas e esgotados

todos os meios de tentativa para a localização do atual paradeiro do réu, adota-se a

citação ficta; como faz pressupor o nome, há apenas uma presunção de que o ato se

perfectibilizou. Esta modalidade de citação ocorre ou por edital ou por hora certa, mas

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em ambos os casos, uma vez decorrido o prazo, peculiar a cada espécie, sem qualquer

manifestação do citado, nomeará o Juiz um curador especial, conforme artigo 9º inciso

II do Código Instrumental Civil.

Muito embora seja o processo bastante amplo e sedimentado, abarcando

processos de conhecimento, execução e cautelar, sendo ainda trilhado por

procedimentos, tais como o sumário, ordinário e especiais, adotar-se-á nesta

monografia, a fim de unificar as glosas, o processo de conhecimento pelo procedimento

ordinário.

Consumado o ato citatório, abre-se ao réu algumas possibilidades que vão

desde a inércia total, quando queda-se silente, sendo então revel, e até mesmo

reconhecer a procedência da pretensão deduzida pelo autor.

Poderá ainda o réu apresentar resposta, assim entendida por Cândido Rangel

Dinamarco: “Resposta é a reação ao estímulo externo. Resposta à demanda inicial é a

reação do demandado, em processo de conhecimento ao estímulo feito pela citação, a

qual o tornou parte e deu lhe ciência dos termos da demanda do autor.” (DINAMARCO,

2002, p. 444).

E assim por Elpídio Donizetti: “Resposta é qualquer manifestação do réu em

atendimento à citação. Compreende a contestação, exceção, reconvenção, nomeação

à autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo, impugnação ao valor da

causa e o reconhecimento da procedência do pedido” (DONIZETTI, 2007, p. 298).

Entretanto, para o CPC art. 297, a resposta do réu consiste em contestação e/ou

reconvenção e/ou exceção.

Frise-se, o réu não está obrigado a responder. Como já dito, pode o mesmo

quedar-se silente, hipótese em que sofrerá os efeitos da revelia, se a lei assim os

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admitir. A respeito dessa faculdade observou Donizetti: “Evidencie-se que a lei não

compele o réu a defender-se, mas apenas estabelece consequências para sua inércia.”

(DONIZETTI, 2007, p. 298).

Pode ainda o citado fazer objeções processuais, tais como: oferecer

impugnação ao valor da causa ou impugnar o benefício da assistência judiciária gratuita

concedida ao autor.

Em que pese a gama de possibilidades a serem adotadas pelo réu, a defesa

por excelência fica a cargo da contestação, peça por meio da qual fica facultado ao réu

alegar toda a matéria de mérito (defesa substancial direta ou indireta), bem como arguir

todas as questões preliminares incidentais e questões prejudiciais de mérito (defesa

processual). Ademais, a impugnação específica dos pedidos e dos fatos alegados pelo

autor também se dá no bojo da contestação (artigos 285 e 302, ambos do mesmo

codex).

Da análise do primeiro artigo mencionado extrai-se que o réu será citado para,

querendo, apresentar resposta e a caso não conteste a ação, será logicamente revel.

Já o segundo imputa ao requerido o ônus de se manifestar especificamente sobre cada

fato narrado pelo autor em sua exordial, sob pena de não o fazendo gerar com isso a

incontrovérsia quanto ao fato não impugnado.

Rangel Dinamarco, novamente igualando os direitos de ação e de defesa,

destaca a relevância das afirmações das partes: primeiro ao autor e após ao réu,

imputando, ainda, a este o ônus da impugnação específica, consoante aduz que:

“O primeiro e mais amplo de todos os ônus imposto a todas as partes é o de afirmar. O autor tem o ônus de afirmar suas razões para demandar adequadamente, sob pena de se quer abrir caminha para a tutela jurisdicional

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(princípio da demanda). O réu tem o de fazer afirmações contrárias as do Autor, com as quais estabelece controvérsias no processo e convida o juiz a decidir conforme a prova e sua convicção. Como o canal tecnicamente adequado para criar essas controvérsias é a resposta que o réu pode oferecer à demanda inicial, logo que integrado ao processo ele se vê diante dessa importantíssima manifestação de seu ônus de afirmar, que é o ônus de responder.” (DINAMARCO, 2002, p. 527, 528).

Como já dito, o réu não é obrigado a responder, até porque a ele é oferecida

esta faculdade, de cujo exercício não importa a mais ninguém, com o mesmo efeito,

senão a ele próprio. Contudo, se o citado não exerce o ônus de responder defendendo-

se, incide, caso aceite o direito reclamado e permita idem a lei, a contumácia, cuja

revelia é espécie, conforme preleciona o já citado autor:

“Revelia, instituto próprio ao processo de conhecimento e ao cautelar, é a inércia consistente em não responder. /...] O conceito amplo, que abrange a inércia em qualquer espécie de processo, é a contumácia, gênero do qual a revelia é espécie.” (DINAMARCO, 2002, p. 457).

Para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery há diversas formas de se

caracterizar a ausência de contestação, e, delas decorrerá, conforme cada caso, a

qualidade da formação da revelia, que nas palavras dos autores pode ser:

“Ausência de contestação. caracteriza-se quando o réu: a) deixa transcorrer em branco o prazo para contestação; b) contesta intempestivamente; c) contesta formalmente mas não impugna os fatos narrados pelo autor na petição inicial. Pode ser total ou parcial, formal ou substancial. há revelia parcial quando o réu deixa de impugnar algum ou alguns dos fatos articulados pelo autor na vestibular. Há revelia formal quando não há formalmente a peça de contestação ou quando é apresentada intempestivamente. Há revelia substancial quando, apesar de o réu ter apresentado a peça não há conteúdo de contestação, como, por exemplo, quando o réu contesta genericamente, infringindo o CPC art. 302 caput.” (NERY Jr. e NERY, 2006. p. 517).

Como se vê, a ausência de contestação ou sua protocolização intempestiva

enseja a revelia formal. Será a revelia substancial quando havendo peça contestatória

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esta não for dotada de conteúdo defensivo. Por fim, poderá haver revelia parcial,

quando o réu deixar de impugnar especificamente algum dos fatos e pedidos ventilados

pelo autor em sua vestibular, sendo este o ponto de tangência da revelia com o

presente trabalho.

O ônus de não contestar a inicial faz com que o réu incida no estado da revelia,

que conforme já dito implica em alguns efeitos negativos, dentre os quais destacou

Marcos Destefenni:

“Ocorrendo a revelia, por um dos motivos acima expostos, incidirão, fundamentalmente, duas principais conseqüências: a) presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 319 do CPC). O presente efeito nem sempre ocorre, pois o art. 320 do CPC, por exemplo, elenca várias situações em que a revelia não produz o efeito ora comentado; b) efeito secundário: o art. 322 do CPC, com a redação dada pela lei n. 11.280/2006, estabelece que, contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. Portanto, o transcurso do prazo sem intimação só ocorrerá se o revel não tiver patrono nos autos. Embora reputados verdadeiros os fatos alegados pelo autor, tal efeito não proporciona, necessariamente, a procedência da ação.” (DESTEFENNI, 2006, p.279).

O ônus da impugnação específica é largamente comentado pela doutrina e sobre

o mesmo aduz Wambier:

“O art. 302, caput, expressa o Ônus que tem o réu de impugnação específica dos fatos narrados na petição inicial. Nas alegações da contestação, cabe ao réu, manifestar-se precisa e especificamente sobre cada um dos fatos alegados pelo autor, pois, são admitidos como verdadeiros os fatos não impugnados. Disso resulta não ser admissível contestação por negativa geral, em que o réu apenas afirma que os fatos alegados pelo autor não são verdadeiros. O ônus da impugnação específica exige que o réu, além de manifestar-se precisamente sobre cada um deles, expresse fundamentação em suas alegações, ou seja, cumpre ao réu dizer como os fatos ocorreram e porque nega os fatos apresentados pelo autor.” (WAMBIER, 2007, p. 347,348).

Ainda sintetiza Donizetti:

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“Para evitar os efeitos da revelia, não basta defender-se, é indispensável que impugne o réu todos os fatos narrados na petição inicial, sob pena de presumir verdadeiro o fato não impugnado. É o ônus da defesa específica, inserto no art. 302.” (DONIZETTI, 2007, p. 300).

Neste caminhar, já amadurece a idéia de que a falta de contestação de um ou

mais dos fatos, ainda que seja relativamente à parcela dele, torna-o incontroverso,

adjetivo também atribuído ao pedido decorrente daquele fato não impugnado.

Contudo, a presunção de veracidade dos fatos decorrentes da revelia não é

absoluta, pelo contrário. Necessário se diferenciar revelia de seus efeitos. Estes são

normalmente esperados quando não presentes uma das hipóteses previstas nos arts.

302 e 320 do CPC, enquanto aquela, de mais fácil visualização, fica evidente quando:

não há contestação; quando for intempestiva; quando não for ventilada matéria de

defesa na peça defensiva, seja relativo a um ou mais fatos, ou com relação a toda

pretensão do autor.

Revelia, é, pois, um estado do réu resultante da atitude adotada durante o

prazo de apresentação de resposta. Já os efeitos desse estado são mais amplos e

dependem não somente da postura do réu, mas também de fatores intrínsecos ao

processo, tais como sobre qual direito versa o litígio, existência de documentos que

sustentem e corroborem com a tese inicial, entre outros.

Costa Machada ao comentar o art. 319 do CPC chama a atenção para a

diferença entre revelia e seus efeitos, a saber:

“O dispositivo institui os efeitos materiais que normalmente defluem do estado processual da revelia. Dizemos “normalmente” porque nem sempre eles se verificam (v. art. 320), o que mostra que revelia e efeitos da revelia não se confundem. A presunção da veracidade dos fatos alegados, embora a lei não

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diga expressamente, é relativo, o que significa dizer que o juiz poderá não levá-la em conta caso tenha dúvidas decorrentes de documentos ou outras provas dos autos ou, simplesmente, decorrentes da falta de verossimilhança dos fatos alegados. Presentes tais dúvidas no espírito do juiz, pode este, a despeito da revelia e do disposto neste artigo, sanear o processo e designar audiência para que o autor faça prova oral dos fatos aduzidos. Pode, ainda, determinar a produção de outras provas de ofício (art. 130).” (MACHADO, 2007, p. 334).

A falta de contestação ou de impugnação específica não gerará, contudo, os

efeitos da revelia (CPC incisos dos art. 302 e 320) quando: se não for admissível a

confissão dos fatos; se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento

público que a lei considere de substância do ato e, por fim, se os fatos alegados na

inicial estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

O ônus da impugnação específica também não recai, sem que isso implique em

revelia, sobre o advogado dativo, o curador especial e sobre os membros do Ministério

Público.

Embora um pouco tênue a linha divisória entre incontrovérsia e revelia, estas

são inconfundíveis. Já ficou bem sedimentado que revelia é a falta do oferecimento de

contestação pelo réu, CPC art. 285. Enquanto incontrovérsia é a ausência de

impugnação específica sobre um ou mais fatos declinados na exordial.

Deveras, nunca é demais reforçar que se o réu a um primeiro momento for

revel, daí decorre logicamente a incontrovérsia dos fatos. A recíproca, no entanto, não é

verdadeira, mesmo tendo contestado a ação, o requerido poderá ensejar a

incontrovérsia de um ou mais fatos, bastando para tanto que não os impugne

especificadamente.

Por ora limita-se neste item a análise supra explanada acerca da revelia e da

falta de impugnação específica, ficando os demais consectários reservados ao capítulo

5 desta.

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Superada a questão acerca da incontrovérsia do fato narrado pelo autor, poderá

então o pedido ou parcela que se funde justamente no fato incontroverso ser

antecipado pela tutela de evidência? A resposta para essa indagação será objeto do

capítulo quinto desta monografia.

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. TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA FRENTE AS DEMAIS TUTELAS

ANTECIPATÓRIAS

Todo aquele que sofrer lesão ou ameaça a direito, desde que atendidas as

demais exigências legais, encontra-se suficientemente legitimado para bater às portas

do Poder Judiciário clamando por uma medida efetiva que cesse ou afaste a ameaça

iminente, medida esta que será concedida ao final de um devido processo legal.

Porém, há certos casos que a lesão ou a ameaça reclama por uma medida

mais enérgica e célere de tal magnitude a ponto de fazer cessar imediatamente a

ofensa, sob o risco de o provimento jurisdicional final não mais servir à parte que o

solicitou. Como aliás observa Cândido Rangel Dinamarco:

“Mas há situações urgentes em que, a espera pela realização de todo o conhecimento judicial, com a efetividade do contraditório, defesa, prova e discussão da causa, os fatos podem evoluir para a consumação de situações indesejáveis, a dano de algum dos sujeitos.” (DINAMARCO, 2002, p. 160).

Nesses casos, a fim de assegurar a efetividade da prestação jurisdicional, é que

se concebe a postergação da instauração do contraditório e da ampla defesa pelo

instituto conhecido como antecipação da tutela por via liminar inaudita altera parte. O

que na ótica de Humberto Theodoro Junior é perfeitamente cabível: “Mesmo deferida in

limine, o processo forçosamente terá de prosseguir até o julgamento final de mérito (§

5º). Justamente por isso é que a liminar prevista no art. 273 pode conviver com o

princípio do contraditório.” (THEODORO Jr., 2008, p. 372).

Não se trata, como observa Luiz Rodrigues Wambier, de uma exceção ao

princípio do contraditório. Este é apenas postergado, diferido, podendo o réu exercê-lo

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ampla e livremente durante o deslinde do feito:

“O contraditório não admite exceções: mesmo nos casos de urgência, em que o juiz, para evitar o periculum in mora, provê inaudita altera parte (CPC, arts. 929, 932, 937, 813 ss), o demandado poderá desenvolver sucessivamente a atividade processual pela e sempre antes que o provimento se torne definitivo.” (WAMBIER, 2007, p. 70).

Antes, obviamente, mister se faz para a postergação do contraditório e para

concessão da tutela antecipada, o preenchimento dos requisitos exigidos em cada

caso. Assim, terá a parte autora para obter sucesso em sua pretensão inicial de

demonstrar em sua exordial os requisitos elencados num dos seguintes preceitos

legais: art. 273, incisos I ou II ou § 6º; no art. 461, § 3º e art. 461-A, todos do Código

Instrumental Civil. Também terá de fazer pedido expresso a esse respeito, haja vista

que por não ser a tutela antecipada um requisito da petição inicial, o juiz não pode

concedê-la de ofício, somente se a parte interessada expressamente requerê-la. Não é,

portanto, a tutela antecipada questão de ordem pública, sofrendo, pois, as limitações

impostas pelo princípio da inércia do judiciário.

Acerca do requisito da expressa solicitação do autor aduz Cássio Scarpinella

Bueno:

“O pedido de antecipação de tutela formulado com fundamento no art. 273 ou no § 3º do art. 461 não deve ser entendido como elemento da petição inicial. Não só porque a ele não se refere o art. 282, mas também porque nem sempre a hipótese fática levada para a solução perante o Estado-juiz envolve situação que se amolda àqueles comandos legais e que autoriza a antecipação da tutela jurisdicional liminarmente. Notadamente quando a antecipação da tutela exigir comportamento procrastinatório ou abusivo do réu (art. 273, II) ou a incontroversa do pedido ou parte dele (art. 273, § 6º) que supõe, como regra, prévia manifestação (ou omissão) do réu. O que, para os fins presentes, deve ser destacado, no entanto, é que se o autor entender que a hipóteses concreta reclama a antecipação dos efeitos da tutela já no linear do processo, mister que ele formule pedido nesse sentido, demonstrando, de plano, a ocorrência dos pressupostos legais na própria

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petição inicial. Máxime porque a letra do caput do art. 273 exige pedido da parte para a antecipação da tutela jurisdicional. Considerando que a – prova inequívoca -, que convença o magistrado da – verossimilhança da alegação -, é um desses pressupostos, não há como o autor deixar de produzir nesse caso, toda prova documental que possuir e justificar a necessidade da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional”. (BUENO, 2010, p. 136,137).

Como não pode deixar de ser observado, a prova inequívoca, indispensável ao

convencimento do magistrado da verossimilhança do direito do autor, é requisito que se

impõe a toda tutela antecipatória prevista no artigo 273, sempre cumulada com mais um

segundo requisito, que pode ser alternativamente o fundado receio de dano irreparável

(inciso I), ou o abuso de direito de defesa do réu ou manifesto propósito protelatório

(inciso II), ou ainda a falta de impugnação específica a um ou mais fatos sobre os quais

se fundam os pedidos do autor (§ 6º).

A esse respeito aduzem CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO:

“O fumus boni juris está referido no art. 273, caput, como prova inequívoca – expressão que a doutrina e os tribunais interpretam como probabilidade suficiente. Por outro lado, para antecipar tutela nem sempre é necessária uma situação de urgência (periculum in mora – art. 273, § 1º): as antecipações devem também ser concedidas em repressão a atos de retardamento processual praticados pelo réu (art. 273, II) ou quando houver incontrovérsia a respeito de parte dos fatos relevantes para decidir a causa (art. 273, § 6º)”. (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p. 343)

É de se sublinhar que os arts. 461 §3º e 461-A, ambos do CPC, disciplinam as

tutelas antecipatórias específicas atinentes, respectivamente, às obrigações de fazer ou

não fazer e a de entrega de coisa certa.

Outro aspecto a ser ressaltado entre estas tutelas e aquela regulamentada pelo

art. 273 é o da disparidade da amplitude e profundidade dos pressupostos que ensejam

a concessão das mesmas. Note-se, que de um lado, o caput do art. 273 exige sob

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condição sine quo non a existência de robusta prova inequívoca suficiente a convencer

o magistrado da verossimilhança do direito que se pretende antecipar, cumulado

alternativamente com o fundado receio de dano irreparável, abuso do direito de defesa

do réu, seu manifesto propósito protelatório, incontrovérsia de um ou mais pedidos ou

parcela deles. De outro, para se antecipar a tutela específica da obrigação de fazer ou

não fazer ou de entrega de coisa certa, basta a relevante fundamentação da ação e o

justificado receio de que o provimento jurisdicional final não seja eficaz.

Para além da discrepância apontada oriunda da quantidade de requisitos

exigidos em cada caso, vê-se também a diferença de robustez dos mesmos. Para o

dicionário Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva o adjetivo “inequívoca” associado

ao substantivo “prova” significa:

“Inequívoco: É o adjetivo, formado pela negação de in e equívoco, para a demonstração do que se diz ou se faz com clareza, exatidão, firmeza, ou o que se vê evidente, irrepreensível, certo. A qualidade de inequívoco (inequivocamente) imprime aos atos jurídicos a condição de irrefutáveis, porque se fazem verdadeiros, certos,procedentes e autênticos, de modo claro e positivo, não admitindo erro ou engano quanto à sua apreciação.” (SILVA, 1993, p. 462).

Some-se à higidez da inequivocidade da prova levada aos autos, a

verossimilhança que dela se deriva no íntimo do magistrado. Aliás, verossimilhança

para De Plácido e Silva é:

“Verossimilhança: De verossímil (plausível) entende-se a plausibilidade, a probabilidade de ser. A verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível, ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas. No entanto, conforme é assente na jurisprudência, sendo a verossimilhança uma questão de fato, não se podem sobre ela estabelecer regras doutrinárias. Deve, portanto, ser deixada ao prudente arbítrio do juiz, que

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a resolverá segundo as circunstâncias que cercam cada caso, diante do exame das relações existentes entre as provas feitas e os fatos que se pretende provar.” (SILVA, 1993, p. 482).

Já o adjetivo “relevante” que qualifica a fundamentação exigida pelo § 3º do art.

461 quer dizer, para o mesmo autor, no referido dicionário:

“Relevante De relevar, do latim relevare (reerguer), entende-se o que é apreciável, tem fundamento, é legítimo, é razoável, em virtude do que se mostra admissível, evidente, insuperável. Assim, matéria relevante, seja de fato ou de direito, é a que se apresenta em toda exuberância, em toda evidência, para ser acatada ou apreciada como justificativa do pedido, da pretensão, ou da proteção ao direito.” (SILVA, 1993,p. 85).

Da análise semântica supra, extrai-se que o jurisdicionado encontrará mais

resistência em obter do Estado-Juiz uma tutela antecipatória genérica (relativa a uma

obrigação de dar) do que uma das tutelas específicas (quando queira salvaguardar e

concretizar antecipatoriamente uma obrigação de fazer ou não fazer ou ainda anseie

pela entrega de determinada coisa).

Caso reste infrutífera a concessão inaudita altera parte da tutela pleiteada, não

desaparece para o autor a expectativa de vê-la deferida em outro momento processual,

como aliás observa Antonio Cláudio da Costa Machado

[...] Dessa forma, ainda que o autor não consiga demonstrar o fundado receio de dano, o que lhe priva de receber a liminar inaudita altera parte, sua expectativa em relação a tutela antecipada não desaparece, haja vista que, dependendo da atitude do réu, o juiz poderá vir a conceder a providência logo após a contestação ou a réplica. [...] (MACHADO, 2006, p. 609).

Observe-se, como muito bem destacou Costa Machado, que não desaparece a

expectativa para o autor de ver os efeitos da tutela final antecipados pelo simples fato

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de o mesmo não ter conseguido demonstrar na inicial os requisitos autorizadores à

concessão da tutela por via liminar; é que às vezes, o amadurecimento da tutela se

mostra apto após as atitudes do réu, hipóteses do inciso II e do §6º do art. 273 do CPC.

A tutela antecipada pode ser concedida, por qualquer das formas previstas no

art. 273 do CPC, até mesmo em segundo grau de jurisdição, como preleciona Marcos

Destefenni:

“A antecipação de tutela pode ocorrer em qualquer fase processual, tanto em primeiro, quanto em segundo grau de jurisdição. Afinal, o Código de Processo Civil não fixa uma fase ou um momento específico para que o juiz conceda a tutela antecipada prevista, genericamente, no art. 273.” (DESTEFENNI, 2006, p. 329).

Em que pese a bandeira sustentada por Destefenni, de que a tutela antecipada

pode ser concedida em qualquer fase do processo, independentemente de qual seja o

momento em que se obteve ou colheu a prova inequívoca, há, contudo, opiniões

diversas, como a de Ernane Fidelis dos Santos que afirma: “Pode haver de tutela em

qualquer fase do processo, desde que haja prova inequívoca e que não se produza na

própria instrução.” (SANTOS, 2006, p.413).

No entanto, discordam do supracitado autor Marinoni e Arenhart, pelo que

assim sustentam:

“Entretanto, é irracional admitir que não poderá ser prestada a tutela de direito após encerrada a fase instrutória. Realmente, há um equívoco no sistema processual brasileiro, que não admite a execução da sentença na pendência do recurso de apelação nem ao menos quando estão presentes os fundamentos que justificam a própria tutela antecipatória.” (MARINONI e ARENHART, 2006, p.221).

Em suma, vale dizer que a tutela antecipada pode ser concedida a qualquer

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momento do processo cognitivo, desde que não haja, logicamente, o trânsito em

julgado da sentença, quando não se fala mais em cognição do direito e, sim, em

satisfação pelo cumprimento da sentença; não haveria racionalidade alguma em trocar

uma tutela executável a título definitiva por outra reversível e revogável.

Com efeito, a tutela antecipada abordada por este estudo não poderia ser

aquela concedida in limine, tampouco aquela concedida mediante justificativa prévia,

haja vista que para sua consubstanciação é necessária a manifestação do réu e,

melhor, que o mesmo ao se manifestar não impugne um ou mais dos pedidos ou

parcela deles, ou ainda não controverta fato essencial para verificação de outro pedido

dele decorrente, como observa Cássio Scarpinella Bueno:

“Decorrência natural do quanto escrito até aqui é o entendimento de que a oportunidade de ser formulado o pedido de "antecipação de tutela", com base no §6º do art. 273, deve sempre pressupor a apresentação da contestação ou, quando menos, o transcurso in albis do prazo para sua apresentação. Não que, após o "prazo de réplica", [...], haja preclusão para o autor formular o pedido, mas o § 6º, pela sua própria razão de ser, pressupõe a possibilidade de exercício de defesa pelo réu. O abuso do exercício desse direito é repelido pelo inciso II do art. 273, que, dada sua natureza jurídica, reclama regras diferenciadas daquelas que são reservadas para o § 6 aqui tratado.” (BUENO, 2010, p. 91).

Também não é, e nem poderia ser, a tutela antecipada de evidência aquela

estribada e concedida sob o temor de causar à parte solicitante lesão grave de difícil ou

incerta reparação, pois nesses casos se concede a tutela por via liminar, enquanto a

tutela antecipada de evidência pressupõe, como melhor se demonstrará adiante, a clara

evidência do direito do autor gerada pela não impugnação específica (incontrovérsia) da

atitude omissa do réu.

Para Luiz Guilherme Marinoni, na obra que mais tarde resultaria na positivação

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da tutela antecipada de evidência (item 5.1 infra), o momento adequado para se

conceder a tutela de evidência seria quando da realização da audiência preliminar,

segundo se insere:

“Entretanto, tendo em vista que a possibilidade da tutela antecipatória favorece o encontro da conciliação- porque a antecipação retira do réu a vantagem do tempo do processo-, parece que o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados deve ocorrer na audiência preliminar.” (MARINONI, 1997, p.167).

Assunto pouco frequente entre os doutrinadores diz respeito sobre o momento

correto em que se deve enfrentar a referida tutela. Certo, é, no entanto, seja qual for o

momento, que necessariamente será após a apresentação de defesa pelo réu ou ao

escoamento in albis do prazo para resposta, pois só a partir daí se consubstancia a

falta de impugnação específica ou a revelia do réu.

Parte-se agora para a análise aprofundada da tutela antecipada de evidência.

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5. TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA

5.1 Origem e Positivação da Tutela Antecipada de Evidência e seus Embates Teóricos

Antes de se falar propriamente da tutela antecipada de evidência, mostra-se

necessário fazer uma breve e sucinta digressão sobre a primeira onda de reforma do

atual processo civil brasileiro.

Em meados da década de 90, mais precisamente no ano de 1994, uma

importante lei, a de número 8.953/94 – inspirada, entre outros, na dissertação de

mestrado de Luiz Guilherme Marinoni, defendida na PUC-SP em 1991, cujo tema foi

justamente “antecipação da tutela” - introduziu no ordenamento jurídico pátrio, a

exemplo de outros Estados, mas com suas peculiaridades, a chamada tutela

antecipatória dos efeitos da sentença, alterando para tanto o art. 273 do Código de

Processo Civil.

Acerca da positivação desse instituto preleciona Ernane Fidelis dos Santos: “A

Lei n.8.953/94, reformulando o art. 273, inclusive com o acréscimo de cinco parágrafos,

introduziu no sistema processual brasileiro, a exemplo de outras legislações, mas com

traços peculiares, a tutela antecipada de efeitos da decisão de mérito.” (SANTOS, 2006,

p. 408).

Surge, então, após a edição da referida lei o instituto da tutela antecipada, que

na óptica de Marcos Destefenni veio a homenagear o princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional ou simplesmente princípio da efetividade, consoante, assim aduz:

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“O princípio da inafastrabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, xxxv) garante mais do que o direito à tutela jurisdicional, pois é fundamento do direito a uma tutela efetiva, tempestiva e adequada. [...] A antecipação dos efeitos da tutela permite melhor repartir os problemas decorrentes da demora da prestação jurisdicional, pois a demora tradicionalmente sempre foi um ônus para o autor. Com a antecipação, o autor pode obter certa dose de satisfação de tal forma que sofre menos com a demora do processo.” (DESTEFENNI, 2006, p. 317-318).

Anos mais tarde, já em 2002, adveio a segunda onda de reforma, a qual, entre

outras alterações, modificou, por meio da Lei número 10.444/2002 de 7 de maio, o art.

273 do CPC acrescentando-lhe dois novos parágrafos: o primeiro (§6º) aborda e

disciplina a tutela em apreço, ao passo que o segundo (§7º) instituiu a fungibilidade

entre as tutelas cautelares e antecipatórias e, com isso, definitivamente, ao menos no

campo teórico, resolveu a dificuldade vivenciada pelos aplicadores do direito à época

em diferenciar, no campo prático, aquelas tutelas.

A alteração que releva a este trabalho é aquela do §6º inspirada e motivada

pela obra monográfica de Luiz Guilherme Marinoni (Tutela Antecipatória, Julgamento

Antecipado e Execução Imediata da Sentença), que por meio do direito comparado,

importou da Itália (item 9.2 – p. 148 – da já citada obra) o tema ora em comento.

A respeito da atribuição intelectual e doutrinária acerca da tutela de evidência

preleciona Cássio Scarpinella Bueno:

“O § 6º do art. 273, introduzido pela Lei n. 10.444/2002, é inspirado na doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, em especial no que acabou por receber, nas sucessivas reedições, tratamento monográfico em seu Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda.” (BUENO, 2010, p. 87).

O principal argumento utilizado por Luiz Guilherme Marinoni para embasar a

necessidade e o cabimento da antecipação da tutela pela técnica da evidência, foi a

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analogia feita entre a técnica monitória (juízo de probabilidade do direito alegado aliado

a impossibilidade de retardamento da prestação da tutela jurisdicional, sob pena de

esta não mais ser útil) e a ausência de impugnação específica que deixa o fato não

impugnado incontrovertido, conforme pode se extrair do trecho seguinte:

“Note-se que, se é possível a tutela antecipatória, com base em probabilidade, do direito postulado pelo autor (por exemplo, tutela antecipatória fundada na técnica monitória), não há explicação razoável para não se admitir a realização imediata de um dos direitos postulados pelo autor no caso em que ele não é mais controvertido.” (MARINONI, 1997, p. 147).

Cássio Scarpinella Bueno, mais tarde, aquiesceu com esse raciocínio e assim

dispôs:

“Ademais se a mera verossimilhança da alegação já é elemento condutor para que a tutela seja antecipada em favor do autor, mais ainda quando, pelas regras do exercício do próprio direito de defesa, cria-se, com a ação ou com a omissão do réu, uma situação de presunção de veracidade das alegações do autor, permitindo o aprofundamento na cognição jurisdicional. Assim, não seria justo que o réu se valesse do tempo inerente ao exercício da ampla defesa e do contraditório para frustrar ou empecer o início da eficácia de uma decisão que, por todos os ângulos que o sistema oferece para que a questão seja analisada, tende a ser favorável ao autor.” (BUENO, 2010, p. 88).

Além da técnica de evidência, Marinoni também propôs naquela obra já citada,

estribado no Direito Processual Civil Italiano, que se rompesse com o dogma existente

no processo civil pátrio de não se permitir a cisão do mérito para a prestação da tutela

jurisdicional parcial, pelo que assim dispôs:

“Não se trata, evidentemente, de uma tutela antecipatória sumária. Mas não se pode negar que a previsão do art. 277, ao permitir a imediata definição dos pedidos que independem de ulterior instrução, visa atenuar a demora patológica do processo de conhecimento, estando intimamente associada aos fins que são buscados pelas tutelas sumárias e pelas tutelas de condenação parcial” (MARINONI, 1997, p. 148).

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Previamente à positivação da tutela em comento, a antecipação dos efeitos da

tutela genérica poderia se dar calcada na prova inequívoca que convencesse o

magistrado da verossimilhança do direito do autor cumulada, alternativamente, com o

fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pelo abuso de direito de

defesa do réu ou seu manifesto propósito protelatório.

Contudo, como já dito, com a enorme colaboração de Luiz Guilherme Marinoni,

adveio a lei 10.444/2002 acrescentando ao art. 273 do CPC o §6º, que assim dispõe: “§

6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos

cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.”

Após a edição do instituto da tutela antecipada de evidência, a doutrina pôs-se

a discutir se a previsão estampada no §6º do art. 273 do CPC era, de fato, mais uma

modalidade de antecipação ou se tratava de um instituto autônomo alocado

erroneamente entre as demais tutelas antecipatórias elencadas no mesmo artigo.

Atentou Scarpinella Bueno que apesar da louvável intenção do legislador em

sufragar e positivar a tutela de evidência, este quando o fez deixou margens a

interpretações dúbias, como se pode observar pela seguinte passagem:

“Independentemente da formulação doutrinária original, o fato é que o § 6º do art. 273 acabou incorporando essa linha de entendimento para o direito positivo. Ao fazê-lo, contudo, deixou uma grande margem de dúvidas a respeito de sua interpretação porque não é claro se ele realmente trata de mais um "tipo" de tutela antecipada, ao lado das duas situações descritas nos incisos I [...] e II do art. 273 ou se, diferentemente, trata-se de uma figura mais próxima daquilo que o Código de Processo Civil chama de "julgamento antecipado da lide" e que, pela lógica do próprio § 6º, bem pode ser chamado de "tutela antecipada para julgamento antecipado parcial da lide", ou, para evitar a repetição de termos, "julgamento antecipado parcial da lide com efeitos imediatos Questão, longe de ser meramente teórica, tem repercussões práticas importantes. Toda a dinâmica da "antecipação da tutela" com base nesse § 6º

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depende da escorreita identificação de sua natureza jurídica. Afinal, é um "terceiro" tipo de tutela antecipada, ao lado da situação de dano iminente (inciso I) e do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (inciso II), ou se trata, apenas e tão-somente, de uma forma pela qual se dá início à "execução" do julgado, mesmo que de parte daquilo sobre o que o autor requereu tutela jurisdicional?" (BUENO, 2010, p. 88).

Para Marcos Destefenni o instituto em apreço não é uma das modalidades de

antecipação dos efeitos da tutela e, sim, uma medida definitiva, consoante, assim,

aduz:

“Alguns autores, então, afirmam que temos no direito brasileiro três tipos de tutela antecipatória: antecipação assecuratória, antecipação punitiva e antecipação em caso de incontrovérsia parcial da demanda. Respeitada as opiniões em contrário, entendemos que a antecipação da parte incontroversa não tem a natureza de medida antecipatória, pois se trata de medida definitiva.” (DESTEFENNI, 2006, p. 320).

Seguiu, como se vê, o entendimento de ser definitiva, não enquadrando a tutela

antecipada de evidência dentre as demais tutelas antecipatórias, mas há posições em

sentido contrário, dentre as quais as que se passarão a descrever.

Para Cássio Scarpinella: “Trata-se, inequivocamente, de mais um caso de

"tutela antecipada" em oposição aos casos de "tutela ulterior". (BUENO, 2010, p. 89);

Para Ernane Fidelis dos Santos: “A ideia de “incontrovérsia”, na verdade,

estabeleceu-se como novo pressuposto, autônomo, ao lado dos requisitos da prova

inequívoca e da verossimilhança.” (SANTOS, 2006, p.419).

Por sua vez Antonio Carlos Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco ensinam:

“O fumus boni juris está referido no art. 273, caput, como prova inequívoca – expressão que a doutrina e os tribunais interpretam como probabilidade

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suficiente. Por outro lado, para antecipar tutela nem sempre é necessária uma situação de urgência (periculum in mora – art. 273, § 1º): as antecipações devem também ser concedidas em repressão a atos de retardamento processual praticados pelo réu (art. 273, II) ou quando houver incontrovérsia a respeito de parte dos fatos relevantes para decidir a causa (art. 273, § 6º)” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p. 343)..

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart também vislumbram o mote

deste capítulo como uma das modalidades de tutela antecipada, de não se permitir que

o réu tire proveito do ônus do tempo do processo em detrimento do autor, relativamente

a um ou mais fatos já evidentes porque devidamente comprovado e incontrovertido:

“O presente item objetiva estudar técnicas que, visando distribuir de forma adequada o tempo do processo entre os litigantes, viabilizam a tutela antecipatória independentemente da alegação de perigo de dano. Melhor explicando: as espécies de tutela antecipatória que agora interessam tem por único fim permitir a correta distribuição do tempo do processo entre as partes. Como tal distribuição é feita a partir da premissa de que o réu não pode beneficiar-se com a demora do processo, a tutela antecipatória, nesses casos, funda-se em técnicas que consideram a evidencia do direito do autor, mas tem o cuidado, evidentemente, de não comprimir o direito de defesa.” (MARINONI e ARENHART, 2006, p.234)..

Antonio Cláudio da Costa Machado também é um dos autores que insere a

tutela antecipada de evidência dentre as demais tutelas antecipatórias, inclusive tendo

esta, na óptica do autor, requisito próprio e autônomo, qual seja: a incontrovérsia, assim

descrita pelo mesmo:

“A partir de agora, portanto, também em função da exclusiva incontrovérsia sobre a existência do direito (art. 273, § 6º) fica o juiz autorizado a emitir provimento antecipatório (note-se que, segundo a regulamentação original, a mera controvérsia não justificava, por si só, a antecipação, porque se ela podia ser entendida como uma particular expressão de "prova inequívoca" - art. 273, caput-, sempre seria necessária a verificação de um plus, representado quer pelo periculum, quer pelo abuso ou propósito protelatório - incs. I ou II). Pois bem, firmada a premissa de que o dispositivo em questão instituiu um novo e autônomo fundamento da tutela antecipada - sem o concurso de periculum in mora ou do "abuso" ou "propósito protelatório", ou até mesmo da "prova

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inequívoca" enquanto fenômeno estritamente probatório [...].” (MACHADO, 2006, p. 615).

Para os referidos doutrinadores o instituto abordado por este tópico é, de fato,

uma nova modalidade de antecipação de tutela ao lado daquelas concedidas com

supedâneo nos incisos I e II do caput do art. 273 do CPC, conclusão, como visto, que

não é unânime e nem pacífica, como bem mais se demonstrará no item subsequente.

De qualquer sorte, como se demonstrou supra, a doutrina majoritária vislumbra

o mote em questão, da forma como redigido no §6º (e, frise-se, quando um dos pedidos

ou parcela deles se mostrar incontroverso) como sendo uma das modalidades de tutela

antecipada.

Porém, a celeuma instaurada pela edição da nova norma não parou por ai.

Após dirimir-se a questão acerca da natureza daquele provimento, iniciou-se a

discussão a fim de perquirir se o novo §6º tivera, de fato, introduzido no ordenamento

jurídico processual civil pátrio a figura da cisão de mérito e, por conseqüência, a tutela

parcial de mérito, ou se o referido parágrafo limitou-se a disciplinar a tutela em questão.

Uns dos primeiros autores a se posicionar respeito foi Cândido Rangel

Dinamarco que assim aduz:

“Que pena! O legislador não quis ousar mais, a ponto de autorizar nesses casos um parcial julgamento antecipado do mérito (art. 330, inc.I), como fazem os arts. 277, 2ª parte, e 278, do códice italiano. A rigidez do procedimento brasileiro, no qual o mérito deve ser julgado em sentença e a sentença será sempre uma só no processo (art. 459, c.c art. 269, inc. I e art. 162 §1º), é somente um dogma estabelecido no direito positivo, que bem valia a pena desmitificar; as duas Reformas DO Código de Processo Civil em proclamando a conveniência de agilizar o processo com medidas pragmáticas e vêm debelando vários dogmas, o que deveria ter conduzido a uma solução mais eficaz e menos tímida que essa do §6º do art. 273.” (DINAMARCO, 2006, p.96).

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Como se vê, na óptica do autor não houve a quebra do dogma da unicidade do

mérito e da sentença. Mesmo com a lamentação supra, aduz Dinamarco que: “[...] A

leitura do § 6º deve, no entanto, ser mais rica, de modo a otimizar os benefícios que ele

pode gerar, em coerência com os pilares sistemáticos do processo civil de resultados.”

(DINAMARCO, 2006, p. 94).

Não compartilham dessa visão, no entanto, outros autores.

Para Marcos Destefenni:

“A novidade teve o mérito de quebrar um dogma processual o de que existe uma unidade de decisão no processo de conhecimento, de tal forma que nunca foi lícito ao juiz, em caso de cumulação de pedidos, julgar apenas um deles, mesmo que em relação a ele não houvesse controvérsia.” (DESTEFENNI, 2006, p. 319).

E Cássio Scarpinella Bueno:

“Com todas as vênias de estilo, a este Curso parece que o § 6º do art. 273 efetivamente rompeu com o referido dogma, admitindo, quando a hipótese reclamar sua incidência, o desmembramento ou a fragmentação do julgamento. A não se pensar assim, o dispositivo teria sua incidência bastante apequenada porque sua função seria, toda ela, extraível do inciso II do art. 273, consoante a formulação original de Marinoni.” (BUENO, 2010, p. 90).

O aprofundamento acerca do tema, se o novo §6º rompeu ou não com o dogma

da unicidade do mérito e com a possibilidade de diversas sentenças no curso do

processo será objeto do item 5.5. infra, até porque lá se abordará a natureza jurídica do

pronunciamento que enfrenta a tutela antecipada de evidência sob os aspectos da

cognição, da estabilidade, bem como do recurso hábil a impugná-la. Conforme se verá,

restará claro e evidente que se a decisão que a concede se revestir de interlocutória,

por óbvio não houve a cisão de mérito, por servir esta como meio a resolver questão

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incidental ao processo e ao próprio mérito; já, de modo contrário, se a roupagem da

decisão for de sentença, houve, para os que assim defendem, a quebra do supracitado

dogma.

Agora, resta, contudo, saber quais são os pressupostos da tutela antecipada de

evidência, qual a natureza jurídica do pronunciamento jurisdicional que a concede e os

efeitos dela decorrentes, a começar pelo seguinte.

5.2 Pressupostos à Concessão da Tutela Antecipada de Evidência

Como se vem delineando ao longo desta, a tutela antecipada de evidência,

como qualquer outra tutela antecipatória, necessita estribar-se, pautar-se sobre pilares

sólidos que a ostentem de modo a garantir: de um lado, a efetividade, tempestividade e

qualidade da prestação da tutela jurisdicional, sem, contudo, de outro, implicar em

agressão injusta e desnecessária à esfera de direitos do réu.

Dissecando minuciosamente o tanto de tinta até aqui dispendido, tem que se

relevar, ainda que implicitamente e, por isso, não constituindo requisitos extrínsecos à

concessão da tutela em comento: o livre e efetivo acesso à justiça, a dicotomia entre

celeridade processual e segurança jurídica, os princípios e garantias fundamentais do e

para o processo, bem como os institutos processuais atinentes ao tema, abordados

respectivamente nos itens 1.3, 1.4, 2 e 3 supra.

Analisando a própria localização do §6º no corpo do Código de Processo Civil,

vê-se que o mesmo é um dos sete parágrafos do art. 273 a integrar o atual sistema de

tutelas antecipadas genéricas. Daí decorre, logicamente, que o §6º está subordinado à

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norma que o encabeça, de tal forma a se exigir à concretização daquele os requisitos

elencados no caput deste artigo.

Cabe frisar que a doutrina enxerga como único pilar a sustentar a concessão da

tutela antecipada de evidência a incontrovérsia de um ou mais pedidos ou parcela

deles.

Porém, optou-se nesta monografia por abordar, ainda que sucintamente, os

requisitos genéricos à concessão das tutelas disciplinadas pelo art. 273 do CPC.

Tal viés se justifica: a uma, pela própria localização do referido parágrafo como

já citado e, a duas, pois somente há que se falar em evidência da tutela, por ser aquele

vocábulo (evidência) um dos sinônimos do adjetivo inequívoca, conforme importante

contribuição do autor De Plácido e Silva no item precedente (que associado ao

substantivo prova, constitui em um dos requisitos genéricos exigidos pelo artigo em

comento). Ademais, como se demonstrará adiante, o direito do autor mostra-se

evidente quando ao menos for corroborado por prova inequívoca ou suficiente a

denotar-se dela, em um primeiro momento a plausibilidade, vindo esta a alçar maior

rigidez, oportunidade em que terá, então, o condão de tornar o direito do autor evidente,

quando o réu não impugnar especificamente um ou mais dos pedidos ou parcela deles.

Acerca dos requisitos gerais aduz Ernane Fidelis dos Santos: “As condições

gerais da antecipação são a existência de prova inequívoca e o convencimento do juiz

da verossimilhança da alegação, isto é, da procedência do que se pede” (SANTOS,

2006, p.416).

Ainda sobre os pressupostos genéricos a concessão das tutelas elencadas no

art. 273 do CPC, preleciona Marcos Destefenni:

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“A antecipação de tutela está condicionada basicamente à observância de alguns requisitos: a) existência de uma ação em curso: [...]; b) prova suficiente da verossimilhança da ação: [...]; c) pedido da parte: [...]; d) reversibilidade da situação fática: [...]; e) requisito alternativo, conforme o tipo de tutela antecipada que seja pleiteada:[...].”(DESTEFENNI, 2006, p. 321-329).

Um dos pressupostos genéricos aplicados ao caso é o requerimento da parte

interessada (art. 273 caput). Não pode o magistrado agir de ofício por dois motivos

simples: o primeiro, porque se estaria ferindo o princípio da demanda e a inércia da

jurisdição; segundo, porque não sendo matéria de ordem pública, não cabe o

pronunciamento sem provocação.

Ademais, conforme já se demonstrou no tópico anterior, com a colaboração de

Cássio Scarpinella Bueno, por não ser um requisito obrigatório da peça inicial, o juiz

não pode conhecer e deferir de ofício a antecipação dos efeitos da tutela sem que haja

expresso pedido a esse respeito.

Outro requisito aplicável ao caso circunda em torno da prova inequívoca,

também já esmiuçada anteriormente. Aproveita-se a oportunidade apenas para

novamente sublinhar que terá o autor em sua exordial de ao menos fazer prova

inequívoca de seu direito, para que após a impugnação dos fatos pelo réu, o juízo inicial

de verossimilhança possa dar lugar ao juízo de certeza, tornando por conseguinte

evidente o direito do autor.

Passa-se agora a análise dos pressupostos específicos a motivar o provimento

antecipatório pela evidência do direito do autor.

Luiz Guilherme Marinoni, antes mesmo da positivação do instituto em apreço no

ordenamento jurídico pátrio, defendia a imprescindibilidade de ao menos um pedido

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versar sobre matéria exclusivamente de direito ou que um deles já estivesse

suficientemente maduro e apto a receber o julgamento ao passo que o outro motivaria,

para ser elucidado, de instrução probatória, o que pode ser denotado da seguinte

passagem: “É imprescindível, em outras palavras, que ao menos um dos pedidos diga

respeito apenas a matéria de direito ou não precise de instrução dilatória e que um

outro exija o prosseguimento do processo rumo à audiência e instrução de julgamento.”

(MARINONI, 1997, p. 151).

Como se vê, propôs Marinoni uma verdadeira cisão de mérito, conquanto se

permitiria ao juiz julgar previamente o pedido já maduro a tal e prosseguir com o trâmite

regular do processo na busca do melhor deslinde do feito.

Contudo, o legislador não acatou na totalidade a proposta de Marinoni, pelo que

se insere da leitura atenta do §6º, uma vez que este não prevê como tutela a ser

antecipada o pedido que versar exclusivamente sobre direito. Este, por sua vez,

continua a ser disciplinado pelas regras contidas no art. 330, inciso I do CPC. Mesmo

assim, foi um avanço a positivação deste instituto no arcabouço pátrio de normas

processuais civis.

Cássio Scarpinella Bueno justifica a possibilidade de antecipar a tutela pela

evidência do direito do autor justamente na separação de pedidos cumulados, segundo

dispõe: “A antecipação dá-se justamente na possibilidade de separação entre pedidos

cumulados ou de um só pedido que, de outro modo, seriam todos enfrentados de uma

só vez e em uma única oportunidade pelo magistrado.” (BUENO, 2010, p. 89).

Conforme se extrai, para o autor supracitado, inclusive conforme se demonstrou

anteriormente com suas próprias palavras, a tutela antecipada de evidência teve sim o

condão de romper com o dogma da unicidade do mérito e da sentença, conquanto

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prevê a possibilidade de separação do pedido já maduro ao julgamento daquele que

ainda necessitará de certa dose de etileno propiciado pela instrução.

Há, contudo, que se sublinhar que se o autor é instigado e induzido, em apego

ao princípio da economicidade, a cumular em uma só ação vários pedidos (3.3 supra),

nas palavras de Marinoni e Arenhart não é justo fazer com que o mesmo espere tempos

e tempos a obter a prestação jurisdicional final quando um ou mais pedidos ou parcela

deles já se encontram, no curso do processo, maduro a receber o julgamento:

“Se o autor é estimulado, em nome da economia processual, a cumular pedidos, não é possível que ele seja obrigado a esperar o tempo para elucidação de todos os pedidos para ter imediatamente tutelado aquele que esta evidenciado (ou é incontroverso).” (MARINONI e ARENHART, 2006, p.237).

Afinal, como muito bem observado por Scarpinella Bueno:

“É esse contexto em que o § 6º deve ser interpretado: como forma de "desdobramento de pedido" ou de "descumulação de pedidos". O que já está "pronto" para ser julgado deve ser julgado e, mais do que isso, mostrar-se apto para produzir seus regulares efeitos para o plano exterior ao processo; o que ainda não tem condições de receber julgamento deve conduzir o processo para a fase instrutória, que se ocupará do que ainda carece de prova.” (BUENO, 2010, p. 91).

Para que haja se falar em tutela antecipatória pela evidência do direito do autor,

necessário se vislumbrar no caso concreto a incontrovérsia de um ou mais dos pedidos

ou de parcela de um dele.

Neste diapasão, o §6º do art. 273 do CPC instituiu uma nova modalidade de

tutela antecipada com um outro pressuposto peculiar a espécie bem diferente daqueles

exigidos pelo caput do mesmo artigo.

Acerca do tema, aduz Scarpinella Bueno:

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“A leitura do § 6º do art. 273 deixa bem claro que seus pressupostos específicos são bem diferentes daqueles que o caput do art. 273 exige para fins de tutela antecipada fundada nos seus incisos I e II. Enquanto, para o caput, basta a "prova inequívoca" que conduza o magistrado à "verossimilhança da alegação", o § 6º refere-se a "pedido incontroverso".” (BUENO, 2010, p. 90).

Para Ernane Fidelis dos Santos a incontrovérsia constitui-se em um novo

pressuposto autônomo em relação aos da cabeça do art. 273 do CPC, pelo que aduz:

“A ideia de “incontrovérsia”, na verdade, estabeleceu-se como novo pressuposto,

autônomo, ao lado dos requisitos da prova inequívoca e da verossimilhança.”

(SANTOS, 2006 p.419).

Já para Cândido Rangel Dinamarco:

“A incontronvérsia, tomada pelo novo parágrafo como fundamento para antecipar a tutela, consiste na ausência de um confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor. Se afirmo um fato e o réu o nega, a controvérsia assim instaurada gera uma questão de fato; se afirmo e o réu não nega, não haverá questão alguma a respeito e esse ponto, por ser pacífico, terá a seu favor a presunção de corresponder à verdade (art.302). O juiz reputa existente o fato confessado ou ao menos não impugnado, sem necessidade de prova (ônus da impugnação específica dos fatos: art. 302 c.c art. 334, incs. II-III)” (DINAMARCO, 2006, p. 95).

Adentra-se agora a temática relativa ao pedido incontroverso, que para

Scarpinella Bueno é visto como:

“Pedido incontroverso tem sentido bem claro na dinâmica probatória do direito processual civil: é aquele que não depende de prova. A "incontrovérsia" de um ou mais dos pedidos dispensa a parte contrária do ónus da prova (art. 334, II e III, c/c o art. 330,I; [...] Trata-se de pedido que já foi suficientemente comprovado. Não se cuida, portanto, de suficiência probatória momentânea (verossimilhança), mas definitiva (incontrovérsia). A análise desse pressuposto revela que a lei exige mais do que o caput para a concessão da "tutela antecipada". Fosse mera verossimilhança, como no caput, e seria lícita a produção ulterior de prova para infirmar o grau da convicção já formada no

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espírito do magistrado, viabilizando o seu reexame. Não é o que exige, contudo, o § 6º.” (BUENO, 2010, p. 90-91).

Para o autor supracitado, da mesma forma como outrora demonstrado (naquela

ocasião entre as tutelas do art. 461 §3º e 461-A com as do art. 273), há um certo grau

desigual de profundidade entre os requisitos exigidos às tutelas do caput do art. 273

incisos I e II e à tutela do §6º do mesmo artigo, sendo os requisitos desta tutela mais

densos dos que daquela.

Outro aspecto também observado pelo autor é a imprescindibilidade de prova já

constituída a embasar a pretensão do autor, não se tratando, pois, de “suficiência

probatória momentânea (verossimilhança)”, mas sim “definitiva (incontrovérsia)”.

Muito até o memento se falou de incontrovérsia do pedido, em apego a

própria redação do §6º, mas como bem chamou atenção Cássio Scarpinella Bueno,

será mesmo que a incontrovérsia deve recair sobre o pedido, sobre parcela dele ou

ainda sobre a causa de pedir? Veja a indagação original do autor a respeito:

“As dificuldades com relação ao § 6º do art. 273 vão além, contudo, a principal delas repousa em saber se a incontrovérsia por ele mencionada diz mesmo respeito aos pedidos cumulados (ou a parte dele) ou, bem diferentemente, à causa depedir. Rigorosamente, não são os pedidos, em si mesmos considerados, que se tornam incontroversos ao longo tio processo, mas os fatos a ele subjacentes, que lhe dão embasamento, que dispensam a produção de prova. É à incontrovérsia da causa depedir que se refere, mais tecnicamente, o dispositivo em questão.” (BUENO, 2010, p. 92).

Indubitavelmente, tanto a causa de pedir quanto o pedido, aliados às partes,

são elementos identificadores da ação (CPC art. 301 §2º). Vale dizer, que da análise

dos mesmos se extrai os limites, os contornos da relação jurídico material / processual.

Debruçada sobre a temática da causa de pedir, Teresa Arruda Alvim Wambier

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pôde concluir que a causa de pedir é “a razão em virtude da qual se formula um pedido”

ou se propõe uma ação. Analisando ainda a problemática desta expressão, e tentando

explicá-la surgiram duas teorias: a da individuação e a da substanciação; iter este assim

esmiuçado pela autora:

“A causa de pedir é um dos elementos individualizadores da ação ou da demanda, Grosso modo, pode-se dizer que a causa de pedir é a razão em virtude da qual se formula um pedido (se propõe uma ação) perante o Poder Judiciário. [...] Os problemas surgem quando se pensa nas dimensões desta expressão: “razão em virtude da qual” (alguém se dirige ao Poder Judiciário para formular pedido em face de outrem). Divergência de opiniões no que diz respeito a estas dimensões gerou a teoria da substanciação e a da individuação. Esta vê na causa de pedir especificação da relação jurídica sobre a qual se baseia a pretensão (aqui empregado o termo no sentido de pedido, propriamente dito); aquela vê no conjunto de fatos constitutivos de direito e fatos contrários ao direito a fundamentação da demanda (causa de pedir). [...] Como se sabe, em nosso sistema, se diz que a causa de pedir qualifica o pedido, e, portanto, neste caso sendo diferente a segunda causa de pedir a segunda ação será outra ação.” (WAMBIER, 2005, p. 106).

É de se destacar que tanto os fatos e fundamentos quanto o próprio pedido são

requisitos da inicial exigidos pelo art. 282 incisos III e IV do CPC.

Para Cássio Scarpinella Bueno o que realmente releva a consubstanciação da

incontrovérsia é a falta de impugnação específica dos fatos narrados pelo autor na

exordial, não só porque deles é que decorrem os pedidos, mas também na

impossibilidade de se configurar a incontrovérsia caso o réu não impugne os pedidos,

até porque a impossibilidade jurídica dos pedidos é matéria de ordem pública e sobre a

qual pode o magistrado de ofício e a qualquer tempo se manifestar independentemente

de provocação. Neste sentido preleciona o autor:

“Embora haja defesa a ser exercitada com relação aos pedidos — em caso de inépcia “(pressuposto processual de validade" [...] ou de impossibilidade de sua formulação ("condição da ação") [...], por exemplo —, é dos fatos que o réu

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deve se defender, porque são os fatos -, não respondidos adequadamente, têm aptidão para serem aceitos como verdadeiros (arts. 319 e 334, II. Não é pela ausência de o réu arguir a impossibilidade jurídica do pedido que ele se torna possível, até porque a matéria é de ordem pública, a impor a atuação oficiosa do magistrado.” (BUENO, 2010, p. 92).

Como se vê, em que pese a redação do §6º mencionar que será possível a

tutela antecipada de evidência quando for incontroverso pedido ou parcela dele, para a

doutrina a referida norma deve ser interpretada à luz do libelo, já que é dos fatos que

nasce o direito do autor, bem como deles deve o réu se defender.

Por fim, ainda a respeito da necessidade de o réu impugnar especificamente os

fatos e não os pedidos como quer o §6º, arremata Scarpinella Bueno:

“O que releva, para fins de formação da convicção judicial, é a omissão do réu em impugnar especificamente os fatos que fundamentam o pedido do autor. Não se trata de defender a tese, não aceita por este Curso [...], de que da revelia decorre a procedência do pedido do autor. O que importa esclarecer, diferentemente, é que os fatos, pela sua própria natureza, impõem ao réu maior esforço na sua rejeição porque, uma vez plausíveis, têm tudo para levar o juiz a aceitá-los como verdadeiros ou, quando menos, suficientes para acolher o pedido do autor.” (BUENO, 2010, p. 92).

Postos assim dessa maneira, os pressupostos para a concessão da tutela

antecipada de evidência (a bem da verdade, especificamente, um só pressuposto –

incontrovérsia de fato), passa-se agora a vislumbrar as hipóteses concretas que a

doutrina elegeu aptas a homenagear a celeridade processual com a aplicação do

instituto da tutela antecipada por evidência, visando a tempestividade, efetividade e a

qualidade da prestação da tutela jurisdicional pelo Estado-Juiz.

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5.3 Hipóteses de Aplicação da Tutela Antecipada de Evidência

Inicia-se este tópico reproduzindo a explanação de Luiz Guilherme Marinoni e

Sérgio Cruz Arenhart acerca da ofensa que seria ao devido processo legal se um

determinado direito processual civil não tivesse, em seu arcabouço de normas, técnicas

capazes de viabilizarem a realização e concretização da parcela do direito que já se

encontra apto ao julgamento. Nas palavras dos próprios autores:

“Não é devido processo legal aquele que, tendo que prosseguir para a elucidação de parte do litígio, não possui técnica capaz de viabilizar a imediata realização da parcela do direito que esta pronta para definição. Ora, se o jurisdicionado tem direito ao processo justo, ele não pode esperar para ver definido um direito que está pronto para julgamento.” (MARINONI e ARENHART, 2006, p.237).

Ainda seguindo o raciocínio de Luiz Guilherme Marinoni, lança-se mão agora de

duas razões achadas pelo autor a se conceber a figura da tutela antecipada de

evidência em um ordenamento jurídico que seja, como é o brasileiro, preocupado com a

efetiva e tempestiva pacificação social, a saber:

“(a) É injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido Assim, se um direito pode mostrar-se incontrovertido, ou evidenciado, no curso de um processo igualmente destinado a investigar a existência de um outro direito que requer instrução dilatória, é necessário que este processo seja dotado de uma técnica que, autuando no seu interior, viabilize a pronta tutela do direito que comporta julgamento imediato. “(b) O processo não pode prejudicar o autor que tem razão Se o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, ele obviamente não pode, ao admitir a cumulação de pedidos, protelar a tutela de um dos pedidos que pode ser julgado de pronto.” (MARINONI, 1997, p. 162-163).

Neste mesmo diapasão, agora ressaltando a constitucionalidade que alberga a

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previsão da tutela antecipada de evidência, aduz Marinoni que: “Na verdade, o único

princípio constitucional que se liga, concretamente, ao julgamento antecipado de um

dos pedidos cumulados, é aquele que garante a efetividade e a tempestividade da

tutela jurisdicional.” (MARINONI, 1997, p.165).

Já para Cândido Rangel Dinamarco: “[...] A incontrovérsia prevista no novo

parágrafo é suficiente para eliminar parcialmente essas esperas, a bem da efetividade

da garantia constitucional de uma tutela jurisdicional tempestiva.” (DINAMARCO, 2006,

p. 97).

Antes de abordar propriamente as hipóteses que a doutrina vislumbra como

susceptíveis à incidência da tutela antecipatória de evidência, insta salientar que a

mesma tem lugar em qualquer modalidade de provimento jurisdicional (tutela

jurisdicional como “tipo” de proteção pedida ao Estado-Juiz – para Cássio Scarpinella

Bueno e, para a doutrina clássica – pedido imediato, supra, 3.2).

Na óptica de Ernane Fidelis dos Santos:

“Na verdade, pelo sistema brasileiro, no processo de conhecimento, qualquer que seja o provimento pleiteado, possível será antecipar-lhe efeitos, “ [...[ resguardada evidentemente a utilidade prática da medida, mas sem necessidade de haver correspondência entre a natureza da decisão que se pretende e o efeito que quer se antecipar.” Guardando-se assim, perfeita distinção entre a tutela que se pretende em sua estrutura básica e seus efeitos, possível será a antecipação destes últimos, qualquer que seja a natureza do provimento: declaração, condenação ou constitutividade.” (santos, 2006, p.412).

Muito embora tenha sido a tutela antecipada de evidência introduzida no

arcabouço de normas processuais em 2002, pela Lei n. 10.444 de 07 de maio, a

mesma também pode ser concedida nas tutelas mandamental e executiva,

independentemente de serem anteriores à Lei 11.232/2005 que alterou a disciplina

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relativa às sentenças e a execução judicial, acrescentando na antiga teoria tripartite da

classificação de sentença de acordo com seu provimento as tutelas mandamental e

executiva, como aliás aduz Luiz Guilherme Marinoni:

“Todas as espécies de pedidos podem ser objeto de tutela antecipatória no caso de julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados. Em outras palavras, podem ser tutelados antecipadamente os pedidos declaratório, constitutivo, condenatório, executivo e mandamental.” (MARINONI, 1997, p.155)

Neste momento e pela última vez, mostra-se imperioso se revisitar o estudo

feito no item 3.4 desta e agora o aprofundar voltando-o, ainda, para o tema em

comento. Desta forma, se faz necessário diferenciar novamente a falta de impugnação

específica do instituto da revelia. Para parte da doutrina, a primeira enseja a concessão

da tutela antecipada de evidência, ao passo que a segunda faz com que o feito seja

julgado antecipadamente.

Veja o que ensina Costa Machado ao reafirmar a falta de impugnação como

requisito alternativo ao fundado receio de dano irreparável, diferenciando ainda a tutela

antecipada de evidência do instituto da revelia:

“este § 6º - introduzido no art. 273 pela lei n. 10.444/2002 – significa uma importante modificação na disciplina da tutela antecipada, posto que estabelece um terceiro e distinto fundamento para a precipitação eficacial ao lado da antecipação outorgável em razão de periculum in mora (art. 273, caput e inciso I) e da outorgável em razão de abuso ou propósito protelatório (art. 273, caput e inciso II). A parti de agora, portanto, também em função da exclusiva incontrovérsia sobre a existência do direito (art. 273, § 6º) fica o juiz autorizado a emitir provimento antecipatório [...]. Observe-se, entrementes, que a figura do pedido incontroverso não se identifica com o instituto da revelia; - mostra-se incontroverso - o pedido (art. 273, § 6º) não é sinônimo de – reputar-se-ão verdadeiros os fatos -, por ausência de contestação (art. 319, caput). A consequência da incontrovérsia do pedido é a antecipação da tutela; a da revelia com efeitos, o julgamento antecipado da lide (art. 330, II). Na verdade a revelia é revalorizada com a presente alteração do art. 273 porque passa a ser uma legítima opção do réu, enquanto estratégia de defesa permitindo-lhe ficar

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isento à antecipação da tutela”. (MACHADO, 2006, págs. 615,616).

Se para o autor supracitado os efeitos dos institutos aqui confrontados são

diversos e bem delimitados, para Luiz Rodrigues Wambier, embora sejam institutos

diferentes e cuidem de objetos distintos, seus efeitos para o processo são os mesmos,

vez que a verificação de ambos, em sua ótica, faz com que o feito seja julgado

antecipadamente.

Veja-se:

“Já o § 6.º do art. 273 prevê a antecipação de tutela quando pedidos cumulados ou parcelas de pedidos já se tornaram incontroversos (porque não foram impugnados ou porque já estão suficientemente comprovados). Como se vê são hipóteses que coincidem com as que permitem o julgamento antecipado da lide, nos termos da parte final dos arts. 329 e 330 do CPC [...]. E são situações que ocorrem precisamente na fase de saneamento do processo. A peculiaridade reside na circunstância de que, em relação a outra parte do objeto do processo (os outros pedidos ou parte do pedido), é necessária ainda a instrução probatória”. (WAMBIER, 2007, p. 323)

Somam forças à corrente doutrinária que entende que a tutela antecipada de

evidência seria justamente o caso de julgamento antecipado da lide, os autores Fredie

Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, que assim aduzem:

"Se um dos pedidos apresentados pelo autor já puder ser apreciado - sem necessidade produção de provas em audiência, segundo as hipóteses do art. 330 do CPC -, nada justifica que esta apreciação não seja feita de logo, apenas porque haveria de esperar-se a instrução do outro pedido for formulado. Se entre eles não houver qualquer vínculo (cumulação simples de pedidos), realmente não há sentido exigir-se, necessariamente,o julgamento simultâneo. Uma fruta já madura não precisa esperar o amadurecimento, ainda verde, para ser colhida". (DIDIER JR.; BRAGA e OLIVEIRA, 2009, p. 525)

Cândido Rangel Dinamarco, mesmo não falando em revelia, afirma que:

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“Quando essa incontrovérsia abranger todos os fatos relevantes para julgar um meritum causae, daí decorre a total desnecessidade de provar e o juiz estará autorizado a antecipar o próprio julgamento da causa, mediante sentença e não em termos de tutela antecipada (art. 330, inc.I). Mas, ficando incontroverso apenas um ou alguns dos fatos constitutivos descritos nas causa pretendi e restando outros a provar, o sistema processual brasileiro repele o parcial julgamento do mérito ainda quando os fatos incontroversos (ou mesmo comprovados por documentos) sejam suficientes para fundamentar esse julgamento parcial. É para essa situação que o novo dispositivo autoriza a parcial antecipação da tutela jurisdicional- forte na premissa de que, sendo incontroverso o fato, configura-se uma superlativa probabilidade de sua ocorrência, muito mais vigorosa que a exigida pelo art. 273, caput.” (DINAMARCO, 2006, p. 95).

Para o autor, como se vê, a oportunidade de se aplicar a tutela antecipada de

evidência ao caso concreto deriva, tendo em vista que o Brasil não adotou a cisão de

mérito ou o julgamento de mérito parcial, da abrangência da incontrovérsia; sendo que,

quando esta se referir à totalidade dos pedidos, estará o juiz autorizado a julgar

antecipadamente a lide e, quando for relativamente a um ou mais pedidos ou a parcela

deles, será então, a hipótese de se aplicar a tutela em estudo.

Já Cássio Scarpinella Bueno mesclando os institutos da tutela antecipada de

evidência e do julgamento antecipado do feito cria um novo e híbrido instituto ao que o

autor denomina de “julgamento antecipado da lide com reconhecimento de efeitos

imediatos”, fundamentando sua criação desta forma:

“Não se trata, contudo, de um "julgamento antecipado da lide" nos termos do art. 330. É que aquele instituto, para o Código de Processo Civil, não significa que os efeitos da decisão jurisdicional possam ser sentidos imediatamente. O "julgamento antecipado da lide" é técnica que permite, em determinadas hipóteses, a supressão da "fase instrutória". A "tutela antecipada" nos casos do art. 273, § 6º, vai além: ela permite a produção imediata da decisão proferida pelo magistrado.” “São essas as premissas que devem nortear a interpretação do dispositivo. Trata-se, pois, de julgamento antecipado parcial da lide com reconhecimento de efeitos imediatos ao que já foi julgado. É disso que trata o § 6º do art. 273, razão suficiente para justificar seu tratamento apartado às hipóteses em que a antecipação da tutela se justifica pela ocorrência dos pressupostos do art 273, I e II. “ (BUENO, 2010, p. 89-90).

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Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart a questão de se antecipar

a parte incontroversa dos pedidos está intimamente ligada a efetividade da prestação

jurisdicional, seguindo o feito com todas as demais garantias inerentes ao devido

processo legal em relação à parte controversa.

“o novo parágrafo 6º, quando fala em pedido – incontroverso – não está aludindo apenas o reconhecimento parcial ou a não-contestação. Quando a nova norma faz referência a incontrovérsia, ela deseja, evidentemente, conferir efetividade aos direitos que podem ser evidenciados no curso do processo que ainda vai exigir tempo para elucidar a outra parcela (portanto não incontrovérsa) do litígio. [...]”. (Marinoni e ARENHART, 2006, p. 237).

Também nesse sentido, de que o autor não pode ser o prejudicado pela desídia

do processo, o já citado Luiz Rodrigues Wambier, que assim aduz:

“[...] cabe a tutela antecipada, para que a demora do processo (que terá de continuar, para que se produzam provas a respeito daquela parte do seu objeto que ainda está controvertida) não prejudique aquele que nitidamente tem razão a parte já incontroversa.[...]”. (WAMBIER, 2007, p. 323).

Nesse estreito caminhar surge mais uma vez a já tal discutida dicotomia entre a

celeridade processual, neste caso a favor do autor, e segurança jurídica, somando

forças ao réu.

Vale ressaltar que tanto um quanto o outro são direitos fundamentais, previstos

respectivamente nos incisos LV e LXXVIII do artigo 5º da Carta da República, de tal

sorte que o conflito entre os mesmos exige uma ponderação de princípios já abordada

pelo item 1.4 da presente, em que restou consignado a contribuição de Teresa Arruda

Alvim Wambier e Luiz Guilherme Marinoni, que a ponderação racional por meio do

princípio da proporcionalidade é apta a dar termo ao referido conflito.

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Destarte, a solução desfechada pelos autores supra naquele item (1.4 supra) é

subjetiva, ao passo que fica ao prudente arbítrio do magistrado optar por um ou por

outro. Mas, seriam as hipóteses agasalhadas pelo §6º de cunho mais objetivo do que

subjetivo? Em outras palavras, as situações concretas que porventura venham a

reclamar a tutela antecipada de evidência não seriam o caso de uma simples

subsunção do fato a norma, em que uma vez presentes todos seus requisitos, tal como

no ato administrativo vinculado, sua realização seria compulsória? A resposta tais

indagações resultará naturalmente do desenvolvimento infra a cargo das hipóteses que

reclamam o provimento antecipatório ora em estudo.

Em linhas gerais terá lugar a antecipação da tutela pela evidência do direito do

autor quando: houver incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos ou quando

existir incontrovérsia de parcela de um deles, ainda que haja um só pedido, conforme

observa Marcos Destefenni:

“São duas as situações em que se admite a antecipação da tutela de acordo com o novo dispositivo legal: a) quando houver cumulação de pedidos e um dos pedidos tornar-se incontroverso; b) quando houver um único pedido, mas parte desse pedido tornar-se incontroverso.” (DESTEFENNI, 2006, p. 319)..

Já para Antonio Claudio da Costa Machada a tutela poderá ser concedida com

base na evidência nas seguintes hipóteses:

“[...] examinemos alguns aspectos da sua normatividade. Inicialmente, parece relevante consignar que a previsão de "pedido incontroverso" (chamemos assim, genericamente, o fundamento da antecipação deste § 6º, do art. 273) nada mais significa, sob o ponto de vista técnico, do que uma das seguintes hipóteses: a) o réu contesta a ação, mas não impugna, sob o ângulo fático e jurídico, um ou mais dos pedidos cumulados (v. g, o réu impugna o pedido de perdas e

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danos, mas não o de reintegração de posse; impugna o pedido de demolição, mas não o de perdas e danos); b) o réu contesta a ação, mas reconhece em parte a juridicidade do pedido do autor (v. g, o réu nega que o crédito seja de R$ 10.000,00, mas admite que é de R$ 5.000,00; nega que o novo aluguel deva ser fixado em R$ 3.000,00, mas admite a correção do valor de R$ 2.000,00, acima, v. g. dos R$ 1.500,00 dos provisórios; c) o réu contesta a ação, mas confessa certos fatos que, por si só, dão sustentação ao direito em que se funda o pedido ou um dos pedidos; d) o réu contesta a ação, mas deixa de impugnar certos fatos suficientes, por si sós, para dar amparo ao direito em que se funda o pedido ou um dos pedidos; e) o réu contesta a ação e impugna todos os fatos, mas no curso do processo reconhece em parte a juridicidade do pedido ou de um dos pedidos do autor; f) o réu contesta a ação e impugna todos os fatos, mas no curso do feito confessa certos fatos suficientes, por si sós, para dar amparo ao direito em que se funda o pedido ou um dos pedidos.” (MACHADO, 2006, p. 615-616).

Em que pese a diversidade de alternativas encontradas por Costa Machado,

analisando-as a fio, em suma, dizem respeito basicamente àquelas duas oportunidade

anteriormente expostas e propostas por Marcos Destefenni.

Já Cândido Rangel Dinamarco vê a cumulação de pedidos como uma das

hipóteses a consumar a concessão do provimento antecipatório da norma do §6º do art.

273, se a incontrovérsia puder gerar convicção segura no âmago do julgador, pelo que

assim aduz:

“[...] A existência de pedidos cumulados pelo autor é apenas uma das hipóteses em que, a teor do que está na lei, se permite parcial antecipação da tutela. Esta será cabível sempre que a incontrovérsia sobre algum fato, ou alguns, permita formar convicção segura quanto a uma parcela do objeto do processo.” (DINAMARCO, 2006, p.99).

Exemplifica-se para ilustrar a alternativa “a)” fornecida por Destefenni, com o

consequente desfecho por Marinoni: o autor ingressa em juízo visando obter

ressarcimento a título de danos morais, emergentes e lucros cessantes pelo acidente

de veículo de via terrestre conduzido imprudentemente pelo réu. Este, no momento que

lhe caiba falar nos autos, não impugna o fato de ele próprio ter ocasionado o acidente,

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tão pouco os danos morais e emergenciais, discordando apenas dos lucros cessantes.

Nesta ocasião, aplicando o disposto no art. 273 §6º do CPC, leciona Luiz Guilherme

Marinoni:

“Neste caso é possível o julgamento antecipado dos pedidos de indenização por danos emergentes e danos morais, restando o pedido de lucros cessantes para ulterior definição. Não há razão, de fato, para não se admitir a tutela antecipatória dos direitos incontroversos. Obrigar o autor a esperar instrução necessária para a definição de um dos seus pedidos, quando outros já foram evidenciados, é impor à parte, de forma irracional, o ônus do tempo do processo e agravar o “dano marginal” que é acarretado a todo autor que tem razão.” (MARINONI, 1997, p.151).

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart ainda vão mais além,

entendem que mesmo tendo o réu impugnado tais pleitos, porém de forma infundada,

ainda assim caberia a antecipação se o autor corroborar com provas firmes suas

alegações, o que pode ser observado pela passagem adiante:

“Utilizando-se exemplo similar ao que acaba de ser fornecido, é possível pensar no caso em que o ilícito não foi negado, mas foram contestados os danos emergentes e os lucros cessantes. Se apenas os lucros cessantes devem ser elucidados através de perícia, tendo direito à indenização em virtude dos danos emergentes sido evidenciado por meio de prova documental e contestado através de alegação que se mostra completamente infundado, não há motivo justo para não se deferir imediatamente ao autor o valor da indenização relativa aos danos emergentes.” (MARINONI e ARENHART p.236).

Perceba que para os autores supra, em apego a celeridade processual,

efetividade e tempestividade da prestação jurisdicional, se o ilícito que der causa aos

pedidos não for impugnado, somente o sendo de forma infundada os pedidos deles

decorrentes, ainda que um deles necessitar de prova para ser elucidado, se o outro já

estiver devidamente comprovado e evidenciado, poderá, frise-se, para os autores, ser

antecipado pelo instituto em questão.

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Até o momento se cuidou de desdobramento ou de “descumulação” de pedidos,

mas como já dito não é essa a única hipótese a ensejar a aplicação da tutela em

comento, que também poderá ser utilizada quando parcela de um ou de mais de um

dos pedidos se mostrar incontroverso.

Atente-se ao exemplo fornecido por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart que a um só momento agasalha as duas hipóteses elencadas no §6º do art.

273 do CPC:

“Há casos em que é reconhecida, ainda que implicitamente, a procedência de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados. Assim, por exemplo, se o autor pede que o réu seja condenado a pagar R$ 100.000,00 e a contestação afirma que é devido o valor de R$ 40.000,00, reconhece-se como devida essa parcela. Em outro caso, se é pedido o principal mais juros, e a contestação controverte somente os juros, reconhece-se que o principal é devido.” (MARINONI e ARENHART, 2006 p.236).

Com relação ao primeiro exemplo, vê-se clara e nítida a ideia de parcela do

pedido incontroverso; explica-se: o autor pediu a condenação do réu em R$ 100.000.00

(cem mil reais), a contestação reconheceu a procedência de R$ 40.000,00 (quarenta

mil reais), logo, reconhece-se como devido essa parcela. Agora, caso contrário, mas

com as mesmas conseqüências: o autor pede a mesma quantia e a defesa impugna o

valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), logo, o montante restante não impugnado

de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) é tido como devido. Tanto nesta quanto naquelas

hipóteses estará o magistrado autorizado a conceder desde logo tal valor pelo emprego

da tutela antecipada de evidência.

Já o segundo exemplo fornecido pelos autores supra, cuida da “descumulação”

de pedidos, este de mais fácil intelecção já que os delineadores dos pedidos são mais

visíveis e, portanto, de mais fácil separação do que quando se pretende cindir, como

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acima feito, um só pedido.

Ante o até aqui exposto, extrai-se que a tutela antecipada de evidência tem

lugar quando um ou mais pedidos ou parcela deles ou de um só dele se mostrar

incontroverso.

Seguindo fielmente essa linha, e em nome da efetividade da prestação da tutela

jurisdicional, Marinoni e Arenhart visualizam a incontrovérsia como resultado lógico da

falta de impugnação específica. Assim, a pura e simples apresentação da contestação,

não isenta o réu de seu principal ônus – que na visão de Cândido Rangel Dinamarco,

supra, é o ônus de alegar, no caso, de responder satisfatoriamente impugnando o que

alegado pelo autor em sua exordial – no que denominam os autores a presente

hipótese de não contestação, consoante se extrai:

“Ademais, é possível falar em “não-contestação”. Isto acontece quando o réu não contesta precisamente os fatos alegados, mas não se extrai de sua defesa o reconhecimento de parcela do postulado ou a vontade de contestar o fato não impugnado de forma específica. Por exemplo: se o autor, em razão de um ilícito, pede dano emergente e lucros cessantes, e o réu, sem negar o ilícito, contesta apenas os lucros cessantes, ele não controverte os danos emergentes, embora não haja como se concluir que houve aí reconhecimento do pedido. O réu, nesse caso, descumpriu o ônus de contestar precisamente os fatos alegados (art. 302, do CPC) e, se do conjunto da contestação não é possível extrair a vontade de contestar o pedido não impugnado, ele deve ser admitido como incontroverso.” (MARINONI e ARENHART, 2006 p.236).

A respeito do reconhecimento parcial, anteriormente demonstrado, e da não-

contestação, arrematam os já citados autores:

“Tendo havido reconhecimento parcial ou não-contestação, parcela daquilo que é postulado pelo autor torna-se incontroverso. Ora, como jurisdicionado tem direito constitucional a tempestividade da tutela jurisdicional, e isso significa dizer que o direito que se tornou incontroverso no processo não pode ter sua realização postergada, admite-se a tutela antecipatória da parte incontroversa daquilo que foi postulado pelo autor (art. 273,§ 6)” (MARINONI e ARENHART, 2006 p.236).

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Já em 1997, Luiz Guilherme Marinoni defendia que teria lugar a antecipação

pela evidência quando ao menos uma parte já fosse incontroversa – quando se saberia

de antemão que o réu teria de pagar algo ao autor – ainda que o remanescente tivesse

de ser apurado mediante prova pericial. Para o autor, caberia, portanto, já que é injusto

fazer o autor esperar por aquilo que já sabe ter direito e ser seu, a antecipação dessa

parcela incontroversa ou dessa parte, quantia já conhecida como devida.

Nas próprias palavras do autor:

“Para que seja possível tal tutela é necessário que o quantum, no curso do processo, encontre-se plenamente provado apenas em parte, requerendo a outra parte instrução dilatória. Em outras palavras, a tutela antecipatória é concedida porque parcela do quantum é desde logo evidenciada, ao passo que o restante necessita de mais tempo para ser demonstrado. [...] Em alguns casos, porém, já evidenciado o direito do autor, pode ser necessária uma prova pericial –geralmente cara- apenas para precisar o quantum devido pelo réu. [...] Nestes casos, muitas vezes é possível saber, desde logo, que no mínimo uma determinada quantia é devida, e que, desta forma, o réu terá que pagar algo ao autor.” (MARINONI, 1997, p.159-161).

Anos mais tarde, agora em companhia de Sérgio Cruz Arenhart, o pensamento

supra foi reforçado, pelo que se pode observar da seguinte passagem:

“Utilizando-se exemplo similar ao que acaba de ser fornecido, é possível pensar no caso em que o ilícito não foi negado, mas foram contestados os danos emergentes e os lucros cessantes. Se apenas os lucros cessantes devem ser elucidados através de perícia, tendo direito à indenização em virtude dos danos emergentes sido evidenciado por meio de prova documental e contestado através de alegação que se mostra completamente infundado, não há motivo justo para não se deferir imediatamente ao autor o valor da indenização relativa aos danos emergentes.” (MARINONI e ARENHART, 2006, p.236).

Cabe destacar, que os exemplos supracitados somente são possíveis e aptos a

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ensejar a antecipação da tutela pela evidência do direito do autor justamente porque

este se tornou evidente uma vez que corroborado com prova sólida de sua existência e

ao seu turno pela falta de impugnação específica do réu ao fato, subinhe-se fato,

constitutivo do direito do autor, ou simplesmente pela causa de pedir do autor se

mostrar incontroversa.

Até o presente instante muito se falou de efetividade, tempestividade e

qualidade da prestação da tutela jurisdicional, como também da celeridade processual

justamente porque com tais postulados se preocupa a presente monografia. Não é de

se descartar, contudo, a segurança jurídica e os direitos e garantias constitucionais /

processuais destinadas ao réu.

Como muito bem salientou Teresa Arruda Alvim Wambier (item 1.4 supra), o

apego desmedido a um só princípio ou a um só seguimento de garantias faz cair por

terra os fundamentos de um Estado democrático que em sua Constituição prevê e zela

por ambos, princípio preferido e princípio preterido. A fim de evitar essa incongruência é

que se concebeu e assim deve ser utilizado – na visão da autora – o princípio da

proporcionalidade, por ser este o princípio dos princípios e, no presente caso, aliado ao

bom senso do julgador, indispensável a partir da mensuração a cada caso, auxiliando

na ponderação, de um lado está o autor que clama por seu direito, mais ainda quando

um de seus pedidos ou parcelas de um deles se mostrar incontroverso e, de outro, o

réu, que sob os fundamentos da segurança jurídica e do devido processo legal não

quer ser privado de seus bens.

Externando também a preocupação desta monografia com a solidez do

ordenamento jurídico pátrio e, sobretudo, aos direitos e garantias fundamentais

processuais, passa-se agora a demonstrar as hipóteses que igualmente a doutrina

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repudia como susceptíveis a desencadear o emprego da tutela antecipada de

evidência.

Primeiramente adentra-se ao mérito da prejudicialidade, esta entendida como

codição negativa à concessão da tutela em questão. Vale dizer, uma vez presente a

prejudicialidade do pedido ou da parcela dele que se pretenda antecipar com o restante

do processo que terá forçosamente que prosseguir para ser elucidado, não pode e nem

deve o juiz antecipar a título de evidência o que pretende o autor, pois sua convicção

ainda não está profunda o suficiente a justificar tal antecipação. Ademais, poderá o

próprio juiz ou eventual órgão recursal futuro entender de modo diverso.

Ernane Fidelis dos Santos acerca do mote aduz que:

“Há mister observar que a incontrovérsia há de ser efetiva e compreendida sem qualquer possibilidade de prejudicialidade. Se se reivindicam bens como perdas e danos o réu contesta a reivindicação, silenciando sobre os últimos, não poderá haver antecipação de tutela sobre eles, visto que a procedência do último pedido é conseqüência do primeiro” (SANTOS, 2006, p.419).

O que se vê, portanto, a consubstanciar a prejudicialidade é a ideia de causa e

consequência entre os fatos e pedidos impugnados ou não.

Explica-se: se houver impugnação específica e fundamentada ao fato que dá

origem ao direito (causa de pedir), como já sedimentado anteriormente, não se poderá

falar em concessão da tutela antecipada pela evidência do direito, simplesmente porque

este não se tornou evidente e, por guardar o fato relação de causa para os pedidos dele

advindos (consequência), estes últimos pedidos, ainda que não impugnados, não

poderão ser objetos de antecipação.

Segue um exemple altamente ilustrativo de Cássio Scarpinella Bueno:

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“PC demanda APP pleiteando danos materiais e morais. Fundamenta seu pedido na existência de erro médico. Há dois pedidos — cumulação simples [...], mas uma só causa de pedir. A culpa (em sentido amplo) do médico, é que causou os danos que agora PC pleiteia perante o Estado-juiz. Se APP contestar o fato — não houve erro médico, porque seu agir não foi culposo em nenhuma modalidade —, não há como incidir o § 6º, ainda que APP, o réu, não impugne especificamente o pedido de dano moral. É importante destacar este ponto porque, uma vez impugnado um dos dois pedidos cumulados, nem por isso o juiz formará, em seu íntimo, convicção diferente com relação ao mesmo e único fato que fundamenta o pedido (a causa de pedir): ter, ou não, havido o erro médico.” (BUENO, 2010, p. 92).

Scarpinella Bueno ainda entende que a aplicação a tutela do art. 273 §6º do

CPC também deve ser descartada quando na hipótese de cumulação imprópria de

pedidos, ao fundamento que se segue:

“Pelos mesmos motivos, a aplicação do § 6a do art. 273 deve ser descartada naqueles casos em que a mesma causa de pedir der base a pedidos formulados em cumulação imprópria, como ocorre, por exemplo, nos casos de cumulação eventual (art. 289;). PCS demanda MTS pelo abatimento do preço de mercadoria que adquiriu e, caso isso não seja possível, o desfazimento da compra e venda. O silêncio de MTS quanto a um desses pedidos não o torna "incontroverso", porque o fato é o mesmo. Se não há condições de julgar um dos pedidos, não é motivo suficiente para que o outro, formulado na eventualidade de o primeiro ser rejeitado, seja apreciado. Só quando o fato (constante) assim permitir.” (BUENO, 2010, p.93).

Postas assim, desta maneira, a questão da prejudicialidade e a impugnação da

causa de pedir do direito do autor ou impugnação do fato sobre o qual se assentam os

pedidos, consigna, com isso, a devida atenção dispensada por esta monografia,

sobretudo a coerência e a harmonia com que devem conviver os princípios e garantias

constitucionais / processuais, a partir do ponto de vista de que para o processo civil,

como outrora consignado, às partes deve ser ofertado tratamento igual, pouco

importando a condição de autor ou réu que ostentam. Daí também decorre a identidade

de tratamento aos institutos da ação e da defesa, não podendo o abuso desta

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prejudicar aquela, tão pouco a falta de uma precisa defesa (falta de impugnação

específica) a qualquer custo e caso gerar a facilitação da ação para se obter uma tutela

pela evidência.

Novamente repisa-se que, assim como qualquer outra atitude adotada no

processo gera efeitos endo e extraprocessuais, o mesmo também ocorre com o

emprego da tutela antecipada de evidência, de tal modo que deve o julgador que se

deparar com um caso desses prender os olhos atentamente ao que está diante de si e

virtualmente projetar os efeitos da decisão por ela desfechada ao futuro, para a partir de

então, caso reclame realmente a hipótese, adotar a medida antecipatória e homenagear

o princípio da celeridade processual e o da efetividade da prestação da tutela

jurisdicional ou, de modo contrário, agraciar a segurança jurídica e velar pela instrução

probatória.

5.4 A Tutela Antecipada de Evidência e as Características da Irreversibilidade e

Revogabilidade

Primeiramente, mostra-se imperioso para o melhor deslinde deste item

compreender o que vem a ser as características da irreversibilidade e revogabilidade,

constantes respectivamente dos §§ 2º e 4º do art. 273 do CPC e suas implicações

quando da apreciação pelo magistrado das hipóteses que reclamam a concessão da

tutela antecipada de evidência.

A característica da irreversibilidade consiste basicamente em uma vedação à

concessão do provimento antecipatório sempre que este puder causar ao mundo

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fenomênico efeitos irreversíveis, já que como muito bem salientou Ernane Fidelis dos

Santos, a irreversibiidade se dá no plano do direito material e não no processual,

consoante aduz que:

“Como a antecipação, em seus efeitos processuais, é provisória, nunca poderá ser concedida se não comportar reversibilidade. A irreversibilidade se traduz na impossibilidade material de se voltarem as coisas ao estado anterior. Como, por exemplo, reconhecer-se antecipadamente a inexistência de servidão, proibindo-lhe o uso, se tal importar em destruição de obra que inviabilizará por completo o direito, na hipótese de decisão posterior diversa?” (p.414).

Já a peculiaridade da revogabilidade consiste na fragilidade da decisão que

concede a tutela antecipatória, posto que esta, futuramente à luz de uma melhor

instrução processual, poderá ser modificada ou revogada, conforme o caso, por uma

decisão posterior ou pela própria sentença.

Na redação do próprio Código, art. 273: §2º “Não se concederá a antecipação

da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado” e §4º “A

tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo em decisão

fundamentada”.

Porém, tais características não se aplicam à tutela antecipada de evidência

tendo em vista que a mesma é concedida sob juízo de convencimento de cognição

exauriente (o que se mais bem demonstrará no item 5.5.1 infra), conforme aduz Luiz

Guilherme Marinoni:

“Diz o § 2° do art. 273 que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Na hipótese de julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados: não há razão para se temer a irreversibilidade, o julgamento é feito com base em cognição exauriente, e não sumária.” (MARINONI, 1997, p.168).

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Cândido Rangel Dinamarco converge com Marinoni e assim aduz: “Pela mesma

razão, chega-se também à não-incidência do veto às antecipações de efeitos

irreversíveis.” (DINAMARCO, 2006, p. 97).

Novamente repisando o entendimento de que a decisão que concede tal tutela

ser exauriente, renova Luiz Guilherme Marinoni, agora em companhia de Sérgio Cruz

Arenhart, a ideia da não aplicabilidade agora da revogabilidade do § 4º do art. 273 do

CPC à tutela do §6º do mesmo artigo, pelo que aduzem:

“Note-se que o fato de o legislador admitir a revogabilidade dessa tutela (art. 273, ss 4) não tem o condão de impedir sua concessão. O legislador apenas não admitiu que essa tutela, assim como a tutela que cabe no caso de reconhecimento parcial ou não-contestação, produza coisa julgada material. Contudo, tais tutelas, justamente porque constituem respostas aos direitos evidentes, são fundadas em cognição exauriente. Ou seja, elas só cabem quando o direito estiver evidenciado, seja pela prova, seja pelo reconhecimento parcial ou pela não-contestação. É absurdo pensar que a coisa julgada material é conseqüência necessária da cognição exauriente, ou, ao invés, que sua ausência é resultado imediato da cognição sumaria. É bom lembrar que a sentença sempre é fundada em cognição exauriente, pouco importando a sorte do eventual recurso que em relação a ela for interposto.” (MARINONI e ARENHART p.237).

Cássio Scarpinella Bueno também é um dos que enxerga a inaplicabilidade dos

§§ 2º e 4º do art. 273 à tutela de evidência, notadamente porque, para além de ser a

decisão estribada em cognição exauriente, não é dado ao juiz decidir o que já está

decidido, nas palavras do autor:

“Por isso é que não há razão alguma para que o magistrado, ao proferir a sentença que extingue a etapa de conhecimento, julgando o que não estava apto para julgamento antecipado nos moldes do art. 273, § 6º, isto é, as questões fáticas que demandavam, ainda, produção de prova, "confirme" a "tutela antecipada". O que é objeto de julgamento por força do art. 273, § 6º , já foi julgado e não precisa — e nem pode, a bem da verdade — ser rejulgado.

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A tutela jurisdicional, para os fins do § 6º do art. 273, é antecipada e também definitiva. Ela não é proferida na expectativa de ser, oportunamente, substituída por outra decisão que passa a regrar a situação carente de tutela jurisdicional em seu lugar.” (BUENO, 2010, p98).

Contudo, em que pese os posicionamentos contrários, novamente se ressalta

que o juiz terá que ponderar entre celeridade processual e segurança jurídica. No

entendimento de Cândido Rangel Dinamarco:

“Existe, sim, um risco residual: como a presunção de veracidade ex art. 302 não é absoluta, em tese pode sobrevir na continuação do processo alguma prova capaz de desfazê-la. Mas na prática esse risco é muito remoto, valendo a pena assumi-lo em nome da grande maioria dos casos em que a antecipação irreversível será benéfica e não trará prejuízo a quem quer que seja.” (DINAMARCO, 2006, p.97, 98)

Como se vê, o autor entende que para o bem de todos, ínfimos e insignificantes

tornam-se os poucos erros quando comparados com as inúmeras benesses

propiciadas, não somente aos litigantes, mas também à própria máquina pública, que

menos tempo, recursos e funcionários mobilizou ao deslinde daquele feito, que em

parte encerrou-se com o antecipar da tutela diante da evidência do direito do autor.

5.5 Natureza Jurídica do Pronunciamento Jurisdicional que Enfrenta a Tutela

Antecipada de Evidência e seus Consectários

O presente item tem por objetivo abordar a divergência doutrinária acerca da

natureza do provimento jurisdicional que enfrenta a tutela antecipada de evidência, bem

como os consectários daí resultantes; isto é, perquirir, de acordo com a resposta obtida

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precedentemente, qual o recurso hábil a impugnar tal pronunciamento, se a decisão faz

e, em caso afirmativo, qual a qualidade da coisa julgada dela advinda, sua efetivação

(execução) no campo prático a começar pela percuciência sobre a cognição

desempenhada pelo julgador diante de um caso concreto que reclame a incidência da

antecipação pela evidência do direito do autor.

5.5.1 Quanto a Sua Cognição

Antes de se saber qual a cognição desenvolvida pelo órgão jurisdicional

julgador quando diante de uma hipótese de aplicação da tutela antecipada de

evidência, mostra-se imperioso saber, em primeiro plano, o que é a própria cognição.

Para Kazuo Watanabe:

“A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, cale dizer as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.” (WATANABE, 2000, p. 58-59).

Podendo ainda ser a mesma dividida de acordo com a clássica obra do já citado

autor em:

“Numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos: horizontal (extensão e amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo [...]. Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta).” (WATANABE, 2000, p. 111-112).

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Assim, tem-se que, seguindo os propósitos propostos por Kazuo Watanabe, é

possível vislumbrar no processo civil a cognição em dois distintos planos: o plano das

abscissas (horizontal), em que de acordo com extensão ou amplitude dos elementos

objetivos do processo a cognição poderá ser plena ou limitada; no plano das ordenadas

(vertical), em que a cognição varia de acordo com o maior ou menor grau de

profundidade com que o julgador analisa as matérias e as provas que lhe são

submetida, podendo ser exauriente quando bem profunda essa apreciação e sumária

quando mais rasa.

Cândido Rangel Dinamarco conceituando e exemplificando a cognição no

processo civil aduz que:

“Todos os pontos sobre os quais o juiz busca interar-se suficientemente para julgar formam o objeto do conhecimento do juiz [...]. Em certos litígios marcados pela necessidade de uma tutela jurisdicional particularmente tempestiva – e assim capitulados pela lei – o juiz é dispensado de realizar uma cognição plena, ou seja, ele é autorizado a decidir com fundamento em investigações menos cuidadosas. Tal é a cognição sumária, que se limita a investigação das alegações trazidas pelo autor, diferindo-se a momento futuro o eventual exame dos fundamento de defesa (como no processo monitório); ou que se contenta com o exame menos profundo das alegações a serem consideradas no julgamento (como no processo dos juizados especiais). Na primeira hipótese tem-se uma cognição sumária porque incompleta; na segunda, sumária porque superficial.” (DINAMARCO, 2002, p. 164).

Tomados esses prévios apontamentos, parte-se agora para a análise da

cognição do pronunciamento jurisdicional que enfrenta a tutela antecipada de evidência.

A começar pelo precursor da tutela em apreço no Brasil, já em 1997 Luiz Guilherme

Marinoni defendia que a cognição com a qual se concedia o referido pronunciamento

era a exauriente, como se pode notar da seguinte passagem:

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“A tutela antecipatória, neste caso, estará antecipando o momento do julgamento do pedido. A tutela não é fundada em cognição sumaria, mas sim em cognição exauriente,[...]. [...] Sendo assim, é óbvio que a tutela antecipatória será fundada em cognição exauriente, e não em cognição sumaria. Se o julgamento ocorre quando não faltam provas para a elucidação da matéria fática, não há juízo de probabilidade, mas sim juízo capaz de permitir a declaração da existência do direito.” (MARINONI, 1997, p. 147 e 152).

Como se vê, para o autor quando não há mais elementos a serem elucidados

por meio de provas, profunda já é a cognição do julgador. Em outras palavras, quando

já se mostrar evidente o direito, não mais pairando dúvidas sobre sua existência e seus

contornos, diz-se que a cognição a respeito do mesmo é exauriente.

Cássio Scarpinella Bueno já em suas últimas considerações acerca da tutela

antecipada de evidência consignou que: “Última consequência do entendimento

defendido por este Curso quanto à natureza jurídica do art. 273, § 6° é a de que a

decisão proferida para os fins do dispositivo aprecia o pedido (ou, consoante o caso, os

pedidos) com cognição exauriente.” (BUENO, 2010, p. 98).

Quase uma década depois de ter monografado o tema, Luiz Guilherme Marinoni

ao lado de Sérgio Cruz Arenhart, reforçam a ideia de que justamente por constituir

resposta aos direitos evidentes, a cognição utilizada para proferir o pronunciamento

judicial antecipatório não poderia ser outra senão a exauriente, o que se extrai abaixo:

“Contudo, tais tutelas, justamente porque constituem respostas aos direitos evidentes, são fundadas em cognição exauriente. Ou seja, elas só cabem quando o direito estiver evidenciado, seja pela prova, seja pelo reconhecimento parcial ou pela não-contestação.” (MARINONI e ARENHART, 2006, p. 237).

Diante do exposto, há argumentos suficientes a sustentar a posição doutrinária

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de que a tutela antecipada de evidência, justamente por implicar na evidência, clareza,

nitidez do direito do autor – resultante, como já demonstrado, pela ausência de

impugnação específica do réu sobre algum fato que dele deriva um pedido já

robustamente comprovado pelo autor - só poderia ser a cognição exauriente, posto que

ao fato/pedido evidenciado não há mais o que se clarear.

5.5.2 Quanto a Sua Estabilidade, Formação e Qualidade da Coisa Julgada

O direito processual civil pátrio é calcado sobre um sistema lógico de preclusão,

que por sua vez se subdivide em preclusão lógica, consumativa e temporal, todas com

o escopo, a um primeiro momento, de fazer com que o processo encaminhe-se para o

desfecho final, independentemente do cumprimento pela parte do ato que devia praticar

e, a um segundo, posterior, para que incida sobre as decisões uma película protetora,

denominada coisa julgada, de modo a não mais ser permitido modificar tal decisum,

garantindo-se desta feita a segurança jurídica como já exposta no item 1.4 supra.

Acerca da coisa julgada, suas implicações e sua importância para o processo,

aduz Luiz Rodrigues Wamber:

“Se algo se pode dizer genericamente a respeito da coisa julgada é que se trata de um instituto ligado ao fim do processo e à imutabilidade daquilo que tenha sido decidido. Trata-se de instituto que tem em vista gerar segurança. A segurança, de fato, é um valor que desde sempre tem desempenhado papel de um dos objetivos do direito.” (WAMBIER, 2007, p. 519).

A coisa julgada pode então, de acordo com seus efeitos endo e

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extraprocessuais, ser classificada como coisa julgada material e formal.

A coisa julgada formal identifica-se com os efeitos atinentes da própria relação

processual que acaba de ser decidida. Em outras palavras, seu alcance limita-se às

partes envolvidas na lide que acaba de se compor por uma sentença ou acórdão,

quando não couber mais nenhum recurso, seja pelo emprego de todos já disponíveis ou

seja pelo transcurso in albis do prazo para manejá-los, a impugnar aquela decisão final.

Neste diapasão, a coisa julgada formal guarda estreita relação com o instituto

da preclusão, já que ambos são destinados e tem incidência quando ainda em trâmite o

processo, até seu ulterior termo, como aliás observa Luiz Rodrigues Wambier:

“A coisa julgada formal praticamente se identifica com a ideia de fim do processo. O objeto da coisa julgada formal é qualquer sentença ou acórdão cujo conteúdo material seja de uma sentença. Na doutrina aparece a expressão preclusão máxima para designar a coisa julgada formal, e isto significa que a coisa julgada formal se identifica de fato com o fim do processo, tendo lugar quando da decisão já não caiba mais recurso algum (ou porque a parte terá deixado escoar in albis os prazos recursais ou porque terá interposto todos os recursos).” (WAMBIER, 2007, p. 520).

Por sua vez, a coisa julgada material é aquela que suplanta os efeitos da coisa

julgada meramente formal, produzindo, assim, efeitos não somente no e para o próprio

processo, mas também para toda a coletividade que pode repousar seguramente às

margens do que decidido.

Cabe, contudo, relembrar, que mesmo a coisa julgada material está sujeita a

certa dose de instabilidade.

O uso do recentíssimo instituto da relativização da coisa julgada às hipóteses

raras que reclamam sua aplicação, excepciona a regra da coisa julgada, pois tal como o

concreto se solidifica cada vez mais pelo passar do tempo, a coisa julgada quanto mais

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tempo distante da decisão que a consubstanciou, mais rígida se torna.

Linguagem corrente na doutrina e pelos aplicadores do direito o uso da

expressão “coisa julgada” desacompanhada das expressões “formal” e “material” que

as qualificam. Nessas ocasiões, quer-se dizer simplesmente coisa julgada material, vez

que por ser esta a coisa julgada por excelência, dispensa-se para não cair em

redundância e pleonasmo o emprego da expressão “material” logo após a expressão

“coisa julgada”. Como muito bem atentou Wambier:

“[...] A coisa julgada material é a coisa julgada por excelência. Quando se usa expressão coisa julgada, isoladamente, está-se significando coisa julgada material. Quando se pergunta se determinada decisão fez (ou produziu) coisa julgada, está-se querendo saber se houve coisa julgada material. Quando se quer, portanto, referir à coisa julgada formal, é necessário que se o diga expressamente.” (WAMBIER, 2007, p. 519).

Nessa linha de raciocínio destoa evidente que a coisa julgada (aqui e a partir de

agora empregada como coisa julgada material) tem o condão de tornar imutável a

decisão que a produza.

No entanto, há que se diferenciar para melhor desenvolvimento deste tópico as

características da imutabilidade e da estabilidade, assim visualizadas por Ada Pellegrini

Grinover: “Parece-nos que a qualidade da sentença não (mais) sujeita a desconstituição

é efetivamente a imutabilidade, enquanto a qualidade da sentença sujeita a

desconstituição seria simplesmente a estabilidade.” (GRINOVER, Imutabilidade e

estabilidade das sentenças).

Na óptica da autora supracitada, a estabilidade precede à imutabilidade, logo

toda sentença imutável teve um dia de ser estável.

Para longe de ser meramente doutrinária, a questão assume relevantes

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contornos práticos quando se pensa em qual momento deve ser dado início à execução

do julgado (cumprimento de sentença), quando já imutável a decisão ou quando

meramente estável.

Ada Pellegrino Grinover ainda aduz que para os que enxergam a coisa julgada

sob a teoria da relativização da mesma, nunca alçaria a sentença a imutabilidade,

alcançando tão somente a estabilidade, pelo que aduz:

“Nessa linha de pensamento, para quem adota a teoria da chamada “relativização da coisa julgada” – que conta, aliás, com ferrenhos opositores -, a coisa julgada representaria sempre a estabilidade e não a imutabilidade da sentença.” (GRINOVER, Imutabilidade e estabilidade das sentenças)..

No processo civil ainda há o instituto da ação rescisória (CPC art. 485 e segs.),

assim segundo essa linha de pensamento a sentença proferida pelo exercício da

jurisdição civil somente seria imutável também após o escoamento - isso sem

mencionar a teoria da relativização da coisa julgada - do prazo para o ajuizamento da

ação rescisória; antes, seria somente estável.

Em que pese a interessante distinção entre estabilidade e imutabilidade das

decisões, este tópico destina-se em verdade a perquirir se o provimento antecipatório

pela evidência do direito do autor faz ou não coisa julgada e, em caso afirmativo, qual a

qualidade dessa e a sua conseqüente implicação à estabilidade ou imutabilidade do

pronunciamento.

Novamente se inicia a abordagem central deste item, a exemplo do ocorrido no

item precedente, citando-se Luiz Guilherme Marinoni, uma vez que se trata do

precursor que ensejou a incorporação do instituto em apreço no ordenamento jurídico

pátrio. Inicia-se assim com um compêndio de citações do autor das quais se pode

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denotar a cognição e a consequente coisa julgada formada:

“A tutela antecipatória, neste caso, estará antecipando o momento do julgamento do pedido. A tutela não é fundada em cognição sumaria, mas sim em cognição exauriente, produzindo coisa julgada material. [...] Sendo assim, é óbvio que a tutela antecipatória será fundada em cognição exauriente, e não em cognição sumaria. Se o julgamento ocorre quando não faltam provas para a elucidação da matéria fática, não há juízo de probabilidade, mas sim juízo capaz de permitir a declaração da existência do direito e a conseqüente produção de coisa julgada material.” (MARINONI, 1996, p. 147 e 152).

Como muito bem sublinhado por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart, a coisa julgada material não é decorrência lógica do exercício da cognição

exauriente e neste caso a recíproca é sim verdadeira, também do uso da cognição

sumária não resulta absolutamente a coisa julgada formal, como aduzem:

“É absurdo pensar que a coisa julgada material é conseqüência necessária da congnição exauriente, ou, ao invés, que sua ausência é resultado imediato da cognição sumaria. É bom lembrar que a sentença sempre é fundada em cognição exauriente, pouco importando a sorte do eventual recurso que em relação a ela for interposto.” (MARINONI e ARENHART p.237).

Cássio Scarpinela Bueno também fundamenta que a coisa julgada oriunda do

provimento antecipatório é a material, que se não recorrida a tempo, por ser definitiva,

alçará maior estabilidade, pelo que aduz:

“Última consequência do entendimento defendido por este Curso quanto à natureza jurídica do art. 273, § 6° é a de que a decisão proferida para os fins do dispositivo aprecia o pedido (ou, consoante o caso, os pedidos) com cognição exauriente e, consequentemente, tem aptidão para fazer "coisa julgada material". Trata-se, portanto, de decisão de mérito, que, não recorrida a tempo e modo oportunos, transitará em julgado.” (BUENO, 2010, p. 98).

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Apesar de Cândido Rangel Dinamarco não dizer expressamente em “A Reforma

da Reforma” qual a qualidade da coisa julgada produzida pela decisão que enfrenta a

tutela antecipada de evidência, pode-se extrair, coerentemente de sua obra, pelas

manifestações já positivadas no iten 5.4 supra e pela seguinte, que não se posiciona

contra a estabilidade e a produção de efeitos irreversíveis por tal decisão, conforme se

depreende: “[...] A circunstância de haver mais algum petitum pendente não

compromete a segurança para permitir que se produzam efeitos irreversíveis.”

(DINAMARCO, 2006, p.97).

De acordo com a doutrina corroborada acima e com as implicações resultantes

do embate teórico realizado no item 5.4 supra, é lícito concluir que a decisão que

concede a tutela de evidência obtida por meio de cognição exauriente não está sujeita

às limitações da irreversibilidade e revogabilidade, sendo assim também definitiva e

caso não venha a ser desafiada pelo recurso competente (do que se cuidará no

próximo item) fará primeiro coisa julgada formal, pelo que será estável, e após alçará a

qualidade de coisa julgada material, quando será então imutável.

5.5.3 Recurso Cabível

O juiz, em que pese ser o sujeito imparcial do processo que o conduz, não é

soberano, suas decisões, sempre que tiverem de fato cunho decisório, estarão sujeitas

aos recursos cabíveis em cada caso. Com isso, garante-se o direito constitucionalmente

implícito do duplo grau de jurisdição, que basicamente consiste na reapreciação da

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matéria impugnada (efeito devolutivo) por um outro órgão hierarquicamente superior e

colegiado.

Para pôr em prática o exercício de recorrer, faz-se necessário a observância de

algumas regras atinentes a cada recurso, o que a doutrina denomina de requisitos

intrínsecos ou subjetivos e extrínsecos ou objetivos que, quando presentes, ensejará a

admissibilidade do recurso (ser o mesmo apto a ser devidamente processado e julgado)

e, quando ausentes, culminarão no não seguimento do recurso.

A fim de facilitar a eleição do recurso correto a ser manejado contra o

pronunciamento jurisdicional, optou-se por bem classificá-los de acordo com o conteúdo

por eles apresentados, o que redundou na redação do art. 162 do CPC que trata dos

atos do juiz, não por acaso, aduz Antônio Cláudio da Costa Machado:

“O sujeito imparcial do processo, no exercício de sua atividade jurisdicional, realiza um sem-número de atos-meio no procedimento, com vistas ao proferimento de um ato-fim que solucione o conflito de interesses ou litígio. Por uma questão metodológica decidiu-se o CPC classificar tais atos pelo conteúdo, o que, a um só tempo, impede controvérsia sobre a natureza dos atos judiciais e facilita a determinação do recurso cabível.” (MACHADO, 2007, p. 158)..

Luiz Rodrigues Wambier converge com o que até aqui exposto e assim aduz:

“Sendo o representante do Estado e condutor do processo cabe ao juiz a outorga da tutela jurisdicional. É, sem dúvida, quem mais pratica atos processuais, pois a ele compete a ordenação da marcha procedimental, a solução das questões que, passo a passo vão se apresentando, a presidência na colheita da prova [...] e o pronunciamento definitivo sobre a lide posta. Por isso, seus atos assumem especial relevância.” (WAMBIER, 2007, p. 181-182).

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Posta a importância que o juiz representa para o processo, passa-se agora a

identificar e analisar seus atos, o que identificará qual o recurso que deve ser

empregado.

Dispõe o art. 162 do CPC que os atos do juiz consistirão em sentenças (§1º),

decisões interlocutórias (§2º), despachos (§3º) e, por fim, em seu §4º destaca ainda a

existência dos despachos de mero expediente destinados à prática de ofício pelo

escrivão dos atos ordinatórios que visão dar andamento a marcha processual.

Ao longo do presente trabalho sempre se referiu à decisão que enfrenta a tutela

de evidência, de maneira que se exclui da abordagem os despachos constantes dos §§

3º e 4º do art. 162 do CPC uma vez que não possuem cunho decisório, e não são,

diferentemente das sentenças e interlocutórias, vistos como decisão. Cuida o presente,

portanto, da análise das decisões interlocutórias e sentenças, conceituando-as,

diferenciando-as e, ainda, perquirindo de qual roupagem, sentença ou interlocutória, se

reveste o pronunciamento que concede a tutela antecipada de evidência, o que definirá

o recurso dela cabível.

Previamente, justifica-se a seguinte conceituação na lição de Antônio Cláudio da

Costa Machado, que antes mesmo de comentar o art. 162 aduz: “A fixação legal dos

conceitos constantes do parágrafos abaixo não tem por finalidades estabelecer

verdades doutrinárias, mas apenas fornecer critérios seguros que sirvam de

fundamento para o sistema recursal instituído.” (MACHADO, 2007, p. 158).

Justificada a presente relevância desta distinção, conceitua-se, então sentença,

que para Elpidio Donizetti é:

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“O termo sentença pode ser empregado em dois sentidos: estrito e lato. No primeiro, refere-se tão-somente à decisão final, compondo a lide ou apenas extinguindo o processo, proferida por juiz de primeiro grau de jurisdição, também chamado juiz monocrático. No segundo sentido, o termo sentença engloba o pronunciamento jurídico da administração concretizado em atos administrativos. A natureza jurídica da sentença é o ato jurídico estatal e documental. O seu conceito não decorre do rótulo que se lhe dê, da sua forma, mas sim do fim que alcança. Sentença no sentido estrito – é o que interessa a esse estudo – é o ato do juiz que implica em algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC.” (DONIZETTI, 2007, p. 341).

Já para Costa Machado:

“[...] a partir de 2006, sentença já não é necessariamente ato que encerra o processo (como visto, após a sentença condenatória a pagar quantia, o processo entra em fase de execução ou de “cumprimento de sentença”, como querem os arts. 475-I a 475-R), de sorte que pareceu bem ao legislador reformista afirmar que sentença é o ato judicial “que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”, [...].” (MACHADO, 2007, p. 159).

Após a edição da lei 11.232/2005, houve uma alteração sucinta em termos de

redação, mas profunda em intenção, significado e efeitos, do conceito de sentença,

como, aliás observa Jorge de Oliveira Vargas em artigo intitulado O novo conceito de

sentença e o recurso daquela que não extingue o processo, apelação ou agravo de

instrumento?, publicado no volume XI da série Aspectos polêmicos e atuais dos

recursos de coordenação de Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvin Wambier:

“A nova definição de sentença consistiu basicamente na retirado do efeito de por fim ao processo, vez que as expressões “decidindo ou não o mérito da causa”, constante da redação anterior, e “ato que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”, constante na atual redação, se equivalem.” (NERY Jr. e WAMBIER, 2007, p. 152).

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Porém, em que pese a expressa intenção do legislador em inovar no conceito

de sentença, retirando dele a obrigatoriedade de se somente vislumbrar sentença

quando a decisão por fim ao processo, ainda há quem sustente a antiga terminologia

empregada para conceituar tal decisão, dentre os quais pode-se citar Costa Machado,

que assim aduz:

“O que realmente caracteriza a sentença é o fato deste ato do juiz extinguir ou encerrar o processo (por “termo”), sendo, portanto, irrelevante seu conteúdo (decidir “ou não o mérito”). Sobre o aspecto da extinção é necessário interpretar: a sentença é o ato do juiz que põe fim ao processo em primeira instância apenas, uma vez que dela é possível apelar (art. 513), caso em que o processo efetivamente não se encerra; em outras palavras, pode-se dizer que a sentença, de fato, só extingue o processo se não houver recurso. Processo deve ser entendido, no texto como relação jurídica mais procedimento: se o ato judicial extingue, v. g., a reconvenção (art. 315 segs.) e a declaratória incidental (arts. 5º e 325), que são ações incidentes, o que se encerra é apenas uma relação processual, mas não o procedimento; logo, tais atos não são sentenças, mas decisões (§2º). Julgar o mérito é julgar o pedido, a pretensão material, o direito discutido; tal sentença denomina-se definitiva. A sentença que não aprecia o mérito é chamada terminativa.” (MACHADO, 2007, p. 160).

E Nelson Nery Jr. que em seu artigo nominado Conceito sistemático de

sentença inserto na obra que homenageia o professor Humberto Theodoro Jr. intitulada

de Processo civil novas tendências de coordenação de Fernando Gonzaga Jayme;

Juliana Cordeiro de Faria e Maira Terra Lavar, leciona que:

“Na verdade, embora tenha sido alterado o §1º do CPC 162 que define sentença, não foram modificados os §§ 2º e 3º do CPC 162, qud conceituam decisão interlocutória e despacho, respectivamente. Foi mantido o temo “extinção do processo” constante do título III do capítulo VI do Livro I (processo de conhecimento), bem como a expressão “extinue-se o processo”, contida no caput do CPC 267. Isso leva o intérprete a concluir que, embora tenha sido mencionada a expressão “matéria” na nova redação do CPC 162 §1º, esse não foi o critério exclusivo para a definição legal de sentença, porque ficaram mantidos o critério da “finalidade do ato”, como se pode verificar da manutenção da ideia de “extinção do processo” ainda constante dos referidos CPC 162 §§ 2º e 3º e 267.” (JAYME; FARIA e LAVAR., 2008, p, 521-522).

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Os autores supracitados, cada qual ao seu modo, diferentemente do que

propõe o novo §1º do art. 162 do CPC, não classificam a decisão de acordo com seu

conteúdo, mas sim com fundamento na sua finalidade, tal qual era dantes da reforma

oriunda da lei 11.232/2005.

Antes da referida lei, por mais que uma decisão enfrentasse ou não o mérito

(revestindo-se por isso da roupagem de sentença), caso não extinguisse o feito, seria

essa decisão, então, tida como decisão interlocutória, posto que não fora apta a por fim

ao processo. Acerca do narrado, observou Jorge de Oliveira Vargas:

“Porém, para fins recursais, a sentença que resolve o processo nas hipóteses dos arts. 267 e 269 do CPC, se não coloca-se fim ao processo por força da redação anterior do §1º do mencionado art. 162, deixava de ser sentença para se transformar em decisão interlocutória, fazendo o efeito prevalecer sobre o conteúdo, ou seja, desta não cabe o recurso de apelação, mas sim o de agravo.” (NERY Jr. e WAMBIER, 2007, p. 153).

Evidentemente que esse não foi o resultado pretendido pelo legislador

reformista ao suprimir do antigo §1º a expressão “que põe termo ao processo”, mas os

entendimentos supracitados são válidos, conquanto bem fundamentados.

Conceituada e localizada a evolução de sentença, parte-se agora para a

abordagem da decisão interlocutória assim visualizada por Luiz Rodrigues Wambier:

“No curso do processo, o juiz pronuncia-se sobre inúmeras questões, de fato e de direito, sobre o que controvertem as partes, sem que isso, todavia, represente a solução do mérito, nem o reconhecimento da impossibilidade de resolver o mérito nem o encerramento do processo ou do procedimento em primeiro grau de jurisdição. São dúvidas que surgem no desenvolvimento do processo, e que necessitam de um pronunciamento judicial que regulem e encaminhem o processo ao seus término. A tais dúvidas o Código de Processo Civil denomina “questão incidente”, pois incidem, muitas vezes tangencialmente, sobre o âmago do litígio.” (WAMBIER, 2007, 184).

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O conceito de decisão interlocutória constante do §2º do art. 162 do CPC

adveio de forma bem mais tranquiila do que o de sentença, implica basicamente na

decisão pelo juiz das questões incidentais ao processo.

Cabe ainda, antes de adentrar propriamente na temática a que se destina este

tópico, estabelecer, com a contribuição de Jorge de Oliveira Vargas, as distinções entre

os recursos de apelação e o de agravo, pelo que leciona o autor:

“As diferenças são muitas, das quais podem ser destacadas: a) apelação pode ser interposta no prazo de 15 dias (art. 508), enquanto o agravo no de 10 (art. 522); b) a apelação é interposta perante juiz de primeiro grau e por ele não será recebida quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ e do STF; já o agravo tem seu juízo de admissibilidade analisado em segundo graus e será convertido em retido “salvo quando se tratar de dcisão susceptível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, (...)”; c) em relação a apelação, regra geral não se admite juiízo de retratação (art. 463), já em relação ao agravo admite-se (arts. 523 §2º e 529); d) do acórdão não unânime que reformar a sentença de mérito em grau de apelação cabe embargos infringentes (art. 530); tratando-se de agravo, em princípio, pelo texto legal, não cabe embargos infringente, apesar do contido no na súmula 255 do STJ; e) tratando-se de apelação, com as exceções previstas no §3º do art. 551, haverá revisor, já no recurso de agravo, não; e, f) no julgamento do recurso de apelação poderá haver sustentação oral (art. 167 do RITJPR), no julgamento de agravo, não (§1º do citado artigo).” (NERY Jr. e WAMBIER, 2007, 155).

Finalmente, sem que isso implique em qualquer hierarquia ou ordem de

preferência, cita-se Luiz Guilherme Marinoni que ao discorrer sobre a não limitação da

tutela antecipada à decisão que a concede, afirma que referida decisão é interlocutória,

como se pode observar das próprias palavras do autor: “A tutela antecipatória

evidentemente não se limita à decisão que a concede, pois a decisão interlocutória é

apenas uma das técnicas processuais que devem estar ao seu dispor.” (MARINONI,

2009, p. 293).

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Outrossim, quando do recurso cabível reafirma sua posição e leciona que: “A

decisão concessiva de tutela antecipatória configura decisão interlocutória e, assim,

desafia recurso de agravo de instrumento (art. 522).” (MARINONI, 2009, p. 294).

Nesse sentido, que o conteúdo da decisão se reveste de interlocutória e que dela

cabe agravo, afirma Ernane Fidelis dos Santos:

“Toda decisão, inclusive a de antecipação, deve ser fundamentada, mas, no caso, sendo interlocutória, poderá ser concisa, sem, contudo, deixar de expor com precisão os fundamentos e a conclusão que determinar (art. 273, §1º).

[...]

Contra a decisão que concede ou denega a medida antecipada cabe agravo (art.522), mas, evidentemente, a modalidade de retido nenhuma utilidade prática trará, pois, se se defere ou indefere a medida como efeito antecipatório, constritiva ou não, processualmente é passiva de lesão grave ou de difícil reparação.” (FIDELIS, 2006, p.421).

Cássio Scarpinella Bueno adota como parâmetro para conceito de decisão

interlocutória e sentença a linha já demonstrada e sustentada por Nelson Nery Jr. e

Antônio Claudio da Costa Machado, para os quais ainda há que ser ponderado na

atividade de conceituar sentença (o que traz reflexos imediatos à escolha do recurso

correto), a finalidade, os efeitos por ela alcançados e não somente o conteúdo, como

quer o novo §1º do art. 162 do CPC. Neste diapasão, defende Scarpinella Bueno que

por não por fim ao processo, isto é, por ainda haver atividade cognitiva após a decisão

que concede a tutela da evidência, esta não poderia ser outra senão uma verdadeira

decisão interlocutória, segundo ensina o próprio autor:

“Pelas razões expostas [...], não obstante as alterações promovidas pela Lei n. 11.232/2005 nos arts. 162, § 1}, 269, caput, e 463, caput, não é possível, de acordo com o sistema adotado pelo Código de Processo Civil, definir "sentença"

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só pelo seu conteúdo. A sua função ainda é relevante. Sentença é o ato que declara o fim da etapa de cognição; interlocutória é a decisão que resolve questões incidentes ao longo do processo (art. 162, § 2}). [...] A decisão proferida com base no art. 273, § 6º, embora tenha conteúdo de sentença — ela aprecia o pedido e o acolhe nos termos do art. 269,1 —, não põe fim à etapa de cognição, mas se limita a resolver questão incidente. O processo prossegue em suas ulteriores fases para viabilizar ao Estado-juiz o julgamento dos pedidos ou das parcelas de pedido a controversos. Nesse sentido, o § 5º do art. 273 merece lembrança: mesmo com o proferimento da decisão antecipatória da tutela, há, ainda) atividade cognitiva a ser desenvolvida no mesmo processo a impor, consequentemente, o seu prosseguimento. Não com relação ao que já foi julgado pelo reconhecimento da incontrovérsia do "pedido", mas com relação ao que ainda está para ser julgado.” (BUENO, 2010, p. 95-96).

Ainda conclui o autor:

“Assim, embora a decisão que aplica o art. 273, § 6º, pudesse ser considerada substancialmente sentença — porque tem o conteúdo do art. 269, rente ao que exige o art. 162, § 1º —, ela é formalmente decisão interlocutória no sentido de fazer as vezes, ter a mesma função processual, de uma decisão interlocutória, porque, posto ter sido proferida, não significa que não haja, ainda, outras atividades jurisdicionais cognitivas a serem desenvolvidas no mesmo processo.” (BUENO, 2010, p. 96).

Por fim, conclui Scarpinella Bueno ao final da construção de seu raciocínio que:

“A consequência prática dessa conclusão é [...] saber qual o recurso adequado para contrastar a decisão proferida em atenção ao § 6º do art. 273. Entendendo que se trata de decisão interlocutória, a hipótese é de recurso de agravo (art. 522, caput) e não apelação (art. 513). E trata-se de agravo que deve ser interposto na modalidade de instrumento.” (BUENO, 2010, p. 96).

Luiz Guilherme Marinoni, sempre mantendo a coerência, arremata ainda que

não haveria motivos para se receber o agravo que desafiará a decisão que concedeu a

tutela antecipada de evidência, atribuindo-lhe efeito suspensivo, justamente porque

referida decisão fora prolatada com o intuito de libertar o autor do ônus do tempo do

processo daquele pedido que já se mostrava apto a julgamento, pelo que aduz:

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“Qual a razão para supor,então, que o agravo deva ser recebido, nesses casos, no efeito suspensivo? Nenhuma. Se o direito do autor foi reconhecido, não contestado, evidenciado ou depende apenas de uma defesa de mérito indireta infundada, não há racionalidade em obrigar o autor a suportar o tempo para o processamento do recurso. A conclusão que o autor deve arcar com o tempo do recurso interposto contra a própria decisão que o liberou de tal ônus seria mais do que incoerente.” (MARINONI, 2009, p. 294).

Também democrático e em apego ao princípio da igualdade, leciona Marinoni

que se de um lado o autor não pode suportar injustamente o ônus do tempo do

processo, sendo então a execução da decisão que concede a tutela da evidência de

execução imediata, de outro, ao réu, caso demonstre satisfatoriamente que a efetivação

da tutela no plano material pode lhe causar lesão grave de difícil ou incerta reparação,

poderá ser favorecido no agravo com a concessão do efeito suspensivo, como

preleciona o autor:

“Recorde-se, por fim, que, diante da interposição de agravo e da demonstração de fundado receio de dano, o agravante poderá requerer que o relator suspenda os efeitos ou limite a execução da tutela antecipatória (arts. 527, III e 558, CPC). O recurso de agravo, pode, segundo o art. 558 do CPC, suspender o cumprimento da execução até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara, entre outros casos naqueles que podem gerar “lesão grave e de difícil reparação”. De maneira que a presente situação está envolvida em um “sistema de pesos e contra pesos”, uma vez que se a tutela antecipatória deve em princípio, ser executada imediatamente, ela pode ter os seus efeitos suspensos. Não há como negar que a construção desse sistema privilegia os valores constitucionais, pois não só permite que o juiz trabalhe com um processo realmente isonômico, como ainda cuida dos direitos fundamentais processuais do autor e do réu.” (MARINONI, 2009, p. 295).

Até aqui se expôs os autores que visualizam a decisão que aplica o §6º do art.

273 do CPC como sendo interlocutória e entendem ainda que o recurso a desafiá-la

seria o de agravo de instrumento. Agora se mencionará os autores que convergem

quanto ao fato de ser sentença o pronunciamento jurisdicional, mas, no entanto,

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adotam posições contrárias no tocante ao recurso cabível; a começar pela parte da

doutrina que vê no agravo de instrumento a possibilidade de se recorrer dessa

sentença.

Cássio Scarpinella Bueno citando Teresa Arruda Alvim Wambier aduz que:

“Há aqueles que entendem, como, por exemplo., Teresa Arruda Alvim Wambier (Os agravos no CPC brasileiro, pp. 148, 310 e 326), ser a decisão antecipatória da tutela, nos termos do § 6º do art. 273, verdadeira sentença e que, para impedir que o processamento da apelação cause inegáveis atrasos ao andamento do processo, ela, excepcionalmente, deve ser recorrida por agravo de instrumento.” (BUENO, 2010, p. 97).

De outro lado se posiciona Jorge de Oliveira Vargas para quem:

“A admissibilidade do agravo ao invés da apelação, da sentença que não ponha fim ao procedimento, diante de sua nova definição, agride o princípio da correspondência e mais, o princípio da igualdade, consagrado tanto na Constituição Federal como no Código de Processo Civil, pois estará tratando desigualmente aqueles que são iguais.” (NERY Jr. e WAMBIER, 2007, p. 155).

Para o citado autor mesmo que a sentença não ponha fim ao processo

cognitivo, o ato ainda é sentença, tendo em vista que o relevante para se classificar o

pronunciamento jurisdicional com tal é o conteúdo (CPC art. 162 §1º) e não a finalidade.

Assim, caberá contra a mesma - por força do princípio da correspondência, invocado

pelo autor para sustentar sua conclusão - o recurso de apelação, e aqui reside a

peculiar distinção marcante de seu artigo: caberá, como dito, apelação, mas por

instrumento.

Veja a interessante analogia sobre a qual se debruçou o autor para chegar

nessa conclusão:

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“Argumenta-se que, por questões práticas, deve-se ainda admitir o agravo de instrumento ao invés da apelação, porque se for admitido este recurso, o processo subirá ao tribunal, impedindo seu andamento em relação à demais questões, ainda não solucionadas, o que fere o princípio da celeridade processual, bem como a garantia constitucional do prazo razoável, inserida na Constituição Federal através da EC 45, de 08. 12. 2004 (art. 5º, LXXVIII). Todavia este argumento por si só não impede o recurso de apelação, pois o processo pode subir ao tribunal para ser apreciada a apelação da sentença que não pôs fim ao procedimento e continuar tramitando em primeiro grau através dos autos suplementares, ou o processo, para a apreciação da apelação, poderá subir por traslado, adotando-se, ai, por analogia, o contido a respeito do recurso em sentido estrito da pronúncia, no art. 583, parágrafo único, do CPP, que diz: “o recurso da pronúncia subirá em traslado, quando havendo dois ou mais réus, qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido ainda intimados da pronúncia”. A adoção de qualquer dessas soluções, afastaria em princípio os problemas sobre o recurso de apelação da decisão que não pusesse fim ao processo. Existe ainda o argumento de que a subida da apelação por traslado, caracterizaria um tipo de recurso, qual seja, o de apelação por instrumento, o que iria ferir o princípio da tipicidade dos recursos. Este argumento também, ainda que pudesse ser tido como válido, não poderia prevalecer sobre o princípio da correspondência, da isonomia e do devido processo legal procedimental; além do que, não se trata de um novo recurso, mas do mesmo, qual seja, o de apelação, assim como o recurso em sentido estrito, referido, quando sobe por traslado, não muda de nome, continua a ser recurso em sentido estrito; ou seja, a “apelação por instrumento” além de não ferir o princípio da tipicidade ainda faria observar o da correspondência, da isonomia e do devido processo legal. Numa terceira síntese conclusiva, pode-se afirmar que questões práticas podem ser facilmente adotadas para impedir que a adoção do recurso de apelação de decisão que não ponha fim ao procedimento cause embaraço ao prosseguimento do processo.” (NERY JR. e WAMBIER, 2007, p. 156).

Como muito bem explanado, a apelação por instrumento não fere os princípios

constitucionais processuais do devido processo legal (2.1 supra), o da razoável duração

do processo (2.4) e os princípios recursais da tipicidade e correspondência.

O presente impasse, longe do campo teórico, pode ser facilmente resolvido e só

depende, na óptica do autor, da adoção de medidas práticas que sobrelevem o

resultado e o alcance de uma tutela jurisdicional tempestiva, efetiva e de qualidade,

deixando de lado os dogmas tradicionalmente repetidos.

Cássio Scarpinella Bueno citando Heitor Vitor Mendonça Sica sustenta que:

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“Outros, compartilhando do mesmo entendimento de que se trata de sentença, porque se cuida de "resolução parcial de mérito", sustentam o cabimento da apelação, coerentes com o que dispõe o art. 513. Eventuais dificuldades procedimentais podem ser evitadas pelo processamento da apelação por instrumento. É o que sustenta, com argumentos bastante convincentes, Heitor Vitor Mendonça Sica (Algumas implicações do novo conceito de sentença no processo civil, de acordo com a Lei n. 11.232/2005, pp. 199-205).” (BUENO, 2010, p. 97).

Por fim, consigna-se que a tutela antecipada de evidência da maneira como

atualmente disciplinada pelo §6º do art. 273 do CPC enseja, como se levantou no

projeto desta monografia inúmeras dúvidas entre os aplicadores do direito, de modo

que neste item se destacou a celeuma relativa à natureza do pronunciamento

jurisdicional que a concede quanto ao seu conteúdo (ou até mesmo seu

efeito/finalidade, para aqueles que defendem que o conceito de sentença somente

mudou na escrita, mas que no fundo continua o mesmo), resultando desta análise

posicionamentos que defendem a decisão como interlocutória, impugnável neste caso

por agravo de instrumento e como sentença, recorrível por agravo de instrumento ou

apelação por instrumento.

5.5.4 Efetivação da Tutela Antecipada de Evidência (Execução)

Para melhor compreender a relevância do instituto da tutela antecipada, seja

qual for sua modalidade, para o atual direito processual civil brasileiro, mostra-se

necessário uma digressão previamente à incorporação desse instituto, o que se deu por

meio da Lei 8.953/94 (5.1 supra).

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Antes do advento do referido instituto, a doutrina clássica concebia o direito

processual civil distribuido em três processos que ocupavam compartimentos

estanques, quais sejam: o processo de conhecimento, o executivo e, por fim, o

processo cautelar.

Com o surgimento de alguns institutos processuais, no que interessa para este

tópico o da tutela antecipada, começaram a surgir faixas de estrangulamento e

intersecções entre os processos, sobretudo pela via condutora das antecipatórias entre

processo de conhecimento e executivo, o que culminou com o rompimento do princípio

da nulla executio sine titulo, conforme observam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart:

“A tutela antecipatória rompe com o princípio da nulla executio sine titulo, fundamento da separação entre conhecimentos e execuções. Frise-se que a doutrina clássica concebia três formas de processos: i) conhecimento (que somente permitia que o juiz concedesse a tutela após concedido às partes ampla oportunidade de alegação e produção de provas, isto é, ao final, mediante sentença);ii) execução (que supunha títulos executivos judicial (p.ex, sentença condenatória) ou extrajudicial (p. ex. cheque), visando a realização concreta do direito já declarado em tais títulos); iii)cautelar (destinado a assegurar o processo de conhecimento ou o processo de execução, e deste modo não tendo o objetivo de realizar o direito- satisfazer o autor).Resumindo: não era possível a realização de um direito antes de ele ter sido declarado no processo de conhecimento. A execução exigia, como pressuposto, a prolação da sentença condenatória, que constituía título executivo judicial, conforme o artigo 584 do CPC, revogado pela Lei 11.232.2005..” (MARINONI e ARENHART, 2006, p.211).

O princípio da nula execução sem título era fundamentado na intervenção

mínima, ou diga-se melhor, em último caso, já que para se iniciar os atos

expropriatórios e os que implicam em alienação de propriedade contra os bens do

devedor havia a necessidade de esgotamento de todos os meios de defesas possíveis.

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Prestigiava-se ao máximo o contraditório e a segurança jurídica, fato também

comentado pelos autores supra:

“Como é fácil perceber, há uma associação muito íntima e evidente entre “descoberta da verdade”, realização plena do princípio do contraditório, declaração, coisa julgada material e título executivo judicial. Atrás do princípio da nulla executio sine titulo está escondida a idéia de que a esfera jurídica do réu não pode ser atingida sem a realização plena do princípio do contraditório.” (MARINONI e ARENHART, 2006, p.212).

Como se vê, à época pouca se dava valor à prestação da tutela jurisdicional

tempestiva, efetiva e de qualidade. Porém, as novas necessidades de tutelas e a

natureza dos novos conflitos, fizeram com que se concebesse a execução ainda no

curso do processo de conhecimento, consoantes os autores:

“Entretanto, a realização plena do princípio do contraditório (a certeza jurídica ou a coisa julgada material), em vista das novas necessidades de tutela, não pode mais constituir o pressuposto lógico-jurídico para a instauração da execução ou para a concessão da tutela que satisfaça o autor. [...] Em outros termos: os novos conflitos, por sua própria natureza, deixaram clara a necessidade de tutela antecipatória, ou seja, de realização do direito no curso do processo de conhecimento.” (MARINONI e ARENHART, 2006 p. 212 e 214).

Afinal, para Luiz Guilherme Marinoni: “Portanto, a decisão que concede a tutela

antecipatória, mas que não pode ser executada, afronta o direito fundamental à tutela

jurisdicional efetiva.” (MARINONI, 2009, p. 293).

De nada adiantaria se conceber uma tutela previamente se não se pudesse

executá-la ainda na pendência do feito, conforme Marinoni:

“Por isso, é completamente absurdo pensar que a tutela antecipatória somente poderá produzir efeitos a partir de sua confirmação pela sentença. Se fosse

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assim, a antecipação não teria qualquer utilidade, já que o ônus do tempo do processo jamais seria distribuído.” (MARINONI, 2009, p. 294).

Endossa-se tudo o que alegado pelo autor supracitado, quando mais no tocante

à tutela antecipada de evidência, pois conforme se consignou no item 5.4 supra, não se

sujeita a presente tutela aos regimes da irreversibilidade e revogabilidade, posto que

uma vez concedida, é definitiva, só desafiando o recurso cabível (item precedente).

Considerando que a tutela antecipada rompe com o princípio da nulla executio

sine titulo, que exige como pressuposto lógico-jurídico a formação de coisa julgada

material, é possível então a execução/efetivação/concretização imediata da tutela, a

qual se fará da mesma forma de uma execução de título judicial, porém sob os ditames

da execução provisória insculpida no art. 475-O do CPC. Consoante aduz Ernane

Fidelis dos Santos:

“(...) Assim, a execução da tutela antecipada, quando a hipótese for de pagamento de quantia certa, far-se-á nos moldes da definitiva, apenas que, para levantamento de dinheiro ou para prática de atos que importem em alienação de domínio, como arrematação, adjunção e remição, mister se faz a prestação de caução nos próprios autos, mas atendendo, evidentemente, às normas procedimentais próprias, conforme em lei (arts. 826 e s.). Dispensa-se caução, todavia, quando o crédito for de natureza alimentar, até o limite de sessenta vezes o salário mínimo, quando o exeqüente encontrar-se em estado de necessidade (475-O, §2º).

Nesse mesmo ponto de fuga converge Luiz Guilherme Marinoni:

“A execução da tutela antecipatória é imediata, mas deve atender ao artigo 475-O do CPC, pois é uma execução fundada em título provisório. Nos casos de tutela que impõe um fazer ou um não fazer ou a entrega de coisa a execução é feita de acordo com as regras dos artigos 461 e 461-A do CPC. Mas nas hipóteses de soma em dinheiro, a execução por expropriação conforme o art. 475-J e seguintes.” (MARINONI, 2009, p. 295).

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Quando a obrigação consubstanciada no título (decisão) que aplicou o art. 273

§6º for de obrigação de fazer ou não fazer e de entrega de coisa certa, reger-se-á a

execução pelo contido nos arts. 461 e 461-A do CPC, segundo dispõe Ernane Fidelis

dos Santos:

“A antecipação de tutela das obrigações de fazer ou não fazer é expressamente prevista no art.461 e respectivos parágrafos.” (p.422)

“Para a entrega de coisa, a Lei n.10.444/2002 não mais exige que se faça por ela por processo executivo autônomo, quando se findar em sentença.

Introduziu-se no Código de Processo Civil o art. 461-A, tornando executiva lato sensu e não apenas condenatória a respectiva sentença. Assim, toda e qualquer defesa, inclusive direito de retenção, far-se-á no processo de conhecimento, porque o juiz, ao conceder a tutela específica, já fixa o prazo de entrega. Não cumprindo o preceito, expede-se mandado de imissão de posse, no caso de imóveis, ou mandado de busca e apreensão, de móveis. Na execução da tutela antecipada, atende-se ao mesmo procedimento, cabendo contra a decisão, em defesa, apenas o agravo de instrumento, que, naturalmente, poderá, pelo relator do recurso, receber efeito suspensivo.” (SANTOS, 2006, p.422).

Ante o exposto, não é de se negar efetividade/executoriedade à tutela da

evidência, porque é justamente almejando a satisfação precoce de seu direito que

motivou o autor a pleitear tal medida. Contudo, referida execução será provisória e

correrá por conta e risco do exeqüente.

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6 COMPARAÇÃO ENTRE A ATUAL PREVISÃO E REGULAMENTAÇÃO DA TUTELA

EM ESTUDO COM O PROJETO DO NOVO CÓDIGO

O presente item tem por objeto o confronto da atual previsão e regulamentação

da atual tutela antecipada de evidência com sua correspondente - de modo a ressaltar

as principais identidades, distinções e principais inovações - do projeto de lei n.

166/2010 que versa sobre a reforma do Código de Processo Civil, hoje em trâmite na

Câmara dos Deputados Federais já com algumas alterações em relação ao anteprojeto

oriundas do Parecer emitido pelo relatório da Comissão Temporária da Reforma do

Código de Processo Civil.

A matéria será distribuída em dois tópicos: o primeiro cuidará das

especificidades da tutela da evidência e o segundo das disposições gerais aplicáveis a

mesma.

6.1 Especificidades da Tutela da Evidência.

No Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2.010 – Proveniente dos trabalhos da

Comissão de Juristas instituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, de

2009, presidida pelo Ministro Luiz Fux – a “Tutela de Urgência e Tutela da Evidência”,

sob tal rubrica, é objeto do Título IX, do Livro I (Parte Geral).

A tutela antecipada de evidência está atualmente positivada no §6º do art. 273

do CPC, acrescido pela lei 10.444 de 07 de maio de 2002, é assim disciplinada: “A

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tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos

cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

No Projeto, a tutela de evidência é objeto da Seção III, do Capítulo I, do Título

IX, com a seguinte redação:

Art. 278 Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando: I – ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III – a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou IV – a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante. Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

O artigo em comento bem expressa a intenção do legislador à seguinte

passagem da Exposição de Motivos do novo código: “Disciplina-se também a tutela

sumária que visa a proteger o direito evidente, independentemente de periculum in

mora” (item 5.2, supra).

O inciso I do art. 278 do Projeto corresponde ao atual inciso II do art. 273: “fique

caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.

O inciso II, do artigo em apreço equivale ao atual § 6º do art. 273, anteriormente

reproduzido e comentado no item 5.1 supra.

Quanto ao inciso III do art. 278 do Projeto, como já demonstrado no item 4

supra, com a contribuição de De Plácido e Silva, o adjetivo “irrefutável” equivale ao

adjetivo “inequívoco”, de forma que não pode pairar nenhuma dúvida de que no Projeto

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se tenha exigido um “plus” em relação ao “caput” do art. 273 do CPC - “existindo prova

inequívoca” - os termos são sinônimos.

Por fim o inciso IV inovou na ordem jurídica, acolhendo a originária proposta de

Luiz Guilherme Marinoni ventilada na obra “Tutela Antecipatória, julgamento antecipado

e execução imediata da sentença”, objeto do item 5.1 supra.

Lê-se na Exposição de Motivos do Anteprojeto que há: “tendência a criar

estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir

tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize”, “a segurança jurídica fica

comprometida com a brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre

questões de direito”, de forma que o preceito em questão está de conformidade com tal

aspiração (item 1.4, supra).

Ao final desta comparação, percebe-se que o legislador reformista teve a

intenção de melhor disciplinar a tutela antecipada de evidência, consignado

expressamente, com esse intuito, que independe à concessão da mesma o fundado

receio de dano irreparável e, nem poderia ser de modo diverso. Como já se demonstrou

no item 5.2 supra, o direito do autor merece ser antecipado porque evidente e, não se

vincula a essa evidência o requisito exigido pelo atual inciso I do art. 273 do CPC.

Ao consignar expressamente tal desiderato, consagra-se o que a doutrina de há

muito já vinha defendendo – a evidência do direito do autor constitui-se em uma nova

modalidade de antecipação de tutela, autônoma e independente à do art. 273 inciso I.

Destarte, a alteração trouxe ainda mais implicações positivas destinadas a

mitigar a celeuma sobre o tema. Inegável que ao se condensar as quatro hipóteses

pelas quais enxerga o legislador que a tutela de evidência pode ser concedida, facilita o

labor dos aplicadores do direito e traz às partes (autor e réu) maior segurança já que

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agora é possível de antemão e com precisão conhecer o que enseja a evidência do

direito e em quais hipóteses poderá a tutela com base naquele adjetivo ser concedida.

6.2. Disposições Gerais.

O Título IX do Livro I do Projeto tem a rubrica “Tutela de Urgência e Tutela da

Evidência”, dispondo o Capítulo I sobre “Disposições Gerais” dos dois institutos.

Atualmente a chamada “Tutela de Urgência” agasalha as tutelas antecipatórias

e cautelares como espécies daquele gênero, estas estão previstas no Livro III do atual

CPC (arts.796 a 888) e aquelas disciplinadas em dispositivos esparsos pelo estatuto

adjetivo (arts. 273, 461 e 461-A).

No Projeto houve a supressão do atual Livro III do CPC (Processo Cautelar).

Como consta da Exposição de Motivos do Anteprojeto: “Extinguiram-se também as

ações cautelares nominadas. Adotou-se a regra no sentido de que basta à parte a

demonstração do fumus boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional

para que a providência pleiteada deva ser deferida”.

Dispõe o art. 269 do Projeto: “A tutela de urgência e a tutela da evidência

podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de

natureza cautelar ou satisfativa”.

Referido dispositivo encontra justificativa na Exposição de Motivos do

Anteprojeto:

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“O Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência. Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano.

Ambas essas espécies de tutela vêm disciplinadas na Parte Geral, tendo também desaparecido o livro das Ações Cautelares.”

Continua a necessidade de se fundamentar adequadamente a decisão que

concede ou nega a tutela de evidência, nos termos do art. 93 inciso IX da Constituição

Federal, dispondo o art. 271, “caput”, do Projeto: “Na decisão que conceder ou negar a

tutela de urgência e a tutela da evidência, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as

razões do seu convencimento”.

O recurso adequado é o agravo de instrumento, conforme parágrafo único, do

referido artigo: “A decisão será impugnável por agravo de instrumento”.

No tocante à efetivação da medida deferida, de conformidade com o art. 273 do

Projeto: “A efetivação da medida observará, no que couber, o parâmetro operativo do

cumprimento da sentença e da execução provisória”. Significa dizer que a execução do

provimento que concede a medida obedecerá aos ditames do cumprimento de

sentença provisório, objeto do art. 506 do Projeto que reproduz o atual art. 475-O.

Matéria já abordada no item 5.5.4 supra.

Já o art. 283, caput do Projeto preceitua que:

“As medidas conservam a sua eficácia na pendência do processo em que esteja veiculado o pedido principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas, em decisão fundamentada, exceto quando um ou

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mais dos pedidos cumulados ou parcelas deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva.”

Para fins metodológicos divide-se o preceito em três partes: a primeira delas,

cuida da estabilidade dos efeitos da decisão que a concede, ou seja, conservam a sua

eficácia na pendência do processo em que esteja veiculado; a segunda, por sua vez,

trata da revogabilidade da decisão concedida na tutela de urgência, mediante decisão

fundamentada e, por fim, a última, dispõe que a revogabilidade, no entanto, não se

aplica às decisões que concedem a tutela da evidência posto que são definitivas,

questão já abordada nos itens 5.4 e 5.5.2 supra.

Percebe-se, portanto, a diferença entre a tutela de urgência e da evidência, esta

definitiva e aquela, por sua própria natureza, revogável.

Extrai-se do projeto do novo Código de Processo Civil um enorme avanço

conquanto agora as tutelas antecipadas, por mais que tenham sido condensadas às

cautelares, ganham pela primeira vez mais do que mero e simples artigo para

discipliná-las. Recebeu o instituto, em verdade, um Título próprio, dividido ainda em

dois capítulos, o que há muito se reclamava dada sua crucial importância como um dos

meios a materializar as garantias constitucionais da efetividade e tempestividade da

prestação da tutela jurisdicional.

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147

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desta monografia, percebeu-se que a justificativa utilizada para a

escolha do tema ainda quando de seu projeto, se mostrou válida conquanto, de fato,

como demonstrado nas páginas supra, há muita divergência entre os aplicadores do

direito relativamente aos motes que variam desde a aceitação do tema aqui abordado

como uma das modalidades de tutela antecipada à temática acerca de qual o recurso

cabível contra a decisão que aplica o disposto no art. 273 §6º, passando nesse ínterim

pelas várias interpretações sobre a natureza jurídica do provimento antecipatório.

Ainda, referida falta de unanimidade quanto aos consectários da tutela antecipada de

evidência, comprovou todas as hipóteses levantadas no projeto.

Para melhor desenvolvimento, intelecção e aplicação do tema deveria a tutela

antecipada de evidência ser melhor disciplinada tendo em vista sua relevante aplicação

como um dos meios pelos quais o Estado exerce sua função de pacificador social, de

maneira efetiva e tempestiva.

Hoje positivada no §6º do art. 273 do CPC (isto é, em meio às demais tutelas

antecipatórias) e no Projeto do novo Código de Processo Civil no art. 278, sob a rubrica

da seção III “Tutela da Evidência”. Note-se que muito embora esteja o referido artigo

inserto entre as tutelas de urgências, satisfativas e cautelares, desapareceu a

expressão “antecipada”, representando um avanço, porém continua a mesma a ser

disciplinada de um modo geral como uma tutela antecipada comum, especialmente no

que tange à natureza do pronunciamento que a concede, para o projeto decisão

interlocutória a ser desafiada por agravo.

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Destarte, muitos dos impasses objeto do item 5 supra seriam mais facilmente

dirimidos se à tutela antecipada de evidência fosse dispensada a atenção que o

instituto reclama e merece.

De sorte que um dos aspectos que clama por maior urgência e, que se alterado

expressamente fosse, geraria um enorme avanço da emancipação da tutela, é o

tocante da cisão do mérito e a permissão de se proferir mais de uma sentença de

mérito no processo. Só dessa forma seria de uma vez por todas resolvida a celeuma

acerca do conceito de sentença, para alguns tal como redigido no §1º do art. 162 do

CPC, mas para outros ainda com a ideia de que para ser sentença haveria o ato

decisório de por fim à etapa cognitiva do processo.

Fato é que enquanto não se chega à sonhada hora das eficazes mudanças,

aplica-se, por ora, os institutos atuais retirando dos mesmos o que de melhor podem

oferecer à tutela antecipada de evidência, pelo que se conclui então que: o

pronunciamento jurisdicional que a concede - por julgar o mérito e acolher, ao menos

em parte, o pedido do autor – reveste-se de sentença; sendo esta proferida sob

cognição vertical exauriente, face a evidência do direito do autor e a desnecessidade do

que se esclarecer; se não for impugnada no tempo e modo adequado, por definir o

mérito, faz, então, coisa julgada material; não se sujeitando, por óbvio, já que é decisão

meritória e não precisa ser reforçada pela decisão final e por ser também definitiva, à

disciplina da revogabilidade do §4º do art. 273; podendo ainda ser concedida mesmo

quando implicar em situação irreversível posto que é deferida à cognição exauriente, o

que por si só afasta tal temor de irreversibilidade, e ainda, se o temor da

irreversibilidade somente fosse afastado quando da total certeza pelo juiz, muitas

sentenças deixariam de conceder tal beneplácito, porque às vezes, mesmo diante da

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decisão final, ainda pairam dúvidas no âmago do juiz acerca da matéria em apreço

(item 5.5.4 supra); relativamente ao seu recurso, entende-se que deva ser a apelação

por instrumento, como muito bem explanado por Jorge de Oliveira Vargas no item 5.5.3

supra, o que se endossa para fundamentar o presente entendimento e, por fim, quanto

à sua efetivação/execução, ao contrário do que fundamenta Luiz Guilherme Marinoni no

item 5.5.4 supra, entende-se que o provimento antecipatório gera título executivo

definitivo (exceto quando na pendência de recurso) e não provisório como entende o

autor.

Por fim, encerra-se parafraseando Jorge Vargas: a adoção de medidas práticas,

desprendidas das amarras positivadas, podem e sem dúvidas auxiliar muito na

persecução do bem estar social propiciado pela prestação de uma tutela jurisdicional

efetiva, tempestiva e de qualidade.

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