Urgências e Emergências no Doente Falciforme

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III Seminário sobre Pessoas com Doença Falciforme do Estado do Paraná, 19/05/2011 Maringá, PR Dr Francismar Prestes Leal Médico Hematologista Hemocenter, Faculdade Ingá Urgências e Emergências em Doentes Falciformes

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Palestra apresentada no Seminário sobre Doença Falciforme do Estado do Paraná, em Maringá

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III Seminário sobre

Pessoas com Doença Falciforme

do Estado do Paraná,19/05/2011

Maringá, PR

Dr Francismar Prestes LealMédico Hematologista

Hemocenter, Faculdade Ingá

Urgências e Emergências em

Doentes Falciformes

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Conceitos Básicos

Anemia Falciforme é a doença hereditária monogênica mais comum do Brasil, ocorrendo, predominantemente, entre afro-descendentes

A distribuição do gene S no Brasil é bastante heterogênea, dependendo da composição negra ou caucasóide da população

A prevalência de heterozigotos para a HbS é maior nas regiões norte e nordeste (6-10%) e menor nas regiões sul e sudeste (2-3%)

Estima-se o nascimento de uma criança com AF para cada mil RNV Estudos confirmam que a DF é uma doença inflamatória crônica

permeada de episódios agudos clinicamente controláveis Quanto ao tratamento, observamos nos últimos anos significativa

melhora no prognóstico dos pacientes com DF, também no Brasil

Cançado RD, Jesus JA. A doença falciforme no Brasil. [Editorial] Rev Bras Hematol Hemoter. 2007;29(3):204-6

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Conceitos Básicos

Cançado RD, Jesus JA. A doença falciforme no Brasil. [Editorial] Rev Bras Hematol Hemoter. 2007;29(3):204-6

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Conceitos Básicos

A prevalência da HbS no Paraná é menor do que nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país: Heterozigotos para HbS (Traço Falciforme):

1.500/100 mil RN (1,5%) Homozigotos para HbS (Anemia Falciforme):

2,2/100 mil RN (0,0022%)

Em Maringá: TF (dentre doadores de sangue): 1,3% (410/31.368 amostras;

trabalho realizado no SHDB, não publicado) AF: 1/3.421 RNV (0,03%)

Watanabe AM et al. Prevalência da hemoglobina S no Estado do Paraná, Brasil, obtida pela triagem neonatal. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2008 mai;24(5):993-1000

Luz GS, Carvalho MDB, Pelloso SM, Higarashi IH. Prevalência das doenças diagnosticadas pelo Programa de Triagem Neonatal em Maringá, Paraná, Brasil: 2001-2006. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 set;29(3):446-53

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Conceitos Básicos

O diagnóstico neonatal, a pronta instituição do tratamento (vacinas, penicilina profilática) e a orientação do reconhecimento precoce do sequestro esplênico pelos cuidadores, contribuíram para a redução da mortalidade das crianças nos primeiros anos de vida

Uso da hidroxiuréia (grande impacto na vida dos pacientes com DF): Menor número de crises vaso-oclusivas, de hospitalizações,

tempo de internação, ocorrência de STA e, possivelmente, de eventos neurológicos agudos

Outros fatores importantes foram: Diagnóstico e tratamento, precoce e adequado, da STA Identificação das crianças com maior risco de AVC e início

precoce das transfusões de hemácias

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Conceitos Básicos

Estudos recentes têm demonstrado que pacientes com AF em transfusão regular de hemácias apresentam melhora do curso clínico da doença, redução de internações, crises vaso-oclusivas e STA

Pacientes com DF desenvolvem sobrecarga de ferro após a transfusão de 10-20 U CH, o que lhes confere maior risco de complicações, como doença hepática/cardíaca e morte precoce

Ballas et al., comparando pacientes com AF com e sem sobrecarga de ferro, demonstraram que o grupo com sobrecarga apresentava maior risco de crise vaso-oclusiva, insuficiência de órgãos e morte

Logo, a quelação de ferro deve fazer parte do tratamento da DF, ressaltando-se a possibilidade de uso de novos quelantes de ferro, por via oral, particularmente do deferasirox, aprovado desde 2006

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Conceitos Básicos

Emergência Situação crítica ou algo iminente, de perigo; imprevisto Na medicina: ocorrência de agravo à saúde, com risco iminente de

vida ou que cause intenso sofrimento ao paciente, exigindo intervenção médica imediata

Urgência Situação de agravo à saúde, com ou sem risco potencial de vida,

cujo paciente dependa de assistência médica rápida Ocorrências de caráter urgente têm um caráter menos imediatista

Adaptado da Resolução CFM nº 1451/95 de 10 de março de 1995 [publicada no Diário Oficial da União em 17.03.95 - Seção I - Página 3666] estabelece nos Parágrafos I e II do Artigo I as definições para os conceitos de urgência e emergência, a

serem adotas na linguagem médica no Brasil 

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Conceitos Básicos

Requisitos Mínimos para Atendimento de Urgência e Emergência na Doença Falciforme:

Equipe Médica e de Enfermagem “24 horas” Hemograma, Reticulócitos Oximetria, Gasometria Serviço de Imagem Medicina Transfusional Analgésicos (vários tipos) Antibióticos

Portaria nº 1.020/GM, de 13.5.2009, p. no DOU, Seção 1, de 15.5.09: estabelece diretrizes para a implantação do componente pré-hospitalar fixo para a organização de redes locorregionais de atenção integral às urgências, em conformidade com a Política

Nacional de Atenção às Urgências; UPA – Unidade de Pronto Atendimento; Sala de Estabilização – SE

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Conceitos Básicos

As complicações mais comuns da DF nos Serviços de Emergência podem ser divididas em quatro categorias:(Taylor & Moore, 2001)

Dor (vários tipos, aguda ou crônica)

Infecção Anemia (piora da)

AVE (ou AVC)

Crises de “Dor Falciforme” (Solomon, 2008)

79-91% dos Atendimentos de Emergência 59-64% das Internações Duração variável (3-5 dias), várias vezes ao ano

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Na prática, como é o atendimentodas Urgências ou Emergências?

Dificuldade de acesso aos Serviços Básicos de Saúde: Uso dos Serviços de Urgência / Emergência (U / E) PA / PS: porta de entrada mais importante do SUS Estes Serviços (U / E) estão quase sempre lotados Prioridade no atendimento destes Serviços (U / E):

Trauma ou outras situações “mais comuns”

Evento Agudo da Doença Falciforme:

“Mal Atendido!”

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Na prática, como é o atendimento das Urgências ou Emergências?

A Rede Básica de Serviços de Saúde não está preparada para lidar com Doença / Doente Falciforme

A Doença é “desconhecida” por muitos Profissionais de Saúde (perfil da morbidade / mortalidade)

Crises Intensas de Dor: CETICISMO por parte destes Profissionais em relação a

autenticidade da dor e a necessidade do uso de opióides

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Na prática, como é o atendimentodas Urgências ou Emergências?

Estrutura mais complexa a ser preparada no Atendimento de Urgência e Emergência da Doença Falciforme:

É a HUMANA!

Dificuldades para lidar com uma Doença Crônica:

Pessoa com Doença Falciforme

Pessoa que trabalha

com Doença Crônica

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Algumas Recomendações:

Capacitar Profissionais das Emergências / Urgências (SUS) para o Atendimento das Doenças Falciformes

Organizar a Rede de Referência e de Contra-Referência de acordo com as peculiaridades de cada local

As CENTRAIS DE REGULAÇÃO devem estar preparadas para estabelecer Prioridades no Atendimento dos Eventos Agudos das Doenças Falciformes

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Algumas Recomendações:

Adotar o “lugar” do paciente e suas necessidades como ponto de partida para qualquer intervenção (e se fosse eu ou um amado meu?)

Reconhecer o indivíduo como sujeito no processo do cuidado e não apenas como objeto de prática / prescrição

Integração Ensino / Serviço vinculando a formação acadêmica dos profissionais de saúde à realidade do SUS e às necessidades do indivíduo com Doença Falciforme

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Algumas Recomendações:

Implementação de programas de orientação da comunidade

Divulgar os Manuais com condutas já existentes e implantadas pelo Ministério da Saúde do Brasil

Treinamentos (Educação Continuada) para a Equipe Multidisciplinar de Saúde, especialmente aos enfermeiros, que devem ser encorajados a melhorar a qualidade de atendimento e de vida do Doente Falciforme

LOUREIRO MM. Aspectos clínico-epidemiológicos e percepção de dor na doença falciforme; Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, 2009

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Seguir Recomendações...

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Crise de Dor (Álgica)

É o quadro mais dramático e “comum” da Doença Falciforme

Obstrução da (micro)circulação por hemácias “afoiçadas”

A crise álgica pode ocorrer associada a: Infecção (Febre, Desidratação, Acidose) Frio (Resfriamento súbito da pele) Estresse Físico ou Emocional (Traumas, Esforços) Menstruação (37% das pacientes, o que pode ser atenuado

com o uso de ACO - Amenorréia) Gravidez Outros

Lobo C et al. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):247-258

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Crise de Dor (Álgica)

Características: Início abrupto Qualquer área do corpo Grande variabilidade, Imprevisível Recorrente Todas as idades

Deve ser iniciada hidratação oral, com água e outros líquidos (2 vezes o valor das necessidades hídricas para a idade)

Tratamento imediato e eficaz da dor, mesmo quando leve, pois a própria dor pode levar à piora da crise

Lobo C et al. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):247-258

Manual de eventos agudos em doença falciforme / Ministério da Saúde – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009

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Crise de Dor (Álgica)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe a utilização de analgésicos através de uma escada de três degraus:

1º - Analgésico não opiáceo/AINE ± Adjuvante

2º - Opióide fraco ± Analgésico não opiáceo / AINE ± Adjuvante

3º - Opióide potente ± Analgésico não opiáceo / AINE ± Adjuvante

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Crise de Dor (Álgica): Escalas

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Crise de Dor (Álgica)

Início da dor: Tratamento em Casa!

Nível 1: Dor quantificada de 1 a 3 Iniciar primeiro degrau (respeitar intervalos de cada fármaco)

Nível 2: Dor na escala de 3 a 6 + AINE, alternando drogas

Nível 3: Dor na escala de 6 a 10 + Codeína (opióide fraco) Paciente usa 3 analgésicos intercalados

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Crise de Dor (Álgica)

Mantém dor: Terapia no Hospital!

Nível 3: Dor na escala de 6 a 10 Analgesia Parenteral Analgésicos Intercalados

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Crise de Dor (Álgica)

Mantém dor: Terapia no Hospital!

Medo da dependência psíquica: O Profissional de Saúde teme que o paciente se torne Dependente

psíquico se o analgésico Opióide for prescrito Contudo, instituir subdoses de analgésicos predispõe os pacientes a

adotar o comportamento de “buscador de medicação” (evitar dor) Neste comportamento, a procura do medicamento é movida pelo

medo de sentir dor e não ter o medicamento à mão A porcentagem de dependência psíquica em pacientes com doença

falciforme é de apenas 1-3%Marlowe KF, Chicella MF. Treatment of sickle cell pain.

Pharmacotherapy. 2002;22(4):484-91

Lobo C et al. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):247-258

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Crise de Dor (Álgica)

Desconfiança quanto à intensidade da dor: A intensidade da dor pode não ter correlação com os sinais vitais!

(a indicação do paciente deve ser usada como guia da analgesia) Pacientes podem manter atividades que parecem incompatíveis com

a imagem esperada do paciente com dor intensa, como assistir televisão ou falar ao telefone (distração para suportar melhor a crise)

O fato do paciente dormir mesmo com dor pode confundir o Profissional de Saúde: parte ao efeito sedativo do opióide usado para analgesia (e pacientes com dor também precisam dormir...)

Isso é percebido como um “exagero” na dor que é informada!

Lord B and Woollard M. Emerg Med J 2011 Feb 28:147

Lobo C et al. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):247-258

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Crise de Dor (Álgica)

Mantém dor: Terapia no Hospital!

A analgesia deve ser mantida por pelo menos 1 a 2 dias após a remissão completa da dor, podendo-se retornar para a VO, após amenização do quadro

O opióide usado por até uma semana pode ser descontinuado de forma abrupta (mais que 1 semana: retirada lenta)

Deve-se evitar o uso de meperidina, por sua baixa potência analgésica, pela frequência de efeitos colaterais e pela importância da dependência química

Manual de eventos agudos em doença falciforme / Ministério da Saúde – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009

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Crise de Dor (Álgica)

Mantém dor: Terapia no Hospital!

Hidratação venosa com soro 4:1 (quatro partes SG 5% e uma SF 0,9%), respeitando as condições cardiopulmonares do paciente

Início precoce de fisioterapia respiratória e motora Fatores desencadeantes e mantenedores da dor, principalmente

infecções, devem ser prontamente tratados Dor óssea e edema localizado (com restrição de movimentos e

febre): avaliação ortopédica para “afastar” osteomielite Embora o uso de protocolos para a abordagem da dor seja

importante, é fundamental que ela seja individualizada, com avaliações frequentes e valorização das queixas dos pacientes

Manual de eventos agudos em doença falciforme / Ministério da Saúde – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009

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Manual de Eventos Agudos em Doença FalciformeMinistério da Saúde – Brasília

Editora do Ministério da Saúde, 2009

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Falciforme...

Falciforme...Forma de foice.Falsa formaDe doença fraca.Parece bem,E subitamenteNova crise ataca.Dor absurda,Anemia piora,Baço embaça.Apesar dos gritosDe sofrimento,Medicina é surda,Médico ignora,Coisa de raça?Há tantos mitos,Parco entendimento.

E a dor segueSem adequado alívio,Mesmo que o livroDiga o que fazer.Doença falciforme.Desconhecida, comum.Talvez mudar o nome?Não! Não basta...Eis o caminho:Medicina "humana",Crer no paciente,Mitigar o sofrer.Sem falsas formas.Falciforme.Forme.Foice.Foi.É...

Francismar Prestes Leal

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Obrigado pela Atenção!

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