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Justiça Federal da 1ª Região Justiça Federal da 1ª Região (1º grau) O documento a seguir foi juntado aos autos do processo de número 1000670-27.2018.4.01.4300 em 02/05/2018 17:55:06 por PAULO RUBENS CARVALHO MARQUES Documento assinado por: - PAULO RUBENS CARVALHO MARQUES 18050217231886000000005564188 Consulte este documento em: http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam usando o código: 18050217231886000000005564188 ID do documento: 5580355

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Justiça Federal da 1ª RegiãoJustiça Federal da 1ª Região (1º grau)

O documento a seguir foi juntado aos autos do processo de número 1000670-27.2018.4.01.4300em 02/05/2018 17:55:06 por PAULO RUBENS CARVALHO MARQUESDocumento assinado por:

- PAULO RUBENS CARVALHO MARQUES

18050217231886000000005564188

Consulte este documento em:http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seamusando o código: 18050217231886000000005564188ID do documento: 5580355

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA CÍVEL DA SEÇÃO

JUDICIÁRIA DO TOCANTINS,

Ref.: Procedimento Preparatório nº 1.36.000.000475/2018-75

Urgência

Assembleia Legislativa (19.4.2018). Aprovação da Lei 3.366/2018, que autorizaa assunção de operação de crédito de R$453.240.000,00 sem o aval da União.

Sessão Ordinária – 1º TurnoDuração desde a leitura da Ordem do

Dia até a aprovação: 27 segundos

Sessão Extraordinária – 2º TurnoTempo desde a leitura da Ordem do

Dia até a aprovação: 1 minuto

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores

da República abaixo subscritos, com amparo no artigo 129, incisos II e III, da

Constituição Federal, vem propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela

inibitória de urgência contra

1) ESTADO DO TOCANTINS, pessoa jurídica de direito

público interno, inscrito no CNPJ sob o nº 01.786.029/0001-

03, devendo ser citado por meio da Procuradoria-Geral do

Estado, com sede na Praça dos Girassóis, s/n, Esplanada

das Secretarias Plano Diretor, Centro, Palmas/TO,

2) CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, instituição financeira

sob a forma de empresa pública federal, dotada de

personalidade jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ

Procuradoria da República no Estado do TocantinsQuadra 104 Norte, Rua NE 03, Conjunto 02, Lote 43, Centro - CEP 77.006-018 – Palmas/TO. Fone: (63)3219-7200

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sob o nº 00.360.305/0001-04, com sede no Setor Bancário

Sul, Quadra 4, lotes 3 e 4, em Brasília/DF, também podendo

ser citada na Superintendência Regional no Estado do

Tocantins, situada na Av. LO-02, 1 - 104 Norte, Palmas/TO,

pelos motivos que passa a expor:

BREVE INTRODUÇÃO

1. Em 23 de abril de 2018, a partir de representação formulada

pelo Ministério Público do Estado do Tocantins, o Ministério Público Federal

instaurou o Procedimento Preparatório nº 1.36.000.000475/2018-75, cujo escopo é o

de apurar a legalidade, legitimidade e economicidade de transação financeira em

vias de ser contraída pelo Estado do Tocantins junto à Caixa Econômica Federal,

decorrente da autorização materializada pela Lei Estadual nº 3.266, de 10 de

outubro de 2017, com a redação conferida pela Lei nº 3.366, de 19 de abril de 2018.

2. A presente ação civil pública está amparada em

fundamentos autônomos, os quais, mesmo se isoladamente considerados, são

suficientes para a obtenção de provimento jurisdicional em ordem a inibir a prática

das ilegalidades que se avizinham. Vejamos:

(i) o Estado do Tocantins pretende contratar operação de

crédito não avalizada pela União, mas com previsão de

utilização de receitas de impostos como garantia da dívida, o

que viola o princípio da não vinculação da receita dos

impostos (CF, art. 167, inciso IV e § 4º);

(ii) o crescente endividamento do Estado do Tocantins,

atualmente classificado com nota “C”1 pela Secretaria do

Tesouro Nacional (STN), tem sido invocado pela União para

recusar-se a avalizar operações de crédito do ente

1Numa escala que vai de “A” a “D”.

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subnacional com outras instituições financeiras, diante do

altíssimo risco de inadimplência;

(iii) a operação de crédito visa a obtenção de receitas para

emprego em ações futuras e incertas, sem objeto delimitado

e sem demonstração da necessidade concreta. Exemplo

disso é que se chegou ao ponto de destinar o montante de 1

milhão e 20 mil reais, no mínimo, para cada um dos 139

municípios tocantinenses apenas para custear supostas

obras de pavimentação asfáltica, sem levar em conta a

densidade demográfica, a área geográfica de cada município

ou a necessidade específica de tais obras;

(iv) parte dos recursos a serem obtidos junto à Caixa

Econômica Federal se presta a cobrir despesas com obras

já contempladas no escopo de programas federais (mas

realizadas defeituosamente ou mesmo não realizadas), o

que sinaliza a possibilidade de sobreposição de custeio,

conforme alertado pelo corpo técnico do TCU (Secex/TO);

(v) durante o processo legislativo que culminou na edição

das leis estaduais que autorizaram a contratação da

operação de crédito nada foi examinado sob os prismas da

constitucionalidade ou da capacidade de pagamento do

Estado2, mesmo diante da possibilidade, em tese, de

utilização da arrecadação de impostos como garantia da

dívida a ser contraída. Houve, ainda, o comprometimento do

princípio da Separação dos Poderes (Executivo e

Legislativo) quanto ao processo legislativo da Lei nº

3.666/2018;

2Conclusão a que se chega a partir da análise da íntegra dos procedimentos dos projetos de lei, encaminhadospelo Ministério Público Estadual por meio do ofício nº 175/2018 – 9ª PJ, de 24.04.2018.

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(vi) o Estado do Tocantins solicitou ao Ministério da Fazenda

que realizasse a Verificação dos Limites e Condições (VLC)

para a realização de operação sem garantia da União3, mas,

para atender à exigência do requisito previsto no art. 32, §1º,

I, da LRF, encaminhou cópia da Lei nº 3.266/2017, que

condicionava a autorização da contratação da operação de

crédito com a Caixa Econômica Federal à concessão de

garantia pela União.

É dizer-se: ao protocolar o pedido de VLC para a realização

da operação de crédito sem a garantia da União, o Estado

do Tocantins não atendeu ao requisito da “existência de

prévia e expressa autorização para a contratação”, o que

conduz à nulidade da operação de crédito que venha a ser

contratada, nos termos do §1º do art. 33 da LRF4.

(vii) O mandato do atual Governador tem termo certo, haja

vista que o calendário das eleições suplementares para

Governador no Tocantins prevê os dias 18.06.2018 (em caso

de eleição em primeiro turno) ou 09.07.2018 (eleição em

segundo turno) como datas-limite para a diplomação dos

candidatos eleitos5.

Assim sendo, a contratação do empréstimo pelo Governador

interino está terminantemente vedada pela Lei de

Responsabilidade Fiscal, que impede a assunção de

obrigação de despesa nos últimos dois quadrimestres do

mandato, que não possa ser cumprida integralmente dentro

dele (art. 42). Tal vedação se aplica ao Governo eleito nas

eleições suplementares de 2018.

Há mais: a Resolução nº 43/2001, do Senado Federal, veda

expressamente a contratação de operação de crédito nos

3Processo SIDAPEM nº 17944.103302.2017-38.4Art. 33, § 1º A operação realizada com infração do disposto nesta Lei Complementar será consideradanula, procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução do principal, vedados o pagamento de juros edemais encargos financeiros.5Vide Resoluções nº 405/2018, de 19 de abril de 2018, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins.

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120 (cento e vinte) dias anteriores ao final do mandato do

Chefe do Poder Executivo do Estado (art. 15).

3. Diante desse cenário, o Ministério Público Federal, no

cumprimento dos seus elevados deveres institucionais, busca a concessão de tutela

inibitória diante da iminente contratação de operação de crédito pelo Estado do

Tocantins junto à Caixa Econômica Federal, com violação do ordenamento jurídico.

4. Como objetivos secundários, busca-se impedir a prática do

crime descrito no art. 359-C do Código Penal e do ato de improbidade descrito no

inciso IV do artigo 10. De igual modo, objetiva-se prevenir episódios de corrupção

em face da destinação de cifras milionárias para a execução de obras possivelmente

já custeadas por meio de programas federais e para obras escolhidas sem

supedâneo em critérios técnicos, as quais podem gerar demandas fabricadas

justamente em ano eleitoral caracterizado por severa instabilidade institucional do

ente subnacional.

ASPECTOS PROCESSUAIS

- COMPETÊNCIA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO TOCANTINS

5. Dispõe o art. 109 da Constituição da República que

"compete ao juiz federal processar e julgar as causas em que a União, entidade

autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras,

rés, assistentes ou oponentes".

6. Como a operação de crédito questionada está em vias de

ser contratada junto à Caixa Econômica Federal, não há dúvidas de que tal empresa

pública deve figurar no polo passivo da presente ação de cunho inibitório. Por

conseguinte, a Justiça Federal é competente para processar e julgar o feito.

7. Vale notar que esta demanda discute a juridicidade de

operação de crédito que representa alto risco para empresa pública federal, e para

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cuja celebração concorre a prestação de garantia violadora do princípio da não

vinculação da receita dos impostos (CF, art. 167, inciso IV e § 4º), dentre outras

ilicitudes.

8. Como se vê, a causa não tem potencialidade de vulnerar a

harmonia do pacto federativo, nem mesmo indiretamente. No ponto, é oportuna a

transcrição dos seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. AUSÊNCIA DE CONFLITOFEDERATIVO. INCOMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF. 1. Trata-se de ação cível originária, com pedido liminar, em que oEstado da Paraíba requer provimento para “autorizar acontratação da operação de crédito e financiamento doEstado da Paraíba com a Caixa Econômica Federal até o valorde R$ 161.380.581,72 (cento e sessenta e um milhões, trezentose oitenta mil, quinhentos e oitenta e um reais e setenta e doiscentavos), com garantia da União, para se realizar a Ampliação doSistema de Esgotamento Sanitário da Cidade de Patos – PB,Programa de Aceleração do Crescimento PAC, da linha deFinanciamento FGTS/CAIXA - Saneamento Básico, nos termos doTermo de Habilitação n.º 2P – 001410-1, de 21 de março de 2014,do Ministério das Cidades”.2. Narra a inicial que, embora o Estado-autor tenha obtidohabilitação do Ministério das Cidades para contratar a referidaoperação de crédito, a Caixa Econômica Federal informou aimpossibilidade de assinatura do contrato, por dois motivos: (i) nãoé possível a contratação de operação de crédito nos 120 diasanteriores ao término do mandato do Chefe do Poder Executivo(art. 15 da Resolução do Senado Federal nº 43/2001); e (ii) houvedemora para aprovação da lei estadual que autoriza a operação,publicada apenas em 28.11.2014, depois do prazo final para oenvio de documentos à Secretaria do Tesouro Nacional(14.11.2014).3. Sustenta que o objetivo de vedar a contratação de crédito nos120 dias anteriores ao fim do mandato seria impedir que a novagestão assumisse o governo com as contas desequilibradas, oque não se justificaria na hipótese de reeleição do Governador,como ocorre no caso. Além disso, alega que a demora naaprovação da lei estadual se justifica por se tratar de ano eleitoral,e que ainda haveria tempo hábil, pois o prazo para a STN verificaros limites e condições da operação iria até 04.12.2014, e o prazofinal para contratação estende-se até 31.12.2014. 4. É o relatório. Decido.5. O caso não é de competência originária do Supremo TribunalFederal. Isto porque, nos termos da jurisprudência da Corte, acaracterização da hipótese do art. 102, I, f, da Constituiçãoexige a ocorrência de verdadeiro conflito federativo, o quesomente ocorre em hipóteses excepcionais. Neste sentido: [...]6. O caso em questão não envolve nenhuma dimensãopolítico-federativa. Apesar do elevado valor da operação de

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crédito pretendida e da relevância da obra pública a que ofinanciamento se destina, discute-se, em última análise,apenas a interpretação de normas sobre prazos para acontratação de operações de crédito e a existência ou não dejustificativa razoável para sua inobservância. A resolução dacausa, seja ela qual for, não tem aptidão para afetar o pactofederativo.7. Em hipótese semelhante, na ACO 2.346, o Min. Teori Zavasckireconheceu a incompetência originária do Supremo TribunalFederal para processar e julgar demanda envolvendo Estado-membro e autarquia federal, em que se discutia a execução deconvênios relativos a obras em rodovia federal, por se tratar de“mera divergência sobre interpretação contratual, de caráterevidentemente patrimonial”.8. Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do RI/STF,reconheço a incompetência originária do Supremo TribunalFederal para julgar a causa, e determino a remessa dos autos àJustiça Federal de primeira instância (Subseção Judiciária deJoão Pessoa/PB). (ACO 2570, Decisão Monocrática, Relator Ministro ROBERTOBARROSO, julgado em 03.12.2014).

[…] Diferença entre conflito entre entes federados e conflitofederativo: enquanto no primeiro, pelo prisma subjetivo, observa-se a litigância judicial promovida pelos membros da Federação,no segundo, para além da participação desses na lide, aconflituosidade da causa importa em potencialdesestabilização do próprio pacto federativo. Há, portanto,distinção de magnitude nas hipóteses aventadas, sendo que olegislador constitucional restringiu a atuação da Corte à últimadelas, nos moldes fixados no Texto Magno, e não incluiu os litígiose as causas envolvendo municípios como ensejadores de conflitofederativo apto a exigir a competência originária da Corte.Precedente. (ACO 1295 AgR-segundo, Relator Ministro DIAS TOFFOLI,Tribunal Pleno, julgado em 14.10.2010)

9. No caso dos autos, a União limitou-se a exercitar a

atribuição, normativamente conferida pelo art. 32 da LRF, de realizar a Verificação

de Limites e Condições (VLC) para a realização da operação de crédito, mas, em

razão do alto risco, não concedeu garantia para o empréstimo. Inexiste, portanto,

qualquer traço de conflito federativo.

10. A competência para a apreciação da presente ação civil

pública é, portanto, da Justiça Federal no Tocantins.

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- LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

11. Busca-se, por meio da presente ação civil pública, a tutela

preventiva do patrimônio público e social, inclusive zelando pela juridicidade da

atuação de empresa pública federal, evitando-se a contratação de operação de

crédito que venha a ser acoimada de nulidade.

12. Trata-se, portanto, de medida que objetiva tutelar os

direitos transindividuais, atribuição conferida expressa e explicitamente ao Ministério

Público, pela legislação pátria:

Constituição Federal

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente,essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe adefesa da ordem jurídica, do regime democrático e dosinteresses sociais e individuais indisponíveis. (…)

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e social, do meio ambiente ede outros interesses difusos e coletivos;

13. Também a Lei Complementar nº 75/1993, estabelece que:

Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:

I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dosinteresses sociais e dos interesses individuais indisponíveis,considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos eprincípios: (...)g) as vedações impostas à União, aos Estados, ao DistritoFederal e aos Municípios;h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade,relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional,de qualquer dos Poderes da União; (…)

II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:b) às finanças públicas;

III - a defesa dos seguintes bens e interesses: (...)b) o patrimônio público e social; (…)e) os direitos e interesses coletivos, (...);

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Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: (…)

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: (…) b)a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dosbens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico epaisagístico; (…)d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos,sociais, difusos e coletivos;

XIV - promover outras ações necessárias ao exercício de suasfunções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,especialmente quanto: (…)b) à ordem econômica e financeira;

14. Por fim, a Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública):

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo daação popular, as ações de responsabilidade por danos morais epatrimoniais causados:IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (…)VIII – ao patrimônio público e social (...)

Art. 4º Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei,objetivando, inclusive, evitar dano ao patrimônio público e social,ao meio ambiente, ao consumidor, à honra e à dignidade degrupos raciais, étnicos ou religiosos, à ordem urbanística ou aosbens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico epaisagístico.

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a açãocautelar: I - o Ministério Público (…)

RÁPIDAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DÍVIDA PÚBLICA

15. Conforme a lição de Ricardo Lobo Torres, o conceito de

dívida pública “abrange apenas os empréstimos captados no mercado financeiro

interno ou externo, através de contratos assinados com os bancos e instituições

financeiras ou do oferecimento de títulos ao público em geral. Estende-se ainda à

concessão de garantias e avais, que potencialmente podem gerar endividamento”6.

6TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro. Editora Renovar, 2005, p.217.

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16. Especificamente em relação às operações de crédito, elas

possuem pelo menos uma das seguintes características7:

(i) envolvem o reconhecimento, por parte do setor público,

de um passivo, que equivale a um aumento do

endividamento público com impactos no montante da dívida

pública e na capacidade de endividamento do ente;

(ii) pressupõem a existência de risco de não adimplemento

de obrigações que, em geral, materializa-se na forma de

cobrança de juros explícitos ou implícitos, deságio e demais

encargos financeiros, tendo como consequência uma

redução do Patrimônio Líquido do ente que equivale a um

aumento do valor original da dívida; e

(iii) diferimento no tempo, uma vez que, em regra, as

operações de crédito envolvem o recebimento de recursos

financeiros, bens, ou prestação de serviços, os quais terão

como contrapartida a incorporação de uma dívida a ser

quitada em momento futuro.

17. As operações de crédito tradicionais são aquelas relativas

aos contratos de financiamento, empréstimo ou mútuo, e estão reguladas pela Lei

de Responsabilidade Fiscal (LRF) e pela Resolução do Senado Federal n° 43/2001.

18. A LRF, em seu art. 32, estabelece a competência do

Ministério da Fazenda para verificar o cumprimento dos limites e condições

referentes à realização de operação de crédito pelos entes da federação.

19. A concessão de garantia não é considerada operação de

crédito, conforme inciso IV do art. 29 da LRF, mas está igualmente sujeita à

verificação prévia de seus limites e condições de realização8. É obrigação de

natureza contingente, definida como “compromisso de adimplência de obrigação

7Conforme o Manual de Demonstrativos Fiscais - Aplicado à União e aos Estados, Distrito Federal e Municí-pios - Válido a partir do exercício financeiro de 2018, 8ª edição, p. 590. Disponível em <http://www.tesouro.fazen-da.gov.br/pt_PT/mdf>8Cf. Manual para Instrução de Pleitos (MIP), elaborado pelo Tesouro Nacional para orientar a contratação deoperações de crédito pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em: <https://conteudo.tesouro.gov.-br/manuais/modules/mod_pdf_manual/pdf/mip.pdf>.

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financeira ou contratual assumida por ente da Federação ou entidade a ele

vinculada”.

20. Retornando ao art. 32 da LRF, observa-se que a realização

de operação de crédito pressupõe o preenchimento de alguns requisitos por parte do

ente contratante. Sobre eles debruçou-se José Maurício Conti9:

a. adequada relação custo-benefício da operação: Essa

obrigação já vem estabelecida no próprio texto da

Constituição [art. 70] que trata da fiscalização das contas

públicas e prevê, dentre outras, a existência da fiscalização

quanto à economicidade dos atos administrativos por parte

dos sistemas de controle interno e externo. (…) Portanto, o

interessado em contratar uma operação de crédito deverá

instruir o seu pedido com os argumentos e provas que

demonstrem a necessidade da operação e a

compatibilidade entre recursos pleiteados e o benefício a

ser obtido pela aplicação na finalidade proposta.

b. o interesse econômico e social da operação: (…) as

operações de crédito somente poderão ser aceitas caso

sejam destinadas a atender o interesse público, ou seja,

tenham por objetivo atingir uma finalidade socialmente

relevante.

c. existência de prévia e expressa autorização para a

contratação com a inclusão no orçamento ou em

créditos adicionais dos recursos provenientes da

operação: A contratação de operação de crédito precisa

estar previamente autorizada por lei da entidade que

pleiteia realizá-la. (...)

d. a observância dos limites e condições fixados pelo

Senado Federal: O Ministério da Fazenda deve analisar a

9CONTI, José Maurício. Comentários aos artigos 32 a 39. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO,Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 219-222.

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observância, pelo ente da federação que pretende

consumar a operação, dos limites a que fica sujeito (…)

e. a existência de autorização específica do Senado

Federal quando se tratar de operação de crédito

externo: (…)

f. o atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da

Constituição: essa é uma das mais importantes

disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, por

regulamentar a chamada ‘regra de ouro’, ao estabelecer o

principal limite para o endividamento do setor público, qual

seja, impedir que a dívida ultrapasse o montante das

despesas de capital. O objetivo desse princípio de gestão

fiscal responsável é a proibição de se financiarem despesas

correntes, indício claro de descontrole das contas públicas.

21. A LRF exige comprometimento com a coisa pública não

apenas dos administradores públicos, mas também das instituições financeiras que

contratarem operação de crédito com entes da Federação.

22. Nesse sentido, confira-se a regra inserta no art. 33 da

referida lei, que instituiu verdadeira corresponsabilidade da instituição financeira na

fiscalização das condições do limite do crédito público, cominando a nulidade da

operação no caso de inobservância do preceito:

Art. 33. A instituição financeira que contratar operação decrédito com ente da Federação, exceto quando relativa àdívida mobiliária ou à externa, deverá exigir comprovaçãode que a condição atende às condições e limitesestabelecidos.

§ 1º A operação realizada com infração do dispostonesta Lei Complementar será considerada nula,procedendo-se ao seu cancelamento, mediante adevolução do principal, vedados o pagamento de juros edemais encargos financeiros.

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23. Pois bem. É oportuno rememorar que a Exposição de

Motivos da Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000 (LRF) estabeleceu como

um dos propósitos desta lei “a drástica e veloz redução do déficit público e a

estabilização do montante da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto da

economia”.

24. Embora tenham se passado quase 18 anos desde a edição

da mencionada lei, o cenário atual é ainda mais assombroso, sendo válido o alerta

de Maria Rita Loureiro, segundo o qual “o que se espera dos governos de hoje é a

capacidade de manter déficits moderados, evitando tanto os custos elevados do

serviço da dívida, quanto controles extremados do orçamento, que geram recessão

e desemprego e, com eles, mais déficit”10.

25. Como será demonstrado, a autorização legislativa havida

para a contratação da operação de crédito em tela passou ao largo da noção do

bem comum, encontrando abrigo no oportunismo de viés eleitoreiro, ao qual se

soma a violação da regra constitucional explicitada no art. 167, IV e § 4º, da

Constituição da República, dentre outras irregularidades.

RETROSPECTO DO PROCESSO LEGISLATIVO E DOS PLEITOS

FORMULADOS PELO ESTADO JUNTO AO MINISTÉRIO DA FAZENDA

26. Sabe-se que a contratação de operação de crédito

demanda prévia autorização legislativa, sob pena da prática do crime previsto no art.

359-A do Código Penal.

27. No mesmo sentido, prevê a Constituição do Estado, em seu

artigo 20, inciso II, que cabe à Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador

do Estado, dispor sobre operações de crédito e da dívida pública.

10LOUREIRO, Maria Rita. O Controle do Endividamento Público no Brasil: uma perspectiva comparada com osEstados Unidos. Rio de Janeiro. FGV – Núcleo de Pesquisas e Publicações, 2003, p. 8.

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28. Cabe, portanto, à Casa Legislativa examinar o requisito do

indispensável interesse público na contratação de operações creditícias, dentro dos

limites e condições fixados pelo Senado Federal11.

29. Obviamente, não se trata de exigência meramente formal,

mas decorrente da necessidade de pronunciamento da Assembleia Legislativa, sob

o pálio da razão pública, acerca de tema que impacta diretamente no endividamento

do Estado. Não há a menor dúvida de que a legitimidade democrática do processo

legislativo referente à solicitação de autorização para operação de crédito está

adstrita à discussão criteriosa sobre a relação custo-benefício da operação, tendo

como premissas os princípios da proporcionalidade e da economicidade.

30. Lamentavelmente, no caso dos autos, a análise da

tramitação dos projetos de lei que resultaram na autorização da contratação da

operação de crédito evidencia o caráter puramente formal da atividade legislativa

exercida.

31. Analisando os procedimentos que lastrearam os Projetos

de Lei, salta aos olhos que os parlamentares estaduais preocuparam-se

essencialmente com a alocação dos recursos que seriam recebidos com o

empréstimo, mas nada analisaram ou discutiram acerca da relação financeira entre

a constituição da dívida e sua capacidade de pagamento. Exemplo disso é que

sequer foi exigida a realização de análise técnica pelos serviços auxiliares da Casa

ou mesmo pelo Tribunal de Contas do Estado.

32. Também as discussões referentes à alocação dos recursos

a serem recebidos evidenciaram o deficit republicano do debate legislativo. Isto

porque nada foi examinado em relação à possível superposição de objetos das

ações contempladas com ações custeadas por outros programas para as mesmas

obras (suspeita apontada por auditores do Tribunal de Contas da União). Ao

contrário, pela via de emenda modificativa coletiva, os parlamentares concorreram

para a escolha de obras sem conteúdo definido e sem aferição da necessidade

concreta. Pretenderam, com isso, atender aos pleitos dos prefeitos dos 139

11HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade Fiscal, Ed. Juarez Oliveira, 2002, p. 156.

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municípios tocantinenses, em ordem a dirigir-lhes verdadeiro “cheque em branco” no

valor mínimo de 1 milhão e vinte mil reais, em pleno ano eleitoral.

33. E o fizeram após a realização de reuniões com associações

de prefeitos, não formalizadas nos autos do procedimento legislativo, em vez das

Audiências Públicas previstas regimentalmente, as quais, por sua natureza,

contemplariam a participação de diversos setores da sociedade civil.

34. Também chama a atenção a precarização da

documentação dos atos do processo legislativo e a ocorrência de falhas na

publicidade dos atos, valendo lembrar que a publicidade é condição de validade de

quaisquer atos, inclusive daqueles de tramitação legislativa, que também estão

submetidos ao controle social.

35. Do mesmo modo, há pareceres lidos nas reuniões que não

foram publicados no Diário Oficial da Assembleia, o mesmo ocorrendo em relação a

atas de reuniões das atas das Comissões e do Plenário. Tais fatos sinalizam a

inobservância dos artigos 61, XVIII12, 37, §3º13, e 99, caput e §1º14, todos do

Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins.

36. O açodamento ficou sobremaneira caracterizado quando da

análise e votação do Projeto de Lei nº 009/2018, que alterou a Lei nº 3.266/2017 em

ordem a retirar a referência à concessão da garantia pela União.

37. É que, não obstante o impacto de tal deliberação nas

finanças do Estado – inclusive com possibilidade de comprometimento de receitas

de impostos até o ano de 2027 -, a duração das votações em Plenário, desde a

leitura da ordem do dia até o encaminhamento do projeto para autógrafo,

correspondeu a 1 minuto e 27 segundos, e isto considerando a soma dos dois

turnos de votação.

12RI – AL/TO. Art. 61. Compete ao presidente da Comissão, além do que lhe for atribuído neste Regimento ou noregulamento das Comissões: XVIII - promover a publicação das Atas da Comissão no Diário da Assembleia;13RI – AL/TO. Art. 67. (...) § 3º. O Diário da Assembleia publicará, em todos os seus números, a relação das Co-missões e de seus membros, com a designação dos locais, dias e horários em que se realizam as reuniões.14RI – AL/TO. Art. Art. 99. O Diário da Assembleia é o órgão oficial de divulgação das atividades do Poder Legisla-tivo. § 1º. O Diário da Assembleia publicará todos os atos do Poder Legislativo, as Atas das Sessões e a seqüên-cia dos trabalhos parlamentares.

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38. Outro ponto chamou a atenção. O próprio Regimento

Interno da AL/TO prevê o prazo de 8 dias para a análise das proposições pelas

Comissões, quando se tratar de matéria de urgência (art. 71).

39. Entretanto, no caso do PL nº 009/2018, convertido na Lei nº

3.366/2018, sequer se passaram 3 dias desde o recebimento da proposição

(17.04.2018) até seu encaminhamento ao Executivo para sanção (19.04.2018), e

isto após passar por diferentes Comissões da AL/TO. A pressa certamente suprimiu

a possibilidade de discussão, que é da essência do Parlamento.

40. Vejamos o iter procedimental que resultou na autorização

legislativa para a contratação da operação de crédito objurgada.

- Tramitação do Projeto de Lei nº 049/2016, convertido na Lei nº 3.266/201715

41. O Projeto de Lei nº 049/2016 iniciou-se com o

encaminhamento da Mensagem nº 112, de 15 de dezembro de 2016, por meio da

qual o então Governador Marcelo de Carvalho Miranda pretendia a edição de ato

legislativo com autorização para a contratação de operação de crédito com a Caixa

Econômica Federal, até o limite de R$ 453.240.000,00 (quatrocentos e cinquenta e

três milhões e duzentos e quarenta mil reais).

42. No bojo da referida Mensagem, houve menção expressa à

“previsão de concessão de garantia pela União a operações de crédito do Estado”.

43. Posteriormente, o mesmo Governador encaminhou ao já

Presidente da Assembleia Legislativa Mauro Carlesse a Mensagem nº 66, de 11 de

maio de 2017, contendo Substitutivo ao Projeto de Lei nº 49/2016. Na mensagem, foi

reiterada a “previsão de concessão de garantia pela União a operações de crédito

do Estado”.

15Análise realizada com base na cópia integral do referido Projeto de Lei, encaminhado pelo MinistérioPúblico Estadual por meio do ofício nº 175/2018 – 9ª PJ, de 24 de abril de 2018.

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44. Conforme a redação do Projeto apresentado, os recursos

provenientes da operação de crédito destinar-se-iam ao financiamento de ações de

infraestrutura para o desenvolvimento do Estado, genericamente apontadas no

Anexo Único, totalizando originariamente 13 itens, a serem executados em 6

municípios, quais sejam Palmas, Gurupi, Porto Nacional, Araguaína, Paraíso do

Tocantins e Colinas.

45. Com a finalidade exclusiva de discutir a destinação dada

aos valores do empréstimo, os Deputados Estaduais Nilton Franco e Eduardo do

Dertins apresentaram Emendas Modificativas em 20.06.2017 e 05.07.2017,

respectivamente.

46. Dada a precariedade da documentação que integra o

procedimento que lastreou o Projeto de Lei, faz-se necessário abrir um parêntese

para melhor contextualizar as decisões acerca da destinação dos recursos que se

pretendia obter junto à Caixa.

47. O Portal da Assembleia Legislativa do Tocantins (AL/TO)

divulgou a notícia de que, no dia 27.06.2017 representantes da Associação

Tocantinense de Municípios (ATM) reuniram-se com o Presidente da AL/TO, Mauro

Carlesse, e com os deputados Luana Ribeiro, Wanderlei Barbosa e Olyntho Neto.

48. Na oportunidade, teria partido dos Excelentíssimos

Senhores Mauro Carlesse e Wanderlei Barbosa16 a iniciativa de alterar a destinação

das verbas do empréstimo, a fim de passar a contemplar todos os municípios

tocantinenses. Confira-se trecho da reportagem institucional17:

Deputados e prefeitos vão definir aplicação de recursos doempréstimo da Caixa. […]

Também participaram da reunião cerca de 50 prefeitos, quereceberam com entusiasmo a proposta de Carlesse nosentido de destinar aos municípios R$ 50 milhões antesreservados pelo Governo do Estado à construção do anexoda Assembleia. O recurso faz parte do empréstimo de R$ 453milhões pleiteados pelo Executivo junto à Caixa Econômica

16 Atualmente ambos estão inscritos como candidatos aos cargos de Governador e Vice-Governador na eleiçãosuplementar que se avizinha.17 Disponível em <http://www.al.to.leg.br/noticia/6814/deputados-e-prefeitos-vao-definir-aplicacao-de-recursos-do-emprestimo-da-caixa>.

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Federal. Uma das sugestões feitas por Wanderlei Barbosadurante a reunião foi de que o Governo destine mais 50milhões à aplicação em obras nos municípios.

49. O esforço empreendido pelo então Presidente da AL/TO

Mauro Carlesse para o cambiamento das ações para os 139 municípios também

pode ser percebido nos seguintes trechos de reportagens jornalísticas:

Portal da Assembleia Legislativa do Tocantins(refere-se a reunião ocorrida em 23.07.2017)

“A ideia é contemplar cada município de forma igualitária, já quetodos nós temos de pagar a conta. Imaginem a diferença que vaifazer a cada cidade tocantinense uma verba estimada de ummilhão e vinte mil reais?”, disse Carlesse.O presidente se referia ao projeto de lei nº 49/2016, que tramitano Parlamento. A matéria trata da aplicação dos recursos doempréstimo de R$ 453 milhões pleiteado pelo Governo junto àCaixa Econômica Federal. […]Carlesse prometeu que vai fazer todos os esforços para que amatéria seja aprovada o mais rápido possível, “pois osproblemas são muitos e o povo tem pressa”.

Sítio Oficial do Deputado Estadual Mauro Carlesse18

(refere-se a visita ao Bico do Papagaio, noticiada em 19.09.2017)

Pelo texto aprovado, cada uma das 139 cidades terá, no mínimo,R$ 1,02 milhão. Isso foi possível porque a Presidência doLegislativo destinou aos municípios R$ 50 milhões que seriaminvestidos na construção de um anexo da Casa. O restante, R$91 milhões, foi conseguido pelos deputados, após negociaçãocom o Executivo.

50. Está datada de 29 de agosto de 2017 a emenda

modificativa coletiva que viria alterar a redação do artigo 1º do Projeto de Lei nº

049/2016, bem como promover mudanças substanciais no Anexo Único do Projeto

de Lei, em ordem a contemplar, dentre outros, a destinação de pelo menos R$

208.880.000,00 (duzentos e oito milhões e oitocentos e oitenta mil reais) para a

realização de pavimentação de vias urbanas nos 139 municípios do Estado.

51. No dia 30 de agosto de 2017, realizou-se reunião das

Comissões de Constituição, Justiça e Redação; Finanças e Administração; e18 Disponível em <http://www.maurocarlesse.com.br/carlesse-diz-que-a-partir-de-agora-emprestimos-serao-amplamente-debatidos/>.

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Trabalho, Defesa do Consumidor, Transporte e Desenvolvimento Urbano e Serviço

Público, na qual restou aprovado o parecer do Deputado Estadual Júnior

Evangelista, valendo registrar a seguinte passagem:

Cabe destacar, que em virtude de diversas reuniões comDeputados, Prefeitos e Governo Estadual, chegou-se aoconsenso de destinação de R$1.020.000,00 (um milhão evinte mil reais) para cada um dos 139 municípiosTocantinenses, sendo necessária a retificação da propostaoriginal.Dessa forma, a construção do anexo da Assembleia Legislativa,no valor de R$50.000.000,00 (cinquenta milhões) foi excluída daproposta original, por iniciativa do próprio presidente destaCasa de Leis (sic – grifos nossos).

52. Embora não conste dos autos do processo legislativo, a

aprovação do PL nº 049/2016 e da emenda modificativa coletiva apresentada

ocorreu em 13 de setembro de 2017, em dois turnos de votação.

53. Eis os itens 5 e 12 do Anexo Único do Projeto de Lei, após

a emenda modificativa coletiva aprovada pelos Deputados Estaduais, totalizando

pelo menos o repasse de R$ 208.880.000,00 para a pavimentação de vias urbanas

nos 139 municípios do Estado.

54. Em razão da ilegibilidade dos documentos constantes dos

autos do procedimento legislativo, não se sabe quem foram os relatores do Projeto

de Lei nas Comissões ou em que data foram nomeados.

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55. Repousa nos autos do procedimento legislativo apenas o

parecer da lavra do Deputado Júnior Coimbra, não havendo sinais da existência de

pareceres de outras Comissões ou quaisquer estudos técnicos acerca do

endividamento do Estado ou o esclarecimento dos critérios de elegibilidade das

obras que foram indicadas no Anexo Único.

56. Na sequência, foi sancionada a Lei nº 3.266, de 10 de

outubro de 2017, que autoriza o Chefe do Poder Executivo a contratar operação de

crédito com a Caixa Econômica Federal até o valor de R$ 453.240.000,00, com a

garantia da União, para o financiamento de ações genericamente apontadas em 12

itens, estando o 5º e o 12º divididos em 139 e 129 subitens, respectivamente.

- Formulação ao Ministério da Fazenda do pleito de Verificação de Limites e

Condições (VLC) da operação de crédito

57. Em consulta ao Sistema de Análise da Dívida Pública,

Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios (SADIPEM),

verificou-se que, em 30 de novembro de 2017, o Governo do Estado protocolou no

Ministério da Fazenda o pedido de Verificação de Limites e Condições (VLC) para a

realização da operação de crédito, com garantia da União (processo nº

17944.102728.2017-74).

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58. Ocorre que, provavelmente antevendo dificuldades na

concessão da garantia pela União - que já vinha negando aval a operações de

crédito externas em favor do Estado do Tocantins, em razão precisamente do

grau de endividamento do Estado e dos riscos para o Tesouro Nacional -, o

próprio Governo do Estado solicitou o cancelamento do referido pedido, o que

resultou no arquivamento do processo em 18 de dezembro de 2017, conforme

despacho abaixo transcrito:

59. Dias após, em 5 de janeiro de 2018, o Governo do Estado

protocolou novo pedido de Verificação de Limites e Condições (VLC) para a

realização da operação de crédito, desta vez sem a garantia da União (processo nº

17944.103302.2017-38).

60. Os requisitos para a formalização do pleito de análise junto

ao Ministério da Fazenda estão previstos no §1º do art. 32 da LRF, in verbis:

Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento doslimites e condições relativos à realização de operações decrédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas poreles controladas, direta ou indiretamente.

§ 1º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-oem parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando arelação custo-benefício, o interesse econômico e social daoperação e o atendimento das seguintes condições:

I - existência de prévia e expressa autorização para acontratação, no texto da lei orçamentária, em créditosadicionais ou lei específica; […]

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61. Mas o fato é que o Estado do Tocantins solicitou a VLC

para a realização de operação sem garantia da União, mas, para atender à

exigência do requisito previsto no art. 32, §1º, I, da LRF, encaminhou cópia da Lei nº

3.266/2017 , que condicionava a autorização da contratação da operação de crédito

com a Caixa Econômica Federal à concessão de garantia pela União.

62. É dizer-se: ao protocolar o novo pedido de VLC para a

realização da operação de crédito sem a garantia da União19, o Estado do

Tocantins não atendeu ao requisito da “existência de prévia e expressa

autorização para a contratação”, haja vista que, naquela altura, ainda não havia

autorização legislativa para a contratação de operação de crédito sem garantia

da União.

63. Ora, é cediço que o descumprimento do requisito exigido

no art. 32, §1º, I, da LRF implica na nulidade da operação de crédito que vier a ser

contratada, conforme preconiza o art. 33, §1º, do mesmo diploma, in verbis:

LRF - Art. 33, § 1º A operação realizada com infração dodisposto nesta Lei Complementar será considerada nula,procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução doprincipal, vedados o pagamento de juros e demais encargosfinanceiros.

64. Não obstante, tal gravíssima falha aparentemente não foi

notada no âmbito do Ministério da Fazenda, que prosseguiu a análise da VLC,

concluindo que o Estado do Tocantins cumprira os requisitos formais para a

realização da operação de crédito20.

65. O parecer nada menciona acerca da VLC para a concessão

de garantia pela União. Observe-se que a análise foi realizada em 10 de janeiro de

2018, ou seja à luz da redação originária da Lei nº 3.266/2017, que fazia menção

expressa à garantia da União.

19Processo SIDAPEM nº 17944.103302.2017-38.20Chama-se a atenção para o fato de que há diferentes níveis de rigidez da análise do Tesouro Nacionalquando à capacidade de pagamento dos entes subnacionais conforme haja ou não aval da União. No queconcerne às operações de crédito contraídas por entes subnacionais sem o aval da União, o Ministério da Fa-zenda realiza análise mais superficial, tomando por base a documentação apresentada pelo próprio ente políticointeressado. Para a melhor compreensão, vejam-se os fluxogramas contidos nas p. 11-12 do Manual para Ins-trução de Pleitos (MIP).

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- Tramitação do Projeto de Lei nº 009/2018, convertido na Lei nº 3.366/2018

66. Apercebendo-se do fato de que a análise de viabilidade da

operação de crédito (sem garantia da União) pelo Ministério da Fazenda considerou

como lei autorizadora a Lei nº 3.266/2017, que previa a garantia da União, o então

Governador Marcelo de Carvalho Miranda encaminhou a Mensagem nº 15, de 16 de

abril de 2018, ao Presidente da Assembleia Legislativa Mauro Carlesse21.

67. Tal Mensagem foi protocolada na Assembleia Legislativa

em 17 de abril de 2018 e se fez acompanhar por projeto de lei que visava alterar a

ementa e o artigo 1º da Lei nº 3.266/2017, com a finalidade exclusiva de retirar a

referência à concessão de garantia pela União.

68. Nenhuma justificativa foi apresentada para tanto, limitando-

se o então Governador a mencionar a necessidade de “enquadramento técnico do

Estado quanto aos critérios constantes do MIP – Manual para Instruções de Pleitos

da Secretaria do Tesouro Nacional”.

69. Vale observar que no próprio dia 17 de abril de 2018, o

Tribunal Superior Eleitoral julgou os Embargos de Declaração no Recurso Ordinário

nº 1220-86.2014.6.27.0000 e declarou a vacância dos cargos de Governador e Vice-

Governador do Estado do Tocantins.

70. Diante desse cenário, o Presidente da Assembleia

Legislativa, Mauro Carlesse, assumiria o Governo do Estado de forma interina. Sua

Excelência estava apenas no aguardo da publicação da decisão no Diário de Justiça

do TSE, bem como da comunicação oficial pelo TRE/TO, o que se sucedeu na

manhã do dia 19 de abril de 2018.

71. Em que pese a absoluta relevância do tema, verificou-se

pressa incomum na tramitação do processo legislativo, o que culminou na sanção e

publicação da lei no dia 19 de abril de 2018, ou seja, no segundo dia após o

21A essa altura, Marcelo Miranda e sua vice estavam no cargo em razão de liminar concedida pelo Ministro Gil -mar Mendes, no âmbito do STF, após a cassação determinada pelo TSE. Nesse intervalo de tempo, o Presidenteda AL/TO governou o Estado interinamente.

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protocolo da Mensagem contendo o Projeto de Lei nº 009/2018. Note-se que tal

Mensagem também só foi publicada no Diário da Assembeia Legislativa em

19.04.2018. Nesse mesmo dia houve a votação e aprovação na Comissão de

Finanças e na Comissão de Administração, a votação e aprovação em dois turnos

no Plenário, a coleta dos autógrafos, o encaminhamento para o Executivo, a sanção

e a publicação da lei estadual no Diário Oficial do Estado. Vejamos.

72. A análise dos autos do procedimento legislativo revela as

seguintes ocorrências no dia 18 de abril de 2018 - antes mesmo da publicação da

Mensagem de encaminhamento do projeto de lei no Diário da Assembleia.

(i) proferimento de despacho pelo Deputado Estadual

Ricardo Ayres, nomeando a si próprio como relator do

processo na reunião da Comissão de Constituição, Justiça

e Redação;

(ii) apresentação pelo relator, na Comissão de Constituição,

Justiça e Redação, de parecer lacônico, que se resumiu a

descrever o objeto do projeto de lei e, na sequência, a

recomendar sua aprovação, sem quaisquer considerações

acerca da constitucionalidade22;

(iii) aprovação do referido parecer na Comissão de

Constituição, Justiça e Redação;

(iv) proferimento de despacho pelo Deputado Estadual

José Bonifácio, nomeando a Deputada Valderez Castelo

Branco como relatora do processo para a reunião da

Comissão de Finanças, Tributação, Fiscalização e Controle

da Assembleia Legislativa;

(v) apresentação pela relatora, na Comissão de Finanças,

Tributação, Fiscalização e Controle, de parecer com

redação igualmente lacônica e destituída de qualquer

22Lembra-se que, naquela data, já era de todos conhecida a discussão acerca da inconstitucionalidade decontratação de operação de crédito sem o aval da União e garantida por receita de impostos.

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parágrafo destinado à fundamentação, limitando-se à

recomendação da aprovação ao Projeto de Lei; e

(vi) concessão de vista conjunta do procedimento aos

Deputados Estaduais Paulo Mourão e Olintho Neto, no

âmbito da Comissão de Finanças, Tributação, Fiscalização

e Controle, pelo prazo de 24 horas.

73. No dia subsequente, em 19 de abril de 2018, ocorreram os

seguintes eventos:

(i) apresentação de “parecer de vistas” pelo Deputado

Paulo Mourão, trazendo à tona a situação de

endividamento do Estado e a vedação da concessão de

garantia consubstanciada na receita de impostos, em razão

do princípio da não afetação;

(ii) aprovação do parecer da relatora, no âmbito da

Comissão de Finanças, Tributação, Fiscalização e Controle,

com a rejeição aparentemente imotivada do “parecer de

vistas”;

(iii) proferimento de despacho pelo Deputado Estadual Eli

Borges, nomeando o Deputado José Bonifácio como relator

na Comissão de “Administração, Trabalho, Defesa do

Consumidor, Transportes, Desenvolvimento Urbano e

Serviço Público”;

(iv) apresentação, na Comissão de “Administração,

Trabalho, Defesa do Consumidor, Transportes,

Desenvolvimento Urbano e Serviço Público”, de parecer

destituído de qualquer parágrafo destinado à

fundamentação;

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(v) aprovação do referido parecer na Comissão de

“Administração, Trabalho, Defesa do Consumidor,

Transportes, Desenvolvimento Urbano e Serviço Público”;

(vi) proferimento de despacho de encaminhamento do

processo para deliberação em Plenário;

(vi) convocação da sessão da reunião do Plenário para o

mesmo dia;

(viii) abertura da Sessão Ordinária, presidida por Mauro

Carlesse enquanto Presidente da Assembleia Legislativa,

na qual houve a “discussão, votação e aprovação” do

projeto de lei em tela, em primeiro turno. Desde a leitura

da matéria na Ordem do Dia até a aprovação do PL

passaram-se 27 SEGUNDOS;

(ix) abertura da Sessão Extraordinária, presidida por Mauro

Carlesse enquanto Presidente da Assembleia Legislativa,

na qual houve a “discussão, votação e aprovação” do

projeto de lei em tela, em segundo turno. Desde a leitura

da matéria na Ordem do Dia até a aprovação do PL

passou-se 1 MINUTO.

(x) após a aprovação do PL em dois turnos, o Presidente

Mauro Carlesse determinou o encaminhamento do projeto à

Secretaria para a extração de autógrafos.

74. Menos de 30 segundos após a aprovação do Projeto de Lei

nº 009/2018 em segundo turno, o Presidente da Assembleia Legislativa, Mauro

Carlesse, convocou Sessão Solene de Transmissão de Cargo, na qual ele próprio

viria a ser empossado como Governador interino do Tocantins.

75. Após, já sob a Presidência da Deputada Estadual Luana

Ribeiro, a Assembleia Legislativa encaminhou o projeto de lei aprovado para a

apreciação do Governador do Estado Mauro Carlesse, que o sancionou

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imediatamente, dando origem à Lei nº 3.366, de 19 de abril de 2018, que alterou a

Lei nº 3.266/2017 a fim de suprimir a previsão de garantia da União para a

contratação de operação de crédito com a Caixa até o valor de R$ 453.240.000,00.

- Inexistência de formulação ao Ministério da Fazenda do pleito de Verificação

de Limites e Condições (VLC) da operação de crédito após a lei que alterou o

cenário de garantia do crédito

76. Como dito, compete ao Ministério da Fazenda verificar o

cumprimento dos limites e condições referentes à realização de operação de

crédito pelos entes da federação.

77. No caso, a alteração promovida pela Lei nº 3.366/2018 na

Lei nº 3.266/2017 modificou substancialmente o cenário para a realização da

operação, haja vista que suprimiu a referência à concessão de garantia pela União.

Tal fato alterou por completo as condições para a operação de crédito.

78. Todavia, à luz do diploma legal que autorizou a contratação

de empréstimo sem garantia da União (Lei nº 3.366/2018), o Estado do Tocantins

não formulou qualquer pleito de Verificação de Limites e Condições da operação de

crédito, o que compromete eventual operação que venha a ser celebrada, nos

termos do §1º do art. 33 da LRF.

Do comprometimento do princípio da Separação dos Poderes Executivo e

Legislativo do ente subnacional. O Poder de veto como peça da engrenagem

do sistema de freios e contrapesos.

79. Como visto, alguns segundos após o encerramento da

sessão extraordinária que aprovara o Projeto de Lei nº 09/2018 em segundo turno, o

Presidente da Assembleia Legislativa, Mauro Carlesse, foi empossado como

Governador interino do Tocantins.

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80. Ainda naquele dia, já como Governador, Sua Excelência

sancionou a Lei nº 3.366, de 19 de abril de 2018, decorrente de processo legislativo

por ele presidido. As imagens abaixo são deveras ilustrativa:

19.04.2018: Carlesse preside as sessões nas quais foi aprovado oProjeto de Lei, em tempo inferior a 1 minuto e meio.

19.04.2018: Carlesse sanciona a lei que lhe foi remetida apósaprovação pelo Plenário.

81. Pois bem. A previsão constitucional da possibilidade do

veto do Poder Executivo à elaboração legislativa é o mais difundido exemplo da

forma de controle da atividade típica do Poder Legislativo por parte do Executivo.

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82. Nas palavras de Rafael Vargas Hetsper, “o poder de veto

pode ser conceituado como a faculdade atribuída a poder diverso daquele que

detém a incumbência de exercer a atividade legiferante, de obstar a transformação

de um projeto de lei em lei propriamente dita”23.

83. Inibir a possibilidade de veto significa eliminar um momento

normativamente previsto para o exercício do controle de constitucionalidade ou de

conveniência política da norma.

84. Foi precisamente o que ocorreu no caso. Os Poderes

Legislativo e Executivo encontravam-se sob o comando de uma mesma

pessoa quando da aprovação do projeto de lei e de sua sanção. A inusitada

situação coroa o mar de ilegalidades que caracteriza a operação de crédito

pretendida, conforme adiante exposto.

A OPERAÇÃO DE CRÉDITO EM VIAS DE SER CONTRATADA

85. A operação em tela visa à concessão de recursos oriundos

do FINISA - Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento, produto financeiro

lançado pela Caixa Econômica Federal. Eis o resumo da operação de crédito:

23HETSPER, Rafael Vargas. O Poder de veto no ordenamento jurídico brasileiro. Revista de InformaçãoLegislativa, Senado Federal, n. 193 jan./mar. 2012, p. 218. Disponível em<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496569/000940660.pdf?sequence=1>.

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86. Por meio dela, o Estado do Tocantins pretende receber R$

453.240.000,00 (quatrocentos e cinquenta e tres milhões e duzentos e quarenta mil

reias), mediante desembolsos nos anos de 2018 e 2019, e deverá retornar à

instituição financeira, até o ano de 2027, o montante de R$ 680.407.763,55

(seiscentos e oitenta milhões, quatrocentos e sete mil, setecentos e sessenta e três

reais e cinquenta e cinco centavos).

87. Ou seja, além do valor principal, a contratação da operação

de crédito obriga o Estado do Tocantins ao pagamento de R$227.167.765,55

apenas a título de encargos. Confira-se:

88. Repise-se: uma vez contratada a operação de crédito,

há a previsão para a liberação ainda em 2018 do montante de R$

317.268.000,00 (trezentos e dezessete milhões e duzentos e sessenta e oito mil

reais). Isto em pleno ano eleitoral, para obras em todos os 139 municípios

tocantinenses, apontadas sem qualquer critério técnico no Anexo Único da lei

autorizadora.

89. O restante do valor (R$135.972.000,00) está previsto para

ser liberado no ano de 2019.

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90. É relevante registrar que o prazo de carência da operação

é de 12 meses. Assim, uma vez contratada a operação, a gestão do atual

Governador interino e mesmo a gestão do Governador eleito nas eleições

suplementares de junho de 2018, não arcarão com qualquer impacto orçamentário

decorrente do pagamento da dívida e dos encargos.

91. Não obstante, mesmo num momento de turbulência

institucional e de grave crise politica no Estado, a operação de crédito liberará

valores para utilização imediata no ano eleitoral, mas representará a assunção de

obrigações de despesa até o ano de 2027, com risco de comprometimento do

Fundo de Participação dos Estados e da receita de impostos próprios.

92. No ponto, é válida a advertência externada pela Secretaria

do Tesouro Nacional nos autos do procedimento TC 005.218/2018-7, do TCU, de

que "a utilização dos recursos próprios e dos Fundos de Participação dos Estados e

dos Municípios pelos bancos públicos federais como garantias dos pagamentos

pode viabilizar a concessão de créditos para entes que podem não conseguir honrar

seus pagamentos, os quais, destaque-se, serão feitos por uma gestão posterior que

não opinou sobre sua contratação ou sobre o uso dos recursos"24.

DOS FUNDAMENTOS FÁTICOS E JURÍDICOS

OPERAÇÃO DE CRÉDITO NÃO AVALIZADA PELA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE

DA UTILIZAÇÃO DE RECEITAS DE IMPOSTOS COMO GARANTIA. PRINCÍPIO

DA NÃO AFETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA LEI ESTADUAL

Nº 3.266/2017, COM A REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 3.366/2018

93. O princípio da não afetação das receitas de impostos está

previsto no inciso IV do art. 167 da Constituição da República e enuncia vedação

constitucional, dirigida ao legislador, de vincular receitas públicas a certas despesas.

24Cf. Nota nº 7/2018/COPEM/SURIN/STN/MF-DF.

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94. Conforme representação recentemente formulada pelo

Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, referido princípio “visa

preservar ao legislador futuro a maior liberdade possível de alocação dos recursos

futuros, quando chegar o tempo de discutir sua alocação por ocasião da elaboração

da lei orçamentária. Assim, veda-se que o legislador ou o governante atual vincule

as receitas futuras de impostos, ressalvadas algumas possibilidades expressas no

texto constitucional”25.

95. Vejamos a redação do art. 167, IV, da CF, com a redação

dada pela Emenda Constitucional nº 42/2003:

Art. 167. São vedadas: […]

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo oudespesa, RESSALVADAS a repartição do produto daarrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 15926,a destinação de recursos para as ações e serviços públicos desaúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e pararealização de atividades da administração tributária, comodeterminado, respectivamente, pelos arts. 198, §2°, 212 e 37,XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito porantecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como odisposto no § 4º deste artigo. […]

§ 4º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelosimpostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos deque tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para aprestação de garantia ou contragarantia à União e parapagamento de débitos para com esta.

96. Como se vê, a vedação à vinculação de receitas de

impostos é afastada apenas nas hipóteses expressamente ressalvadas no texto

constitucional. É dizer-se: o inciso IV e o §4º do art. 167 da Constituição Federal

encerram norma proibitiva específica, em relação à qual o texto constitucional

previu apenas oito exceções, a saber27:

25TC 005.218/2018-7.26Essa primeira ressalva diz com a possibilidade de vincular a receita de impostos aos Fundos de Participação,mediante a repartição das receitas tributárias.27LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro, 3ª ed., JusPodvm, 2014, p. 76.

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97. Com efeito, somente por emenda constitucional é que se

pode atribuir novas vinculações a receitas de impostos. A esse respeito, confiram-se

os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal:

DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI ORÇAMENTÁRIA:INICIATIVA. VINCULAÇÃO DE RECEITA. AUTONOMIAMUNICIPAL. ASSISTÊNCIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE.[…]5. Ademais, o inciso IV do art. 167 da Constituição Federal, hojecom a redação dada pela E.C. nº 29, de 14.09.2000, veda "avinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa,ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dosimpostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação derecursos para as ações e serviços públicos de saúde e paramanutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado,respectivamente, pelos artigos 198, § 2º, e 212, e a prestação degarantias às operações de crédito por antecipação de receita,previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º desteartigo". A vedação é afastada, portanto, apenas nas hipótesesexpressamente ressalvadas, que não abrangem os programasde assistência integral à criança e ao adolescente. É que,quanto a isso, o inciso IV do art. 167 da Constituição Federalencerra norma específica, fazendo ressalva expressa apenasdas hipóteses tratadas nos artigos 198, § 2º (Sistema Únicode Saúde) e 212 (para manutenção e desenvolvimento doensino). […] (ADI 1689, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES,Tribunal Pleno, julgado em 12.03.2003, DJ 02-05-2003 PP-00025EMENT VOL-02108-01 PP-00179).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 134 DACONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RONDONIA. VINCULAÇÃO

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DE RECEITA DE IMPOSTOS (INC. IV DO ART. 167 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL). 1. Estabelece o art. 134 da Constituição do Estado de Rondonia:"As diretrizes orcamentarias do Estado obedecerao ao dispostono art. 165 da Constituição Federal, contendo ainda dispositivosque garantam aplicações e investimentos através de convenioscom os Municípios de, no minimo, vinte por cento dos recursosnestes arrecadados e que caibam ao Estado, excluindo-se odestinado a educação e a saúde". 2. As expressões grifadas (em negrito) incidem eminconstitucionalidade formal, porque permitem a destinação deverba orcamentaria, sem iniciativa do Chefe do Poder Executivoestadual e que, ademais, e privativa (art. 61, par. 1. inciso II, "B",c/c arts.25 e 11, todos da Constituição Federal). 3. Incidem, igualmente, em inconstitucionalidade material,pois vinculam receita tributaria, em hipótese nãoenquadrada nas ressalvas contidas no inciso IV do art. 167da Constituição Federal, ofendendo, assim, a normaproibitiva que nele se contem. 4. Ação direta julgada procedente, em parte, declarando o S.T.F.a inconstitucionalidade das referidas expressões.(ADI 103, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno,julgado em 03/08/1995, DJ 08-09-1995 PP-28353 EMENT VOL-01799-01 PP-00001)

98. Apenas para fins de esclarecimento, há de se fazer uma

rápida diferenciação entre operações de créditos convencionais (como a que o

Estado do Tocantins pretende contrair junto à Caixa com violação do princípio da

não afetação) e as operações de crédito por antecipação de receita orçamentária

(ARO), que visa atender insuficiência de caixa dentro de um mesmo exercício

financeiro.

99. Por ilustrativo, vejamos o seguinte quadro esquemático,

extraído da obra do ilustre professor baiano Harrison Leite28:

28LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro, 3ª ed., JusPodvm, 2014, p. 315-316.

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100. No caso da operação discutida nestes autos, é evidente o

seu não enquadramento em nenhuma das exceções expressas previstas no art.

167, IV, da Constituição Federal, notadamente pelo fato de que não houve

concessão de garantia pela União.

101. Não obstante, incorrendo em flagrante

inconstitucionalidade material, a Lei nº 3.266/2017, com a redação alterada pela Lei

nº 3.366/2018, autorizou o Poder Executivo a ceder ou vincular como garantia, em

favor da Caixa Econômica Federal, receitas de impostos, inclusive do Fundo de

Participação do Estado (FPE). Vejamos o art. 2º da mencionada lei:

Art. 2º Fica o Poder Executivo autorizado a ceder ou avincular, como garantia, em caráter irrevogável e irretratável,

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a modo pro solvendo, as receitas a que se referem os arts.157 e 159, incisos I, alínea “a”, e II, venham a substituí-los.

102. Ora, como bem observado por Júlio Marcelo de Oliveira, a

celebração de operação de crédito com garantia vedada constitucionalmente

significa, na prática, uma operação de crédito sem qualquer garantia, uma vez que

tal garantia não pode ser executada em caso de inadimplência, sob pena de negar-

se vigência ao texto constitucional. Assim, em caso de inadimplemento pelo ente

subnacional, a instituição credora ver-se-á em sérias dificuldades para obter a

satisfação de seu crédito.

103. Note-se, ainda com esteio na lição de Júlio Marcelo de

Oliveira, que se a operação não logrou contar com aval da União, certamente isso

decorreu da fragilidade da situação fiscal do ente subnacional e de seu provável

desenquadramento em limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, situação

que aponta para prováveis dificuldades de pagamento do empréstimo pretendido29.

Não é sem razão que a União nega aval a certas pretensões de obtenção de crédito.

Quando ela assim age, o faz de forma motivada, calcada em critérios técnicos e

objetivos.

104. Obtempere-se que a concessão de empréstimos a entes

subnacionais por bancos públicos federais sem aval da União é absolutamente

incoerente com a política de incentivo à responsabilidade fiscal e apresenta

características de temeridade quando se aceitam garantias vedadas pela

Constituição e que, portanto, não podem ser executadas. A garantia é

inconstitucional, e a operação resta não garantida, ostentando elevado risco para o

banco público.

105. Indaga-se: que instituição financeira adequadamente

gerida concordará em emprestar recursos vultosos sem garantia alguma para o caso

de inadimplência? Certamente as instituições particulares não o fariam. Por que

motivos alguém em sã consciência pode imaginar que a Caixa ou o BNDES podem

emprestar milhões sem garantia alguma? É evidente que isso seria desnaturar a

natureza de instituição financeira, que tem de se reger por critérios de prudência,

29Vide a representação que ensejou a instauração do TC 005.218/2018-7, no âmbito do TCU.

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para transformá-los em meros instrumentos políticos de distribuição de recursos a

fundo perdido para aliados, numa clara burla à Lei de Responsabilidade Fiscal.

106. Com efeito, cabe indagar que sentido faz a União

condicionar seu aval ao regular enquadramento em parâmetros que indicam solidez

e responsabilidade fiscal se esse aval puder ser facilmente dispensável pelas

instituições financeiras controladas pela própria União Federal? De fato, não faz

sentido algum, e por isso mesmo não pode ser aceito.

107. A respeito da inconstitucionalidade da garantia oferecida

pelo ente subnacional, observe-se o que ocorreu com o Município de Nova Iguaçu

(RJ), que conseguiu decisão judicial favorável em processo movido contra a Caixa

Econômica Federal com o fim de declarar a nulidade de cláusula do contrato de

financiamento que previa a vinculação, como garantia, de parcelas do ICMS

recebidas do Estado do Rio de Janeiro. Eis a ementa da decisão, proferida em grau

de apelação:

ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO DE RECEITA TRIBUTÁRIAA EMPRÉSTIMO PÚBLICO CONTRAÍDO PELO MUNICÍPIOPARA PAGAMENTO DE DESPESAS CORRENTES.VEDAÇÃO PELO PRINCÍPIO DA NÃO AFETAÇÃO,CONSAGRADO PELO § 2º DO ARTIGO 62 DA EC N. 1 /69,ENTÃO VIGENTE À ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO DOCONTRATO. NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUEIMPÔS A VINCULAÇÃO. I - Como relatado, cuida-se de apeloda CEF contra a sentença que julgou procedente a pretensãoautoral para declarar nula a cláusula nona do contrato definanciamento celebrado com a aludida instituição financeira, aqual prevê a vinculação, em garantia, de parcelas do impostosobre operações relativas à circulação de mercadoria (ICM),depositadas pelo Estado do Rio de Janeiro em favor doMunicípio de Nova Iguaçu. II - Como garantia do pagamento, ficou ajustado entre oscontratantes a vinculação das parcelas do ICM recebidas peloMunicípio de Nova Iguaçu, assim como restou o Banerjautorizado a reter o valor correspondente aos juros deamortização e demais obrigações decorrentes do contrato, atéo integral pagamento, conforme o disposto na cláusula nona. III - O empréstimo público foi contraído pelo Município de NovaIguaçu para cobertura de déficit orçamentário municipal,resultante das despesas com pessoal, previdência social,fornecedores e prestadores de serviços, ou seja, para o custeiode despesas correntes. IV - Ocorre que a vinculação do produto da arrecadação detributo ao custeio de despesas correntes já era vedada à

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época da celebração do empréstimo público contraído peloMunicípio, como se pode inferir do então vigente artigo 62 , §2º , da EC n. 1 /69. Cuida-se da aplicação do princípio da nãoafetação da receita, também consagrado na atual ConstituiçãoFederal de 1988, no artigo 167 , inciso IV.V - Apelo da CEF desprovido.” (TRF2, Sétima Turma Especializada, Apelação Cível –Processo nº 0000696-59.1991.4.02.0000, julgado em18.03.2009, Relator Desembargador Federal TheophiloMiguel)30.

108. Pois bem. Lembra Júlio Marcelo de Oliveira que “tem sido

amplamente discutido o fato de que bancos públicos federais, especialmente a

Caixa, estariam realizando operações de crédito com entes subnacionais - estados e

municípios - sem a exigência de aval da União, aceitando como garantia receitas

futuras de impostos, sobretudo as oriundas do Fundo de Participação dos

Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE)”.

109. Diante da inconstitucionalidade de tal prática, o Ministério

Público junto ao Tribunal de Contas da União formulou a representação TC

005.218/2018-7, em 06.02.2018, a qual está sob exame naquela Corte de Contas.

110. A seu turno, o Banco Central do Brasil emitiu a Circular nº

3.877, de 8 de fevereiro de 2018, por meio do qual alterou a classificação do risco

de operações cobertas por garantias constituídas por recursos do Fundo de

Participação dos Estados (FPE) ou do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

111. Eis alguns trechos pertinentes da exposição de motivos

apresentada pela Diretoria de Regulação do Banco Central (Voto nº 25/2018-BCB):

4. (…) nos últimos anos, verificou-se a crescente e expressivadeterioração das contas fiscais dos governos estaduais emunicipais. A propósito, esse tema foi objeto de estudo recentedeste Banco Central, constante do Relatório de EstabilidadeFinanceira (REF) publicado em abril de 2017. Esse relatóriodestacou cenário de queda na arrecadação provocada pelaredução da atividade econômica nos últimos anos eorçamentos comprometidos com despesa de pessoal e serviõde dívida. Adicionalmente, reforçou que em alguns casos asituação fiscal aintgiu níveis críticos, colocando em risco a

30Embora tenha sido objeto de recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça, tal decisão foi mantida (vide Agravode Instrumento nº 1.351.155 - RJ (2010/0169340-2), Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em19.11.2010).

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capacidade de pagamento desses entes no curso prazo,inclusive já observado um caso de inadimplementodecorrente da impossibilidade de execução dessa garantia.

5. Pelo prisma da gestão de risco, esse cenário econômico-fiscal, de deterioração das finanças de diversos estados emunicípios, sugere, consequentemente, uma fragiligilidadedesses mitigadores, não obstante o nível de inadimplênciapermanecer baixo para as operações com contam com essemitigador.

6. Subsidiariamente, há de se ressaltar que, recentemente,surgiram questionamentos de ordem jurídica que implicaramincremento do risco legal dessas operações, o que pode vir acomprometer também a efetividade de tais garantias. A respeitodo assunto, merece destaque a representação feita peloMinistério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas daUnião, de 6 de fevereiro de 2018, na qual, ao argumento deque tais garantias seriam contrárias a preceitos constitucionaisde natureza orçamentário-fiscal (Art. 167, inciso IV, e §4º, daConstituição), requer-se concessão de medida cautelar paraque as instituições financeiras federais sejam obstadas deaceitar receitas do FPE e do FPM como garantia em operaçõesde crédito por elas contratadas.

7. Diante do exposto, proponho a V. Exas. a revogação doinciso IV e o §2º do art. 27 da Circular nº 3.809, de 25 deagosto de 2016, eliminando a permissão da utilização dasgarantias constituídas por recursos do FPE ou do FPMcomo mitigador para fins de requerimento de capital.

112. Vale lembrar que, em janeiro de 2018, o Conselho de

Administração da CAIXA chegou a suspender a concessão de crédito para estados e

municípios com garantia dos recursos dos fundos de participação, depois que o

Tribunal de Contas da União questionou a legalidade desse tipo de operação.

113. Contudo, tal decisão foi revista em 24 de abril de 2018,

tendo a Caixa deliberado por retomar imediatamente o crédito para estados e

municípios com garantia dos recursos dos fundos de participação, após a

elaboração de parecer no âmbito da Advocacia-Geral da União31.

114. A respeito do mencionado parecer, observa-se que o

fundamento jurídico nuclear amparou-se na ementa do Recurso Extraordinário nº31Reportagem do O Globo, de 26.04.2018: “Segundo dados oficiais, a medida vai permitir aos bancos públicos li-berar para estados e municípios no ano eleitoral R$ 19,983 bilhões, referentes a 1.119 projetos em análise naCaixa e no BNDES. Do total, R$ 10,870 bilhões são com recursos da Caixa, R$ 8,214 bilhões do FGTS e R$898,112 milhões do BNDES.”. Disponível em <https://oglobo.globo.com/economia/caixa-vai-retomar-empresti-mos-para-estados-municipios-22629811#ixzz5EA7bICqvstest>.

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184.116, o qual sequer foi conhecido pelo Supremo Tribunal Federal, conforme

julgamento colegiado realizado em 07.11.2000.

115. Em que pese o não conhecimento do recurso por

unanimidade, certo é que o Ministro Marco Aurélio Melo (relator) fez constar da

ementa seu posicionamento pessoal de que receitas dos Fundos de Participação

não se classificariam como “tributos próprios”.

116. Ocorre que, além de tal questão não ter sido apreciada

pela Corte – diante do não conhecimento do RE -, a leitura atenta do acórdão revela

que não houve qualquer menção ao dispositivo, de matiz intensamente restritiva32,

contido no § 4º do art. 167 da CF, in verbis:

§ 4º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelosimpostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursosde que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para aprestação de garantia ou contragarantia à União e parapagamento de débitos para com esta.

117. Para finalizar o tópico, compartilha-se a reflexão do

Ministro Moreira Alves acerca da não vinculação das receitas de impostos33:

Indaga-se: o objetivo afigurou-se nobre? A resposta é,desenganadamente, positiva, tendo em conta aresponsabilidade do Estado pelo bem social, considerada, emprimeiro plano, a população carente. Não obstante, a segurançana vida gregária pressupõe respeito às balizas legais econstitucionais, sob pena de, à mercê de uma variação enormede critérios, norteado por políticas governamentaismomentâneas, chegar-se a uma verdadeira babel, não havendocomo prever os acontecimentos de repercussão maior. Não mecanso de ressaltar, principalmente neste embate Estado ecidadão, Estado e contribuinte, que a Carta Política daRepública é o elemento definidor do almejado equilíbrio,freando a fúria fiscal do Estado. Dificuldades de caixas nãopodem ser potencializadas a ponto de olvidarem-se osparâmetros constitucionais. Na organicidade do Direitoestá a segurança do cidadão, pelo que não se pode perderde vista que o meio justifica o fim, mas não este aquele. ACorte de origem, ao declarar constitucional a lei local emcomento, contestada em face do Diploma Maior, maisprecisamente da norma insculpida no artigo 167, inciso IV,acabou por claudicar.

32HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade Fiscal, Ed. Juarez Oliveira, 2002, p. 182.33Trecho reproduzido no inteiro teor do TJRS, ADIN nº 70027889294, j. 17.08.2009.

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A SITUAÇÃO DE ENDIVIDAMENTO DO ESTADO DO TOCANTINS.

CLASSIFICAÇÃO DE RISCO “C”, SEGUNDO A SECRETARIA DO TESOURO

NACIONAL.

118. A capacidade de pagamento dos entes subnacionais

somente é aferida de forma rigorosa pelo Ministério da Fazenda (Secretaria do

Tesouro Nacional) em casos de operações de crédito que envolvam aval da União,

conforme disposto no art. 23, I, da LRF34:

Art. 23. Os pedidos de autorização para a realização deoperações de crédito interno ou externo de interesse dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios, que envolvamaval ou garantia da União deverão conter:I - exposição de motivos do Ministro da Fazenda, da qual constea classificação da situação financeira do pleiteante, emconformidade com a norma do Ministério da Fazenda quedispõe sobre a capacidade de pagamento dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios;

119. Nesse diapasão, foi editada no âmbito do Ministério da

Fazenda a Portaria nº 306/2012, com o escopo de disciplinar a metodologia de

análise da situação financeira e da capacidade de pagamentos dos entes que

pleiteiem, junto à União, a concessão de garantia para as operações de crédito

interno e externo.

120. Tal portaria estabelece que a análise será realizada pela

Secretaria do Tesouro Nacional – STN, a qual indicará a classificação da situação

fiscal do pleiteante com a finalidade de subsidiar a concessão de aval ou garantia da

União em operação de crédito interna ou externa de interesse dos entes

subnacionais.

121. Conforme o art. 2º da Portaria MF nº 306/2012, a

metodologia da análise da capacidade de pagamento está estruturada em duas

etapas. Na primeira, há a avaliação da classificação da situação fiscal associada

ao risco de crédito, tendo como parâmetros indicadores econômico-financeiros. Já

34Quanto às operações de crédito contraídas por entes subnacionais sem o aval da União, a análise do Ministérioda Fazenda realiza análise mais superficial, tomando por base a documentação apresentada pelo próprio entepolítico interessado. Para exemplificar os diferentes níveis de rigidez da análise do Tesouro Nacional quan-do à capacidade de pagamento dos entes subnacionais conforme haja ou não aval da União , vejam-se osfluxogramas contidos nas p. 11-12 do Manual para Instrução de Pleitos (MIP),disponível em: <https://conteu-do.tesouro.gov.br/manuais/modules/mod_pdf_manual/pdf/mip.pdf>.

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a segunda verifica o enquadramento da operação pleiteada em sua

correspondente situação fiscal, tendo como parâmetros o indicador de

endividamento e o indicador de serviço da dívida do ente postulante.

122. A primeira etapa se baseia na análise de oito indicadores

fiscais, com estrutura de pesos relacionada ao ano de referência e ao próprio

indicador. Os indicadores considerados pela Portaria são os seguintes:

Endividamento, Serviço da Dívida na Receita Corrente Líquida, Resultado Primário

Servindo a Dívida, Despesa com Pessoal35 e Encargos Sociais na Receita Corrente

Líquida, Capacidade de Geração de Poupança Própria, Participação dos

Investimentos na Despesa Total, Participação das Contribuições e Remunerações do

RPPS nas Despesas Previdenciárias e Receitas Tributárias nas Despesas de

Custeio.

123. Conforme o Tesouro Nacional36, como resultado da

primeira etapa é possível identificar as seguintes classificações das situações fiscais

associada ao risco de crédito de Estado, do Distrito Federal e de Municípios:

Classificação Situação Fiscal e Risco de Crédito

A+ Situação Fiscal é excelente – risco de crédito é quase nulo

A Situação Fiscal é muito forte – risco de crédito é muito baixo

A-

B+Situação Fiscal é forte – risco de crédito é baixo

B

B- Situação Fiscal é boa – risco de crédito é médio

C+ Situação Fiscal é fraca – risco de crédito é relevante

C Situação Fiscal é muito fraca – risco de crédito é muito alto

C-

D+

Situação de Desequilíbrio FiscalD

D-

35 O Estado do Tocantins vem extrapolando os limites de gastos com pessoal há bastante tempo, sendo esta cir -cunstância pública e notória. A bem da verdade, esta situação é retratada à p. 33 da edição nº 4.796 do DiárioOficial, veiculada em data de 30.01.2017, em que houve a publicação do demonstrativo da despesa com pessoalreferente ao 3º quadrimestre de 2016, denotando que o Estado do Tocantins, àquela época, já atingia o percen-tual de 48,30% da receita corrente líquida, violando, por conseguinte, o inciso IV, do parágrafo único, do art. 22da LRF. Por seu turno, em 25.05.2017, houve a publicação à p. 26 do Diário Oficial nº 4.874, do demonstrativoda despesa com pessoal referente ao 1º quadrimestre de 2017, denotando que o Estado do Tocantins, de formavertiginosa, vem aumentando o seu limite de despesas com pessoal, atingindo, o percentual de 49,31% da recei-ta corrente líquida, violando, por conseguinte, o inciso IV, do parágrafo único, do art. 22 da LRF. Não por acaso, odemonstrativo da despesa com pessoal referente ao 2º quadrimestre de 2017, evidencia que o Estado do Tocan-tins, já atingiu o inacreditável percentual de 51,27% da receita corrente líquida, violando, por conseguinte, o inci-so IV, do parágrafo único, do art. 22 da LRF, conforme se infere à p. 29 da edição nº 4.960 do Diário Oficial, vei-culada em 26.09.2017.36Vide <http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2591:3:0::NO:2::>.

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124. Ocorre que quando o resultado da análise na primeira

etapa for C+, C, C-, D+, D, D-, além de não se aplicar a segunda etapa, a operação

pleiteada é considerada não elegível, relativamente aos riscos do Tesouro Nacional,

para a concessão de garantia da União.

125. É precisamente o caso do Estado do Tocantins. Por meio

da Nota nº 1/2018/COREM/SUIN/STN/MF-DF, de 4 de janeiro de 2018, a

Secretaria do Tesouro Nacional registrou que a classificação final da capacidade de

pagamento do Estado é “C”, o que denota que a “situação fiscal é muito fraca” e

que “o risco de crédito é muito alto”.

126. Tal análise foi formulada diante de pleito formulado pelo

Estado do Tocantins para a contratação de operação de crédito externo com a

Corporação Andina de Fomento, no valor de U$$ 72.000.000,00 (setenta e dois

milhões de dólares dos EUA), e que demandava aval da União.

127. Conforme a análise técnica do Tesouro Nacional, a

operação de crédito pleiteada não foi considerada elegível, relativamente aos riscos

do Tesouro Nacional, para a concessão de garantia da União. Vide trecho abaixo:

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128. Com efeito, é válida a advertência formulada pelo Banco

Central do Brasil de que “os problemas potenciais na capacidade de pagamento dos

entes subnacionais classificados como C+ ou pior podem comprometer a saúde

financeira dos seus servidores, das cadeias de fornecedores e seus empregados.37”

129. Como alertado pelo ilustre Promotor de Justiça Edson

Azambuja, “não se pode ignorar que, o Estado do Tocantins, desde a sua criação,

vivencia um dos mais dramáticos quadros de asfixia e penúria financeira, em que

sequer vem conseguindo custear e manter os serviços básicos essenciais, a

exemplo da área de saúde, educação e segurança pública, de forma que, a

insistência reiterada em mantê-lo nesse estágio de desenquadramento fiscal, poderá

levá-lo, em pouco tempo, ao mesmo estágio em que se encontra os Estados do Rio

de Janeiro e Rio Grande do Norte, diante do acentuado desenquadramento fiscal

evidenciado”.

130. Lamentavelmente, tal situação não foi nem mesmo

indiretamente debatida durante o processo legislativo que redundou na autorização

para a contratação da operação de crédito – diferentemente do que sucedeu com a

escolha das obras e municípios que receberiam dinheiro do empréstimo ainda no

conturbado ano (eleitoral) de 2018.

37 Relatório de Estabilidade Financeira publicado em abril de 2017, p. 45. Disponível em<http://www.bcb.gov.br/htms/estabilidade/2017_04/refPub.pdf>

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DA PROIBIÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO PELO

GOVERNADOR INTERINO

131. A instabilidade institucional por que passa o Estado do

Tocantins já constitui motivo suficiente para se proibir a assunção de obrigação de

despesa de quase meio bilhão de reais, a ser paga até 2027, com risco de

comprometimento da receita de impostos. Para que se tenha uma ideia, veja-se a

linha do tempo:

132. Para além disso, há vedações expressas de duas ordens,

que impedem a contratação da operação de crédito (desta e de qualquer outra) pelo

Governador interno Mauro Carlesse.

133. A primeira delas está estampada no artigo 42 da Lei de

Responsabilidade Fiscal, que proíbe a assunção de obrigação de despesa nos

últimos dois quadrimestres do mandato, que não possa ser cumprida integralmente

dentro dele. Eis a redação do dispositivo legal:

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art.20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrairobrigação de despesa que não possa ser cumpridaintegralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serempagas no exercício seguinte sem que haja suficientedisponibilidade de caixa para este efeito.

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Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixaserão considerados os encargos e despesas compromissadasa pagar até o final do exercício.

134. Como observado pelo Desembargador Federal Marcus

Abraham, “aqui temos mais uma norma da LRF que visa impedir a utilização da

máquina administrativa para realizar atos no último ano de gestão de natureza

'populista' ou se comprometa o orçamento subsequente com 'heranças fiscais'

deixadas ao sucessor”38.

135. Trata-se, em última análise, de vedação moralizadora para

coibir os costumeiros abusos, principalmente no âmbito do Executivo39. Tal norma, é

bom lembrar, também será aplicável ao Governador eleito no prélio eleitoral

suplementar, eis que o término do mandato ocorrerá em 31.12.2018.

136. A segunda norma que impede a operação de crédito em

vias de ser contratada está prevista no artigo 15 da Resolução do Senado Federal nº

43/2001, institui limitação para a contratação de operações de crédito em ano

eleitoral. Vejamos a redação:

Art. 15. É vedada a CONTRATAÇÃO de operação decrédito nos 120 (cento e vinte) dias anteriores ao finaldo mandato do Chefe do Poder Executivo do Estado,do Distrito Federal ou do Município40.

§ 1º Excetuam-se da vedação a que se refere o caputdeste artigo:I - o refinanciamento da dívida mobiliária;II - as operações de crédito autorizadas pelo SenadoFederal ou pelo Ministério da Fazenda, em nome doSenado Federal, no âmbito desta Resolução, até 120(cento e vinte) dias antes do final do mandato do Chefe doPoder Executivo41; III - as operações de crédito destinadas ao financiamentode infraestrutura para a realização da Copa do MundoFIFA 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de2016, autorizadas pelo CMN. (Inciso acrescido pelaResolução nº 45, do Senado Federal, de 31/8/2010)

38ABRAHAM, Marcus. Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada, Ed. Forense, 2ª ed., 2017, p. 233-234.39HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade Fiscal, Ed. Juarez Oliveira, 2002, p. 190.40Caput do artigo com redação dada pela Resolução nº 32, do Senado Federal, de 12/7/2006.41Parágrafo com redação dada pela Resolução nº 40, do Senado Federal, de 15/12/2006.

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137. No ponto, relembra-se que, no caso da operação de

crédito pretendida (empréstimo sem a concessão de garantia pela União), não

houve autorização válida por parte do Ministério da Fazenda. E por uma simples

razão: a lei estadual que alterou a Lei nº 3.266/2017 para suprimir a previsão

expressa da garantia da União – e que, portanto, alterou todo o cenário da

verificação dos limites e condições para a análise do Ministério da Fazenda acerca

da concessão do crédito -, somente foi sancionada em 19.04.2018.

138. Após isso, o Estado do Tocantins não formulou qualquer

pleito de VLC ao Ministério da Fazenda, que consequentemente não veio a autorizar

operação de crédito com tal condição (ausência de aval da União) após a edição da

mencionada lei alteradora, conforme demonstrado alhures.

139. Pois bem. O mandato do atual Governador tem termo

certo, haja vista que o calendário das eleições suplementares para Governador no

Tocantins prevê os dias 18.06.2018 (em caso de eleição em primeiro turno) ou

09.07.2018 (eleição em segundo turno) como datas-limite para a diplomação dos

candidatos eleitos42.

140. Assim sendo, o Governador está nos dois últimos

quadrimestres do seu mandato e, portanto, não pode contrair obrigação de despesa

que não possa ser cumprida integralmente dentro dele. Ademais, o restante do

mandato atualmente exercido pelo chefe do Executivo terá duração inferior a 120

dias.

141. Como se vê, em razão de fundamentos normativos

autônomos – e que zelam pela responsabilidade fiscal de diferentes perspectivas -, a

contratação da operação de crédito pelo Governador Mauro Carlesse está

terminantemente proibida pela legislação.

142. O descumprimento de tais preceitos implica na nulidade

de pleno direito de eventual operação de crédito, não ensejando à instituição

financeira o direito à percepção de juros e demais encargos, na forma do §1º do art.

33 da LRF43.

42Vide Resoluções nº 405, 406, 407, 408 e 409, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins.43Assim, vide ABRAHAM, Marcus. Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada, Ed. Forense, 2ª ed., 2017, p. 235.

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143. Além disso, pode até mesmo acarretar a prática do crime

descrito no art. 359-D do Código Penal44 e/ou do ato de improbidade administrativa

previsto no artigo 10, inciso VI, da Lei nº 8.429/199245.

A OBTENÇÃO DE RECEITAS PARA EMPREGO EM AÇÕES FUTURAS E

INCERTAS PARA OUTROS ENTES POLÍTICOS, SEM OBJETO DELIMITADO E

SEM DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE CONCRETA

144. Como disciplinado no art. 21, inciso I, da Resolução do

Senado Federal nº 43/2001 e no § 1º, do art. 32, da Lei Complementar 101/2000, a

solicitação de autorização da operação de crédito deve ser acompanhada de

pareceres técnicos que demonstrem a relação custo-benefício e o interesse

econômico e social da operação.

145. Eis o que recomenda a Secretaria do Tesouro Nacional

para a elaboração de tais pareceres técnicos46:

É fundamental que se evidenciem os principais itens de custosdo projeto, informando o custo unitário e o custo total. Porexemplo: custo de pavimentação, custo de treinamento,custo de aquisição de máquinas e equipamentos.Complementarmente, pode-se traçar uma estimativa do retornoesperado dos investimentos em cada exercício, tomando-secomo base o exercício corrente.Para demonstrar a relação custo-benefício, pode serconsiderada a utilização de tabelas e demonstrativos oudescrever no texto os números ou percentuais verificados (ouesperados, a título de aumento de arrecadação, por exemplo)comprovando que os benefícios superam os custos daoperação, mediante o uso de metodologia própria paraapuração.

44Código Penal - Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres doúltimo ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, casoreste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de cai-xa: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.(Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)45Lei de Improbidade Administrativa - Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão aoerário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malba-ratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…)VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insufi-ciente ou inidônea; (…).46Veja-se: <https://conteudo.tesouro.gov.br/manuais/mip/arquivo>

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146. In casu, nota-se que ao fundamentar a relação custo-

benefício, o Estado não mencionou nada de concreto em relação aos itens 5 e 12 do

Anexo Único da lei autorizadora, por meio dos quais se pretende repassar R$

208.880.000,00 (duzentos e oito milhões e oitocentos e oitenta mil reais) para a

pavimentação de vias urbanas nos 139 municípios do Estado.

147. A simples leitura do Parecer Técnico apresentado pelo

Governo do Estado (anexo) evidencia que a fundamentação é deveras genérica e

deixa antever, nas entrelinhas, o intuito de passar verdadeiro cheque em branco

para os 139 municípios do Estado do Tocantins, em ano eleitoral conturbado. É o

que se vê do trecho adiante reproduzido:

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148. Já o trecho abaixo deixa subentendido que inexistem

projetos para as obras de urbanização em cada um dos municípios que a operação

de crédito irregular pretende contemplar:

149. Vê-se que, no retromencionado Parecer Técnico, não há

um única linha que trate de necessidades concretas para as obras de pavimentação

asfáltica nos 139 municípios. Sequer foram mencionadas variáveis importantes para

a realização de obras desta natureza, como a extensão territorial do município, sua

vocação (urbana ou rural) e sua densidade demográfica, correspondente à

quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.

150. Uma mera análise por amostragem do item 5 do Anexo

Único da lei em tela já é suficiente para demonstrar o desprezo pela adoção de

critérios técnicos ou objetivos na escolha das obras:

Município Populaçãoestimada

Extensãoterritorial

Densidadedemográfica

Valor a serrecebido

Mateiros 2.614 pessoas 9.681,658 km² 0,23 hab/km² R$1.020.000,00

São Félix do Tocantins 1.571 pessoas 1.908,678 km² 0,75 hab/km² R$1.020.000,00

Lavandeira 1.875 pessoas 519,614 km² 3,09 hab/km² R$1.020.000,00

Oliveira de Fátima 1.110 pessoas 205,850 km² 5,04 hab/km² R$1.020.000,00

Araguaína 175.960 pessoas 4.000,416 km² 37,62 hab/km² R$1.020.000,00

Gurupi 85.523 pessoas 1.836,091 km² 41,80 hab/km² R$1.020.000,00

Palmas 286.787 pessoas 2.218,942 km² 102,90 hab/km² R$1.020.000,00

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151. Ao que parece, o endividado Estado do Tocantins almeja

contrair empréstimo visando destinar pelo menos 1 milhão e vinte mil reais a outros

entes federativos, cujas características e diferentes necessidades sequer foram

mencionadas.

152. Dessa forma ganha contornos concretos a possibilidade

de que a contratação da operação de crédito junto à Caixa Econômica Federal se

faça acompanhar pelo descumprimento dos princípios orçamentários da

"especificação, especialização ou discriminação". Isto em razão de contratação de

empréstimo para criar dotação visando futuras demandas municipais (incertas e não

sabidas), que podem ocorrer ou não, segundo alguma discricionariedade do Gestor

estadual.

153. Quanto ao tema, em resposta a solicitação formulada pelo

MPF/TO, o Auditor Federal de Controle Externo do TCU Edilson Guedes de Almeida

esclareceu que “as receitas e as despesas devem aparecer de forma discriminada,

de tal forma que se possa saber, pormenorizadamente, as origens dos recursos e

sua aplicação. Como regra clássica tinha o objetivo de facilitar a função de

acompanhamento e controle do gasto público, pois inibe a concessão de

autorizações genéricas (comumente chamadas de emendas curinga ou

"rachadinhas") que propiciam demasiada flexibilidade e arbítrio ao Poder Executivo,

dando mais segurança ao contribuinte e ao Legislativo”.

154. Assim, a lei autorizadora da contratação da operação do

crédito deveria ser acometida de especificação que permitisse não apenas a detida

análise do pleito pela instituição financeira (no caso a CAIXA), mas também a

análise do próprio Ministério da Fazenda acerca do custo-benefício da operação.

155. Por isso, lhe são aplicáveis os artigos 5º e 15 da Lei nº

4.320/64, os quais repelem as dotações globais e exigem um nível mínimo de

detalhamento da despesa, o que não foi feito.

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SOBREPOSIÇÃO DE CUSTEIO. PARTE DOS RECURSOS A SEREM OBTIDOS

JUNTO À CAIXA SE PRESTA A COBRIR DESPESAS COM OBRAS JÁ

CONTEMPLADAS NO ESCOPO DE OUTROS PROGRAMAS (MAS REALIZADAS

DEFEITUOSAMENTE OU MESMO NÃO REALIZADAS)

156. Conforme levantamento realizado pela unidade técnica do

Tribunal de Contas da União no Tocantins (Secex/TO), parte dos recursos a serem

obtidos mediante a operação de crédito junto à Caixa se presta a cobrir despesas

com obras com defeitos ou mesmo não realizadas no âmbito de outros programas

federais.

157. Trata-se do item 1 do Anexo Único da Lei Estadual que

autorizou a contratação da operação, consistente na construção de unidades

habitacionais, ao custo de R$ 21.400.000,00. Vejamos:

158. Pois bem. Foi instaurado no âmbito do TCU o TC

033.248/2015-0, destinado a apurar possíveis irregularidades ocorridas no âmbito da

execução das obras relacionadas aos Contratos de Repasse 128.120-49/2001 (Siafi

446691) e 227.257-90/2007 (Siafi 597860), ambos firmados entre o Estado do

Tocantins e o Ministério das Cidades, este tendo a Caixa Econômica Federal como

mandatária.

159. No bojo da criteriosa análise realizada por auditor de

controle externo do TCU, é que ficou evidenciado que a operação de crédito que se

pretende contratar visa custear obra já custeadas por contrato de repasse (CR)

vigente, o que caracteriza sobreposição de objeto e faz exsurgir suspeitas de

premeditação para o desvio de recursos públicos.

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160. Vejamos os trechos pertinentes do referido

pronunciamento técnico, exarado em 20 de setembro de 2017:

24. Fazemos tais ponderações porque, conduzindo asapurações pertinentes obtivemos da GIGOV/PM informações edocumentos dando a conhecer que o Estado do Tocantins,após nova admoestação acerca da possibilidade de aberturade tomada de contas especial, devolução de recursos em favorda União e inclusão no Cadastro Informativo de Débitos nãoQuitados do Setor Público Federal – Cadin (peça 85),entabulou proposta de contratação de empréstimo da ordem deR$ 453.240.000,00, a ser obtido em linha de crédito ofertadapela própria CEF, denominada ‘Finisa’, de cujo montante umaparcela de R$ 21.400.000,00 será utilizada na solução daspendências e defeitos construtivos associados ao CR emanálise (peças 84, 87 e 93, p. 3-4, subitem 4.2 e p. 11, Ação2133).

25. Reunimos evidência cabal de que o Chefe do PoderExecutivo do Estado enviou à Assembleia Legislativa, em11/5/2017, Mensagem com Substitutivo de Projeto de Lei nº49/2016, cuja aprovação autorizará o Estado do Tocantins acontrair o referido empréstimo junto à CEF, inclusiveapontando para a parcela do montante que seriaempregada na complementação da construção deunidades habitacionais de interesse social (peça 88, p. 3-4).A imprensa local noticiou amplamente que tal propositura foraaprovada pelo Parlamento Estadual em dois turnos, commodificações, em sessões deliberativas ocorridas em13/9/2017 (peça 89).

26. Da Primeira Secretaria da Assembleia Legislativa do Estadodo Tocantins obtivemos a minuta do texto aprovado, já nocontexto de Emenda Modificativa, contemplando a autorizaçãopara empréstimo no importe de R$ 453.240.000,00composto, dentre outros itens, da verba de R$21.400.000,00 vinculada à complementação das unidadeshabitacionais de interesse social (peças 90-91). [...]

27. A Superintendência de Planejamento e Desenvolvimento,unidade da Secretaria de Planejamento do Estado do Tocantins(Seplan/TO) encarregada das iniciativas de captação derecursos, inclusive mediante operações de crédito internas,apresentou à Secex-TO o teor do Parecer Técnicoencaminhado à CEF para detalhar e justificar a aplicação dosvalores pleiteados via negociação do empréstimo já aludido(peças 94-95). Nesse Parecer está consignada a destinaçãode R$ 5.000.000,00 (dentro dos R$ 21.400.000,00), para asolução das pendências associadas ao CR 227.257-90/2007(peça 95, p.11).

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28. Ocorre que desses novos elementos probatórios emergiuum novo cenário, associado às apurações, impactante,preocupante e que, por estes últimos atributos, deve serconsiderado nesta análise técnica, ampliando seu escopo.

29. Confrontando dados descritivos, quantitativos e financeirospresentes no Parecer Técnico da Seplan/TO submetido à CEF(peça 95, p. 5-12, Item II – Complementação da Construçãodas Unidades Habitacionais), com os dados cadastrados edisponibilizados pelo Banco no seu portal da internet, empágina denominada ‘Siurb - Acompanhamento de Obras’,verifica-se que a verba de R$ 21.400.000,00 destacada nocontexto do possível empréstimo será destinada a custeare superar pendências que afetam de modo similar trezecontratos de repasses (inclusive o CR 227.257-90/2007)firmados como Estado do Tocantins entre os exercícios2007 e 2008, cujos objetos são similares às duas avençasexaminadas desde o princípio das apurações, conforme dadostabulados abaixo:

30. Ademais, dentro daquela verba de R$ 21.400.000,00 aser angariada via empréstimo, há previsão de aplicação deR$ 1.928.220,62 na conclusão de outras mais de 1.200unidades habitacionais populares viabilizadas medianteonze contratos de empréstimos antigos, contraídos peloEstado entre os longínquos anos de 2005 a 2009 (0306.174-75/2009, 0306.178-11/2009, 0205.082-27/2005, 0206.823-07/2005, 0206.603-49/2005, 0206.990-36/2005, 0306.183-86/2009, 0206.984-58/2005, 0206.736-41/2005, 0206.476-00/2005 e 0306.181-68/2009, conforme peça 95, p. 11), osquais envolveram recursos disponibilizados pelo Fundo deGarantia por Tempo de Serviço – FGTS. Tais recursos foramobjeto de empréstimos firmados nos termos da Resolução460/2004, do Conselho Curador do FGTS (peça 96), não seenquadrando como recursos oriundos do Tesouro Nacional,

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embora sua destinação tenha relevância social e pertinênciacom os demais instrumentos ora discriminados.

31. Restringindo-nos apenas aos ajustes que deram amparo arepasses do Tesouro Nacional, esse rol de contratos doravanteconhecidos, também antigos, de objetos idênticos e afetadospor problemas de execução e encaminhamentos similares,envolvem a expectativa de intervenções e regularizaçõesdiversas em quase 3.400 unidades habitacionais, para osquais foram carreados cerca de 130 milhões de Reais, emvalores nominais e históricos, sem qualquer atualizaçãomonetária, transferidos desde 2007 por meio da CEF. […]

33. Em que pese convencidos de que o Estado e a CEF nãodemonstraram firmeza de propósitos e acurácia naimplementação de seus respectivos papéis para concluir asmetas mesmo após sucessivas e exageradas prorrogações,culminando a essa altura com uma inusitada e excepcionaldemanda para reforço e complementação dascontrapartidas devidas pelo Ente Público contratado, nãose pode desprezar que isso pode, finalmente, viabilizarsoluções adequadas para o extenso rol de pendências. Se nãopara tudo, cenário ideal, para a maior parte. […]

36. Esse hipotético cenário pode diminuir o risco de desfechode tantos contratos de repasse com pendências severas,ensejando tomadas de contas especiais, o que não interessaàs partes, tampouco aos beneficiários das unidadeshabitacionais, os já contemplados com casas mal construídas,com defeitos ou incompletas e os que deixaram de sercontemplados com moradias em condições de habitabilidade,além de ser pertinente e interessante para a CEF, eis que essetipo de empréstimo recebe como garantia de adimplênciaautorização para bloqueio de receitas perenes do próprioEstado, além de fomentar sua atividade principal e incrementarseus resultados financeiros e operacionais como instituiçãobancária.

161. É lícito presumir que os contratos de repasses

originariamente previam valores suficientes para a finalização e entrega das obras.

Se estas não foram construídas ou se o foram de forma defeituosa, a explicação

pode inclusive perpassar pelo fenômeno da corrupção.

162. Ora, se há defeitos na obra, as garantias contratuais

remetem sua solução à empresa contratada; por outro lado, havendo insuficiência

de caixa para a finalização do empreendimento, isto deve ser objeto de pedido de

reprogramação da empresa perante o órgão concedente dos recursos.

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163. O que não se pode admitir, sob pena de estimular a

prática de ilícitos, é que o Estado aumente seu endividamento (mediante a

contratação de crédito garantido pela inconstitucional vinculação de receitas de

impostos) com a finalidade de obter recursos para a realização de obras para as

quais já recebeu verbas com lastro em Contratos de Repasse vigentes.

NOTAS SOBRE A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO REPUBLICANO: A OPERAÇÃO DE

CRÉDITO DIANTE DO CENÁRIO ELEITORAL.

164. É válido ressaltar que, quando da alteração do Anexo do

Projeto de Lei nº 049/2016 para contemplar os 139 municípios tocantinenses (cuja

emenda fora aprovada em 13.09.2017), já era cogitada a candidatura do Deputado

Estadual Mauro Carlesse para concorrer ao mandato de Governador no prélio

eleitoral de 2018. Sua intenção em participar da corrida eleitoral foi registrada na

seguinte matéria jornalística, publicada no dia 2 de junho de 201747:

47Veja-se <https://www.vozdobico.com.br/principal/pre-candidato-governador-mauro-carlesse-visita-cidades-do-bico-do-papagaio/>

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165. Não por outra razão, Mauro Carlesse teve seu nome

prospectado na pesquisa realizada pelo IBOPE entre os dias 28 e 31 de julho de

2017, como pode ser visualizado no sítio oficial do instituto de pesquisas48.

166. A capitalização eleitoreira da autorização legislativa para a

realização do empréstimo (a qual, repita-se, nada analisou quanto ao endividamento

do Estado) fica evidente nos seguintes trechos extraídos da notícia veiculada no sítio

oficial do próprio Deputado Estadual Mauro Carlesse, em 06.02.2018:

167. Note-se que o próprio Governador interino, em ato de

campanha visando às eleições suplementares, tem feito alusão à operação de

crédito em vias de ser contratada com a Caixa Econômica Federal, oportunidade em

que se refere à destinação de pelo menos 1,2 milhões a cada um dos 139

municípios como “um tiro certeiro do Carlesse”.

48Confira-se: <http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/neste-momento-pesquisa-aponta-katia-abreu-e-amastha-como-favoritos-na-disputa-pelo-governo-do-tocantins/>

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168. Ora, considerando que há claras vedações para a

assunção de obrigação de despesa por Governador interino com pouquíssimos dias

de mandato pela frente, e que a concessão de receitas de impostos como garantia

do empréstimo viola abertamente o art. 167, IV, da CF, é possível que a recorrente

menção a essa operação de crédito em plena campanha constitua ilícito eleitoral, o

que deve ser oportunamente analisado pela Procuradoria Regional Eleitoral.

DA TUTELA INIBITÓRIA E URGÊNCIA

169. Sabe-se que o fundamento da pretendida ordem inibitória

é o de impedir que o ilícito possa vir a ocorrer ou que possa repetir-se. A decisão,

nesse caso, volta-se para o futuro, objetivando evitar a violação (ou a repetição da

violação) ao direito.

170. Precisamente em razão dessa natureza, a tutela inibitória

nada tem a ver com a noção do dano, a ela não interessando os elementos para a

imputação ressarcitória, quais sejam os elementos subjetivos, culpa ou dolo49.

171. Normativamente, a tutela jurisdicional inibitória

fundamenta-se no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, que preconiza

que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, e

no art. 11 da Lei nº 7.347/1985, redigido nos seguintes termos:

LACP - Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimentode obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará ocumprimento da prestação da atividade devida ou a cessaçãoda atividade nociva, sob pena de execução específica, ou decominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,independentemente do requerimento do autor.

172. Concernente às técnicas processuais colocadas à

disposição da tutela inibitória (ação de conhecimento de natureza preventiva), a

sentença jurisdicional mandamental é a mais apropriada.

49MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direi tos, RT, 2004, p. 255.

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173. Assim é porque, consoante a lição de Ovídio Baptista, a

sentença mandamental “tem, por fim, obter, como eficácia preponderante da

respectiva sentença de procedência, que o juiz emita uma ordem a ser observada

pelo demandado (…). É da essência, portanto, da ação mandamental que a

sentença que lhe reconheça a procedência contenha uma ordem para que se

expeça um mandado. Daí a designação de sentença mandamental. Nesse tipo de

sentença, o juiz ordena, e não simplesmente condena. E nisso reside, precisamente,

o elemento eficacial que a faz diferente das sentenças próprias do processo de

conhecimento”50.

174. Compreendida, portanto, a tutela jurisdicional almejada,

torna-se imprescindível propugnar pela antecipação da tutela pretendida.

175. Como visto, há suficientes indícios de que a operação de

crédito em vias de ser contratada viola o ordenamento jurídico sob diversos ângulos.

176. Também está presente o periculum in mora para a

concessão da ordem inibitória. Como explica Luiz Guilherme Marinoni51:

O justificado receio de ineficácia do provimento final nadamais é do que o ‘justificado receio’ de que o ilícito sejapraticado no curso do processo de conhecimento.O que deve ser demonstrado, em caso de inibitória, é quese a tutela for concedida ao final o ilícito provavelmente játerá sido praticado. Não é necessário ao autor provar queo ilícito será praticado no curso do processo. Basta o‘justificado receio’, isto é, a probabilidade de que oilícito possa ser praticado antes do trânsito emjulgado. Note-se que o justificado receio não é de dano, mas deato contrário ao direito. Não teria sentido a exigência dereceio de dano para legitimar a tutela antecipatória, já quea tutela inibitória tem por fim inibir a prática de um atocontrário ao direito que, conforme já visto, nada tem aver com o dano.

177. Ora, é evidente que este é precisamente o caso dos

autos. A uma porque a Caixa Econômica Federal anunciou no último dia 24 de abril

50DA SILVA, Ovídio A. Batista. Curso de Processo Civil, vol. II, 5ª ed., RT, 2002, p. 336.51MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. 9ª ed., RT, 2006, p. 110.

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de 2018 a retomada das operações de crédito com Estados e municípios, lastreadas

no FPE e FPM. A duas porque é evidente a pressa do Governador interino Mauro

Carlesse para a contratação da operação de crédito, como demonstram as notícias

abaixo reproduzidasxas:

Jornal O Globo de 26.04.2018 Jornal do Tocantins de 21.04.2018.

Jornal Mapa da Notícia52 – 26.04.2018

52Notícia completa em <http://mapadanoticia.com.br/gaguim-luta-pela-liberacao-de-r-430-milhoes-junto-a-caixa-economica-federal/>.

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DOS PEDIDOS

178. Diante do exposto, o Ministério Público Federal requer:

a) citação dos réus, por meio de seus representantes

legais, para, querendo, apresentarem defesa no prazo

legal;

b) concessão de medida liminar, inaudita altera pars, de

antecipação de tutela para:

b.1) determinar à CAIXA que, sob pena de multa não

inferior a dez por cento do valor da operação de

crédito, se ABSTENHA de:

- contratar a operação de crédito a que se refere a Lei

Estadual nº 3.266, de 10 de outubro de 2017, com a

redação conferida pela Lei nº 3.366, de 19 de abril de

2018, sob pena de violação do disposto no art. 167, inciso

IV e §4º, da CF, no art. 42 da LRF e no art. 15 da

Resolução do Senado Federal nº 43/2001;

- realizar qualquer operação de crédito em favor do

Estado do Tocantins em que estejam presentes as

seguintes condições cumulativas: a) ausência de garantia

dada pela União; e b) utilização de receitas de impostos,

inclusive do Fundo de Participação do Estado, como

garantia do empréstimo;

- realizar qualquer operação de crédito em favor do

Estado do Tocantins mediante a utilização de qualquer

outra garantia, sem que lhe seja apresentado estudo

acerca do endividamento do Estado (auditoria da dívida);

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- realizar qualquer operação de crédito em favor do

Estado do Tocantins, mediante a utilização de qualquer

outra garantia, sem que lhe seja apresentado projeto com

a delimitação precisa da destinação dos recursos,

inclusive com estimativa de custeio e indicação concreta

da necessidade das obras, não satisfazendo tal exigência

a mera recorrência a justificativas genéricas, em projetos

com “dotação global”.

b.2) determinar à CAIXA que, se a operação já tiver

sido contratada, suspenda todos os seus efeitos,

inclusive abstendo-se de repassar quaisquer valores

pecuniários até a decisão final da presente ACP.

b.3) determinar ao ESTADO DO TOCANTINS que se

ABSTENHA de:

- contratar a operação de crédito a que se refere a Lei

Estadual nº 3.266, de 10 de outubro de 2017, com a

redação conferida pela Lei nº 3.366, de 19 de abril de

2018, sob pena de violação do disposto no art. 167, inciso

IV e §4º, da CF, no art. 42 da LRF e no art. 15 da

Resolução do Senado Federal nº 43/2001;

- realizar qualquer operação de crédito com a Caixa

Econômica Federal em que estejam presentes as

seguintes condições cumulativas: a) ausência de garantia

dada pela União; e b) utilização de receitas de impostos,

inclusive do Fundo de Participação do Estado, como

garantia do empréstimo;

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- contrair operações de crédito com quaisquer instituições

financeiras federais ou com quaisquer outras entidades

ou organismos para cuja avença concorra a necessidade

de aval da União, sem que antes tenha apresentado

estudo acerca do endividamento do Estado (auditoria da

dívida), bem como projeto com a delimitação precisa da

destinação dos recursos, inclusive com estimativa de

custeio e indicação concreta da necessidade das obras,

não satisfazendo tal exigência a mera recorrência a

justificativas genéricas, em projetos com “dotação global”;

c) ao final, a confirmação da liminar deferida, com o

julgamento de procedência dos pedidos formulados supra

em face da Caixa Econômica Federal e do Estado do

Tocantins;

d) destinação do eventual produto da aplicação das

astreintes ao fundo a que se refere o artigo 13 da Lei nº

7.347/85, com vinculação a investimentos em ações de

prevenção à corrupção; e

e) dispensa do pagamento das custas, emolumentos e

outros encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei

nº 7.347/85.

Protesta-se, outrossim, pela produção de provas

documental e pericial que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos

durante o curso da instância, pugnando desde logo pela juntada aos autos do anexo

procedimento preparatório.

Após a concessão da liminar, pugna pela designação de

audiência de conciliação, em ordem a celebrar compromisso que contemple os

pedidos supra, caso seja de interesse dos réus.

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Atribui-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil

reais), para efeitos meramente de alçada.

Palmas/TO, 2 de maio de 2018.

Paulo Rubens Carvalho MarquesPROCURADOR DA REPÚBLICA

Carolina Augusta da Rocha RosadoPROCURADORA DA REPÚBLICA

George Neves LodderPROCURADOR DA REPÚBLICA

Daniel Luz Martins de CarvalhoPROCURADOR DA REPÚBLICA

Fernando Antônio de A. A. de O. JúniorPROCURADOR DA REPÚBLICA

Álvaro Lotufo ManzanoPROCURADOR DA REPÚBLICA

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