USO DO “AGORA” COMO MARCADOR CONVERSACIONAL EM ENTREVISTA COM O EX-PRESIDENTE LULA - Cellip 2011
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O USO DO “AGORA” COMO MARCADOR CONVERSACIONAL EM
ENTREVISTA COM O EX-PRESIDENTE LULA
Kátia Elaine de Souza BARRETO (PG-UFMS)1
Patrícia Elena Moura BATISTA (PG-UFMS)2
Letícia Jovelina STORTO (UTFPR/ UFMS)3
Resumo: Este trabalho tem como objetivo averiguar o uso do advérbio de tempo “agora” e suas correlações funcionais com a conjunção coordenada sindética adversativa “mas” e com a marcação conversacional empregada na fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Utilizam-se como corpus de pesquisa ocorrências extraídas de entrevistas com Lula em período de campanha eleitoral. Ao adotar uma abordagem funcionalista da linguagem, pretendemos mostrar que as pressões comunicativas podem afetar o funcionamento da gramática, como, por exemplo, a classe dos advérbios e das conjunções, que podem sofrer mudanças gramaticais e semânticas, em determinados contextos, uma vez que a necessidade de se criar novas formas para atender às expectativas do usuário da língua é essencial. Isso porque, em uma perspectiva funcionalista, a gramaticalização ocorre pela regularização do uso da língua, que acontece a partir da criação de expressões novas e de arranjos feitos pelos interlocutores para atender a seus propósitos comunicativos. Nesse contexto, observamos que o comportamento funcional do termo em análise, como marcador conversacional, é introduzir uma discordância e, ao mesmo tempo, corrigir ameaças à imagem do falante. Palavras-Chave: Marcador conversacional. Entrevista. Luiz Inácio Lula da Silva.
Introdução
Este estudo propõe um exame da mudança semântica de “agora” no português falado
no Brasil: de advérbio de tempo nos trames da Gramática Tradicional (doravante GT) para
conjunção adversativa. Isso com o intuito de fornecer uma descrição sintático-semântica e
pragmática desse tipo de construção e analisar o seu comportamento como elemento de
coesão, a fim de que esse fenômeno possa ser observado e explicado dentro de uma
perspectiva funcionalista, mas ao mesmo tempo elencado com a GT.
Desse modo, este artigo parte dos fundamentos teóricos do funcionalismo, o qual,
segundo Neves (2006, p.17), afirma que o funcionalismo é “uma teoria que se liga acima de
tudo aos fins que servem as unidades lingüísticas” sendo assim “se ocupa das funções dos
1 Universidade Federal de mato Grosso do Sul, campus Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, Brasil. Endereço eletrônico: Ká[email protected] 2 Universidade Federal de mato Grosso do Sul, campus Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] 3 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Londrina, Paraná, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected], [email protected].
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meios lingüísticos de expressão”. Para tanto, fundamenta-se nas teorias funcionalistas de
Givón (1979), Dik (1989, 1997) e Neves (1997; 2000; 2006) e nos postulados teóricos da
Gramaticalização. Segundo Neves (1997, p.25), “a gramática funcional constitui uma teoria
de componentes integrados, uma teoria funcional da sintaxe e da semântica, a qual, entretanto,
só pode ter um desenvolvimento satisfatório dentro de uma teoria pragmática, isto é, dentro de
uma teoria da interação verbal”.
Justifica-se a escolha da abordagem funcional nesta pesquisa pela necessidade de se
encontrar uma teoria que considere a língua em suas reais condições de uso. Nessa perspectiva
da teoria funcional da gramaticalização, ressaltamos também a interface com a Análise da
Conversação, a qual possibilita a descrição do termo “agora” como gramaticalizado e
também como marcador oracional.
Para o exame do emprego do advérbio de tempo “agora” e suas correlações
funcionais com a conjunção coordenada sindética adversativa “mas”, elencou-se como objeto
de estudo a marcação conversacional empregada na fala do ex-presidente brasileiro Luiz
Inácio Lula da Silva. Assim, o corpus desta pesquisa é composto de três entrevistas do ex-
presidente a telejornais e um discurso político. As duas primeiras entrevistas foram obtidas
por meio da gravação do Jornal Nacional no ano de 2002 em dois momentos: quando o ex-
presidente disputava a presidência da República; e no final de seu primeiro mandato em
disputa pela reeleição. Já a terceira é uma entrevista de Lula concedida ao Jornal da TV
Record aos 21/07/2010, já no fim do seu segundo mandato. E discurso ocorreu no Porto
nacional de Tocantins, durante a inauguração de 256Km da Ferrovia Norte-Sul, aos 21/
09/2010.
Referencial teórico
De acordo com o modelo de interação verbal de Dik (1989), falante e ouvinte dispõem
de um conjunto de informação pragmática, que inclui crenças, conhecimento de mundo e da
situação comunicativa. Quando o falante elabora um enunciado, seu objetivo é produzir
algum tipo de modificação na informação pragmática de seu ouvinte; para isso, ele elabora
uma intenção comunicativa relacionada à modificação que deseja causar em seu destinatário.
Mas o maior desafio do falante é formular sua expressão linguística, a qual é entendida como
resultado da interação que ocorre entre falante e ouvinte. Assim, ela atua como mediadora da
interação entre os indivíduos.
Podemos observar que a intenção do falante e a interpretação do ouvinte, de acordo
com o modelo de interação verbal de Dik (1989), são mediadas pela expressão linguística.
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Para isso, o falante deve ter uma intenção comunicativa, a fim de modificar de algum modo a
informação pragmática de seu ouvinte. Desse modo, ao buscar uma melhor maneira de ser
entendido, enfático, persuasivo ou outros, o sujeito “molda” a língua aos seus propósitos de
comunicação. Dessas adaptações surgem processos como o da gramaticalização, a qual pode
ser entendida como a mudança na passagem de um item lexical a um item gramatical ou na
passagem de um item menos gramatical a um item mais gramatical (TRAUGOTT, 2003).
A gramaticalização é explicada como um tipo de mudança linguística marcada por
alterações, principalmente de ordem sintático-semântica. É uma forma pela qual a gramática
de uma língua adapta-se ao contexto. Nesses moldes, investiga-se a formação de conjunções e
um ganho de novos significados, ou seja, alenta-se que “traços semânticos podem não
desaparecer, mas ser substituídos por traços pragmáticos” (NEVES, 1997, p.138). O
neogramático Paul (1986 apud LONGHIN–THOMAZI, 2004, p.216) afirma que as
conjunções (“palavras de ligação em sua terminologia”) nascem a partir de mudanças
sofridas por palavras autônomas. Historiadores da Língua Portuguesa, como Bueno (1967) e
Câmara (1975) (apud LONGHIN–THOMAZI, 2004, p.217) consideram que houve a
necessidade de se criar novas conjunções reutilizando material da própria língua, o que reunia
fenômenos entendidos como casos de gramaticalização. Isso porque “o termo
gramaticalização associa-se a palavras como transformação, evolução e processo”
(GONÇALVES; HERNANDES; CASSEB-GALVÃO, 2007, p.160). O que se pretende
ressaltar é: existe uma relação do sistema gramatical diacrônico com a gramática funcional–
discursiva, pois se considera que a estrutura gramatical procura estabelecer propósitos
comunicativos. Sendo assim, assume-se que pressões comunicativas podem afetar unidades
do sistema linguístico, contribuindo, portanto, para a ocorrência do processo de
gramaticalização. Processo esse que tem sua “motivação nas necessidades comunicativas não
satisfeitas pelas formas existentes, bem como na existência de conteúdos cognitivos para os
quais não existem designações lingüísticas adequadas” (NEVES, 2006, p.258). Nesse sentido,
elabora-se uma pressuposição de que o advérbio “agora”, quando inserido em um contexto
pragmático, pode assumir características de outro valor gramatical.
Heine et alii (1991 apud NEVES, 1997, p.132) voltam-se para o princípio que Werner
e Kaplan (1963) chamaram de “princípio da exploração de velhos meios para novas funções”,
o qual é empregado para explicar os fenômenos da gramaticalização. Neves (1997, p.132) traz
a seguinte colocação:
Por esse princípio, conceitos concretos são empregados para entender, explicar ou descrever fenômenos menos concretos, e entidades claramente
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delineadas/claramente estruturadas conceptualizam entidades menos claramente delineadas/menos claramente estruturadas: experiências não-físicas são entendidas em termos de experiências físicas, tempo em termos de espaço, causa em termos de tempo, relações em termos de processos cinéticos ou de relações espaciais, etc.
Numa perspectiva funcionalista, a gramaticalização ocorre pela regularização do uso
da língua, o que acontece a partir da criação de expressões novas e de arranjos feitos pelo
falante para atender aos seus propósitos comunicativos (NEVES, 1997). De acordo com a
autora, “ver a língua em seu funcionamento implica vê-la a serviço das necessidades dos
usuários, e a partir daí, em constante adaptação” (1997, p.117). Desde o século XIX,
desenvolvem-se estudos a respeito da gramaticalização que, tratada como um processo
contínuo, atua lenta e gradativamente na língua. É por isso que as discussões acerca da
coexistência de novos valores/ usos ao lado das antigas propriedades lexicais devem ser
retomadas em um amplo estudo acerca do “problema da transição” (WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 1968 apud LOPES, 2003).
De acordo com Meillet (1912), a gramaticalização é um processo interminável e de
grande importância para as línguas, uma vez que o “desgaste funcional das palavras da língua
é um acontecimento frequente” (SOUZA, 2009, p.64). Desse modo, há necessidade de se criar
novas formas para atender às expectativas e às necessidades comunicativas do usuário da
língua. A gramaticalização é definida, segundo Souza (2009), como um processo de mudança
linguística que pode envolver tanto perdas quanto ganhos de funcionalidade. Para o autor, um
aspecto importante na proposta de gramaticalização de Meillet é a trajetória unidirecional que
uma palavra principal percorre até “funcionar’ como uma palavra gramatical.
Assim como Meillet (1912), Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) também acreditam
que são as necessidades comunicativas do falante que desencadeiam, nas línguas, os processos
de gramaticalização. Essas necessidades, segundo os autores, explicariam a busca constante de
formas linguísticas mais adequadas para expressar ideias mais abstratas.
Nesse contexto, descrever o comportamento funcional do termo “agora” de valor
temporal em comparação à conjunção adversativa “mas” pressupõe a consideração de vários
elementos contextuais/ pragmáticos, os quais são extremamente importantes e imprescindíveis
para a devida descrição desse termo, o que justifica, portanto, a opção por um modelo
funcionalista de descrição linguística (DIK, 1997; NEVES, 1997; 2000; TRAUGOTT, 1982;
TRAUGOTT; HOPPER, 1993).
Assim, sob a perspectiva da gramaticalização, o item “agora” é discutido em dois
aspectos: “agora” enquanto advérbio de tempo na classificação da GT e também como
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conector de valor, essencialmente, adversativo cuja classificação não se encontra em gramáticas
tradicionais.
Outros estudos a respeito de tal fenômeno vêm sendo realizados, todavia nos chama a
atenção o modo como o “agora” tem sido utilizado espontaneamente por interlocutores, não
somente para contrapô-lo ao seu interlocutor, mas também numa tentativa de preservar a
imagem positiva do falante.
De acordo com Gonçalves, Hernandes e Casseb-Galvão (2007, p.15), “não há gramática
como produto acabado, mas sim constante gramaticalização”. Daí a importância de se rever
outros casos do uso de “agora” e descrever seu funcionamento no português falado no Brasil,
buscando entender a sua classificação nas ocorrências de textos falados e escritos.
Salientamos os estudos diacrônicos do termo “agora” nas pesquisas de Câmara Jr.
(1979). Para esse autor, o latim clássico apresentava a forma “nunc”, a qual significava “neste
momento”. Essa forma foi substituída pela locução ablativa “ac hora” e, em outros contextos,
pelo ablativo “hora”. As duas variantes originaram “agora” e “hora”. Duque (2009, p.943-
944 apud PHILIPPSEN, 2011, p.70) diz o seguinte:
Admitindo-se que a origem do elemento agora remonte à noção de espaço, inclusa no pronome demonstrativo hac, poder-se-ia afirmar que o item em estudo vem cumprindo a trajetória espaço> tempo> texto, proposta por Heine et alii (1991). Essa trajetória, por si só, deve ser considerada um indício de que o elemento agora vem se gramaticalizando, desde a sua formação da locução latina hac hora.
A priori, o termo “agora”, classifica-se, segundo a GT, como advérbio. Celso Cunha
(1972, p.499) afirma que o advérbio pode ser visto como “palavras que se juntam a verbos
para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o processo verbal, e os adjetivos para
intensificar uma qualidade”. Para Sacconi (1994, p.252 apud CALMON, 2009, p.1376), o
advérbio “é palavra invariável que modifica o verbo, exprimindo uma circunstância de tempo,
modo, lugar etc.” Apesar de ser considerado um gramático de abordagem tradicional, esse
autor afirma que o item agora pode ser apresentado com o mesmo valor da conjunção
adversativa “mas” na seguinte sentença: “gosto muito de Cristina, agora beijar os pés dela eu
não vou não”. Segundo Bechara (1999), o advérbio é constituído por palavra de natureza
nominal ou pronominal e refere-se, geralmente, ao verbo, ou ainda, dentro de um grupo
nominal unitário, a um adjetivo e a um advérbio (como intensificador) ou uma declaração
inteira. Para Lins (2007, p.135 apud CALMON, 2009, p.1384), o item “agora” “é um
amarrador textual de porções de informação progressivamente liberadas ao longo da fala”.
Assim, a respeito da classificação do “agora” não há total consenso entre os pesquisados.
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Em relação ao “mas”, de acordo com a tradição gramatical, ele se classifica como
conjunção coordenativa adversativa. As conjunções coordenativas estabelecem relações entre
duas orações independentes e classificam-se, em geral, como: alternativas, conclusivas,
aditivas, adversativas ou explicativas. As orações coordenativas são aquelas que “ligam
palavras ou orações do mesmo valor ou função” (BECHARA, 1980). Porém, o “mas”
desempenha várias outras funções. De acordo com Neves (2000), a conjunção coordenativa
“mas” marca uma relação de desigualdade entre os segmentos coordenados, conforme as
condições contextuais. Exemplo disso é: “Ela estava doente, mas não faltou às aulas”.
No dicionário Michaelis, a conjunção adversativa “mas” significa: oposição ou
restrição e é utilizada como repetição para dar ênfase: "Tirano injusto, mas forte, mas audaz". Segundo
Sacconi (1995, p.135 apud CALMON, 2009, p.1384), “mas é um item que ressalva
pensamentos, podendo indicar idéia de oposição, retificação, restrição, compensação,
advertência ou contraste”.
Cunha (2001, p.585 apud CALMON, 2009, p.1384) afirma que “mas é uma partícula
que apresenta, além da idéia básica de oposição, valores de contraste e afetivos – atenuação,
adição, restrição, retificação e mudança na sequência de assunto”. Koch (2010, p.35-36), por
seu turno, define “mas” como “operador que contrapõe argumentos orientados para
conclusões contrárias”. Ainda segundo Koch, do ponto de vista semântico, os operadores do
grupo “mas” (embora, todavia, contudo, entretanto e outros) opõem argumentos enunciados
de perspectivas diferentes, que orientam, portanto, para conclusões contrárias. A autora
salienta que, para Ducrot (apud KOCH, 2010), o “mas” é o operador argumentativo por
excelência.
O termo “operador argumentativo” é explicado por Koch como “elemento da gramática
de uma língua que tem por função indicar a força argumentativa dos enunciados e o sentido
para o qual apontam” (2010, p.30). Fávero, Andrade e Aquino (1999, p.48) apresentam os
marcadores conversacionais como “elementos que auxiliam no desenvolvimento interacional
da atividade em pauta”. De acordo com as autoras, esses marcadores “promovem a condução
e a manutenção do tópico discursivo, instaurando a solidariedade conversacional entre os
interlocutores”. No caso do “agora”, discorrido neste artigo, assinalamos o seu uso como um
marcador conversacional que introduz discordância.
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Análise dos dados
Com base nos pressupostos teóricos apresentados, fazemos um estudo sincrônico do
“agora” a fim de analisar seu emprego no português contemporâneo, observando a semântica
e a pragmatização do significado que acompanham a gramaticalização. Isso em ocorrências
que foram observadas na fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ressaltamos que os exemplos analisados são apresentados em blocos de perguntas e
respostas retirados de transcrições de entrevistas do ex-presidente ao Jornal Nacional da TV
Globo e ao Jornal Record em períodos de campanha eleitoral nos anos de 2002, 2006 e 2010 e
de um discurso.
Jornal Nacional: Entrevista presidenciável com Luiz Inácio Lula da Silva no ano de 2002. (O trecho trata
do não pagamento da dívida externa – questão temida na época por muitos eleitores).
Entrevistador: O Brasil pode::....é ter a garantia de que... o partido não vai mudar de iDÉIA depois da eleição com relação a esse assunto(..)
Entrevistado: NÃO::...o PT tem um programa Boner...o que nós queremos na verDAde é construir um país um pouco mais justo...sabe... sabe o que acontece... não é mais possível... o povo .... a::.... a classe média brasileira... o pequeno empresário... paGArem as contas de tudo o que acontece no Brasil... e quando as coisas melhoram... que tem um banquete... essa mesma gente não é convidada para participar do banquete... e depois quando fracassa... é convidado...a PAGAR a conta... veja o que ta acontecendo agora... nós temos os chamados preços controlados... né... que é o... preço da energia... o preço do gás... o dólar aumenta... aumenta esses preços... agora... quando o dolár baixa... não baixa os preços... ou seja é SEMpre a parte pobre da população... que está sendo convoCAda... a arCAR... com a IRRESponsabilidade...daQUEles... que governam o nosso país.
Nessa entrevista, Willian Bonner questiona o candidato a respeito do temor dos
brasileiros com relação ao não pagamento da dívida externa, uma antiga proposta partidária,
caso Lula viesse a ser eleito.
O candidato, na ocasião, assinala que não há justiça nos chamados preços controlados.
Ele inicia essa afirmação com o termo “agora” com valor, em primeiro momento, de dêitico-
temporal, ou seja, no papel de situar o evento em certo período de tempo. Nesse caso tem-se
“agora” com noção de “no momento presente”.
Em seguida, o entrevistado emprega o item “agora” desempenhando uma função não
adverbial, porém parece conferir ao termo valor adversativo. Tem-se aí ganho de outro valor
gramatical que é o da conjunção, de modo que esse “agora” seja equivalente a um “mas”,
com o qual se obtém o mesmo resultado. Isto é, o texto poderia ser enunciado com esse ou
aquele elemento que seu sentido não se alteraria significativamente.
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No ano de 2006, em entrevista ao jornal Nacional:
Entrevistador: o senhor afastou(...).... o ex... ministro... da casa... civil?
Entrevistado: FOI afasTAdo....
Entrevistador: o senhor o afastou?
Entrevistado: (...)... FOI afasTAdo...eu o afastei... afastei o Zé Dirceu... afastei o Paloci... afastei ouTROS funcionários... que estavam... envolvidos... e vou continuar afastando... agora....quando se trata de punir...wilian... punir significa... você respeitar o Estado de direito...eu quero pra todo mundo o que eu quero pra mim... o direito de provar que eu sou inocente e o meu acusador provar que eu sou culpado.
Na entrevista registrada acima, o candidato é desafiado a explicar sua tolerância ou
conivência com a corrupção dos seus ministros. Ao apresentar sua atitude de tê-los afastado
de seus respectivos cargos, o entrevistado vai estabelecendo uma sequência de eventos.
Assim, o “agora” traz o efeito de um conectivo que, além de garantir a coesão sequencial do
texto por meio dos acontecimentos, a saber, os referidos afastamentos, também marca a
função contrastiva, de modo a ser facilmente substituído por “mas”.
Concomitantemente, percebemos no uso do item “agora” um marcador discursivo que
salienta a autodefesa do político, de maneira que o uso espontâneo do termo “agora” vem a
reforçar a preservação da imagem do falante: de um presidente que não tolera os corruptos.
Assinalamos o uso do “agora” de forma defensiva e percebemos nesse emprego certo valor
expresso de irritação.
Entrevista realizada por Adriana Araújo ao Jornal da Record pela repórter aos 21/07/2010, fim do seu
segundo mandato do ex-presidente. Entrevistadora: O senhor tem um plano... um sonho... de volTAR presidente em 2014 (...) ou depois? Entrevistado: Não...não...não ...não...não tenho...não tenho... eu te falo de coração... porque qualquer coisa que eu falar cê vai dizer que... não é verdade agora também em política a gente nunca pode dizer não...sabe? nunca mais eu vou fazer isso...a gente nunca pode dizer...eu se tiver juízo e tiver os meus neurônios perfeitos sabe... eu me contentarei em ser um bom ex-presidente da república sem dar palpite na vida de quem tá governando.
Nesse trecho, Lula fala acerca de voltar a ser candidato, empregando o item “agora”
sem função adverbial, mas como elemento coesivo, já que une orações por meio de valor
adversativo e protege a imagem positiva do falante, uma vez que ele se isenta da
responsabilidade de assumir que não mais será candidato à presidência.
Observamos também no uso do termo a intenção de denotar humildade do falante, o
qual minimiza o valor do seu discurso, de modo a não enfatizar uma ação que pode não
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ocorrer. Assim, o locutor protege-se de futuras objeções que podem vir a surgir caso ele venha
a se candidatar novamente em momento posterior ao da entrevista. Ou seja, não se pode
afirmar com convicção algo de que não se tem total certeza. Além disso, com essa explicação
o ex-presidente deixa em aberto talvez a possibilidade de voltar a concorrer a presidência.
Nesse ínterim, consideramos, mais uma vez, a preocupação proposital do ex-presidente em
preservar a sua face positiva perante a imprensa e os telespectadores.
Discurso político do ex-presidente Lula no Porto Nacional/TO, na inauguração de 256 km da Ferrovia
Norte-Sul, aos 21/09/2010; em palanque, critica adversários políticos e suas atuações de governo.
Lula: Quando eu criei o Bolsa Família acharam que era esmola...quando essas pessoas não conheciam isso essas pessoas ficavam dizendo que era assistencialismo, que era demagogia, que era populismo...”agora”...essas mesmas pessoas estão indignadas...como é que eles são tão sabidos...tão sabidos...e precisou chegar ao governo um não tão sabido como eles pra fazer o que os sabidos deveriam ter feito e não fizeram nesse país.
Nesse trecho, o item “agora” parece, a priori, manter o seu valor dêitico-temporal
porque veicula uma relação de proximidade temporal do momento presente “agora” com um
momento passado: “quando eu criei...”
Ao mesmo tempo, observamos uma organização transitória de locativo temporal para
marcador discursivo que estabelece coesão entre os termos e que reforça a imagem de um
político competente que governa em favor dos menos favorecidos e realiza projetos que
outros políticos não conseguiram realizar.
Há um traço transitório também porque, no que concerne mudança de categoria
gramatical nos âmbitos da Gramaticalização, percebemos o processo de transformação do
advérbio para conjunção ao observar que o item “agora”, nesse discurso, parece conferir uma
característica de adversidade. Ou seja, além da equivalência semântica de “agora” com “no
momento presente”, o mesmo termo parece indicar função de contraste, podendo ser
substituído por “no entanto”, “só que”, “mas”, numa instável oscilação classificatória
gramatical que ora o valor se dá por meio de advérbio temporal, ora se dá por conjunção
adversativa.
Dessa forma, podemos perceber o uso do “agora”, que caracterizamos como
gramaticalização, também usado como um componente desarmador, cuja função é rebater e
neutralizar a crítica ou a desmoralização do entrevistado, fazendo com que ele se coloque de
modo defensivo. Sendo assim, compreende-se que seu emprego é uma estratégia que visa à
preservação da face positiva.
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Considerações finais
Neste artigo, procuramos descrever e explicar a mudança gramatical no uso do item
“agora” no discurso político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com base na teoria
dos processos de gramaticalização.
Essa mudança pela qual vem passando o item ao longo do tempo passa por uma
trajetória que vai desde a sua origem etimológica, “hac hora”, cujo valor é o de locativo
temporal até o valor de conjunção adversativa. Nesse sentido, admitimos que, segundo
Hopper e Traugott (1993), “o surgimento de novos sentidos não põe fim ao mais antigo,
podendo coexistir e interagir, dentro de um contexto determinado”.
Nosso corpus, formado por três entrevistas e um discurso do ex-presidente Lula,
contém análises do item “agora” com função temporal, conforme caracterizado pela GT,
também na função gramaticalizada como conjunção adversativa e também na função
discursiva, sendo esses dois últimos valores comuns à conversação.
Pudemos verificar, com base na análise das entrevistas que o uso do “agora” encontra-
se em estágio de gramaticalização, porém o uso como advérbio de tempo não é descartado,
mas a ele é dado novos sentidos, de forma que ele se adapta às intenções comunicativas no
discurso.
Nesse caso, salientamos que o sentido temporal presente na origem de “agora” é tão
evidente no português brasileiro quanto as mudanças semânticas que o termo tem assumido, o
que vale dizer, do ponto de vista sincrônico, que as gramáticas da língua portuguesa não
apresentam uma análise satisfatória e abrangente do item “agora”, pois não descrevem as
diversas funções do termo, mas limitam-se apenas à classificação dos advérbios.
Por meio das análises, verificamos que o termo “agora” funciona, em alguns
momentos, como marcador oracional usado na fala do ex-presidente, o qual, de forma
voluntária, emprega-o para contrapor-se a questões que feririam a preservação da sua imagem
positiva frente aos eleitores. Assim, o termo “agora” foi usado como estratégia de defesa
pelo falante para marcar discordância sem “arranhar” a face de seus interlocutores.
Além de modificador do verbo, adjetivo e do advérbio, o “agora” pode, dependendo
do contexto discursivo e da intenção do falante, funcionar como conjunção. Observamos
também que ele, em seu processo de gramaticalização, vai perdendo características de sua
categoria gramatical de advérbio, passando à função de conjunção adversativa ou operador
discursivo.
Neste artigo, detemo-nos não somente às considerações do uso do “agora” como
advérbio de tempo, procuramos também descrever o ganho de um novo valor gramatical no
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item analisado, bem como sua marcação discursiva usada na preservação da imagem do
entrevistado. Não houve pretensão de se esgotar o assunto, mas apenas constatar, por meio
das análises, o comportamento do item “agora” no discurso político contemporâneo.
Referências
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Anais do XX Seminário do CELLIP – Centro de Estudos Linguísticos e Literários do Paraná
CELLIP 25 anos | Londrina, UEL | 25 a 27 de outubro de 2011
ISSN 2175-2540
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