Utilização de auxiliares odontológicos em Ortodontia implicações éticas e legais

download Utilização de auxiliares odontológicos em Ortodontia  implicações éticas e legais

of 8

Transcript of Utilização de auxiliares odontológicos em Ortodontia implicações éticas e legais

Artigo indito

Utilizao de auxiliares odontolgicos em Ortodontia - implicaes ticas e legaisRhonan Ferreira da Silva*, Andr da Costa Monini**, Eduardo Daruge Jnior***, Luiz Francesquini Jnior***, Marcos Augusto Lenza****

Resumo

Introduo: o mercado de trabalho tem se mostrado saturado de profissionais atuando nos grandes centros urbanos e, por este motivo, as estratgias de produtividade so imprescindveis. A delegao de funes aos auxiliares odontolgicos tem se tornado vital e corriqueira para aqueles que exercem a Ortodontia. Objetivo: conhecer o perfil do cirurgio-dentista especialista nesta rea e as funes delegadas por ele equipe auxiliar. Metodologia: foi aplicado um questionrio a todos os especialistas em Ortodontia e Ortopedia Facial inscritos no Conselho Regional de Odontologia de Gois, com atividade em Goinia e Aparecida de Goinia. Resultados e Concluses: os resultados demonstraram que os ortodontistas, de um modo geral, aproveitam bem a mo-de-obra auxiliar chegando at a ultrapassar os limites tico-legais.Palavras-chave:Ortodontia.AuxiliaresdeOdontologia.Odontologialegal.tica.

INTRODUO Atualmente, o tratamento ortodntico corretivo vem sendo parcialmente desmistificado, devido ao surgimento de novos conhecimentos aliado ao desenvolvimento de novas tcnicas, materiais e procedimentos, tornando-o mais acessvel para que uma maior quantidade de profissionais o execute. Neste nterim, a grande oferta de cursos de ps-graduao contribuiu para que a Ortodontia se encontrasse inserida num contexto competitivo, tendo seu acesso facilitado pela considervel oferta de mo-de-obra que disputa o mercado. A popularizao da Ortodontia fez com que os profissionais que atuam nesta rea adquirissem m-

todos que agilizassem o atendimento dos pacientes, com o intuito de aumentar a produtividade e diminuir custos. Dentre os diversos mtodos, destacam-se a adaptao do local de trabalho para o atendimento simultneo de pacientes e a delegao da maior quantidade possvel de funes equipe auxiliar. De um modo geral, a utilizao de pessoal auxiliar no consultrio odontolgico torna-se fundamental para se conseguir um aumento na produtividade, estando tambm relacionada com a melhoria da qualidade de trabalho, diminuio do estresse e fadiga profissional alm da possibilidade de execuo dos procedimentos com maior ergonomia e diminuio do custo

*MestreemOdontologiaLegalFOP/UNICAMP.ProfessordeOdontologiaLegalUNIP(GO). **EspecializandoemOrtodontiaFOAr/UNESP. ***ProfessorDoutoremOdontologiaLegalFOP/UNICAMP. ****DoutoremOrtodontiaeOrtopediaFacialpelaUniversidadedeNebraska(EUA).ProfessorTitulardeOrtodontiaFO-UFG.

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

121

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006

Utilizao de auxiliares odontolgicos em Ortodontia - implicaes ticas e legais

operacional8,10,11,13,17,21. Primordialmente, a participao dos auxiliares odontolgicos estava relacionada com o atendimento pblico visando minimizar um problema social de acesso aos servios odontolgicos15, mas hoje estes profissionais so utilizados para otimizar o atendimento clnico nos consultrios de um modo geral. Inserida neste contexto, a equipe auxiliar odontolgica assume um papel fundamental para a agilizao do tratamento odontolgico. Das diversas categorias de profissionais auxiliares, as que tm uma relao mais estreita com a Ortodontia so a secretria, o Tcnico em Higiene Dental (THD) e o Atendente de Consultrio Dentrio (ACD). No consultrio odontolgico, secretria a funo exercida por quem auxilia o profissional da Odontologia em questes administrativas (recepo, agenda de pacientes, correspondncias, dentre outras funes) e que no possui curso de formao ou habilitao legal para exercer as atribuies de ACD ou THD. Recentemente, o ACD teve a sua nomenclatura modificada para Auxiliar de Consultrio Dentrio, por meio da Deciso n 47 editada pelo Conselho Federal de Odontologia4. As categorias de THD e ACD tiveram os seus currculos mnimos de formao estabelecidos por meio do Parecer n 460/75 do Ministrio da Educao, mas a rea de atuao bem como as atribuies especficas de cada funo esto atualmente regulamentadas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), por meio da Resoluo CFO 063/20053. Esta resoluo revogou a antiga Consolidao das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia, editada pela Resoluo CFO n 185/93, mas conservou boa parte do seu contedo, inclusive aquele relacionado com as atribuies especficas da equipe auxiliar odontolgica. Recentemente, o Ministrio da Sade publicou um manual2, sustentado pelo Cdigo de tica Odontolgica5 e na antiga Resoluo CFO 185/93, contendo o perfil de competncias profissionais do THD e do ACD com o intuito de fornecer subsdios s instituies formadoras. A observao destas nor-

mas propicia ao cirurgio-dentista a possibilidade de delegar diversas funes equipe auxiliar sem, contudo, ferir os princpios ticos e legais que regem o exerccio da Odontologia. Tendo em vista a importncia da utilizao de pessoal auxiliar na prtica odontolgica, torna-se apropriado analisar se o especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial tem conhecimento das funes que podem ser delegadas a esta equipe (THD, ACD e secretria), correlacionando com as atribuies permitidas e estabelecidas na legislao vigente, bem como analisar o perfil dos profissionais que exercem esta especialidade. MATERIAL E MTODO Para a realizao do presente estudo elaborou-se um questionrio contendo questes estruturadas, as quais sinalizam aspectos inerentes formao profissional do especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, devidamente inscrito no Conselho Regional de Odontologia de Gois (CRO-GO), atualizao de seus conhecimentos e delegao de funes equipe auxiliar. Algumas questes eram compostas por mltiplas alternativas, podendo os ortodontistas assinalarem mais de uma. Nestes questionrios foi assegurada, a cada participante, a confidencialidade das informaes prestadas, alm do uso exclusivo para fins de pesquisa, por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que os mesmos, em nmero de 95, foram aplicados nos municpios de Goinia e Aparecida de Goinia, ambos no Estado de Gois. A presente pesquisa foi devidamente aprovada pelo Comit de tica em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba UNICAMP, sob o nmero 137/2003. Os dados obtidos nos questionrios foram informatizados e, para tal, foi confeccionado um banco de dados, utilizandose planilhas do Microsoft Excel 2000. O mesmo programa foi utilizado para o levantamento das freqncias das respostas e os resultados foram analisados por estatstica descritiva.

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

122

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006

Silva, R. F.; MOnini, a. c.; DaRUge JniOR, e.; FRanceSqUini JniOR, l.; lenza, M. a.

RESULTADOS Dos 95 questionrios aplicados, 84 (88,4%) foram devolvidos e apresentavam-se devidamente respondidos. Dentre o total de questionrios vlidos (84), observou-se que 61,9% da amostra eram compostos por profissionais do gnero masculino e o restante (38,1%) era do gnero feminino. Quando analisado o perfil de formao dos profissionais entrevistados, constatou-se que 60,7% se graduou em faculdades de Odontologia pblicas e os demais (39,3%) em instituies particulares. Em relao formao de ps-graduao em Ortodontia e Ortopedia Facial, 83,3% dos entrevistados possua especializao nestas reas, 21,4% possua mestrado e 2,4% doutorado. Em relao freqncia de atualizao dos conhecimentos em Ortodontia, 31% buscam cursos relacionados a esta rea trimestralmente, 21,4% semestralmente, 13,1% anualmente e os demais em outra periodicidade. Analisando o tempo de exerccio profissional como especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, constatou-se que 30,9% atuavam em um perodo inferior a cinco anos, 32,1% entre cinco e dez anos, 27,4% entre dez e vinte anos e 9,6% em um perodo superior a vinte anos. Com relao ao local de trabalho, todos os entrevistados atuavam em clnica particular, 9,5%

tambm trabalhavam em instituies de ensino superior, 4,8% em servio pblico e 3,6% em clnicas de terceiros. Em relao obteno de conhecimentos e orientaes odonto-legais, verificou-se que 85,7% da amostra cursaram a disciplina de Odontologia Legal e/ou tica na graduao e 60,7% na psgraduao. Com relao ao emprego de profissional auxiliar, constatou-se que 73,8% empregavam ACD, 72,6% secretria e 16,7% trabalhavam com THD, conforme tabela 1. Quando questionado ao ortodontista sobre onde est presente a legislao que estabelece quais as funes que podem ser delegadas equipe auxiliar, 53,6% no sabiam, 25% citaram a resoluo CFO 185/93 (que corresponde atualmente Resoluo CFO 063/20053) e 21,4% citaram o Cdigo de tica Odontolgica (CEO)5. Quando questionado ao ortodontista se os profissionais da sua equipe auxiliar trabalhavam diretamente com o paciente, 38% relataram que no e o restante (62%) respondeu que sim ou eventualmente. Do total de ortodontistas, 67,8% relataram que esto presentes fisicamente quando os profissionais

Tabela 1 - Relao dos profissionais auxiliares que trabalham junto ao ortodontista.categoria profissional acD secretria acD e secretria THD acD (exclusivamente) secretria (exclusivamente) THD, acD e secretria THD e acD no emprega THD e secretria n = 84. nmero de profissionais 62 61 36 14 14 16 7 5 4 2 % 73,8 72,6 42,8 16,7 16,7 19 8,3 6 4,8 2,4

Tabela 2 - Funes estabelecidas na Resoluo cFO 063/20053 que podem ser delegadas pelos ortodontistas aos THD.funes delegadas pelo ortodontista realizar teste de vitalidade pulpar realizar a remoo de indutos, placas e clculos supragengivais responder pela administrao da clnica fazer a tomada e revelar radiografias intrabucais participar do treinamento de auxiliar de consultrio Dentrio (acD) confeccionar modelos fazer a demonstrao de tcnica de escovao preparar moldeirasn = 84.

freqncia absoluta 0 8 13 21 49 65 69 73 relativa (%) 0 9,5 15,5 25 58,3 77,4 82,1 87

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

123

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006

Utilizao de auxiliares odontolgicos em Ortodontia - implicaes ticas e legais

da equipe auxiliar esto trabalhando diretamente com o paciente, 26,2% no e 6% esto presentes eventualmente. Dentre as diversas funes delegadas pelo ortodontista equipe auxiliar odontolgica, as presentes na tabela 2 esto enumeradas como atribuies legalmente permitidas para o THD e na tabela 3 as permitidas para o ACD realizarem junto ao ci-

rurgio-dentista. Na tabela 4 foram relacionados outros procedimentos, comuns da rotina de tratamento ortodntico, e que no esto relacionados na Resoluo CFO 063/20053. DISCUSSO Nos tempos atuais, a Odontologia presencia um momento em que o mercado de trabalho apresen-

Tabela 3 - Funes estabelecidas na Resoluo cFO 063/20053 que podem ser delegadas pelos ortodontistas ao acD.funes delegadas pelo ortodontista revelar e montar radiografias intrabucais aplicar mtodos preventivos para controle da crie dentria selecionar moldeiras controlar o movimento financeiro preencher e marcar fichas clnicas confeccionar modelos de gesso orientar o paciente sobre higiene bucal manipular materiais de uso odontolgico auxiliar no atendimento ao paciente instrumentar o cirurgio-dentista e o THD junto cadeira operatria preparar o paciente para o atendimento proceder a conservao e a manuteno do equipamento odontolgico manter em ordem arquivo e fichrio marcar consultasn = 84.

freqncia absoluta 24 46 46 50 51 65 69 72 74 75 76 77 81 81 relativa (%) 28,6 54,8 54,8 59,5 60,7 77,4 82,1 85,7 88,1 89,3 90,5 91,7 96,4 96,4

Tabela 4 - Funes no estabelecidas na Resoluo cFO 063/20053 delegadas pelos ortodontistas equipe auxiliar.funes delegadas pelo ortodontista ativao de grampos e/ou molas de aparelhos ortodnticos remoo da resina que fica aderida nos dentes aps a retirada do aparelho ortodntico colagem direta de braquetes remoo do aparelho ortodntico troca de fios ortodnticos colagem da conteno fixa adaptao (calcar) e/ou cimentar de bandas ortodnticas retirada ou colocao de alastic/amarrilhos realizao de moldagens de estudo colocao de borrachas para a separao de dentesn = 84.

freqncia absoluta 0 5 6 6 12 14 16 36 39 55 relativa (%) 0 6 7,1 7,1 14,3 16,7 19 42,8 46,4 65,5

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

124

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006

Silva, R. F.; MOnini, a. c.; DaRUge JniOR, e.; FRanceSqUini JniOR, l.; lenza, M. a.

ta-se repleto de profissionais atuando nos grandes centros urbanos e um dos fatores que agravou esta situao foi a abertura indiscriminada de cursos de graduao e ps-graduao. Em maio de 2005, a pgina na internet do CFO continha, cadastrados em seu banco de dados, 170 cursos de graduao em Odontologia no pas, sendo que 28,8% destes eram oferecidos somente no estado de So Paulo6. Alm disso, a proliferao de planos de sade, convnios, dentre outras entidades que atuam direta ou indiretamente no mbito odontolgico, acirrou a disputa de mercado entre os cirurgies-dentistas na conquista de um maior nmero de pacientes. Certos tratamentos, como a Ortodontia corretiva, esto atualmente com o acesso facilitado ao pblico pela grande quantidade de profissionais que os executam. No Brasil, em maio de 2005, havia 6.605 especialistas em Ortodontia e Ortopedia Facial inscritos em todos os Conselhos Regionais de Odontologia (CRO), sendo que 32,8% estavam inscritos somente no CRO-SP6. Esta grande oferta de mo-de-obra especializada aumentou a concorrncia profissional, pois alm de disputarem os pacientes entre si, estes profissionais tambm concorrem com os clnicos gerais, que tiveram a facilitao do aprendizado da Ortodontia corretiva pela enorme oferta de cursos de aperfeioamento nesta rea. Uma das formas de se obter um aumento na produtividade inserindo a equipe odontolgica auxiliar na execuo das funes que lhe so permitidas e que esto estabelecidas na legislao que norteia a profisso. O presente trabalho observou que 95% dos ortodontistas entrevistados utilizam-se desta conduta, constituindo um resultado maior que os encontrados por Eleutrio e Silva Filho7 (81%); Serra17 (79,4); Serra, Sasso Garcia18 (83,2%) e Saliba et al.14 (37,5%), demonstrando que os profissionais que exercem esta especialidade esto atentos para este quesito. No entanto, quase a metade (45,2%) dos ortodontistas no utiliza o seu pessoal auxiliar na aplicao de mtodos preventivos para controle da

crie dentria e no delega diversas outras funes que so permitidas pela legislao vigente (Tab. 2, 3). Serra e Sasso Garcia18 observaram que a instrumentao do cirurgio-dentista era uma funo delegada por 58% dos profissionais entrevistados e neste trabalho, quase 90% dos ortodontistas se beneficia desta conduta, demonstrando que estes profissionais necessitam e usufruem mais desta vantagem quando comparados com as pesquisas realizadas com clnicos gerais. Diante da grande utilizao de profissionais auxiliares na Ortodontia, surge um ponto polmico e que necessita de uma abordagem criteriosa: quais as atribuies que podem ou devem ser delegadas equipe auxiliar? Para as categorias reconhecidas pelo CFO (THD e ACD), esta resposta est atualmente presente na Resoluo CFO 063/20053, norma esta que relaciona quais as atribuies especficas de cada categoria. A no observao destas orientaes normativas pode propiciar a instaurao de processos ticos ou criminais contra o ortodontista e contra o profissional auxiliar por extrapolar os limites de sua atuao19. Na prtica ortodntica, onde o especialista nesta rea pode trabalhar com mais de um profissional auxiliar (Tab. 1), imprescindvel que o mesmo tenha conhecimento das atribuies que podem ser delegadas, de acordo com a legislao vigente. Como exemplo, pode-se citar a realizao de uma moldagem de estudo, necessria para a avaliao da execuo do tratamento. Sabendo que na obteno dos modelos de gesso esto envolvidas as fases de seleo das moldeiras, preparao do material e a confeco dos modelos em gesso, observou-se que estas funes eram delegadas por 54,8%, 87% e 77,4% dos entrevistados, respectivamente. Considerando que a moldagem propriamente dita atividade privativa do cirurgio-dentista, constatou-se que 46,4% dos entrevistados delegava esta funo equipe auxiliar. Estes resultados demonstram que a maior parte dos ortodontistas envolve a equipe auxiliar durante o procedimento de obteno de modelos, inclu-

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

125

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006

Utilizao de auxiliares odontolgicos em Ortodontia - implicaes ticas e legais

sive permitindo que estes profissionais extrapolem suas atribuies especficas, ao delegar a realizao da moldagem de estudo. Os procedimentos relacionados na tabela 4, dentre eles a realizao de moldagens de estudo, colagem direta de braquetes e a colagem de conteno fixa, constituem atribuies especficas do cirurgio-dentista e, de acordo com a legislao vigente, no podem ser delegados equipe auxiliar. Ao considerarmos que a atribuio de uma funo est baseada na reversibilidade do ato18, seria justificvel delegar alguns procedimentos em Ortodontia que no esto descritos na legislao vigente, dentre eles a retirada de elsticos de separao dentria e de alastic/amarrilho. Na execuo destes atos, a probabilidade de ocasionar dano ao paciente mnima, o que no traria prejuzo ao tratamento. Entretanto, a delegao destes procedimentos e de outros que a classe odontolgica julgar pertinente, como a realizao de moldagem de estudo, s seria permitida aps a incluso dos mesmos numa prxima reviso da norma regulamentadora. Por outro lado, a reviso desta norma legal deve considerar a necessidade de conhecimento tcnico-cientfico na realizao do procedimento, estando sensvel aos riscos inerentes execuo do ato. Kharbanda et al.9 relataram o caso de uma garota que engoliu uma coroa metlica durante uma sesso de tratamento ortodntico. A paciente foi monitorada radiograficamente e o objeto deglutido foi recuperado no quinto dia aps o acidente, sem necessidade de interveno cirrgica. Milton et al.12 relataram trs outros casos onde foram deglutidas partes de aparelhos ortodnticos (fios e braquetes) de pequenas dimenses e que no causaram danos aos pacientes. Entretanto, podem ocorrer acidentes decorrentes do uso de um aparelho ortodntico onde uma interveno cirrgica torna-se necessria, como no caso relatado por Abdel-Kader1, onde uma barra transpalatina quebrou e foi deglutida por uma paciente de doze anos, quando esta se alimentava. Como a colocao dos fios e bandas e a colagem de braquetes constituem

atos indelegveis na prtica ortodntica, de acordo com a norma regulamentadora vigente, qualquer acidente ocorrido durante a execuo destes procedimentos ser de responsabilidade direta do ortodontista. Alm disso, compete ao profissional a inspeo dos objetos, materiais e aparelhos que sero utilizados ou colocados na cavidade bucal do paciente, pois estes integram o tratamento estabelecido pelo cirurgio-dentista. No presente trabalho, constatou-se que a substituio de fios ortodnticos (14,3%), colagem de conteno fixa (16,7%) e adaptao e/ou cimentao de bandas ortodnticas (19%) esto sendo delegados equipe auxiliar. Este tipo de conduta apresenta pequeno risco imediato sade do paciente, mas exige grande conhecimento tcnicocientfico do profissional, podendo causar complicaes para o tratamento, caso sejam executados inadequadamente. A remoo do aparelho ortodntico, delegada por 7,1% da amostra, e outros procedimentos possuem um risco de dano imediato maior, podendo levar fratura do elemento dentrio ou desgaste desnecessrio da superfcie do esmalte durante a remoo do braquete. Desse modo, estes procedimentos devem ser executados obrigatoriamente pelo ortodontista, no podendo ser delegados equipe auxiliar. Cabe ressaltar que a assistncia prestada pela equipe auxiliar, que pode atuar diretamente na cavidade bucal do paciente, exige a indispensvel superviso do cirurgio-dentista, alm da sua presena fsica durante a realizao do procedimento3. Esta conduta no foi adotada por quase um tero da amostra (32,2%), configurando uma infrao passvel de punio, de acordo com as normas legais vigentes. A delegao de procedimentos a serem realizados na cavidade bucal do paciente, que no esto discriminados na resoluo CFO 063/20053, constitui infrao tica com sanses administrativas e multa aplicveis tanto ao ortodontista quanto ao profissional auxiliar inscrito no CRO, pela conivncia com o exerccio ilegal da Odontologia,

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

126

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006

Silva, R. F.; MOnini, a. c.; DaRUge JniOR, e.; FRanceSqUini JniOR, l.; lenza, M. a.

conforme estabelece o artigo 9, IV do Cdigo de tica Odontolgica5. Alm disso, aquele que exerce a Odontologia de modo ilegal ou extrapolando os seus limites, infringe o artigo 282 do Cdigo Penal Brasileiro podendo ser penalizado com deteno alm de possvel multa. No que se refere formao odonto-legal dos ortodontistas, observou-se que 85,5% tiveram acesso a estes conhecimentos ainda durante a graduao e 60,7% um reforo na ps-graduao. No entanto, apenas 25% relataram saber onde est presente a legislao que regulamenta as atribuies delegveis equipe auxiliar, indicando que esta informao no est completamente consolidada, mesmo com 83,3% dos ortodontistas atualizando os seus conhecimentos pelo menos uma vez ao ano. Desse modo, torna-se necessria a busca de informaes sobre a legislao que envolve o exerccio de suas atividades profissionais, pelo dinamismo das modificaes nas normas regulamentadoras, culminando em mudanas de conduta e comportamento. O atual estgio da Odontologia, no que diz respeito ao acesso ao tratamento e quantidade de profissionais no mercado, mostra que a delegao de funes aos auxiliares um processo irreversvel, principalmente quando relacionado ao tratamento ortodntico. Em outros pases, a atuao dos auxiliares na Ortodontia apresenta-se bem mais abrangente que no Brasil. Seeholzer et al.16 constataram, em uma pesquisa realizada em vinte

e dois pases da Europa, que a cimentao de bandas e a colocao/remoo de arcos eram funes delegadas aos auxiliares odontolgicos em 5 e 10 pases, respectivamente. Na Escandinvia, os auxiliares podem ajustar separadores dentrios, colar braquetes, remover arcos e aparelhos fixos20. Diante destes fatos e sabendo que diversos procedimentos realizados na prtica ortodntica, no permitidos pela legislao vigente, esto sendo delegados equipe auxiliar; seria prudente a reviso responsvel da norma que define a atuao destes profissionais junto ao ortodontista. Permitir novas delegaes nas diversas especialidades odontolgicas proporcionaria ao cirurgio-dentista uma adequao realidade atual do mercado de trabalho e regulamentaria alguns procedimentos que j esto sendo delegados equipe auxiliar. CONCLUSES A partir dos dados obtidos e de acordo com a metodologia empregada, lcito concluir que: - Diversos procedimentos no permitidos pela legislao esto sendo delegados pelo ortodontista equipe auxiliar. - Apenas 25% dos ortodontistas entrevistados indicou corretamente onde est presente a legislao que regulamenta as atribuies da equipe auxiliar odontolgica.

Enviadoem:maiode2005 Revisadoeaceito:julhode2005

Utilization of dental assistants in Orthodontics - ethics and legal implicationsAbstract Introduction: theworkmarkethasbeenshowntobesaturatedwithprofessionalsworkingatlargeurbancentersand, forthisreason,productivestrategiesareindispensable.Thedelegationoffunctionstodentalassistantsisbecoming vitalandquitecommonforthosethatworkwithOrthodontics.Aim: toevaluatetheprofileoftheorthodontistsand theworkloaddelegatedbythemtothedentalassistantteam.Methods: aquestionnairewasgiventoallspecialists inOrthodonticsandDentofacialOrthopedicsregisteredattheRegionalCouncilofDentistryofGois,withpractices in Goinia and Aparecida de Goinia. Results and Conclusions: the results demonstrated that orthodontists, in general,takeadvantageoftheworklaborofthedentalassistantsevensurpassingtheethical-legallimits. Key words:Orthodontics.Dentalassistants.ForensicDentistry.Ethics.

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

127

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006

Utilizao de auxiliares odontolgicos em Ortodontia - implicaes ticas e legais

REfERNCIASABDEL-KADER,K.M.Brokenorthodontictrans-palatalarchwire stuck to the throat of orthodontic patient: is it strange? Eur J Orthod,London,v.30,no.1,p.11,2003. 2. BRASIL.MinistriodaSade.Perfil de competncias profissionais do tcnico em higiene dental e do auxiliar de consultrio dentrio. Braslia, DF, 2004. Disponvel em: .Acessoem:2maio2005. 3. CONSELHOFEDERALDEODONTOLOGIA.Consolidao das normas para procedimentos nos conselhos de Odontologia: ResoluoCFO063/2005.RiodeJaneiro,2005.Disponvelem: .Acessoem:2maio2005. 4. CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Altera a denominao de atendente de consultrio dentrio e d outras providncias:Decison47.RiodeJaneiro.2003. Disponvel em: . Acesso em: 2 maio2005. 5. CONSELHOFEDERALDEODONTOLOGIA.Cdigo de tica Odontolgica:Resoluon42.RiodeJaneiro,2003. 6. CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA (CFO). Dados do CfO. Disponvel em: . Acesso em: 2 maio2005. 7. ELEUTRIO,D.;SILVAFILHO,F.P.M.Freqnciadautilizao daauxiliarodontolgicanaatividadeclnicadocirurgio-dentista.Rev Assoc Paul Cir Dent,SoPaulo,v.35,n.2,p.118-124, 1981. 8. FIGLIOLI,M.D.;PORTO,F.A.Posiesdetrabalhoparaocirurgio-dentista e auxiliar. Parte I. Uso do dique de borracha nospreparoscavitrioscomvisodireta.Odontol Mod,Riode Janeiro,v.19,n.3,p.14-20,1992. 9. KHARBANDA, O. P.; VARSHNEY, P.; DUTTA, U. Accidental swallowingofagoldcastcrownduringorthodontictoothseparation.J Clin Pediatr Dent,Birmingham,v.19,no.4,p.289-292, 1995. 10. LEITE, I. N.; PINTO, V. G. Odontologia: um mercado cativo. RGO,PortoAlegre,v.31,n.1,p.41-46,jan./mar.1983. 11. MARQUART,E.Odontologia ergonmica a quatro mos.Rio deJaneiro:QuintessnciadoBrasil,1980. 1. 12. MILTON, T. M.; HEARING, S. D.; IRELAND, A. J. Ingested foreign bodies associated with orthodontic treatment: report of threecasesandreviewofingestion/aspirationincidentmanagement.Br Dent J,London,v.190,no.11,p.592-596,2001. 13. PEREIRA, A. C.; MOREIRA, B. H. W. A utilizao do auxiliar odontolgico para o aumento da produtividade nos servios pblicos. Rev Assoc Paul Cir Dent, So Paulo, v. 46, n. 5, p.851-854,1992. 14. SALIBA,T.A.etal.Trabalhoodontolgicoauxiliadoemserviospblicoseparticulares.RPG Rev Pos-Grad,SoPaulo,v.5, n.3,p.171-176,jul./set.1998. 15. SBRAVATI, R. S.; MENEGHIM, M. C.; PEREIRA, A. C. THD no mercadodetrabalho.Umarealidade?ROBRAC,Goinia.v.8, n.25,ago.1999. 16. SEEHOLZER,H.etal.Asurveyofthedelegationoforthodontic tasksandthetrainingofchairsidesupportstaffin22European countries.Eur J Orthod,London,v.27,no.3,p.279-282,Sept. 2000. 17. SERRA,M.C.Anlise dos sistemas de trabalho adotados por cirurgies-dentistas brasileiros, em consultrios particulares (montagem do consultrio odontolgico e utilizao de pessoal auxiliar):influnciadolocaletempodegraduao.1996. Tese(Doutorado).FaculdadedeOdontologia,UniversidadeEstadualPaulista,Araraquara,1996. 18. SERRA,M.C.;SASSOGARCIA,P.P.Delegaodefunes:utilizao de pessoal auxiliar na clnica odontolgica. Rev ABO Nac,SoPaulo,v.10,n.2,p.98-104,abr./maio2002. 19. TOMASSO, S. Atribuies dos auxiliares odontolgicos e suas implicaes ticas e legais.2001.Dissertao(Mestrado)FaculdadedeOdontologiadePiracicaba.UniversidadeEstadualdeCampinas,Piracicaba,2001. 20. TURNER,P.J.;PINSON,R.R.Traininghygienistsforanauxiliary roleinorthodontics.Br Dent J,London,v.175,no.6,p.209-213, Sept,1993. 21. WALSH,M.M.Theeconomiccontributionofdentalhygienists activities to dental practice: review of the literature. ASDC J Dent Child,Chicago,v.47,no.4,p.193-197,1987.

Endereo para correspondncia Rhonan Ferreira da Silva Avenida Arum Qd. 186 Lt. 06, Parque Amaznia CEP: 74.835-320 Goinia/GO E-mail: [email protected]

R Dental Press Ortodon Ortop Facial

128

Maring, v. 11, n. 5, p. 121-128, set./out. 2006