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PSICOLOGIA, SAÚDE & DOENÇAS, 2000, 1 (1), 19-25 AJUSTAMENTO EMOCIONAL, AFECTIVIDADE E ESTRATÉGIAS DE COPING NA DOENÇA DO FORO ONCOLÓGICO Maria Alexandra Soares 2 , Maria de Jesus Moura 1 , Marina Carvalho 2 , & Américo Baptista 2 1 Instituto Português de Oncologia 2 Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia RESUMO: As relações entre o ajustamento emocional, as estratégias de coping, a afectividade e a percepção da doença foram avaliadas numa amostra de 40 indivíduos (20 homens e 20 mulheres) com doença do foro oncológico. Os resultados obtidos mostraram a existência de diferenças entre os sexos relativa- mente às dimensões do ajustamento emocional referentes à depressão e às obsessões-compulsões, às estratégias de coping que se referiam à manutenção de actividades e independência e à regulação afectiva e aos aspectos da percepção da doença que se relacionavam com a identidade da mesma. O ajustamento emocional, as estratégias de coping, a afectividade e a percepção da doença mostraram estar associadas de modo teoricamente esperado, mostrando a importância dos factores psicológicos no ajustamento à doença oncológica. Palavras chave: Ajustamento emocional, Coping, Afectividade, Percepção da doença, Doença do foro oncológico. EMOTIONAL ADJUSTMENT, AFFECTIVITY AND COPING IN CANCER PATIENTS ABSTRACT: The relationships between emotional adjustment, coping, affectivity and illness perception were studied in 40 cancer patients (20 men and 20 women). The results showed the existence of statistically significant differences for coping strategies referring to activities maintenance and independence and affective regulation and for the dimensions of illness perception related to illness identity. Emotional adjustment, coping strategies, affectivity and illness perception were associated according to the theoretical models, showing the role of psychological factors in the adjustment to cancer disease. Key-words: Emotional adjustment, Coping, Affect, Illness perception, Cancer. A doença oncológica encontra-se incluída no grupo das enfermidades que ameaçam a integridade física e psicológica do indivíduo, tendo, portanto, um impacto profundo na forma como os indivíduos se percepcionam e percepcionam o ambiente social que os rodeia (Aapro, 1997). São várias as investigações efectuadas com o objectivo de avaliar a relação entre as estratégias de coping, o ajustamento emocional, a percepção da doença e a qualidade de vida do indivíduo afectado (Lazarus & Folkman, 1984; Massie & Holland, 1989; McCrae, 1984; Pearlin & Schroder, 1978; Rowland, 1990). De acordo com Merluzzi e Sanchez (1997), os indivíduos que utilizam estilos de coping funcionais, têm melhores aptidões de confronto perante as exigências envolvidas no diagnóstico da doença, aderem melhor ao tratamento e estão melhor ajustados emocionalmente relativamente à mesma. A percepção da doença está associada ao modo como os indivíduos a interpretam o que, por sua vez, pode influenciar o seu ajustamento emocional (Weinman, Petrie, Moss-Morris, & Horne, 1990). Numa investigação efectuada com o objectivo de estudar as relações entre a percepção da doença, as estratégias de coping e o ajustamento emocional em adultos com doença Os autores agradecem aos directores dos diversos serviços do Instituto Português de Oncologia de Lisboa as facilidades concedidas em relação á recolha dos dados relativos a esta investigação.

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  • PSICOLOGIA, SADE & DOENAS, 2000, 1 (1), 19-25

    AJUSTAMENTO EMOCIONAL, AFECTIVIDADE EESTRATGIAS DE COPING NA DOENA DO FORO ONCOLGICO

    Maria Alexandra Soares2, Maria de Jesus Moura1, Marina Carvalho2, & Amrico Baptista21Instituto Portugus de Oncologia

    2Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologia

    RESUMO: As relaes entre o ajustamento emocional, as estratgias de coping, aafectividade e a percepo da doena foram avaliadas numa amostra de 40indivduos (20 homens e 20 mulheres) com doena do foro oncolgico. Osresultados obtidos mostraram a existncia de diferenas entre os sexos relativa-mente s dimenses do ajustamento emocional referentes depresso e sobsesses-compulses, s estratgias de coping que se referiam manuteno deactividades e independncia e regulao afectiva e aos aspectos da percepo dadoena que se relacionavam com a identidade da mesma. O ajustamentoemocional, as estratgias de coping, a afectividade e a percepo da doenamostraram estar associadas de modo teoricamente esperado, mostrando aimportncia dos factores psicolgicos no ajustamento doena oncolgica.

    Palavras chave: Ajustamento emocional, Coping, Afectividade, Percepo dadoena, Doena do foro oncolgico.

    EMOTIONAL ADJUSTMENT, AFFECTIVITY ANDCOPING IN CANCER PATIENTS

    ABSTRACT: The relationships between emotional adjustment, coping, affectivityand illness perception were studied in 40 cancer patients (20 men and 20women). The results showed the existence of statistically significant differencesfor coping strategies referring to activities maintenance and independence andaffective regulation and for the dimensions of illness perception related to illnessidentity. Emotional adjustment, coping strategies, affectivity and illnessperception were associated according to the theoretical models, showing the roleof psychological factors in the adjustment to cancer disease.

    Key-words: Emotional adjustment, Coping, Affect, Illness perception, Cancer.

    A doena oncolgica encontra-se includa no grupo das enfermidades que ameaam aintegridade fsica e psicolgica do indivduo, tendo, portanto, um impacto profundo na formacomo os indivduos se percepcionam e percepcionam o ambiente social que os rodeia (Aapro,1997).

    So vrias as investigaes efectuadas com o objectivo de avaliar a relao entre asestratgias de coping, o ajustamento emocional, a percepo da doena e a qualidade de vidado indivduo afectado (Lazarus & Folkman, 1984; Massie & Holland, 1989; McCrae, 1984;Pearlin & Schroder, 1978; Rowland, 1990). De acordo com Merluzzi e Sanchez (1997), osindivduos que utilizam estilos de coping funcionais, tm melhores aptides de confrontoperante as exigncias envolvidas no diagnstico da doena, aderem melhor ao tratamento eesto melhor ajustados emocionalmente relativamente mesma.

    A percepo da doena est associada ao modo como os indivduos a interpretam o que, porsua vez, pode influenciar o seu ajustamento emocional (Weinman, Petrie, Moss-Morris, &Horne, 1990). Numa investigao efectuada com o objectivo de estudar as relaes entre apercepo da doena, as estratgias de coping e o ajustamento emocional em adultos com doena

    Os autores agradecem aos directores dos diversos servios do Instituto Portugus de Oncologia de Lisboa asfacilidades concedidas em relao recolha dos dados relativos a esta investigao.

  • do foro oncolgico, Scharloo et al. (1998) obtiveram resultados que mostraram que estratgias decoping passivas, crenas numa longa durao da doena e na gravidade das suas consequnciasassociaram-se a um mau funcionamento geral, nomeadamente a nvel social. Por outro lado,estratgias de coping de procura de suporte social e crenas na possibilidade de controlo e cura dadoena relacionaram-se significativamente com um melhor funcionamento geral.

    Dado o impacto do diagnstico de uma doena do foro oncolgico, inevitvel oaparecimento de alteraes emocionais nos indivduos que dela sofrem. Assim, o modo comoesses indivduos lidam com a doena, bem como a sua percepo acerca dos seus sintomas,causas, durao, consequncias e controlo, so variveis que podem explicar parte dasdiferenas individuais ao nvel do ajustamento emocional dos indivduos. Deste modo, nosentido de contribuir para uma melhor compreenso dos processos psicolgicos associados doena e, consequentemente, para uma maior eficcia das intervenes psicolgicas nesta reaque esta investigao tem como objectivo avaliar as relaes entre o ajustamento emocional, aafectividade, as estratgias de coping e a percepo da doena em doentes do foro oncolgico.

    MTODO

    Participantes

    A amostra utilizada neste estudo foi constituda por 40 indivduos adultos com doena doforo oncolgico (20 do sexo masculino e 20 do sexo feminino), com uma mdia de idades de43,8 (DP=13,9) e 42,3 anos (DP=17,2) respectivamente. O estudo das diferenas de gnerorelativamente s caractersticas demogrficas da amostra revelou apenas diferenasestatisticamente significativas no que diz respeito ao estado civil (2=8,08; p=0,04).

    Instrumentos

    Ajustamento Emocional. Avaliado pela Lista de Sintomas de Hopkins (SCL-90-R). Esteinventrio constitudo por noventa items para auto-avaliao de sintomas de desajustamentoemocional e avalia a psicopatologia em funo de nove dimenses primrias de sintomas:Somatizao, Obsesses-Compulses; Sensibilidade Interpessoal; Depresso; Ansiedade;Hostilidade; Ansiedade Fbica; Ideao Paranide e Psicoticismo. Os noventa items que ocompem so respondidos numa escala tipo Likert de cinco pontos, que varia entre 0 (Nunca)e 4 (Extremamente). A informao do nmero de sintomas com a sua intensidade, o nmero desintomas positivos (nmero de sintomas presentes) e o ndice de sintomas positivos (medida deintensidade ajustada para o nmero de sintomas presentes) so combinados no ndice Geral deSintomas. O estudo das suas propriedades psicomtricas na populao portuguesa revelouvalores adequados, tanto de consistncia interna como de estabilidade temporal. Foramencontrados coeficientes de Cronbach que variaram entre 0,77 e 0,90 para as novedimenses primrias e correlaes entre o teste e o reteste entre 0,78 e 0,90. Os estudosrealizados acerca da estrutura factorial, evidenciaram a concordncia com a estruturadimensional derivada clinicamente e confirmaram igualmente a sua invarincia atravs dosexo.

    Afectividade Positiva e Negativa. Avaliada pelo Positive and Negative Affect Schedule(PANAS, Watson, Clark, & Tellegen, 1988) que uma escala de auto-avaliao composta por20 items que medem o humor (afectividade positiva e negativa) em diferentes perodos detempo. A escala de Afecto Positivo constituda por items como entusiasmado, activo, alerta edeterminado. A escala de Afecto Negativo engloba items como aflito, assustado e perturbado.Os 20 items que compem a escala so avaliados individualmente numa escala tipo Likert decinco pontos, a qual varia entre Nada ou muito ligeiramente e Extremamente. No que

    20 M.A. SOARES, M.J. MOURA, M. CARVALHO, & A. BAPTISTA

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    respeita s suas caractersticas psicomtricas, Watson et al. (1988) encontraram valores deconsistncia interna, de Cronbach, entre 0,84 e 0,90.

    Estratgias de Coping. Avaliadas pelo Cancer Behavior Inventory (CBI, Merluzzi &Sanchez, 1997). Este inventrio avalia os sentimentos de auto-eficcia no modo de lidar com ocancro. constitudo por 43 tems agrupados em seis sub-escalas, as quais avaliampreocupaes e comportamentos dos doentes do foro oncolgico no decorrer da doena e dostratamentos, do seguinte modo: Manuteno da Actividade e Independncia, Lidar com osTratamentos, Manter uma Atitude Positiva, Regulao Afectiva e Procura de Apoio, Procura eCompreenso da Informao Mdica. As respostas aos itens que compem o inventrio sodadas numa escala tipo Likert de nove pontos, que varia entre Nada Confiante (1) e TotalmenteConfiante (9). O CBI revelou caractersticas psicomtricas adequadas, apresentando valores deconsistncia interna de 0,96 para o total, os quais variam de 0,75 a 0,89 para cada uma das seisdimenses (Merluzzi & Sanchez, 1997).

    Percepo da Doena. Avaliada pelo Illness Perception Questionnaire (IPQ, Weinman,Petrie, Moss-Morris, & Horne, 1996). Este questionrio avalia as representaes cognitivas dadoena, em cinco dimenses: Identidade, Causa, Durao, Consequncias e Cura. A escala daIdentidade composta por 12 items que o indivduo classifica numa escala tipo Likert dequatro pontos, que varia entre Sempre e Nunca, de acordo com a frequncia com que cadasintoma experienciado. Os items correspondentes s restantes quatro escalas so avaliadospelo paciente, numa escala tipo Likert de cinco pontos, que varia entre Discordo Fortementee Concordo Fortemente. O estudo das suas caractersticas psicomtricas revelou valores deconsistncia interna, de Cronbach, que variaram entre 0,73 e 0,82. No que respeita ao estudoda sua validade concorrente, as dimenses do IPQ correlacionaram-se significativamente comoutras medidas, tendo sido obtidos valores que variaram entre -0,30 (entre o controlo deproblemas cardacos e a identidade) e 0,54 (entre o resultado total de incapacidade e aidentidade).

    Procedimento

    Aps a autorizao da Comisso de tica e do Conselho de Administrao do InstitutoPortugus de Oncologia de Lisboa, Francisco Gentil, foi solicitada a participao dos doentes.Mediante o seu consentimento informado e a garantia da apropriabilidade do estudo, osdoentes preencheram um protocolo de investigao constitudo por uma folha de dadosdemogrficos (idade, sexo, estado civil, nacionalidade, habilitaes literrias, profisso,situao profissional, religio) e dados relativos doena (localizao do cancro, tipo detratamento, data do diagnstico, informao acerca da doena e do tratamento, expectativasacerca do prognstico, antecedentes familiares), pelo SCL-90-R para avaliar o ajustamentoemocional, pelo CBI para avaliar a auto-eficcia da forma de lidar com o cancro, pelo PANASpara avaliar a afectividade positiva e negativa e pelo IPQ para avaliar a percepo da doena.

    RESULTADOS

    Diferenas de gnero relativamente afectividade, ao ajustamento emocional, sestratgias de coping e percepo da doena

    Foram apenas encontradas diferenas estatisticamente significativas entre os sexos aonvel das Obsesses-Compulses (t=-2,03; p

  • Em relao s estratgias de coping, foram encontradas diferenas estatisticamentesignificativas entre os sexos para as sub-escalas que se referem Manuteno da Actividade eIndependncia (t=2,18; p
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    Correlaes entre o ajustamento emocional, a afectividade, as estratgias de coping e apercepo da doena para os participantes do sexo feminino

    No caso dos participantes do sexo feminino, foram encontradas associaes estatistica-mente significativas e positivas entre a Afectividade Negativa com a Sensibilidade Interpessoal(r=0,49; p

  • varincia. A segunda varivel preditora encontrada, a Afectividade Negativa, explicou cerca de9% (ver Tabela 1), revelando que os indivduos que tinham uma menor identidade de doena emais afectividade negativa estavam mais desajustados emocionalmente.

    Tabela 1Anlise de Regresso Mltipla, pelo mtodo stepwise da varivel Ajustamento Emocional

    Varivel VariveisDependente Passos Independentes R2 R2 ajust. tAjustamento 1 Identidade 0,35 0,33% -0,43 -30,27**Emocional 2 Afectividade Negativa 0,45 0,42% -0,36 -20,69**

    Varincia Explicada 0,42%

    Note. * p

  • AJUSTAMENTO EMOCIONAL, AFECTIVIDADE E ESTRATGIAS DE COPING 25

    afectividade no ajustamento emocional. Ao contrrio do esperado, as estatgias de coping nose revelaram preditoras do ajustamento emocional dos indivduos com doena do forooncolgico.

    Os resultados deste estudo devem ser analisados tomando em considerao o nmeroreduzido de pacientes envolvidos assim como a natureza de tipo correlacional do estudo.Pensamos que investigaes futuras efectuadas na rea das doenas do foro oncolgicoultrapassem estas questes metodolgicas, nomeadamente, pela realizao de estudoslongitudinais.

    REFERNCIAS

    Aapro, M. (1997). Too much: The paradox of cure. Oncology in Practice, 3, 3-5.

    Classen, C., Koopman, C., Angell, K. & Spiegel, D. (1996). Coping styles associated with psychological adjustmentto advanced breast cancer. Health Psychology, 15, 434 - 437.

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