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135 Pro-Posições, Campinas, v. 21, n. 3 (63), p. 135-153, set./dez. 2010 A dança é uma manifestação artística que tem presença marcante na cultura popular brasileira Lívia Tenório Brasileiro * Resumo: O texto apresenta um dos fragmentos analisados na tese Dança – Educação Física: (in)tensas relações. Neste fragmento, analiso a compreensão apresentada pelo projeto pedagógico dos cursos de Licenciatura em Dança da Unicamp e da UFBA sobre a dança como uma manifestação artística e sua representação na cultura popular brasileira. Palavras-chave: dança; educação física; manifestação artística; cultura popular. Dance is an artistic manifestation with striking presence in the Brazilian popular culture Abstract: The text presents one of the fragments studied in the thesis “Dance – Physical Education: (in)tense relations”. In this fragment, we analyze the comprehension presented by the pedagogical projects in graduate courses in dancing at Unicamp and UFBA, about dance as an artistic manifestation and its representation in the Brazilian popular culture. Key words: dance; physical education; artistic manifestation; popular culture. O texto apresenta um dos fragmentos analisados na tese Dança – Educação Física: (in)tensas relações, que teve como objetivo analisar os sentidos e os sig- nificados produzidos nas propostas curriculares dos cursos de formação de pro- fessores de educação física e de dança a respeito do conhecimento dança. O estudo caracteriza-se como uma pesquisa documental, cuja principal fonte fo- ram os currículos das instituições de ensino superior brasileiras na formação em Licenciatura em Dança e Licenciatura em Educação Física. Esta pesquisa documental com as instituições de ensino superior brasileiras intencionou iden- tificar as propostas curriculares que apontam a dança como conhecimento identificador da área a ser estudado na escola. Selecionei como campo de pesquisa, diante dos inúmeros dados de análise, dois pares de instituições: o par da Região Sudeste, situado na cidade de Cam- * Professora da Universidade Estadual da Paraíba, Brasil. [email protected]

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    A dana uma manifestao artstica que tem presenamarcante na cultura popular brasileira

    Lvia Tenrio Brasileiro*

    Resumo: O texto apresenta um dos fragmentos analisados na tese Dana Educao Fsica:(in)tensas relaes. Neste fragmento, analiso a compreenso apresentada pelo projeto pedaggicodos cursos de Licenciatura em Dana da Unicamp e da UFBA sobre a dana como umamanifestao artstica e sua representao na cultura popular brasileira.

    Palavras-chave: dana; educao fsica; manifestao artstica; cultura popular.

    Dance is an artistic manifestation with striking presence in the Brazilianpopular culture

    Abstract: The text presents one of the fragments studied in the thesis Dance PhysicalEducation: (in)tense relations. In this fragment, we analyze the comprehension presented bythe pedagogical projects in graduate courses in dancing at Unicamp and UFBA, about danceas an artistic manifestation and its representation in the Brazilian popular culture.

    Key words: dance; physical education; artistic manifestation; popular culture.

    O texto apresenta um dos fragmentos analisados na tese Dana EducaoFsica: (in)tensas relaes, que teve como objetivo analisar os sentidos e os sig-nificados produzidos nas propostas curriculares dos cursos de formao de pro-fessores de educao fsica e de dana a respeito do conhecimento dana. Oestudo caracteriza-se como uma pesquisa documental, cuja principal fonte fo-ram os currculos das instituies de ensino superior brasileiras na formaoem Licenciatura em Dana e Licenciatura em Educao Fsica. Esta pesquisadocumental com as instituies de ensino superior brasileiras intencionou iden-tificar as propostas curriculares que apontam a dana como conhecimentoidentificador da rea a ser estudado na escola.

    Selecionei como campo de pesquisa, diante dos inmeros dados de anlise,dois pares de instituies: o par da Regio Sudeste, situado na cidade de Cam-

    * Professora da Universidade Estadual da Paraba, Brasil. [email protected]

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    pinas, no estado de So Paulo, na Universidade Estadual de Campinas, quecongrega a Licenciatura em Dana do Instituto de Artes e a Licenciatura emEducao Fsica da Faculdade de Educao Fsica; e o par da Regio Nordeste,situado na cidade de Salvador, no estado da Bahia, na Universidade Federal daBahia, congregando os cursos de Licenciatura em Dana da Escola de Dana eo Curso de Licenciatura em Educao Fsica da Faculdade de Educao.

    Definidos os pares da pesquisa, caracterizei a perspectiva do estudo, em queos projetos pedaggicos so compreendidos como fontes, entendendo que oprojeto pedaggico de um curso um documento importante no processo desua constituio. Dessa forma, eles compem um discurso escrito que viveu evive uma intensa discusso ideolgica, cujas formulaes foram construdas aolongo de todo o seu percurso de existncia e consolidao.

    A partir das leituras dos projetos, foi possvel destacar vrios fragmentos queme chamavam ao dilogo; eles indagavam-me em busca da compreenso dossignificados produzidos na construo do texto. Eram como indcios, sinais,que apareciam no texto diante da minha leitura (Ginzburg, 1989). Desse modo,dentre inmeras possibilidades, segui os sinais, os indcios que se apresenta-vam nos projetos, destacando seis fragmentos enunciados nos documentos.Estes so temas que perpassavam o foco da pesquisa a compreenso sobredana presente nos projetos dos cursos de formao de professores de dana ede educao fsica.

    Os fragmentos foram organizados em dois blocos: Reflexes sobre a danano campo do conhecimento e da linguagem e A dana nas discusses sobrecultura.

    O fragmento destacado, neste texto, integra as discusses sobre dana ecultura. Analiso a compreenso, apresentada pelos Cursos de Dana, sobre adana como uma manifestao artstica e sua representao na cultura popularbrasileira.

    Identifico, na Apresentao, a concepo de dana do Projeto Pedaggicodo Curso de Graduao em Dana da Unicamp. Diz o texto:

    A Dana uma manifestao artstica que tem presena marcantena cultura popular brasileira representando um veculo privile-giado de expresso de sentimento e comunicao social. O bra-sileiro tem desenvolvido variadas formas de expresso do corpoque merecem ateno especial dos pesquisadores desta arte(Unicamp. Instituto de Artes, 2006, p. 1).

    Esse curso, que teve seu projeto implantado em 1985, em 2006 passou poruma reviso ampliada da primeira verso que se inicia com a afirmao de quea arte da dana, acompanhando as transformaes dos estudos sobre o corpo

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    no sculo XX, rejeita a rigidez das escolas de dana clssica marca fundantedas relaes de ensino da dana ; reavalia as escolas de dana moderna eaponta para as possibilidades que so apresentadas pela chamada dana con-tempornea.

    Nesse processo, o curso, que j tinha como base fundamental a dana cls-sica e, ao longo de seu desenvolvimento, tomou a dana contempornea comopossibilidade de superao, com essa reformulao destaca que a rea da danacarece de pesquisas sobre a dana brasileira. Enfatiza, ainda, que: Apesar docrescimento da rea de Dana, e do amplo reconhecimento da importncia daDana na cultura brasileira, faltam ainda no pas centros superiores de ensinoe pesquisa desta arte (Unicamp. Instituto de Artes, 2006, p. 1). Dessa forma,faz uma opo diante do campo de disputa tensionado ao longo dos anos poressa rea.

    Sob essa tica, o reconhecimento de que o brasileiro tem desenvolvidovariadas formas de expresso do corpo que merecem ateno especial dos pes-quisadores desta arte e de que faltam ainda no pas centros superiores deensino e pesquisa desta arte, oferece indicativos de uma necessidade que essecurso busca suprir.

    Compreendo que a dana uma das manifestaes culturais da humanida-de que est presente em toda a sua histria. Ouve-se, por todos os lados: dan-a vida, dana mediao, dana um ritual... Danamos para noscomunicar, para expressar nossos sentimentos, para contar e recontar...Por vezes identifico uma viso muito romntica de que dana tudo.

    fato, porm, que a dana acompanha nossas vidas de diferentes formas,em diferentes pocas e com diferentes sentidos; podemos v-la pelos diversoscantos do mundo. Atualmente, a dana est presente nas ruas, nas casas, nosespaos de espetculos, nos estdios, nas escolas, nas universidades, entre ou-tros espaos. Assim, possvel verificar a existncia de inmeros estudos quevm destacando a presena da dana na histria da humanidade1.

    Essa marca na cultura popular, neste caso, a brasileira, tambm muitoexpressiva dos sambas aos maracatus, dos frevos s congadas, dos batuques

    1. Ressalto as seguintes referncias, em lngua portuguesa: BOUCIER, Paul. Histria da dana noOcidente. So Paulo: Martins Fontes, 1987; CAMINADA, Eliana. Histria da dana: evoluocultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999; DUNCAN, Isadora. Minha vida. Rio de Janeiro: JosOlympio, 1986; ELLMERICH, Lus. Historia da dana. So Paulo: Nacional, 1987; FARGUELL,Roger. Figuras da dana. Lisboa: Fundao Calouste Gulberkian, 2001; FARO, Antonio Jos.Pequena histria da dana. Rio de Janeiro: Zahar, 1986; GARAUDY, Roger. Danar a vida. Riode Janeiro: Nova Fronteira, 1980; LABAN, Rudolf. Dana educativa moderna. So Paulo: cone,1990; PORTINARI, Maribel. Histria da dana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989; VIANNA,Klaus. A dana. So Paulo: Siciliano, 1990.

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    aos carimbs, conhece-se sobre o Brasil e sobre sua cultura popular atravs dasdanas. Elas narram uma parte expressiva dessa histria que continua sendo(re)produzida ao longo dos anos com outras e novas formas de danar, comoutros e novos sentidos e significados que so (re)produzidos pelos diferentesgrupos e sujeitos.

    Porm, nesse processo acadmico, evidencia-se que existem registros sobre apresena da dana somente a partir da criao da dana clssica, da dana feitanos espaos privados, que entra em cena, que vai ser conhecida, sistematizada,apresentada e ensinada. H registros importantes sobre a dana clssica, a dan-a moderna e a dana contempornea, todas danas cnicas. No entanto, sopouqussimos os registros sobre o que se fez e se faz em dana, sem ser em cena.O que se fez nas comunidades no ganha a mesma visibilidade ao longo dosanos, mas vem ganhando interesse a partir dos estudos das reas das cinciashumanas e sociais, de forma muito discreta, nos ltimos anos.

    Bosi2 assinala que, em termos de histria, ficaram de fora vrias escritasquando da implantao da cultura letrada portuguesa no Brasil. As escritas davida escrava, indgena, sertaneja, proletria, marginal, esto ausentes, e todaselas foram alvo de discursos de quem no viu, valendo a reflexo sobre as pala-vras do Padre Antnio Vieira em um sermo: Os discursos de quem no viu,so discursos; os discursos de quem viu, so profecias (Vieira apud Mota, 1998,p. xvii).

    Na histria brasileira esto ausentes muitas das expresses da dana de cu-nho popular que se mantiveram ao longo dos anos. So danas ligadas s festas,s religies, s produes culturais das naes que, dizem, contam e encantamquem as faz e quem as v. Trata-se de incontveis manifestaes que so mantidascomumente pela tradio oral e pela sua manifestao corporal nas festas po-pulares.

    A produo de conhecimento sobre dana apresenta, para as pessoas que aestudam, um banquete sobre sua histria, especialmente ocidental (europeia enorte-americana) e sobre seus principais precursores, mas pouco apresenta so-bre as danas populares que constituram e constituem a histria da humani-dade pelas ruas, sobre as que se consolidaram em nosso prprio pas, e menosainda sobre suas possibilidades de estudo e ensino no espao escolar, refletindoo embate apresentado por Bosi (1998).

    Na reflexo de Antnio Nbrega, msico, brincante e estudioso da culturapopular brasileira:

    2. Na apresentao do livro: MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira: pontos departida para uma reviso bibliogrfica. 9. ed. So Paulo: Editora tica, 1998.

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    A minha perplexidade, portanto, decorre do fato de constatarque nada disso parece ser levado a srio. como se no existisse,parece que no conta. Na melhor das hipteses, essas coisasso vistas como uns produtos embalsamados para serem coloca-dos dentro da prateleira do chamado folclore palavrinha,diga-se, a prestar um pssimo servio compreenso do papel esignificado da cultura popular (Nbrega, 2007, p. 12, grifo doautor).

    Nbrega (2007), ao criticar o uso da palavrinha folclore, o faz por com-preender que seu uso vem designando coisas do passado, que ficaram no tempopassado, contrapondo o termo folclore ao termo cultura popular. Faz-senecessrio ressaltar que o uso vulgar da palavra folclore que vem dando aessas manifestaes um lugar na prateleira de coisas do passado. Na realidade,palavras como povo, cultura, tradio, merecem melhor tratamento quando daexplicitao dos termos folclore ou cultura popular.

    Bakhtin (1997) esclarece que a palavra um fenmeno ideolgico por exce-lncia. Destaca que, no processo de comunicao, o ser humano tem na palavraseu material privilegiado, pois a palavra acompanha e comenta todo o ato ide-olgico. Os processos de compreenso de todos os fenmenos ideolgicos (umquadro, uma pea musical, um ritual ou um comportamento humano) nopodem operar sem a participao do discurso interior (Bakhtin, 1997, p. 38).

    Uma mesma palavra neste caso: povo, cultura, tradio, folclore com-porta posies ideolgicas em disputa, o que esse autor vai denominar deubiquidade social da palavra. Em meio s relaes sociais, as palavras vosendo tecidas, transformam-se acompanhando as mudanas sociais. Dessa for-ma, a palavra revela-se, no momento de sua expresso, como o produto dainterao viva das foras sociais (Bakhtin, 1997, p. 67), pois ela determina-da pelo seu contexto e, para quantos contextos possveis elas estiverem inseridas,haver tantas significaes necessrias.

    Para ampliar a reflexo sobre a palavra folclore, recorro aos estudos deCascudo3, designado um dos maiores folcloristas brasileiros. Esse literato estu-dou o folclore e a etnografia brasileira em busca de uma denominada culturanacional e confrontou outros estudiosos, afirmando a existncia dual da cultu-ra em todos os povos. J na primeira edio da obra Dicionrio do folclore bra-sileiro, em 1954, afirma que em todos os povos sempre possvel reconhecer aexistncia de uma cultura sagrada, sendo esta oficial, reservada para a inicia-

    3. Luis da Cmara Cascudo nasceu em Natal, em 1898, foi um historiador, folclorista, advogado ejornalista brasileiro, tendo dedicado toda a sua vida ao estudo da cultura brasileira. Com mais de30 obras publicadas, faleceu em Natal no ano de 1986.

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    o, assim como coexiste a cultura popular que vai se apresentar [...] abertaapenas transmisso oral, feita de estrias de caa e pesca, de episdios guerrei-ros e cmicos, a gesta dos heris mais acessvel retentiva infantil e adolescen-te (Cascudo, 2002, p. xxvi).

    Em 1944, em depoimento a Cavalheiro, Cascudo chamou a ateno para ofato de que o folclore sabidamente titulado de anedtico por muita genteboa. Essa gente boa decisiva. Tenho comprometido situaes favorveis porter citado esses estudos como indispensveis e lgicos para a cultura nacional(Cavalheiro, 1944, p. 170). Naquele momento, ele criticava inmeros intelec-tuais que tratavam o folclore como anedtico, podendo estar refletindo ainda,aps vrios anos, no julgamento de Nbrega (2007) quando de sua crticasobre o uso do termo folclore.

    Cascudo (2002), em nota da segunda edio da obra Dicionrio do folclorebrasileiro, em 1959, afirma que falar de folclore acreditar na possibilidadehumana de ser, que se no possvel atinar para que vivemos, todo o esforoconsciente tentar sentir o como viveram e vivem em ns as culturasinterdependentes e sucessivas, de que somos portadores, intrpretes, agentes ereagentes no tempo e no espao (Cascudo, 2002, p. xxii). De tal modo, ofolclore rene um patrimnio que deve ser conhecido, pois:

    Todos os pases do mundo, raas, grupos humanos, famlia,classes profissionais, possuem um patrimnio de tradies quese transmitem oralmente e defendido e conservado pelo cos-tume. Esse patrimnio milenar e contemporneo. Cresce comos sentimentos dirios desde que se integre nos hbitos grupais,domsticos e nacionais (Cascudo, 2002, p. xvi).

    Reconheo nessa discusso um lugar de ubiquidade. Recorrendo a Fernandes,que dedicou uma parte de seus estudos a esse tema entre as dcadas de 1940 e1960 em sua obra O folclore em questo, publicada em 1978, ele destaca que otermo folclore s aparecer no sculo XIX, buscando elucidar o saber do povo,conforme seu prprio vocbulo folklore, criado por William Thoms, enquantoo termo cultura popular j se fazia presente desde o sculo XVII.

    No processo de delimitao desse termo so reconhecidas trs etapas queso apresentadas pelo autor:

    Uma, que se inspira em Boas, mas se fez sentir entre ns medi-ante a influncia de Herskovits, restringe o folclore aos limitesdas objetivaes culturais que se manifestam atravs dos mitos,dos contos, da poesia, das adivinhas, dos provrbios, da msicae da dana [...]. Outra, que se prende principalmente influn-cia de Redfield, amplia essa noo do folclore, de modo a abran-

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    ger, tambm, tcnicas, crenas e comportamentos rotineiros, decunho tradicional, observveis nas relaes do homem com anatureza, com seu ambiente social ou com o sagrado [...]. Porfim, a mais inclusiva e elstica, freqente nas investigaes soci-olgicas, que converte o folclore em verdadeiro sinnimo danoo de folk culture ou cultura popular [...]. De acordocom suas implicaes, chegamos a encarar o folclore como com-preendendo todos os elementos culturais que constituem so-lues usual e costumeiramente admitidas e esperadas dos mem-bros de uma sociedade, transmitidas de gerao a gerao pormeios informais e a supor que do ponto de vista da sistemati-zao dos dados folclricos essa conceituao tem a vantagemde englobar elementos da cultura material, ergolgica, comoelementos de natureza no material (Fernandes, 2003, p. 13-14, grifos do autor).

    Nesse sentido, cabe refletir sobre esses termos, buscando compreender oque se colocou na caixa do folclore e depois foi deslocado para a caixa dacultura popular ou o inverso. Ambos tm como foco as tradies, a culturaannima, coletiva, feita pelos comuns nos espaos pblicos de forma espont-nea. Trazem fortemente, tambm, a ideia de coisa do povo, feita no meiopopular, especialmente o rural, em contraposio ao feito na cidade, pelo urba-no, atravs de uma cultura letrada, erudita, cientfica. No entanto, falar decultura popular reconhecer tambm as produes das cidades, desse povoque se faz no dia a dia contemporneo.

    A discusso das palavras, das suas significaes que se produzem nas rela-es humanas, continua e, nessa movimentao, gestam-se outras formas deexpresses populares, reaparecem expresses quase sucumbidas com o tempo,com outras possveis leituras, remexendo as memrias. Assim vamos mantendoas culturas populares presentes e significativas na constituio do ser humano.

    Como afirma Arantes, a cultura significa e, como tal,

    [...] a cultura (significao) est em toda parte. Todas as nossasaes, seja na esfera do trabalho, das relaes conjugais, da pro-duo econmica ou artstica, do sexo, da religio, de formas dedominao e de solidariedade, tudo nas sociedades humanas construdo segundo os cdigos e as convenes simblicas a quedenominamos cultura (Arantes, 1981, p. 34, grifo do autor)

    Um dos equvocos, ao refletir sobre cultura popular, pens-la como sin-nimo de tradio. Para esse autor (1981, p. 17), isso s faz [...] reafirmarconstantemente a idia de que sua Idade de Ouro deu-se no passado, transfor-mando as expresses de cultura popular em uma curiosidade.

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    Refletir sobre a dana como uma manifestao artstica que tem presenamarcante na cultura popular brasileira implica coloc-la nesse campo de dis-cusso no qual a cultura popular se faz e re-faz.

    No caso da dana, os estudos que buscam tratar de temticas popularescom efetiva preocupao de pesquisa assentam-se no desafio de colocar emcena essas expresses quase silenciadas. o caso da tese de Figueiredo, naqual a autora procura reconstruir danas populares de Gois, evidenciando queelas esto quase esquecidas e nesse processo, caminha em busca da memriade antigos moradores da regio. Para a autora:

    a dana das classes populares, dana de gente como refere seuAlberto [depoente] e retrata, sim, um tempo que no mais exis-te, porm, tradio oral e deixa as suas marcas nas geraes e namemria. No tem carter pedaggico, mas uma educaovisual, poltica, esttica, moral e filosfica. No empobrecidapelo didatismo.Eram ensinadas danando e cantando, os mais antigos deti-nham a honra de inserir na roda os mais novos e na hora deter-minada como certa. No eram danas infantis, mas poderiamassistir e aprender assim, com a imitao e a brincadeira(Figueiredo, 2007, p. 26).

    Bakhtin (1987), baseado em sua anlise sobre a obra de Franois Rabelais,tese publicada em 19654, estuda algumas das expresses da cultura cmicapopular, destacando que sua obra [...] sem dvida insubstituvel, quando setrata de penetrar na essncia mais profunda da cultura cmica popular (Bakhtin,1987, p. 50).

    Em dilogo com esse autor, evidencia-se nas obras de Franois Rabelais umcampo profcuo para refletir sobre a cultura popular, no caso, com nfase nacultura cmica popular. Aqui aparece uma expresso do romance de formao,em que o ser humano se forma ao mesmo tempo em que o mundo se desenvol-ve, refletindo em si a formao histrica do mundo. Destaca o autor que a obrade Rabelais, no cenrio da literatura mundial, um diferenciador, posto que

    [...] o riso popular e suas formas constituem o campo menosestudado da criao popular. A concepo estreita do carterpopular e do folclore, nascida na poca pr-romntica e conclu-da essencialmente por Helder e os romnticos, exclui quase

    4. Bakhtin estuda a obra de Franois Rabelais, entendendo-o como o mais popular e o maisdemocrtico dos grandes autores do Renascimento. Ver: BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular naidade mdia e no renascimento. Traduo de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. So Paulo:Hucitec, 1987.

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    totalmente a cultura especfica da praa pblica e tambm ohumor popular e toda a riqueza das suas manifestaes (Bakhtin,1997, p. 3).

    Afirma, ainda, que Em toda a literatura mundial, dificilmente encontrar-amos outra obra que refletisse de maneira mais total e profunda todos os aspec-tos da festa popular, alm da de Rabelais (Bakhtin, 1987, p. 133). Essa refle-xo toma os princpios corporal e material como fundamentais para aconstituio das festas populares.

    E, nesse movimento, constata-se a ateno dedicada ao riso, ao vocabulrioda praa pblica, ao banquete, s formas grotescas do corpo e, em especial, sformas e imagens da festa popular; todas estas esquecidas ou resguardadas emseu espao, lugar onde o feio, o vulgar, o desequilibrado estavam separados. a ateno s coisas feitas pelo povo, nas ruas, nas casas, nos espaos pblicos,reconhecidas como menores, com menos valor, quase destitudas de significado.

    A expresso da dana aparece no cenrio das festas populares como uma dassuas manifestaes que, em dilogo com as msicas, as encenaes, os banque-tes, os jogos, confere cultura popular sua imagem pblica. Porm, a festapopular tem na imagem do carnaval sua expresso mxima. Bakhtin (1987, p.189-190) utiliza o termo carnavalesco destacando que:

    Enquanto fenmeno perfeitamente determinado, o carnavalsobreviveu at os nossos dias, enquanto que outros elementosdas festas populares, a ele relacionados por seu carter e estilo(assim como por sua gnese), desapareceram h muito tempoou ento degeneraram a ponto de serem irreconhecveis. Co-nhece-se muito bem a histria do carnaval, descrita muitas ve-zes no decorrer dos sculos. Recentemente nos sculos XVIII eXIX, o carnaval conservava ainda alguns dos seus traos parti-culares de festa popular de forma ntida, embora empobrecida.O carnaval revela-nos o elemento mais antigo da festa popular,e pode-se afirmar sem risco de erro que o fragmento mais bemconservado desse mundo to imenso quanto rico. Isso autoriza-nos a utilizar o adjetivo carnavalesco numa acepo ampliada,designando no apenas as formas do carnaval no sentido estritoe preciso do termo, mas ainda toda a vida rica e variada da festapopular no decurso dos sculos e durante a Renascena, atravsdos seus caracteres especficos representados pelo carnaval nossculos seguintes, quando a maior parte das outras formas ouhavia desaparecido, ou degenerado.

    O autor chama a ateno para o fato de que as festas populares esto semprevoltadas para o futuro, em constante desafio com o passado. A festa, nesse

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    sentido, confere ao ser humano a imortalidade, em que um se transforma nooutro, o melhor torna ridculo o pior e aniquila-o [...] no h lugar para omedo (Bakhtin, 1987, p. 223).

    As festas da cultura popular brasileira so reconhecidas por terem um papelimportante na consolidao das identidades sociais. Alm das festas carnavales-cas, a festa junina, a natalina, a da produo agrcola de regies (uva, abacaxi,laranja, vinho, cerveja, etc.), as de ordem religiosa (com santos e orixs), as dehomenagens cvicas, entre outras, ganham visibilidade ao longo dos anos eincorporam-se aos modos de ser dessa populao.

    Isso que parece parte fundamental da formao humana, suas festas e asvariadas manifestaes nelas inseridas, est quase totalmente ausente da litera-tura acadmica dos cursos de formao. Ao chamar a dana popular brasileirapara o cenrio do processo de formao de professores de dana, acredito que oInstituto de Artes da Unicamp investir em um movimento de ampliao deseus referenciais, potencializando as pesquisas na rea. Recuperar os anos deproduo quase silenciados no uma tarefa fcil, mas h indcios de suapossibilidade nas recentes pesquisas nas reas de educao e arte5.

    Como evidencia Bakhtin (1987, p. 240): O livro de Rabelais em toda aliteratura mundial, o que oferece mais amplo lugar festa. Ele encarnou aprpria essncia da festa popular. Que outras obras arriscaram essa possibili-dade? Quais os referenciais disponveis no Brasil para refletir sobre a culturapopular e as suas expresses de dana? Ajuda, ainda, o autor, a pensar que:

    Sob o domnio da cultura burguesa, a noo de festa no fez maisque restringir e desnaturalizar-se, sem contudo desaparecer. Afesta a categoria primeira e indestrutvel da civilizao huma-na. Ela pode empobrecer-se, s vezes mesmo degenerar, mas nopode apagar-se completamente (Bakhtin, 1987, p. 240).

    5. Ver: FIGUEIREDO, Valria Maria Chaves de. Gente em cena: fragmentos e memrias da danaem Gois. 2007. 80 p. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, UniversidadeEstadual de Campinas, Campinas, 2007; MEIRA, Renata Bittencourt. Baila bonito baiad: educao,dana e culturas populares em Uberlndia, Minas Gerais. 2007. 305 p. Tese (Doutorado emEducao) Faculdade de Educao, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007;SOUZA, Eduardo Conegundes de. Roda de samba: espao da memria, educao no-formale sociabilidade. 2007. 208 p. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao,Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007; VIANA, Raimundo Nonato Assuno.Bumba-meu-boi, cacuri, tambor de crioula: expresso da linguagem do corpo na educao.2003. 142 p. Dissertao (Mestrado em Educao) Centro de Cincias Sociais Aplicadas,Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003; SANTOS, Inaicyra Falco. Datradio africana brasileira a uma proposta pluricultural de dana-arte-educao. 1996. 203 p.Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, SoPaulo, 1996.

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    Nessa perspectiva, tem-se muito a fazer, pois uma produo que deve ga-nhar densidade e visibilidade precisa dar sustentao a um curso de formaoque pretende atender essa demanda evidenciada ao longo dos anos. Muitomais quando esse projeto [...] tem como base a criao do curso, que pretendevincular histria do indivduo e a sua experincia social na cultura brasileiraao processo de formao do artista (Unicamp. Instituto de Artes, 2006, p. 3).

    Na perspectiva bakhtiniana, o sujeito no se separa da sua experincia soci-al, ele se constitui nela, isso est imbricado na sua existncia. O ato humano,entendido como ato/feito, tem realizao concreta, uma ao intencional,praticada por algum intencionalmente responsvel pelo ato.

    O ato constitui a existncia humana; como acontecimento, ele tem o car-ter da responsibilidade, que une responsabilidade de responder pelos pr-prios atos e responsividade de responder a algum ou alguma coisa.Bajtin, na obra Hacia una filosofia del acto tico, afirma:

    El mundo en el cual el acto realmente transcurre y se lleva acabo, es un mundo unitario y singular vivenciado en formaconcreta: es visto, odo, palpado y pensado, impregnado porcompleto de tonos emocionales y volitivos de una validezaxiolgica positivamente firmada. La singularidad unitaria deeste mundo, unidad cuyo origen no es el contenido semntico,sino que es de orden emocional y volitiva, es garantizada para larealidad mediante el reconocimiento de mi participacin sin-gular, de mi no coartada en el ser. Esta mi participacin inaugu-ra un deber ser concreto: el de realizar toda singularidad enten-dida como la singularidad absolutamente irrestaable de laexistencia, con respecto a todo momento de este ser, o sea, miparticipacin transforma cada manifestacin mia sentimiento, deseo, estado de nimo, pensamiento en unacto mio, activo y responsable (Bajtin, 1997, p. 63).

    De tal modo, compreendo que a vida um contnuo de atos, em que osujeito, a experincia social e a cultura no so coisas separadas; em que ahistria do sujeito, a sua experincia social, s se constitui pelos seus atos eminterao social. Nesse caso, a dana, assim como os mais diversos fenmenosideolgicos, constitui-se nas interaes sociais.

    importante destacar que, contraditoriamente, nas imagens e nos registrossobre dana nas escolas, vemos a presena das danas populares ocupando oespao das festas, enquanto a dana clssica, e algumas vezes a dana modernaou contempornea, ocupa um espao de ensino, por meio das oficinas, aulasem turnos contrrios, atividades extracurriculares (Marques, 1999; Brasileiro,2001; Fiamoncini, 2003; Morandi, 2005). Esses espaos vm privilegiando a

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    aprendizagem de danas j reconhecidas, metrificadas, estudadas atravs desuas formas, espaos, tempos, como o caso do bal clssico, do jazz, dosapateado, etc. E, nas festas escolares, sero as coisas efmeras, as danas popula-res, que aparecem, enfeitam, divertem, mostram uma realidade colorida e fes-tiva, mas, comumente, sem nenhuma organizao para seu estudo efetivo. ParaArantes (1981, p. 15),

    por mais contraditrio que possa parecer, so exatamente essesobjetos e modos de pensar considerados simplrios, rudimen-tares, desajeitados e deselegantes os que produzimos religiosa-mente em nossas festas e comemoraes nacionais.

    So essas danas do povo, da rua, populares, que so convidadas a integrarconstantemente as festas escolares.

    No contexto da insero da dana nas escolas, possvel identificar que essainstituio vai tomar os jogos, os cantos e as danas como elementos de exposi-o pblica desde muito cedo no processo de escolarizao (Chaves, 2002;Vago, 2002). A escola mostra-se para a comunidade, manifesta seu dilogoatravs da cultura de seu povo; dessa forma ela ganha visibilidade6.

    As festas escolares esto, desde seu incio, atreladas s datas comemorativas,das datas cvicas at as mais populares. Foram espaos para educar os modosdas crianas e para expor sua conduta. Tem sido responsabilidade das escolaspromover festas nas datas de maior representao nacional ou local, bem comono encerramento do ano, a ponto de isso ser recomendado em documentosoficiais, a exemplo do Relatrio do Secretrio do Interior de Minas Gerais aoPresidente do Estado em 1909, no qual diz que as festas escolares [...]solemnizam as grandes datas nacionaes, habituando as creanas a darem apre-o s tradies que representam lembranas sacratssimas da ptria (Secretariado Interior, 1909, p. xiii apud Vago, 2002, p. 186).

    Cabiam nas festas escolares os cantos, especialmente os hinos, as saudaescvicas, as manifestaes patriticas, que eram condutas de moral e civismo. Apre-sentao de evolues militares pelos meninos, com seus respectivos fardamentose armamentos; de marchas com uma conduo ordenada de todos os executantes;de hinos em grande coro de vozes infantis, que ao longo do ano ensaiavam todosos dias sob o comando da professora; sequncias de exerccios para meninas emeninos com suas roupas brancas e higienizadas; as danas ou bailados eram ati-vidades presentes nas festas escolares (Chaves, 2002; Vago, 2002).

    6. At hoje essa forma de exposio est presente, basta ver os flderes de divulgao das escolas,onde os espaos de jogos, danas, esportes e festas vo aparecer ao lado dos espaos deinformtica, multimdia, etc.

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    As festas escolares aconteciam e continuam acontecendo em inmeras da-tas, sejam festas carnavalescas, juninas, folclricas, natalinas, sejam de outranatureza: festas das mes, dos pais, de formatura, de abertura de jogos escola-res, etc. Em meio a falas, hinos, dramatizaes, entrega de presentes, lembran-as, h, marcadamente, as danas. Danam crianas da Educao Infantil, cri-anas e jovens do Ensino Fundamental e do Ensino Mdio. A dana presentenas festas quase sempre a mesma ausente dos componentes curriculares asdanas populares , essas que pouco aparecem nas produes acadmicas enos processos de formao de professores so chamadas a ocupar esses espaosdas festas escolares.

    Inmeros estudos confirmam essa situao: estudos oriundos de experin-cias vivenciadas pessoalmente ou de pesquisas que observam a realidade escolarindicam que essa presena da dana na vida escolar cada dia mais marcante eque esse movimento no acontece no mesmo sentido em relao sua inserocomo conhecimento para estudo na escola (Marques, 1999; Brasileiro, 2001;Fiamoncini, 2003; Morandi, 2005).

    Essas pesquisas indicam que a dana que vem acontecendo na escola ocorrehabitualmente [...] na forma de apresentaes em datas comemorativas, quandoalgum (geralmente professora de educao fsica) traz uma poro de passosaleatrios para que as crianas repitam mecanicamente at decorarem a se-qncia. Estudar danas no o que ocorre no caso descrito, e, sim, repetirpassos de forma a mecaniz-los e conseguir apresent-los dentro de uma mtri-ca estabelecida. A preocupao central encontra-se no que os professores e [...]os pais querem ver nos filhos, prevalecendo o olhar do adulto e dificultandoqualquer experimentao mais espontnea (Fiamoncini, 2003, p. 21).

    Brasileiro, ao analisar os argumentos dos professores da rede de ensino esta-dual de Pernambuco para a no presena da dana como contedo da educaofsica, identifica que, apesar de os professores apresentarem os seus limites parao trato com esse conhecimento em suas aulas, eles evidenciam que, quando darealizao de eventos na escola, eles trabalham com a dana, o que permiteafirmar que [...] apesar da Dana estar presente no espao escolar, ela , ape-nas, um elemento decorativo, sem reflexo como conhecimento para a forma-o dos alunos, refletindo a ideia da presena-ausente da dana no espaoescolar (Brasileiro, 2001, p. 78).

    Para Pereira, esse professor, comumente o regente de classes de 1 a 4 ou oprofessor de educao fsica, ao desenvolver suas aulas de dana, orienta-as apartir de sequncias coreogrficas, que foram elaboradas passo a passo. Nessecaso, no possibilita aos alunos [...] explorar o seu movimento e contribuirassim, para a criao de movimentos a serem trabalhados em aula, colocandoento o aluno como agente de sua aprendizagem (Pereira, 1997, p. 10).

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    A dana, dessa forma, no se coloca como conhecimento fundamental paraa formao de crianas e adolescentes, porm vem se constituindo como im-prescindvel nas festas escolares.

    E o professor que vem assumindo essa funo, desde a localizao da danano interior da ginstica, tem sido o professor de educao fsica, que apresentaa dana no acompanhamento rtmico dos exerccios fsicos e ginsticos, nasmarchas dos desfiles cvicos, nos festivais escolares, at as dancinhas presentesnas festas escolares da atualidade.

    Como afirma Marques (1999, p. 107): O professor, desamparado, e mui-tas vezes altamente despreparado, exige dos alunos que reproduzam, copiem esigam aquilo que arduamente criou ao assumir suas funes impostas de dire-tor-coregrafo. A organizao escolar exige que esse professor seja um core-grafo em potencial, pois so vrias turmas para apresentar, turmas que sequerestudam dana na escola. Da, inmeras produes entram em cena: so perso-nagens conhecidos e desconhecidos que ganham vesturio, msica, maquiagem,cenrios, para que, alm da dana, seja possvel entender o que est sendointerpretado. Apresentam-se rvores que danam, caipiras na quadrilha, odaliscasaos ventos, ndios saltitantes, bois embalados por cavalos marinhos, sacis endi-abrados, bruxas que danam com vassouras, serpentinas soltas em meio a pas-sistas efervescentes, baianas e baianos em rodas de samba e de capoeira e outrastantas imagens incrveis, inclusive aquelas relacionadas ao aparato hollywoodiano,que muitos de ns temos guardado na memria e nos registros fotogrficos evideogrficos.

    Vale ressaltar, como alerta Marques (1999, p. 107), que esses processosindicam que os [...] saberes tradicionais sobre o mundo da dana so reprodu-zidos no ambiente da escola sem que se perceba tudo aquilo que est por trs,enredado, indissociado a estes processos e produtos coreogrficos aparente-mente inocentes e fofos.

    no tempo e no espao das aulas de educao fsica e, algumas vezes, dearte, que as tais das dancinhas vm se conformando para as festas. So essesmesmos professores, que em sua maioria no vm tratando desse conhecimen-to em seus componentes curriculares, aqueles que criam as coreografias dasdanas para as festas escolares.

    Desse modo, a cultura popular entra nas escolas pelas brechas das festas,com a inteno de recuperar e preservar a cultura do povo, e vai conferindo sdanas e s outras manifestaes um local de visibilidade temporrio. Nemtudo que se faz nas ruas cabe nas escolas e esse recorte nem sempre respeita oque se faz nas ruas. O popular ganha de vez em quando um espao para servisto e, quando visto, ganha uma roupagem adequada e higienizada, prpriadesse espao.

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    Nas danas presentes nas festas escolares, algumas marcas so normalmenteapagadas. Afinal, as crianas, ao danar um maracatu rural, no so informadasde que os caboclos de lana, para entrar na folia, tomam uma mistura de bebi-da alcolica com plvora denominada azougue e no so informadas, tampouco,de seu sentido nessa manifestao; ou de que no carimb existe uma expressoextremamente sensual num jogo entre homens e mulheres; ou, ainda, da rela-o de inmeras danas com aspectos religiosos da cultura africana. Comotambm, impregnam-se representaes, atravs de coelhinhos branquinhos,baianas pretinhas, bailarinas magrinhas, etc. Essas marcas, que constituem asignificao da dana, ficam ausentes nesse processo de ensino para as festas.

    Essa discusso faz-me voltar a Bakhtin (1987, p. 16) e seu estudo sobreRabelais, pois se costuma destacar [...] o princpio material e corporal nasobras de Rabelais: imagens do corpo, da bebida, da comida, da satisfao denecessidades naturais, e da vida sexual. Bakhtin (1987, p. 16-17) ressaltaque:

    No entanto, as imagens referentes ao princpio material e cor-poral em Rabelais [...] so a herana (um pouco modificada,para dizer a verdade) da cultura cmica popular, de um tipopeculiar de imagens e, mais amplamente, de uma concepoesttica da vida prtica que caracteriza essa cultura e a diferenciaclaramente das culturas dos sculos posteriores.

    A festa, que tem um lugar privilegiado na obra de Rabelais, vai ser apresen-tada, como j citado anteriormente, para demonstrar que apesar do domnioda cultura burguesa, ela no desnaturalizou-se (Bakhtin, 1987, p. 241). Des-se modo:

    [...] nos dias festivos, as portas da casa abrem-se de par em par aosconvidados (no limite, a todos, ao mundo inteiro); nos dias defesta, tudo se distribui em profuso (alimentos, vestimentas,decorao dos cmodos), os desejos de felicidade de toda esp-cie subsistem ainda (mas perderam quase totalmente o seu valorambivalente), da mesma forma que os votos, os jogos e os disfar-ces, o riso alegre, os gracejos, as danas, etc. A festa isenta de todosentido utilitrio ( repouso, uma trgua, etc.). a festa que,libertando de todo utilitarismo, de toda finalidade prtica, for-nece o meio de entrar temporariamente num universo utpico. preciso no reduzir a festa a um contedo determinado e limi-tado (por exemplo, celebrao de um acontecimento histri-co), pois na realidade ela transgride automaticamente esses limi-tes. preciso tambm no arrancar a festa vida do corpo daterra, da natureza, do cosmos (Bakhtin, 1987, p. 241).

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    Mesmo reconhecendo que Rabelais estudou a cultura popular na IdadeMdia e no Renascimento europeu e que no a podemos transportar para oBrasil sem distinguir esse distanciamento e essa diferenciao, destaco, como ofaz Bakhtin (1987, p. 241), a importncia de recuperar que preciso tam-bm no arrancar a festa vida do corpo da terra, da natureza, quando trat-las e estud-las nos cursos de formao, bem como nas escolas.

    O projeto do Curso de Dana da Unicamp, buscando configurar um cursoque atenda a essas necessidades de formao, desenvolve-se tendo em seu eixocentral duas Asas, de modo que:

    A primeira tem como base os mtodos e tcnicas j reconheci-dos na produo em dana. A segunda destaca-se por ser enten-dida como uma asa em formao, em germinao, em fecun-dao. O projeto a identifica como sendo este o lugar ondeestaro as tradies culturais brasileiras, as estruturas advindasdas Danas Populares Brasileiras e os corpos imanentes de vari-ados segmentos sociais. So contedos-corpos que se irmanamcom conhecimentos da antropologia, da psicologia e demaisreas das humanidades, possibilitando o alcance dos corposperifricos e centrais de um povo do Brasil (Unicamp. Institu-to de Artes, 2006, p. 7).

    um investimento alto em uma nova perspectiva de formao; um cha-mado a uma nova forma de refletir e produzir dana. Para tanto, penso que estecurso ter de potencializar pesquisas em campos ainda quase intactos, vascu-lhar produes das reas de antropologia, sociologia, histria, psicologia, como intuito de somar elementos nesse processo. Ter de questionar as produesque elencam manifestaes populares com snteses precrias e ausncia de pes-quisa acadmica. Ter de recorrer e produzir pesquisas que potencializem avisibilidade da realidade cultural brasileira e (re)descobrir nelas as suas mani-festaes danantes.

    O projeto apresenta ainda:

    A importncia de um Curso de Dana voltado para esta pers-pectiva torna-se evidente quando constatamos que uma pes-quisa realmente sria das novas tcnicas pedaggicas em danas pode ocorrer a partir de uma formao ampla e adequada dodanarino atravs de um curso superior. Deste de se esperarque propicie a desejada inovao tcnica, ao mesmo tempo quealimente as diversas produes coreogrficas nacionais, validan-do as linguagens brasileiras de dana. Em geral, as companhiasde dana nacionais tm pouca preocupao com este aspecto eseu repertrio no passa de uma cpia-carbono dos repertrios

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    das companhias estrangeiras que passam por aqui. Isso se dtambm pela falta de espao adequado para a pesquisa e inova-o. A Universidade deve suprir esta lacuna (Unicamp. Institu-to de Artes, 2006, p. 2).

    Com essa mesma perspectiva, o Curso de Dana da UFBA, quando da de-finio do perfil de seu egresso, apresenta que um dos seus compromissos sercom a reflexo e a gerao de produo inovadora, sem, contudo, desconhecermanifestaes populares locais e sua insero no campo do estudo da culturaafro-brasileira (UFBA. Escola de Dana, 2004, p. 14). A UFBA enfatiza acultura afrobrasileira devido ao seu contexto sociocultural de formao, vistoque esse estado tem fortemente essa referncia na sua constituio.

    Esse chamado responsabilidade da universidade, no sentido de suprir essalacuna, um desafio histrico, j que os conhecimentos presentes no espaouniversitrio so oriundos de uma cultura dita letrada e universal. So poucosos passos que a cultura popular pode dar no espao universitrio.

    Destarte, a obra de Bakhtin sobre a cultura popular coloca-se nesse univer-so de investimento, de olhar para os espaos silenciados, desconsiderados comolugar de conhecimento; de apurar nossos olhos e ouvidos para o que se fez e sefaz na cultura popular, no nosso caso a cultura popular brasileira, e coloc-laem interao social contnua nesse fazer-se ser humano na sociedade atual.

    Devemos, assim como Rabelais o fez com a cultura cmica popular, entrar,vasculhar e (re)descobrir as expresses de cultura popular brasileira, pois, se-gundo Bakhtin (1987, p. 418), a obra de Rabelais [...] a chave insubstituvelque d acesso inteligncia da cultura popular nas suas manifestaes maispoderosas, profundas e originais. E caminhar com Arantes (1981, p. 78) nosentido de reconhecer as danas populares brasileiras como integrantes da pro-duo social humana.

    Nesse sentido, fazer teatro, msica, poesia ou qualquer outramodalidade de arte construir, com cacos e fragmentos, umespelho onde transparece, com as suas roupagens identificadorasparticulares e concretas, o que mais abstrato e geral num gru-po humano, ou seja, a sua organizao, que condio e modode sua participao na produo da sociedade. Esse , a meuver, o sentido mais profundo da cultura, popular ou outra.(grifos do autor).

    A escola como espao cultural que apresenta, aos que nela esto inseridos,uma parcela da cultura humana, ou seja, conhecimentos sistematizados histo-ricamente, deve receber desses novos processos de formao neste caso, daformao em dana uma outra perspectiva de dilogo para com a cultura,

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    especialmente a cultura popular brasileira, essa que significa e dever (re)produzirsentidos e significados, ao ser vivenciada no interior das escolas.

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    Recebido em 20 de agosto de 2009 e aprovado em 11 de fevereiro de 2010.

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