VALE TARAIRIÚ

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VALE TARAIRIÚ BREVÍSSIMA HISTÓRIA DO VALE DO AÇU, DESDE A ÉPOCA DOS TATUS GIGANTES, ATÉ A TOMADA DA REGIÃO PELOS COLONOS LUSO-BRASILEIROS. FOLHETO DE POESIA POPULAR Autor: Benedito de Sousa Melo ALTO DO RODRIGUES/RN, 2013

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VALE TARAIRIÚ

BREVÍSSIMA HISTÓRIA DO VALE DO AÇU,

DESDE A ÉPOCA DOS TATUS GIGANTES, ATÉ A TOMADA

DA REGIÃO PELOS COLONOS LUSO-BRASILEIROS.

FOLHETO DE POESIA POPULAR

Autor: Benedito de Sousa Melo

ALTO DO RODRIGUES/RN, 2013

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DADOS GERAIS DA OBRA

Citar como:

MELO, Benedito de Sousa. Vale Tarairiú—

Brevíssima história do Vale do Açu, desde a época

dos tatus gigantes, até a tomada da região pelos

colonos luso-brasileiros. Alto do Rodrigues/RN, 3ª

edição do autor, 2013.

Capa:

Detalhe de óleo sobre tela:

Albert Eckhout/ Dança dos Tapuia, século XVII/

Museu Nacional da Dinamarca, Copenhague/ Do-

mínio Público.

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VALE TARAIRIÚ

Brevíssima história do Vale do Açu, desde a época dos tatus gigantes, até a tomada

da região pelos colonos luso-brasileiros.

Autor: Benedito de Sousa Melo

I O Sertão do Rio Grande, Há dez mil anos atrás, Era um lugar diferente, Com gigantes animais, Vagando nos tabuleiros, À sombra dos palmeirais. II Enormes dentes-de-sabre, Os tigres apresentavam; Preguiças de quatro metros, Nos galhos, se apoiavam; E os pesados mastodontes, Suas trombas, balançavam.

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III Havia o tatu gigante, Um bicho fenomenal, Tinha medidas de um fusca No seu modo natural, Qual fosse tanque de guerra, Percorrendo o matagal. IV As coisas foram mudando Conforme mudam os tempos, As chuvas escasseavam, Também mudavam os ventos, Enquanto os homens chegavam Com seus próprios armamentos. V As grutas do Seridó Estão cheias de pinturas: Homens, mulheres e feras, Diversas são as figuras Espalhadas pelas rochas, Em coloridas misturas.

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VI Nas piscinas naturais, Que nas chuvas se formavam Pelas locas dos lajedos, Animais se aglomeravam, Dando vez aos caçadores, Que facilmente os matavam. VII Nos vales e tabuleiros, Desfilaram grandes feras, Que. pouco a pouco, sumiram, Na decorrência das eras, E o grande jogo climático Foi secando as primaveras. VIII Não se sabe há quanto tempo Chegaram os Tarairiú, Se vieram da Sibéria, Se caçavam caribu, O certo é que dominaram A ribeira do Açu.

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IX O clima, já semiárido, Era mais farto de brejos, No meio de bestas grandes, Existiam animalejos. Os índios todos comiam Pebas, iguanas e tejos. X Coletavam mel de abelha Jandaíra e enxuí. Comiam frutos da terra: Caju, mutamba, umari. Para pescar nas lagoas, Utilizavam tingui. XI Nos terrenos mais propícios Agricultura faziam; Jerimum e mandioca, Em quantidade colhiam; Mas as suas fartas roças, Dentro do mato, escondiam.

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XII Eram grandes corredores, Ligeiros e resistentes; Combatendo os inimigos, Eram guerreiros valentes; Arremessando seus dardos, Abatiam fera ou gente. XIII Chamavam de Kuniangeya A ribeira do Açu; O rio era Otschunog, Penetrando para o sul; O povo, Otschukayana, Em tupi, Tarairiú. XIV Tapuia era outro nome Dado pros índios daqui, Ao serem denominados, Usando a língua Tupi; Uns doutores confundiram Com os índios Cariri.

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XV Faziam-se em muitos grupos, Que viviam espalhados No que hoje corresponde Às terras de três Estados: Rio Grande, Paraíba, Ceará—todos colados. XVI Só cobriam as genitálias, Fosse de homem ou mulher, Cada qual, no seu estilo, Cuidava de esconder, Com folhas e amarrilhos, Num caprichoso fazer. XVII Comer os parentes mortos Era um rito funerário; Também os seus inimigos Eram todos devorados, Num gesto de humanidade, Concedendo um fim honrado.

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XVIII Mas os tempos continuam Em constante mutação, E a ribeira do Açu Exerceu forte atração, Nos europeus que queriam A conquista do Sertão. XIX Assim, vieram rebanhos, Trazidos pelos sesmeiros Portugueses, que não viam Que os índios foram os primeiros Que povoaram as ribeiras, As serras e os tabuleiros. XX Foi quando o rei Janduí Contatou os holandeses, Que o Forte dos Reis Magos, Conquistaram, havia meses, Para, aliando-se a eles, Embargar os portugueses.

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XXI Mas, depois que os holandeses Foram expulsos do Brasil, A expansão portuguesa Pelo Sertão prosseguiu, Levando os Tarairiú A pegar lança e fuzil. XXII Chamou-se Guerra do Açu Um tempo de violência Que perdurou no Sertão, Transido pela pendência De índios com bandeirantes, Conforme temos ciência. XXIII Os senhores dos currais Acabaram triunfantes, Lançando os Tarairiú Em condição degradante, Mas ficou em nossos rostos A identidade restante.

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XXIV Em nossos traços caboclos Sobreviveu a memória, Que nos leva a descobrir, Entre derrotas e glórias, O bravo Tarairiú, Que reinventa a história.

Alto do Rodrigues/RN,

setembro de 2011.

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A PROPÓSITO DESTE FOLHETO

Este “folheto de poesia popular”, de leitura brevíssima, busca

contribuir para o resgate da memória dos índios Tarairiú, em sua pró-

pria língua chamados Otschukayana, que dominavam o “Sertão do

Rio Grande” até o final do século XVII, sendo vencidos pelas forças

coloniais durante a chamada “Guerra dos Bárbaros” (1688-1713), ou

“Guerra do Açu”, e sistematicamente esquecidos no processo de apa-

gamento da memória étnica posto em curso na Província e, depois,

Estado do Rio Grande do Norte.

Somos da opinião de que este povo não foi extinto, mas “se

encantou”, para usar uma expressão recorrente nas culturas indíge-

nas do Nordeste brasileiro. Encantou-se porque os sobreviventes pas-

saram a ser chamados de “caboclos”, entre outras denominações, e

veio a contribuir na formação da população mestiça do Rio Grande do

Norte, especialmente, da microrregião do Vale do Açu, lugar de nasci-

mento e vivência do autor. Corroborando o que afirmamos, atualmen-

te ocorre a emergência de comunidades indígenas na região, já ha-

vendo duas, “Caboclos” e “Banguê”, ambas situados no município de

Assú, conforme informações da FUNAI/RN/Censo IBGE 2010.

O folheto pode ser reproduzido livremente, para qualquer pro-

pósito, exceto o comercial, desde que nos seja reservada a menção

de autoria.

Admitindo o risco de que esta narrativa possa conter inconsis-

tências de natureza histórica, antropológica, paleontológica e outras,

serão bem vindas todas as críticas e sugestões.

Benedito de Sousa Melo,

Alto do Rodrigues, 28 de maio de 2013.