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Alceu Amoroso Lima | Almeida Júnior | Anísio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda Álvaro Alberto | Azeredo Coutinho

Bertha Lutz | Cecília Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

Helena Antipoff | Humberto Mauro | José Mário Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Lourenço Filho | Manoel Bomfim

Manuel da Nóbrega | Nísia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dória | Valnir Chagas

Alfred Binet | Andrés BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Célestin FreinetDomingo Sarmiento | Édouard Claparède | Émile Durkheim

Frederic Skinner | Friedrich Fröbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

Jan Amos Comênio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

Johann Pestalozzi | John Dewey | José Martí | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco

Coordenação executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

Comissão técnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,

Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero

Revisão de conteúdoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

Conceição Silva

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)

Pinto, Aloylson Gregório de Toledo. Valnir Chagas / Aloylson Gregório de Toledo Pinto. – Recife:Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 166 p.: il. – (Coleção Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-504-31. Chagas, Raimundo Valnir Cavalcante, 1921-2006. 2. Educação – Brasil – História.I. Título. CDU 37(81)

ISBN 978-85-7019-504-3© 2010 Coleção Educadores

MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana

Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbitodo Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo acontribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de

melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formale não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos

contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não sãonecessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização.

As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicaçãonão implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCOa respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região

ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.

A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.

Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

www.fundaj.gov.br

Coleção EducadoresEdição-geralSidney Rocha

Coordenação editorialSelma Corrêa

Assessoria editorialAntonio Laurentino

Patrícia LimaRevisão

Sygma ComunicaçãoIlustrações

Miguel Falcão

Foi feito depósito legalImpresso no Brasil

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SUMÁRIO

Apresentação, por Fernando Haddad, 7

Ensaio, por Aloylson Gregório de Toledo Pinto, 11A luta pela educação brasileira, 11As ideias de Valnir Chagas, 27“A luta pela universidade no Brasil”, 35“Atualização e expansão do ensino de 1º e 2º graus”, 50O professor necessário, 70E agora, outra vez?, 71

Textos selecionados, 107Objetivos da educação, 107Objetivos do ensino de 1º e 2º graus, 109Autorrealização, 110Trabalho e lazer, 114Cidadania, 119Dos princípios à estrutura, 124Continuidade e terminalidade, 125Obrigatoriedade e gratuidade, 131Concentração, 135Progressividade, 136

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A estrutura, 138Os processos, 144

Cronologia, 155Bibliografia, 159

Obras de Valnir Chagas, 159Obras sobre Valnir Chagas, 164Outras referências bibliográficas, 164

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APRESENTAÇÃO

O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todoo país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeramalguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentosnessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas aoobjetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e daprática pedagógica em nosso país.

Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unescoque, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimentohistórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avançoda educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau ofEducation (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.

Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condições de cumprir osobjetivos previstos pelo projeto.

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Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, comotambém contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transiçãopara cenários mais promissores.

É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação esugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças quese operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tãobem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.

Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e doEstado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases nocomeço da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças easpirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido porFernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.

* A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste

volume.

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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio daeducação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, doPlano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não serádemais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cujareedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifestode 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao daeducação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideiase de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer daeducação uma prioridade de estado.

Fernando HaddadMinistro de Estado da Educação

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VALNIR CHAGAS(1921-2006)

Aloylson Gregório de Toledo Pinto

A luta pela educação brasileira

“Ação é pensamento expresso; pensamento, ação implícita;

e ambos orientam-se pelos valores que engendram.”

Valnir Chagas era, antes de tudo, um homem educado. Nãoapenas no sentido de ter muito estudo e aptidões intelectivas apri-moradas. Mas porque encarnava a difícil vocação de negociadorde dissídios. Sempre atento à inelutável dialética das situações dife-renciadas, dos interesses antagônicos, dos pontos de vista diver-sos, das condições históricas e conjunturais ele buscava, diligente-mente, o caminho menos oneroso e o mais factível para discernirobjetivos comuns.

Esse cearense, que haveria de destacar-se nacionalmente naslides da educação brasileira, nasceu no interior do estado, no mu-nicípio de Morada Nova, em 21 de junho de 1921. Espaço e tem-po de pobreza desoladora. Filho de Egídia Cavalcante Chagas –professora do primário e de Manoel Chagas Filho – funcionárioda rede ferroviária, Valnir era o terceiro dentre cinco irmãos: doishomens e três mulheres.

Sem o apoio de um sistema escolar público e sem recursospara a educação formal de uma prole numerosa, era comum asfamílias pobres naquela época encaminhar os meninos para os se-

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minários da Igreja Católica. E assim foi com Valnir, em seguida aoretorno do irmão mais velho que não se ajustara à experiência doseminário menor dos padres franciscanos, no município de Canindé,ainda hoje famoso na região pela grande afluência sazonal dosromeiros de São Francisco.

Seus primeiros estudos foram feitos com a mãe-professora e, aseguir, ao amparo dos religiosos que souberam bem instruí-lo nãoapenas no uso do vernáculo. O convívio com frades originários dediferentes países europeus e sua disposição para aprender valeram-lheo conhecimento precoce do latim, espanhol, francês, inglês, línguasque veio a dominar fluentemente e uma iniciação à língua alemã. Suahabilidade com as abstrações verbais foi uma das características maisevidenciadas ao longo de sua formação e do exercício profissional.

Valnir também tinha uma aptidão natural para a música, cujodesenvolvimento os frades igualmente souberam estimular. Aodeixar o seminário em busca de oportunidades que a vida estag-nada do interior não podia oferecer, suas habilidades musicais lhepermitiram amealhar alguns trocados na luta pela sobrevivênciaem Fortaleza. Tocava flauta, piano, violão, cavaquinho e bandolim.

Na capital do estado completou o curso secundário no entãoLiceu do Ceará, colégio público estadual. Seus dotes musicais euma disposição simultânea à crítica bem humorada das própriascircunstâncias, dos costumes e das instituições então vigentes leva-ram-no às serestas e destas à boemia. Na sua juventude e enquantosolteiro ele vivenciou a noite, havendo fundado uma “banda liceal”com alguns colegas também instrumentistas.

Durante o dia, Valnir mourejava em empregos modestos, decontínuo ou escriturário, inicialmente; depois, de professor de lín-guas, inclusive nos tradicionais colégios São José e São João darede particular da cidade. Todavia, ainda que ganhasse a vida comoprofessor de línguas – vernácula e estrangeiras – ele jamais forma-lizou esses conhecimentos mediante cursos superiores.

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Até por isso e ao longo de toda sua vida ele construiu a mere-cida fama de haver intelecto brilhante e invejável capacidade detrabalho. E, nesses primeiros tempos de experimentação, punha-sea explorar tantas oportunidades quantas aparecessem. Classificou-seem primeiro lugar em concurso para admissão ao Banco do Brasil.Na época, um dos melhores empregadores em um ambiente ca-rente de ocupações bem remuneradas e estáveis. Curiosamente,não aproveitou esse resultado. É provável que já houvera “toma-do gosto” pelo magistério ou que sua inquietude intelectiva se re-cusasse à rotina burocrática.

Seu primeiro curso superior foi o da Faculdade de Direito doCeará, concluído em 1944. Bem mais tarde, já participando do Con-selho Federal de Educação, haveria de formar-se bacharel e licencia-do em pedagogia pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará, deque fora um dos fundadores, professor nos cursos de letras e peda-gogia, além de Chefe de Departamento e diretor (temporário). Oconhecimento jurídico e o de sistemas e processos educativos con-vergiram para destacá-lo, entre os seus pares de Conselho, pela for-mulação exímia da legislação educacional então produzida.

Ainda em 1944, foi admitido, por concurso no Rio de Janeiro,ao magistério (civil) do ensino superior do Exército e lotado naEscola Preparatória de Fortaleza; cargo de que se afastou por apo-sentadoria, em 1974.

Casa-se em 1947, com Maria da Paz de Drumond Miranda,filha da tradicional família Teixeira, do município de Itapipoca.Conheceram-se por relações de vizinhança em Fortaleza e culti-varam longa amizade antes de chegar ao namoro e ao casamentoque completou 59 anos de feliz união. Seus filhos, Luis Helano, oprimogênito, que se dedicou à administração de negócios, e LiaDrumond Cavalcante Chagas, bióloga e bacharel em direito, de-ram-lhes cinco netos e dois bisnetos, o último dos quais o bisavônão chegou a conhecer.

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“Dona Pazinha”, como é carinhosamente nomeada na inti-midade, pessoa dinâmica, prática e determinada, viveu paraadministrar esse universo familiar e os relacionamentos sociais docasal, deixando o marido à vontade para as lides intelectuais e pro-fissionais. Dizem os amigos que, uma vez casado, o professor Valnirpassou a dedicar-se exclusivamente à família e ao trabalho.

De 1948 a 1953, organizou, instalou e dirigiu o DepartamentoRegional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).Embora se notabilizasse como mestre no ensino de línguas, a expe-riência da educação profissionalizante familiarizou-o com os proble-mas e necessidades dos estudantes que a buscavam e também comas possibilidades formativas da aprendizagem do trabalho. Aliás, foisua participação no Seminário de Orientação Técnica do EnsinoComercial, realizado em Florianópolis (1948), quando pronunciouconferência, que mais tarde, ampliada, resultou no livro Didática espe-cial de línguas modernas. Foi também coordenador do ensino comercialdo setor Nordeste Oriental, de 1955 a 1958, designado pelo Minis-tério da Educação e Cultura; e representante desse Ministério no Con-selho Regional do Senac-Ceará, de 1957 a 1961. Dirigiu o InstitutoBrasil – Estados Unidos, do Ceará (1959/1961).

Participou de amplas investigações, dentre as quais se destacama da comissão que se encarregou, no setor Nordeste Oriental, dapesquisa sobre o nível mental da população brasileira, de que re-sultou o INV (Teste de Inteligência Não Verbal), em 1955; a pes-quisa didática, patrocinada pela diretoria de ensino comercial doMEC, compreendendo a elaboração e experimentação demetodologia denominada “sistema de classes-empresas”, em 1958;e a revisão do Projeto de Ensino por Televisão desenvolvido pelaUniversidade do Texas e o Instituto Tecnológico e de EstudosSuperiores de Monterrey, México (1964).

Atuou no Conselho Estadual de Educação do Ceará de 1956a 1962, do qual se exonerou a pedido.

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Com a criação da Universidade Federal do Ceará (UFC), de-dicou-se ao ensino superior e dirigiu o Departamento de Educaçãoe Cultura dessa instituição, de 1958 a 1962. Nesse período, orien-tou e coordenou três seminários anuais de professores dessa uni-versidade, incrementando, no estado, o movimento então nascen-te da Reforma Universitária (1959/1961); fez curso de espe-cialização em “Secondary Education and Teachers College”, nasuniversidades de Michigan e Columbia (Estados Unidos, 1959);elaborou o projeto inicial e coordenou a execução do “Planeja-mento para Seis Anos” da Universidade Federal do Ceará (1960);e assumiu o planejamento em novos moldes da recém-criada Fa-culdade de Filosofia, Ciências e Letras (1960/1961).

Nomeado professor catedrático da Universidade Federal doCeará, lotado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (1961),foi seu diretor de 1962 a 1963. Instituição essa desdobrada emvárias unidades universitárias, uma das quais a Faculdade de Edu-cação, da qual foi não só um dos idealizadores e fundadores, comotambém diretor, em 1969/1970, e onde lecionou até 1974.

O curso de pedagogia dessa faculdade, que tive a oportunidadede fazer, iniciando-o em 1964, foi pioneiro na experimentação efe-tiva do primeiro ciclo universitário que, posteriormente, seria gene-ralizado à universidade brasileira por meio da reforma universitária.

A atuação acadêmica do professor Valnir, naquela altura,extrapolara os limites da região e obteve reconhecimento nacionalcom a nomeação para o Conselho Federal de Educação. Nomeaçãoconsecutivamente renovada até o limite da lei, perfazendo o períodode quatorze anos, de 1962 a 1976.

Nesse posto foi surpreendido, como também toda a nação,pelo golpe militar que interrompeu a evolução de nossa frágil de-mocracia política. Em 1964, iam avançadas as discussões sobre areforma universitária. Os estudantes delas participavam intensa eacaloradamente, apesar de que o autoritarismo hegemônico tudo

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viesse a fazer para reduzir essa participação e as vozes dissonantesdas concepções conservadoras. O professor Valnir sempre estiveraà frente das propostas de atualização institucional. Mas o Conselho,doravante, haveria que atuar sob a pressão de um Poder Executivodescontrolado e arbitrário, ao ponto de marginalizar indivíduos einstituições que se lhe opusessem ostensivamente.

A resistência à ditadura, no plano institucional, teria que ser sutil,mas pode ser aquilatada pelo que permaneceu, de fato, da legislaçãoda reforma universitária daquele período, uma vez diluída a coaçãoque o governo militar então exercia sobre sujeitos e grupos.

Desde 1963, e até 1967, Valnir foi membro da Comissão deEspecialistas do Ensino Superior para Formação do Magistério,do Ministério da Educação e Cultura. Em 1965, faz sua segundaespecialização: “University Administration”, nas universidades deLondres, Exeter, Sheffield e Lancaster (Inglaterra).

Coube-lhe, então, relatar o anteprojeto de que resultou o De-creto-Lei nº 53/65, primeiro ato legislativo da Reforma Univer-sitária, completado em seguida pelo Decreto-Lei nº 252/66. Aqueleanteprojeto sintetizava prolongada discussão da universidade bra-sileira que convergira para o Conselho Federal de Educação e,naquele momento, tomava forma sob condições adversas.

O professor Valnir participa do grupo de trabalho da Refor-ma Universitária, responsável pelos anteprojetos e relatório finalde que resultou a legislação da Reforma Universitária, em sua pri-meira fase: leis 5.537/68, 5.539/68 e 5.540/68; e decretos-leis 464/69 e 465/69. E é nomeado pelo presidente da República, em 1968,membro da Comissão Nacional de Implantação da ReformaUniversitária.

Para o entendimento do embate político subjacente ao pro-cesso dessa Reforma, vale a pena comparar a legislação dele re-sultante com as proposições da Comissão especial instituída pelo De-creto 62.024, de 29/12/1967 e presidida pelo general Carlos de

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Meira Mattos, contidas no documento que ficou conhecido comoRelatório Meira Mattos, “publicado no Suplemento do n° 168 doDiário Oficial”. Comissão essa instituída pelo Poder Executivo cercade seis meses antes da nomeação daquele grupo de trabalho, quecom este concorria e, felizmente, perdeu na competição.

Perdeu porque, no âmbito das instituições educacionais fede-rais houve quem resistisse à prepotência do regime de exceção, aeste se opondo, na medida das contingências daquele momento,mediante o conhecimento crítico das condições e possibilidadesda universidade que tínhamos e a competência propositiva de suamodernização, para além do pensamento único então vigente.

Pensamento que parecia pautar-se apenas por dois critérios ex-clusivos: manutenção da segurança do governo quanto às atividadesdos acadêmicos, fossem professores ou estudantes, e atribuição deeficiência funcional ao desempenho da oferta de cursos. Em nomede tais critérios, o próprio Conselho Federal de Educação é respon-sabilizado pela “crise de autoridade” que acometeria o conjunto doensino superior público, cuja irresolução decorreria também da inérciadesse Conselho e daria vez a usos e abusos inaceitáveis na perspec-tiva daquela Comissão.

O processo mesmo de reforma das universidades, em curso desde1965, é criticado no relatório por sua “implantação lenta e desor-denada... sem uma visão objetiva da necessidade de reduzir currículose duração de formação profissional de algumas especialidades.”

Paradoxalmente à suspeição de inoperância, a Comissão con-sidera que o CFE tem mais poderes que o próprio ministro, emclara indicação de que seria conveniente minimizar as atribuiçõescolegiadas do órgão para concentrar nas instâncias do Poder Exe-cutivo a capacidade de determinar monoliticamente as instituiçõesuniversitárias e controlar a movimentação política de docentes ediscentes em especial.

Até para isso,

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A Comissão Especial sugeriu a alteração do sistema de nomeaçãodos reitores das universidades e diretores de estabelecimentos deensino superior, atribuindo ao presidente da República o poder depreencher tais cargos, independente de indicação das respectivas uni-versidades ou congregações.

Quando o CFE recebeu oficialmente, do ministro de estadode Educação e Cultura, o aviso 499/B, de 29 de agosto de 1968,encaminhando o relatório da Comissão especial, foi possível respon-der-lhe, entre os salamaleques convenientes, que esse relatório “aquichegou depois de já haver este Conselho se manifestado sobre orelatório do grupo de trabalho da Reforma Universitária.” E queos problemas aludidos por aquela Comissão “mereceram pro-nunciamento deste Conselho, quando examinou o relatório dogrupo de trabalho de Reforma Universitária, sobre os quais ogoverno já fixou diretrizes”. (cf. Parecer n.º 120/69. In: Documentan° 98 (pp. 124-127). Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1969).

No âmbito local, Valnir Chagas elabora os projetos originais doPlano de Reestruturação, do Estatuto e do Regimento Geral da Uni-versidade Federal do Ceará (1968/1970); bem como os anteprojetosde Estatuto, Regimento Geral e Sistema Curricular de que resultou anova organização da Universidade de Brasília – UnB (1970/1971);orienta, entre outras, a reforma da Universidade Federal do Pará (1970).Neste período, faz uma terceira especialização: “Manpower Planningand Analysis”, na Michigan State University, EUA (1969).

Em 1970 é posto à disposição da Universidade de Brasília,como professor titular, lotado na Faculdade de Educação. É oano em que assume a relatoria do grupo de trabalho constituídoem obediência ao decreto presidencial nº 66.600/70, que elabo-rou a doutrina com o anteprojeto de que resultou a lei nº 5.692/71: de diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus.

Na sequência, o professor Valnir deixa-se absorver pelo es-forço de explicitar as normas e disposições necessárias à execuçãodessa Lei. Dele fazem parte destacada a elaboração do Parecer nº

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853/71, que fixa as normas de conteúdo e duração para o NúcleoComum do ensino de 1º e 2ª graus e apresenta a doutrina docurrículo emergente da lei nº 5.692/71; e sua atuação como coor-denador e relator do grupo de trabalho, designado pelo ministroda Educação e Cultura, que estudou a doutrina, a política e a im-plantação do ensino supletivo (1972).

O ápice de sua dedicação ao processo de atualização e expansãodo ensino de 1º e 2º graus foi a proposta da política e das estruturascurriculares para a formação de professores que pudessem darsuporte executivo às diretrizes e bases estabelecidas. Tal era a cons-ciência de que não se realizariam as mudanças pretendidas sem oentendimento da nova legislação pelos agentes do sistema educa-cional que, no segundo semestre de 1970, antes mesmo de concluídasua apreciação no Congresso, a Universidade de Brasília (UnB) jáoferecia, por meio da Faculdade de Educação, o primeiro de umasérie (prevista) de três cursos de especialização na reforma do en-sino de 1º e 2º graus, para professores de universidades públicasem todos os estados e técnicos das respectivas secretarias de edu-cação. Pretendia-se que esses especialistas assessorassem a implan-tação das mudanças nas diferentes unidades da Federação. A fi-gura mais atuante desse curso, como não poderia deixar de ser, foiValnir Chagas. O curso, todavia, não mais se repetiu.

De 1973 a 1976 o professor Valnir submeteu sucessivamenteà apreciação da Câmara de Ensino Superior e ao plenário do CFE:

1. A Indicação nº 22 – introdutória à política de formação domagistério (aprovada em 8/02/1973);2. A Indicação nº 23 – pertinente às licenciaturas da área deeducação geral (aprovada em 08/02/1973);3. A Indicação nº 36 – pertinente ao curso de licenciatura emeducação artística (aprovada em 09/08/1973);4. A Indicação nº 46 – pertinente ao curso de licenciatura emciências (aprovada em 07/06/1974);

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5. A Indicação nº 67 – pertinente aos estudos superiores deeducação (aprovada em 02/09/1975);6. A Indicação nº 68 – pertinente à formação pedagógica daslicenciaturas (aprovada em 04/12/1975);7. A Indicação nº 70 – pertinente ao preparo de especialistasem educação (aprovada em 29/01/1976); e8. A Indicação nº 71 – pertinente à formação de professorespara educação especial aprovada em 12/02/1976).Dessas indicações, a de nº 7 foi homologada pelo ministro da

Educação e Cultura, por despacho de 04/03/76, publicado noDiário Oficial da União, de 11 do mesmo mês, p. 3412 (cf. Chagas,1976, p.101 (*); e, a seguir, “desomologada”. Talvez porque o entãoministro da Educação, Ney Braga, estivesse mais atento às pressõescorporativas oriundas do meio universitário do que às contingênciascurriculares dos estudantes no ensino de 1º e 2º graus.

Esgotada a possibilidade de renovação de sua permanência noCFE, Valnir Chagas retoma suas atividades docentes na Faculdadede Educação da UnB e acadêmico-administrativas: membro doConselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, nomeadopor ato presidencial (1972); do Conselho de Ensino e Pesquisa, daCâmara de Ensino de Graduação e da Comissão (“permanente”)de Enquadramento da Universidade de Brasília (1974/1991).

Entre 1970 e 1989, o professor Valnir atuou em órgãos deli-berativos ou comissões permanentes, de âmbito nacional, rela-cionados à educação: Comissão Nacional do Concurso Vestibular;Comissão Nacional de Pós-graduação em Educação; Comissão deEspecialistas em Faculdade de Educação; Conselho Consultivo doInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep); etc.

Participou da seção brasileira da Comissão Mista Brasil-Ar-gentina, designada por decreto presidencial, que discutiu, em BuenosAires, a revisão do convênio de Intercâmbio Cultural entre os doispaíses (1971); da delegação brasileira, designada por decreto presi-

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dencial, à XXIII Conferência Internacional de Educação, promo-vida pela Unesco e realizada em Genebra (1971); da delegação,designada por decreto presidencial, que representou o Brasil naXVII Conferência Geral da Unesco, realizada em Paris (1972); dadelegação brasileira, designada por decreto presidencial, à Confe-rência Internacional de Educação, promovida pela Unesco e reali-zada em Genebra (1973).

Foi ainda membro do grupo de trabalho criado pela ministrada Educação e Cultura, professora Esther de Figueiredo Ferraz,para rever a legislação da Reforma Universitária (1982); do conse-lho editorial da Revista brasileira de estudos pedagógicos, do Inep-MEC(1983/1985); de comissões examinadoras de habilitação à livre-docência, ao provimento de cátedras e de titularidade docente deilustres professores, como Heládio César Gonçalves Antunha (Uni-versidade de São Paulo – 1971 e 1980); João Eduardo RodriguesVillalobos e Amélia Domingues de Castro (Universidade de SãoPaulo – 1974); Glaura Vasques de Miranda (Universidade Federalde Minas Gerais – 1981), José Carlos de Araújo Melchior (Univer-sidade de São Paulo – 1986); além de outros.

Ainda que fosse tímido e sofresse em cada vez que se expunhaa públicos maiores, o professor Valnir pronunciou conferências,aulas inaugurais e envolveu-se em debates não escritos em univer-sidades (Pará, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo,Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande doSul, Minas Gerais, Brasília); em Secretarias de Educação; no Ser-viço Nacional de Aprendizagem Comercial e no Serviço Nacionalde Aprendizagem Industrial; no Conselho de Reitores das Univer-sidades Brasileiras; no Centro Nacional de Aperfeiçoamento dePessoal para a Formação Profissional; no Fórum de Ciência eCultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro; na SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência; et al. (1953/1989). Em cer-ta ocasião, confidenciou-me que tinha lido muito sobre a timidez,

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mas toda essa leitura de nada lhe valera para afastar de si o medode gente. Nem por isso abandonou sua luta por uma educaçãobrasileira e de qualidade para todos os brasileiros.

Valnir Chagas gostava, mesmo, era de lecionar. Esse termoentendido como um processo de aprendizagem compartilhada. Éfato que suas preleções eram deliciosas. Os alunos assistiam-nascom evidente encantamento. Sua fala era verdadeiramente um dis-curso claro, muito articulado e entremeado de vivências inéditas,pontilhadas de humor. Não havia quem não a apreciasse com aten-ção e saísse da interação com ele sem acrescentar algo à própriaexperiência. Mas o professor não nos permitia a contemplaçãopassiva de um espetáculo não participativo. Quando o questio-namento não vinha espontâneo de nós alunos, logo era provocadopor ele. E seguíamos assim, ainda que um tanto distraidamente,como testemunhas e provadores do processo de construção daeducação brasileira.

Eram tempos de intolerância e imposição hierarquizada, mas oprofessor não se furtava a discussão do seu desempenho nas fun-ções que exercia; nem conosco jamais utilizou senão de sua inteligên-cia para contestar nossas razões e entender diferentes pontos de vis-ta à possível correção de eventuais descaminhos. Vez por outra, al-gum desentendimento revelava-se mais difícil de resolver. Com oValnir porém, no processo didático o argumento de autoridade nãoseria invocado. Esse embate seguramente não se dava entre iguais,mas, em compensação, travava-se com uma geração aguerrida edisposta a contribuir para mudar o Brasil e, talvez, o mundo...

Por meio do diálogo que soube levar com os mais jovens, oprofessor Valnir identificava promissoras vocações acadêmicasentre os estudantes, estimulava-os a progredir, apoiando-os noinício da carreira universitária e, não raro, utilizou de seu pres-tígio no meio para preservá-los das disposições repressivas doregime político vigente.

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Ao longo de sua vida e atividade profissional, acumulou nu-merosos títulos e comendas: do seu estado natal; de diferentesuniversidades: doutor Honoris Causa da Universidade Federal deSanta Maria (RS, 01/1973) e professor Honoris Causa da Universi-dade Federal do Espírito Santo (ES, 03/1983), ambos concedidospelos respectivos Conselhos Universitários; do Conselho Nacio-nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); dogoverno brasileiro; e do governo francês.

Exerceu atividade docente no curso de pós-graduação da Fa-culdade de Educação da UnB até aposentar-se, no ano de 1991,quando atingiu a idade limite, no serviço público, para permanecerem atividade.

Raimundo Valnir Cavalcante Chagas faleceu em 4 de julhode 2006.

Por essa ocasião, o professor Elício Pontes e eu, seus ex-discí-pulos na UFC e “colegas” na Faculdade de Educação da UnB,redigimos uma breve nota de falecimento que se encerrava assim:

Qualquer que seja a polêmica em torno de sua obra, há que nelareconhecer uma inteligência privilegiada, a capacidade de lidar com ahistoricidade da cultura brasileira e a intenção de contribuir à suaprogressiva humanização. Seus amigos e, especialmente, os quetiveram o privilégio de ser seus alunos não esquecem o brilho deseu conhecimento e a elegância com que se colocava a serviço daaprendizagem.

Afora os três livros que publicou, seus escritos estão espalha-dos por numerosas publicações, separatas e opúsculos. A Documen-ta, revista oficial do então Conselho Federal de Educação, hojeConselho Nacional de Educação; e a Revista brasileira de estudos peda-gógicos, do MEC-Inep (Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais Anísio Teixeira) são as principais fontes de acesso aoconjunto dos trabalhos que produziu ao longo de catorze anoscomo membro daquele Conselho. Ao todo, segundo ele mesmo,chegou a relatar 504 processos durante esse período.

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Não só esses produtos, mas inclusive seus livros constituem oregistro evolutivo de uma experiência pessoal e profissional densa-mente refletida no conhecimento histórico e contemporâneo daeducação, vivida em diferentes configurações locais, como tambémnos contextos nacional e internacional. Valnir Chagas partia sempreda situação atual para a análise dos seus antecedentes e espelhava-asno acervo da pedagogia, até chegar ao encaminhamento criativodas proposições à sua manutenção ou modificação.

Sua atenção teve como objetos de estudo praticamente todosos componentes estruturais do sistema educacional brasileiro, nosentido vertical – a sequência e articulação do ensino fundamental,médio e superior, inclusive a sistematização inicial da pós-gradua-ção; e no sentido horizontal – a gênese dos conceitos úteis à com-posição, ao relacionamento e à diferenciação de currículos em cadanível da escolaridade e modalidade de educação.

Nesse sentido, propôs a reorganização didática da experiênciaescolar segundo as características evolutivas dos educandos, ao longoda escala de escolarização. Bateu-se com a dualidade estrutural que,historicamente, dividia o ensino médio em ramos: os profissio-nais, de um lado, que preparavam para o mercado de trabalho, e osecundário que não preparava senão para os exames de ingressono curso superior – um esquema de indisfarçável discriminaçãosocioeconômica para manutenção do status quo.

No ensino superior, haveria de lutar pela atualização de suasestruturas e processos funcionais, entre os quais a extinção da cáte-dra vitalícia; a instituição do departamento como a menor unidadeestrutural da universidade; a indissociabilidade de ensino e pesquisa;a superação da dualidade de bacharelados e licenciaturas, cuja tradi-ção não só desconhecia a formação de professores para o início daescolarização, como cuidava apenas da preparação de docentes parao curso secundário: simplesmente não havia, então, solução instituí-da à formação de professores para os ramos técnicos do ensino

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médio. O magistério das disciplinas técnicas do ensino profissionalera exercido por bacharéis e profissionais de nível médio, ao sabordas contingências da oferta e procura de trabalho.

O estabelecimento de critérios para o reconhecimento de uni-versidades ou para definir a duração dos cursos, sua carga-horária eo modo de contabilizá-la; a passagem das rígidas séries anuais para amatrícula por disciplinas; a padronização dos registros mínimos deinformação componentes do significado dos diplomas de cursosprofissionais; formas de controle de frequência escolar; normas aojubilamento de estudantes. A tudo isso e a outros aspectos ainda nãomencionados, como o regime de trabalho em tempo integral e de-dicação exclusiva e a abolição de aulas aos sábados nos estabeleci-mentos federais de ensino superior; a remuneração do professorpelo seu nível de qualificação e não pelo grau em que atue, o profes-sor Valnir deu sua atenção, na companhia de seus pares de Conselho,para melhorar as práticas educacionais vigentes ou instalar novospadrões didático-administrativos.

Seu trabalho foi eminentemente social porque estava ao per-manente serviço das instituições pedagógicas, seja no CFE, seja nasdemais instituições em que atuou simultânea ou seguidamente. Etambém porque nessas instâncias ele criticava o estabelecido, discutiaabordagens distintas, negociava a exequibilidade de novos padrões,recolhia contribuições inovadoras e acabava por dar-lhes a últimaforma que não dispensava o traço de sua contribuição original.

Vale notar a problemática típica do trabalho sóciopolítico dosconselhos de educação: suas proposições devem, na medida do pos-sível, atender a questões de ordem local ou particular, mas configuraralguma resposta passível de generalização, firmando jurisprudência arespeito; ou, pelo contrário, formular ou reformar normas, fazendo-as aceitáveis no âmbito de município, estado ou Federação, apesar dagrande diferenciação social e econômica e dos múltiplos interesses queessas esferas administrativas necessariamente comportam. Não é fácil

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consegui-lo. Dir-se-ia que é mesmo temerário, ainda que indispensávelem um país com as dimensões do nosso. Mas dá para imaginar adificuldade que esse cometimento envolve, a competência e audáciaque requer, principalmente no nível federal.

O professor Valnir dispunha de ambas. E colocou-as a serviçoda educação. Do sistema público de educação, seria melhor dizer.

Esse sistema, por sua vez, deve exercer, com equidade, o con-trole de unidades escolares públicas e privadas e garantir, para oscidadãos que deles se servem, sua unidade e consistência com aformação da cidadania e consolidação da nacionalidade.

Isso seria menos árduo se as escolas particulares não fossemtambém um negócio e, como tal, visceralmente orientadas à obten-ção de lucro, à economia de custos, aos motivos de seus proprietá-rios ou entidades mantenedoras. É preciso pois, que suas atividadessejam reguladas, os direitos dos usuários garantidos e seja assegura-do um padrão educacional capaz de satisfazer as necessidades ecaracterísticas dos estudantes e as aspirações de seus familiares.

A escolaridade pública, por sua vez, ainda que voltada à reali-zação dos interesses coletivos sofre, no Brasil, de crônica escassezde recursos que dificulta ou impede a instalação adequada de suasunidades escolares e a plena atualização de seus processos didáti-co-administrativos, condenando-a, portanto, as mais das vezes, àrelativa ineficiência de suas práticas e à ineficácia de resultados.

Os conselhos de educação, em seus diferentes âmbitos de al-cance, são como caixas de ressonância de todos os problemaseducacionais e devem lidar com eles, proceder à mediação dosinteresses por vezes conflitantes do estado e de particulares, inter-pretar a legislação estabelecida, recomendar soluções possíveis,propor legislação no sentido de aprimorar as condições vigentesda educação institucionalizada.

A essas tarefas, sempre interativas e de alcance político, o profes-sor Valnir dedicou boa parte de sua vida e maturidade profissional.

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As ideias de Valnir Chagas

O seu livro Didática especial de línguas modernas, cuja primeiraedição data de 1957, fornece-nos um panorama da atualidade doautor, em relação ao contexto internacional da educação em mea-dos do século XX. Desde então e ainda que no escopo do ensinode línguas, sua disposição era vanguardista e seu foco dirigia-semais à educação que poderia resultar da aprendizagem de línguasdo que à especificidade desse campo de conhecimentos.

Suas preocupações dirigem-se à necessidade de atualizaçãometodológica desse ensino, considerada a classe escolar não comoum mundo à parte, mas como o lugar onde a existência pode serrefletida e sistematizada.

[...]

É curioso notar como os avanços da ciência pedagógica só a custopenetram na cidadela do formalismo livresco que se construiu emtorno do ensino das línguas – sejam estrangeiras ou nacionais, sejamclássicas ou modernas. Isto parece constituir mesmo uma caracterís-tica definidora desse antiquíssimo departamento da ciência da edu-cação, porque ainda hoje, em época de transformações tão radicais, agramática rançosa e os métodos formais continuam a imperar oni-potentes, desafiando a argúcia dos estudiosos e o poder inovadordas novas gerações. A doutrina se aperfeiçoa; surgem novas concep-ções didáticas; multiplicam-se quase ao infinito os meios auxiliarespostos à disposição dos mestres – e cada vez mais cresce o abismoentre a classe e a vida que se vive. (Chagas, 1979, p. 43.)

[...]

Valnir vai fundo na pesquisa histórica da pedagogia para com-preender seus fundamentos e verificar os avanços, nem sempre con-tínuos, a que se chegara no mundo, e a que se poderia chegar no país.Sua mirada é larga, para além do constrangimento disciplinar ou daespecificidade do estudo de línguas e das respectivas literaturas:

[...] A missão da escola entrou a ser encarada de um ângulo mais amploe por critérios mais estritamente objetivos, associando-se à instrução definalidades meramente informativas a educação que forma e constrói.

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Novamente – porque a ideia vinha de Rousseau e dos filantropos –ao lógico contrapôs-se o fator psicológico da aprendizagem, atravésde uma valorização do interesse, como elemento fixador da atençãoe vitalizador do esforço, sem o qual não se alcançaria a atividadefecunda e atraente da instrução educativa. O princípio da intuição, quePestalozzi formulara e aplicara à escola elementar, foi posto em rele-vo, de maneira sistemática, para abranger agora as sucessivas etapasdo trabalho escolar; e este, por sua vez, deixou de ser unicamenteindireto para alçar-se à observação imediata da própria realidade. Aexperiência pessoal do aluno passou a ser levada em conta na aquisi-ção de novos conhecimentos e atitudes, graças à teoria da apercepção.Desta resultou mais tarde a fixação dos vários passos formais do ensi-no, grande contribuição de Herbart que, a partir dos trabalhos deZiller, iria destacar-se no conjunto de sua psicologia para converter aaprendizagem num processo determinado a priori e de desenvolvi-mento puramente mecânico. Finalmente, o princípio do autogovernodos educandos, a ser conseguido mediante uma intervenção discretados mestres, surgiu pela primeira vez como norma tendente a esta-belecer, na escola, um justo equilíbrio entre os eternos extremos daliberdade e autoridade.

Outras influências igualmente poderosas vieram juntar-se ao sistemacompacto da psicopedagogia de Herbart. Projetando em novo plano ointuicionismo naturalista de Pestalozzi, Froebel e Diesterweg conce-beram e deram feição prática aos jardins de infância (Kindergarten) e àsescolas de trabalho (Arbeitschulen), ao mesmo tempo em que,estruturando-se como ciência, a pedagogia experimental se arrogava umcampo de incidência quase ilimitado no conjunto de ação educativa,abrangendo desde a criança ao adulto e assim os normais como osanormais. Sentia-se em tudo um ímpeto de renovação, um renascer deesperanças, um florescer de iniciativas que anunciavam, na inquietudedeste começo de século, uma nova era que estava prestes a surgir.

Aferrando-se embora aos seus velhos dogmas, com disfarces quenão escondiam o secular anacronismo que o minava, o ensino daslínguas não pôde fugir ao impacto da onda inovadora que tudoinvadia e contagiava à sua passagem. E, com efeito, como aindaimpingir a aridez de listas de palavras e regras de gramática a estudan-tes cujo interesse deveria ser a grande força motivadora de aprendiza-gem? Como considerar apenas o aspecto gráfico do idioma, numa

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época em que se visava principalmente à educação integral? Comoprosseguir falando exclusivamente a língua materna em aula de idio-ma estrangeiro, e como ainda transmitir o valor semântico dos vocá-bulos pelo recurso indireto da tradução, quando o princípio da in-tuição era a doutrina mágica do momento? Como nivelar a aprendi-zagem dos escolares ao plano uniforme das mesmas noções grama-ticais, se o princípio da apercepção estava na ordem do dia e a todosempolgava? Sobretudo, como insistir em que todos os alunos, namesma hora, dissessem as mesmas coisas, conjugassem os mesmosverbos, memorizassem as mesmas palavras ou fórmulas e realizas-sem as mesmas ações, num instante em que se aludia com insistênciaà flexibilidade do ensino e ao autogoverno dos educandos? Positiva-mente, o estudo das línguas tinha que atualizar-se, para acompanharas transformações profundas por que passava a velha arte de educar.(Chagas, 1979, pp. 48-49.)

[...]

Entretanto, o mestre mantinha-se atento aos exageros do entu-siasmo com a metodologia científica que assumia uma expressãohegemônica sobre quaisquer outras formas de produção de conhe-cimento na primeira metade do século passado. Particularmente asciências da natureza que, à época, eram creditadas como exatas, de-ram vezo a incautos acadêmicos para olhar sobre outros campos deconhecimento, notadamente os estudos sociais aplicados, como senão tivessem valor equivalente. Talvez pior, as retumbantes conquis-tas do conhecimento científico e o avassalador processo de desco-bertas e invenções indutoras ao desenvolvimento tecnológico pro-duziram um movimento de transposição, de algum modo ingênuo,dos métodos experimentais às ciências humanas. Ao ponto que umde seus críticos chegou a dizer, da psicologia, por exemplo, que“para ser científica, deixara de ser humana”.

O humanismo do professor Valnir não se deixou iludir portais excessos. Pelo contrário, interage com a ciência e as técnicassem vestígios de submissão, como se pode perceber no seu texto:

[...]

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O essencial [...] é que o científico não chegue jamais a eliminar ohumano. Todas estas comprovações experimentais valem apenas comodados iniciais para orientar a subsequente atuação do professor, istoé, como verdades que existem sempre em função de verdades me-lhores. É sobretudo neste particular que repousa a grande diferençaentre o método científico e o método pedagógico: aquele admiteuma ciência formada; este, ao contrário, é caracteristicamente o métododa ciência em formação. Com efeito, [...] quem não sentiria, honesta-mente, uma certa e natural hesitação ao impedir que determinadocandidato se matriculasse num curso de língua, pelo simples fato deum teste psicológico, em alguns minutos, o haver mecanicamentecontraindicado? “Educar sobre a base de uma limitação inicial”, ob-serva com razão Lombardo-Radice, “não é propriamente educar: émoldar; é comprimir”.

E este tem sido, em que pese aos seus inegáveis méritos, o grandepecado do método científico no ensino das línguas modernas:apoiar-se, de modo incondicional, nos resultados de exames fei-tos em grupos de indivíduos – os quais, como toda “amostra”, nãopassam de meras ... amostras – e aplicá-los indiscriminadamente aoutras pessoas, em novas situações, ao longo de todas as aulas e detodo o curso. Como sugestões iniciais, sujeitas aos constantes ajus-tamentos ditados pela psicológica flexibilidade de tudo o que é hu-mano, esses elementos são excelentes. Mas fazer justamente o inverso,conformando todo o ensino aos modelos prévios de tais experiências,é algo que não se pode admitir de nenhuma forma, porque cada serhumano, dotado como é de “autonomia funcional”, constitui umapersonalidade inconfundível, de estrutura psicológica sui-generis, quenão ultrapassa os limites de sua própria vida individual. É curiosoobservar como se condena a escola tradicional pelo que ela tinha deantecipado, decidindo aprioristicamente o que o educando deveria ser,fazer ou aprender. Ora, não é isso também, mutatis mutandis, o quetem feito este método científico à outrance, conformando o ensino aesquemas que, em relação a novos indivíduos, são quase tão apriorísticoscomo os daquela?

Aliás, por que “método científico”, se o ser científico é apenas umadentre as muitas facetas do Método? O qualificativo impõe umalimitação pedagogicamente inaceitável, porque afinal todo métododeve ser não somente cientifico mas, no caso particular das línguas,

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direto, intuitivo, fonético, psicológico, natural e tudo o mais que sepossa legitimamente desejar para encaminhar o trabalho educativo,em cada momento da sua evolução, no sentido de alcançar rápida eeficazmente o objetivo que se tem em mira.

O método é natural, na medida em que adota os processos emprega-dos no aprendizado da língua materna, pouco importando que seatenha, ou não, ao sistema de Berlitz e seus seguidores. É psicológico,não apenas por lançar mão das séries de Gouin, em algumas circuns-tâncias específicas, mas sobretudo porque nenhuma concepçãoeducativa, em nenhum instante do seu desenvolvimento, poderájamais deixar de subordinar-se às normas que regem a marcha com-plexa e ininterrupta do ajustamento humano. É fonético, segundo orealce que atribui ao aspecto oral da linguagem, buscando as melho-res técnicas que assegurem urna reprodução tanto quanto possívelexata da pronúncia estrangeira. É intuitivo, conforme se funda empercepções e representações claras, precisas e totais da realidade mediataou imediata, sem que com isso se devam obrigatoriamente usar aslições de coisas ou os quadros-murais. É direto, sempre que o ensinodo idioma se faz no próprio idioma. É científico, quando se inspirano espírito de ordem e clareza que caracteriza todas as ciências, e o seuconteúdo, por conseguinte, emerge de “uma verificação precisa e con-trolada” da matéria considerada, dos meios empregados para trans-miti-la e dos próprios indivíduos que deverão aprendê-la.

O Método é tudo isto – porém é muito mais do que isto. [...] De fato,ele resulta dos esforços conjuntos de professor e alunos e é, assim,menos um que fazer do que um que se faz ou um que se fez. Estaconceituação instrumentalista elimina a possibilidade dos sistemasparticulares e rígidos, uma vez que, segundo a observação de umrealista do porte de Meumann, “toda experiência tendente a adotar ummétodo exclusivo fracassa inapelavelmente, ora pelas diferenças indivi-duais das disposições linguísticas, ora pela variedade dos fins educativose culturais visados com o ensino dos idiomas estrangeiros”. Não fa-lemos, pois, de métodos. Falemos do Método, ou melhor ainda, repe-tindo as palavras sempre oportunas de Münch, de “uma condutametódica, um pensamento metódico, cujos fundamentos residemassim nas leis da nossa vida espiritual como na própria natureza doconteúdo didático”. (Chagas, 1979, pp. 99-102)

[...]

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Um dos aspectos que mais encanta no posicionamento didáticodo professor Valnir é a consciência, nele inalienável, de que a disci-plina a ensinar e o seu respectivo conteúdo são meios para o desen-volvimento do estudante. Consciência essa muito pouco comumentre os professores, ainda hoje, particularmente aqueles que nãotêm formação pedagógica. Esses, em geral querem ensinar o quesabem, atentos principalmente à informação e à lógica intrínseca docampo de conhecimento a ministrar. A subjetividade do aluno e oconhecimento de suas circunstâncias sociais e econômicas são, prati-camente, desconsiderados na escolaridade formal, enquanto os len-tes se deixam seduzir pelo valor intrínseco da objetividade dos co-nhecimentos, objetivamente imposta aos aprendizes, à revelia de seusmotivos e possibilidades. Educar parece-lhes mais uma responsa-bilidade familiar que propriamente escolar, sobretudo no ensino su-perior quando, supostamente, se lida com adultos. Suposição que sesustenta apenas em discutível referência cronológica.

Ora, tomar os conteúdos didáticos como objeto, sem dúvidaprivilegiado, da atividade dos estudantes, no sentido de seu ama-durecimento intelectivo, e para o discernimento de valores é muitodiferente de sujeitar os alunos à passiva aceitação do espetáculodos mestres, sob a condição irrecusável de avaliações seletivas, como fito de transmitir conhecimentos.

Talvez Valnir Chagas tenha se saído melhor do que eles, não sópor sua erudição pedagógica, mas porque seu métier fosse o ensinode línguas, o da língua vernácula em especial, que se confunde coma própria gênese da inteligência e dos afetos da pessoa, emboranão a esgote. Para ele, as línguas modernas:

[...] poderão também contribuir, e o fazem com inegável proveito,para desenvolver a capacidade de reflexão, a agudeza de julgamento, oespírito de observação, o senso de iniciativa e a apreciação de valores,assim como as atitudes mentais positivas e socialmente úteis. Ne-nhuma destas características, nem mesmo a primeira, constitui afinalprivilégio do latim ou das ciências matemáticas, como se supôs du-

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rante muito tempo por um injustificável anacronismo psicológico.Aprender a pensar não é algo que se consiga, passivamente, com oestudo “formal” de determinadas “disciplinas” ou lições. Ao contrá-rio, resulta do conteúdo reflexivo que, conscientemente, vamos im-primindo a toda nova aquisição que fazemos e é, acima de tudo, umproblema de método antes que simples questão de regras ou teoremas.“Todos os processos de ensino”, observa John Dewey, “podemconsiderar-se unificados a partir do momento em que se concentramna produção de bons hábitos de pensar. O pensamento é o métodopor excelência da experiência educativa, porque a essência do métodoreside na essência mesma da reflexão”. (Chagas, 1979, p.134.)

[...]

O pensamento educacional do professor Valnir evidencia asnecessárias articulações das disciplinas nos currículos e destes à exis-tência social e cultural, sempre tendo o desenvolvimento do estu-dante como a referência de origem e finalidade. De estudante eescola situados no tempo e espaço. Sua atenção mantém-se comoque em movimento pendular, de um dever ser teoricamente susten-tado à compreensão lúcida da historicidade do sistema escolar. Elese pergunta o que a educação poderia vir a ser, quais seus objetivos,mas sabe que ela não pode transformar-se senão a partir do que é.

[...]

Uma das causas mais evidentes da pouca eficiência registrada pelo en-sino das línguas modernas, na escola brasileira de segundo grau, temsido a quase total ausência de objetivos capazes de nortear uma ativida-de proficiente e segura dos seus professores. E, se formos um poucomais adiante, veremos que o fenômeno, antes de ser característico dosidiomas, decorre da imprecisa fixação dos rumos a seguir no própriocurso secundário. Durante muito tempo, e infelizmente ainda hoje,estudar em ginásio ou colégio era, e é, um meio incômodo mas inevi-tável, para atingir, tão rapidamente quanto possível, a meta supremada universidade. Quando, para o ingresso na faculdade escolhida, seexige o conhecimento de algum idioma estrangeiro, o seu estudo sefaz simplesmente em vista do vestibular respectivo, pouco importan-do o aspecto realmente educativo ou cultural que se deve levar emconta no ensino de qualquer disciplina. Todos conhecemos a facilidade

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com que nascem, e o êxito com que se desenvolvem, os cursos particu-lares de preparação às escolas superiores, os chamados “cursinhos”,que têm como único propósito exercitar o candidato para responder,mecanicamente, a certas perguntas que a experiência dos anos passa-dos mostrou serem as mais comuns em cada estabelecimento de níveluniversitário. (Chagas, 1979, pp. 136-137.)

[...]

Por que ocupar-se com as proposições educacionais do pri-meiro dos livros de Valnir Chagas, editado em meados do séculopassado, se estão ao alcance os seus trabalhos mais atuais, aquelesexpressivos de sua atuação em âmbito nacional e definidores desua pedagogia política?

A maior razão para fazê-lo é poder comparar seu pensa-mento em épocas e contingências diferentes, para aquilatar o graude consistência de seu posicionamento didático. Pode-se inferir,desses poucos trechos, arbitrariamente selecionados, sua inser-ção no movimento de renovação da educação e da metodologiade trabalho docente e discente. Resumidamente, são seus traçosfundamentais:

• a intenção de transcender o ensino centrado na transmissãode informação e informação compartimentada, além de for-malmente abstrata desde o início da escolarização;• a busca de integração dos campos de conhecimento toma-dos como formas diferentes de realizar os mesmos objetivospsicológicos e sociais;• a consideração da experiência anterior do aluno, o que impli-ca no ajustamento do ensino às característica evolutivas e dife-renciais da população escolarizada;• a denúncia do insulamento das classes escolares e do conse-quente distanciamento dos estudos e da aprendizagem em re-lação ao curso da existência social e cultural;• o apelo à necessidade de obter o interesse e sondar os motivosdos educandos como ponto de apoio inicial do processo educativo;

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• a indicação da importância metódica da atividade discenteno processo de aprender, inclusive como meio para alcançaro autogoverno do estudante;• a consideração dos meios técnicos e tecnológicos para tor-nar o ensino mais eficiente;• a crítica ao peso coercitivo das avaliações no sistemaeducativo;• a preocupação com o sentido exclusivamente preparatóriodo ensino secundário e a decorrente depreciação social dosramos profissionais do nível médio;• o reclamo de clareza nos objetivos do sistema e dos proces-sos educativos;• a atenção para com o preparo dos professores, condiçãosem a qual a atualização educacional não passará do propósitode uns poucos à construção de uma nova realidade;Será muito interessante verificar se esses componentes se man-

têm, ampliam e explicitam mais e melhor no sentido do desenvol-vimento de uma educação ao mesmo tempo brasileira e atual ouse, pelo contrário, serão contraditados por quem os expressou aosubsequente comando da autocracia militar do regime ditatorial.Foi nesse infausto período político que a reforma universitária edo ensino de 1º e 2º graus foram lançadas, tendo o professorValnir Chagas como relator dos esforços nesse sentido desempe-nhados pelo Conselho Federal de Educação.

“A luta pela universidade no Brasil”

Esse título encabeça um dos trabalhos do professor Valnirsobre a universidade que tínhamos, sob o peso da historicidade denossa cultura, e que, em sua visão poderíamos vir a ter, transitandopara a modernidade, isto é, para a progressiva conscientização: deseus objetivos como instituição que agrega e produz conhecimen-to para educar; da racionalização organizacional dos próprios

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meios técnicos, científicos e educacionais; e do compromisso cres-cente com a realidade brasileira.

Componente do grupo de trabalho da Reforma Universitária ecomo seu relator, Valnir dá forma aos resultados dessa atividadecolegiada, mediante o parecer aqui parcialmente transcrito. O ante-projeto de lei anexo ao parecer dará origem ao Decreto-Lei nº 53,de 18 de novembro de 1966, primeiro marco legal do processo dereforma universitária posterior à Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação Nacional (Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961).

Reestruturação das universidades brasileiras

Parecer indicação n.º 442/66, C.E.Su. (1º Grupo), aprov. em 5-8-1966.

O Sr. ministro da Educação e Cultura solicita a cooperação desteConselho para elaboração de um anteprojeto de lei que promova areestruturação das universidades federais sem, contudo, “padronizaro que deve obedecer à inspiração e à experiência dos educadores”.Entende Sua Excelência que já é tempo de o Govêrno ir ao encontrodas iniciativas em curso nesse campo e que visam à “maior concentra-ção dos recursos materiais e humanos” como pressuposto do au-mento da produtividade, ainda “baixa” por “vícios de estrutura”que devem ser corrigidos. E embora sem descer a pormenores, lem-bra também a necessidade de “regularizar a questão referente à for-mação de licenciados, sobretudo de ciências’’ que “muitas universi-dades tendem a atribuir a institutos básicos ou centrais”.

O problema universitário se insere na competência da União em doisníveis de profundidade. Como instância máxima reguladora do pro-cesso educacional em todo o país, cabe-lhe fixar para êsse grau esco-lar, como para os que o precedem, “diretrizes e bases” a partir dasquais as escolas e universidades se organizam conforme as regrastraçadas pelas entidades públicas ou privadas que as instituem emantêm. Num segundo nível, funcionando também comoinstituidora e mantenedora, compete-lhe desenvolver aquelas “dire-trizes e bases” em princípios e normas que assegurem a eficácia desuas próprias universidades e escolas. É o que, ainda há pouco, se fezquanto ao magistério na Lei n.º 4.881-A, de 6 de dezembro de 1965[Doc. 44, p. 7]. Mas outros aspectos devem igualmente ser discipli-

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nados; e entre – avulta o da estrutura universitária, sem cuja raciona-lização será praticamente inútil cogitar dos demais. Daí a iniciativa doSr. ministro.

Como observa Sua Excelência, o que se pretende não é impor mode-lo único a instituições que diferem em proporções e finalidades ime-diatas ao influxo de peculiaridades regionais altamente condiciona-doras, e sim reunir em cada uma delas o que seja comum por critériosde organização capazes de assegurar, de um lado, a unidade caracterís-tica da concepção universitária e, de outro, a plena utilização dosrecursos empregados em sua manutenção. Precisamente sobre estesdois aspectos incidem as maiores críticas lançadas à UniversidadeBrasileira; e não sem fundadas razões, pois a falta de unidade, cor-rendo paralela com a imprecisão de objetivos, gera fatalmente a dis-persão dos meios, e vice-versa, respondendo ambas pela ausência daprópria universidade como tal. Em nosso caso, aliás, não se tratasequer de “restaurar a universidade na universidade”, como ainda hápouco reclamava para a França o Prof. Georges Gusdorf, “já que nãotemos uma tradição interrompida a restabelecer” porém rigorosa-mente de instaurá-la pela integração de partes que não chegaram aresolver-se num todo maior.

[...]

O ponto de partida será o relacionamento dos estudos básicos entresi e com os de aplicação, mediante a institucionalização do ensino eda pesquisa em comum. Dificilmente, entretanto, poderão desen-volver-se essas atividades interescolares se ficarem elas entregues àiniciativa de institutos e escolas que tenderão, como o demonstra aexperiência, a segregar-se cada vez mais nos limites das suas especia-lidades. Ainda que assim não ocorra, é preciso considerar que a mes-ma disciplina assume coloridos diversos conforme seja encarada como“ciência pura” ou do ponto de vista de suas aplicações. Ora, os estu-dos fundamentais se farão, em grande parte, no pressuposto de suautilização em escolas profissionais; e as próprias unidades básicasterão de valer-se das aplicadas, como estas entre si, no desenvolvi-mento dos seus respectivos programas. Nestes e em casos análogos.Ter-se-á que levar em conta, ao mesmo tempo, a perspectiva da uni-dade que realiza o trabalho para outra e a da que o incorpora, numasíntese que só poderá ser conseguida em nível superior ao das con-gregações. A êsse nível, portanto, deverão as atividades interescolares

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ser superintendidas por órgãos centrais que tenham atribuiçõesdeliberativas e sejam constituídos por representantes das várias uni-dades universitárias.

Todas estas ideias estão condensadas no incluso anteprojeto de lei, quese divide em três partes. A primeira (art. 1.º) fixa os princípios deunidade ensino-pesquisa e não duplicação de recursos. A segunda (art.2.°) estabelece normas para observância daqueles princípios: (I) coe-xistência de ensino e pesquisa em cada instituto, escola ou faculdade;(II) concentração dos estudos básicos em moldes amplos a que seajusta qualquer das soluções em curso; (III) exclusividade de cada setorprofissional; (IV) institucionalização das atividades interescolares; e(V) supervisão dessas atividades no nível da administração superior.A terceira parte, finalmente, “dá outras providências” – as estritamentenecessárias – para cumprimento das normas traçadas:

a) atribuições didático-científicas do sistema de unidades comum atoda a universidade, inclusive as de formação de professores para oensino de segundo grau, conforme a oportuna sugestão ministerial(art 3.º e parágrafo único);

b) desdobramento, fusão ou extinção de unidades existentes, comrelotação ou extinção de cargos e remoção ou aproveitamento dosrespectivos titulares, por decretos do Poder Executivo (arts. 4º eparágrafo único – 5º – 6.º, caput);c) prazos para a reorganização das universidades, que totalizam 12meses sem contar os períodos intermediários e a fase de transiçãoque fica a critério de cada instituição (arts. 6.°, parágrafo único – 7.°,caput e § 1.º);

d) previsão, em caráter facultativo, de um Regimento Geral para reu-nir as atividades interescolares, como consequência e expressão doregime integrado que se inaugura (art. 7.º, § 2.º );

e) assistência do Ministério da Educação e Cultura às universidadesque a solicitem para implantação do nôvo sistema (art. 8.°);

f) inclusão do descumprimento da nova lei entre as hipóteses deintervenção previstas no art. 84 da Lei de Diretrizes e Bases (art. 9º);

g) extensão dos princípios e normas assim estabelecidos às universi-dades instituídas sob forma de fundações criadas por leis federais(art. 10).

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[...]

Como os primeiros projetos de adequação aos novos termosdaquele decreto revelassem a indisposição dos interesses instala-dos no meio universitário ou entendimento inadequado das dire-trizes de reestruturação, seguiu-se a ele a elaboração de um antepro-jeto de lei complementar ao decreto-lei anterior que redundou noDecreto-Lei nº 252, de 28 de fevereiro de 1967. De sua curtajustificativa, destacam-se os parágrafos seguintes, indicadores deum dos principais conflitos entre a imposição do novo e a resis-tência do já estabelecido.

[...]

Prolongando as perspectivas do Decreto-Lei nº 53, e utilizando assuas virtualidades, este documento excede os limites de uma meraregulamentação, e introduz soluções que lhe completam a doutrina ea sistemática. Para que tal objetivo fosse alcançado, evidenciou-se anecessidade de desfazer incongruências e remover obstáculos conti-dos em leis anteriores.

Duas inovações trazidas por este anteprojeto merecem especial des-taque: a) a instituição efetiva do sistema de departamentos, comopeça fundamental da nova estrutura universitária, do ponto de vistanão só estrutural mas também funcional; b) a possibilidade de esta-belecer-se mais um nível de integração nas atividades universitárias,segundo o critério setorial.

[...]

Como se vê, a Reforma Universitária progride no sentido dasuperação da cátedra vitalícia como referência de poder e organi-zação administrativa. O Departamento passa a ser a solução cole-giada para a hegemonia autocrática do catedrático e são introduzi-dos novos colegiados para as funções de coordenação interescolarinerentes à “unidade de ensino e pesquisa, à plena utilização dosrecursos humanos e materiais da universidade e à extensão a co-munidade das atividades de ensino de pesquisa.” O 1º ciclo uni-versitário aparece, ainda, apenas como hipótese, no § 2.º do Art.8.º do anteprojeto supramencionado.

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O processo de reforma continuaria. Novo grupo de trabalho énomeado pelo presidente da República, em 1968, para consolidaras mudanças já em curso e complementá-las. Ao encargo do pro-fessor Valnir ficou a relatoria do reexame do setor de estrutura e funcio-namento da universidade. O resultado toma forma na Lei n.º 5.540, de28 de novembro de 1968 e no Decreto-Lei nº 464 de 11 de feverei-ro de 1969, entre outros dispositivos legais [v. Leis n.º 5.537/68,5.539/68 e Decreto-Lei n.º 465/69] pertinentes a outros setores.Parte do que naqueles se estabelece foi antecipada pela Indicação n.º48, do Conselho Federal de Educação, aprovada em plenário em15/12/1967, cujo relator foi o conselheiro Valnir Chagas, publicadasob o título “Articulação da Escola Média com a Superior”, na Do-cumenta n.º 79, 1967. pp. 92 e segs.; e com o título “Continuidade eTerminalidade do Processo de Escolarização” na Revista brasileira deestudos pedagógicos nº 110, 1968. pp. 247 e segs..

Nesse trabalho antecipa-se também parte significativa do queviria a ser a reforma do ensino de 1º e 2º graus, em 1971. Daanálise crítica das relações vigentes entre o ensino superior e a es-colaridade que o antecede, o professor Valnir haveria de enxergarmuito além do problema dos “excedentes” nos exames vestibula-res de então, ou da atual obsessão com a verificação digital dasrespostas, a manutenção do sigilo das provas e a segurança quantoà sua correta aplicação. As considerações preliminares da indica-ção supracitada dizem-no bem:

[...]

A articulação dos graus escolares, particularmente do segundo com oterceiro grau da escada de escolarização, é talvez o problema sobre o qualmais se discute na presente conjuntura da educação brasileira. A circuns-tância mesma de que assim ocorra já constitui uma evidência de que talarticulação ainda não existe entre nós; nem existirá enquanto formoslevados, como temos sido até agora, a encará-la de um ponto de vistaestrito que a situa em termos de “passagens especiais” da escola primá-ria para a escola média, e desta para a superior. Trata-se, em rigor, de

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momentos artificiais que somente podem ser concebidos no quadro des-sa divisão, pois a fonte de que – emanam – as três grandes fases dodesenvolvimento individual – aí funciona como simples mecanismoatravés do qual persiste o modelo de uma estrutura social em mudançae, em alguns casos, já substancialmente transformada.

Afinal, não nos parece demais repetir o lugar-comum de que a edu-cação é um processo de amadurecimento que se faz num continuum, enão espasmodicamente, abrangendo em maior ou menor escala a tríplicedimensão reflexiva, conativa e afetiva da personalidade. Varia não pelaausência ou presença dêsses componentes, que são constantes, maspela sua direção e intensidade segundo a capacidade do estudante e osdados de sua experiência colhida assim na escola como no meio emgeral. De certo modo, ela é uma corrida (e não sem propriedade se usaa palavra curso) na qual o ideal será que não existam limitações externasà plena expansão das potencialidades de cada um nessa competição,consigo próprio, em busca de ajustamento social e superação indivi-dual. Muitos, porém, ficam ao longo do caminho, que se vai progres-sivamente estreitando à medida que a educação resulta, em últimaanálise, num processo dinâmico de seleção dos mais capazes.

Nesta perspectiva, desde o grau primário até o superior, somente umapassagem existe, ou deveria existir, com o sentido de real mudança decampo: a passagem da escola para a vida, assinalando o instante emque o aluno, individualmente considerado, interrompe as atividadesescolares por havê-las concluído em algum nível ou por já não tercondições pessoais de nelas prosseguir. Em consequência, a indagaçãofamosa sobre “quem deve ir para a universidade” perde a sua razão deser fora das situações concretas; mas a fazê-la, particularizando da esca-da de escolarização o lanço correspondente ao ensino superior, ter-se-á de abranger todo êsse grau escolar e não, como hoje se verifica, per-manecer no momento abstrato de uma transição que ou já ocorreu,funcionalmente, ou somente poderá ser avaliada no processo em queela se insere. (Chagas, 1968. In: Documenta nº 79, pp. 92-93)

[...]

Mas há também [...] uma desarticulação qualitativa que tem comofulcro o atual concurso de habilitação. Este, ao ser instituído em 1911,constituiu-se principalmente um exame de saída do ensino secundáriopara atender à dispersão do regime de preparatórios. Funcionalmente,

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isto significava uma habilitação para matrícula nas poucas faculdadesexistentes, porquanto nestas existiam lugares para a minoria aindamais escassa dos que então realizavam estudos superiores. Em 1925,introduziu-se na regulamentação do vestibular o princípio do numerusclausus, em torno do qual ele se desenvolveu até hoje, cada vez maiscomo um dispositivo externo para distribuição de vagas que foramprogressivamente diminuindo em relação à procura. É a situação dehoje, objetivamente delineada em longa pesquisa promovida pelaCapes, na qual ficou muito claro que o “rigor” dos exames aumenta narazão inversa das vagas disponíveis, e vice-versa.

Não vemos, em consequência, por que atribuir ao concurso de habi-litação um papel que ele não pode desempenhar na forma e nocontexto em que é realizado: o de avaliar conhecimentos e maturida-de. Anos atrás, quando o quadro era menos carregado que o deagora, o professor Rui Leme, após acompanhar uma nova turma daEscola Politécnica de São Paulo, já concluía que a correlação entre osresultados obtidos no curso e os do vestibular era de apenas 0,4.Apesar disso, a orientação mais frequente no Brasil ainda é a deorganizar concursos diversos à base de conhecimentos tidos comonecessários para determinadas carreiras, desde logo escolhidas peloscandidatos. Como Frei Luís de León, que retomou as suas preleçõesem Salamanca, após longa ausência nos cárceres da Inquisição, comum simples “como decíamos ayer”, espera-se talvez que, no primei-ro dia de universidade, o professor inicie as aulas de sua disciplinaexatamente no ponto em que o assunto fôra interrompido na escolasecundária... E ante a impossibilidade de que assim ocorra, a culpa ésempre lançada sobre esta última.

Portanto: desequilíbrio na relação candidatos-vagas, desarticulação dosgraus de ensino e decisão antecipada sobre o curso profissional a seguirsão causas que geram o vestibular pretensamente organizado por dis-ciplinas e noções específicas, daí resultando (a) a deformação dos estu-dos próprios da escola média, ainda muito cedo – às vêzes já noginásio – discriminados em face da opção que o aluno é forçado arealizar; (b) proliferação dêsse dispositivo de ensaio dos exames que éo “cursinho”, hoje transformado em curiosidade internacional após oregistro que dele se contém no livro de Bowles; (c) excesso de procuradas carreiras que eventualmente gozam de maior prestígio, comdesequilíbrio da rêde escolar de ensino superior, distribuição irregular

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das oportunidades existentes e não atendimento das reais necessida-des do país; e (d) repetição indefinida do vestibular ou, o que é talvezpior, escolha do curso por critério diferencial referido a vagas aindaexistentes. (Chagas, 1968. In: Documenta nº 79, pp. 99-100).

[...]

Dessas considerações sobre a facticidade da desarticulação des-dobra-se o leque de problemas educacionais que, tendo por fulcro osexames vestibulares, incidem, quer sobre a qualidade do ensino supe-rior, quer sobre a da escolaridade precedente. O exame lúcido e cria-tivo de tal problemática configura os pressupostos de sua resoluçãoque deveria realizar-se não só por meio da Reforma Universitária,mas também pela posterior reforma do ensino primário e médio:

[...]

O fato concreto, diante do que aí fica, é um número cada vez maior decidadãos que não têm possibilidade de levar adiante os seus estudos,nem possuem habilitação para o trabalho. Resta, pois, saber qual odestino dêsses que não se incluem entre os escolhidos, os quais denenhuma forma podem simplesmente ser postos à margem. Emnosso entender, a resposta terá de ser encontrada na dinâmica dopróprio sistema. Para tanto, o que desde logo se recomenda é atri-buir, desde os graus mais elementares, um cunho de progressivaterminalidade aos estudos de cada ano, de cada semestre e de cadadisciplina a fim de que interrompendo normalmente a sua vida escolar,não tenha o aluno – e a própria sociedade que o educa – o prejuízoda sua inutilidade. Afinal, os jovens que chegam ao fim da escolamédia constituem “recursos humanos” que a essa altura já se fize-ram bastante custosos; e desperdiçá-los, como sói ocorrer, implicauma atitude tão desastrosa quanto a de uma empresa, certamentecondenada à falência, que declarasse imprestável a metade da maté-ria-prima adquirida para a sua produção industrial.

À primeira vista, a recíproca será também verdadeira; e de fato o é atécerto ponto, pois na medida em que se ampliem as oportunidades, devetambém crescer o sentido de continuidade dos estudos, com vistas aníveis sempre mais altos. A terminalidade é, portanto, inversamenteproporcional à continuidade: quanto menos provável seja esta, tantomais intenso há de ser o teor de terminalidade que se deve imprimir ao

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ensino, e vice-versa. Num sistema ideal em que todos obtivessem diplo-mas de cursos superiores, só estes em rigor seriam terminais; mas ondeapenas se alcançasse o primeiro grau de escolarização, o ensino primáriojá teria de ser plenamente terminal. Acontece, todavia, que, juntamentecom a macroterminalidade de cada sistema, coexiste umamicroterminalidade referida às diferenças individuais dos alunos. As-sim, abstraindo os casos extremos, só verificáveis em teoria, toda educa-ção deve revestir ao mesmo tempo ambas as características.

Para que tal ocorra, necessário se faz encarar a escada de escolarizaçãocomo um todo contínuo e, em consequência, eliminar dos planosglobais as divisões estanques dos graus escolares. Insistimos em queo verdadeiro limite da educação não está num certo número de anosconvencionado de fora, porém na complexidade a partir da qual de-terminado aluno já não tem condições de prosseguir nos estudos.Se, por exemplo, a maioria dos jovens norte-americanos do início doséculo estudava seis ou nove anos, enquanto a quase totalidade dosde hoje permanece na escola por dez, doze e mais anos, a causa dadiferença é menos dos alunos que do meio em geral, o qual nãoproporcionava antes os estímulos e oportunidades que hoje oferece.

Daí não se há de inferir que tenhamos por ilegítima a terminalidadeimposta pelo sistema no quadro de um projeto educacional que àsociedade cabe formular. O que não nos parece aceitável é a generali-zação dos limites assim fixados como intrínsecos da capacidade deaprender. Tanto isto não é admissível que, desaparecendo a limita-ção, tendemos a perder consciência da passagem, ao nível anteriormen-te convencionado, ante a evidência natural da continuidade. No Bra-sil de hoje, por exemplo, preocupamo-nos tanto menos com o “exa-me de admissão ao ginásio” quanto mais se atenuam as fronteirasque separavam a escola primária da escola média. É certo que a divi-são persiste; mas sem a dramaticidade de outrora e com um sentidointeiramente diverso, um sentido de método referido às grandesfases do desenvolvimento que aí se implicam: infância e adolescência.

Também com este sentido há de ser encarada a “passagem” da escolamédia para a superior, correspondente no plano psicológico à transi-ção da adolescência para a idade adulta ou, nas palavras de Whitehead,da “fase do romance” para a “fase da precisão”. Para tanto, necessárioé que todo o sistema escolar se organize com a dupla característica decontinuidade e terminalidade, sem o que as distorções se tornarão

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inevitáveis. A verdade, porém, é que a esta condição fundamentalainda não se ajustam, no Brasil e em muitos outros países, os obje-tivos e funções confessados dos três graus de ensino. Entre nós,segundo a concepção mais corrente, atribui-se à escola primária umafinalidade de iniciação cultural e à escola superior a formação de qua-dros, sobrecarregando nominalmente a escola média com o trípliceobjetivo de educação geral, treinamento para o trabalho e preparaçãopara os cursos superiores.

É artificial e mutiladora esta cisão do conhecimento em aspectoscultural ou geral, de um lado, e especial do outro, porquanto nem ogeral se circunscreve à escola primária e média, nem o especial deixa deexistir na escola primária. Se há variações entre tais componentes,como não podia deixar de ocorrer, a questão deve ser encarada nãoem termos radicais de sua presença ou ausência na formação docurrículo, e sim do sentido e intensidade que – assumem em cadagrau. Há um geral da escola média que se encontra acima do amadu-recimento da infância, como há um geral da escola superior que seráinútil ministrar em ginásio ou colégio. Por outro lado, enquanto o“especial” da escola primária não ultrapassa os primeiros ensaios demanipulação, o da superior atinge níveis de elaboração que o colocamfora de alcance dos adolescentes.

À medida, portanto, que se eleva e estreita a escada de escolarização,invertem-se gradativamente as posições relativas dos componentesgeral e especial na configuração do currículo; enquanto o geral predo-mina por todo o ciclo ginasial, nivelam-se os dois no colégio e oespecial acaba por predominar nos ciclos profissionais dos cursossuperiores. Isto nada mais é, aliás, que a tradução pedagógica dascomprovações mais atuais da psicologia. Até a primeira adolescência,correspondente ao ginásio, existe uma quase exclusividade da inteli-gência geral (fator “G”), com raras aptidões especiais perfeitamentecaracterizadas, enquanto na segunda adolescência ocorre a eclosãodos fatôres específicos. Quer isto dizer que será tão absurdo umginásio profissional como um colégio exclusivamente acadêmico: noprimeiro caso, por pretender cultivar o que ainda não existe e, nosegundo, por deixar de desenvolver aptidões que tenderão a estiolar-se pelo desuso. (Chagas, 1968. In: Documenta nº 79, pp. 100-102).

[...]

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Às transformações na escolaridade anterior no sentido da ar-ticulação dos graus haveria que instituir um 1º ciclo universitárioque lhe correspondesse efetivamente. Segundo o professor Valnir:

[...]

Não há, pois, como admitir possa haver universidade sem um pri-meiro ciclo tão indiferenciado em sua estrutura quão rico em suasfunções pedagógicas, múltiplas numa instituição que se organizepara de fato atender às novas realidades. Uma delas consistirá nareunificação dos estudos, antes diversificados no colégio pluricurricular enovamente a diversificar-se nos ciclos profissionais universitários;outra será a formação cultural – o início daquela Educação geral supe-rior mencionada linhas atrás – que é de esperar prossiga no períodoseguinte; uma terceira, intimamente relacionada com as anteriores,compreenderá os estudos básicos para um ou mais ciclos profissionais;uma quarta função convergirá para os trabalhos de orientação dosalunos com vistas à escolha da carreira ou mesmo, quando fôr o caso,a uma reorientação para o trabalho; uma quinta, de caráter excepcio-nal, constituir-se-á pela recuperação dos estudantes reconhecidamentedotados que, na linguagem do Parecer nº 58/62, apresentem “falhascorrigíveis a curto prazo”; e de todas, por fim, resultará uma sextafunção-síntese, que será a seleção. (Chagas, 1968. In: Documenta nº 79,p. 106).

[...]

Difícil dizer se um entendimento tão abrangente do problemada articulação vertical dos graus de ensino decorre da compreen-são do professor Valnir da “universidade como o tipo natural deestrutura para o ensino superior” ou a requer necessariamente. Maso fato é que essa compreensão é consistente com as demais indica-ções pertinentes à estrutura do ensino superior, constantes do ca-pítulo III, do relatório do grupo de trabalho:

A “unificação crescente” dos exames vestibulares;A flexibilização dos cursos e currículos, desde a duração dos

cursos e sua possível diversificação, à matrícula por disciplinas e àintrodução das disciplinas opcionais, que permitiriam aos estudan-tes modular o andamento dos estudos às próprias condições psico-

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lógicas e circunstanciais, bem como à instituição exercer melhorsua tríplice função e atender mais às demandas sociais, inclusive domercado de trabalho;

A execução integral dos programas didáticos e a oferta dedisciplinas no “período de verão”;

O “reconhecimento da indissolubilidade das tarefas de ensinoe pesquisa, expresso na ideia da unidade da carreira docente” e do“princípio da dedicação exclusiva que deve ser a meta de toda e qual-quer universidade”;

A expansão da pós-graduação universitária, no sentido de suaprogressiva generalização institucional.

Em conferência sobre as “Funções da universidade na implan-tação do ensino de 1º e 2º graus”, pronunciada no V Seminário deAssuntos Universitários, realizado em Brasília por iniciativa do CFE,a 11 e 12 de maio de 1972, o professor Valnir nos fornece umasíntese de sua concepção da universidade como instituição eminen-temente educativa, componente intrínseca do sistema educacional:

[...]

Como quer que seja, a universidade é também educação e, comotal, difere dos níveis precedentes apenas em graus. Ao mesmo tem-po, ela cultiva a educação como uma de suas tarefas prioritárias.Tomando uma classificação da psicologia, diríamos que há uma po-sição subjetiva da universidade – a universidade como escola – aolado de uma posição objetiva em que a escola, incluindo a própriauniversidade, se torna ela própria matéria de estudo. As duas seencontram no que chamaremos a reprodutividade do organismoeducacional, oferecendo os mecanismos para assim dizer endógenosde sua preservação e do seu desenvolvimento.

Neste ponto avulta o papel da universidade. Dependendo umbili-calmente dos graus que a precedem – tanto quantos estes dela depen-dem nos conhecimentos e atitudes que “ensinem”, nas técnicas queempreguem, nos seus professores e nos seus diretores, supervisores,planejadores, orientadores e demais especialistas – sobre eles deve auniversidade debruçar-se para estudá-los, tanto quanto a si própria, eproporcionar-lhes os instrumentos de que necessitam para crescer e aper-

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feiçoar-se constantemente. Ora, verdadeira como visão permanente deum sistema integrado e dinâmico, esta formulação mais o é no momen-to em que se completa no plano legislativo, o processo desencadeadocom a Reforma Universitária, ao decretar-se agora a atualização do ensinode 1º e 2º graus. (Chagas, 1972. In: Documenta nº 155/73, pp. 47-48).

[...]

Consideradas as proposições de Valnir Chagas, em parte re-sultantes de trabalho em grupo e todas aprovadas pelo ConselhoFederal de Educação, pode-se perguntar se o poder discricionárioentão vigente deixou-se seduzir pela competência desses educado-res, mas acolheu-a a conveniência de seus próprios propósitos?Quem haveria usado quem? A ditadura, que se camuflou osten-tando uma legislação educacional atual e inteligente? Ou o profes-sor Valnir e os colegas conselheiros, que disseram a que vieram,apesar do ambiente político autoritário e repressivo?

Há também que discernir entre o que foi entregue ao executi-vo e o que se manifesta, ao longo do período, como expressãohegemônica do Poder Executivo então exacerbado.

Teria sido melhor que as indicações, pareceres e relatórios nãofossem tão bem construídos e pertinentes?

Das propostas que se tornaram letra de Lei, e cuja substânciapermanece ainda hoje, por usual ou sob novas formas de expres-são legislativa, poder-se-ia dizer que ficaram, depois de restauradaa democracia política, porque são estrutural e funcionalmente cor-retas e pertinentes? Do que foi descartado, não havia o que mere-cesse continuar?

Haveria que articular efetivamente a escolaridade anterior e osestudos superiores? Os “exames vestibulares” têm consequênciasdeletérias no ensino de 2º grau? A dualidade estrutural do ensinomédio permanece um óbice histórico no sistema educacional a de-mandar superação? O 1º ciclo universitário, com sua tríplice funçãoprevista: “a) recuperação de insuficiências evidenciadas, pelo con-curso vestibular, na formação dos alunos; b) orientação para a esco-

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lha da carreira; c) realização de estudos básicos para ciclos ulterio-res” [cf. Art. 5º, do Decreto-Lei nº 464 de 11/02/1969], não teriavalor educativo suficiente para justificar-se e manter-se? A duração ea uniformidade dos cursos superiores de graduação não deveriamflexibilizar-se então, como hoje está admitido e apenas recentementese começa a praticar? Um ensino autenticamente universitário seriapossível sem uma escolaridade pregressa adequada às respectivasfaixas etárias, simultaneamente eficiente e eficaz?

Uma apreciação isenta das contribuições de Valnir Chagas edo CFE daquele tempo à educação brasileira teria que responderconscienciosamente a estas indagações, entre outras. Em qualquerhipótese, o que estava ao alcance daquela equipe de educadoresera a construção de um arcabouço conceitual que poderia servir àatualização e expansão articulada de nossas instituições educacio-nais. Essa condição contava com o poder da palavra – nada des-prezível – mas contrapunha-se à facticidade do real, com todopeso de sua historicidade e circunstância política. O Poder Execu-tivo, entretanto, estava em outras mãos.

Das reformas educacionais empreendidas ao longo do regi-me autoritário, aquela em que os governantes de então realmentese empenharam e para a qual foram despendidos novos, conti-nuados e vultosos esforços e recursos foi a universitária. Porquecorrespondia ao perfil hierárquico da sociedade brasileira de clas-ses e servia às pretensões de atualização tecnológica, crescimentoeconômico e hegemonia política continental que embalavam ossonhos da burguesia nacional e de seus prepostos militares, bemcomo respondia às demandas da classe média por canais de as-censão social. Ainda assim, o encaminhamento dessa reforma po-deria assumir formas muito diversas daquela que tomou. O rela-tório Meira Mattos o evidencia sobejamente.

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“Atualização e expansão do ensino de 1º e 2º graus”

Depois de haver seguidamente relatado os resultados dos gru-pos de trabalho para a reforma universitária (de 1966 a 1969),Valnir Chagas haveria de formalizar as propostas do grupo detrabalho para a atualização e expansão do ensino de 1º e 2º graus(1970/71). Sobre esse tema publicou, em 1978, o livro Educaçãobrasileira: o ensino de 1º e 2º graus – antes, agora e depois?

Nessa obra, começa por auscultar os condicionantes históri-cos à procura da origem evolutiva dos sistemas e processos cujascaracterísticas haveria que mudar. E o que descortina desteretrospecto?

Uma sociedade estamental desde a política e cultura ibéricasdos colonizadores europeus; com uma economia fundada sobreo patrimonialismo de uns e o trabalho servil de outros. Sociedadeessa que se projeta na escolaridade que instala.

Inicialmente, os jesuítas encarregaram-se de prover o ensino que,nas palavras do autor, e para os membros das famílias abastadas,

[...] deveria conduzir a níveis mais altos de estudos, dentre os quaisteve maior difusão o de letras humanas. Neste curso, que era aforma clássica do ensino muito mais tarde chamado secundário,cultivava-se no aluno “a arte acabada da composição e da escrita”,isto é, a expressão que se fazia “clara e exata” pela gramática, “rica eelegante” pelas humanidades e “poderosa e convincente” pela retó-rica. As próprias letras humanas, contudo, ainda não constituíamum ciclo terminal, embora a maioria dos bacharéis e letrados aípermanecesse. Ao mesmo tempo, destinavam-se a preparar querpara os níveis de artes e teologia, quer às carreiras profanas de direi-to e medicina, que os candidatos deveriam seguir na Europa e,notadamente, em Coimbra e Montpellier. Assim, já no primeiroséculo de colonização delineavam-se dois dos traços mais persis-tentes da educação brasileira – a característica acadêmica e o objetivopreparatório da escola secundária – que até há pouco pareciam defi-nitivos. (Chagas,1978, p. 3.)

[...]

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Com a transferência da família real para o Brasil e a instalaçãoda respectiva corte, foram criadas as primeiras faculdades destina-das a formar os quadros técnicos de nível superior necessários àadequada oferta de serviços e à construção de infraestrutura:

[...] ante os estudos superiores organizados localmente e com aqueledeliberado sentido imediatista, intensificou-se o que desde o primeiroséculo já se esboçara como uma tendência poderosa: a função, que seatribuiu ao segundo nível escolar, de apenas preparar para aqueles estu-dos. Assim tomaram forma clara os dois “modelos” – o de faculdadesisoladas exclusivamente profissionais e o de um ensino secundáriomeramente preparatório – como vícios cuja correção se fez o leitmotiv deuma luta, nem sempre bem sucedida, que se prolongou até os nossosdias. O Império iria apenas carregar as cores desse quadro (Chagas, 1978,p. 13). [...] Nem poderia ser de outra forma se na base, imutável, perma-necia a grande causa de todas as distorções, representada por uma socie-dade que se dividia entre os senhores e os escravos: os propriamenteditos e os que a uns e outros se assemelhavam. (Chagas, 1978, p. 21.)

[...]

[...] No começo da República, quase por inércia, ainda persistiu a orien-tação que vinha do Império de atribuir à formação para o trabalho umsentido excepcional de recuperação de órfãos, desvalidos ou surdos-mudos. Logo nos primeiros anos, porém, notou-se uma reação favo-rável tanto nos estados como no Distrito Federal, com valorização dosliceus de artes e ofícios e criação de outros estabelecimentos como, jáem 1892, o Instituto de Educação Profissional do Rio de Janeiro e aEscola de Maquinistas do Pará. O movimento foi adiante nas primei-ras décadas deste século, embora sem ainda alcançar o ensino agrícola.Este, paradoxalmente, surgiu e avultou desde logo ao nível superior,enquanto – fosse por estar ainda muito viva a lembrança do trabalhoescravo, diretamente ligado às atividades primárias, fosse por um ex-cesso de entusiasmo quanto à urbanização, que apenas se iniciava emproporções significativas – permaneciam aos níveis precedentes asmesmas “escolas práticas” desaparelhadas e sem frequência. A reação,portanto, incidiu nos ramos industrial e comercial. (Chagas, 1978, p.31.)

[...]

A nível de 2.º grau, [não obstante], o ensino secundário constituía o quese chamava na época a grande “estrada real” e, assim, comandava todo

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o sistema então estruturado. Era o único a ensejar efetiva circulaçãohorizontal e vertical, pois todos os demais ficavam circunscritos ao seupróprio âmbito, ainda quando eventualmente algum trânsito se ad-mitisse para o mesmo nível ou para nível mais alto. O seu objetivocentrava-se na “formação da personalidade adolescente”, o que não hádiscutir, mas endereçava-se à “preparação de individualidadescondutoras” e, portanto, “dos homens portadores das concepções eatividades espirituais que é preciso infundir nas massas”. Como sehouvesse uma adolescência predestinada a conduzir e outra marcadapara ser conduzida. (Chagas, 1978, p. 53.)

[...]

Esse era o problema estrutural que persistia no ensino médiodos anos 70, uma dualidade recorrente e que resistira a todas astentativas anteriores de reforma do sistema educacional. Dele re-sultava a expansão hegemônica do ensino secundário, enquanto aoferta de ensino nos ramos profissionais pouco progredia. Emconsequência, as universidades públicas não davam conta da pres-são crescente por vagas; a qualidade da escola secundária deterio-rava-se para matricular uma quantidade explosiva de candidatosque, por sua vez, dela sairiam com estudos que não lhes ofereciamperspectiva de emprego, nem possibilidade de ascensão social, anão ser que passassem nos exames vestibulares...

A matrícula no ensino primário, por seu lado, expandia-se des-medidamente, dada a celeridade do processo de urbanização dapopulação, mas a qualidade desse ensino público igualmente res-sentia-se da falta de investimentos governamentais. A formaçãode professores para esse nível de ensino fazia-se em escolas nor-mais de nível médio e o salário que a eles correspondia mantinha-se irrisório. Isso nas capitais, porque o magistério no interior erapredominantemente exercido por leigos, em instalações as maisdas vezes precárias, nas cidades, ou em residências particulares, nocampo. Esses e outros problemas demandavam solução cujaconstrução Valnir Chagas nos descreve no livro supracitado:

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[...]

[...] em 1970, o governo instituiu para este efeito um novo grupo detrabalho que, após dois meses de atividades, apresentou ao ministroJarbas Passarinho, com um “relatório doutrinário e técnico”, o ante-projeto do que chamamos o “ensino de 1.º e 2.º graus”. Atuandodesta vez como relator único, trouxemos para a “atualização e expan-são” em estudo os princípios e soluções da Indicação n.º 48/67 (v.ref. 42), desdobrando-os e ampliando-os na perspectiva de um ins-trumento orgânico destinado a disciplinar, sob critérios renovados,toda a faixa visada de escolarização. O trabalho, após apreciado suces-sivamente pelo Conselho Federal e pelos conselhos estaduais deeducação, foi submetido ao Congresso Nacional e transformou-sepor fim na Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971, sem grandes nemsubstanciais alterações.

Como salientamos no relatório, não se trata “de mais uma reformano sentido em que a palavra se tornou comum nos círculos educa-cionais”, isto é, no sentido da “substituição de um plano por outroa ser em breve ultrapassado pelos fatos”. Trata-se antes da sistemati-zação de uma experiência secular, que focalizamos [...] procurando onexo do que já se pode chamar uma educação brasileira. Sem dúvida,em tal sistematização, não poucas soluções e categorias novas tive-ram de ser introduzidas. Isso implica também reforma, porém “comoum atributo da própria organização que se deve buscar para dar aescolas e sistemas escolares a capacidade de atualizar-se constante-mente, sem crises periódicas, apenas refletindo a dinâmica do proces-so de escolarização em face dos seus condicionantes internos e exter-nos”. [...] (Chagas, 1978, pp. 71-72.)

[...]

A escola que nos propusemos desenvolver a partir de 1972 resulta,pelo menos em grande parte, da sistematização ou reorientação detendências que emergiram da própria realidade. Por isso mesmo, a suaprimeira característica é a maior nitidez que se observa na formulaçãodos objetivos, com redução de distância entre o que Anísio Teixeiradenominou os “valores proclamados” e os “valores reais” da educa-ção brasileira. Redução – note-se – em vez da eliminação a que levariaum atualismo estreito e sem perspectiva. Há, certamente, fins imedia-tos representados pelo que está ao nosso alcance, ou virtualmente já

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foi atingido, e apenas se reorganiza para maior eficácia; como há finsmediatos constituídos pelo que se deseja ou deve fazer para novaconquista. Aqueles são os “níveis reais”, estes os “níveis ideais” deaspiração, para usar uma distinção da psicologia que invadiu os demaissetores das ciências humanas. Uma grande “discrepância” entre eles,no plano individual como no social, é tão desajustadora quanto a suaestreita aproximação ou mesmo coincidência.

Torna-se, assim, necessário manter uma certa distância entre o “pro-clamado” e o que é “real” no aqui-e-agora de cada situação. Emoutras palavras: vitalizar o realismo com uma dose razoável de idea-lismo, para vencer a inércia, e limitar ou ampliar dinamicamente osegundo em função do nível alcançado a cada momento. A solução écaminhar por aproximações sucessivas, tarefa que nos parece tantomais complexa quanto não se apresentam uniformes as condiçõesiniciais das várias regiões do país. Seja como for, considerando aque-las limitações de distância e estes diferentes tempos socioculturais, éprecisamente o contraste do real e do ideal que fornece a verdadeiraperspectiva de um projeto educacional como parte indissociável doProjeto Nacional. (Chagas, 1978, p. 77.)

[...]

O Projeto Nacional é tudo o que a nação veio e tende ou aspira a ser.Em outras palavras: é a linha geral evolutiva formada pela sucessãode rumos que a nação tomou e continua a tomar, resultantes a cadamomento de uma direção que se pretende imprimir-lhe em tensãocom a que foi imediatamente seguida. (Chagas, 1978, p. 78.)

[...]

Cabe ainda, embora como hipótese, saber qual a ideia-força que presi-de ao Projeto Nacional em suas dimensões histórica e atual, estaenquanto preparação para o futuro. Como tal, destacamos a ideia deintegração. Procedentes ou não, permanentes ou transitórios, aquelestraços de comportamento [nacionalismo e solidariedade] revelamsempre uma tendência para a aproximação humana, como uma pos-sibilidade de convívio. No fundo, eles já constituem introjeções deuma realidade comandada pela mesma ideia, que tem a sua máximaexpressão numa unidade nacional resistente a tudo o que ameaçoudesfigurá-la [...]. A sua base é múltipla. A integração territorial é o seupalco imenso, incontestado, de mais de 8,5 milhões de quilômetros

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quadrados, e a integração racial é o seu substrato humano, diante doqual os ensaios de preconceito se tornam cada vez mais ridículos.

Por outro lado, a integração cultural desde cedo alicerçada na comuni-dade de língua, de crenças, de costumes e de aspirações, a que se foramreduzindo as novas influências, representou a contrapartida natural daintegração racial. Daí chegou-se a uma peculiar integração política queos sucessivos esquemas formais, inspirados em ideologias importa-das, ainda não permitiram que fosse captada e sistematizada conve-nientemente. A República, por exemplo, trouxe dificuldades menospor encerrar um anseio de aperfeiçoamento democrático do que porter sido identificada com a federação. Esta, entre nós, veio a ser enten-dida até “contra a lógica e a gramática”, na observação de João Camilode Oliveira Torres, “significando autonomia, dispersão e nunca uniãoou aglutinação”. Sempre fomos mais que “estados” apenas “unidos”a posteriori, porque sempre fomos um só Brasil. Isto explica a aprovaçãogeral que houve no país quando a Emenda Constitucional de 1967,num dispositivo infelizmente alterado em seguida, voltou a chamar-nos pelo nosso verdadeiro nome.

Esses componentes do Projeto Histórico se continuam e com outros secombinam no Projeto Atual, sempre orientados pela mesma ideia-força, embora sob forma compatível com as novas condições. Assimé que a integração territorial já não significa a mera posse nominal doterritório, mas a sua ocupação efetiva, enquanto a integração racial e acultural importam doravante em consolidação, ampliação e aperfeiço-amento daquela unidade que é o nosso mais valioso patrimônio. Aintegração social impõe a elevação do nível geral de vida e de participa-ção na obra comum, a partir da recuperação das populações aindamarginalizadas, vinculando-se estreitamente à integração econômica eà política. Por sua vez, a integração internacional resulta das anteriores,no sentido de que implica para as nações a capacidade de cooperar ecompetir lealmente, na base dos seus próprios interesses ou possibi-lidades. E assim por diante.

Em outras palavras, desenvolvimento. Desenvolvimento igualmenteintegrado, que não se detém na simples variável econômica. Semdúvida, o elemento quantitativo não deixa de ter predominânciasobre o qualitativo nas fases iniciais do processo. Toda nação, sejarealista ou idealista a filosofia que inspira o seu projeto, faz-se neces-sariamente pragmática no momento de alçar voo para a plena afirma-

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ção. Tal mobilização de forças, entretanto, leva a um geral despertarde energias espirituais que urge estimular como condição de êxitopara o crescimento material, a que não pode cifrar-se o próprio de-senvolvimento como categoria global. Nessa múltipla incidência édecisivo o papel da educação. (Chagas, 1978, pp. 82-83.)

[...]

Papel que, configurando um conjunto de ações, demanda aconscientização progressiva de propósitos políticos, sociais e psico-lógicos que as norteiem. O exercício de atividades assim orienta-das informa e autoriza sua reconstrução metódica e a reformulaçãodos próprios objetivos, em uma espiral de crescente lucidez queperpassa diferentes níveis e especificações.

O livro inteiro passa a intenção de descortinar, por trás doformalismo do sistema educacional, o que haveria de autentica-mente brasileiro na estrutura e no funcionamento da educaçãocorrente no Brasil. Que laços as escolas estabelecem e mantêmcom os estudantes e os seus familiares? De que modo o quotidia-no desses grupos poderia ser contemplado no processo curricularpara que a própria existência nelas encontre uma referência de sis-tematização, crítica e reconstrução?

No Parecer nº 853/71, o Conselheiro Valnir Chagas, explicita adoutrina do currículo na Lei n.º 5.692. Dela faz parte o conceito dematéria, cujo sentido difere da acepção comum, para significar “todocampo de conhecimentos fixado ou relacionado pelos Conselhosde Educação, e em alguns casos acrescentado pela escola, antes desua apresentação, nos currículos plenos, sob a forma “didaticamen-te assimilável” de atividades, áreas de estudo ou disciplinas.”

O que se deveria entender por esses conceitos que haveriamde orientar a reordenação dos currículos do ensino de 1º e 2ºgraus está naquele Parecer:

[...]

... o G. T. repele com veemência uma distinção mecanicista à base de“disciplinas” que preparam à reflexão, “práticas educativas” que le-

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vam à ação e “atividades artísticas” que predispõem à criatividade,pois o pensar, o agir e o criar sempre devem estar presentes em todoato docente-discente, embora variando em intensidade segundo osdados de cada situação didático-pedagógica.

A divisão adotada resulta, claramente, de um duplo critério de am-plitude do campo abrangido naquelas situações e, ao mesmo tempo,da forma de sua abordagem com vistas aos conhecimentos [...]

Na sequência de atividades, áreas de estudo e disciplinas, parte-se domais para o menos amplo e do menos para o mais específico. Alémdisso, nas atividades, as aprendizagens desenvolver-se-ão antes so-bre experiências colhidas em situações concretas do que pela apresen-tação sistemática dos conhecimentos; nas áreas de estudo – forma-das pela integração de conteúdos afins, consoante um entendimentoque já é tradicional – as situações de experiência tenderão a equilibrar-se com os conhecimentos sistemáticos; e nas disciplinas, sem dúvidaas mais específicas, as aprendizagens se farão predominantementesobre conhecimentos sistemáticos. É, portanto, sobretudo de grau adistinção que se estabelece entre atividade, área de estudo e disciplina,em relação ao jogo situação-conhecimento. Assim como o conheci-mento há de estar presente desde a atividade, sob pena de que oensino a nada conduza, também não se dispensa alguma conexãocom o real no estudo das disciplinas, sem o que se descambará paraum intelectualismo vazio e inconsistente.

No início da escolarização, as ciências (p. ex.) só podem ser tratadasem termos de atividades, isto é, como vivência de situações e exercí-cios de manipulação para explorar a curiosidade, que é a pedra detoque do método científico. Sempre que oportuno, essas experiên-cias já podem ser objeto de uma incipiente sistematização partidamais do aluno que do professor, embora sob a direção estimulantedeste último. À medida que se esboçam certos setores ainda nãoclaramente individualizados e tais sistematizações se tornam maisfrequentes, pelo amadurecimento natural do educando, já temos aárea de estudo (ciências exatas e Biológicas, p. ex.); e nessa progressãose chegará à predominância do sistemático sobre o ocasional, comvisão cada vez mais nítida de cada subárea (matemática, física, quími-ca, biologia, p. ex.) ou disciplina.

[...]

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A elaboração do currículo pleno não se conclui com a conversão dasmatérias em atividades, áreas de estudo ou disciplinas. Estas catego-rias curriculares não são entidades estanques. Conquanto lecionadassob rubricas distintas, num inevitável artifício cartesiano, devem con-vergir para uma reconstrução, no aluno, da substancial unidade doconhecimento humano. Tal convergência se faz pelo “seu relaciona-mento, ordenação e sequência” a fim de que, do conjunto, resulte umtodo orgânico e coerente. (Chagas, 1971. In: Documenta nº132 pp.169-171.)

A organização do currículo do ensino de 1º e 2º graus ematividades, áreas de estudo e disciplinas outra coisa não significa senão oapelo ao reconhecimento das condições evolutivas das nossascrianças e adolescentes; ao ajustamento da escolaridade às caracte-rísticas psicológicas, socioeconômicas e culturais do alunado. An-tes de definir os programas escolares, seria preciso que os profes-sores e administradores de sistema se perguntassem quem são aque-les alunos e as respectivas famílias; quais as suas experiências ante-riores; o que é que já sabem e lhes impõe, de imediato, possibilida-des e condições iniciais.

Para ser brasileira, a escola não poderia deixar de fazer essaconsulta preliminar aos pais e aos próprios estudantes, não é mes-mo? É o que nos propõe o professor Valnir, a partir de referên-cias históricas que permanecem válidas ainda hoje e convergempara a psicologia Genética originária de Jean Piaget1.

Tema recorrente na didática, a avaliação da aprendizagem é trans-versal a todas as modalidades de educação. Não porque faça partede uma rotina necessária, mas porque, vinculada ao sistema de sele-ção, pode chegar a determinar a conduta dos estudantes ou motivar

1 A este propósito, cabe não esquecer que a percepção da criança é sincrética e acrítica,

global e indiferenciada, enquanto a separação de partes, se bem acene com certo grau de

conscientização, não passará nela de uma deformação se não conduz à reintegração no todo.

Já Claparède, na fase romântica da “escola ativa”, resumia tal fato no princípio de que o

desenvolvimento mental evolve “da generalização implícita e inconsciente para a individualização

inconsciente ou consciente e, em seguida, desta individualização para a generalização cons-

ciente”. Com uma terminologia mais hermética, Gerome Bruner diz hoje o mesmo ao afirmar

que o curso normal do desenvolvimento intelectual começa pela representação de atividade

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(da aquisição de hábitos), passa pela representação icônica (de reprodução de imagens) e

chega à representação simbólica (de linguagens, incluindo a lógica).

Essa marcha foi sistematizada por Jean Piaget em décadas de pesquisas com seus

colaboradores, notadamente Bärbel lnhelder. Para o criador da Epistemologia Genética, –

na admirável síntese que fez em conferência pronunciada na Universidade de Manchester

– a plena vida mental se expressa mediante “ações interiorizadas e reversíveis que se

coordenam em sistemas caracterizados por leis aplicáveis a cada sistema como um

todo”. Tais operações, acrescenta, “são ações porque se executam em objetos antes de

realizar-se em símbolos. São interiorizadas porque podem efetuar-se em pensamento

sem perder o seu caráter original de ações. São reversíveis em contraste com as ações

simples, irreversíveis: a operação de combinar pode ser invertida imediatamente na de

dissociar, enquanto o ato de escrever da esquerda para a direita não pode ser invertido no

de escrever da direita para a esquerda sem aquisição de um novo hábito diferente do

primeiro. Por fim, visto que não existem isoladamente, as operações se combinam em

estruturas de conjunto: “a construção de uma classe implica um sistema classificatório;

... a do sistema de números pressupõe uma compreensão da sucessão numérica n + 1”;

e assim por diante.

Do nascimento à maturidade, a construção dessas operações se faz ao longo de quatro

períodos. O primeiro é o período sensório-motor, que vai aproximadamente até os 2 anos

de idade, caracterizando-se por ações motoras sem atividade de pensamento, isto é, por

ações que não se “interiorizam” em “representações”. Tudo, nesta fase, se resume ao

aqui-e-agora da percepção pelos sentidos, pois o que a criança deixa de ouvir, ver ou

tocar para ela não existe. A sua “permanência” irá resultar da organização do campo

espacial, que ainda está em curso, e dependerá da coordenação dos movimentos, que só

começa a ocorrer quando o indivíduo é capaz de retornar ao ponto inicial, pela reversibilidade,

e de mudar a direção dos próprios movimentos, pela associatividade. Embora restrita ao

plano motor, essa coordenação assinala o fim do primeiro período e anuncia o segundo,

o pré-operacional, que se prolonga mais ou menos dos 2 aos 7 anos. Aparece também

aqui a “função simbólica” sob formas como as de linguagem e jogo à base da imitação,

tanto da imitação que já se faz algum tempo após o fato “reproduzido” como de uma

imitação interiorizada que dá origem às imagens mentais e à fantasia. Em consequência

de tais avanços, a adaptação do indivíduo cada vez mais se ressente da ausência de uma

inumeráveis conflitos a partir do modo como seja manipulada pe-los docentes. Vale à pena, portanto, consultar a concepção de avali-ação que o professor Valnir tem como intrínseca ao ensino, paraalém, igualmente, das fronteiras do sistema de graduação:

[...] Afinal, o que aprendemos é função do propósito com que ofazemos; e se estudamos para um exame externo e posterior, nãoapenas os conteúdos e as formas de tratá-los, como a persistência doque fixamos, estarão referidos a tal propósito, em detrimento de qual-quer finalidade mais nobre e duradoura. Anos atrás, tivemos ocasiãode comprovar esse fenômeno quando, “inesperadamente”, voltamosa submeter uma turma de estudantes à mesma prova aplicada três dias

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efetiva “conservação” da experiência, além do nível sensório-motor, e de “operações

psicológicas definidas” que lhe permitam representar as ações em pensamento.

Isso começa a verificar-se no terceiro período, o das operações concretas, que em

princípio fica situado entre os 7 e os 11 anos. Dá-se nesta fase uma estruturação

progressiva do mundo real com mobilidade crescente. As atividades de pensamento,

esboçadas no período anterior, alcançam maior reversibilidade; e surgem as operações

lógicas resultantes das ações de combinar, dissociar, ordenar e estabelecer correspon-

dências. Nos sistemas operacionais que então se formam encontram-se os de classifica-

ção (sucessiva inclusão de classes em classes mais amplas), seriação (reunião de

relações transitivas num sistema) e multiplicação (classificação concomitante sob duas

características), todos importantes para a construção dos conceitos de número, tempo

e movimento. As operações, entretanto, restringem-se aos próprios objetos – daí serem

qualificadas de “concretas” – desenvolvendo-se separadamente em cada campo, com

insuficiente formalização e sem alcançar o nível das estruturas do conjunto nem atingir

completa generalidade. É o caso da “conservação de substância”, quando se altera a

configuração do objeto: identificar, por exemplo, a mesma quantidade de líquido que

passou de um recipiente longo para outro curto de capacidade idêntica. Só pela altura dos

12 anos essa operação começa a estar presente.

O equilíbrio que ainda falta vai definir o último dos períodos, o proposicional ou dasoperações formais, que se estende dos 11-12 aos 14-15 anos de idade, na maioria dos

casos, e conduz à lógica do adulto. Surge o raciocínio hipotético-dedutivo que, no plano

verbal, significa “a possibilidade de aceitar qualquer espécie de dado como hipótese e

com base nele raciocinar corretamente”. O pensamento já não se reduz ao concreto, pois

do real chega ao teórico e, sobretudo, parte igualmente do teórico para estabelecer ou

verificar relações entre coisas. A lógica se apoia não só em objetos como em proposi-

ções, construindo-se então um grupo de “proposições operacionais” – implicação, disjunção

ou incompatibilidade – que muda inteiramente a atitude experimental do sujeito. Aparecem

também novos “esquemas operatórios” como os de combinações (incluindo permutações

e agregações), de proporções ou de equilíbrio mecânico (igualdade de ação e reação),

não necessariamente relacionados com a lógica das proposições. Enfim, elaborando-se

progressivamente sobre as ações materiais, as operações acabam integrando-se naque-

antes, obtendo um desempenho global inferior a 70% do registradona primeira experiência. Ficou muito claro que, para os alunos, o estu-do feito já tinha realizado os seus fins – passar, em vez de saber – e oesquecimento em marcha era um nítido mecanismo de defesa. Imagi-ne-se então o devastador efeito que tem o concurso vestibular, comoverdadeira espada de Dâmocles a ameaçar e deformar todo o 2° grau egrande parte do 1º! (Chagas, 1978, p. 255.)

[...]

É a avaliação como execução a única efetiva e natural, cuja substituiçãopor soluções pseudo-racionalizadoras custa sempre o preço de umadeformação do aluno ou do que se pretende ensinar-lhe, quandonão de ambos. Se aprender é assimilar um modo de pensar e agir,

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las estruturas de conjunto, móveis e reversíveis, “que são ‘a forma’ de equilíbrio final para

que tendem as funções sensório-motoras e representativas no curso do seu desenvolvi-

mento”; daí “a profunda unidade funcional da evolução mental”.

Pode-se criticar em Piaget a quase-rigidez da sua discriminação de idades e um certo

intelectualismo da sua psicologia essencialmente cognitiva. Quanto à primeira restrição,

cabe levar em conta que a todo instante, em sua obra, a menção dos números de anos

vem seguida de ressalvas para caracterizá-la não como algo definitivo, mas como pontos

de referência sujeitos a variações. Em relação à segunda, importa considerar que o

mestre de Genebra construiu uma epistemologia genética, um quadro de evolução da vida

mental, em que a inteligência já não é uma “faculdade”, mas simplesmente “o estado de

equilíbrio para que tendem todas as adaptações de ordem sensório-motora e cognitiva,

assim como todas as trocas de assimilação e acomodação entre o organismo e o meio”.

Ela envolve a dimensão conativa ou psicomotora e, se bem não se confunda com a

afetividade, desta é inseparável no sentido de que “mesmo em matemática pura”, por

exemplo, “não se pode raciocinar sem experimentar certos sentimentos e, inversamente,

não há sentimento que deixe de acompanhar-se de um mínimo de compreensão e

discriminação”. Em outras palavras: não há aprendizagem sem motivação e não há

motivação no vazio, sem um objeto que a desencadeie.

Ainda que não baste este envolvimento, e certamente não bastará de um ponto de vista

estritamente didático, o certo é que tal marcha evolutiva, quaisquer que sejam a sistemá-

tica e a nomenclatura de sua teorização, coincidem em grandes linhas com o que de há

muito já é matéria de consenso. Desde, portanto, que a ela não nos atenhamos com

exclusividade, a sua utilização é valiosa para o estabelecimento de itens curriculares que,

tanto quanto possível, reflitam a forma como a realidade é assimilada e interpretada pelo

ser humano ao longo do seu desenvolvimento. Os próprios itens assim fixados não serão

mais, afinal de contas, que outros pontos de referência também sujeitos aos indispensá-

veis ajustamentos ditados pelas diferenças individuais no imprevisível das situações que

se criem. É nesta perspectiva que se deve encarar a divisão atual do currículo nas três

categorias de atividades, áreas de estudo e disciplinas.

Antes, na abordagem totalmente intelectualista da educação brasileira, somente de discipli-

nas se cogitava, desde o início da escolarização, e de disciplinas já muito recortadas.

com os correspondentes comportamentos afetivos, – e se a apren-dizagem somente se configura quando o sujeito se tornou capazde transportar a experiência assim adquirida a novas situações –segue-se que avaliar é, no fundo, registrar essa capacidade de trans-ferência concomitante ao próprio aprender. Daí flui comoconsequência que a) para o aluno, a avaliação já ocorreu quando sedeu a aprendizagem, como autêntica autoavaliação, e b) o exame, ouo que por isto se entenda, não vai além da comprovação desse fato.

O fato, porém, é que nem toda atividade docente origina uma apren-dizagem, ou pelo menos a aprendizagem desejada. Isto encarece aimportância da avaliação no processo – a avaliação imediata – que, alémde mais direta e real, enseja uma intervenção corretiva já quase im-

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Mesmo quando se integrou o ensino científico em “ciências físicas e naturais”, deixando a

separação para um ciclo “complementar” ou “colegial”, o que realmente ocorreu foi a

justaposição de uma matemática, uma física, uma química e uma biologia sob o mesmo

rótulo. A partir de 1961, a essas disciplinas ainda mantidas em primeiro plano, com o

objetivo único de cultivo da mente, acrescentaram-se “práticas educativas” voltadas à ação

e “atividades” vinculadas ao setor artístico para educação do sentimento. Também isso era

inadmissível, se antes já não fosse impossível, pois em qualquer situação sempre se

pensa, age e sente, embora com predominância de uma dessas dimensões básicas do

comportamento sobre as outras, porém jamais com a sua exclusão. A divisão tríplice atual

já não segue tal orientação. Na tentativa de acompanhar a evolução psicológica da criança

e do adolescente, adota um critério de “amplitude” do campo abrangido pelos conteúdos em

conexão com os processos envolvidos na aprendizagem.

Essa amplitude apresenta-se tanto maior quanto mais baixo seja o nível alcançado na

escolarização e tanto menor, em consequência, quanto mais alto seja ele. Até boa parte

do período das operações concretas, a criança age no mundo e sobre ele, adquirindo

hábitos e outros comportamentos mais ou menos estereotipados, com um mínimo de

interiorização e mobilidade; daí a predominância das atividades como forma de aborda-

gem global do conhecimento. À medida, porém, que aumenta a capacidade de discrimina-

ção do indivíduo e certos campos adquirem destaque e nitidez, surgem em primeiro plano

as áreas de estudo como divisão do conhecimento em amplos setores. Por fim, tanto

mais avançado esteja o período das operações formais quanto mais cresce aquela

capacidade de discriminação e pode o aluno, em um número crescente de situações,

prescindir do apelo direto aos objetos; donde o ensino calcado principalmente em discipli-nas como subdivisões das áreas de estudo.

A essa marcha do mais para o menos amplo corresponde uma evolução do menos para

o mais formal. Nas atividades, as aprendizagens se desenvolvem antes sobre ações

efetivas exercidas em situações concretas – e aí se incluem as habilidades de ler,

escrever e contar – que pela sistematização dos conhecimentos; nas áreas de estudo, o

concreto tende a equilibrar-se com o sistemático; e nas disciplinas, sem dúvida a catego-

ria mais específica, as aprendizagens se fazem predominantemente pela sistematização

e aplicação de conhecimentos, estabelecendo-se conscientemente o indispensável fluxo

possível depois, quando outras sejam as motivações do aluno ediferentes as variáveis da situação. Nessas avaliações, como o pintorque julga cada traço ou cor e o compositor que aprecia cada acorde oufrase melódica, o professor busca desde logo encaminhar os resulta-dos no sentido da exatidão e coerência das partes e da harmonia doconjunto. Claro que também pode haver uma avaliação mediata: nocaso, o exame. Este, contudo, será tanto menos relevante quantomais frequentes hajam sido as avaliações imediatas e, quando feito, jáprescindirá da consideração de pormenores para ater-se à visão globaldo trabalho realizado.

Imediata ou mediata que seja a avaliação, o que nela se focaliza emprimeiro plano são os elementos qualitativos identificados com os

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entre o saber e o fazer. Por outro lado, da predominância dos processos nas atividades,

que se prolonga e reduz nas áreas de estudo, chega-se ao equilíbrio de ambas as

dimensões nas disciplinas. Enquanto a atividade é processo quase puro, algo como

alimento pré-digerido para quem não desenvolveu plenamente a capacidade de assimila-

ção, a área de estudo ainda é, mais processo que conteúdo e a disciplina é simultanea-

mente conteúdo e processo.

No início da escolarização, qualquer divisão antecipada e expressa do conhecimento

estará fatalmente acima da capacidade de um aluno que apenas ingressa no período das

operações concretas. As ciências, por exemplo, ainda não surgem como tais, a não ser

nas cogitações do professor, e só podem objetivamente ser tratadas como atividades,

juntamente com os demais campos. O seu estudo, assim, constitui uma exploração do

mundo real com base na curiosidade, que é um dos móveis principais do comportamento

infantil e será, pela vida afora, a pedra de toque do método científico. Claro que uma

incipiente sistematização ocorrerá aqui e ali, de forma ocasional, quando o aluno seja

levado a exprimir o que tenha visto, feito e “aprendido”. Mais tarde, alguma divisão já é

possível por áreas correspondentes às grandes linhas do núcleo comum – ciências

exatas e biológicas, digamos – e as sistematizações tornam-se mais frequentes e mais

elaboradas com o surgimento das operações formais. Nessa progressão chega-se às

disciplinas (matemática, física, química, biologia etc.), com predominância do sistemá-

tico sobre o ocasional. Escusado é dizer que idêntico tratamento há de ser dispensado as

duas outras grandes linhas do núcleo: comunicação e expressão e estudos sociais.

Por aí se vê que, mesmo no quadro de um ensino declaradamente ‘“regular”, essa

discriminação dos itens curriculares nunca deverá ser rígida, porque rígida não é a

marcha evolutiva da infância ao fim da adolescência. No máximo, pode-se estabelecer

que as atividades predominam no início da escolarização e, mais ou menos a meio-

caminho do 1.º grau, surgem as áreas de estudo que vão cedendo às disciplinas, no terço

ou no quarto finais desse grau, até a sua predominância no 2º grau. (Chagas, 1978,

pp.194-198.) [...]

grandes “processos” comportamentais. Numa quase-inversão doquadro original, os dados quantitativos surgem como consequência,a menos que se trate de informação a cuja retenção caiba emprestarespecial relevo. Neste caso, que não há de ser muito frequente, po-dem-se mesmo usar quesitos do tipo “objetivo”, conquanto não demero e passivo reconhecimento como os de falso-verdadeiro oumúltipla escolha. Por outro lado, organizar a avaliação é criar outrassituações problemáticas, diferentes das originais, a que devam osalunos “transferir” ou em que devam aplicar os conhecimentos eatitudes adquiridos, como evidência de sua aprendizagem. As situa-ções anteriores já estarão perdidas no tempo e, embora possam con-tinuar vivas na memória de alguns o que se pretende não é fixá-las àmaneira de um condicionamento, mas precisamente variá-las comoimperativo de mobilidade e dinamismo. (Chagas, 1978, p. 257.)

[...]

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Em rigor, a verdadeira avaliação não se planeja fixando e estereotipan-do respostas, com exclusão de outras – conhecidas, previsíveis ouinsuspeitadas, de igual ou maior importância – que o aluno tambémdomine. Essa orientação, que à comodidade sacrifica a autenticidade,compromete irremediavelmente a eficiência do instrumento emprega-do e, o que é pior, vicia de modo insanável a fidedignidade dos resul-tados. No caso, isto sim, planejar é criar condições nas quais o estudan-te expresse tão livre e pessoal quanto possível, o que foi capaz deassimilar ou construir no setor considerado e o modo como o fez.Assim, igualmente por este prisma a avaliação constitui parte da execu-ção curricular, pois o melhor contexto, senão o único, para julgar oaluno em seus progressos e dificuldades é a própria situação de apren-dizagem. “O exame comum e externo”, como há quase meio-séculoalertava Whitehead, “ é fatal para a educação”. (Chagas, 1978, p. 258.)

[...]

Essa concepção permanece visionária ainda hoje, contrastandocom a prática consuetudinária de nossa avaliação escolar, que subsisteidentificada com a verificação de resultados, mediante a aplicação deprovas ou exames ao final do processo ou de suas distintas etapas. Talprática, antes de ser um apoio ao processo de aprender, revela-se umaforma de coação, essencialmente seletiva. Ora, “avaliações” desta na-tureza já estão de antemão corrompidas pelo interesse ou pela neces-sidade do estudante de obter aprovação, transformando a relaçãoprofessor-aluno num jogo persecutório entre “gato e rato”.

Aqueles que tiveram o privilégio de ter Valnir Chagas comoprofessor sabem que ele se pautava pela formulação de questõesou problemas inteligentes, no processo educativo ou ao seu térmi-no, cuja resolução era possível por meio da reflexão, jamais pelamera reprodução de informações. E o sentido preferencial de suautilização era obter para si mesmo e oferecer aos respectivos estu-dantes informação sobre o ensino e a aprendizagem, útil à suareconstrução e ao seu aprimoramento.

É assim que, da aspiração do povo por mais educação oprofessor Valnir vai inferir o conceito de continuidade, chave parao planejamento dos estudos no sentido de um permanente cres-

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cimento. E a ele contrapor o de terminalidade no sentido comple-mentar de acesso ao conhecimento útil para os que necessitamtrabalhar até para manter-se estudando. Ambos considerados comequivalente valor formativo. Esses conceitos, mutuamentedimensionados conforme as circunstâncias, permitiriam “corri-gir”, progressivamente, a dualidade estrutural do ensino médio,resultante direta da estratificação social. Em conjunto com osconceitos de atividade, área de estudo e disciplina significariam umatransformação radical, mas para implantação paulatina nos cur-rículos escolares do ensino de 1º e 2º graus e nos currículos deformação de licenciados.

Cada traço significativo do nosso sistema educacional é tomadoora como referência de historicidade, ora como indicador da neces-sidade de transformação, de modo que se tenha a compreensão desua facticidade e da direção para modificá-lo em prol de umabrasilidade capaz de transcender os próprios condicionamentos.

Escolarização obrigatória de 8 anos, com a incorporação doantigo ginásio ao ensino de 1º grau; melhor articulação do ensinomédio com o superior, mediante a proposta de integração hori-zontal de educação geral e formação especial e a correspondenteinstituição do 1º ciclo universitário; maior descentralização na for-mulação dos currículos plenos, com mais autonomia para a es-cola e abertura às opções dos alunos; centração da educação nodesenvolvimento de processos e na situação dos conteúdos comomeios para realizá-lo; adoção de procedimentos ativos e novosinstrumentos de informação e comunicação como recursos aoexercício efetivo do fazer, sentir e pensar que, por sua vez, de-manda ter os contextos imediato e mediato como objeto dereflexão. De muitas maneiras se pode verificar, na pedagogia doprofessor Valnir, o estímulo ao enraizamento das instituiçõeseducativas na nossa cultura e a disposição dialética de transcen-der os condicionantes histórico-culturais até o limite das possibi-lidades dessas instituições.

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A atitude de pesquisa é fundamental para isso e ele lamenta que[...] “a pequena escola, a respeito da qual existe uma rica experiênciabrasileira, [permaneça] inexplorada nos estudos acadêmicos” [...]

Sem o exercício da pesquisa, não haverá, como nos adverte omestre, antídoto para as

[...] ideias e soluções que nos chegam de outros países, não raro jásuperadas na origem, que visivelmente conflitam com o Projeto Bra-sileiro. Como, entretanto, são absorvidas sem as indispensáveisadaptações, acabam impedindo que nos concentremos em nossarealidade e encontremos os nossos próprios caminhos. Pior é que asimportações não se limitam a livros e demais produtos da chamadaindústria do conhecimento. Elas alcançam também os profissionaisestrangeiros, nem sempre escolhidos entre os melhores, que nos sãoenviados em programas de “assistência técnica”, assim como os na-cionais que se deslocam para aprender noutros sistemas ... a nossaeducação. Em breve, se providências acauteladoras não se adotarem,teremos formada além-fronteiras toda a “elite” universitária, ou oque por isto se entenda, para reproduzir-se depois em novos profes-sores e especialistas. Uma ocupação cultural.

Longe de nós preconizar posições isolacionistas em um mundo quetende a encaminhar-se para a interdependência; mas apenas a encami-nhar-se, pois não passa de ingenuidade falar de co-operação entrepartes ainda desiguais. Mesmo assim, temos que a absorção de expe-riência é não só admissível como necessária em aplicações de ciênciasexatas, por exemplo, conquanto a própria tecnologia conserve muitodo artesanato ao refletir gostos e estilos nacionais em suas “formas”.A técnica, porém, é sem dúvida transferível, ao menos quando o seudetentor de fato queira transferi-la. O mesmo não ocorre no campodas ciências humanas, em particular no da educação, que é sempre ...expressão de uma cultura e somente nesta pode ser desenvolvida eestudada. Com base em tal ponto de referência e “redução”, deli-neado com crescente clareza, poderemos atuar de maneira seletivapara adaptar as soluções externas que de fato nos interessem e recusaras que não nos convenham. Outro meio não existe para vencer ocomplexo colonial, ainda muito forte em certos setores, que cega pelaalienação do adesismo quando não consome pela neurose da xeno-fobia. (Chagas, 1978, p. 350.)

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[...]

Instado pelo Ministério da Educação, por sua vez pressiona-do por entidades como a Federação Nacional das Apaes, o CFEaprova o Parecer nº 848/72, do qual é relator o Conselheiro ValnirChagas, no sentido de, preliminarmente, “delinear a política e aslinhas de ação do governo na área de educação de excepcionais”.Seu discurso permite-nos aquilatar mais essa contribuição àinstitucionalização, segundo padrões modernos, de uma modali-dade educacional até então mantida à margem do sistema, bemcomo sua expectativa sobre o suporte necessário da universidadeà realização das mudanças projetadas para o ensino de 1º e 2ºgraus, mediante o exercício pertinente de sua tríplice função:

[...]

Esta, por estranho que a muitos pareça, representa uma área paraassim dizer nova em nossa realidade educacional [...] Até há pouco,em nosso país, a educação dos excepcionais era uma.atividade igual-mente “excepcional”, cifrando-se a algumas escolas também “excepcio-nais” criadas em locais “excepcionais”. Tudo era excepcional: a concep-ção, a política, a ação: e mesmo as iniciativas mais bem intencionadas,conquanto “excepcionais”, só contribuíam para agravar a margina-slização dos infra e até dos superdotados.

Somente a partir de 1961 cogitou-se do assunto em nossa legislaçãoeducacional. A Lei de Diretrizes e Bases dele se ocupou pela primeiravez, estabelecendo no seu artigo 88, que “a educação dos excepcio-nais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral deeducação, a fim de integrá-los na comunidade.” O princípio estavarigorosamente correto: mas a timidez com que era formulado (“atéonde possível”...), o uso da própria palavra “excepcional” e a abertu-ra de título em separado para a matéria – o título X – acabaram porsublinhar a excepcionalidade.

A Lei nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971, deu o novo passo. Nostermos do seu artigo 9°, “os alunos que apresentem deficiências físicasou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto àidade regular de matrícula e os superdotados deverão receber trata-mento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes

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Conselhos de Educação.” Não há, portanto, um título ou capítulo àparte, nem se usa o vocábulo “excepcional”. A matéria surge como umcaso do ensino regular, em larga medida classificável na linha das dife-renças individuais, sujeita naturalmente a “tratamento especial”.

O problema consiste agora em preparar esse tratamento especial, quenem implica a segregação de antes em escolas de desajustamento,nem importa no abandono do aluno à própria sorte. É no planotécnico da execução, e não no legislativo, que agora se insere o “no-que-for-possível” da lei de 1961. Até onde não seja prejudicial, oaluno rápido ou lento, por todos os motivos que não cabe repetiraqui, há de conviver com os demais e aprender com eles. Somentequando indispensável se fará o “tratamento especial”, individualiza-do, cuja função não deixa de visar a restituí-lo àquele convívio e ànormalidade, que esta – a normalização crescente do excepcional, enão a sua marginalização – é a finalidade última a alcançar.

Tal orientação terá de refletir-se na formação de mestres-especialistaspara a educação de excepcionais, pois também aqui a inteira separaçãoem cursos estanques será prejudicial. O professor de excepcionaisdeve ser basicamente um educador, como os demais, e não apenasum técnico manipulador de determinados aparelhos ou repetidor decertos exercícios estereotipados. Sobre o educador é que se assenta oespecialista, mediante o estudo de soluções apropriadas a cada linhade excepcionalidade. Daí usarmos a expressão professor-especialista.

Esta foi, aliás, a posição em que se colocou o CFE a partir de 1969,muito antes de surgir a Lei nº. 5.692. Disciplinando os estudos supe-riores de educação, ao fixar os mínimos de conteúdo e duração para ocurso de pedagogia, o Parecer nº. 252/69 previu desde logo as habilita-ções específicas para “educação de excepcionais”, a serem reguladas empronunciamentos especiais, sempre montadas sobre a base comumdaquele curso. No mesmo ano, o Parecer n.º 295/69 indicou a necessi-dade de apressar-se tal regulamentação e para tanto constituiu-se umaComissão Especial. A Comissão já apresentou o Parecer n.º 07/72,que estabeleceu os mínimos para o magistério de educação dos defici-entes da áudio-comunicação, e os seus trabalhos prosseguem. [...]

A esta altura, aliás, outras habilitações já teriam sido fixadas e disci-plinadas não fosse o surgimento do programa, agora mais amplo esistemático, a que em boa hora se lança o Ministério da Educação eCultura neste setor tradicionalmente “excepcional” da nossa organi-

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zação escolar. Constituído o grupo de trabalho como a providênciamais importante dentre as já adotadas nesta fase preliminar, nadaaconselhava a que prosseguíssemos numa ação paralela que levaria ainevitável dispersão. Daí a momentânea interrupção daquele esforço,para acompanhamento dos estudos a cargo do grupo e posteriorretomada do assunto, já então, no quadro de uma política nacionalde educação dos excepcionais.

O traço principal dessa política, salutar consequência da nova orienta-ção ditada pela Lei nº. 5.692/71, há de ser a definição do setor deexcepcionais como um aspecto do ensino regular e, assim, comouma atribuição dos vários sistemas que não exclui nem a coordenaçãogeral, nem onde necessária, a assistência técnica e financeira da União.Longe estão os dias em que se pensava resolver o problema com ainstalação “excepcional” de dois ou três institutos especializados emcidades mais populosas do país. É preciso não esquecer que tambémos excepcionais estão incluídos na obrigatoriedade escolar dos seteaos catorze anos com direito a que se levem em conta as suas caracte-rísticas individuais. Esta última circunstância sugere mesmo que paraos subdotados, por um critério de idade mental, se prolongue oensino gratuito até o limite da real educabilidade de cada aluno.

É o “tratamento especial” do artigo 9°, que de forma nenhumadispensa o tratamento regular em tudo o que deixe de referir-se àexcepcionalidade. Do contrário, ter-se-á frustrado o objetivo primei-ro da própria educação que é o ajustamento social do educando. Essetratamento especial pode ser feito na mesma escola em seção a eledestinada, ou em outro estabelecimento adrede organizado, segun-do o princípio da intercomplementaridade contido no artigo 3.º daLei n.º 5.692. A sua dosagem, por outro lado, será função do grau de“desvio”, para mais ou para menos, que o aluno apresente em rela-ção à “normalidade”.

A partir de tais pressupostos, uma atuação nacional para incrementodesta linha de escolarização deve fixar-se em três pontos fundamen-tais: (a) o desenvolvimento de técnicas a empregar nas várias formasde excepcionalidade: (b) o preparo e aperfeiçoamento de pessoal e (c)a instalação e melhoria de escolas ou seções escolares especializadasnos diversos sistemas de ensino. Os dois primeiros terão de apoiar-se grandemente sobre as universidades, cujos programas de ensino epesquisa, à medida que se amplie a oferta de educação para excepcio-

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nais, encontrarão um campo ideal para experimentação e prática naspróprias escolas ou seções escolares especializadas que se instalem.

Entretanto, sobretudo de início, não se há de desprezar nem o acer-vo de soluções reunido até hoje, em iniciativas pioneiras cuja expe-riência cabe antes sistematizar e utilizar, nem muito menos os recur-sos humanos formados em meio a dificuldades e sacrifícios pessoaisde toda ordem. Medidas especiais devem ser previstas para esse apro-veitamento, a fazer-se sob o único limite da autenticidade. Aliás, nocitado Parecer n.º 07/72, o Conselho Federal de Educação já abriuclaramente o caminho em tal direção.

O terceiro ponto – a instalação de escolas ou de seções escolaresespecializadas, a cargo dos sistemas – repousa sobre os dois anterio-res: e os três, direta ou indiretamente, sempre supõem a coordena-ção, o estímulo e a assistência do Ministério da Educação e Cultura.Esta Ação Nacional do MEC, razão da sua própria existência, abran-gerá desde o estabelecimento de condições que deem realidade àpolítica mais agressiva e orgânica em perspectiva, até a conjugação eracionalização dos esforços regionais, o incentivo a novas iniciativas,o reclamo de providências e a oferta de reforços técnicos e financeirosonde maior seja a carência de meios. (Chagas, 1972. In: Documenta nº141, pp. 242-244).

[...]

O professor necessário

Os termos didático-administrativos cunhados pelo professorValnir têm maneabilidade para que possam representar os proces-sos educativos em curso e acompanhar a dinâmica das transfor-mações que neles se operam. Veja-se, por exemplo, os conceitosde continuidade e terminalidade, educação geral e especial, atividades, área deestudo e disciplina que, no jogo de arranjos para atender a requisitossociais, psicológicos e conjunturais, vão transmutando-se um nooutro, em recíproca complementaridade. É assim que ora reves-tem um sentido, ora revelam até mesmo o significado contrário,dependendo da perspectiva do observador ou da função que selhes atribua, como o mestre exaustivamente demonstra nos excertos

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selecionados para esta publicação. Lidar com essa dialética supõeum professorado qualificado, capaz de flexibilidade nos modosde sentir, fazer e pensar a educação.

O livro Formação do magistério – novo sistema, editado em 1976,reúne seus trabalhos pertinentes ao tema, todos aprovados no ple-nário do CFE. Dele foram selecionados alguns trechos para per-mitir vislumbrar a política de formação de docentes que a atuali-zação e expansão do ensino de 1º e 2º graus requeria e, de certo modo,acrescentava-se à reforma universitária que a antecedera2.

E agora, outra vez?

Como se pode constatar da leitura precedente, o professorValnir conhecia o sentido do movimento de atualização educacio-nal no mundo, desde suas origens remotas, e trabalhava suas prin-cipais características sem deixar de referi-las, diferenciadamente, àspráticas pedagógicas usuais nos contextos local e nacional em queatuava. Isso em um ambiente universitário que costumava oscilardo último modismo importado à recusa ao envolvimento com ascondições reais da escolaridade brasileira.

A informação meramente livresca e predominantemente es-trangeira de que, então, se fazia largo consumo nas licenciaturas,

2 Nova escola, novo magistério.”Com estas palavras, que bem poderiam constituir o título

da presente publicação, tentamos logo em 1971 sintetizar o maior desafio em que impor-

tava a implantação da Lei n.º 5.692, então promulgada. Antes, idêntica preocupação já

manifestáramos ao justificar o anteprojeto que originou essa lei. Sabíamos, e muito mais

sabemos agora, que tais fossem os nossos professores e especialistas em educação,

tais seriam os avanços a registrar no ensino de 1º e 2° graus. Tínhamos por indiferente,

no caso, que a sistemática proposta visasse apenas a uma “atualização” e, no plano

teórico, encontrasse encorajadora receptividade entre os verdadeiros educadores. Uma

coisa é aceitar em princípio as ideias ou soluções que inovam e outra, muito diferente, é

realizá-las com as necessárias mudanças de atitudes e de métodos. Somos intrinseca-

mente conservadores; e qualquer alteração planejada na esfera social exige sempre, em

última análise, uma geração para que efetivamente se imponha. (Chagas, 1976, p. 7.)

[...]

Tanto a lei como, já agora, o plano traçado para formação de professores e especialistas,

com a variedade dos caminhos que possibilitam para atingir cada objetivo, levam a essa

atitude experimental, indispensável ao êxito quer do ensino de 1º e 2º graus, quer igual-

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mente do ensino superior. Os dois, aliás, encontram-se precisamente no terreno que ora

focalizamos: este preparando o magistério daquele, que em contrapartida lhe fornece os

alunos. De como se comportem ambos os níveis dependerá a escolarização como um

todo. [...] (Chagas, 1976, p. 11.)

[...]

A partir daí, dando forma aos mais significativos avanços da lei no âmbito do ensino “regular”,

cabe desenvolver uma escolarização simultaneamente contínua e terminal, em que os

estudos se escalonem do mais para o menos amplo, ou do menos para o mais específico,

e aos conteúdos gerais se associem os de formação especial, para configurar uma educa-

ção integral tanto quanto possível isenta de dualismos. [...] (Chagas, 1976, p. 13.)

[…]

Passando à concepção mesma dos cursos, é fora de dúvida que haverá, doravante, cada

vez menos lugar para licenciaturas específicas desde o início ao fim dos estudos, sem

assentar-se em base mais ampla – como a de química ou a de geografia – e para aquelas,

excessivamente fluidas, que permaneciam na base sem nunca alçar-se a qualquer

especificidade como a de ciências sociais. Curioso é que a nova organização do currículo,

na escola de 1º e 2º graus, leva à coexistência das duas características, pois enquanto se

exigirá dos mestres uma visão de maior amplitude para as “atividades” e “ áreas de estudo”

do 1º grau, também deles se reclamará o domínio específico das disciplinas do 2º grau.

Resta saber como se há de promover esse compromisso sem enveredar pelo caminho

longo, custoso e dispersivo de formar dois ou mais tipos diferentes de professores.

[Na conferência proferida no CFE], durante o “V Seminário de Assuntos Universitários”,

propusemos como solução “o preparo de um profissional que circule facilmente do 1º ao

2º grau e, ao mesmo tempo, da “atividade” à “disciplina”, passando pela “área de estudo”.

Apoiamo-nos para tanto em um só princípio – o da polivalência – encarado em duas

direções: “a polivalência vertical, decorrente de cursos planejados segundo o disposto no

artigo 23 da Lei n.º 5.540/68, com ‘modalidades diferentes quanto ao número e à duração’;

e a polivalência horizontal, resultante de uma globalidade decrescente em que, até o nível

da licenciatura de 1º grau, se prepare o docente de atividades e áreas de estudo, e daí por

diante, num jogo discriminativo de habilitações, se forme o mestre de disciplinas”. Se é

certo, como se tem alegado, que a integração dos estudos não se alcança pela via única

permitia esse estado de coisas. Lembro-me de haver presenciadocolega de faculdade professar, com comovedora convicção, osideais não diretivos da pedagogia de Carl Rogers, encerrando suascolocações verbais com a ameaça de aplicar uma verificação (obri-gatória e seletiva) sobre esse objeto de estudo. A mera confissãoideológica dificilmente consegue prevalecer sobre a prática consuetu-dinária senão acompanhada de clamorosas contradições.

Valnir Chagas, entretanto, mantém-se coerente ao longo da car-reira e do desenvolvimento das matérias que publica. E nelas faz asíntese do conhecimento pedagógico de seu tempo com as raízeseducacionais brasileiras para projetar as atualizações necessárias e o

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do professor individualmente considerado, menos certo não é que sem ele, conveniente-

mente preparado, nada ou muito pouco se conseguirá em tal sentido. (Chagas, 1976, p.

19.)

[...]

Por fim, de tão evidente, quase desnecessário nos parece mencionar que o currículo

destinado ao preparo dos professores envolve uma parte de conteúdo e outra de formação

pedagógica; mas fazemos o registro, em vista da natureza abrangente deste trabalho e,

sobretudo, porque daí resultam algumas consequências que é útil comentar. Uma vez

determinados quais sejam os cursos das áreas geral e especial, os mínimos de conteúdo

e duração a observar em sua organização – a que os estabelecimentos farão os acréscimos

julgados convenientes – se fixarão em indicações específicas: tantas quantas sejam as

licenciaturas, para a parte de conteúdo, e uma indicação comum para a de formação

pedagógica. Estes aspectos de conteúdo e método praticamente se identificam e se

confundem na área propriamente de educação, que é em última análise aquela formação

pedagógica ampliada e aprofundada. O fato de que se preveja uma indicação comum para

a formação pedagógica das outras licenciaturas é apenas uma solução de economia e não

implica, de nenhuma forma, a cisão dos dois aspectos nos currículos plenos e na sua

execução, o que vale dizer: na formação mesma dos alunos. Desde o Parecer n.º 292/62,

em que se extinguiu o chamado “curso de didática”, vimos insistindo na “inconveniência de

separar o ‘como ensinar’ do ‘que ensinar’”. (Chagas, 1976, pp. 21-22.)

[...]

Em conclusão, resumimos estas considerações nos seguintes princípios e normas gerais

que indicamos para disciplinar a formação superior do magistério destinado ao ensino de

1º e 2º graus:

1. O preparo regular do magistério – docentes e especialistas – para o ensino de 1º e 2º

graus será feito, conforme o conteúdo e a duração dos estudos, em nível de 2º grau, para

exercício docente até a quarta ou a sexta séries do 1º grau, e, em nível superior, para

exercício docente ou de especialidade pedagógica em toda a escola de 1º grau ou nesta

e na de 2º grau.

2. Em nível de 2° grau, o preparo dos professores far-se-á com observância dos princípios

e dos mínimos de conteúdo e duração estabelecidos nos Pareceres nº 45/72 e 349/72.

sentido dessa evolução. A contraposição que faz da função de suplênciaà de suprimento, por meio da qual antevê a transformação que sepreparava nos métodos didáticos, com as aplicações possíveis dastecnologias da informação e da comunicação, e deles para todo oensino, especialmente o de jovens e adultos, foi profética.

Situá-lo no fluxo do pensamento contemporâneo da nossaeducação é inquestionável para os que conhecem os seus escritos eos caracteres daquele pensamento.

A ditadura, porém, não era a ecologia política adequada parao florescimento do compromisso com a realidade brasileira queimplicaria, de imediato, o reconhecimento da absurda desigual-

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[...]

3.1. Em nível superior, o preparo do magistério será disciplinado em indicações de

conjunto, uma para o campo de educação geral e outra para o de formação especial,

seguidas de indicações específicas em que se fixem os princípios complementares e os

mínimos de conteúdo e duração a observar nos cursos respectivos. Os mínimos de

estudos pedagógicos a incluir nesses cursos, sem acréscimo de duração, constarão de

uma só indicação específica.

[...]

3.2. Para o preparo dos especialistas em educação e dos professores destinados tanto à

formação especial pedagógica do ensino de 2º grau quanto para início de escolarização e

para educação de excepcionais, haverá igualmente uma Indicação Básica e indicações

específicas para os cursos ou habilitações que se planejem.

[...]

4.1. Os estudos superiores destinados ao preparo de professores e especialistas de

educação deverão ser organizados sob um duplo critério de polivalência por força do qual,

de um lado, a mais altos níveis de formação correspondam possibilidades de exercício

em níveis sucessivamente mais altos da escola de 1º e 2º graus e, de outro lado, cada

curso abranja uma área ampla de conhecimentos que possa, em nível mais alto, desdo-

brar-se em um número significativo de habilitações específicas.

4.2. A formação em nível mais alto não impede, antes aconselha, que os professores já

em exercício no ensino de 1º grau permaneçam neste nível onde e quando haja condições

para tanto.

4.3. Tendo em vista o disposto nas alíneas do artigo 30 da Lei nº 5.692, de 11 de agosto

de 1971, a “habilitação específica” para exercício do magistério em determinado nível

escolar supõe o domínio não apenas dos conteúdos respectivos, a serem genericamente

consignados no diploma, como das orientações metodológicas exigidas para as ativida-

des, áreas de estudo ou disciplinas consideradas a esse nível de escolarização.

[...]

5.1. O preparo superior de professores e especialistas, em nível de graduação, far-se-á

mediante cursos de licenciatura desenvolvidos em duração plena ou de 1º grau, sem

dade da nossa “ordem” social e a obrigação ética de combatê-la;nem do nacionalismo frente à doutrina da interdependência dasAméricas, acordada com os interesses da “segurança do mundoocidental”; menos ainda para o exercício da solidariedade, precisa-mente o objeto da repressão política instalada em 1964 e em pro-cesso de crescente violência. Mal comparando, os “donos do po-der” tentavam então uniformizar o Brasil pela imposição de umpensamento político único, como os fascismos pretenderam fazerna Europa da primeira metade do século XX; processo antagô-nico à unificação por aproximações sucessivas, mediante nego-ciação de interesses e mediação política das diferenças e dos con-

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prejuízo dos estudos adicionais, podendo os sistemas de ensino, pelos respectivos

conselhos de educação, fixar normas de exercício profissional com vistas a que tal

preparo se eleve progressivamente, refletindo o progresso geral e cultural do meio.

[...]

5.2. Para efeito do item anterior, e sem prejuízo da característica referida no item 6.1,

entende-se por licenciatura de 1º grau a que seja ministrada no mínimo de 1.500

horas-aula, para as áreas de ciência e tecnologia, e de 1.200 para as de estudos

sociais e humanidades, com integralização a fazer-se entre um e meio (1,5) e quatro (4)

anos letivos; e por licenciatura plena aquela em que esses mínimos de tempo útil se

elevem para 2.500 e 2.200 horas-aula, respectivamente, e o tempo total de integralização

fique situado entre três (3) e sete (7) anos letivos.

5.3. As indicações específicas a que se referem os itens 3.1 e 3.2 poderão elevar desde

logo os mínimos fixados por este Conselho, em relação a determinados cursos ou

habilitações, sem prejuízo dos acréscimos que façam as universidades e demais institui-

ções de ensino superior.

[...]

6.1. As licenciaturas de 1° grau concluir-se-ão, em princípio, por habilitação geral no

campo de estudos identificado com o curso, e as licenciaturas plenas, além dessa

habilitação geral, incluirão uma ou duas habilitações específicas dentre as disciplinas do

correspondente campo de estudos e outras suscetíveis de nele classificar-se, conforme

a indicação relativa a cada curso.

6.2. Em casos concretos, previstos nas indicações que as regulem ou em pronunciamen-

tos complementares, as licenciaturas de educação geral poderão conduzir a habilitações

para o ensino de disciplinas de formação especial classificáveis nos respectivos campos

de estudos.

6.3. Às habilitações específicas de cursos, como aos cursos, aplica-se o disposto no

artigo 18 da Lei n.º 5.440, de 28 de novembro de 1968.

6.4. A autorização e o reconhecimento de novas habilitações específicas, incluídas em

cursos já autorizados ou reconhecidos, ultimar-se-ão com o parecer favorável deste

Conselho, homologado pelo Sr. ministro da Educação e Cultura.

flitos, que caracteriza a construção, ao longo de meio século, daUnião Europeia ainda em processo. Mas foram aqueles os pilaressimbólicos convergentes à integração, explicitados no seu livro de1978, sobre os quais Valnir formulou o projeto nacional de edu-cação que haveria de paulatinamente propor.

O que se segue é o prolongado paradoxo de proposições dereformas da educação, a começar pela do ensino superior e incluin-do a do ensino de 1° e 2° graus, de cunho eminentemente demo-crático, mas executadas por governos autoritários. Apoio à descen-tralização regulamentar dos sistemas educacionais; estímulo à or-ganização dos sistemas municipais de educação; integração de uni-

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7.1. A orientação metodológica a seguir na formação do magistério far-se-á de modo que,

ao concluir a licenciatura de 1º grau, esteja o professor em condições de ministrar o

campo de conhecimentos relativo ao curso sob as formas de atividades e áreas de

estudo, exclusivas ou predominantes no 1º grau, e, com a licenciatura plena, adquira não

apenas tal capacidade como possa lecionar uma ou mais partes do campo abrangido sob

a forma de disciplinas, exclusivas ou predominantes no 2º grau.

7.2 A prescrição do item anterior entende-se, nas licenciaturas de formação especial,

como relacionada às atividades de sondagem de aptidões e iniciação ao trabalho, no

ensino de 1º grau, e às disciplinas de preparo profissional, no de 2º grau.

7.3. Em coerência com a norma estabelecida no § 1º do artigo 3º da Resolução n.º 8/71,

oriunda do Parecer n.º 853/71, a orientação metodológica visará a que o novo professor

se habilite a ministrar um ensino ajustado à idade e à capacidade dos alunos e a neles

desenvolver, a partir dos conhecimentos e habilidades envolvidos em cada situação,

formas positivas de pensamento, sentimento e ação que os levem a novas e mais

elaboradas aquisições com autonomia crescente.

8. Em qualquer hipótese, a formação de professores e especialistas incluirá, obrigatoria-

mente, uma parte de treinamento em situação real a fazer-se, sob a forma de estágio

supervisionado, em escolas e outras instituições da comunidade.

[...]

9.1. Os estudos idênticos ou equivalentes aos exigidos para os cursos de licenciatura

poderão ser nestes aproveitados pela forma seguinte:

1 – os de quarta série do 2º grau ou os adicionais à terceira, em licenciatura de 1º grau ou

plena;

2 – os de licenciatura de 1º grau e os adicionais a esta, em licenciatura plena;

3 – os de outras licenciaturas e de outros cursos superiores, em licenciatura de 1º grau ou

plena.

9.2. Os estudos adicionais só poderão ser aproveitados quando ministrados com obser-

vância dos requisitos estabelecidos no Parecer nº 355/72.

9.3. Segundo o princípio legal de preparo do magistério “em níveis que se elevem

progressivamente”, as licenciaturas de 1º grau, sem prejuízo de sua natural terminalidade,

dades educacionais; diversificação curricular; ajustamento às caracte-rísticas evolutivas e diferenciais dos alunos; progressividade; flexi-bilidade; colegialidade; todos termos, entre outros, que tipificam aabertura da doutrina pedagógica e legislação correlata dessas re-formas, contrária à rigidez de concepções monolíticas.

De fato, de todas as reformas da educação intentadas no Bra-sil, a que foi expressa pelo professor Valnir Chagas e por eleconstruída com seus pares do Conselho Federal de Educação, en-tre 1966 e 1978, foi a mais filtrada pela discussão em órgãoscolegiados, inclusive o Congresso Nacional; a que mais ambiciosafoi na pretensão de modificar as disposições da historicidade da

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devem ser tanto quanto possível planejadas de modo a assegurar o aproveitamento de

disciplinas para a obtenção de licenciaturas plenas.

9.4. Em qualquer caso, somente serão aproveitáveis os estudos efetivamente idênticos

ou equivalentes ministrados em cursos autorizados ou reconhecidos pelos órgãos compe-

tentes.

10. Na expedição de diplomas relativos aos cursos disciplinados nestas normas, indicar-

se-á no anverso a habilitação geral, que define o título da licenciatura, e no verso se

registrarão as habilitações específicas: as obtidas desde logo e as que posteriormente

lhes sejam acrescentadas mediante complementação de estudos.

11. Admite-se, com o sistema regulado na presente indicação, a coexistência de licenci-

aturas plenas sem habilitações específicas e de outras, não polivalentes, vinculadas a

determinadas disciplinas, como filosofia, para ensino em estabelecimentos de 2º grau que

as ofereçam.

12. Nas regiões em que a oferta de professores e especialistas não bastar para atender

às necessidades do ensino, segundo as hipóteses dos artigos 77 e 79 da Lei nº 5.692/71,

a organização dos currículos plenos dos cursos de licenciatura e a sua orientação

metodológica levarão em conta a possibilidade de que os diplomados, embora tempora-

riamente, venham a exercer as suas funções em níveis superiores àqueles para os quais

estejam habilitados em caráter permanente. (Chagas, 1976, pp. 23-26.)

[...]

O preparo do magistério em face da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 [...] tem como

traço dominante, no modelo adotado, a ideia de integração do conhecimento como

suporte para uma diversificação que já não se faça em detrimento do conjunto. Se isto é

verdadeiro em outros domínios, também o é no científico, onde o excesso de

compartimentação vem gerando um crescente desencanto. Cada vez mais vigorosa

torna-se, com efeito, a reação contra a circunstância de “apenas termos sido capazes de

aumentar a especialização, nunca de reduzi-la”, como deplorava C. P. Snow em sua

famosa conferência sobre “as duas culturas”. Recentemente, o professor DeHart Hurd,

da Universidade de Stanford, observava que “os currículos de ciências fundados em

disciplinas, ainda predominantes nos anos 60, já se revelam inadequados para as dé-

cadas de 70 e 80”.

cultura e suas projeções nas instituições educacionais; a mais bemfundamentada e a mais completa do ponto de vista educacional,alcançando toda a escala de escolarização e diferentes modalida-des de educação; a mais explícita em seus desdobramentos didáti-cos e técnicos; e, possivelmente, uma das que menos sucesso obte-ve na sua implantação e implementação.

Por que teria sido assim, tão mal fadada?O professor Valnir Chagas foi o arauto de uma concepção

educacional atualíssima, aprovada nos colegiados do CFE, que sebateu com os condicionantes histórico-culturais da sociedade bra-

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[…]

No momento, o que se faz é ajustar o preparo do magistério ao currículo “de educação

geral”, que tem por base o Parecer nº 853/71. Este não deixa de ser um documento

igualmente de transição ao registrar, como possibilidade, o ensino por amplas áreas de

estudo mesmo no 2º grau. Embora a regra tenda a ser a “área” no 1º grau e a disciplina no

2º, aquela possibilidade já se delineia desde agora. Quando, por exemplo, a profissionalização

se faz para o setor terciário, não é raro que as disciplinas científicas se integrem como

ciências exatas e biológicas, numa oportuna exploração da alternativa de flexibilidade

oferecida pelo artigo 5.º, inciso II, da Resolução (8/71), oriunda do mesmo Parecer n.º

853. (Chagas, 1976, pp. 42-43.)

[…]

Como item especial, [...] prescreve-se a Instrumentação para o ensino [no curso de

licenciatura em ciências]. Entendida em sentido amplo, ela encerrará o endereço didático

a imprimir ao estudo das ciências e, reciprocamente, dará o tom científico da formação

pedagógica. O objetivo em mira é instrumentar o futuro mestre para a sua atividade

profissional, o que se fará pela montagem, avaliação, crítica e melhoria de experiências

adequadas à escola de 1º e 2º graus, pelo desenvolvimento de recursos auxiliares para o

ensino e pela familiarização do aluno com as técnicas de excursão e outras formas de

realizar a pesquisa escolar ou observar aplicações de ciência. O fulcro de todo o curso há

de ser o método científico: não como uma sucessão rígida de passos formais, porém

como uma inspiração de todas as horas que leve à indispensável atitude científica ou dela

possa emergir.

Quer isto dizer que a Instrumentação dificilmente poderá ser incluída, nos currículos

plenos, como uma disciplina à parte nivelada às demais. Por natureza, ela cabe em

todos os programas – pois todos os professores dela se encarregarão – e menos em

itens separados que representando o leitmotiv de todos os itens. É certo que tal caminho

poderá conduzir à dispersão e até à simulação; donde a necessidade de uma coordena-

ção destinada a estimular, acompanhar e unificar as atividades que se voltem para esse

propósito. De tal coordenação é que, a espaços, resultarão seminários e outras inicia-

tivas tendentes a sistematizar a abordagem científico-didática do curso na perspectiva

do conjunto.

sileira e os agentes de sua conservação, em uma conjuntura políticaadversa à mudança. Sim, porque a ilegitimidade do governo mili-tar e a violência com que este se determinava a impor-se, qualquerque fosse a resistência aos seus desígnios, gerava uma incomensu-rável insegurança, disseminada por todos os contingentes popu-lacionais que tivessem um mínimo de consciência política e de for-mação democrática. Não se podia confiar em um poder fora decontrole, que se sobrepunha a todos os demais.

Em uma situação política como essa, dificilmente as pessoas egrupos se dispõem a participar de experimentos de mudança depadrões preexistentes, sobretudo os de iniciativa governamental.

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Assim encarada, a Instrumentação para o ensino deve seguir a formação do estudante

em toda a sua extensão “curta” ou “plena”. Isto é verdade em relação tanto às disciplinas

oriundas da parte comum quanto às da parte diversificada. Naquelas, o que se pretende

é infundir ao aluno-mestre a vivência do método científico, em si mesmo e como objeto

de ensino. Nestas últimas, em que uma determinada ciência já assoma ao primeiro plano,

cabe focalizar esse campo com todas as suas peculiaridades factuais e implicações

metodológicas. É preciso também evitar os particularismos que, sem uma vigilância

discreta mas firme, acabarão por obstar ou destruir a visão integrada que está na base de

um curso polivalente, conquanto diversificado em habilitações específicas.

A formação pedagógica é, portanto, um componente indissociável do curso; não é um

“curso” à parte. Embora fixada em Resolução única para todas as licenciaturas, por uma

espécie de economia normativa, ela deve combinar-se aos aspectos de conteúdo e com

eles formar um todo homogêneo. É certo que, em casos como o aproveitamento de

estudos, tal formação poderá ser ministrada a posteriori. Entretanto, mesmo onde assim

ocorrer, supõe-se uma adaptação que restabeleça a imprescindível integração com o queensinar. No momento, a formação pedagógica está disciplinada na Resolução nº 9/69,

oriunda do Parecer nº 672/69. Como, todavia já se encontra em estudo a sua revisão,

breve a teremos substituída por um documento ajustado à nova política de preparo do

magistério delineada na lei nº 5692/71. (Chagas, 1976, pp. 47-49.)

[…]

O curso de didática era a formação profissional do licenciado e consistia, segundo já

observamos, num ano de estudos superposto ao bacharelado. Com isto, os elementos de

conteúdo e método se tratavam separadamente, como se um não fosse em grande parte

função do outro na perspectiva de preparo do magistério. Talvez se tenha pretendido

contornar essa dificuldade quando se prescreveu a criação, em cada “Faculdade de

Filosofia”, de um Colégio de Aplicação onde os alunos realizariam exercícios docentes.

Verdadeira, porém, que seja a conjetura, facilmente se poderia prever que o relaciona-

mento apenas iria fazer-se a posteriori, desenvolvendo-se todo o conteúdo sem qualquer

endereço para o ensino e a formação didática sem nada ter a ver com o conteúdo. A regra,

portanto, era a separação do que e do como ensinar, presente até no documento formal

da habilitação. De fato, como a didática era um curso à parte, cada bacharel já diplomado

A incerteza, pelo contrário, sugere a cristalização nos padrões maistradicionais. A prepotência pode até obter acomodações sociaisgeneralizadas, mas a assimilação do novo supõe uma adesão ínti-ma que escapa ao controle da vigilância estatal.

O que viesse do governo era recebido com desconfiança eressentimento ou com a indiferença dos despolitizados. E o medoda repressão disseminava “paranoias” e preconceitos. Entre osestudantes dos cursos superiores corria solta a crença de que aintrodução do binômio crédito/disciplina embutia a maquiavélicaintenção de sabotar o consenso sociopolítico que unificaria o mo-vimento estudantil ao longo do exercício dos cursos seriados. Eu

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recebia um novo diploma de licenciado que ficava, aliás, muito ao gosto do nosso

colecionismo de títulos.

O curso de pedagogia foi estruturado com essas mesmas linhas; e para reproduzir-lhes a

dicotomia, no que em rigor era um só campo de estudos, a solução encontrada foi encarar

a própria educação como conteúdo e método. Com três anos, o aluno obtinha o diploma

de bacharel, correspondente a um vago “técnico de educação”, e após mais de um ano se

graduava como licenciado, habilitando-se a lecionar as disciplinas específicas dos cursos

normais. A simetria era total e sem dúvida artificial. Embora o curso de pedagogia já

fosse, em última análise, o curso de didática desenvolvido em maior profundidade, não se

deixou mesmo assim de manter este último, certamente com os dois diplomas, surgindo

em consequência uma esdrúxula didática de pedagogia que fez a tortura dos que dela

ousaram encarregar-se.

[...]

Apesar de tudo, os anos confirmaram o acerto da solução como um todo, porque não

tardou a generalizar-se a convicção de que o preparo do magistério, embora ainda feito

apenas para a escola secundária acadêmica, era matéria de ensino superior. Paralela-

mente, à medida que se enriquecia a nossa experiência nesse particular, mais evidentes

se tornaram aquelas e outras compreensíveis impropriedades iniciais, de crítica fácil na

perspectiva de hoje. A estrutura de 3 + 1 revelou-se inconveniente não só no curso de

pedagogia como nas licenciaturas de conteúdo. Também o Colégio de Aplicação não

bastou para relacionar os aspectos de conteúdo e método na prática docente, visando a

um início de profissionalização do licenciado. Poucas faculdades se dispuseram a criá-lo,

a despeito de sua obrigatoriedade; e mesmo onde isso aconteceu, ou o colégio se

converteu numa “vitrina pedagógica” pouco acessível aos alunos-mestres, ou, frequente-

mente, não passou de mais um estabelecimento que em pouco ou nada veio a diferir dos

já existentes. Em qualquer hipótese, as oportunidades de prática efetiva que se ofereciam

a cada licenciando não alcançavam uma dezena de horas ao longo de toda a sua

formação.

Outro problema que cedo se fez sentir foi a escassa procura do curso de didática por parte

dos bacharéis, sobretudo os das áreas científicas. O fenômeno é bastante conhecido. Às

suas evidentes causas de natureza econômica e social, ainda agora muito atuantes,

mesmo ouvi de um profissional universitário que a criação da licen-ciatura para início de escolarização – formação superior do professordo 1º grau – significava “reduzir a universidade às funções de umaescola normal”. Perguntei-lhe na ocasião se a educação de criançasnão teria complexidade suficiente para justificar tal formação. Enão obtive resposta.

Em 1980, em artigo na revista Educação brasileira, nº 5, do Con-selho de Reitores (CRUB), intitulado A universidade e a formação deprofessores para início de escolarização, eu me dispunha à divulgaçãodessa possibilidade estatuída na Lei nº 5.692/71 e tentava contra-por-me ao preconceito então vigente, nos seguintes termos:

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acrescentava-se uma terceira relacionada com a prática do esquema 3 + 1 em cursos já

muito recortados como os de matemática, física, química, geografia, história, música e

outros; quase todos. Durante três quartos do tempo, o aluno permanecia inteiramente

voltado para a respectiva especialidade e, ao fim, já não tinha motivação para o ensino,

até porque era constante e sistematicamente desencorajado de segui-lo.

No curso de pedagogia aconteceu de certo modo o oposto. Centrado em generalidades

educacionais, sem conteúdos que lhes servissem de base, os seus alunos não chegavam

a ser professores como os demais. No exercício profissional, entretanto, deveriam plane-

jar uma educação que não tinham vivido, administrar ou avaliar uma escola que desco-

nheciam e dirigir ou coordenar mestres dos quais em rigor não eram pares. O resultado foi

que essas tarefas continuaram, como antes, a ser entregues a professores mais experi-

mentados, porém não “pedagogos’”. A saída que se encontrou, com vistas a dotar o

licenciado em pedagogia de um mercado de trabalho e dele fazer também um professor

“de conteúdo”, consistiu em conceder-lhe gratuitamente o direito de lecionar duas discipli-

nas escolhidas mais ou menos ao acaso – história e matemática – para as quais não

estavam habilitados.

Ademais, tanto nas licenciaturas de conteúdo como na de pedagogia, a educação que se

cultivava ainda muito deixava a desejar. No campo das ideias, reproduzia com algum

atraso as discussões que se iam travando em outros países “mais adiantados”, cujos

problemas acabavam por substituir os nossos. Em consequência, as soluções apresen-

tadas pouco tinham a ver com os dados da nossa cultura e as necessidades de um

sistema de escolarização que inegavelmente, a partir dos anos 30, se começara a

construir como parte do que já se poderia chamar uma Educação brasileira. Temos de

reconhecer que nesta, em verdade, estreita era a margem deixada ao debate e à inova-

ção. Como natural reação a um localismo secular, que não chegava a merecer o título de

descentralização, a sua linha era a da uniformidade que tolhia a iniciativa e embotava a

criatividade dos educadores, transformando-se os estudos pedagógicos numa simples e

monótona exegese de textos legais. (Chagas, 1976, pp. 58-60.)

[...]

Não fosse já, por si só, delicadíssima a missão de ajudar uma criançaa desenvolver-se. Nisto reside, aliás, outro dos muitos paradoxos daescola brasileira. Aqui, [no Brasil] quanto menor a idade da popula-ção escolarizada, menor a qualificação profissional requerida ao pro-fessor. Ou seja, quanto menos o indivíduo é capaz de oferecer resis-tência, quanto mais vulnerável estiver as influências que sobre ele seexerçam, quanto mais determinantes forem os resultados das expe-riências sobre o desenvolvimento de sua personalidade (e muitodificilmente alteráveis depois) – menos se oferece à preparação doprofessor que, supostamente, deve auxiliá-lo a cultivar-se.

Não há razão, pois, para assombro com o péssimo resultado que asestatísticas evidenciam [então, como agora]. De um lado temos umapopulação majoritariamente proletarizada e, de outro, um sistemaeducacional cujo elemento de sustentação – a professora normalista

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– é parcamente qualificado. Sem contar com outros ingredientes comoremuneração irrisória, administração centralizada e obsoleta, defi-ciências de equipamento escolar etc. ...

[A proposta de formação superior do professor do 1º grau] é refor-çada pelo [artigo 39 da Lei supracitada] que vincula a remuneração doprofessor à sua qualificação pessoal, contrariando a prática anteriorde estabelecer os níveis salariais conforme o grau de ensino, indepen-dente de titulação. Dessa maneira [o legislador] pretendia estimular aprocura das licenciaturas para o 1º grau, em geral, e dos cursos depedagogia em particular ... seja pelos candidatos à carreira, seja pelosprofessores em exercício.

[...] Quem se destina ao trato didático com crianças merece e precisa deformação mais cuidada do que qualquer outro profissional do ensino.Não resta a menor dúvida quanto a isso. Se o grau de complexidadedos conhecimentos é menor, porque se destina a processamento den-tro de uma faixa evolutiva pouco afeita às abstrações, entrementes ainteração com os elementos de uma faixa etária de reduzida autono-mia e grande plasticidade exige atenção e cuidados especiais. Em maté-ria de desenvolvimento humano, as ciências do comportamento de-monstraram-no já exaustivamente, é melhor prevenir o erro do quetentar corrigir os desvios. Não há, porém, como negar: tecnicamente épossível chegar a melhores resultados, em menor tempo que odespendido atualmente com as licenciaturas plenas. Bastaria racionali-zar o sistema didático-administrativo usual. No plano político toda-via, os professores desconfiam, os administradores negaceiam as con-dições necessárias e a demanda social é diminuta.

[...]

Responsabilizava-se também a Lei n° 5.692/71 pela decadên-cia dos cursos normais. Ora, esse fato irrecusável decorria do fe-nômeno da emancipação feminina que levou as adolescentes dasfamílias de classe média à disputa por vagas no ensino superior,muito mais atraente do que a usual preparação para o casamento,função subjacente do curso normal para quem não o buscava comomeio de ganhar a vida no ensino “primário”.

Entre os professores da área das ciências sociais difundia-se aexistência de um complot reacionário para reduzir sua credibilidade

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acadêmica e política, pervadindo-a de moralidade e civismo retró-grados. Esse “folclore” seria inesgotável, até porque a conjunturapolítica que o alimentava prolongou-se por quase três décadas.

Contudo, os percalços das reformas que ora nos ocupam não sedeveram apenas à resistência ao sistema de governo instalado à reveliada nação. Mesmo a boa vontade de quem pretendeu lutar a favordelas, acabou por prejudicá-las mortalmente. Durante a tramitação daLei n° 5.692 no Congresso Nacional, uma emenda de iniciativa dodeputado Bezerra de Mello, paladino da formação profissional, aca-bou aprovada, tornando-a compulsória, de chofre, nos cursos de 2ºgrau, apesar de que, no anteprojeto do CFE, sua implantação houveraque ser progressiva. [Cf. Célio da Cunha, “Valnir Chagas: ideias epráticas pedagógicas”. In: Garcia, Walter E. (org.). Educadores brasileirosdo século XX. Brasília: Plano Editora, 2002. p. 344].

Mortalmente se disse, porque não havia como, nem com queequipamentos ou recursos financeiros realizá-la assim, de súbito. Emuito menos professores preparados e em quantidade suficientepara cumprir a obrigatoriedade generalizada de formar profissio-nalmente todo o contingente dos alunos da escola secundária. To-davia não se podia descumprir a Lei. O resultado foi a execuçãofarsesca desse dispositivo legal que acabou por desmoralizá-lo.

Nos currículos de educação geral embutiam-se supostasterminalidades que não eram mais do que estudos pré-vestibularesdisfarçados, vazios de sentido e eficácia profissional. Esse desastreexecutivo redundou no relaxamento daquela obrigatoriedade, se-guido de seu cancelamento, quando era ministro da Educação oGeneral Ludwig. E a dualidade estrutural do ensino médio restabe-leceu-se. Reforçada agora pelo fracasso de mais uma tentativa devencê-la, continua servindo à manutenção do perfil atrasado de nossaestratificação social; à hipertrofia da função preparatória do ensinomédio; ao progresso dos donos de “cursinhos”; ao desamparo dosegressos (pobres) da escola secundária que não conseguem acessoao ensino superior público e gratuito.

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Uma das razões da permanência da dualidade que se preten-dia transcender foi a manutenção dos exames vestibulares para osquais se tomou como referência o conteúdo dos estudos gerais,comum a todos os cursos de nível médio, mantido esse nível decomplexidade, como prescrito na Lei 5.540/68 (Cf. Art. 21). Con-teúdo que, entretanto, é determinado pelos professores do ensinosuperior, responsáveis pela elaboração das provas, como não po-deria deixar de ser. E esses professores, consciente ou inconscien-temente, tomam como referência a necessidade de base dos currí-culos deste ensino. Quanto mais base melhor, para vantagem dosestudantes do curso “acadêmico” e desvantagem dos estudantesdos cursos profissionais técnicos. Estes têm que estudar sobretudoo que não “cai” no vestibular e, muito provavelmente, acumulamestudo e trabalho. Os primeiros, em boa parte, só estudam e ape-nas estudam o que se cobra nestes exames, mas distribuídos porescolas de qualidade muito diferente. Apesar dessas gritantes desi-gualdades, entre outras, ainda há quem diga que nesse jogo seletivode cartas marcadas há discriminação de mérito. Seria mais honestodizer que a universidade pública e gratuita no Brasil tem sido reser-vada aqueles que podem dedicar-se exclusivamente a estudar epagar pelos melhores preparatórios.

Não surpreende, portanto, que a família brasileira, cujo sonhotem sido “fazer de seus filhos alguém, por meio de um diplomade curso superior” e os próprios estudantes não se interessassempor uma educação simultaneamente contínua e terminal. Passar novestibular é um motivo social e psicologicamente obsessivo. E sóos conteúdos da educação geral servem a esse propósito.

Qual a responsabilidade do sistema de ensino superior, na-quela época e agora, por esse estado de coisas no ensino médio?Por que esse sistema não se dispõe a corrigi-lo na medida de suacompetência?

A esse respeito Valnir Chagas faz, em 1980, algumas pondera-ções e sugestões no artigo O vestibular e o ensino de 1º e 2º graus, na

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Revista educação brasileira, do Conselho de Reitores das UniversidadesBrasileiras (Crub), do qual extraímos alguns trechos significativos:

[...]

Afinal, não se pode falar de “escola-única” ou de algo que se encami-nhe nesta direção enquanto a universidade se constituir em algo àparte, marcando tal separação por meios diretos e indiretos que nãoapenas cerceiam oportunidades como enfraquecem e deformam oslanços precedentes da escada escolar. Mas é isto o que tem acontecido,e continua a acontecer, a ponto de que se frustrem todas as tentativasde reformas que visem à maior autonomia funcional do 1º ou do 2ºgraus, ou de ambos. O problema vem de longe e tem causas maissociais que pedagógicas, embora as armas de que dispõem os educa-dores como tais praticamente só alcancem as últimas, a partir dasquais têm eles de contribuir para chegar às primeiras. (Chagas, 1980.p. 192.)

[...]

O ponto de irradiação de toda essa influência deformadora é sempreo vestibular, tanto por seus objetivos reais como por seus conteú-dos e pelos métodos nele empregados (grifo nosso). Quanto aosobjetivos, o concurso torna-se decisivo porque o seu resultado posi-tivo já é o diploma. Afinal, ressalvadas as exceções que rareiam, asreprovações no ensino superior são escassas ou nulas e o própriojubilamento nunca pôde ser implantado, mesmo nas instituições enos casos em que se tornou imperativo. Os conteúdos, por outrolado requerem a simples devolução de informações ou tipos de pro-blemas adrede ensaiados. Em consequência, a metodologia supõeapenas um saber passivo de mecânico reconhecimento de tais infor-mações e tipos de problemas. E a tudo isso tende a ajustar-se aescolarização anterior para depois ser responsabilizada pelodespreparo dos alunos. (Chagas, 1980. p. 200.)

[...]

É surpreendente que, decorridos quase doze anos, nem um passoefetivo se tenha dado para concretizar uma solução de que tantoparece lícito esperar. Não será, entretanto, por nos havermos omiti-do que iremos perpetuar a omissão. O momento é particularmenteoportuno para uma mudança de rumo, porque o governo, começan-do por dar prioridade ao ensino de 1º e 2º graus, chega agora ao

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ponto crítico do vestibular. É certo que as medidas adotadas, peloseu caráter genérico, ainda não incluem a avaliação de aptidões com anecessária intencionalidade; mas elas não apenas comportam essedesdobramento como o induzem clara e inevitavelmente. Cabedoravante às universidades fazerem o resto numa contribuição quesó poderá enriquecer e dar consistência à nova política.

[...] entendemos que a introdução desse novo componente, qualita-tivo por excelência deve evoluir de forma progressiva e fazer-se comum nítido sentido experimental. [...] (Chagas, 1980. pp. 202-203.)

[...]

Tal abordagem por aproximações, com intencionais concessões aoque se pretende corrigir ou superar, visa claramente a facilitar a adap-tação de professores, alunos e escolas de 1º e 2º graus na fase detransição para a sistemática do novo vestibular. À medida que este sevá generalizando, o seu enorme poder condicionante se encarregaráde fazê-lo natural e espontaneamente, dispensando-se em consequ-ência as concessões iniciais. [...] (Chagas, 1980. p. 204.)

No sentido de “renovar” tais exames, surgiu na Universidadede Brasília, do setor que se ocupava dos seus vestibulares no fimdos anos 80, a iniciativa de propor à comunidade acadêmica, àsautoridades administrativas e aos professores do Distrito Federalo Programa de Avaliação Seriada (PAS) que, sem alterar-lhes obje-tivos, conteúdo e método usuais, levou-os ao âmago do 2º grau,transformando radicalmente o ensino médio acadêmico num “cur-sinho”, desde o primeiro ano. Tudo o que não se deveria fazer esó a ignorância pedagógica seria capaz de admitir. Na ocasião emque essa estapafúrdia proposta foi apresentada, não hesitei em ex-por as razões pelas quais esse programa chegaria a ser pedagogica-mente criminoso. E encaminhei-as por escrito, com cópia para oReitor. Aparentemente, esse esforço de conscientização foi útil, poisa proposta não prosperou de imediato. Mas uma “penca” de anosdepois, com algumas modificações, e mantendo suas consequên-cias deletérias da autenticidade do ensino médio, o PAS foi oficia-lizado no Distrito Federal. E, lamentavelmente, replicado em al-

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guns estados. Para fazer isso, melhor seria que aquela universidadehouvera ficado quieta, pois esse programa reduz a educação degrau médio, por inteiro, à função preparatória e consolida adualidade estrutural desse ensino. Aquilo que o professor ValnirChagas quisera corrigir e, como ele, os demais reformadores daeducação ao longo da nossa história.

Aparentemente, não se repara no quanto os exames vestibula-res que colocam a língua Portuguesa como meramente classificatóriatêm contribuído para o empobrecimento intelectual de gerações,com o resultado que até professores universitários dominam malo nosso idioma e, por consequência, interpretam mal o que leem eescrevem mal o que pensam. Talvez por isso o Conselho de Ensi-no e Pesquisa da UnB, por exemplo, tenha decidido na década de80, por votação em plenário, dispensar a obrigatoriedade da pro-va escrita no processo de seleção para a admissão de doutores.Venceu o argumento de que a defesa de tese – condição necessária àobtenção daquele título – já demonstrara antecipadamente essacompetência. Venceu, mas não me convenceu. Por que excluir daseleção de mérito o critério que melhor conjuga o conteúdo àcapacidade intelectiva para usá-lo? Afinal, não se trata de distinguira excelência dos candidatos? Ou será que a titulação, por si só, édela garantia necessária e suficiente?

Certa feita, ainda na década de 70, quando indaguei de umprofessor universitário de matemática se não lhe parecia inquietan-te que a disciplina Cálculo 1, no 1º ciclo, apresentasse uma taxacumulativa de reprovação e evasão de aproximadamente 90% dosalunos matriculados na maioria das suas diversas turmas; sua res-posta foi: é assim que se ensina Cálculo, aqui e nas melhores uni-versidades do mundo.

A tirar por essa atitude, que estimo representativa ainda que, feliz-mente, não exclusiva, temos, uma instituição sem compromisso coma escolaridade que a antecede; que considera a aprovação em um

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exame vestibular (tão discutível) um salvo conduto para exigir doaluno “excelência” suposta, mas sem fundamento nas reais condiçõespsicológicas e sociais do estudante ou de sua escolaridade pregressa.

Quantos dos professores universitários, antes de planejar oprograma de sua disciplina se perguntam quem são os estudantesque vão cursá-la; que resultados obtiveram no vestibular e nas dis-ciplinas já cumpridas; quais as suas experiências anteriores; quemotivos os conduzem ao estudo da sua disciplina; que domíniotêm das línguas e linguagens que o seu curso supõe; como diversi-ficar sua abordagem didática para atender a essas variáveis, entreoutras? Mas se não se faz tais indagações, seria o caso de duvidarque se esteja sendo o pólo docente de um processo educativo.

O sistema compulsório de verificação seletiva dos resultadosda aprendizagem e só destes (de avaliação processual raramente sefala) dá suporte a esse tipo de abordagem do ensino. Não obstante,na década de 90, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universida-de de São Paulo (USP), que se toma apenas como exemplos, ambaspúblicas e gratuitas, a primeira federal e a outra estadual, desperdi-çavam cerca de 50% dos alunos inicialmente matriculados em seuscursos... Que não chegavam a concluí-los.

Um dos maiores motivos de resistência à implantação de umsistema de avaliação do ensino superior que, além da aprendizagem,inclua o próprio ensino, é o receio dos professores de que se façacom eles o que eles fazem com os estudantes. Isso, obviamente, éum viés, pois o conceito contemporâneo de avaliação não tem a vercom o uso seletivo e coercitivo que, costumeiramente, corrompe aavaliação escolar, desde o ensino superior à educação básica.

E precisamos, precisamos mesmo de avaliação do ensino, paraque, entre muitas razões, se possa responder às perguntas de umcolega que me deixaram aturdido, pois formuladas quando já iaavançada a abertura política do regime militar: autonomia da uni-versidade, autonomia para quê? Quais os laços dessa instituição

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com as condições locais e regionais da sociedade e da cultura? Seesses compromissos não existem, a autonomia serve mais às oli-garquias que a controlam.

Em 1971, a Reforma Universitária já estava feita e não seriaretomada para adequar-se à da escolaridade precedente. Depois,quem aceitaria, na época, tomar como objetivos da educação osprocessos cognitivos, antes que os conteúdos da escolaridade; ecomo objeto preferencial de sua aferição o domínio operativoda língua vernácula ou da matemática, a referência internacionalpara comprovação efetiva de aptidão para estudos superiores?Quantos aceitariam isso agora, entre os candidatos ao acesso aoscursos superiores, os professores da educação básica e os própri-os construtores dos exames? E, no entanto, se assim se procedes-se, toda a educação básica estaria livre para construir os próprioscurrículos segundo as características evolutivas e diferenciais dosestudantes e suas condições socioculturais. Simples assim. E mais,o renovado cuidado com a aprendizagem dessas duas matériastalvez superasse os escandalosamente parcos resultados que, poragora, são obtidos no ensino de uma e outra. Até porque domí-nio operativo não pode ser reduzido à mnemotécnica.

A administração federal da educação deu suporte à implan-tação da Reforma Universitária. Não todo o que seria requeridopara o exercício educativo de suas complexas funções, mas osuficiente para os propósitos de incremento tecnológico em apoio aocrescimento econômico. O ensino de graduação expandiu-se significa-tivamente. A pós-graduação desenvolveu-se. Para ela ou por meiodela, realizou-se grande e duradouro investimento na formaçãode mestres e doutores. A universidade tornou-se mais eficiente,sem dúvida.

Teria se tornado mais educativa do que dantes ou concen-trou-se, a partir de valores mal ponderados, na finalidade de pro-duzir conhecimentos, mais do que na de valer-se da pesquisa e

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extensão para formar tecnólogos, profissionais liberais e cientistascompetentes e criativos? Sim, porque o que distingue a pesquisa ea extensão universitárias daquelas exercidas por quaisquer outrasinstituições, senão o seu sentido educativo?

É claro que essas funções e esses objetivos são, abstratamente,complementares entre si. Mas, no dia a dia do ensino superiorbrasileiro, isso de fato se confirma? Um dos bordões jocosos da-quele período histórico pode ser evocado ainda hoje, tal asobrevalorização da pesquisa em relação ao ensino: “Como seriabom (haver) uma universidade sem estudantes (para incomodaros cientistas-professores)!”

No que toca à atualização do ensino de 1º e 2º graus, não sepoderia dizer o mesmo. Pressionado pela expansão da escolarida-de precedente, o ensino secundário, público e privado, continuouinchando. Esse modelo de currículo, importado de uma Europaainda aristocrática, e destinado às classes dirigentes no Brasil, para-doxalmente progride no sentido quantitativo de tornar-se acessí-vel às massas, se bem que desfigurado em qualidade: um simula-cro ineficaz. Uma parte significativa dos evadidos e egressos dessecurso poderia ser enquadrada, antes e agora, como funcional-mente analfabeta. Complementarmente, o investimento estatal deentão para incremento da terminalidade no 2º grau permaneceu es-casso, em que pese a postulação legal de sua obrigatoriedade, comas consequências há pouco evidenciadas.

As instituições públicas federais de ensino superior mantive-ram seu descaso pela formação de professores: os currículos daslicenciaturas não se modificaram para compreender e praticar aordenação didática dos conhecimentos segundo atividades e áreas deestudo; estudos comparativos da década de 80, no Distrito Federal,revelam que o número de licenciados pela UnB, em série histórica,manteve-se irrisório. Não havia com quem proceder reciclagemeficiente para atualização dos professores em exercício. O primei-

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ro curso de especialização na reforma do ensino de 1º e 2º grausjamais foi replicado. Dos três conceitos: atividades, áreas de estudo edisciplinas, fundamentais para a renovação curricular desses grausdo ensino, só o último continuou sendo entendido na escola públi-ca. Os dois primeiros, sequer isso e menos ainda foi nela ensaiadasua aplicação, pelo menos não no sentido de generalizá-la.

O segmento das quatro últimas séries do primeiro grau de oitoanos, no qual predominaria a didática das áreas de estudo, não encon-trou, nas instituições federais de ensino superior, curso de formaçãode professores que lhe correspondesse. Não poderia ser oferecidopelas faculdades de educação, que não têm competência sobre essenível de conteúdo; nem foi acolhido pelas unidades universitáriasresponsáveis pelas demais licenciaturas, que mantiveram inalteradosos currículos formadores da docência de disciplinas, mais adequa-dos ao 2º grau. As faculdades de educação, por sua vez, demorarammuito para assimilar a formação superior do professor para o iníciode escolarização. Órfãos de reconhecimento, esses conceitos encon-traram no papel sua origem e lugar de repouso, pelo menos no quetoca ao ensino público, até agora.

Foi com forte resistência que as unidades universitárias respon-sáveis pelas, assim chamadas, licenciaturas de conteúdo aceitaramalguma diferenciação no endereçamento didático de disciplinas com-ponentes dos currículos dos bacharelados, distinguindo parcialmen-te os dois cursos entre si, para além dos créditos tradicionalmenteatribuídos, com muita usura, ao estudo das psicologias, da didáticapropriamente dita e da prática de ensino com estágio supervisiona-do. Havia uma permanente tensão entre as unidades responsáveispelos conteúdos específicos das diversas licenciaturas e as encarrega-das do estudo das psicologias ou da educação, em torno da maiorou menor presença das disciplinas componentes da formação pe-dagógica nos currículos dos cursos de formação de professorespara o 2º grau. As primeiras queriam neles abrir espaço para ensinar

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mais conteúdos. E a última pugnava pela ampliação dos estudospedagógicos. Tensão que não se resume à desproporção do conteú-do sobre a formação pedagógica, mas se estende à valorização des-ta; à necessária articulação desses estudos; à admissão da instrumentaçãopara o ensino; ao recurso aos procedimentos didáticos ativos eparticipativos; à aproximação da concomitância de conteúdo e mé-todo, de teoria e prática. Tudo isso estava contemplado na políticade licenciaturas proposta por Valnir Chagas, mas à revelia dela per-manece sem solução ou mal resolvido.

Os cursos de curta duração, via de regra, foram rapidamenteassumidos pelo ensino superior privado, pois havia demanda poreles, da parte de grupos relativamente numerosos de pessoas quetinham necessidade de obter mais rapidamente sua titulação paraempregar-se em melhores condições. Mas sua oferta proliferoujustamente onde menos seriam necessários: nas capitais. Em partepor isso, foram rejeitados pelas associações de professores do en-sino superior e pela organização sindical da categoria, temerosasde que, uma vez generalizados, viessem a provocar uma reduçãoda oferta de trabalho para os portadores de licenciaturas plenas ouuma depreciação dos já deprimidos salários do magistério. Numaconjuntura política em que o associativismo e a atuação sindicaleram objeto de cooptação governamental ou repressão policial,tais temores não eram infundados.

Os cursos de licenciatura, curta ou plena, das instituições pri-vadas não tinham, em geral, compromisso com extensão e pes-quisa. Em grande parte, são oferecidos por instituições isoladas,resolvendo-se sobretudo com uma metodologia barata porquemantida, segundo expressão comum, “a cuspe e giz”.

Aproximadamente três décadas depois da promulgação da Lein° 5.692/71 e das correspondentes propostas às licenciaturas, doprofessor Valnir Chagas, o Ministério da Educação, diretamente,começou a enfrentar o problema nacional da falta de qualificação,em nível médio, dos professores leigos do ensino das séries iniciais

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do primeiro grau, no interior do país, por meio do Programa deFormação de professores em Exercício (Proformação), em parce-ria com estados e municípios, com recursos da educação à distância.

A Universidade Aberta do Brasil (UAB/Capes) empenha-se,agora, em ação conjunta com universidades públicas federais eestaduais, nas primeiras ofertas de licenciatura plena à distância paraos candidatos ao magistério, estejam ou não em exercício. Seriarecomendável, mesmo agora, que se consultasse os trabalhos doprofessor Valnir sobre a matéria, para que esse cometimento serevista de atualidade didática.

Como compreender a inércia dos cursos de licenciatura dasuniversidades federais, antes e agora, quanto à articulação institucionaldas diferentes unidades responsáveis pela formação de professorese dos seus respectivos currículos? A dissociação do que e do comoensinar, de teoria e prática, não importa às entidades formadoras domagistério? A eficiência desses cursos e a eficácia da formação dosdocentes para qualquer dos graus do ensino pode ser negligenciada?Qual o apreço dos cursos de licenciatura nas universidades federais?Que importância se dá, ainda agora, à formação pedagógica dedocentes nos cursos de mestrado e doutorado?

Dir-se-ia que uma parte significativa da universidade no Bra-sil não se coloca essas questões porque não vale a pena solucioná-las. Ou elas já estariam resolvidas. Porque conhecidas são e de hámuito exaustivamente apontadas, inclusive pelos escritos do pro-fessor Valnir Chagas.

Não há que responsabilizar somente os professores por essaresistência inercial às reformas e à pretendida articulação dos grausde ensino que, necessariamente, inclui os cursos de licenciatura.

Além das razões já expostas, os ministros da educação suce-diam-se uns aos outros e com essas mudanças sobrevem a descon-tinuidade administrativa, a alteração nas prioridades. Acontece a cri-se do petróleo; a escassez de recursos. A vontade política da “reden-tora” aparentemente não estava na democratização de ensino públi-

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co de 1º e 2º graus qualitativamente satisfatório. As condições dasescolas não se modificam para possibilitar a prática pedagógica efe-tiva da doutrina exposta pelo professor Valnir com o endosso dosseus pares e do MEC.

Tampouco a valorização social do magistério passa por trans-formações. Porque uma coisa é verbalizá-la e outra fazê-la vigerpela gênese executiva de novas circunstâncias para exercício dadocência nas situações reais da vida escolar, entre as quais a remu-neração, o regime de trabalho, a regulamentação da carreira, a qua-lificação para educar.

Como seria possível efetivar o trabalho didático de integraçãodos conteúdos nos currículos da educação básica ou transferir ofoco da atividade escolar do ensino para a aprendizagem sem dis-por de professores contratados para permanecerem disponíveis aoconvívio com seus pares e demais estudantes, nas instituições educa-cionais? Certas características do processo didático adequado aoscânones atuais são impraticáveis, mantida a contratação do docentepor hora/aula/classe, a proporção usual de alunos por professorem cada disciplina. Todavia, apenas modificar esse sistema não ga-rante que o exercício da docência se altere. A modificação dos hábi-tos instalados nos modos de ensinar e aprender requer qualificaçãodidática atualizada, investimentos em infraestrutura didático-peda-gógica e disposição inovadora de profissionais que, em grande par-te, parecem satisfeitos em conservar procedimentos ancestrais.

Nas instituições públicas do ensino superior, os professoresobtêm condições de trabalho bem melhores do que aquelas deque dispunham anteriormente. O tempo integral e a dedicaçãoexclusiva ampliam-se, junto com as oportunidades de qualificaçãopós-graduada sem ônus financeiro particular; obtenção de novosequipamentos para ensino e pesquisa; financiamento de projetosetc. Não são condições ideais, mas a realidade, por ser o que é,não pode provê-las assim. O número de estudantes também se

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expande. Mas houve progressos suficientes para que a atividadeuniversitária deixasse de ser um “bico” e pudesse ser assumidaintegralmente por numerosos grupos de profissionais, mais com-postos por bacharéis e cientistas que por licenciados.

Depois de mais de trinta anos de atividade universitária, comoestudante e professor, a impressão que me ficou dos licenciadosque ascendem à carreira universitária, com honrosas exceções, éque veem seu período de atuação na educação básica com ressen-timento e rejeição equivalentes aos do excluído que consegue as-cender socialmente. Isto é, evitam reencontrar-se com a realidadedesse nível da escolaridade, mesmo que seja para estudá-la, comoo diabo foge da cruz. Quisera eu estar enganado.

A única ocasião em toda a minha vida profissional, nas uni-versidades por que passei, em que presenciei manifestação massivade apreço das áreas de ciências sociais e de ciências da naturezapelas licenciaturas, foi quando a legislação para a concessão detempo integral e dedicação exclusiva aos docentes do ensino supe-rior colocou-as como critério de prioridade para esse fim.

O que quero dizer é que a maioria dos professores do ensinosuperior, mesmo quando licenciada, não atenta para que os jovensestudantes do ensino de graduação, e mesmo os adultos da pós-graduação, estão nos seus respectivos cursos para desenvolver umprocesso formativo que compreende a pessoa inteira – valores,ação e intelecto. Não basta tentar transmitir-lhes conteúdos, man-tendo-os passivos nas salas de aula e sob a coação de sistema sele-tivo de avaliação da aprendizagem. Será que isto é tão difícil quenão pode ser entendido, é impossível de aceitar ou constitui algumabsurdo pedagógico?

Duas das características mais marcantes da contemporaneidadesão a velocidade e a intensidade dos processos de mudança cultu-ral e social. As inovações nos meios de transporte e comunicaçãopossibilitaram o contato intensivo com outros modos de fazer,

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sentir e pensar que, por sua vez, permitem-nos comparaçõeslibertárias com as tradições, estimulam a adoção de novos costu-mes, sugerem experiências existenciais diferentes, alteram a aceita-ção do sistema de valores. A produção científica e as aplicaçõestecnológicas assumem proporções industriais, com o apoio depolíticas governamentais e corporativas. Os intercâmbios comer-ciais põem-nos ao alcance as últimas novidades globalmente dis-tribuídas. Em nenhum outro período da história, tantas transfor-mações tiveram curso em um único século (XX). E há indicaçõesde que esse ritmo só tende a aumentar.

Resulta disso que não há setor da cultura e da sociedade incólu-me à absorção das novas tecnologias, entre as quais as de informa-ção e comunicação. E, ainda que a receptividade ao novo seja maiorquanto às novidades nos bens materiais, nem por isso os costumes eas relações sociais e econômicas deixam de ser severamente afetadas.

Teríamos que repensar a educação, em todos os graus e mo-dalidades, de modo a qualificar as pessoas e grupos para manter aestabilidade (psico-social) em uma situação de mudança culturalpermanente. Na primeira metade do século passado, Kilpatrick jáindicava esse problema em seu livro Educação para uma civilização emmudança. E a inflexão positiva da didática, no sentido de contribuirpara sua resolução, está em centrar-se no desenvolvimento da sub-jetividade (modos de sentir, pensar e fazer), tendo as ciências e asartes, com os respectivos métodos, como os meios por excelênciapara desenvolver as qualificações biopsicológicas dos sujeitos doprocesso educativo.

As contradições e a instabilidade da vida moderna demandamflexibilidade valorativa e competência para resolução de proble-mas novos. Nessa situação, recorrer a respostas conhecidas paraenfrentar situações familiares perde a relativa funcionalidade que játeve quando a existência era mais tranquila e repetitiva. O que vale,doravante, é o poder de processar (pensar e fazer) os dados de

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situações-problema atuais e produzir respostas originais segundoreferências éticas. Isso, em síntese, é o que os alunos precisam apren-der da educação sistemática, da pré-escola à pós-graduação.

Ora, não há novidade nisso. A dialética socrática provocava in-tencionalmente os discípulos, para que desenvolvessem a habilidadede pensar metodicamente. E Montaigne recomendou o valor socialde uma “cabeça benfeita” sobre o de uma “cabeça bem cheia”. Sãoexemplos de pioneirismo intuitivo que só no construtivismo encontroua comprovação científica de que a aprendizagem é um processoativo, pessoal e intransferível cujo resultado mais nobre, antes doconteúdo que se tenha como objeto de estudo, é o domínio heurístico,significando isso o mesmo que a expressão “aprender a aprender”,atualmente muito batida, mas pouco refletida e deficientemente pra-ticada nos currículos vigentes.

A proposta não é nova, decerto. Mas nunca foi tão necessáriodela permear a escolaridade de todos os cidadãos, apesar de que ainstituição escolar tenha conseguido resistir-lhe ao longo dos sécu-los. Talvez porque aquela seja intrinsecamente libertadora do jugopsicológico das tradições; ou porque o stablishment sinta-se maisseguro com a reprodução individual e coletiva das respostas co-nhecidas, de maneira que as coisas permaneçam como estão. Atéas ideologias políticas dilaceram-se entre a carência de seguidores ea necessidade de pessoal crítico, criativo e empreendedor.

Se informação fosse suficiente à solução de problemas, as bi-bliotecas não seriam apenas um repositório. Pois os conteúdos sãoinertes e nem sequer existiriam sem que a atividade operatória osproduzisse, mediante experiência, experimentação e codificação,para a seguir dispô-los à curiosidade investigativa, portanto opera-tória, das novas gerações.

Os conteúdos também são extensos e cumulativos. Não dápara aprender tudo de cada campo, especialidade ou disciplina. Asoperações ou processos operatórios por meio dos quais assimi-

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lamos as informações, quaisquer que elas sejam, são apenas umpunhado e os mesmos que as produzem nos diferentes camposde experiência ou de pesquisa; o que significa também que as ope-rações são a referência comum à sua articulação ou reintegração.

Os conteúdos obsoletizam-se ou são contestados e atualizadospor novas e melhores informações. Seu tempo de validade é cadavez mais exíguo. As operações, por sua vez, aprimoram-se peloseu exercício, tornando-se progressivamente mais sutis e penetran-tes para decodificar conhecimentos preexistentes ou gerar conteú-dos novos, na fronteira do conhecido.

É certo que o desenvolvimento da capacidade operatória,constitutiva da inteligência, supõe objetos, entre os quais os conteúdoscientíficos e artísticos avultam por excelência, mas não é menos certoque, apesar da complementaridade recíproca de conteúdos e opera-ções, o valor destas para o aprendizado da competência para apren-der e da aptidão para criar respostas novas às situações problemas –consequentemente, para o desenvolvimento pessoal – é, sem dúvida,maior. Vale insistir nesse ponto: enquanto os conteúdos são extrínsecosaos sujeitos; a capacidade operatória e os valores que a animam não seresolvem senão como uma construção subjetiva da objetividade.

O grande problema didático é que o conhecimento não podeacontecer senão por meio da atividade operatória dos sujeitos le-vada por seus respectivos motivos, mas pode, equivocadamente,ser proposto (pelo ensino anacrônico) sem o necessário recursoaos processos operatórios dos estudantes. É aí que sua inteligênciase perde para dar lugar à mnemotécnica das informações.

Seja pelo sobrevalor costumeiramente atribuído aos conteú-dos didáticos e porque estes tenham usurpado a função de objeti-vos do ensino; seja pelos métodos didáticos usuais, centrados naatividade predominante do professor no horário escolar; pelo re-gime de trabalho dos mestres; pelas formas de avaliação corren-tes: constata-se que há pouca consciência, às vezes nenhuma, das

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operações e do seu papel na aprendizagem, bem como da impor-tância da equilibração afetiva dos estudantes no processo educativo.

A intencionalidade didática usual permanece fixada na repro-dução dos conteúdos tomados como um fim em si. Docentes ediscentes submetem-se a isso, imersos que estão em uma tradiçãopedagógica histórica, de uma sociedade conservadora e autoritá-ria. E não se diga que tal crítica se constrange à educação básica.Esse estado de coisas não pervadiria os currículos universitários seo exercício da tríplice função – ensino, pesquisa e extensão – fosseefetivamente indissociável.

Mas é? Inclusive no ensino de graduação? Considerada tam-bém a educação de 3º grau oferecida pela rede particular? Porquese o ensino se faz mediante o recurso à pesquisa e à extensão, aindaque a consciência das operações e da concomitante construção deum sistema de valores seja pouco explícita, uma coisa e a outraestarão resguardadas. Pode-se mesmo dizer que a pesquisa e a ex-tensão são a forma especificamente superior de ensino que, porsua vez, serve ao cultivo de aptidões pessoais.

Quando me transferi da Universidade Federal do Ceará (UFC)para a UnB, em 1973, nesta instituição encontrei um traço distintivoque não conheci em outra universidade brasileira: a “orientação dealunos da graduação”. Entendida como tal a distribuição de certonúmero de estudantes por professor-orientador, com a disposiçãopara que entre eles se desenvolvesse relacionamento interpessoal útile necessário à formação acadêmica do aluno e à correspondenteatividade do mestre. A expectativa era que esse relacionamento fos-se profícuo à educação de ambos. Ao longo dos semestres letivos,o que pude observar, e nisso não estive só, foi que, no conjunto dainstituição, a orientação pessoal foi progressivamente reduzida a ins-truções sobre a matrícula e esvaziada do seu significado original, atéque, uma vez instalada a Nova República e a pretexto de remover o“entulho autoritário”, a orientação foi eliminada do estatuto e dos

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regimentos da UnB; e, do mesmo modo, o 1º ciclo universitário.Ou seja, “com a água suja do banho, jogaram fora os recém-nasci-dos”. Isso em uma universidade que tem o tempo integral e a dedi-cação exclusiva dos seus professores como regra geral. Como disseRiobaldo, um dos personagens centrais no Grande sertão: veredas, deGuimarães Rosa: “o sertão está em nós.”

Não há dúvida que a execução do 1º ciclo apresentou proble-mas, desde o início. Mas os professores e a administração univer-sitária poderiam havê-los resolvido se quisessem aprender a fazê-lo e não houvessem escolhido o caminho fácil de restabelecer opassado. Segundo Skinner, um excelente crítico do ensino tradici-onal, embora autor de inovações lamentáveis: “os professores ten-dem a ensinar como foram ensinados.”

Valnir Chagas teve a ousadia de propor reformas que tinhamcomo eixo o conhecimento da educação que os seus críticos, porsua vez, em sua maioria ignoram – presos que estão aos precon-ceitos estabelecidos pela historicidade da cultura; ou pelo estadodas relações das ciências sociais ou da natureza com os estudossociais aplicados.

As propostas do professor Valnir foram rejeitadas mais porsuas virtudes e pelo período político em que foram lançadas, do quepor eventuais divergências quanto à sua pertinência e correção. Suaquixotesca luta foi menos com educadores capazes de divergir delasdo que com os hábitos de ensino estabelecidos; as condições e oregime de trabalho dos professores da educação básica; a quantida-de de docentes do primário com formação de nível médio; o statussocial e econômico do magistério; a sub-valorização das licenciatu-ras no contexto universitário; a falta de formação pedagógica dosbacharéis que predominam no ensino superior, dos professores lei-gos ou malformados por uma didática tradicional que reduz, mes-mo agora, a educação, em todos os graus, a pouco mais que meratransmissão de informações reprodutíveis sob avaliação coercitiva.

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Ainda hoje, em muitas universidades federais, segundo testemu-nho de respectivos professores, as câmaras de pós-graduação con-sideram inadmissível que um curso de especialização possa contabilizarcomo parte dos seus créditos obtidos cumulativamente de estudosrealizados em curso de extensão, seguido de aperfeiçoamento, planejadoscomo seus antecedentes na mesma universidade. Como se não fos-sem todos estudos superiores, oferecidos a estudantes já graduados;como se foram cursados em outro mundo. Tal rigidez evidencia odesconhecimento do conceito de aproveitamento de estudos e do princí-pio de equivalência, que fazem parte da jurisprudência do C.F.E. desdea década de 60 [Cf. Valnir Chagas – “Concurso de habilitação aoscursos superiores” (Parecer nº 58/62 do Conselho Federal de Edu-cação), In Documenta nº 4, Rio de Janeiro. C. F. E., 1962.] ; e resultainadvertida, apesar dos esforços esclarecedores do mestre Valnir: asfronteiras verticais da escala de escolarização têm mais a ver com aestratificação social e a limitação dos recursos disponíveis à demo-cratização da educação que com a capacidade de estudantes e pro-fessores para aprender e ensinar.

A centração dos docentes no conteúdo, seja qual for sua posi-ção na escala de escolarização, está de tal modo fixada na identida-de das informações contidas no programa ou plano de ensino dadisciplina, que inviabiliza o aproveitamento de estudos mediante oprincípio de equivalência em valor formativo, segundo o qual “osestudos feitos a um mesmo nível, embora calcados em matériasdiversas, dão ao aluno um equivalente grau de maturidade”.

Acostumados à redução metódica da pesquisa, tanto mais ra-dical quanto mais próxima dos modelos experimentais, os estudi-osos tendem a transferir os paradigmas de investigação e o relatode seus resultados para a organização disciplinar do currículo, exa-cerbando sua atomização. A redução cientifica é uma condição dapesquisa, mas não necessariamente da educação. Ela serve ao pro-pósito de desenvolver a pessoa para existir em situações reais, como

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serve aos objetivos do pesquisador? A atividade deste pauta-sepor artifícios metódicos, concentra-se em objetos excluídos decontexto e privilegia a abstração. A vida escolar de crianças, ado-lescentes, jovens e adultos, bem como a formação de seus profes-sores, tem ou deve ter os mesmos referenciais?

Quando o ministro da Educação Murílio Hingel criou vagasextraordinárias para contratação de docentes, de modo a viabilizara oferta noturna de cursos de licenciatura nas universidades fede-rais, surgiu uma disputa, na UnB, que chegou à decisão plenária doConselho Universitário, porque departamento houve que teimavaem preencher tais vagas preferencialmente com bacharéis douto-rados e não com licenciados doutores. O interesse hegemônico e,no caso indevido, era reforçar a pós-graduação, em detrimento dalicenciatura que era a finalidade específica dos recursos alocados.Pelo menos nesse caso, o valor educacional prevaleceu.

Participei de uma banca de exame para a defesa de tese dou-toral que desenvolveu pesquisa sobre a conduta profissional deprofessores de escola da rede pública do Distrito Federal, todoslicenciados por faculdades particulares. O desamparo desses pro-fessores em meio às estruturas do sistema educacional, descrito natese, me comoveu. Para falar o que penso, não creio que se fossemmuito melhor, se adviessem de universidade pública. Nesta, osmelhores alunos são estimulados a seguir o bacharelado. É a ex-pressão dos valores universitários correntes. Por outro lado, a va-lorização social do magistério da educação básica vai pouco alémda reivindicação sindical ou da mera hipocrisia. Talvez valha notarque nem no plano sindical há articulação entre os “trabalhadoresda educação” superior e os da educação básica.

Os professores das licenciaturas – os mais diretamente res-ponsáveis por repensar o ensino – não se deram ao trabalho detestar os referenciais das reformas na renovação dos exames ves-tibulares; no desempenho das funções do 1º ciclo; na diversifica-

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ção da forma e duração dos cursos superiores; na busca das arti-culações curriculares e de métodos de avaliação mais consentâneoscom a própria e contemporânea conceituação deste processo. Pelocontrário, modificaram seus objetos didáticos e procedimentoshabituais o mínimo possível e retornaram às formas costumeiras,tão logo puderam.

Em um dos primeiros cursos de didática que ofereci, aproxi-madamente em 1970, um dos alunos, após tomar ciência da bibli-ografia indicada, perguntou-me francamente se eu não me enver-gonhava de apontar-lhes para estudo o livro de Lourenço Filho:Introdução ao estudo da escola nova, editado pela primeira vez em 1929.Respondi-lhe que não. O absurdo, disse-lhe eu, estava em que umlivro assim antigo, ainda fosse para nós brasileiros, a antevisão deum futuro educacional longínquo.

Ao apreciar as proposições do CFE, relatadas pelo professorValnir, e os livros que ele publicou essa lembrança assalta-me. Meinquieta mesmo!

A ditadura militar dissolveu-se. A democracia política foirestabelecida. O professor passou. O que falta agora para atuali-zar a educação brasileira? Quaisquer que sejam as respostas, ele foimaior que os governos militares que dele se valeram. E a “NovaRepública”, como também o nosso século XX, ficaram aquém dapedagogia política de Valnir Chagas.

Tenho lido, aqui e acolá, que as licenciaturas, o curso de peda-gogia inclusive, e a própria Faculdade de Educação estão “à pro-cura de sua identidade”. Estes últimos, depois da criação pleonásticados institutos superiores de educação e do curso normal superior na Lei nº9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes ebases da educação nacional ora vigentes, ganharam até concorrên-cia. Pois essa abscôndita identidade não estaria no conhecimentoda nossa escolaridade, em todos os seus graus (o superior inclusi-ve), cursos profissionais do ensino médio e modalidades de edu-

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cação, com toda a diversificada experiência didática que compor-ta, como o mestre Valnir reiteradamente nos indicou?

A pecha de entreguista às políticas do acordo MEC/Usaidpoderia manter-se diante da propriedade dos encaminhamentosdo Valnir à nossa etnia, de suas sugestões à busca de uma educa-ção genuinamente brasileira e das advertências que fez quantoaos perigos de invasão cultural, inclusive por meio da avalanchede pós-graduados no exterior?

Como tachá-lo de conservador, se denunciou as mazelas his-tóricas e contemporâneas do sistema educacional brasileiro e pro-pôs insistentemente sua superação, mesmo em contrário às proje-ções da sociedade de classes e do autoritarismo da família brasilei-ra sobre a educação escolar? Por conta do valor que atribuiu àformação profissional no processo educativo e da sua tentativa dechegar a uma escolaridade estruturalmente única, mas diversificadaem currículos simultaneamente contínuos e terminais, foi “acusa-do” de socialista pelos setores efetivamente reacionários.

Poder-se-ia dele dizer que era autoritário, se lutou pela extinçãoda cátedra vitalícia em benefício da administração colegiada, des-de a concepção do departamento como a menor unidade univer-sitária à gestão socializada de sua administração superior? E, ainda,se propugnou pelo ajustamento dos currículos do ensino de 1º e2º graus às características etárias dos educandos, mediante sua or-ganização em atividades, áreas de estudo e disciplinas? Autoritário é re-cusar-se à teoria e prática desse ajustamento e aferrar-se aos usosde uma avaliação escolar coercitiva que põe professores e estu-dantes em situação de antagonismo.

O Valnir seria um alienado por acreditar na responsabilidadedos trabalhadores da educação para com a reconstrução do sistemaeducacional e na possibilidade de uma educação não apenas depen-dente do statu quo, mas também interveniente nos processos demudança social; ou simplesmente um pensador não marxista capaz

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de ir além da confirmação do setor educacional como espelho daorganização econômica e social, útil apenas para reproduzi-la?

De uma coisa se pode estar seguro: ele fez propostas criativasque, se não foram até agora absorvidas na educação, não é por-que fossem impertinentes e inadequadas. Pelo contrário, e conti-nuam atuais, à espera de professores qualificados para entendê-lase exercitá-las, em que pese a adversidade.

O otimismo de Valnir Chagas quanto à atualização da educaçãobrasileira como um todo não se confirma no período que estimou.Contudo, deixando para lá o calendário, suas proposições pedagó-gicas fundamentais tendem, como os valores democráticos, a pre-valecer porque estão de acordo com a natureza da cultura.

Responda o próprio leitor, a partir da amostra dos seus escri-tos contida neste volume e do que mais queira pesquisar em suaobra: ele pôs-se a serviço dos governos militares ou, à revelia des-tes, serviu à nação brasileira?

Até aposentar-se, o professor Valnir continuou a fazer o quemais gostava: conviver com os estudantes, na graduação ou napós-graduação. E com eles discutir os problemas e as possibilida-des de encaminhamento da nossa educação. Nesses debates, quan-do suas proposições históricas vinham à baila, ele abria um sorrisoenigmático e mantinha aquele olhar esperto de quem sabe que otempo, com todos os percalços, aprenderia a dar-lhe razão.

O tempo somos nós...

Aloylson Gregório de Toledo Pinto é graduado em pedagogia pela Universidade Federal

do Ceará, mestre em educação brasileira pela Universidade de Brasília e doutor em

psicologia educacional pela Universidade de Campinas. Estudou fenomenologia e

metodologia de pesquisa qualitativa no Saybrook Institute – Centro de Pesquisa e Pós-

Graduação, em São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos. Especializou-se em

educação a distância na Universidad Nacional de Educación a Distancia, em Madri, na

Espanha.

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TEXTOS SELECIONADOS

Para evidenciar, mais precisamente, o valor das contribuiçõesdo professor Valnir Chagas à educação brasileira, nada seria melhorque a leitura de trechos selecionados dos seus múltiplos escritos.

Dentre estes, reserva-se, a seguir, resguardando na medida dopossível, a ordenação sequencial de seu pensamento pedagógico,material que expõe ampla concepção do ensino de 1º e 2º graus e,simultaneamente, indica os traços principais da didática por eleelaborada. Partindo dos objetivos preexistentes em nossa legisla-ção educacional, Valnir Chagas nele explicita os objetivos do quese pode chamar uma pedagogia política; delineia os componentesestruturais que haveriam de dar-lhes o necessário suporte conceitual;e os faz convergir ao desenvolvimento dos processos e valoresque deveriam resolver-se na dinâmica do relacionamento metódi-co de professores e alunos.

Objetivos da educação

Entre nós, de certo modo, tendemos a caminhar nessa direçãoa partir de quando, nas últimas décadas, começamos a encararcom maior seriedade o problema de para quê educar. Seja pelaausência de levantamentos analíticos de subfins a atingir, seja pelogosto para as grandes formulações altissonantes, seja mesmo poruma opção deliberada de flexibilidade, o certo é que os objetivos“proclamados’ da educação brasileira encerram uma larga mar-

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gem de possibilidades para ajustamentos posteriores. A sua ex-pressão formal consta das “diretrizes e bases” de 1961, integran-do o pouco desse documento que ainda se encontra em vigor.

Cabe então, a esta altura, indagar até onde o que aí se prevêestá em consonância com a ideia-força da Integração, base doProjeto Nacional; com esse mesmo Projeto em suas dimensõeshistórica e atual ou, paralelamente, com as funções conservadora erenovadora da educação; e, decerto, com a classificação ampla-mente educacional dos objetivos, sem ainda aflorar a fins específi-cos de graus ou do currículo. Reapresentada essa previsão sobforma que permita combinações, teremos em 19 itens uma for-mulação que inclui:

1. os princípios da liberdade;2. os ideais de solidariedade humana;3. a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana;4. a compreensão dos direitos e deveres do cidadão;5. a compreensão dos direitos e deveres do estado;6. a compreensão dos direitos e deveres da família;7. a compreensão dos direitos e deveres dos grupos que com-põem a comunidade;8. o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do ho-mem;9. o fortalecimento da unidade nacional;10. o fortalecimento da solidariedade internacional;11. o desenvolvimento integral da personalidade humana;12. a participação (do indivíduo) na obra do bem comum;13. o preparo do indivíduo para o domínio dos recursos cien-tíficos e tecnológicos que lhe permitam utilizar as possibilida-des e vencer as dificuldades do meio;14. o preparo da sociedade, como um todo, para o mesmo fim;15. a preservação do patrimônio cultural;16. a expansão do patrimônio cultural;

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17. a condenação a qualquer tratamento desigual por motivode convicção filosófica ou religiosa;18. a condenação aos preconceitos de classe;19. a condenação aos preconceitos de raça.[...]Adotá-los consiste menos em fazê-los constar de leis ou

“taxionomias” artificiais que levá-los, oportunamente, à consciên-cia crítica de quantos vivem o dia a dia da atividade escolar. Istoexplica, entre outras consequências, por que a sua importância crescena medida em que nos aproximamos da escola, do mestre e doaluno. (Chagas, 1978, pp. 86-87.)

[...]

Objetivos do ensino de 1º e 2º graus

[...]Fez-se, portanto, essa definição prévia e indispensável com a

ideia do “desenvolvimento de potencialidades”. Quer isto dizerque, para nós, a educação há de ser encarada como um cresci-mento natural, e não como simples moldagem feita de fora paradentro, o que traz profundas e evidentes implicações didáticas.Em contrapartida, não se lhe atribui sentido tão amplo que levea uma autodidaxia excludente de qualquer ação intencional daescola e da sociedade. Entende-se apenas que é a partir do alunoconcreto, na exploração de suas potencialidades, que verdadeira-mente se pode educar; mas não se ignora que, nesse processo, hátodo um trabalho seletivo de desenvolver o que seja desejável, se-gundo uma tábua de valores a cultivar, e inibir o que a isso nãoconduza. Dai a imediata fixação dos objetivos, que distingue aeducação sistemática da mera “ação de intercâmbio” homem-meio, qualquer que seja a concepção da escola necessária paraatingir a primeira. Aliás, tal concepção passa por substanciais trans-formações nos dias que atravessamos.

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Dando, assim, direção à finalidade por meio dos objetivos, toma-seo desenvolvimento de potencialidades “como elemento deautorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exer-cício consciente da cidadania”. Resta saber se nessa tríplice dimensãoindividual, individual-social e propriamente social dos fins “procla-mados” já se contêm os ingredientes essenciais à configuração dosresultados pretendidos na perspectiva de uma educação ajustada aoBrasil dos dias atuais. Focalizemos então, um pouco mais de perto,esses três aspectos sem, todavia, descer a longas pormenorizaçõescujo valor, como dissemos, será no máximo exemplificativo. Oscursos de formação do magistério e os professores mesmos, emseu exercício profissional poderão fazê-las com mais realismo nassituações sempre novas com as quais irão deparar-se.

Autorrealização

A autorrealização flui da ideia de educação como desenvolvi-mento de potencialidades, tal como a formação para o trabalho e opreparo para a cidadania emergem da própria ideia deautorrealização. A um tempo, assim, ela participa da natureza douniversal, do geral e do específico. Não está, porém, isenta de equí-vocos, perplexidades ou discordâncias. Para muitos significa a for-mação intelectual, não faltando quem circunscreva esse conceito àestrita disciplina formal da mente. Outros a definem como um pro-cesso de socialização, fixando-se em que o homem não pode serentendido fora de um contexto social. No extremo oposto situam-se os que defendem a autonomia plena do indivíduo, por motivosreligiosos – o homem “feito à imagem e semelhança de Deus” – oupor fatores psicológicos mais abrangentes que as condições da vidamoderna vieram reforçar com “a multidão solitária” dos nossosdias. No fundo, ela é uma integração do físico e do mental, do sociale do individual, do abstrato e do concreto, enfim de todas as facetasque podem revestir o viver e o conviver do homem como pessoa.

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Essa própria complexidade já exclui o entendimento excessiva-mente lato, não raro absurdo, de que pela autorrealização deva sem-pre o indivíduo alcançar exatamente o que decida ser. O cego quepretenda fazer-se um grande pintor distancia de tal modo o seunível real do nível ideal de aspiração que acabará agravando a naturalfrustração trazida pela sua deficiência. O mesmo acontecerá com osurdo que aspire a tornar-se um grande músico, não vindo ao caso oexemplo clássico de Beethoven, que perdeu a audição quando amúsica já lhe invadira o mundo interior. Inversamente, nem tudo oque alguém alcance já está predeterminado pela natureza, como se“programado” em suas células. O meio físico e humano, a educaçãoem sentido amplo, desempenha um papel decisivo ao infundir dire-ções e significados às potencialidades individuais, embora – é maisuma limitação – nem todas essas possibilidades venham a ser conhe-cidas e, se conhecidas, se mostrem suscetíveis de desenvolvimentoem quaisquer circunstâncias. A mesma pessoa, ainda que se chameLeonardo da Vinci, não pode ser ao mesmo tempo músico, enge-nheiro, poeta, filósofo, político, médico, pintor, acrobata, sacerdotee, ad absurdum, tudo o mais que deseje.

Daí, apesar da contradição que isso aparentemente implica, aeducação em sentido estrito para encaminhar a autorrealização. Setodo o meio que cerca o indivíduo estivesse estruturado sob for-ma intencionalmente educativa, o “ensino” institucionalizado sim-plesmente desaparecia. Tal não ocorre, entretanto; e mesmo agorao emprego dos recursos de comunicação apenas modifica a con-cepção da escola, sem eliminá-la. À escola, assim, continua a atri-buir-se uma função complementar e corretiva de fazer aflorarpotencialidades adormecidas e, no conjunto perceptível, cultivartantas quantas possíveis e necessárias à configuração de um con-junto pessoal harmonioso. Tal conjunto, por sua vez, integra-se emcampos sucessivamente mais extensos até alcançar o âmbito donacional e do humano. Indiretamente, operando sempre com o

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sinal mais, inibem-se aquelas tendências que sejam individual e so-cialmente indesejáveis. Fazendo crescer o anjo, exorcizam-se osdemônios. É a educação como desenvolvimento.

A autorrealização tem, portanto, uma dimensão individual e outrasocial que só por abstração momentânea é possível separar. Nota-se, porém, certa predominância de uma ou de outra quando se fo-calizam as suas manifestações mais evidentes. Entre as de maior acentoindividual, a saúde física e mental está sem dúvida na raiz de todas asdemais e, a partir de certo ponto, confunde-se com a personalidadequando encarada esta, na definição abrangente de Sheldon, como “aorganização dinâmica dos aspectos cognitivos, afetivos, conativos,fisiológicos e morfológicos do indivíduo”. Os dois últimos aspec-tos constituem o ponto de interseção do físico e do psíquico, en-quanto os três anteriores – pensamento, sentimento, ação – enten-dem em linha direta com a vida mental. Em maior ou menor escala,todas as cinco dimensões são alcançadas pela educação, sem que sepossa cultivar o pensamento independentemente de qualquer apeloao sentimento e à ação; ou cogitar do sentimento ignorando as suasimplicações lógicas e práticas; ou predispor à ação sem aflorar aopensamento e à afetividade; ou encarar qualquer dessas manifesta-ções psicológicas com abstração de sua base fisiomorfológica.

Como “unidade integrativa” do indivíduo, a personalidade abrangetudo o que distingue um homem dos demais homens. Cabe, assim,dar-lhe tratamento de categoria individual mediante o cultivo, no edu-cando, de formas positivas e pessoais de pensar, de sentir e de agir.Importante em si, isto se torna urgente como geração de “defesas”que permitam a cada um enfrentar o isolamento psicológico a que seexpõe no processo de massificação geral. Paradoxalmente, entretanto,a integração se faz não somente do indivíduo e para ele como no seurelacionamento com os outros, a partir da família e alcançando áreascada vez mais dilatadas de interação. Por isto é que muitos encaram aformação da personalidade como o objeto mesmo da educação.

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Em sua dimensão social, portanto, a autorrealização apoia-sena família, entendida amplamente como o primeiro contexto queenvolve o ser humano: um contexto natural ou artificialmenteestruturado que, tal como a própria educação, tende a modificar-se acompanhando a evolução das sociedades, embora não a desa-parecer em sua insubstituível expressão funcional. É preciso, então,levar os educandos a que ocupem corretamente o seu lugar naconstelação familiar tal como a encontram, concebida ainda emmoldes mais ou menos tradicionais. Importa, ao mesmo tempo,torná-los capazes de ajustar-se a novas condições de vida familiar,quaisquer que possam ou devam ser elas, e mais tarde construir oucompor lares que dificilmente já serão os mesmos de antes. Emmuitos casos, teremos uma curiosa volta da escola in loco parentis, jáagora, da escola como substituto de uma família que rapidamentese esmaece em sua função educativa.

Daí, prolongando a linha do convívio, passa o jovem à seleção eao cultivo de amizades para chegar, em amadurecimentos sucessi-vos, ao plano mais alto da cooperação. Principalmente, a essa altu-ra, há de alçar-se à compreensão da primazia que devem ter osvalores humanos em uma sociedade nascida do homem, criadapor ele e para ele mantida. Não diremos que à escola, direta edeliberadamente, caiba ou seja possível infundir aos educandostoda essa gama de atitudes tão dependentes de fatores pessoais ecircunstanciais. Sem dúvida, porém, estará nos seus propósitoscontribuir para reforçar e tornar consciente o que de positivo, nes-te particular, nasça da realidade como elemento de felicidade indi-vidual e de harmonia coletiva.

Segue-se a ideia de mais educação, único objetivo ou resultado queo instrumentalismo pedagógico veio a admitir como tal pela suavoz mais autorizada: a de John Dewey. A posterior explosão dosconhecimentos deu-lhe realce crescente, à medida que se tomavaimpraticável o ensino regular e sistemático de “tudo a todos”. Em

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consequência, outra solução não há senão tomar como norma decomportamento o princípio segundo o qual o que o aluno aprende ésobretudo a aprender, empregando os conhecimentos e experiênciascomo simples meios, num contínuo processo de reconstrução. Hoje,o que bem poderíamos denominar a aprendizagem de autorreali-zação já constitui um autêntico lugar-comum dos arraiais didáticos.Constitui hoje e constituirá cada vez mais no futuro, ante a pers-pectiva de um lazer tendente a generalizar-se e a ser utilizado parauma educação que dia a dia se transforma em necessidade permanente.

Trabalho e lazer

A maior acessibilidade do lazer coexiste, significativamente,com uma visível mudança de atitude em relação ao trabalho. Este,de um estigma expresso no bíblico “ganharás o pão com o suordo teu rosto”, fez-se durante milênios o oposto daquele – o necotium – porém o meio de conquistá-lo. O ócio baseou-se de iníciono trabalho dos outros que formavam a grande maioria, e poucoa pouco também no trabalho próprio que modernamente veio aser a regra. Aí situaram-se em teoria os igualitaristas de todos osmatizes, entre os quais os marxistas, para quem o trabalho seria opressuposto da cidadania e os trabalhadores a classe dominanteou única. Na verdade, o que de fato ocorreu foi a valorização dohomem comum no quadro de um processo em que as ideologiasconstituíram menos causa do que o efeito de mudanças verificadasnas formas de produção e de convívio. Em consequência, o tra-balho ganhou um crescente apreço e o lazer deixa cada vez maisde ser monopólio de uma classe. O que ainda varia e gera desi-gualdades são as condições individuais e econômico-sociais emque o homem atua produtivamente e conquista o lazer.

Há, é certo, resquícios dos velhos preconceitos que se enraízam nocontraste clássico do esforço mental com o manual. Ainda hoje, paramuitos, o primeiro leva ao mérito e o segundo ao êxito. Daí que, se há

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um avanço em chamar de “trabalhadores” aos intelectuais e mesmoaos modernos executivos, por exemplo, a sua contraposição aos tra-balhadores manuais não deixa de expressar o mesmo dualismo deantes. Caminha-se, entretanto, para a integração dos dois termos, comosimples faces de uma só realidade, com a substituição do homem pelamáquina no que tenha o trabalho de mecânico e repetitivo. Os “tem-pos modernos” não são mais aqueles da obra-prima de Carlitos, po-rém os da “civilização terciária” a que Fourastié se referia já em 1963.A esse fenômeno universal de aumento do setor terciário, pelo qualtambém enveredamos como decorrência da automação esemiautomação, corresponde hoje o crescimento relativo do númerode assalariados e, “em futuro muito próximo”, corresponderá a re-dução crescente das horas de trabalho.

Assim, como fatos novos a considerar, temos à vista a amplia-ção do lazer, a generalização deste com o trabalho e a eliminaçãoprogressiva da fronteira social que separava um do outro. A abor-dagem tradicional culmina em outra de fundo psicológico na qual,de há muito, se preconiza uma interpretação funcional dessas duascategorias. O trabalho continua a ser um meio, em regra um deverimposto de fora que se desenvolve sob motivação extrínseca ao pro-cesso e dura o necessário ao restabelecimento da situação de lazer.O lazer, ao contrário, é um fim em si e fonte de prazer individualque emerge de uma atividade automotivadora no processo e mes-mo em seus resultados. A diferença está em que nenhum ato é traba-lho ou lazer a priori, porém segundo a menor ou maior possibilida-de de afirmação pessoal e de prazer que o seu exercício enseja.

É lazer, por exemplo, empenhar-se a fundo uma criança emtarefa escolar que a empolga, ou o homem de negócios na apre-ciação de projeto que particularmente o interessa. Ambos, toda-via, passam a trabalhar quando obrigados a interromper esse prazerpara cumprir o dever de uma diversão programada, como orecreio para a primeira ou uma recepção social para o segundo.

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Esta é uma das razões por que, de há muito, pretendem os psi-cólogos rever o conceito clássico de “profissão liberal” para en-tender como tal menos a ausência da figura de subordinação,pois esta sempre existe diante do cliente ou consumidor ocasio-nal, do que o maior teor de crítica e criatividade oferecido pordeterminada ocupação.

Não é, portanto, o trabalho que surge como algo sempre aevitar em face de um lazer erigido em fim supremo. O que já nãose concebe é o trabalho sem objetivo e desumanizador; como nãose há de admitir a generalização de um lazer vivido como simplesdiletância estéril e dissipadora: o prazer pelo prazer. É preciso, aorevés, vitalizar o trabalho com a atitude de lazer, e vice-versa, trans-formando o primeiro também num instrumento de afirmação elibertação e enriquecendo o segundo com o que de positivo podeemanar do trabalho – a concentração, a seriedade, a compenetra-ção – para um constante aperfeiçoamento individual e coletivo.Nem um nem outro, qualquer que seja o grau de avanço materialalcançado pela Humanidade, há de jamais ser elemento de aliena-ção, pois não se trata de cada um fazer sempre o que quiser, e sim,recordando as palavras de Claparède, de “querer o que fizer”.

O panorama educacional tem refletido essa evolução. Quan-do o ócio era privilégio de poucos, mantido pelo esforço da maio-ria, a educação consistia no polimento dessa “elite” e dela, emconsequência, excluía-se de todo a preocupação do trabalho. Nãoé sem razão que, em sua origem grega, a palavra escola significaexatamente lazer. Quando este, muito mais tarde, começou a serconquistado pelo esforço próprio, numa classe média que nasciada burguesia em ascensão, surgiu a “escola profissional” – umabsurdo etimológico forçado pela nova realidade – estruturando-se à margem do esquema tradicional. Por fim, a coexistência deambas nos tempos modernos foi causa e efeito da necessidadecrescente de educação geral para a formação profissional, em de-

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corrência da evolução científico-tecnológica, daí emergindo a ten-dência a organizar a escola pela conjugação desses dois elementos.

Também a recíproca é verdadeira: o prático fixa e objetiva oteórico; o especial infunde sentido e direção ao geral; o trabalhocada vez mais “intelectual”, rompendo gradualmente a barreira queseparava pensamento e ação, deixa de ser mero adestramento paraapresentar-se como a face que há de completar uma educação nãomutilada nem mutiladora. Já em 1917, Whitehead insistia em que“toda forma de educação há de transmitir ao aluno uma técnica,uma ciência, um conjunto de ideias gerais e uma apreciação estética,devendo cada um desses aspectos ser iluminado pelos demais”.Outra não é a posição atual. Fourastié, por exemplo, previa há maisde dois lustros que, nesta década de 70, “serão os fatores propria-mente profissionais que mais contribuirão para orientar a humani-dade num sentido favorável ao desenvolvimento harmonioso desuas capacidades naturais, psíquicas, intelectuais e morais”.

Com bastante nitidez, as três fases descritas até agora estão pre-sentes na evolução educacional brasileira. Durante “a preparação dequatro séculos”, manteve-se entre nós o típico ensino de lazer,bacharelesco e ornamental, em cujo âmbito nenhuma ressonância en-contravam as poucas tentativas feitas, a partir de Couto Ferraz, paralevar à escola a preocupação do trabalho. Na mais recente “constru-ção de quatro décadas”, prolongou-se esta última linha, de qualquerforma inovadora, e instaurou-se o que há alguns anos chamamos “odualismo de uma escola (secundária) para os nossos filhos e uma es-cola (profissional) para os filhos dos outros”. Já na década de 20,porém, Fidélis Reis desenvolveu luta sem trégua de cinco anos paraobter uma lei em que se antecipava, de meio século, a exigência da“habilitação profissional” tanto para conclusão dos estudos secundá-rios como para realização de vestibular aos cursos superiores.

A lei não foi executada, nem poderia sê-lo na época; mas fi-cou a semente lançada pelo idealismo desse “parlamentar de visão

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profética”, nas palavras de Celso Suckow, que “foi tão longe”. Decerto modo, o que no momento se pretende é dar forma àquelesonho de 1922, pois talvez a principal novidade contida nas diretri-zes atuais se encontre na inclusão obrigatória do componenteprofissionalizante. Mesmo neste particular, todavia, há uma dife-rença ditada pelas características do conhecimento, do trabalho edo estilo da vida nos dias presentes. A “formação especial” já nãosurge como algo paralelo à educação; é parte indissociável destanuma concepção, a única hoje admissível, em que se combinam osaber e o fazer no pressuposto de um pensamento como ação“interiorizada” e, reciprocamente, de uma ação como pensamen-to que se objetiva. “A presença do conhecimento especializado”,salientávamos no ensaio há pouco citado, “é tão importante parao amadurecimento mental quanto a própria educação geral, em simesma também deformadora quando exclusiva”.

Na medida, portanto, em que se realça um certo preparo parao trabalho como fim que doravante sempre se colima, contesta-sea propriedade de uma formação apenas geral de mero saber, umapseudoformação que não se resolva com o fazer no quadro deuma educação integral. É neste ponto que a escola irá refletir a faceatual do Projeto Nacional. Num país como o Brasil, é inconcebí-vel que alguém chegue aos umbrais da idade adulta levando comoúnica habilitação algumas respostas tipificadas para concurso ves-tibular, que pouco ou nada têm a ver com o amadurecimentonecessário à realização de estudos superiores. Se é verdade que,desde agora, temos de incluir em nossa equação a possibilidade deaumento do lazer – e já vimos que este supõe algo da “atitude detrabalho” – menos certo não é que, para tanto, um longo caminhodeve ainda ser palmilhado e vencido pelo esforço de todos.

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Cidadania

Enquanto o trabalho, com o seu correlato do lazer, não deixade ser um caso especial da autorrealização, a cidadania é a projeçãosocial e política da autorrealização e do trabalho, de ambos resultan-do como consequência. O preparo do cidadão é, assim, toda aeducação com o endereço cívico. Esta característica deu origem aposições extremas desde quando, com a socialização crescente davida, passou o indivíduo a depender cada vez mais do estado etambém, direta ou indiretamente, a influir cada vez mais sobre ele.Uns, em número que se reduz progressivamente, atêm-se à “educa-ção” em sentido amplo e, na perspectiva de neutralidade própria dolaissez-faire, negam qualquer especificidade ao civismo. Outros, nalinha do socialismo radical, hipertrofiam o “endereço” e dele fazemo objetivo mesmo da escola, um superobjetivo diante do qual osdemais se reduzem a funções meramente acessórias.

Criticando a primeira posição, Karl Mannheim salienta que essa“atitude de neutralidade” levou a democracia moderna a descrerdos seus próprios fins. “Não mais imaginamos que o ajustamentopacífico é desejável, que a liberdade pode ser salva e que o contro-le democrático tem de ser mantido”. “A democracia”, acrescenta,“deve tornar-se militante para sobreviver”. Por outro lado, opon-do-se à segunda posição, Ortega y Gasset pergunta onde ficaria,num sistema em que o fim da educação fosse a exclusiva cidadania,“tudo o que o homem é mais profundamente que cidadão”. Nãodeixa, porém, de reconhecer que “a criança de hoje será o cidadãode amanhã ou, em termos menos circunstanciais, elemento ativode uma comunidade histórica determinada”.

Cabe, assim, não confundir o preparo para a cidadania com todaa educação, embora aí deva ele situar-se. Cabe também encaminharesse preparo menos para um presente já impossível de ser alcançadoque para a “comunidade histórica” em que a criança e o jovem dehoje deverão ser “elementos ativos”; senão, voltando a Ortega, estare-

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mos apenas educando “para ontem, não para amanhã”. E cabe, so-bretudo, levar em conta os valores individuais que hão de ser preser-vados no quadro de uma concepção em que o homem educadocoexiste no cidadão consciente do seu papel, e vice-versa, respeitadasas dimensões próprias de um e de outro. Em vez de inexpressivonúmero de matrícula indefeso aos influxos da demagogia, da psicolo-gia coletiva e da propaganda, cujos efeitos são multiplicados pelosmeios de comunicação de massa, urge fazer de cada indivíduo umfator de segurança e estabilidade para si, para a sociedade e para oestado. Do contrário, não romperemos o processo de causação cir-cular em que o outro pólo é precisamente “a insegurança como destinogeral [...], “ uma das características da época moderna”.

A conciliação do individual com o cívico representa, portanto,a pedra de toque no equacionamento da formação para a cidada-nia. A tarefa não é das mais simples, importando em vencer o queaté certo ponto bem poderá ser visto como uma contradição. “Ocultivo do indivíduo e o preparo do cidadão são coisas diferen-tes”, nota Bertrand Russell, pois enquanto “o indivíduo como tal éautossuficiente, o cidadão está essencialmente circunscrito pelosseus vizinhos”. Ocorre que não são muitas as oportunidades emque a cada um é dado exercer essa autossuficiência. Não são mui-tas e tendem a reduzir-se, com a coletivização que a publicidadeleva aos mais íntimos recolhimentos, daí originando-se mesmoum “direito de estar só” que se vai convertendo em dramáticareivindicação. Até os pequenos contatos sociais, situados entre aindividualidade e a cidadania, perdem profundidade e tornam-sefluidos à medida que os laços de família e de amizade se neutrali-zam nas “relações interpessoais temporárias” – meros contatosocasionais – em que se combina aqui e ali, numa sucessão infinita,o novo “homem modular” desta segunda metade do século.

Cada vez mais diretamente, assim, o indivíduo converge para ocidadão, circunstância que se reflete no maior teor de conteúdo políti-

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co assumido pela “explicação sociológica”. A própria cidadania, po-rém, já não se adstringe a um limitado segmento de tempo e de espa-ço. A criança ou o jovem não é apenas o cidadão de um determinadomomento, generalizável para os dias que hão de vir; de certo modo, écidadão de um futuro que se faz presente. Por outro lado, com oencurtamento das distâncias pelos transportes rápidos e pelas comuni-cações instantâneas, cada um em certa medida já é cidadão do mun-do. O fenômeno começa a verificar-se mesmo nas regiões mais atra-sadas. Não faz dois anos, escolhemos como local para um curto perí-odo de férias a praia longínqua de pequena e primitiva colônia depescadores que havíamos conhecido fazia três lustros. Pretendíamosficar longe de tudo por alguns dias. Entretanto, por ironia, chegamosali cedo da noite e encontramos na minúscula pracinha da aldeia umaparelho público de televisão que retransmitia, ao vivo, nada menosque um programa vindo da Europa.

Agora mais que nunca, “é dentro da visão de uma Humanidadetotal”, como observa Dom Luciano Duarte, “que devemos buscaros contornos espirituais de uma Pátria”. Sem isso, não teremos se-quer o contraste necessário para avaliar a nós mesmos. Tal não excluio fato de que o homem está sempre vinculado à “sua circunstância”,à sua cultura, à sua nação. É pelo nacional que se chega ao universal,repetimos, embora o universal, entendido como uma resultante enão como uma soma de diferentes realidades nacionais, tenha influ-ência crescente sobre a vida dos vários povos. O sentimento nacio-nal constitui ainda, pois, o elemento básico a considerar no preparodo cidadão. Básico mas não exclusivo, pois esse preparo não podemais deter-se nas fronteiras de cada país, tal como o respeito àspeculiaridades locais tem de incluir-se numa unidade nacionalinsuscetível de ser alcançada pela mera uniformidade.

Acontece que a cidadania é uma categoria política e, como tal, oseu ponto de referência se encontra no estado em que a nação seorganiza, com todo o sistema de relações que daí promana: “rela-

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ções dos cidadãos entre si e com o estado, assim como do estadocom os cidadãos e com os demais estados”, na síntese clássica deKerschensteiner. O preparo de que se cogita implica a compreensãodesse relacionamento, que envolve a essência do estado e suas fun-ções, além de uma atitude de cooperação inspirada no que é o ob-jetivo mesmo do civismo – o bem-estar público – diante do qualtanto o estado como os cidadãos não são mais que meios. De suaconvergência numa ação comum dependem a segurança e a estabi-lidade nacionais; da mesma forma como desta coesão interna dasnações, base de sua força, resulta uma participação na sociedadeinternacional em condições de indispensável igualdade.

Claro está que, funcionalmente, não é possível nivelar o estadoe os cidadãos no mesmo plano, pois há sobre os últimos umaprecedência hierárquica do primeiro enquanto agente do “contra-to social”. Por esta própria razão, todavia, o controle do estadoserá tanto mais efetivo quanto mais reúna o consenso dos cida-dãos, ao tempo em que a cidadania se fará tanto mais fecundaquanto mais com ela se harmonizem as individualidades. O pres-suposto fundamental é a adesão crescente de cada um ao projetodo bem-estar de todos pela deliberada inclusão, na cidadania, deatributos individuais que nela nem sempre se resolvem. De outraforma, nenhum passo daremos para vencer o eterno círculo vici-oso de não ter igualdade porque os homens sejam livres de seapresentarem desiguais, ou de não ter liberdade porque eles de-vam ser em tudo iguais. O caminho está na solidariedade, comosíntese das duas antíteses, para a qual muito poderá contribuir aeducação sistemática na fase em que se desenvolvem os funda-mentos da personalidade: a do ensino de 1.º e 2.º graus.

Muitas são as condições e características de uma formação para acidadania em que se cultive aquele senso de cooperação como base deuma ação comum voltada para o bem-estar público. O que se prepa-ra é não apenas o dirigido real como o dirigente potencial e, sempre,

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o profissional que deve modernamente coexistir no indivíduo com ocidadão. Entre os traços específicos de comportamento, incluem-se acapacidade de participação responsável, como atributo da consciênciacívica esclarecida; o senso de justiça e equidade, como causa e efeitoda percepção de direitos que emergem de deveres cumpridos; a tole-rância, como fator de enriquecimento das opções individuais na fric-ção com outros interesses e pontos de vista; a consciência moral, re-sultante do próprio convívio, como expressão de valores espirituaisque o estado por si só não pode criar; e assim por diante.

Todos, porém, se assentam sobre o espírito crítico e sobre osentimento nacional. O primeiro é o elemento reflexivo que asdiretrizes atuais traduziram na qualificação de “consciente” atribu-ída ao exercício da cidadania. É a capacidade de discriminar entreo verdadeiro, o aparente e o falso, tanto no campo dos valorescomo no das ideias, que permite distinguir o civismo como edu-cação da mera propaganda, da doutrinação a da “lavagem cere-bral’’. É também a fonte principal das inovações. O segundo, porsua vez, é o elemento afetivo que integra os dados da cultura –língua, tradição, costumes, crenças, aspirações, maneiras de ser – e,em nosso caso, responde em grande parte pelo milagre da unida-de nacional. Os dois vão encontrar-se no patriotismo refletido econstrutivo, equidistante do ufanismo e do derrotismo cujo únicoresultado é a omissão, descuidosa ou descrente.

Esse patriotismo será fruto do ajustamento de cada um ao Pro-jeto Nacional, com a atitude básica daquela “cordialidade” brasileiraque vemos como traço digno de ser preservado. A sua consequên-cia há de expressar-se, internamente, pela configuração do ProjetoAtual como um Desenvolvimento Global em que o próprio cresci-mento econômico seja também fator de unidade, justiça e seguran-ça, graças a uma distribuição em que todos participem da maiorriqueza produzida. Nas relações externas, sem nacionalismos estrei-tos e acima de ideologias limitadoras, levará à aproximação com

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todos os povos, como imperativo de um convívio internacional quese firme sobre a interdependência nos vários setores, inclusive e so-bretudo na efetiva intercomplementaridade das economias.

Repetindo a conclusão de Dom Luciano Duarte, constante detrabalho que se fez doutrina oficial, “a educação moral e cívica,inspirada nas grandes linhas da Constituição Nacional, terá comoobjetivo a formação de cidadãos conscientes, solidários, respon-sáveis e livres, chamados a participar no imenso esforço de desen-volvimento integral que nossa Pátria empreende, atualmente, paraconstrução de uma sociedade democrática que realiza o seu pró-prio progresso mediante o crescimento humano, moral, econômi-co e cultural das pessoas que a compõem”. Pela sua amplitude,esta é uma tarefa de toda a sociedade que não se esgota na escolae, na escola, uma atividade geral e permanente que não se exaurenos limites de uma disciplina. Diante de tal evidência, aquireiteradamente posta em relevo, é que muitos negam a proprieda-de de uma abordagem específica do civismo, embora não poucossejam os que ainda a defendem. [...] (Chagas, 1978, p. 88-97)

[...]

Dos princípios à estrutura

O princípio básico em que se assentam as diretrizes [da Lei nº5.692/71], do qual em última análise derivam todos os demais, é amesma ideia-força do Projeto Nacional – a integração – que se opõeà dispersão do ensino em tipos diferentes de organizações escola-res para atender a variações não intrínsecas do processo educacio-nal. Este processo é um amadurecimento que se faz num continuum,e não espasmodicamente (ref. 4. pág. 247); mas está sempre con-dicionado e limitado pelas variáveis de alunos, de escolas e, sobre-tudo, do contexto social a que escolas e alunos têm de ajustar-se.Donde a continuidade, com a sua contrapartida da terminalidade, comoo primeiro desdobramento educacional da integração. Por outro

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lado, para que os objetivos não sejam apenas “proclamados”, épreciso que se assegure a todos um mínimo de continuidade nosestudos, sob a forma de uma obrigatoriedade escolar que há de ter agratuidade como seu elemento decisivo de eficácia.

Não é possível, entretanto, cogitar de um ensino ao mesmotempo contínuo e terminal, e muito menos de uma obrigatoriedadelastreada pela gratuidade, se no primeiro caso os currículos não seunificarem pelo que devem ter de comum e, no segundo, se o empre-go dos recursos materiais e humanos não se racionalizarem paramaior produtividade. Daí a concentração de meios, consequência na-tural dessa tomada de posição e autêntico imperativo de sobrevi-vência. Tudo considerado, finalmente, chega-se em perspectiva maisampla a uma profunda modificação de conceito da própria escola.Isto poderia ter um de dois efeitos extremos: violentar realidades,ante as diferenças regionais de desenvolvimento econômico-socialque a unidade cultural não esconde, ou inibir iniciativas, modestasembora, que já se encaminhem na direção escolhida. A solução é oplanejamento com execução gradual, um dos aspectos daprogressividade, como preventivo da crise e da rotina. Focalizemosmais de perto cada um desses quatro pontos de partida.

Continuidade e terminalidade

A educação é uma corrida (e não sem propriedade se usa apalavra curso) na qual o ideal será que não existam limitações exter-nas à plena expansão das potencialidades de cada um nessa com-petição, consigo próprio, em busca de ajustamento social e supe-ração individual (ref. 4, pág. 247). É a continuidade, a dimensão ver-tical da escola-única, pela qual se expressa a ideia de “mais edu-cação” que tanto realce ganha entre os objetivos. Intrínseca ao di-namismo do processo educacional, tendo como limite o teor va-riável de educabilidade individual, ela cresce em importância anteas duas características do mundo moderno que têm maior impac-

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to no âmbito escolar: de um lado, a elevação dos padrões exigíveisde preparo mesmo para o homem comum; de outro, o amadure-cimento precoce da criança para a escola e tardio do jovem para aatividade produtiva, que leva o ensino a iniciar-se mais cedo e aconcluir-se mais tarde, para recomeçar muitas e repetidas vezes.

Temos aí uma antecipação, em coexistência com um prolonga-mento que dia a dia se transforma em permanência, tudo ampliandoa continuidade para uma autêntica verticalidade. A multiplicidadedos contatos faz que, logo nos primeiros anos, a criança comecea socializar-se e a usar a linguagem simbólica do “mundo educa-do”. Como realmente aprende, e o aprender já lhe responde auma necessidade, não há mais razão para nada ensinar-lhe siste-maticamente até a véspera dos sete anos, segundo o velho dogmada pedagogia clássica, e ensinar-lhe praticamente tudo no dia se-guinte, conforme a prática ainda muito viva. Por sua vez, a ex-plosão dos conhecimentos e o imperativo, salientado porFourastié, de “que as atividades profissionais sejam consideradasum dos elementos preponderantes da orientação do ensino edos alunos” estendem “a duração da adolescência intelectual” edilatam a escolaridade. Essa dilatação pode ainda ocorrer sob amodalidade que as diretrizes atuais chamam de “regular”, ou emrenovados cursos de atualização e aperfeiçoamento cada vez maisfrequentes e menos formais.

[...]O que aí fica, escusado é dizê-lo, nada tem a ver com a antiga

função preparatória, pois não é tal função que define ou caracterizaa continuidade; esta é que a possibilita. Afinal, preparar para níveismais altos constitui um resultado emergente de todo ensino: e a escolatanto melhor quanto mais se concentre em seu próprio nível (ref. 4,pp. 256 e 257). Exemplo disso foi a tendência ao desaparecimentodos “cursos de admissão” à medida que se alargava o trânsito doensino primário para o ginásio. Da mesma forma, também só numa

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perspectiva de continuidade pode haver efetiva seleção de talentospara a escola superior, pois as possibilidades de trabalho intelectualse ajuízam nas situações concretas do próprio trabalho intelectual(ref. 4, pág. 257). Eis uma das razões que levaram a legislação daReforma Universitária a instituir o 1.º ciclo de graduação e redefinir,basicamente, o concurso vestibular como um dispositivo externo paradistribuição de vagas. Pena é que, em 1977, se tenha em parte re-cuado desta posição de tanta coerência.

No que toca particularmente à terminalidade – a dimensão ho-rizontal da escola-única – não há dúvida de que se trata de fenô-meno típico dos nossos dias, em que pese à evidência de que oprincípio se reveste em si mesmo. Claro que por tal princípio jánão entendemos apenas a conclusão formal de um conjunto deestudos previamente estabelecido, porém o atributo que deve terqualquer ensino de sempre conduzir à vida útil por meio de ativi-dades a tanto ajustadas. Assim, para o indivíduo, a terminalidade éum fator de autorrealização; para a sociedade, numa hora em queno indivíduo coexistem necessariamente o trabalhador e o cida-dão, uma condição básica de estabilidade e desenvolvimento; epara a escola, como ponto de convergência de um e de outra, achave da educação integral que lhe cabe promover.

Tal como em relação aos objetivos, poder-se-ia cogitar deuma terminalidade ideal a ocorrer onde e quando todos recebessem,e de fato pudessem receber, toda a escolarização suscetível de serministrada no estado atual de avanço da Humanidade. Estas pró-prias ressalvas de possibilidade já impõem, todavia, uma limitaçãoque faz do ideal, mais uma vez, uma simples e inatingível referên-cia de perfeição. Visto, por outro lado, que a educação está vincu-lada a um contexto socioeconômico e cultural, não só em termosde fins como de processo e oportunidades, o ideal somente noschega em parte, pelo que temos denominado a terminalidade geral.Acresce ainda que a educação se objetiva ao influxo de condições

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locais e de fatores individuais de amadurecimento, capacidade emotivação; donde ser lícito falar também de uma terminalidade real.Ambas as formas revestem um aspecto socioeconômico e outroindividual de base psicopedagógica.

A terminalidade geral expressa o nível de escolarização que umadeterminada sociedade proporciona a todos os seus membros. Seconsiderarmos que o desenvolvimento normal das aptidões não seconclui antes do final da adolescência, ao redor dos dezoito anos,aí situa-se a primeira faixa natural de interrupção do ensino siste-mático. Em consequência, psicológica e pedagogicamente falan-do, a terminalidade geral não se localizaria abaixo dessa faixa etáriae significaria a escolarização que todos deveriam receber. Assim,porém, acontece em pouquíssimos países. Na maioria das naçõesditas “avançadas”, segundo a classificação de Harbison e Myers,75% da população jovem recebe educação até os 18 ou 19 anos,mas em seguida os índices baixam para menos de 20% nos países“parcialmente desenvolvidos”, para menos de 10% nos “semi-avan-çados” e para menos de 5% nos “subdesenvolvidos” .

A verdade é que, predominando quase sempre sobre o indivi-dual, o aspecto socioeconômico reduz a continuidade e antecipa aterminalidade. Trata-se de uma contingência inevitável das condi-ções existentes. O que não nos parece aceitável é a generalização doslimites assim fixados como intrínsecos da capacidade de aprender(ref. 4, pág. 254). Tanto que, mudando, as condições, também nomesmo sentido mudam os limites. Isso ocorre entre países diferen-tes e dentro de um só país. No Brasil, por exemplo, antes de 1930 –ou mesmo de 1946 – não havia sequer um critério nacional a seguirneste particular. O ensino não era contínuo porque se concluía cedodemais, com dois ou três anos para a maioria, nem era terminalporque visava unicamente ao grau seguinte. Mais tarde, e sobretudoa partir de 1961, fixou-se em quatro anos a terminalidade geral-social, sempre marcando-a estruturalmente com o “exame de ad-

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missão” ao ginásio. Nas regiões mais desenvolvidas, porém, logoesse mínimo foi ultrapassado e o exame praticamente desapareceuantes que a legislação o extinguisse. O contrário verificou-se nas zo-nas mais pobres, onde a própria barreira do “admissão” permane-ce com disfarces, a despeito de já não ser legalmente permitida.

Quer isto dizer que a terminalidade geral, elevando-se embora,ainda se detém no domínio do ideal enquanto os seus aspectossocioeconômicos não alcançam os de ordem psicopedagógica e,portanto, o limite das oportunidades gerais não atinge o fim daadolescência. Neste sentido, ela encerra a escolarização que todosefetivamente recebem, abaixo da que deveriam receber. A con-cepção e a orientação do ensino, todavia, não estão inevitavelmen-te adstritas a tal contingência e, assim, podem e devem tomar osnovos rumos em toda a extensão da escolaridade. Para tanto, oque se recomenda é atribuir, desde os graus mais elementares, umcunho de progressiva terminalidade aos estudos de cada ano, decada semestre e de cada disciplina a fim de que, interrompendonormalmente a sua vida escolar, não tenha o aluno – e a própriasociedade que o educa – o prejuízo da sua inutilidade (ref. 4, pp.253-254). Esta última consideração sugere duas consequências, re-lacionadas uma com o currículo e outra com o aluno.

Se o que basicamente caracteriza a terminalidade é o sentidode encaminhamento para uma atividade produtiva, não há de sercom uma exclusiva formação academizante que isto se conseguirá.Daí o caráter também profissionalizante que se há de imprimir aosestudos, a partir de sondagens em situações variadas, até alcançaruma opção mais clara à altura da adolescência propriamente dita.Enormes são as implicações dessa tomada de posição. Para o in-divíduo, ela importa em que já não tenha a universidade comoúnica saída. A profissão conquistada lhe oferece a alternativa deingressar na força de trabalho e, sem marginalizar-se em tentativasnervosas de um frustrado perito em vestibular, adiar a matrícula

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em curso superior ou mesmo dela prescindir. Para a sociedade,proporciona um aumento substancial dos recursos humanos dequalificação “média”, imprescindíveis às tarefas do desenvolvimen-to. Este já não pode, como ameaçava acontecer, fazer-se apenascom pessoal de procedências extremas: desqualificado e qualifica-do em nível superior. Para o próprio ensino, finalmente, significauma dupla correção, ao levar em conta a distorção que implicauma escola declarada e exclusivamente preparatória e “o ceticis-mo que existe em relação à eficiência da educação destinada espe-cificamente ao preparo de mão de obra”.

De outra parte, a visão do aluno em primeiro plano leva àterminalidade real, entendida como o nível de ensino, e de certo modoa forma, que pode cada um receber nas condições reais que apre-senta ou em que se encontra. Num país de vasta extensão territoriale diferentes níveis de desenvolvimento, como o Brasil, as oportu-nidades que se programem nacionalmente não atingirão a todosao mesmo tempo. Faz-se então necessário, para os não beneficia-dos, atribuir mais cedo ao ensino um sentido terminal e pragmáti-co. Sejam, porém, alcançadas ou não aquelas oportunidades, have-rá sempre os que ora não terão capacidade para concluir os estu-dos, incluindo-se deste modo na solução anterior, ora revelarão talaptidão que o seu nivelamento aos demais importaria em verda-deiro desperdício; a estes será preciso dispensar um “tratamentoespecial”. Na primeira hipótese, temos a dimensão socioeconômi-ca da terminalidade real e, nas duas últimas, o seu aspecto indivi-dual, que fica naquela sempre abaixo e, nestas, abaixo ou acima daterminalidade geral.

Reafirmamos, em suma, que terminalidade e continuidade sãoduas faces de um só e único processo de escolarização. Tão intima-mente relacionadas elas se encontram que chega a ser difícil, e àsvezes mesmo impossível, cogitar especificamente de uma com abs-tração da outra. A terminalidade é inversamente proporcional à con-

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tinuidade. Quando mais provável seja esta, tanto mais intenso há deser o teor de terminalidade que se deve imprimir ao ensino, e vice-versa (ref. 4, p. 254). Entretanto, nem a continuidade exclui aterminalidade, nem esta aquela; a não ser artificialmente. É o queocorria, por exemplo, no ensino clássico sem endereço para a vida,ou no profissional disposto em “‘becos sem saída”. As diretrizesatuais registraram essa interdependência que, de resto, a nossa reali-dade educacional já indicava com bastante nitidez.

Obrigatoriedade e gratuidade

A obrigatoriedade é o máximo de terminalidade e o mínimode continuidade a exigir na escolarização do indivíduo, segundo ascondições de cada país. O seu pressuposto básico é a gratuidade,sem a qual ela perderia a eficácia e ao próprio estado faleceriaautoridade para prescrevê-la, ante o simples argumento da falta demeios. Não se trata, assim, de toda a terminalidade geral que vaipelo menos até a adolescência completa. Não se trata nem mesmodo seu aspecto socioeconômico, pois muitos alunos, em númeroque sempre cresce, prosseguem estudos em estabelecimentos pú-blicos e privados, gratuitos ou não, galgando faixas gradualmentemais altas que só depois se tornam obrigatórias. Trata-se antes daparte institucionalizada como compulsória – uma espécie determinalidade legal – que se espera absorva a terminalidade real, nadimensão socioeconômica, e seja mais tarde absorvida pelo nívelmais alto, até identificar-se com a terminalidade geral amplamenteconsiderada do ponto de vista psicopedagógico.

A obrigatoriedade representa outro fenômeno característico desteséculo. Enquanto a educação era encarada como simples polimentode classe, não havia motivo para dela cogitar em termos de povo.Pouco a pouco, foi-se tornando patente a importância econômica,social e política de sua universalização e, a partir de certo momento,já não puderam os governos deixá-la entregue ao espontaneísmo

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das iniciativas pessoais que geravam um autêntico circulo vicioso.Na situação de primitivismo em que se encontrava, o individuo nãopercebia as vantagens da instrução e, ainda que as percebesse, nãodispunha de recursos para estudar; por isto não se educava. Comonão se educava, continuava mais tarde a não alcançar aquelas vanta-gens em relação aos seus filhos e, se já então as alcançava, tambémnão tinha meios para levá-los à escola. As primeiras iniciativas públi-cas foram recebidas como verdadeiro constrangimento à liberdade;mas tal foi a mudança de atitude verificada que, a esta altura, a ofertade oportunidades educacionais pelo estado se converteu num devere o constrangimento se fez um direito ativamente reivindicado.

A exigência geral de um mínimo de educação popular quenão se limite ao adestramento nas técnicas básicas de ler, escrever econtar é um fator essencial de progresso. Além de tornar o poten-cial humano da nação rapidamente mobilizável para o crescimen-to econômico e a segurança, cria nos indivíduos um senso maisagudo de “disciplina, eficiência, ordem e precisão”; melhora a pro-dutividade; eleva o quadro geral de higiene e saúde públicas; au-menta a fiscalização indireta do consumo, aperfeiçoando por estaforma a qualidade da produção; faz crescer a clientela indispen-sável ao incremento das ciências, das letras e das artes; eleva, emconsequência, o nível da “produção cultural”, sobretudo em áreasque disso tanto carecem, como o rádio e a televisão; prepara aouso inteligente das horas de lazer que tendem a ampliar-se; e assimpor diante.

É certo que os esforços para instaurar, pela escola obrigatória egratuita, essa “democracia educada” referida por Lowndes, “só alongo prazo dão frutos”; e como eles se fazem sentir mais em ou-tros campos, raramente são percebidos como obra de educação.Isto explica muitas e conhecidas incompreensões, como – para citarapenas um exemplo – a preferência de alguns setores político-admi-nistrativos pela alfabetização de adultos, nos países subdesenvolvi-

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dos ou em desenvolvimento. Importante sem dúvida como recu-peração de atraso, tal programa deve constituir uma segunda priori-dade a partir de quando não haja criança, pré-adolescente ou mes-mo adolescente fora da escola. O imediatismo de que se revestecusta o preço da sua menor consistência e do mais curto rendimen-to dos seus resultados; para não falar no desvio de recursos da pró-pria obrigatoriedade. A regra que a tudo o mais se sobrepõe há deser a escolarização mínima de todos na idade própria.

A amplitude desta idade tem variado segundo o grau de desen-volvimento dos países. Poucos dentre eles são os que chegaram àcoincidência da escola gratuita com uma terminalidade geral em queo aspecto socioeconômico igualmente coincidisse com opsicopedagógico, isto é, com a adolescência completa. Nos EstadosUnidos, onde mais de 70% da população de dezessete anos já rece-bia uma escolarização de 12 anos no final da década de 50, istopraticamente já aconteceu quanto a possibilidades. O que ali se de-bate, faz algum tempo, é a tese de iguais oportunidades para todosacima do nível secundário; debate-se e, em certos estados, tambémse pratica num esquema de 14 anos de estudos em que os dois finais,já de grau superior, são ministrados por diversas modalidades detwo-year colleges mantidos pelo poder público. Outras nações industri-alizadas – como a Grã-Bretanha, o Japão e a União Soviética –chegaram aos 10 e se encaminham para os 12, enquanto as subde-senvolvidas ainda não se encontram próximas, sequer, do ensinoprimário de 4 anos universal e gratuito. Entre os extremos situam-seos países semidesenvolvidos, cuja perspectiva é a escola de 8 anoscomo ponto comum de partida para os seus cidadãos.

[...]A esses problemas de ordem quantitativa aliavam-se outros

que chamaremos de qualitativos, à falta de uma designação inter-mediária. Era mínima, por exemplo, a correlação de nível etário enível escolar, pois o ensino ministrado estava aquém da idade para

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quase a metade dos alunos de 11 a 14 anos e mesmo para 6% dosde 15 a 18 que ainda continuavam no primário, sendo muito se-melhante a defasagem colégio-ginásio na faixa dos 15 anos aos 18.A duração diária dos estudos era inferior a três horas diárias, emmédia, ficando ainda longe de um regime aceitável de tempo mes-mo “parcial”. O corpo docente era quase todo improvisado naszonas mais pobres e, até nas de maior desenvolvimento, recebiauma formação pouco atual que deixava a desejar em matéria deconteúdo e, sobretudo, em termos propriamente metodológicos.

Repetimos que esse era o quadro de 1971, cujas linhas ainda nãopuderam modificar-se em profundidade no curso dos últimos anos.Tudo o que nele se contém apenas confirma, reforçando como ne-cessidade premente, aquela tendência a uma escola universal de oitoanos com base na gratuidade. Esta, nas diretrizes adotadas, é queefetivamente define a obrigatoriedade, a ponto de que a sua faltaconstitua o único elemento de exceção a caracterizar a terminalidadereal no plano socioeconômico. Admite-se menos escolaridade – e sóneste caso especial e transitório – porém jamais nenhuma. Chega, as-sim, a ser contraditória a manutenção da “isenção” de escolaridadeconstante (art. 30) das diretrizes de 1961. Contraditória nesse contex-to e contraditória em si mesma, pois também não vemos comopossa o estado autoisentar-se a priori de um dever que ele próprio seimpôs em sua Lei Maior; e muito menos isentar o cidadão de umdireito. Deste direito, que é igualmente uma obrigação, nem mesmoao próprio titular é lícito dispensar-se.

Como quer que seja, a obrigatoriedade representa a maior denossas urgências educacionais. É tarefa gigantesca para realizar-secom autenticidade, fazendo coincidir nível etário e nível escolar numensino que, sem limitar-se a meros e superficiais contatos de uma ouduas horas diárias, seja de fato suficiente como o mínimo de educa-ção compatível com o desenvolvimento e as aspirações atuais dopaís. A sua concretização exige uma verdadeira mobilização nacio-

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nal, em que será decisivo o papel coordenador da União e a suafunção “supletiva” de assistência financeira e técnica. Por natureza, éobjetivo que não se alcança de uma só vez, nem com a dispersão demeios que gera atrasos e com eles se vai agravando indefinidamente.Daí, como outros tantos princípios norteadores de uma ação racio-nal, as ideias de concentração e progressividade.

Concentração

A concentração significa a reunião de tudo o que é comum eseparação apenas do que se mostre irredutível a esquemas unificadores.Constitui talvez o mais amplo dos princípios aqui focalizados, porabranger de certo modo os anteriores e incidir no plano dos obje-tivos, no das funções e no da execução. No primeiro, ela supõe aíntima conjugação dos fins entre si e com o Projeto Nacional, sem-pre sob a ideia-força da integração; no segundo, implica a fusão degraus (pela continuidade) e de ramos (pela terminalidade) em um sóprocesso de escolarização; e no terceiro, importa na correção doparalelismo de soluções – aquele esbanjamento da pobreza, efeitode atraso e causa de mais atraso – pela utilização plena e racional dosmeios efetivamente disponíveis. A sua expressa aplicação se fez desdeo ato inicial da reformulação educacional desencadeada, no Brasil, apartir de 1966.

Tal ato, modesto como iniciativa para assim dizer experimental,não ia além de um “reestruturação” e se limitava ao ensino superior,em cujo âmbito ainda se restringia quase inteiramente às “universi-dades federais”. Apesar disso, nele já se continham as bases dosdesdobramentos que vieram. Ao elaborar-lhe o anteprojeto, funda-mos as soluções propostas na “concentração de recursos materiais ehumanos”, que repelia “a duplicação de meios para fins idênticos ouequivalentes”. Este sentido estrito foi o que acabou prevalecendo.Tanto que um ano depois, alcançando o ensino “primário e médio”,lançávamos o princípio de continuidade-terminalidade com auto-

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nomia e, em consequência, mantínhamos a concentração referida aoplano dos meios. Procurava-se colocar o setor educacional no qua-dro geral de um país que se organizava cada vez mais à base doplanejamento integrado. Assim, em 1968, estendeu-se o princípio atodo o ensino superior público e privado, com mais amplas conse-quências; e as diretrizes atuais, desde o anteprojeto de 1970, foramainda mais longe na sua aplicação. É o que veremos ainda nestecapítulo, ao tratar da estrutura.

Progressividade

A progressividade é o avanço flexível e ordenado daescolarização. Não chega a confundir-se com a “educação progres-siva” que se desenvolveu, nos Estados Unidos, em três quartos deséculo que vão dos dias de Horace Mann aos de John Dewey e seusdiscípulos. Sem dúvida, aqui e ali, ela coincidirá em soluções dessemovimento que ficaram como herança do que foi uma primeira res-posta do setor educacional ao desafio da Revolução Industrial. Emvez, porém, de um corpo de doutrina compacto e autossuficiente,constitui o reconhecimento puro e simples de uma genérica adapta-bilidade da escola a tudo o que sobre ela venha influir ou dela recebainfluência: às distintas realidades locais; às características dos conheci-mentos, formas de vida e técnicas de trabalho; às diferenças indivi-duais dos alunos; e assim por diante. No fundo, trata-se de algo queocorre sempre, quaisquer que sejam os esquemas traçados, mas semo mínimo desejável de racionalidade e disciplina; e esse mínimo é oque se pretende atingir.

Como avanço que deve ser, a progressividade implica necessari-amente melhoria além de desempenhos já eventualmente alcança-dos; como avanço flexível, importa em diversificação edescentralização, numa espécie de contrapartida da concentração; ecomo avanço também ordenado, leva ao planejamento que assegureos fins visados numa perspectiva de unidade que não é uniformida-

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de. Estes e outros pressupostos poderiam surgir como verdadeirosprincípios, se outro fosse o ângulo em que nos situássemos. Numaescolarização integrada, porém, eles não deixarão de estar presentespor não terem sido formulados como tais. Ao contrário, se a issonão levar o conjunto da vida escolar, os princípios expressos dificil-mente hão de operar pela mera virtude de sua formulação. Nasdiretrizes de 1961, por exemplo, a recomendação de “flexibilidade”representou uma conquista porque a tanto, de certo modo, conduzi-am as soluções encontradas, pelo menos em contraste com a rigidezdo regime anterior. Entretanto, embora igualmente declarados, osde “articulação” e “variedade” tiveram escassa consistência por nãoemergirem da sistemática adotada, que ainda se baseava inteiramen-te na divisão tradicional de graus e de ramos.

Já agora, com a amplitude que lhe foi atribuída, a progressividadeserá impossível numa estrutura muito compartimentada; e não sóem estruturas assim pouco abertas como sob limitações capazes detolher a ação dos fatores, próximos ou remotos, que se projetam naaprendizagem e precisamente a determinam. As diretrizes atuais le-varam em conta estas circunstâncias até o processo mesmo do ensi-no. A formação preconizada deve ajustar-se em conteúdo, método,ritmo e intensidade às variações de amadurecimento, capacidade emotivação dos alunos, enquanto a avaliação do seu rendimento jáaflora à concepção de “avanços progressivos” que é, por natureza,incompatível com exames formais erigidos em fins. O currículo seconfigura “em camadas que sucessivamente se acrescentam”, desdeo nível de toda a nação até o dos educandos individualmente consi-derados. O seu desenvolvimento, em consequência, exigirá uma di-dática mais dinâmica lastreada em novos critérios de organização efuncionamento das escolas e, sobretudo, em um tipo de professorcujo preparo “se eleve progressivamente” em todos os sentidos.

A própria implantação dessas ideias e soluções também tem defazer-se “progressivamente”, o que à primeira vista parece uma repe-

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tição do óbvio. Entendida, contudo, a progressividade nos termosem que inicialmente a caracterizamos, logo se percebe que o objetivoé assegurar o avanço e ordená-lo mediante o indispensável planeja-mento, previsto sob a forma de “Planos Estaduais de Implantação”.Quer isso dizer que não se admite a ausência de algum acréscimo, pormodesto que seja, em face de condições locais ou institucionais; emuito menos se tolera o recuo em nome de uma prudência que nemsempre disfarça atitude imobilista ou retrógrada. Tanto assim é que,entre os elementos aos quais se condiciona a assistência da União aosestados, figura exatamente “o progresso quantitativo e qualitativo dosserviços de ensino verificado no biênio anterior”.

A progressividade é, assim, o aspecto mais dinâmico dentre osfocalizados. O ajustamento em que ela importa não significa umacristalização das condições encontradas – de meio, de escolas, dealunos – porém uma estratégia para superar realisticamente essascondições, como que de dentro para fora. Foi este o sentido quedemos à palavra “atualização” ao justificar o anteprojeto das diretri-zes atuais: o sentido de um aggiornamento sempre renovado. Igual-mente nesta perspectiva deve encarar-se o “Plano Estadual de Im-plantação”, isto é, como um documento nunca definitivo em que háinovação ou avanço, pois não se implanta o que já existe. Conquantoelaborado com a necessária flexibilidade, terá ele de ser repetida-mente “atualizado”. E assim, alterando-se em si mesma e modifi-cando-se para refletir a mudança geral, a escolarização de um deter-minado momento cada vez menos terá em comum com a de mo-mentos anteriores. O dado constante será o dinamismo dos princí-pios que a devem inspirar. (Chagas, 1978, pp. 102-113.)

A estrutura

Se esses princípios constituem projeções parciais da ideia-for-ça de integração, outro sentido não poderá ter a estrutura escolarque a eles corresponde. [...]

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[...]Esta nova estrutura não foi obra do acaso nem do capricho

de visionários. Principalmente em relação à escola básica de oitoanos, [...] ela se delineou no contexto mesmo de uma realidade emque ao maior desenvolvimento do país correspondiam novas for-mas de vida e de trabalho. Para tanto, aliás, não havia sequer razõesponderáveis de ordem psicológica em contrário, como uma prá-tica secular poderia fazer suspeitar, pois a verdade é que a divisãoem graus constitui muito mais um reflexo da estratificação social eda real oferta de ensino que uma imposição irrecorrível do cresci-mento mental. (Chagas, 1978, pp.113-115.)

[...]A verticalidade do processo de integração estrutural, em que pre-

dominam as ideias de continuidade e progressividade, supõe comocondição de equilíbrio uma correspondente integração horizontal. Esta,vinculada sobretudo aos princípios de terminalidade e concentração,pode ser encarada tanto do ponto de vista funcional, que se projeta naestrutura, quanto do ângulo físico-institucional, em que a própria estrutu-ra se reflete. Trata-se, no primeiro caso, de conjugar a educação geralàs diversas modalidades de formação “especial” num ensino integralque todos devem receber; e no segundo, como decorrência do pri-meiro, de articular os meios para que escolas diversas atuem comouma só escola e, reciprocamente, uma só escola polivalente concentreaquelas duas funções com os desdobramentos que toda formaçãoespecial comporta e exige. (Chagas, 1978, p.119.)

[...]À uniformidade – isto é, à ideia de que “só a escola secundária

tradicional constituía autêntico ensino médio e só ela devia legitima-mente conduzir à universidade” – se foi contrapondo a equivalência, oprincípio “segundo o qual os estudos feitos a um mesmo nível, em-bora calcados em matérias diversas, davam ao aluno um ‘equivalente’grau de maturidade”. Não foi simples nem fácil esse processo.

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[...]Em 1967, usando a linguagem em voga, dizíamos que “será

tão absurdo um ginásio profissional como um colégio exclusiva-mente acadêmico: no primeiro caso, por pretender cultivar o queainda não existe” – as aptidões específicas plenamente desenvolvi-das – “e, no segundo, por deixar de desenvolver aptidões quetenderão a estiolar-se pelo desuso” (ref. 4, pág. 255). Tínhamosem vista uma comprovação já antiga e cada vez mais atual dapsicologia. Até a puberdade desenvolve-se a inteligência geral, o“fator g” de Spearman, seguindo-se uma crescente diferenciaçãoou especialização que tende a não ultrapassar a adolescência. Nãoé diverso o quadro brasileiro, mesmo no que toca aos decisivos“efeitos da prática e do ensino sobre os modelos fatoriais”. Assim– concluíamos então – “os atuais cursos secundário e técnicos degrau médio terão de resolver-se num esquema unificado que seorganize sobre um ginásio comum onde as preocupações de or-dem vocacional se expressem por atividades de caráter exploratório.Todo o colégio ... deverá incluir no seu currículo um núcleo geralde ciências e humanidades e uma parte profissionalizante que seestruture ... por meio de opções tão variadas quanto o exijam asnecessidades do mercado de trabalho e o permitam as possibi-lidades de cada estabelecimento” (ref. 4. pág. 255).

As diretrizes atuais seguiram exatamente esta orientação. Alémde integrar verticalmente a escola primária e o ginásio de antes,espelhando a obrigatoriedade constitucional, integraram horizon-talmente os conteúdos geral e especiais, aquele comum e estes va-riáveis, tanto no 1º grau de oito anos como no 2º grau de três ouquatro. No primeiro, o conteúdo geral é predominante e os espe-ciais não alcançam além de uma sondagem de aptidões, enquantono segundo predomina a formação especial abrindo-se “num le-que de tantas habilitações, dentre as suscetíveis de desenvolvimen-to a este nível, quantas sejam as reclamadas pelo mercado de tra-

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Por outro lado, o “mercado de trabalho” surge nesse contextocomo um ponto natural de referência para o preparo profissional,que não há de fazer-se no vazio, e jamais como sua destinação exclu-siva. O importante, consoante vimos reclamando com particularempenho, é caminhar para uma educação integral que se contrapo-nha aos dualismos sempre empobrecedores. O professor colombi-ano J.F. Fillela, citado por Anastasi (de uma tese de doutoramentonão publicada na época), comprovou que os traços mentais maisclaros entre os alunos de uma escola técnica eram os raciocíniosquantitativo e mecânico-espacial e, entre os de escola secundária aca-dêmica, um fator verbal e outro não verbal. Como se ambas aslinhas fatoriais não fossem indispensáveis ao cultivo harmônico da

balho”. É o que representamos na Figura 12. Importa notar que aínão se cogita de um tipo único de “habilitação”, nem muito me-nos se identifica o respectivo conceito com a ideia tradicional depreparo para uma ocupação necessariamente específica.

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inteligência. Afinal, se os especialistas do ensino profissional de hámuito defendem o acréscimo da base de educação geral, é chegadaa hora de também os generalistas reconhecerem, com Whitehead, que“nenhuma educação liberal pode deixar de ser também técnica”.

Disso não é lícito concluir que se tenha por irrelevante a for-mação profissional em si mesma. Muito ao contrário. Além de estarela incluída entre os objetivos do ensino de 1º e 2º graus, constituia via imediata pela qual a educação se insere no projeto atual donosso desenvolvimento em seu aspecto econômico. Situando-nos,assim, na correta perspectiva do desenvolvimento como categoriaglobal, força é admitir que ao propósito mais alto de realizar aeducação integral, numa escola horizontalmente unificada, deverásubordinar-se a função imediatista e conjuntural de simplesmenteabastecer o mercado de mão de obra. Do contrário, incidiremosdesnecessariamente no “perigo”, já denunciado pelo professorHalsey, “de uma tirania nova da economia sobre a cultura”. Des-necessariamente porque, em larga medida, “o desenvolvimentoeconômico acaba criando as competências que ele próprio exige”.

De qualquer modo, tudo leva a que de tal formação tambémnos aproximemos por um ensino polivalente do qual, em últimaanálise, só vantagens poderão advir de todos os pontos de vista.Se ao concluir o 2º grau, por exemplo, o aluno se encaminhar dire-tamente para o mundo do trabalho, a parte geral dos seus estudosser-lhe-á de extrema valia como suporte de um preparo que jánão se resolverá em mero adestramento; e se, mais tarde ou desdelogo, optar pelo ingresso na universidade, a parte especial contri-buirá poderosamente para aquela aptidão genérica aos estudos su-periores que hoje se contrapõe à escolha precoce e impressionistada carreira universitária.

Eis como a antiga função preparatória se reduz a um caso, ape-nas, dentre os muitos em que se projeta a ideia de “mais educação”.Curiosamente, à medida que tal se verifique, essa função emergente

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será mais bem atendida e, em consequência, a própria articulaçãovertical estará facilitada pela integração horizontal. Por isso é que ovestibular, já unificado no âmbito de cada instituição, terá de cadavez mais fazer-se sob critérios dinâmicos de maturidade global querepelem a seleção à base de respostas típicas adrede ensaiadas em“cursinhos” preparatórios. Por outro lado, é preciso realmente trans-ferir para o 1º ciclo superior a decisão sobre a carreira a seguir, quepoderá ou não – é indiferente – prolongar a habilitação de 2º grau. Oimportante é que o aluno se encontre nessa busca de caminhos; dondeo sentido amplo atribuído à “escolha” que vai da primeira opção àconfirmação ou à mudança da linha profissionalizante anterior.

Além, portanto, de vincular-se à “qualificação para o trabalho”,a integração horizontal resulta igualmente de outro objetivo expres-so do ensino de 1º e 2º graus – o de “autorrealização” dos educandos– que supõe o conveniente atendimento às diferenças individuais.Tal atendimento alcança não apenas a profissionalização como asoutras formas ditas “especiais” – o adjetivo consagrado pela práticafoi o mesmo – as quais antes se desenvolviam em esquemas tam-bém especiais de escolarização. Entre elas, a própria “educação deexcepcionais”, até hoje tão excepcional como a sua clientela e a suaprecária existência. As diretrizes de 1961 deram o primeiro passo nosentido de organizá-la quando, num capítulo à parte, previram que“a educação dos excepcionais” devia “enquadrar-se no sistema ge-ral de educação”. As diretrizes atuais foram mais longe e nem sequerabriram capítulo em separado ou empregaram a palavra “excepcio-nal”, com o que se “acabava por sublinhar a excepcionalidade”:simplesmente classificaram o setor, em todo o gradiente que vai dossub aos superdotados, no domínio natural do ensino regular.

Regular e com terminalidade real, de base psicopedagógica,localizada abaixo da terminalidade geral, nos casos “negativos”, eacima dela nos “positivos”. Isto explica o “tratamento especial”que ficou expresso, embora tal exigência constitua um imperativo

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comum do mesmo ajustamento do ensino às diferenças individu-ais. A partir daí, e “até onde não seja prejudicial, o aluno rápido oulento há de conviver com os demais e aprender com eles”, pois “anormalização crescente do excepcional, e não a sua marginalização,é a finalidade última a alcançar”. O limite é a efetiva educabilidadedo subdotado e o grau de excepcionalidade do superdotado, istoé, a possibilidade de algum tratamento “normal” para o primeiroe a necessidade de tratamento “especial” para o segundo.

Em qualquer hipótese, o tratamento especial não deve ir alémdo problema a resolver em cada situação e, assim, de nenhumaforma há de implicar a segregação permanente do aluno em esco-las de desajustamento. Com frequência, poderá tal tratamento fa-zer-se na própria instituição de ensino regular – em seções ou clas-ses apropriadas – e, quando indicado, em estabelecimentos ou clí-nicas com os quais a instituição se articule para a indispensávelunidade de métodos e de resultados. Mas também esta articulação,longe de representar algo privativo da educação de excepcionaisconstitui uma solução geral que já nos situa no plano físico-institucional da integração horizontal. (Chagas, 1978, p.120-126)

[...]

Os processos

Todo conteúdo curricular, além do objetivo imediato que lhejustifica a escolha, constitui um meio para o enriquecimento dapersonalidade em conjunto. Os conhecimentos, experiências e ha-bilidades sempre se transmudam em atitudes e capacidades que épreciso “disciplinar” tornando-as harmônicas entre si, individual-mente significativas e socialmente desejáveis. Num símile de que jános valemos, decerto imperfeito, mas bastante ilustrativo, diremosque aqueles conhecimentos, experiências e habilidades são para essasatitudes e capacidades o que, em nutrição, os alimentos são para asproteínas, os hidratos de carbono, as vitaminas etc., em que devem

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transformar-se. O que a isso não conduz é eliminado no últimocaso; como na educação é esquecido, sob pena de perturbaçõeseruditas ... (ref. 1, pág. 31).

Trata-se, como dissemos, de uma comprovação milenar que,até o século XVIII, se traduziu na teoria da “disciplina formal”.Esta mergulha as suas raízes em Aristóteles e Platão, ganha forçacom Santo Tomás de Aquino e adquire novos coloridos na obrade Locke. A sua base é a velha psicologia das faculdades, aquelasegundo a qual o homem possui capacidades inatas como as dememória, atenção, observação, raciocínio e vontade, que à educa-ção cabe desenvolver. Em função de tais faculdades é que se de-terminavam os conteúdos, entre os quais avultavam o latim e amatemática. Ressaltando “a importância de raciocinar bem”, porexemplo, o próprio Locke acrescentava que “nada melhor paraisso que a matemática” .

O século XIX assistiu ao apogeu de uma variante da mesmateoria – a “disciplina mental” – a um tempo mais ampla e maisrestrita que a disciplina formal. Nesta, sempre se partiu de faculda-des preexistentes e individualizadas que era possível cultivar peloexercício. Na disciplina mental, ao contrário, encaram-se como umtodo as capacidades e procuram-se desenvolvê-las em geral. Poroutro lado, enquanto a disciplina formal abrangia desde o nívelsensório-motor até o afetivo, o racional e o moral, a disciplinamental se detém no exclusivo aspecto intelectual. Como elementocomum às duas abordagens, sem o qual elas nem teriam sentido,destaca-se a ideia de que os traços comportamentais desenvolvi-dos – melhor atenção, memória mais aguda, agilidade de raciocí-nio, entre outros – tendem a “transferir-se” a novas situações dife-rentes daquelas em que foram exercitados.

Apesar de sua aparente posterioridade, a disciplina mental pre-cedeu a disciplina formal e, ao que tudo indica, definitivamente asucedeu. É uma “teoria protéica”, para usar as palavras do profes-

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sor Walter Kolesnik, “que intermitentemente vem à tona, ofusca-se e sempre ressurge traduzindo a ideia, jamais desprezada, de queo primeiro objetivo da educação formal é o desenvolvimento dacapacidade mental dos indivíduos”. No século XIX, levou-se tal-vez longe demais essa convicção, a ponto de que nenhum estudofosse digno de consideração se, desde logo, não se demonstrava oseu efeito “disciplinar”. Já nas primeiras décadas, por exemplo, ointuicionismo de Pestalozzi partia da percepção dos sentidos parao desenvolvimento mental, elevando-se “das intuições confusasaos conceitos exatos”. Mais tarde, um típico homem do século –Herbert Spencer – fez da apologia das ciências experimentais oleitmotiv de sua obra pedagógica; mas apressou-se em caracterizá-las “como conhecimento e como disciplina”, acrescentando que“toda ordem de fatos tem a sua utilidade como exercício mental”indispensável a “uma vida completa” .

Entretanto, foi também no século XIX que a tradiçãodisciplinarista, particularmente a psicologia das faculdades, come-çou a ser contestada e combatida: pela via filosófica, de início, emais tarde pelos primeiros ensaios de psicologia experimental.Herbart abriu o debate, com a sua teoria da “apercepção”. Paraele, a faculdade não passava de “um mito”, pois “a alma não temdisposições de nenhuma classe” e, como uma espécie de “mônada”leibnitziana absolutamente simples, apenas se limitaria a resistir àsperturbações vindas do mundo exterior. Da dialética em que issodeveria importar, “representações” ou “ideias” se formariam paraconstituir “massas aperceptivas” capazes de predispor ou não anovas aquisições. Entre as apercepções e a matéria da “instrução”,mediava o elemento aglutinador do “interesse” (inter-esse).

Enquanto, pois, antes se considerava o aprender como a finali-dade da educação e o interesse como um meio, Herbart inverteu arelação ao postular que “do aprender nasce o interesse”, cujo desen-volvimento multilateral seria o grande objetivo da sua “instrução

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educativa”. Se em si mesmo o aprender implicava uma perturbação,a tendência natural do aluno seria a ele resistir; daí a necessidade deplanejar a lição, prepará-la, limitá-la, dosá-la, quase diríamos enfeitá-la e disfarçá-la, para que ele a recebesse como a criança aceita umapílula envolta em chocolate. Não é por outra razão que a didática deinspiração herbartiana está cheia de “passos” (clareza, associação,sistema, método), de “campos de valores” em que se dividem osinteresses (empírico-especulativo, simpático-social, religioso, estéti-co) e de classificações dos conhecimentos (matemática, ciências earte, para o mundo das coisas; geografia, história e literatura, para omundo do homem) , num dos mais rígidos formalismos a que jáfoi reduzida a arte de ensinar.

Como quer que seja, e em que pese à circunstância de o interessealcançado implicar de qualquer modo uma disciplina mental, o cer-to é que Herbart e os herbartianos minaram as bases dodisciplinarismo clássico. Para eles, conforme já registramos, as facul-dades simplesmente não existiam; e o que não existe não pode serexercitado. Algo semelhante iria dizer-se na passagem do século, apartir de outro ponto de vista: o da transferência. Levando adianteexperiências iniciadas por William James, Thorndike condicionou àexistência de “elementos idênticos” a possibilidade de transferir-se aaprendizagem de uma para outra situação. O conhecimento da adi-ção melhoraria o da multiplicação e o domínio do latim o do Fran-cês, por exemplo, pois muito do que se contém num campo estápresente no outro. Daí, porém, não seria lícito concluir por um au-mento geral da capacidade motora, da atenção ou da memória, nempor um enriquecimento de ideais e valores, já que a aprendizagemseria sempre específica .

Unindo-se ao coro dos herbartianos, os mais apressados logodecretaram a falência do disciplinarismo; e a reação não se fezesperar. Travou-se então um dos mais longos debates já desenvol-vidos em torno de uma tese educacional: aceso de início, monó-

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tono depois e descambando para o riso quando avançado já ia oséculo XX . O seu principal cenário foram os Estados Unidos daAmérica do Norte, onde o pragmatismo como filosofia de vida ede educação gerava a nostalgia dos estudos clássicos e das concep-ções pedagógicas tradicionais. A um latim ou Grego que ainda setentava manter no currículo geral, sob o único argumento de que“disciplinavam a mente”, contrapunha-se o utilitarismo de umaescola voltada para a vida e para a “eficiência social”. Apesar disso,o bom-senso acabou por sobrepairar as posições radicais.

Sem mais retornar à simples e “mitológica” teoria das faculdades,as vozes mais autorizadas da “análise fatorial” que nascia, de Spearmane Thurstone ao britânico Cyril Burt, viam significativa coincidênciaentre os fatores já delineados e as próprias faculdades. Outros estudi-osos, psicólogos e não psicólogos, reconheciam que das aprendiza-gens específicas emergiam comportamentos mais gerais – algo como“resíduos”, para usar uma expressão muito em voga na época – quedentro em breve iriam classificar-se como “aprendizagensconcomitantes”. John Dewey não fugiu a essa evidência e, conquantoaceitando o princípio da especificidade, substituiu a ideia de “faculda-des” preexistentes pela de uma “organização das matérias e atividades”para concluir que “o pensar é precisamente o fator que torna possívela transferência e a mantém sob controle” .

O próprio Thorndike admitiu o que denominou a “difusão(spread) da aprendizagem”, matizando e dividindo os seus “elemen-tos idênticos” numa identidade “de substância” e outra “de proces-sos”. Já não estava, assim, muito longe da posição avançada de Locke,para quem a “disciplina” repousaria mais sobre a forma de apren-der – o método – que sobre as matérias estudadas em cada mo-mento. Menos distante de Locke e a meio caminho do que CharlesJudd chamou os “processos mentais mais altos”. Tais processos nãoresultariam de faculdades preexistentes, nem se limitariam à repro-dução mecânica, total ou parcial, de aprendizagens anteriores; não

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constituiriam privilégio de certas e determinadas matérias, nem ocor-reriam automaticamente. Seriam antes “generalizações” possibilita-das por uma aprendizagem em cujo desenvolvimento, a todo ins-tante, os alunos tenham efetivamente de fazer comparações, perce-ber contrastes e procurar expressões, explicações e aplicações paraas ideias. No fundo, também uma questão de método.

Outras contribuições vieram precisar os contornos dessa vi-são mais dinâmica e equilibrada. Entre elas destacam-se a da psi-cologia da forma, principalmente os trabalhos de Köhler e Koffkasobre a configuração, e o conceito de operações móveis e reversí-veis inerente à psicologia genética de Piaget. Os próprios vocábu-los “disciplina” e “transferência” tornam-se cada vez menos fre-quentes, absorvidos por uma concepção de aprendizagem funda-da em processos que não só emergem dos conteúdos como, emlarga medida, se confundem com eles. Foge-se, assim, a “separaras atividades e capacidades das matérias de estudo”, pois era exa-tamente nesse “dualismo”, como assinalou Dewey, que residia o“erro principal” da disciplina formal. Também, sem mais perma-necer no intelectualismo da “disciplina mental”, procura-se englo-bar nos processos toda a personalidade em suas várias dimensõescognitiva, afetiva, conativa e físio-morfológica.

Não se trata, porém, de simples desfecho de um debate aca-dêmico em que a pouco se ficou de discutir o sexo dos anjos.Trata-se antes de uma tendência neodisciplinarista que a educaçãovai revelando ante as perplexidades da vida moderna. A chamadaexplosão dos conhecimentos, em diversas áreas, impede a sua trans-missão mesmo quantitativa no tempo disponível; os progressossempre maiores da tecnologia aceleram o ritmo das mudanças; eentre esses progressos, o aperfeiçoamento e a disseminação dosmeios de comunicação de massa, sem de fato aproximarem espi-ritualmente os homens, levam à invasão do seu mundo interior atéhá pouco inviolável. O resultado é a crescente incerteza quanto ao

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futuro que faz, cada vez mais, se procure no dinamismo e genera-lidade dos processos a capacidade de ajustamento e defesa que já nãoé possível encontrar somente na especificidade dos conteúdos.

Cabe então identificar esses processos e refinar os meios neces-sários ao seu cultivo. É uma tarefa ao mesmo tempo difícil e sim-ples. Difícil, porque as classificações existentes alcançam ou ultrapas-sam a centena e vão desde a lista quíntupla de Aristóteles – cumulandona faculdade de pensar, que Santo Tomás desdobrou nas suas virtu-des intelectuais e erigiu em objetivo da educação – até as atitudes eas fases do pensamento reflexivo propostas por Dewey ou os fato-res e “capacidades” de Thurstone, entre outros. Todavia, aquela iden-tificação se torna mais simples quando consideramos que as siste-matizações feitas procedem de objeto único – o homem – e aca-bam registrando os mesmos “traços” sob rubricas diversas. Issoocorre principalmente nos dias de hoje, quando se começa a realizarsínteses das múltiplas classificações, que às vezes particularizam mi-núsculas operações mentais, para alcançar uma fixação de processoscujo número chega a uma dezena ou pouco mais.

Desde logo, salientamos que persistem as posições básicas re-presentadas, de um lado, pelos que nada ou muito pouco veem, noensino, além de aprendizagens específicas ou matérias de estudo; deoutro, pelos neodisciplinaristas à outrance, defensores de um currícu-lo inteiramente organizado em “processos” que substituiriam e ab-sorveriam as matérias. Entre os dois extremos encontram-se os quefogem ao dualismo assinalado e, partindo embora de conteúdosespecíficos, levam intencionalmente em conta os processos – quaserepetiríamos: os “processos ... mais altos” – sem mais, entretanto,relegá-los à condição secundária de “aprendizagens concomitantes”insuscetíveis de uma abordagem intencional. Representativos da pri-meira tendência são os neoconexionistas da linha skinneriana (“ensi-no programado”, p. ex.) e os neo-herbartianos (v.g. sistema de“módulos”) em cujas soluções, para buscar os antecedentes mais

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próximos, renascem as ideias de Thorndike, já comentadas, e as deHenry Morrison.

Ilustrativa da segunda tendência é, por exemplo, a posição daprofessora Louise Berman, também norte-americana, para quemo currículo deve refletir “o fluxo contínuo da vida” e realmenteauxiliar o aluno a “aprender, utilizar e criar o conhecimento”. Daípropor um plano inteiramente centrado em processos abrangentesque, numa enumeração não exaustiva, apresenta e comenta nosoito itens de perceber, comunicar, amar, conhecer, decidir, siste-matizar, criar e “valorizar”. Tais processos, que para ela serão tan-to mais operativos quanto mais conscientes se tornem, interpene-tram-se para configurar o todo da experiência. A esta circunstân-cia ou condição, como vimos, não foge o próprio “conhecer”,tradicionalmente o foco único da escolarização, que aí se definecomo um dos processos: o processo de “metamorfose das ideias”na interdisciplinaridade do saber.

A terceira tendência é aquela que pretendemos alcançar agora,num evidente esforço de “queimar etapas”. Dizemos isto porque,em rigor, não percorremos nítida e conscientemente as fases anteri-ores; a não ser, e ainda assim de forma incompleta, nos 210 anos emque os jesuítas, com base no Ratio Studiorum, desenvolveram a mes-ma ideia aristotélico-tomista da disciplina. Daí por diante, nas váriasreformas que se iam sucedendo, houve apenas ressonâncias do quese discutia em outros países, expressas principalmente na frase-feitade que o latim e a matemática eram importantes para “desenvolvero raciocínio”. Nem mesmo a grande mudança ocorrida a partir de1931 suscitou uma discussão local do problema, porque as orienta-ções seguidas a tanto simplesmente não conduziam.

Em linhas gerais, foram duas essas orientações. Até 1942, pre-dominou o pensamento dos “pioneiros”, que era neste particularum misto de Dewey e Thorndike, na adoção tácita ou expressa doprincípio dos “elementos idênticos”. Com as reformas Capanema,

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dois caminhos se tornaram possíveis: o da disciplina formal, pelaênfase ainda atribuída ao latim e ao Grego, e o do formalismoherbart-morrisoniano, pela sua afinidade com a lógica prescritivadas várias “leis orgânicas”. Se este segundo caminho acabou porimpor-se já nos anos 50, ante a escassa aceitação dos estudos clássi-cos, a verdade é que em nenhum momento se chegou a uma orto-doxia antidisciplinarista. Pelo contrário. Enquanto o “Manifesto” de1932 e os documentos que o explicam faziam reiterados apelos auma “disciplina social e mental” , o nosso principal inspirador do“ensino por unidade didáticas” – o professor Luiz Alves de Mattos– advertia com frequência que “o valor das informações é mera-mente subsidiário”, porquanto das matérias escolares deveria sobre-tudo “resultar um sistema básico de organização mental, de pontosde referência e de ideias e concepções valiosos para a vida” .

As diretrizes de 1961 não chegaram a tomar uma posição so-bre o problema, conquanto de passagem destinassem o “ensinoprimário”, e só este, a desenvolver “o raciocínio e a... expressão dacriança”. As diretrizes atuais, ao contrário, começam por definir oensino de 1º e 2º graus como um “desenvolvimento depotencialidades” que já não se limita à dimensão intelectual. Issopermitiu que, no próprio ano de 1971, situássemos a questão naperspectiva de processos, encarados estes como o objetivo últimodo currículo a ser alcançado por um tratamento dinâmico egeneralizante dos conteúdos. Apresentamos então uma lista de taisprocessos (ref. 1, pp. 31-32) que tem claro sentido exemplificativo,embora represente uma síntese de muitas dentre as principais siste-matizações feitas até hoje. Foram os seguintes os itens adotados –observação, reflexão, criação, apreciação, julgamento, comunicação,discernimento de valores, convívio, cooperação, decisão e ação –que passamos a caracterizar em profundidade compatível com oalcance ainda genérico do presente estudo.

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CRONOLOGIA

1921 – Nasce em 21 de junho, no município de Morada Nova, interior do Ceará.1929 – Tem início sua educação sob orientação dos padres franciscanos do muni-

cípio de Canindé, com os quais desenvolve o conhecimento da línguavernácula, de línguas estrangeiras, de música e instrumentos musicais.

1936 – Transfere-se para Fortaleza, passando a trabalhar para manter-se; matricu-la-se no colégio estadual Liceu do Ceará e funda a “banda de música liceal”.

1940 – Começa a lecionar línguas.1944 – Conclui o curso de bacharel em direito. É admitido por concurso ao

magistério (civil) do ensino superior do exército.1947 – Casa-se com Maria da Paz de Drumond Miranda, sua única esposa, com

quem tem um casal de filhos: Luis Helano (1954) e Lia (1955).1948 – A partir deste ano, organizou, instalou e dirigiu o Departamento Regional

do Senac. Profere conferência sobre o ensino de línguas modernas emseminário de orientação técnica do ensino comercial, realizado emFlorianópolis, da qual, ampliada, resulta o livro Didática especial de línguasmodernas.

1955 – É designado pelo Ministério da Educação e Cultura coordenador deensino comercial do setor Nordeste Oriental. Participa de pesquisa sobreo nível mental da população brasileira, promovido pelo IBGE.

1956 – Passa a integrar o Conselho Estadual de Educação do Ceará.1957 – Representa o Ministério da Educação e Cultura no Conselho Regional do

Senac do Ceará.1958 – Dirige o Departamento de Educação e Cultura da Universidade Federal

do Ceará. Coordena seminários de professores dessa universidade,incrementando o movimento nascente de reforma nesse grau de ensino.

1959 – Dirige o Instituto Brasil-Estados Unidos para o ensino de inglês noCeará. Realiza curso de especialização em Secondary Education and TeachersCollege nas universidades americanas de Michigan e Columbia.

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1960 – Coordena para um período de seis anos o planejamento da UniversidadeFederal do Ceará, bem como o da Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras dessa instituição.

1961 – É nomeado professor catedrático dessa universidade, com exercício naFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

1962 – Dirige essa faculdade até 1963. É nomeado para integrar o ConselhoFederal de Educação, com mandatos renovados até 1976.

1963 – Passa a integrar a Comissão de Especialistas do Ensino Superior do MEC,para formação do magistério.

1965 – Realiza em universidades inglesas (Londres, Exeter, Sheffield e Lancaster)curso de especialização em administração universitária.

1968 – Integra grupo de trabalho designado para elaborar a reforma universitá-ria, tendo sido redator dos anteprojetos e do relatório final. É nomeadopelo presidente da República para compor a Comissão Nacional de Im-plantação da reforma universitária. Redige os projetos originais do Planode Reestruturação do Estatuto e do Regimento Geral da UniversidadeFederal do Ceará.

1969 – Faz especialização em planejamento de recursos humanos e análise naUniversidade de Michigan.

1970 – Redige anteprojetos de Estatuto, Regimento Geral e Sistema de Currículode que resultou a nova organização da Universidade de Brasília (UnB).Orienta a reforma da Universidade Federal do Pará. É posto à disposiçãoda UnB, como professor titular, lotado na Faculdade de Educação. Integragrupo de trabalho, do qual foi relator, destinado a definir diretrizes e basespara o ensino de 1º e 2º graus, de que resultou a Lei 5692/71.

1971 – Emite parecer no Conselho Federal de Educação sobre Normas de Con-teúdo e Duração para o Núcleo Comum do ensino de 1º e 2º graus. Éadmitido no quadro efetivo da Ordem Nacional do Mérito Educativo, nograu de Comendador.

1972 – Integra grupo de trabalho, na qualidade de coordenador e relator, paradefinir a doutrina, a política e a expansão do ensino supletivo.

1973 – Recebe o diploma de doutor Honoris Causa concedido pela Universidadede Santa Maria/RS.

1983 – Recebe idêntica homenagem da Universidade Federal do Espírito Santo.1991 – Aposenta-se da atividade docente na UnB, como professor da pós-

graduação, por atingir a idade limite no serviço público.2006 – Falece em 4 de julho, na cidade de Brasília.

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BIBLIOGRAFIA

Obras de Valnir Chagas

CHAGAS, Valnir. Didática especial de línguas modernas. 3. ed. São Paulo: CompanhiaEditora Nacional, 1979. 512 p.

______. Educação brasileira: o ensino de 1º e 2º graus – antes; agora e depois? SãoPaulo: Saraiva, 1978. 386 p.

______. Formação do magistério: novo sistema. São Paulo: Atlas, 1976. 161 p.

______. A Reforma Universitária e a Faculdade de Filosofia. In: Revista brasileirade estudos pedagógicos (v. 36, n. 83), Rio de Janeiro, MEC/Inep, 1961.

______. Indicação sobre duração e currículos dos cursos superiores. In: Documentan. 2 (p.77), Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. A investigação científica nos currículos normais dos institutos de ensi-no superior (Parecer nº 43-A). In: Documenta n.3 (p.157), Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. Concurso de habilitação aos cursos superiores (Parecer n. 58/62). In:

Documenta n. 4, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. A figura da agregação em face da Lei de Diretrizes e Bases (Parecer nº118/62). In: Documenta n.6, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. Currículo mínimo e duração do curso de letras ((Parecer nº 283/62). In:Documenta n.10, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. Matérias pedagógicas para as licenciaturas (Parecer n° 292/62). In:Documenta n.10, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. Estatuto da Universidade de Brasília (Parecer nº 152/62). In: Documentan. 10, Rio de janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. Currículo mínimo e duração do curso de pedagogia (Parecer nº 251/62). In: Documenta n.11, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

______. Currículo mínimo e duração do curso de psicologia (Parecer nº 403/62). In: Documenta n. 11, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1962.

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______. Licenciatura do curso de letras (Parecer nº 234/63). In: Documenta n.17, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1963.

______. Currículo mínimo e duração do curso de letras (Parecer nº 235/63). In:Documenta n. 18, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1963.

______. A reforma universitária na Lei de Diretrizes e Bases (conferência). In:Documenta n. 21(p.98), Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1963.

______. Duração dos cursos superiores (Parecer nº 52/65). In: Documenta n. 34,Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1965.

______. Currículo mínimo de letras – licenciatura de 1º ciclo (Parecer nº 236/65). In: Documenta n.38, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1965.

______. Sobre currículo mínimo e duração a) do bacharelado e b) das matériaspedagógicas da licenciatura (Parecer nº 339-1). In: Documenta n. 55, Rio deJaneiro: MEC/CFE, 1966.

______. Reestruturação das universidades brasileiras. (Parecer n. 442/66). In:Documenta n. 57, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1966.

______. Anteprojeto de lei: estabelece normas complementares ao Decreto-Lei nº53, de 18-novembro-1966. In: Documenta n. 66, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1966.

______. A luta pela universidade no Brasil. In: Revista brasileira de estudos pedagó-gicos n. 107, Rio de Janeiro: MEC/Inep, 1967.

______. Articulação da Escola Média com a Superior. (Indicação n. 48/67). In:Documenta n. 79, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1967; ou com o título original:Continuidade e terminalidade do processo de escolarização. In: Revista brasileira deestudos pedagógicos n. 110, Rio de Janeiro: MEC/Inep, 1968.

______. Reforma universitária (Relatório do grupo de trabalho). Rio de Janeiro: Mi-nistério da Educação/Ministério do Planejamento e Ministério da Fazenda, 1968.

______. Propõe a fixação de normas sobre o reconhecimento de novas universida-des (Indicação nº 5/68). In Documenta n. 81, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1968.

______. Indicação da Universidade de Brasília para realizar exames de sufici-ência. (Parecer nº 158/68). In: Documenta n.82, Rio de Janeiro: MEC/CFE,1968.

______. Normas para reexame de currículos mínimos e duração de cursos supe-riores (Indicação nº 08/68). In: Documenta n. 87, Rio de Janeiro: MEC/CFE,1968.

______. Formação pedagógica para professores de disciplinas específicas doensino médio técnico (Parecer nº 479/68). In: Documenta n. 89, Rio de Janeiro:MEC/CFE, 1968.

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______. Restrições a voto da Câmara de ensino superior sobre aspectos de algunsanteprojetos de Reforma Universitária. In: Documenta n. 90 (p. 47), Rio deJaneiro: MEC/CFE, 1968.

______. A faculdade de educação e a renovação do ensino superior (artigo). In:Documenta n.91 (p.87), Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1968.

______. Curso de letras sem habilitação obrigatória em português (Parecer nº12/69). In: Documenta n. 97, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1969.

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______. Resposta a consulta da Universidade Federal do Espírito Santo sobre apossibilidade, ou não, da criação de curso sem a correspondente unidade universi-tária (Parecer 410/69). In: Documenta n. 102, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1969.

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Condições para obtenção de registro necessário ao seu magistério. (Parecer nº181/70). In: Documenta n. 112, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1970.

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______. Sobre jubilação (Parecer 643/70, [atribuído por erro ao conselheiro T.D.de Souza Santos). In: Documenta n. 118, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1970.

______. Proposta de abolição de aulas aos sábados (Parecer 692/70). In: Docu-menta n. 118, Rio de Janeiro: MEC/CFE, 1970.

______. Consulta da PUC/RGS sobre cursos de licenciatura, inclusive em peda-gogia, para Orientação Educacional (Parecer 695/70). In: Documenta n. 118, Riode Janeiro: MEC/CFE, 1970.

______. Validade de cursos pós-normais do Inep para prosseguimento no cursode pedagogia. (Parecer nº54/71). In: Documenta n. 123, São Paulo: MEC/CFE,1971.

______. Formação de professores para disciplinas especializadas do ensino médio– esquemas I e II – dos setores primário e terciário (Parecer nº111/71). In: Docu-menta n. 124, São Paulo: MEC/CFE, 1971.

______. Disciplinas comuns à graduação e à pós-graduação; doutorados profissio-nais (Parecer nº 236/71). In: Documenta n. 125, São Paulo: MEC/CFE, 1971.

______. “Formação de professores para educação de excepcionais” como habi-litação do curso de pedagogia: doutrina geral (Parecer nº321/71). In: Documentan. 126, São Paulo: MEC/CFE, 1971.

______. Núcleo Comum (Parecer 853/71). In: Documenta n. 132, Brasília: MEC/CFE, 1971.

______. O departamento na organização universitária. Curitiba: Universidade Federaldo Paraná, 1972.

______. Duração dos cursos de licenciatura de 1º grau: letras, estudos sociais eciências (Indicação nº 07/71). In: Documenta n. 133, Brasília: MEC/CFE, 1971.

______. Línguas estrangeiras e literatura portuguesa como integrantes do NúcleoComum. Resposta ao Conselho Federal de Cultura (Parecer nº 142/72). In: Docu-menta n. 135, Brasília: MEC/CFE, 1972.

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______. Duração mínima dos cursos de licenciatura (Resolução nº1/72). In:Documenta n. 135, Brasília: MEC/CFE, 1972.

______. Os estudos adicionais e a nova política de aperfeiçoamento e formação domagistério (Parecer n. 355/72). In: Documenta n. 137, Brasília: MEC/CFE, 1972.

______. Caracterização do que se há de entender por “superdotado” para inscriçãoao concurso vestibular sem os estudos de 2º grau completos (Parecer nº 436/72).In: Documenta n. 138, Brasília: MEC/CFE, 1972.

______. Ensino supletivo (Parecer nº 699/72). In: Documenta n. 140, Brasília:MEC/CFE, 1972; ou na Revista brasileira de estudos pedagógicos (c. 119, n.131),Rio de janeiro: MEC/Inep, 1973.

______. Educação dos “excepcionais” (Parecer nº 848/72). In: Documenta n.141, Brasília: MEC/CFE, 1972.

______. Aprovação das modificações feitas pela Universidade Federal do Cearána segunda fase da sua reestruturação (Parecer nº 55/73). In: Documenta n. 146,Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Faixas etárias em que devem situar-se o 1º e o 2º graus de escolarização(Parecer nº 394/73). In: Documenta n. 148, Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Habilitação específica de nível superior para exercício do magistérionas séries iniciais do ensino de 1º grau (Parecer nº 1304/73). In: Documenta n.153, Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Mínimos de conteúdo e duração a observar na organização do curso delicenciatura em educação artística (Indicação nº 36/73). In: Documenta n. 153,Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Magistério das disciplinas pedagógicas do ensino de 2º grau como“capacitação geral” e como “habilitação específica” do curso de pedagogia (Pare-cer 1294/73). In: Documenta n. 153, Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. “Registro de diplomas de técnico agrícola ... obtidos em regimes anteriores”(Parecer nº1457/73). In: Documenta n. 154, Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Plano de reestruturação da Universidade Federal da Paraíba (Parecer1485/73). In: Documenta n. 154, Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Funções da universidade na implantação do ensino de 1º e 2º graus(conferência). In: Documenta: n. 155 (p.46), Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Hora de atividade ou de trabalho escolar efetivo. Resposta a consulta(Parecer nº 792/73). In: Documenta n. 160, Brasília: MEC/CFE, 1973.

______. Esquema I e Indicação nº 22/72 no preparo do magistério de formaçãoespecial (Parecer nº 1044/74). In: Documenta n. 161, Brasília: MEC/CFE, 1974.

______. Curso de licenciatura em ciências: mínimos de conteúdo e duração.

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Indicação nº 46/74 (Parecer nº 1687/74). In: Documenta n. 163, Brasília: MEC/CFE, 1974.

______. Matrícula por disciplinas e regime de “créditos”. Resposta a consulta.(Parecer nº 1979/74). In: Documenta n. 164, Brasília: MEC/CFE, 1974.

______. Aprovação com frequência inferior a 75%, mas com aproveitamentoexcepcional. Um caso concreto (Parecer nº 2738/74). In: Documenta n. 166,Brasília: MEC/CFE, 1974.

______. Línguas estrangeiras modernas no ensino de 1º e 2º graus (Parecer nº478/75). In: Documenta n. 171, Brasília: MEC/CFE, 1975.

______. Implantação progressiva da licenciatura em ciências (Resolução nº 37/75). In: Documenta n. 171, Brasília: MEC/CFE, 1975.

______. Ensino supletivo: o que ele é pelo que não é (conferência). In: Documentan. 178 (p.20), Brasília: MEC/CFE, 1975.

______. Línguas estrangeiras modernas no ensino de 1º e 2º graus (Parecer nº478/75). In: Documenta n. 178, Brasília: MEC/CFE, 1975.

______. O vestibular e o ensino de 1º e 2º graus. In: Revista educação brasileira n.5, Brasília: CRUB, 1980.

______. Para onde vai a universidade brasileira? In: Para onde vai a universidadebrasileira? Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1983.

Obras sobre Valnir Chagas

CUNHA, Célio da. “Valnir Chagas: ideias e práticas pedagógicas”. In: GARCIA,Walter E. (org.) Educadores do século XX. Brasília: Plano Editora, 2002, p. 325.

CARVALHO, Gláucia Melasso Garcia de. Homenagem. In: Linhas críticas. v. 12,nº 23, (jul./dez.) UnB/FED, Brasília, 2006, pp. 293-296.

Outras referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Federal de Educação. CurriculumVitae. In: Documenta nº 67 (Fev./Mar.), Rio de Janeiro, 1967, p. 103.

______. Ministério da Educação. Conselho Federal de Educação. CurriculumVitae. In: Documenta nº 145, Brasília, 1972, p. 421.

______. Senado Federal. Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961.

______. Presidência da República, Casa Civil. Decreto-Lei n° 53, de 18 denovembro de 1966.

______. Senado Federal. Decreto-Lei n° 252, de fevereiro de 1967.

______. Presidência da República. Lei n° 5.537, de 21 de novembro de 1968.

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______. Presidência da República. Lei n° 5.539, de 27 de novembro de 1968.

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______. Presidência da República. Decreto-Lei n° 464, de 11 de fevereiro de 1969.

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______. Senado Federal. Lei n° 5.882, de 24 de maio de 1973.

______. Presidência da República. Lei n° 9.394, de 29 de dezembro de 1996.

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed., São Paulo:Autores Associados, 2008, 474p.

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Este volume faz parte da Coleção Educadores,do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes

Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco

e impresso no Brasil em 2010.

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