Vestigios de Um Deleterio Divagante

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  V estígios de um Deletério Divagante I   Anoitece, o espelho emudece. A janela aberta. A luz do poste delineia nossos corpos, um vento tépido misturado ao cheiro de tabaco extra- forte, recém aceso, envolvido pelos odores típicos da periferia, me deixam tonto... Quando a olho, ela cobre o seio es qu er do di sc retamente e esba um so rriso calculado, exatamente, em todas as suas dízimas peridicas...  Ao a manhe cer, no !ma" o da cama, nosso s corp os se ro çam, levemente ent r elaçados pela noite dividida, noites de amores desconjurada, para quem t#m par!metros alheios. $la faz um café, eu faço um ci"arro e conto trinta e duas "otas de clonazepan na xícara, aps fico tonto novamente. %eijo- a, afa"o- a e sinto seu toque, seu h&lito, mas de forma mec!nica precisava sair. 'aio sem rumo , pr ocurando distanciar-me dos lu "a r es comuns que me assa lt am de forma si nt om &t ica naquelas enfa donhas redondeza s. (i st raído, qu ase de um jeit o bobo tropeço na calçada, e indiferente reparo no cachorro atropelado com suas vísceras expostas em frente a uma i"reja protestante,  prova velmente nin"uém ir& r ecolher os restos do c)o.  $nfi ei as m)os nos bolsos para ver s e tinha o do *nibus. +o  ponto de *nibus, junto aos que sabem para onde est)o indo, com suas certezas axiom&ticas e desconcertantes, vi sentada em um

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Conto de ficção científica que expõe complexidades de uma mente perturbada.

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Vestgios de um Deletrio Divagante I Anoitece, o espelho emudece. A janela aberta. A luz do poste delineia nossos corpos, um vento tpido misturado ao cheiro de tabaco extra- forte, recm aceso, envolvido pelos odores tpicos da periferia, me deixam tonto... Quando a olho, ela cobre o seio esquerdo discretamente e esboa um sorriso calculado, exatamente, em todas as suas dzimas peridicas... Ao amanhecer, no mago da cama, nossos corpos se roam, levemente entrelaados pela noite dividida, noites de amores desconjurada, para quem tm parmetros alheios. Ela faz um caf, eu fao um cigarro e conto trinta e duas gotas de clonazepan na xcara, aps fico tonto novamente. Beijo- a, afago- a e sinto seu toque, seu hlito, mas de forma mecnica precisava sair. Saio sem rumo, procurando distanciar-me dos lugares comuns que me assaltam de forma sintomtica naquelas enfadonhas redondezas. Distrado, quase de um jeito bobo tropeo na calada, e indiferente reparo no cachorro atropelado com suas vsceras expostas em frente a uma igreja protestante, provavelmente ningum ir recolher os restos do co. Enfiei as mos nos bolsos para ver se tinha o do nibus. No ponto de nibus, junto aos que sabem para onde esto indo, com suas certezas axiomticas e desconcertantes, vi sentada em um enorme banco, uma velha cheia de trapos... Suas ancas ocupavam deploravelmente o martirizado banco. Ela se apoiava num carrinho de feira, cheio de embalagens de produtos reciclveis, exalando uma profuso inspida. Junto ela uma criana com os ps descalos e camisa da seleo brasileira, uma criana com olhar lacrimoso, de quem sabe do abandono prximo. frente da velha, prximo ao meio fio, um homossexual com visual American style, lixava as unhas, pousando o olhar sobre um operrio que passava de bicicleta, descosido. Todas essas cenas aparentemente comuns eram as composies perturbadoras dos descaminhos de quem carece de abismos para contemplar, lugares inspitos para esquecer- se na exausto diria dos simulacros sociais. Nos momentos mais arredios, indomveis e imprestveis tentamos julgar a vida, supondo conden-la, vingar- se dela, sentindo- se de dominado para dominante, mesmo que s vezes, com a conscincia desanuviada, projetemos nossos simulacros sociais ou delirantes, que nos tornam mais cativos, da esperana torpe de uma gloriosa Causalidade conformista, que soa como um acalanto. De repente, sentindo um pouco de nuseas, decidi seguir um descaminho dentro de qualquer nibus, para qualquer lugar, um lugar de outro, momentaneamente s meu, mesmo que insalubre, mas onde pudesse esboroar minha cabea, onde poderia me perder sem preocupaes de encontrar o que se havia desprezado, s vezes pela fragilidade de nossas constituies sociais e fisiolgicas, intrnsecas aos humanos que vivem confinados nas florestas concretadas. Dando uma olhadela no interior do caixote de rodas, havia um assento vago, parecia minha ltima acomodao, cinza, trepidante. Onde guardava memrias de vrios glteos disformes se alternando aleatoriamente na lgica do relgio incerto. Quando o motorista engatou a primeira, uma sbita vontade de saltar, ou pular mesmo em movimento do caixote de rodas rasgando minha carne contra o asfalto superfaturado, dilacerando minhas desvontades, um torpor para minha conscincia ou iluso de possu-la. Em um momento de divagao, inebriado por trinta e duas gotas de clonazepan em uma xcara de caf, o meu destino era incerto, j que eu no havia previamente me certificado qual seria o destino do nibus. Passando por um posto de sade, olhando com olhos de documentarista, agonizei em pensamentos com o juzo perdido. O posto de sade no tratava de doenas infecciosas, pessoas atropeladas, doenas tropicais ou qualquer outra enfermidade fsica ou mental, mas sim, de uma enfermidade social disseminada cientificamente. Mais frente pessoas vagavam errantes por lojas cheias de quinquilharias, com vendedores sedentos por abonos miserveis em seus empregos terceirizados, quase automatizados, para cumprir ordens e satisfazer o patro, que sagaz por aumentar seus empreendimentos, faz sonhos de plsticos e luzes, sonhos to intensamente sedutores e formatadores e distantes e desnecessrios, que cabem num metro quadrado, que fica parecendo um leito na ala de psiquiatria. Trabalhar para manter o leito desumano nesse enorme campo de concentrao, as vezes fica parecendo que estamos sempre preocupados em aumentar o oramento da sade, parecendo um estmulo a economia, parecendo que cavamos nossa prpria cova, o sortilgio da servido moderna, da nossa farsa moderna... Para o mercado livre, que significa livre para explorar, indiferente se o lucro advindo atravs de doenas, sofrimentos... Na verdade maravilhoso haverem doenas incurveis. Mas que o consumo cclico de medicamentos, possa tornar um possvel morto, em um zumbi, uma morte lenta e muito bem paga. E existindo doenas a descobrir, e descobrir um tratamento, e vend-lo para quem puder pagar. Doenas fsicas e mentais, h muitos clientes a satisfazer, a lgica mercadolgica, na tentativa, s vezes de um ser humano profundamente depende de sistemas, seja l quais forem eles, de desvencilhar- se das mais diversas situaes, sempre h uma soluo extremamente lucrativa, para doenas ou para qualquer outra bobagem... Imerso na fantasia de ter o olhar de documentarista, parecia ter esquecido que possivelmente eu era a pessoa mais enferma entre os transeuntes que circulavam sistematicamente nos meus momentos divagantes e inebriados , eu parecia isento da situao, o grande e previsvel Sei que Nada Sei . Devaneando sempre o grande protagonista do momento, nunca era pego desprevenido, simulava uma tosse mentirosa, continuava minha cnica caminhada. Todo esse percurso do descaminho inconseqente que eu decidira analisar, minhas presunes, meus achismos, meus empirismos desleixados, tudo ao mesmo tempo vibrava como uma onda sonora gutural, brutal, dilacerante que entrecortava vez em quando o meu sistema, to desesperadamente simulado, to fragilmente repetitivo. Seguia a esteira habilmente reparada e eficazmente aprisionadora. Entre um farol e outro, e a cada ponto de passageiros, desciam pessoas, como cargas sendo descarregadas, seguiam caminhos distintos com olhares vagos, apticos e roupagem semelhante. II Aportei prximo a uma praa onde eram preservadas rvores nativas, com placas que detinham os nomes cientificamente catalogados das espcies. Porm eram ilustrativas, representavam nossas mais profundas ignorncias e ineficincias. Perto das rvores ilustrativas, o lixo, as guimbas de cigarros se juntavam a garrafas de cervejas e camisinhas, submergidas pela urina acumulada por instantes incalculveis. Do outro lado da rua, vi um bar, me retive por uns instantes para fazer um cigarro. Rumei para o bar, na pretenso de encontrar algum para jogar conversa fora. No recinto havia vrias mesas de sinucas e uma vasta variedade de bebidas altamente confortantes para angstias e deleitveis para quimeras. No balco ovos de codorna, imersos em um liquido misterioso, pareciam adornar o recinto. No recinto as pessoas estavam dispersas fisicamente e em pensamentos. Olhando de relance e de forma ligeiramente desinteressada nas figuras que compunham o ambiente tosco, tentando captar no instante em que se manteria de forma harmnica a relao entre a plpebra e a ris, eu teria que ler as faces estranhas numa piscadela, e a reao qumica ocasionada pela minha curiosidade impertinente, muito possivelmente se traduziria em bbados tabagistas reduzidos a uma aposentadoria nefasta, jovens desempregados perdidos com sonhos comuns. Mulheres no havia, a no ser a do dono do bar, parecia uma sanfona disforme e indecente para olhos e ouvidos cautelosos. Ocupava-se em organizar e limpar negligentemente o balco com um pano encardido, limpava poeira, limpava qualquer coisa no cho e reclamava com sua voz estridente sobre a caixa de gordura estar entupida novamente. De forma sbita irrompeu em meus pensamentos brios, um desprezo profundo por tudo o que compunha aquele cenrio. Cercado implacavelmente por fragmentos de minhas desvontades, as palpitaes no meu peito tornaram- se insuportveis, o suor frio, o olho aberto rigidamente e uma vontade que j no era mais vontade, era a materializao das minhas desvontades. Arrastei- me para fora do bar sob olhares abrasivos, consegui chegar at a rua atrs do bar, encostei- me em uma rvore e soltei o corpo aos poucos, depois de alguns minutos no conseguia mais levantar. Mais ou menos uma hora e meia aps meu desfalecimento, eu precisava urinar, meus braos estavam dormentes, eu no tinha foras nem para abrir o zper da cala, que no tinha zper, mas sim botes. Resolvi urinar confortavelmente na cala, ao tornar a deciso um ato, um desconforto intestinal ocasionado provavelmente pela ansiedade da situao no me deixou opes. Fiz todas as necessidades fisiolgicas ali, cado, imperceptvel. Eu sabia que depois de um tempo, decerto quando minhas fezes j estivessem secas, algum iria me notar, fosse para me chutar como uma pedra obstante ou para socorrer, tal qual se socorre qualquer um. Em uma tentativa de gritar qualquer coisa, fiquei inconsciente... Aos poucos, ainda muito sonolento, as plpebras resistiram, mas se moveram, a luz que incidiu em meus olhos ofuscou a minha dbil tentativa de identificar onde eu estava. Fechando os olhos novamente, tentando recordar- me do que havia acontecido, lembrei de minhas fezes secando, umidificadas pela minha urina que aquecia minhas pernas enquanto eu perdia os sentidos. Alguns minutos depois ouvi uma voz feminina horrivelmente masculinizada perguntando se eu estava me sentindo bem, respondi letargicamente que mais ou menos, sem entender ainda onde eu estava. Como a sonolncia ainda era forte, resolvi ceder opulncia do esquecimento... Algum tempo depois, no saberia especificar o quanto, a sonolncia havia passado por hora, mas ainda com muitas dores no conseguia movimentar ambas as pernas, assombrosamente uma sonda absorvia minha urina, que possua uma cor muito viva, parecia densa, uma cor de cobre envelhecido, lia na urina todas as minhas angstias, ela trazia os componentes qumicos dos processos reativos ocasionados pelos mais diversos psicotrpicos ingeridos por mim, nas tentativas de aplacar alguns desconfortos, sim, parecia que eu estava num hospital. Ser toxicomanaco ou no, j no significava nada, se me dissessem que eu poderia ficar com seqelas irreversveis, limitaes fsicas, ou qualquer outro tipo de limitao, j no importava. J havia algum tempo que eu vinha abusando de alguns remdios, evitando ficar, cara a cara com alguns desgostos, algumas memrias persistentes e demasiadamente inteis, mas que ainda incomodavam por serem memrias do corpo, incomodavam por que tinham vida prpria, e por assumirem uma postura ditatorial em certas ocasies. Agora estava ansioso por saber o que havia acontecido, pois uma sonda quer dizer alguma coisa. De repente ouvi alguns passos, a porta ruidosamente e compassadamente foi sendo aberta, uma equipe, todos com roupas brancas, adentrou rapidamente ao quarto, ou enfermaria j que o lugar onde eu estava ainda me era desconhecido. Um homem de meia idade que se dizia psiquiatra, um sujeito raqutico com a barba por fazer e altura acima da mdia, comeou a explicar o que me tinha acontecido, o mal que me acometera. Comeou explicando que eu havia tido um desmaio por conseqncia da presso baixa e fiquei inconsciente, em uma esquina remota e fui acolhido por populares que acionaram as autoridades competentes e ele dizia: Ns viemos lhe administrar um medicamento, voc vai sentir um desconforto no inicio, mas vai ficar bem... Nesse momento algum puxou meu brao e outro sujeito aplicou uma agulha intravenosa com muita habilidade, mas bruscamente, em alguns segundos tudo comeou a girar e uma voz bem longe comeou a discursar: A Histria est errada, os Historiadores no compreendem as verdadeiras razes do nosso amado Deus! Deus tem seus escolhidos, os que perecem merecem esse destino, O Grande Plano divino agora tem as suas bases para se consolidar. O Imprio Romano, Buda, Jesus, Napoleo, Hitler, Stlin, Frana e Inglaterra, Vaticano e Estados Unidos mesmo somados nada so diante de ti! Deus Amado, agora no h Bandeiras Nacionais, Hinos Nacionais, particularidades e culturas, somente Deus materializado em microchips, todos tero Deus, Amm... As ltimas palavras que consegui escutar foram uma nova sociedade emergiu, agora o mundo uma pirmide imutvel... Quando fiquei consciente novamente, os meus olhos estavam bem, apenas o olho esquerdo estava embaado, j conseguia lentamente firmar o corpo, com um pouco mais de tempo acho que conseguiria andar, mas eu no estava em um leito de hospital, era um quarto pequeno, com pouca moblia e um desenho estranho, uma srie de nmeros aleatrios serviam de fundo para um retngulo envolvido por um circulo onde estampava as seguintes palavras Individualidade coletiva, Paz e Racionalidade... Havia uma cadeira de cor negra. Ao lado da cadeira tinha um cabo, notei que o cabo saia diretamente do assoalho e estava anexado cadeira, possua na extremidade um modelo esquisito de pendrive, no conseguia compreender a situao. Alguns minutos depois, ainda tentando entender um pouco ouvi passos vindo na direo do quarto, dava a impresso de ser uma multido, de repente um silncio... Aps alguns segundos, a fechadura da porta comeou a se movimentar, bem calmamente e a porta foi sendo aberta, trs homens e duas mulheres penetraram abruptamente no quarto, todos estavam com uniformes brancos, de crachs, mas nos seus crachs no havia nomes, somente letras e nmeros, nos homens, do lado direito do trax figurava o desenho que eu analisara no quarto momentos antes, nas mulheres o desenho ficava na regio do ventre. O mais velho dentre eles iniciou um discurso: Uma nova era nasceu para a humanidade, s amarras de um Estado primitivo foram exterminadas, fronteiras, bandeiras nacionais, ideais democrticos, guerras e outras organizaes j no possuem significados. Vamos conect-lo, depois ele ir nos agradecer.... Os outros dois homens vieram para cima de mim, imobilizaram- me e fizeram com que eu me assentasse na maldita cadeira, mas o que eles iriam fazer?! Conectar o pendrive no meu rabo! No, eles ataram meus braos e minhas pernas estrutura da cadeira, depois imobilizaram meu pescoo e comearam a raspar a parte de trs do meu cabelo. De forma horripilante senti algo estranho entre a minha nuca e a minha cabea, algo inorgnico, acoplado. Uma mulher no seu crach constavam os nmeros e letras 000.002.009- XX, ela pegou o cabo e o conectou a estrutura que estava acoplada na minha cabea. Depois de conectar devidamente o cabo ela deu a ordem para que o 000.001.009- XY apertasse a tecla enter. Quando ele terminou eu desmaiei... III Acordei atnito, j levando a mo para detrs da cabea, mas inesperadamente eu estava em casa, bem, com a roupa que eu lembrava ter sado. Minha mulher estava preparando um caf, e para despertar melhor preparei um cigarro, fiquei tonto por alguns instantes. Aps tomar o caf, pedi a ela que se sentasse. Em tom inquisitrio, mas inocente, perguntei o que estava acontecendo, se alguma coisa estranha havia ocorrido, se ela saberia dizer para onde eu havia ido quando sai pela manh no dia passado. Ela respondeu que quando sai no havia avisado para onde eu ia, como de costume, mas que cheguei por volta das trs e meia da manh, deitei- me no sof, liguei a televiso e fiquei assistindo a um canal de contedo religioso, parecia ser um pastor protestante ouvindo alguns fiis desconsolados pelo telefone e pela internet, depois eu adormeci. Eu no conseguia lembrar onde estive, o que acontecera comigo, agora tudo continuava, numa suprema esteira de parada final desconhecida, precisava me acalmar, peguei o frasco de clonazepan e contei quarenta gotas em uma xcara de caf, fiz mais um cigarro e fui para a varanda pensar um pouco, talvez minha sanidade, ou o pouco que restava dela, estava se deteriorando quase, que intencionalmente produzindo efeitos de alucinao... Em minha mente, fragmentos de frases perturbavam minha sinttica calma, palavras como Individualidade Coletiva, Paz e Racionalidade. De certa forma soavam bem aos ouvidos desatentos, enquanto a maioria poderia escutar belos discursos, ouvidos mais atentos se alarmavam com mais uma ideologia desatinada. Estados com Poderes Centralizados, Absolutos, jamais podero fazer nada por nada. Vozes coletivas insensatas h aos milhares, clamam pelos desamparados, pedem melhores salrios para os professores, tratando- os a pancadas, Estados que so verdadeiras anomalias, atados por sistemas, modelos econmicos que resultam em sociedades estratificadas, polticos manipulados servindo a organismos internacionais. A palavra coletividade, praticamente uma infmia para a maioria, com seus microondas, laptops, tablets e tantas facilidades, sem dvida no dimensionam o Estado contemporneo, o grau de interferncia na vida de um sujeito, CPF! Ai est voc amigo, qual o seu CEP? Voc doador de rgos? Qual igreja voc freqenta? Quais as suas marcas preferidas? Tm balada , hoje est a fim? Vai ter doce... Eles devem saber de tudo, ou quase tudo, pelo menos o que passa pelas mquinas. Onde voc estiver tem algum disposto a lhe vender algo, qualquer coisa que no tenha valor de mercado, algo que eles no ocupem mais, como seus corpos amorfos. Parado em qualquer pontilho, voc pode contemplar os carros, eles vem, eles vo, correm, e tem uma pressa alarmante. Os nibus coletivos com suas cargas mveis e conformadas seguem ao lado de carros que valem o triplo, monetariamente falando, e que se exibem com seus designs sofisticados, nossas espaonaves de rodas. Tambm carregam cargas com bpedes, que parecem seres selecionados, como os louros guerreiros do terceiro reich, avanando mata adentro, travando guerras de tolos, nas Florestas de concreto superfaturado. Os olhares que saem do caixote de rodas, no condenam suas injustias na mquina, no... Eles contemplam a mquina, se vem dirigindo a mquina to sedutora, traria tantas coisas juntas, suas vaidades seriam plenamente satisfeitas. A esperana num jogo de loteria, numa possvel prece solitria, esperando desgraadamente, com as carcaas se degenerando, uma virada no jogo, na vida, no futebol. Eu poderia at sentir a mo divina tocando seus desgostosos, delicadamente mexendo os pauzinhos, tirando um daqui outro acol, podando alguns galhos j cansados do oficio de ser galho, fazendo um adianto e continuariam uma prece cedo, outra tarde e muito brevemente a derradeira antes de dormir, e se no der certo os desejos, a vontade divina, nada h para lamentar. Amm... Entre avaliaes comuns transmutadas em idias que negavam as prprias idias, na natureza urbana, vagando aleatoriamente tentando equilibrar- me no meio fio, imaginando um gro de areia, ou sua menor parte, na sua ilimitada indivisibilidade, uma brisa ameniza a solido atmica. Mais adiante uma nuvem escura d outro tom a minha pele plida, apesar de morena. Pensamentos desintegram o que era palpvel. melhor ficar em estado catatnico e esperar por ela, da minha forma grotesca e exasperada, vou clamar a ela que me trate como um filho tal qual deve se tratar um, confortando- o, acariciando- o, e talvez com uma cantiga bonita para eu artificialmente saber como ... Solido Atmica, sei que no alvio de um afago, na tentativa de no lembrar, sempre estar esperando por mim. Solido atmica, exata, pontual e com memria de elefante, serei deglutido, serei neblina de cigarros, nmeros de clulas inexatas... IV Fiquei horas olhando literalmente para a parede, Isabel no parava de me importunar para que fossemos ao mercado comprar o necessrio para o fim de semana. Isabel, era linda, vislumbrava qualquer homem, chegava a me incomodar sair ao seu lado. Nossos pais j haviam falecido cinco anos. Para ela era uma lembrana vaga, j se acostumara a sermos somente ns dois, irmos, marido e mulher, a porcaria do filme A lagoa azul se configurara para ns, simplesmente nada restara para ns, a no ser o irmo e a irm, frgeis, imorais, sem misticismo barato, e tudo tinha que ficar no anonimato. Seriamos chamados de bruxos, tal qual na idade mdia, arderamos em fogo para dissipar o nosso amor deveras resignado. Preciso resolver a nossa situao, estabelecer novas diretrizes para ns, verificar no banco como transferir todos os bens que restaram para Isabel, se j decidimos que no tentaremos ter filhos, quem sabe futuramente poderia adotar uma menina, para Isabel se sentir menos s. Meu trabalho, que apesar de ser um estorvo, era minha nica renda, no somente para mim, mas tambm para Isabel. O laudo emitido pelo Psiquiatra constatou um quadro de ansiedade, totalmente controlvel com as dosagens certas dos medicamentos. Mas, no era o suficiente, eu gostaria de me aposentar, dedicar- me mais aos prazeres que no so comprados, mas conquistados. Qualquer tipo de psicose, esse era o laudo que eu precisava, facilitaria o processo de aposentadoria, por invalides, mas o laudo ter que fazer referncia a origem da psicose, na rotina do trabalho, pilhas de documentos para digitalizar, tendo que cursar o ensino superior e trabalhar, cuidar da irm e mais a ansiedade crnica, deixaram-me em estado debilitado. Algumas simulaes, alguns choros descontrolados, poderiam at entregar minha tutela, para Isabel, eu seria louco para os distantes, e a sanidade que incomoda para minha irm e amante Isabel, doces so seus lbios, e a mama rosada... Todos podem bradar, condenar ou lamentar por nossas pobres almas, eles dizem malditos, eu digo no consigo escutar o que dizem ai de baixo, mas na maioria das vezes permaneo calado. Nesse momento muito sutilmente Isabel laou- me por trs com sua sada de banho, roou seus seios nas minhas costas, e com lgrimas nos olhos, rogou para que a amasse para sempre, no a deixasse, que agentaria outra mulher se fosse necessrio. Fiquei perplexo com a situao, ela j era mulher, e se entregando j sem foras, sem alguma nova perspectiva, ou outro rumo, aquela relao incestuosa era sua dependncia. J estava anoitecendo e eu queria sair, mas antes dei um calmante Isabel e esperei junto a ela para que dormisse. Aps ela dormir, preparei um caf e um cigarro, na xcara de caf contei quarenta gotas de clonazepan, fumei, esperei o caf esfriar e sem saborear, engoli de uma vez. Fui para o banheiro e com um anti-sptico bucal aliviei a amargura de todos os componentes ingeridos. Fechei todas as janelas, voltei ao quarto e a cobri, porm liguei o ventilador contra a parede, aps, desliguei o gs, o telefone e todos os eletrnicos da casa. Tranquei a porta e o porto, preparei mais um cigarro e segui rumo ao ponto de nibus. Eram vinte e duas horas, e quase no havia ningum na rua, a no ser viciados, mini-traficantes e travestis aberratrios. Toda aquela redondeza maculada pela desigualdade social crnica era o sinal de uma enfermidade social disseminada cientificamente, o descaso humano tinha natureza na inverso e inveno das necessidades. Eu vivia em dois mundos, um era a tranqilidade da pseudo-casa, com um componente complicado, o outro era a cidade, o subrbio, o centro, os grandes edifcios, manses, Bancos e outros componentes complicados. Do hiato que h na vida, procuramos evitar certas decises, pelo qual podem surtir efeitos diversos. Posso tentar isolar- me junto Isabel, mas saberia que ela ficaria cansada dentro de poucos meses, at o espelho poderia causar repudio. Isabel e o resto, eu transitava entre dois mundos, um delicado e avassalador, outro obscuro, porm sedutor. O que estaria ao meu alcance e, ao aleatrio? A minha impotncia diante de tantos fatos, das minhas fraquezas e conscincia da fraqueza, era desesperadamente uma forma de punio inconsciente, autopunitiva. Tentar fazer qualquer coisa em circunstncia nenhuma poderia resultar em mudanas significativas na totalidade da sociedade. Mortes, guerrilhas, contravenes ou o que seja contraveno de qualquer natureza poderia resultar em algo significativo para as mudanas necessrias. O que fazer? Seguir o curso do rio, na esperana que ele desge no mar, qualquer que seja, por mais arredio que seja... No em minha mente parecia que eu tinha o controle da situao, sempre fui calculista, ou pensava ser, j levei tombo, mas depois de um tempo bambeando as pernas, tentava novamente. Os remdios no me afetavam como os mdicos faziam previses, nos ltimos dias, nas andanas aleatrias tive alguns piques de confuso entre a realidade ou que eu achava que era realidade e minhas divagaes inebriadas, eu posso ter ficado em transe mais tempo do que poderia. Objetivamente traando as escolhas que no teriam volta, percebi que a mais urgente era o caso de Isabel. Em tudo que fosse fazer, teria que levar em considerao o bem estar de Isabel. Minha pequena, parece to frgil, as mos to delicadas, um mundo to horrivelmente monstruoso que no acolhia suas lgrimas solitrias, por serem de origem inconfessvel. Apertava o peito dela contra o meu e chorava descontroladamente, e eu sendo seu irmo e marido a consolava invariavelmente. Morrer ficou mais angustiante para mim. Embarquei num nibus que passaria pela avenida principal da cidade e iria para o shopping principal dessa Necrpole. Decidi ficar no maldito reduto de quinquilharias de marcas. Nada havia para apreciar, a no ser as mulheres em geral, com seus corpos bem delineados, roupas supostamente confortveis e atuais, e uma repulsa no tratamento com os empregados e subservientes, maquilada em belos sorrisos e gentilezas matemticas, causavam em mim estranhamente aquela velha conhecida vontade de sumir como um relmpago, estarrecido com mais composies impertinentes. A necessidade humana do toque evidente, mas nessas andanas o desespero e a fraqueza e conscincia da fraqueza do sujeito submisso a ignorncia disseminada, as normas ditatoriais e formataes humanas, tudo controlvel pela superestrutura tecnocrtica intocvel. Quem se torna smbolo da superestrutura controla o Estado. Mas tambm devidamente controlado. Desejo pela eternidade, quantos seres humanos no se debateram com esse desejo? Perpetuar- se no poder, carrega esse sentimento de ter a iluso de que permanecer no pice da estrutura poder lev-lo para mais perto da eternidade, houve milhares de idiotas que de uma maneira ou de outra acharam que poderiam ser o smbolo de uma nova religio, de uma nova doutrina em uma outra vida, mais serena, mais adequada a seus gostos nobres, imagine so centenas de milhares de idiotas em delrio coletivo, e nem todos cabem nas covas... Meus achismos polticos quando expostos sempre so ridicularizados, as grandes curiosidades que pairam sobre a ao do individuo, quando livre, tendo acesso aos meios mnimos de sobrevivncia, sem classificaes de rico e pobre, o que parece impossvel. Abnegar uma parte dos seus bens para uma ao mais coletiva sem que alguns comecem a gritar: IDELOGO MARXISTA! Comunista! Hipcrita!- O que essas palavras significam? O que elas tm a ver com a vida? Democracias, livre mercados e bilhes de Escravos, simples no preciso ir muito longe, Monoplios, Iluso de liberdade, o que a maioria dos transeuntes que circulam sistematicamente nos centros urbanos poderia declarar a respeito deste assunto? Ou a respeito dos ismos. Bem, tenho uns desajustes mentais e mais alguns problemas com psicotrpicos, provavelmente estou extremamente desequilibrado. Muitos gostam de ouvir: Esse ai louco, tanta droga! Chega a sair um excedente de saliva pela loucura demonstrada e legitimada pelo doutor Psiquiatra. Li um autor escrevendo sobre o prazer de estar certo. Na avaliao desse autor o prazer da verdade ou prazer da verdade absoluta to intenso que inebria alguns homens, os resultados das diversas cegueiras do homem, inebriados ou no faria chorar o maldito capeta das velhinhas desenganadas. Vou ver se esqueo esse assunto esgotado, mas j configurado. Vou voltar para casa, para o meu simulacro principal, Isabel... V Quando cheguei em casa, estava tudo devidamente certo, Isabel ainda estava dormindo, desliguei o ventilador e a cobri novamente, ao levantar a cabea para sair do quarto, fiquei com os olhos estticos. Fiquei desnorteado olhando para o maldito desenho e as malditas palavras que figuraram na minha real fantasia, nmeros aleatrios que serviam de fundo para um retngulo envolvido por um circulo e as palavras Individualidade coletiva, Paz e Racionalidade, na parede do quarto de Isabel, uma fantasiosa realidade assumia moldes de uma percepo permitida somente por ervas indgenas, que eu experimentara na adolescncia, mas que se encontravam em esquinas das cidades, sendo usadas como plantas ornamentais. Corri para a sala, tranquei a porta, depois fechei as janelas, na cozinha peguei uma faca qualquer, no havia muito tempo para pensar, Isabel estava dormindo, eu no podia assust-la, com uma histria fantasiosa de conspiraes e possveis conflitos. Parei por uns instantes para pensar no que estava acontecendo, porque o maldito desenho estava no quarto dela, seria alucinao, o que significaria todos esses eventos de ocultismos e velhas ideologias parecendo peas de museus. Seria todo produto de minha mente insana, eu poderia estar profundamente doente, o louco no sabe que louco. Eu propriamente poderia ter desenhado e depois esquecido, que desenhei, quem sabe o que realmente acontece, com profundo domnio do que era antes e do que era depois, tive um pico de ansiedade, mas passou, vou verificar a casa e deitar- me junto Isabel... Havia muita confuso mental e uma batalha homrica ocorria em minhas entranhas, o convencional, a velha idia que plantada na mente do individuo doutrinando- os nas escolas de que esse mundo sempre foi assim nos no podemos mudar a maior parte de nossa vidas, ou est em deus ou no acidente csmico, tudo foge e escapa e absorve atravs do buraco negro do tempo ou aquilo que as pessoas acham que o tempo, dez, vinte, trinta anos contados a partir de ponteiros que se tornaram junto com outros elementos, a norma vigente, sentimo-nos sem motivao e como seres desgraados numa terra errante que insisto nos escapa a todo momento. Funciona e faz funcionar bilhes de seres humanos oprimidos enganados por vrios dolos, terrestres ou no, de uma causalidade nefasta, todo o controle parece estar fora de ns e ns acreditamos, sedentos por uma explicao que no fuja do convencional, ou deus ou o aleatrio, eis o nosso cativeiro mental. Observamos e avaliamos, mesmo com uma cpula de abajur enfiada na cabea... Olhar ao meu redor e seguir vivendo ignorando algumas suspeitas a respeito de quem eu sou? Como cheguei a isso? E esses inconsolveis molestadores mentais? Por que tudo quer nos escapar, quer nos conformar? Se podemos funcionar como uma mquina programada, condicionada, algo que nos supera detm esse conhecimento, numa linha imaginaria atravs da historiografia convencional, poderia contemplar a mentira, como uma mascara para no pensarmos em todas as injustias que j vivenciamos, conosco e outros, nesses inmeros casos de estranhamentos da vida. Por estranhamento quero ser mais especifico, quando voc anda pela cidade e podemos generalizar, por que o mundo esta cada vez mais uniforme parecendo uma grande Corporao Monoltica e monopolizadora, as enfermidades disseminadas cientificamente com total apoio psiquitrico, estranhamentos que muitas vezes, quando nos afastamos desse modelo de sociedade e suas regras totalitrias, sentimos o horror de que o que foi plantado como fico em nossas vulnerveis mentes, comea emergir como uma Nova Ordem, o que era oculto comea a tomar forma e ela no humana, dizem que nem terrestre. H muita especulao a respeito de raas que possuem uma descendncia gentica reptiliana e manipularam com engenharia gentica o homo erectus que habitava nessa esfera csmica, criaram o homo sapiens, que permitiu a essa nova raa, hibrida, servir-lhes como escravos, h milhares de anos, servindo aos mestres colonizadores espaciais. Eles colonizaram a terra e se diziam deuses, parece absurdo, ou algum manipulado de outro jeito, tudo um grande estranhamento. VI- Final Tudo martelava e esfolava a minha cabea, j ouvi muitas historias de que o homem serve apenas como escravo de uma raa superior, uma raa que reivindica esse planeta como sua colnia, por serem de origem mais antiga, evoludas a partir de rpteis, seiam como os nossos predadores. O homem, seria apenas o veiculo para que o mundo material e a sustentao de poucos por muitos se mantivesse intacta. Ainda h Estados Absolutistas Totalitrios sob comando quem sabe, do Corporativismo Internacional em reas que nos nem imaginamos, esse o mundo que me foi apresentado e que ser at quando no puder agentar mais e de uma forma mutvel e imperceptvel sairemos para uma forma mais assombrosa e estagnada, uma forma cada vez mais profunda de escravido. Muitas informaes podem paralisar um sistema e ele desliga para no morrer. O desespero ao entender que nascemos num cativeiro como gados confinados, o conceito de liberdade foi corrompido ou nunca existiu, podemos at esquecer o que j falaram sobre liberdade, eu mesmo no tinha a mnima idia de como funcionava fora do foco. Meus pais que foram de forma irredutivelmente doutrinados atravs da lobotomia medicamentosa, sonora e visual. Funcionavam como um relgio ingls, pontualmente insosso. Percebi que j no conseguia dormir, tudo girava... Porque eu no continuei na fila, quieto, querendo ou no vo nos forar o matadouro e dizer que um mundo melhor... Gostaria de ter uma viso mais ampla do que realmente acontece ao meu redor, das conexes que nos escapam e controlam os instantes irrecuperveis, afastando das possibilidades, que seriam mil se no fosse a manipulao da nossa percepo, que possui espessura de uma casca de ovo. Refletir e obter do cio algumas possveis ilusrias respostas, algo que possa satisfazer as necessidades e desejos de realidades, as reaes qumicas desejosas, tomos que vibram em consonncia com os desejos mais exigentes, e que apesar de serem apenas reaes qumicas ocasionadas por amores e medos, frutificam freqncias diferentes e resultados infinitos. J no possvel manter a neutralidade, j no possvel esquecer os vestgios do que foi observado e do que foi subjetivamente vivido. Poderia viver o revs de tudo que foi chamado verdade? Sem falsas nostalgias e pretenses de melhorias da humanidade, por que de qualquer forma seria melhoria ditada, com resultados sempre catastrficos e indecentes para o bom senso, ou eu tomo as rdeas do meu desastre maquilado ou continuo na fila, esperando, esperando... Quando me desfiz por alguns momentos, da confuso que pairava sob os lugares mais recnditos do ser humano, no caso nas minhas entranhas, lentamente fui fechando os olhos e piscando cada vez menos, at adormecer. Devo ter dormido algumas horas, ao tentar levantar da cama espantosamente meu pulso esquerdo estava algemado a estrutura da cama, agora em minha pseudo-casa, refm da minha mente, dominada por foras exteriores. Fiquei exatamente como estava, agora no havia perplexidades, nem absurdos. O que poderia me acontecer? Morrer. De qualquer maneira eu haveria de morrer ora ou outra, o meu estado miservel seria esperar a deciso de quem decidiria isso. Fiquei alguns minutos sem nenhuma reao, de repente sem cerimnia alguma Isabel estava minha frente com as pupilas extremamente dilatas. Ela ficou alguns segundos em silncio, esperando que eu notasse a gravidade da situao, e com sua voz aveludada disse: Suas observaes a respeito de tudo que tens visto durante a vida trouxeram- lhe uma resposta. Mas, acho que voc deve imaginar qual meu caro irmo. Depois de terminar sua entrada, seguiu-se uma risadinha spera e esperou uma reao minha. Mas que reao previsvel ela esperava? Eu comeava a duvidar, suar, queria chorar e me debater no cho. Desejo por realidade, uma realidade subjetiva que atenderia a vontade da minha vontade, cega e repetitiva. Nada havia para discutir e simplesmente disse ela: Se quiseres pode matar- me agora, o que esperas? Uma ordem? Sem mover um msculo do rosto ela suavemente disse: Acha que fcil assim, morrer? Pensas que tem o controle sobre alguma coisa? Pensas que sou sua irm, depravado? Acha que uma relao incestuosa poderia ser vestgios de estranhas civilizaes, obteve respostas em livros? Estpido, no h livros livres da manipulao, como no h informaes concretas para se chegar uma concluso exata das possveis origens do que quer que seja, seu idiota! Ela conhecia minhas angstias, de uma forma estranhamente ntima, como algum que sabe segredos acessando diretamente meu hipocampo, algum alm do passado. Ela apertava onde tinham feridas, feridas da ignorncia alheia. Onde pairava o desconhecido, onde h uma dor comum para todos, bem, na verdade uma dor de todos e de nenhum, por que sente-se somente quando est chegando o fim, na verdade no sei se onde realmente comea, um fim , um comeo. Quando Isabel terminou de falar percebi que o meu lugar na esteira de parada final desconhecida, j no era to desconhecida. Ento ela tirou uma seringa j previamente preparada do bolso e disse: Bom felizmente para continuarmos o processo, bem, voc est vendo a agulha, um pouco maior, muitas outras viro, no vacile agora, seno teremos que descart-lo sem experimentos, para voc simplesmente uma dose de nanotecnologia auto-replicante, faa uma anlise de tudo agora. No gosta de criticar tudo, no o grande pensador? Oh! Grande pensador! E agora quer saber da sua verdade? Ou achas que o mundo um grande relativismo, sempre uma nova perspectiva tua espera. Agora no tenho mais tempo para perder contigo, quer ver o desenrolar da sua supresso ou quer acordar no seu novo mundo? Lhe dou dois segundos para escolher.... Ela estava muito segura a respeito do que dizia, e eu no tinha opes a minha disposio. Ento olhei ao redor do quarto, foi nesse momento que percebi que j no estava em casa, ou melhor em minha pseudo-casa. Eu estava num leito hospitalar, poderia ser qualquer lugar nesta cidade, poderia ser at um esgoto, pois no fazia diferena. Respondi que gostaria de ver a minha supresso, ela olhou fixamente nos olhos e completou: Idiota! Ainda acha que tem escolha. No percebe que tal qual um verme quando pisado, voc deveria se enrolar e esperar pacientemente a prxima ao do seu dominador. Havia o meu descaminho, que eu tanto analisara, os meus percalos, as minhas incertezas e agora minha supresso. Simplesmente me tornei to importante quanto um verme. S no agi altura desta magnfica criatura que nos degradam por dentro. No me enrolei como a majestosa criatura vermiforme. Entender, s vezes queria compreender de uma forma mais abrangente a totalidade dos fatos, das interpretaes diversas . Buscando na superfcie das minhas lembranas o que eu havia me tornado, sempre me escapava alguma coisa. Compreendi que no havia entendimento, enxerguei que enquanto eu contemplava o sorvete e tentava entend-lo ele derretia imparcialmente. Se me querem ter apenas como um possvel resultado e talvez descartar- me como smen depois de uma masturbao juvenil, bem, j me masturbei e no tinha muito carinho pela minha poro plasmtica. Ento com os dois segundos findados ela pediu para que esticasse o brao e disse: Caro irmo depois de terminada a sua supresso, simplesmente no ir lembrar absolutamente de nada, assim como o resto dos idiotas que trilharam o caminho que no h retorno, assim como a humanidade que no momento que est acordando, levada a estaca zero por um longo sono pelos seus mestres... Havia outros atormentados passando a mesma situao naquele momento? Estava acontecendo em todo o mundo? A mentira que eu vivia era uma mentira coletiva, crvel por que era respaldada por todos? A agulha estava a alguns milmetros da minha veia e muitas imagens, imagens onde eu podia me ver, andando, observando, agonizando, fazendo amor... A ltima imagem que estacionou, tinha as feies de meus pais, eles jogavam flores enquanto desciam meu corpo j deteriorado num buraco, que no possua nem sete palmos de profundidade. Minha irm tambm figurava na cena, ela segurava uma seringa e abraava nossos pais, no final ela deu seu sorriso spero e ordenou: Ele j est conectado, aperte Enter...Juan Hernandes