Vieira Brasil Holandes 2012

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Brasil Holandês história, memória e patrimônio compartilhado

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holanda

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  • Brasil Holandshistria, memria e patrimnio compartilhado

  • Brasil Holandshistria, memria e patrimnio compartilhado

    Hugo Coelho Vieira

    Nara Neves Pires Galvo

    Leonardo Dantas Silva

  • Copyright 2012 Instituto Ricardo Brennand

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990,

    que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    Publishers: Joana Monteleone/Haroldo Ceravolo Sereza/Roberto Cosso

    Edio: Joana Monteleone

    Editor assistente: Vitor Rodrigo Donofrio Arruda

    Projeto grfico, capa e diagramao: Allan Rodrigo

    Traduo: Sarah Caroline Bailey/Eduardo Germnio

    Reviso: ris Morais Arajo

    Imagem da capa: Engenho, de Frans Post (1661)

    Alameda Casa Editorial

    Rua Conselheiro Ramalho, 694, Bela Vista

    cep 01325-000 So Paulo, SPTel. (11) 3012-2400

    www.alamedaeditorial.com.br

    cip-brasil. catalogao-na-fonte sindicato nacional dos editores de livros, rj

    V241b

    brasil holands: histria, memria e patrimnio compartilhadoHugo Coelho Vieira [et al.] (orgs.).So Paulo: Alameda, 2012. 338 p.

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-7939-148-4

    1. Brasil Histria Domnio holands, 1624-1654. 2. Holandeses Brasil Sculo XVII. 3. Brasil Civilizao Influncia holandesa. I. Vieira, Hugo Coelho.

    11-5846. CDD: 981.61 CDU: 94(815.61)

    029374

  • Sumrio

    Apresentao

    Introduo

    Prefcio

    Parte 1 - Historiografia do Brasil Holands

    A obra de Jos Antnio Gonsalves de MelloEvaldo Cabral de Mello

    No tempo dos flamengos: memria e imaginaoPedro Puntoni

    As perspectivas da Holanda e do Brasil do Tempo dos flamengosErnst van de Boogaart

    Parte 2 - Arte, Iconografia e Cultura Visual no Brasil Holands

    A obra de Frans Post Bia e Pedro Corra do Lago

    O envolvimento mitolgico do Brasil Holands: interpretao dos trabalhos de Albert Eckhout e Frans Post (1637-2011)

    Rebecca Parker Brienen

    Frans Post, a paisagem e o extico: o imaginrio do Brasil na cultura da Holanda do sculo XVII

    Daniel de Souza Leo Vieira

    21

    7

    19

    31

    11

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    13

    65

    67

    75

    91

  • Parte 3 - Estratgias, Dinmicas e Histria no Brasil Holands

    Joo Maurcio: um prncipe renascentista Leonardo Dantas Silva

    A estratgia da saudade: aspectos da administrao nassovianaRicardo Jos de Lima e Silva

    Jerusalm pernambucanaRonaldo Vainfas

    Entre os rios e o mar aberto: Pernambuco, os portos e o Atlntico no Brasil holands

    Rmulo Luiz Xavier do Nascimento

    Percursos feridos: homens de guerra nas tramas do tenebroso mundo Atlntico e nos labirintos da capitania de Pernambuco, de 1630 a 1635

    Hugo Coelho Vieira

    Parte 4 - Memria, Acervos e Patrimnio Compartilhado

    O Instituto Arqueolgico e os estudos sobre o Brasil HolandsGeorge Flix Cabral de Souza

    O museu sinagoga Kahal Zur Israel e a memria holandesa em Pernambuco Daniel de Oliveira Breda

    Memria e cultura partilhada Marcos Galindo

    O espao-dinmica organizacional em perspectiva histriaPaulo Emlio Martins

    123

    125

    141

    165

    193

    223

    253

    255

    277

    295

    323

  • foi pensando na trade Museu, Pesquisa e Educao e com o objetivo

    de trazer contribuies importantes no que se refere discusso sobre o

    perodo da histria, tradicionalmente conhecido como Brasil Holands,

    que o Instituto Ricardo Brennand, em virtude do ano da Holanda no

    Brasil, realizou, de 16 a 19 de novembro de 2011, o I Colquio Internacio-nal sobre o Brasil Holands: Histria, Memria e Patrimnio Compartilhado.

    Referncia nacional no que se refere ao acervo sobre o Brasil Holan-

    ds, o Instituto Ricardo Brennand abriu ao pblico pela primeira vez com

    a exposio Albert Eckhout volta ao Brasil: 1644-2002 e abriga hoje uma im-

    portante coleo do pintor Frans Post, reunindo vinte quadros que cor-

    respondem a dez por cento da produo hoje conhecida deste artista no

    mundo. Compem ainda esta Coleo obras raras, documentos, manus-

    cristos, alm da biblioteca particular do historiador Jos Antnio Gonsal-

    ves de Mello, ao qual muito nos orgulha ter a sua filha, Diva Gonsalves de

    Mello, trabalhando quase que diariamente, h dois anos, transcrevendo

    os textos e anotaes deixados por seu pai, ora em folhas avulsas ora nas

    contracapas dos mais de 5 mil livros provenientes de sua biblioteca, ad-

    quirida pelo colecionador Ricardo Brennand em 1999.

    Apresentao

  • 8 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    Uma instituio ainda jovem, prestes a comemorar o seu dcimo ani-

    versrio, o Instituto Ricardo Brennand tem contribudo significativamen-

    te para o desenvolvimento cultural da Regio Norte-Nordeste, colocando

    Pernambuco na rota de importantes exposies e provocando, desta ma-

    neira, o estmulo visitao do pblico em museus. Em 2006, com a cria-

    o do Ncleo de Pesquisa, o Instituto Ricardo Brennand vem transfor-

    mando espaos e acervos em laboratrio de pesquisa e experimentao,

    possibilitando a produo do conhecimento atravs de aes educativas

    e culturais. Em 2011, em virtude do ano da Holanda no Brasil, o Instituto

    realizou o seu primeiro Colquio sobre o Brasil Holands, que assumiu um

    papel importante neste processo de comunicao cientfica e agilizando a

    transmisso do conhecimento para estudantes e demais interessados por

    este perodo da histria.

    com honra e orgulho que realizamos este importante evento

    de carter cientfico, financiado pela Embaixada do Reino dos Pases

    Baixos em parceria com o Arquivo Histrico Judaico de Pernambuco,

    Instituto Arqueolgico, Histrico e Geogrfico de Pernambuco, Fun-

    dao Joaquim Nabuco/Museu do Homem do Nordeste, Universidade

    Federal de Pernambuco, representada pela Ps-Graduao em Histria

    e seu laboratrio Liber, Universidade de Pernambuco e o seu Instituto

    de Apoio (IAUPE) e Fundao Getlio Vargas, atravs do Programa de

    Estudos de Administrao Brasileira.

    A presente publicao rene artigos de especialistas que partici-

    param do Colquio de modo a proporcionar um leque de reflexes

    atuais e relevantes, discutidas sob a tica da memria e do patrimnio

    compartilhado entre o Brasil e a Holanda. Quero externar meus agra-

    decimentos a todos os conferencistas, de modo especial ao Embaixa-

    dor Evaldo Cabral de Mello, que aceitou o desafio de abrir o nosso

    evento por vdeo-conferncia encarando todos os aparatos tecnolgi-

    cos e que, em seu artigo, ressalta a importncia da obra do historiador

    Jos Antnio Gonsalves de Mello, cuja biblioteca particular encontra-

    -se salvaguardada neste Instituto.

  • 9Apresentao

    Ronaldo Vainfas, Pedro e Bia Corra do Lago, Rebecca Parker, Paulo

    Emlio Martins, Rmulo Xavier, Pedro Puntoni, Leonardo Dantas, Ernst

    Van den Boogart, Marcos Galindo, Aruza de Holanda, Marlia Azambu-

    ja, juntando-se aos trabalhos acadmicos de jovens pesquisadores e no

    por isso menos importantes, como Daniel Vieira, Daniel Breda, Ricardo

    Lima e o nosso estimado Hugo Coelho Vieira idealizador deste Col-

    quio e pesquisador do Ncleo de Pesquisa deste Instituto no poupa-

    ram esforos em compartilhar as suas pesquisas sobre arte e historiogra-

    fia do Brasil Holands, estratgias e dinmicas no Atlntico Holands e

    modos de governar do Conde Maurcio de Nassau.

    Esta publicao integra a misso deste Instituto em constituir, pes-

    quisar e difundir um acervo museolgico, bibliogrfico e arquivstico

    voltado preservao da memria, da arte e da cultura, em especial

    do Brasil Holands, possibilitando a circulao destes textos no pas,

    tornando a produo do conhecimento mais acessvel e fomentando as

    discusses sobre a histria, a memria e o patrimnio compartilhado

    entre o Brasil e a Holanda.

    Nara neves pires galvo

    Coordenadora Geral do Instituto Ricardo Brennand

  • na lio do poeta portugus, quando Deus quer, o homem sonha e a obra

    nasce. Como no poema de Fernando Pessoa, para a realizao I Colquio

    Internacional sobre o Brasil Holands Histria, Memria e Patrimnio Compar-tilhado, Deus quis que a terra fosse toda uma, e Que o mar unisse, j no se-parasse, de modo que o conhecimento da vida e da obra desse perodo se

    tornasse revelado, afastando a poeira do tempo e as espumas dos sculos

    que o encobriam.

    Para isso Deus quis que homens de nacionalidades, saberes e atividades

    diferentes dessem s mos e, diante de um s ideal, voltassem aos estudos

    acerca do perodo do Brasil Holands, compreendido entre 1630 e 1654, em

    colquio realizado na cidade do Recife entre os dias 16 a 19 de novembro de

    2011, sob os auspcios do Instituto Ricardo Brennand com apoio da Embai-

    xada dos Pases Baixos e outras entidades nominadas neste volume.

    Na reunio em questo, estudiosos do Brasil Holands, especialistas

    dos mais diversos conhecimentos estiveram expondo e debatendo ideias

    que muito contriburam para o aprimoramento do conhecimento de to im-

    portante tema.

    Os resultados dos seus pronunciamentos esto reunidos nas pginas

    deste livro que o Instituto Ricardo Brennand tem a honra de coeditar com a

    Introduo

  • 12 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    Alameda Casa Editorial (So Paulo) em colaborao com as diversas insti-

    tuies participantes de to importante evento cientfico.

    O Colquio contou com a participao dos palestrantes Evaldo Cabral de Mello, a quem coube fazer a videoconferncia de abertura, seguindo-se

    de Ronaldo Vainfas (UFF), Rebeca Parker (Universidade de Miami), Pedro e

    Bia Corra do Lago, Daniel de Souza Leo Vieira (UFPE), Paulo Emlio Mar-

    tins (FGV), Ricardo Lima (UPE), Pedro Puntoni (USP), Leonardo Dantas Sil-

    va (Instituto Ricardo Brennand), George Cabral de Souza (Instituto Arque-

    olgico Histrico e Geogrfico Pernambucano), Cristiano Borba (FUNDAJ),

    Ernst van den Boogaart, Ricardo Jos de Lima e Silva (UFPE), Rmulo L. X.

    Nascimento (UPE), Daniel Breda (Arquivo Judaico de Pernambuco), Mar-

    cos Galindo (UFPE) e Hugo Vieira Coelho (Instituto Ricardo Brennand).

    Paralelamente ao ciclo de palestras foram ministrados trs pequenos

    cursos: Os artistas holandeses e a representao do Brasil, a cargo dos professo-

    res Daniel Leo Vieira (CNPq-UFPE) e Marlia Azambuja Ribeiro (UFPE);

    Fontes, acervos e metodologia para pesquisa do Brasil holands, por Marcos Galin-

    do (UFPE) e Aruza Holanda (Instituto Ricardo Brennand); Brasil Holands:

    histria e historiografia, por Daniel de Oliveira Breda (Arquivo Histrico Ju-

    daico de Pernambuco) e Hugo Coelho Vieira (Instituto Ricardo Brennand).

    Por tudo isso, o Instituto Ricardo Brennand se sente gratificado em po-

    der ter cumprido o seu propsito de tornar possvel o congraamento de

    estudiosos do perodo do Brasil Holands ao mesmo tempo em que propor-

    cionava o encontro das geraes dos nossos dias com especialistas do tema

    nos Estados Unidos e na Europa.

    Como nos faz lembrar diuturnamente o nosso incentivador e patro-

    no Ricardo Coimbra de Almeida Brennand, usando as palavras do poeta

    portugus Fernando Pessoa, Deus quis que a terra fosse toda uma, para que o

    sonho dos homens testemunhasse o nascimento da obra.

    Leonardo Dantas SilvaCoordenador de Pesquisa do Instituto

    Ricardo Brennand

  • os projetos na rea da cultura so caminhos abertos. preciso ter um

    norte para chegar. Se, por um lado, vivemos em tempos que os valores

    da mdia transmitem mais velocidade do que reflexes crticas, por outro

    lado, os projetos culturais tm demonstrado novos rumos para a produ-

    o histrica, para o esclarecimento da memria e para o conhecimento

    de seu patrimnio.

    Este livro o resultado de um projeto que busca contribuir para a

    formao de especialistas, professores, alunos e interessados na histria

    da ocupao neerlandesa no Brasil colonial. Os artigos demonstram que

    o ofcio do historiador tambm um exerccio de sensibilidade, conheci-

    mentos de poca, formas de ser, pensar e sentir, e, nesse processo, o leitor

    poder se estranhar e se reconhecer, chorar e sorrir. Os textos tratam de

    vidas, mortes, esperanas, sofrimentos e alegrias. Foi necessrio trazer

    luz do perodo a dimenso do humano.

    Portanto, Brasil Holands: Histria, Memria e Patrimnio Comparti-lhado fruto das reflexes realizadas no I Colquio Internacional so-

    bre o Brasil Holands, ocorrido entre 16 e 19 de novembro de 2011, no

    Instituto Ricardo Brennand, em virtude do Ano da Holanda no Brasil,

    Prefcio

  • 14 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    que contou com o patrocnio da Embaixada do Reino dos Pases Baixos

    atravs do Fundo Neerlands para o Patrimnio Cultural Comum e que

    se torna vivel e oportuna pela parceria com a Alameda Casa Editorial.

    O Colquio teve um carter pioneiro por conseguir reunir a Univer-

    sidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade de Pernambuco

    (UPE), a Fundao Joaquim Nabuco (Fundaj), o Arquivo Histrico e Ju-

    daico de Pernambuco (AHJPE) e o Instituto Arqueolgico, Histrico e

    Geogrfico Pernambucano (IAHGP). Alm dessas, o evento contou com

    o apoio e a promoo da Fundao Getlio Vargas (FGV-RJ) atravs do

    Programa de Estudos da Administrao Brasileira (ABRAS).

    Neste sentido, tanto o Colquio quanto este livro rene especialistas

    e profissionais renomados e incentiva novas possibilidades para jovens

    pesquisadores que desejam contribuir e dialogar com a historiografia do

    perodo. O debate sobre as questes referentes ao Brasil Holands tam-

    bm servem para repensar a relao atual entre o Brasil e a Holanda j

    que o fio tnue que liga o passado com o presente estreito. Assim, tanto

    o Colquio quanto este livro buscam conectar mltiplos olhares entre as

    vrias histrias dispersas e ao mesmo tempo unidas por um complexo

    mundo Atlntico.

    Sabe-se que a histria do denominado Brasil Holands exerce gran-

    de fascnio sobre a sociedade brasileira e no de hoje que o tema caro

    aos pesquisadores, em especial aos historiadores de Pernambuco. Estes

    foram beneficiados pelas coletas documentais feitas por Jos Hygino Du-

    arte Pereira e Joaquim Caetano Silva, em fins do sculo XIX, e que hoje se

    encontram nos acervos do Instituto Arqueolgico, Histrico e Geogrfico

    Pernambucano e na Biblioteca Nacional, respectivamente.

    Na ltima dcada, jovens historiadores tm repensado a ocupao

    neerlandesa no Brasil a partir de novas questes. Logo, torna-se inerente

    o retorno aos estudos do perodo neerlands no Brasil. Sendo assim, a

    Alameda Casa Editorial e o Instituto Ricardo Brennand, espao cultural

    sem fins lucrativos, inaugurado em setembro de 2002, que tem como sua

    principal misso a difuso da cultura brasileira atravs da histria, da

    arte e da educao (arte-educao) no poderia deixar contribuir para o

  • 15Prefcio

    Ano da Holanda no Brasil, sendo o assunto extremamente ntimo ao seu

    acervo museolgico e bibliogrfico.

    Desta maneira, escolhemos como imagem para a capa do livro uma

    das obras de Frans Post pintada em 1661, intitulada Engenho, quadro

    que hoje pertence e se encontra na exposio de Frans Post e o Brasil

    Holands na coleo do Instituto Ricardo Brennand, que retrata com

    maestria a moagem da cana-de-acar do sculo XVII, tendo como pano

    de fundo a presena da capela e da casa-grande, elementos marcantes

    da sociedade do acar ou da aucarocracia, como diz Evaldo Cabral de

    Mello. Trata-se de uma pintura a leo sobre madeira, com dimenses de

    45,7 x 71,3 centmetros.

    A escolha da paisagem de Frans Post se justifica pelo dilogo que o

    quadro e o artista fazem com a histria, a memria e o patrimnio com-

    partilhado do perodo em tela e dos artigos deste livro. O quadro por-

    tador do discurso criador de Frans Post, que produziu um conceito de

    paisagem brasileira para o perodo colonial, demonstrando as cores e a

    riqueza de detalhes da vida social brasileira pelos olhos do colonizador.

    Post foi o herdeiro da escola de Harlem e do legado da pintura holandesa

    na arte que cria o conceito de paisagem, do termo paesaggio surgido ante-

    riormente na Itlia. Os elementos do quadro que esto na capa deste livro

    so temas recorrentes na trajetria do pintor, com pinceladas precisas,

    dialogando com os textos que se seguem e com a histria das colees que

    possuem quadros de Post.

    Quadro este, que j pertenceu a Joaquim de Souza Leo, primeiro

    estudioso brasileiro sobre Frans Post e que hoje pode ser observado pelos

    brasileiros no Instituto Ricardo Brennand, j tendo a obra percorrido em

    Hannover trs colees diferentes: em 1779 no Von Hacke, em 1822 no

    Hausmann e em 1857 no Rei George V da Inglaterra. Depois o quadro

    chegou a um leilo em Berlim em 1925 quando, posteriormente, em 1938,

    antes da segunda Guerra Mundial, passou para as mos de Joaquim de

    Souza Leo. A trajetria do quadro continua quando o Engenho volta para

    Europa, chegando a Amsterd no ano de 1976, at por fim chegar cole-

    o do Instituto Ricardo Brennand em 2003.

  • 16 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    O percurso, a formao do pintor, bem como as trajetrias, as dinmi-

    cas e as estratgias do Brasil Holands foram profundamente discutidos

    pelos artigos elaborados neste livro. Os textos apresentados foram o resul-

    tado do trabalho, disciplina, ateno, empenho e ousadia para dialogar v-

    rias opinies, sem esquecer que a cultura e o social devem ser entendidos

    como um conjunto de significados partilhados e construdos por homens e

    mulheres para explicar o mundo. Nos artigos o leitor encontrar reflexes

    sobre a histria e a historiografia, uma interessante anlise das trajetrias

    das obras de Frans Post e o dilogo entre a histria e reas afins. Muitos

    desses trabalhos so resultados da experincia de profundos conhecedores

    do assunto, resultado do silncio e disciplina dos arquivos e bibliotecas.

    Nos captulos da primeira parte do livro, Historiografia do Brasil Ho-lands, o leitor encontrar textos produzidos por especialistas na hist-

    ria e na historiografia do Brasil Holands. Os historiadores demonstram

    com propriedade sua relao com tema e a forma astuta que analisam

    as produes historiogrficas do Brasil Holands ao longo do tempo no

    Brasil. O primeiro artigo escrito por Evaldo Cabral de Mello, grande

    referncia no tema, que faz uma bonita homenagem a Jos Antnio Gon-

    salves de Mello. Evaldo mostra a relevncia imprescindvel da produo

    de Jos Antnio Gonsalves de Mello para os assuntos pernambucanos e

    seu conhecimento pela documentao relativa ao Brasil no exterior, de-

    monstrando tambm a intimidade que possui com obra deste historia-

    dor de quem primo legtimo e se considera herdeiro de sua produo.

    Pedro Puntoni tambm reflete sobre a produo do autor de Tempo dos

    Flamengos, corroborando a importncia dos trabalhos deste historiador

    para aqueles que desejam conhecer o Brasil Holands. O captulo final

    desta primeira parte produzido pelo historiador holands Ernst van den

    Boogaart que amplia a discusso sobre a historiografia do perodo e traa

    um panorama de vrios autores.

    Na segunda parte do livro, Arte, Iconografia e Cultura Visual no Brasil

    Holands, o leitor encontrar uma discusso especfica sobre a produo de

    Frans Post, primeiro pintor da paisagem brasileira e primeiro paisagista

  • 17Prefcio

    das Amricas, que o Instituto Ricardo Brennand tem o orgulho de possuir

    a maior coleo do mundo. O primeiro captulo desta parte, escritos por Bia

    e Pedro Corra do Lago, especialistas na obra de Frans Post, demonstram

    a possibilidade de sistematizar a histria do pintor e sua carreira com sua

    produo artstica. O texto de Rebecca Parker Brienen, historiadora titular

    de Histria da Arte da Universidade de Miami, analisa a obra de Post e de

    Eckhout pela trajetria de suas obras e pela histria das aquisies dessas

    por colees no mundo, revelando que as trajetrias de cada obra esto in-

    timamente vinculadas com a valorizao e o reconhecimento dessas obras.

    Daniel de Souza Leo Vieira finaliza essa parte do livro com um interessan-

    te artigo que analisa a obra de Frans Post atravs de sua formao e vivncia

    com a cultura visual da Holanda do sculo XVII, explicando a imagem de

    Post sob a perspectiva da Histria Cultural.

    Nos textos da terceira parte do livro, Estratgias, Dinmica e Histria

    do Brasil Holands, o leitor encontrar artigos variados sobre diferentes

    olhares do perodo que abordam a figura de Johan Maurits van Nassau

    Siegen, a histria dos judeus com o perodo e a relao do Brasil Holan-

    ds com o mundo Atlntico. O primeiro captulo desta parte escrito por

    Leonardo Dantas Silva, maior editor dos assuntos referentes ao Brasil Ho-

    lands e Coordenador do Ncleo de Pesquisa do Instituto Ricardo Bren-

    nand. Leonardo aborda a relao de Nassau com as cincias e a impor-

    tncia do Conde de Siegen para o desenvolvimento dos neerlandeses no

    Brasil Colnia. Quem tambm analisa as aes de Joo Maurcio Nassau

    o economista Ricardo Lima, buscando refletir sobre o plano adminis-

    trativo de seu governo. Alm da anlise sobre Nassau, o leitor tambm

    encontrar uma viso panormica da experincia dos judeus portugue-

    ses na Holanda e no Brasil com o artigo do historiador Ronaldo Vainfas,

    reconhecido professor titular de Histria Moderna da Universidade Fe-

    deral Fluminense. O captulo de Rmulo Xavier, professor de Histria

    da Universidade de Pernambuco, explica a importncia dos portos da

    capitania de Pernambuco para a dominao dos holandeses no Brasil. O

    artigo Percursos feridos, de Hugo Coelho Vieira, pesquisador do Ins-

  • 18 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    tituto Ricardo Brennand, aborda sobre as dificuldades da soldadesca do

    perodo e um pouco de suas trajetrias em Pernambuco e sua relao com

    o Atlntico Sul.

    A quarta parte do livro, Memria, Acervos e Patrimnio Compartilhado

    discute a contribuio desses assuntos para o Brasil Holands, especial-

    mente em Pernambuco. O primeiro artigo do historiador George Felix

    Cabral de Souza, professor de Histria da Universidade Federal de Per-

    nambuco e vice-presidente do Instituto Arqueolgico, Histrico e Geo-

    grfico Pernambucano, que esclarece a importncia do Instituto Histrico

    mais antigo do Brasil e sua aproximao com os estudos sobre o perodo

    holands. O captulo de Daniel de Oliveira Breda, vice-presidente do Ar-

    quivo Judaico de Pernambuco, explana a partir da lgica do Patrimnio

    Cultural Compartilhado e do museu-sinagoga Kahal Zur Israel a compre-

    enso dos judeus sefardim durante a presena neerlandesa em Recife. O

    texto de Marcos Galindo, professor do Departamento de Cincia da Infor-

    mao da Universidade Federal de Pernambuco, aborda a importncia da

    preservao dos arquivos para a difuso da memria e do conhecimento

    na perspectiva das noes de patrimnio compartilhado. O captulo de

    Paulo Emlio Martins, professor e coordenador do Programa de Estudos

    da Administrao Brasileira da Fundao Getlio Vargas, expe a impor-

    tncia da organizao dos espaos de memria buscando uma aproxima-

    o entre administrao e histria.

    Brasil Holands: Histria, Memria e Patrimnio Compartilhado fruto

    de uma soma de esforos entre profissionais que buscam contribuir para

    a formao crtica da histria. Assim, esperamos que o livro possa pro-

    porcionar novas descobertas e motivar outras discusses. Sabemos que a

    vida e a histria no um palco de cartas marcadas, mas um terreno frtil

    com tramas, caminhos e trajetrias incertas, pois a vida um campo de

    luta como foi o perodo neerlands no Brasil.

    Hugo Coelho VieiraPesquisador do Instituto Ricardo Brennand

  • parte iHistoriografia do Brasil Holands

  • o lugar e a ocasio so eminentemente adequados a recordar o histo-

    riador Jos Antnio Gonsalves de Mello. O Instituto Ricardo Brennand,

    que hoje nos acolhe e que abriga no seu valioso acervo a biblioteca de

    Jos Antnio, localiza-se no antigo engenho de So Joo que pertenceu

    a Joo Fernandes Vieira, tema da grande biografia que lhe dedicou Jos

    Antnio. Destas terras, partiu numa madrugada de junho de 1645, o

    grupo de insurretos que, ao cabo de nove anos de guerra, reconstituiu a

    unidade da Amrica portuguesa. Por outro lado, reune-nos o tema que

    foi mais caro a Jos Antnio que qualquer outro, o do domnio holands

    no Nordeste. Alvssaras, portanto, aos promotores deste I Colquio Inter-nacional sobre o Brasil Holands, o Instituto Ricardo Brennand e a Embai-

    xada do Reino dos Pases Baixos em parceria com o Arquivo Histrico

    Judaico de Pernambuco, com o Instituto Arqueolgico, Histrico e Ge-

    ogrfico de Pernambuco (que Jos Antnio presidiu por longos anos),

    com a Fundao Joaquim Nabuco (de que ele foi o primeiro diretor),

    com a Universidade Federal de Pernambuco, com a Universidade de

    Pernambuco e com a Fundao Getlio Vargas.

    A obra de Jos Antnio Gonsalves de Mello

    Evaldo Cabral de MelloEmbaixador e Historiador do Brasil

  • 22 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    Por trs de todo grande historiador, h um grande pesquisador

    ele prprio. Jos Antnio Gonsalves de Mello foi ambos em grau su-

    perlativo. Sua obra extensa: alm de Templo dos flamengos, a coleo

    de biografias dos restauradores pernambucanos publicada nos anos

    cinquenta; o livro sobre Antnio Fernandes de Matos, que de mestre-

    -pedreiro tornou-se um dos renovadores da paisagem urbana do Recife

    na segunda metade do sculo XVII; o volume de crtica histrica de fon-

    tes da histria regional intitulada Estudos pernambucanos (1960); e final-

    mente Gente da nao: cristos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654 (1898), obra para a qual Jos Antnio preparou-se durante quase meio

    sculo, desde que abordara as relaes entre judeus e os holandeses no

    seu livro de estreia, e que o consagrara aos trinta anos, precocidade rara

    entre historiadores. Se Rimbaud deixou de escrever poesia aos vinte

    anos, via-de-regra os historiadores no esto preparados para produzir

    obra slida antes dos trinta e cinco, quarenta. Os livros de Jos Antnio

    esto longe, porm, de esgotar seu labor historiogrfico, que abrange

    tambm, por um lado, uma srie de monografias de histria local, ver-

    dadeiros modelos deste gnero de trabalho; e, por outro, a publicao

    de nmero relevante de textos inditos relativos histria pernambuca-

    na, bem como a reedio de fontes j conhecidas.

    J se disse de Jos Antnio que entrara em histria pernambu-

    cana como outros entraram em religio. A fecundidade da sua obra

    vem da, do fato de que ele investiu sua vida na pesquisa histrica.

    Dela s o distraam suas tarefas de professor de Histria da Amrica

    e de Histria do Nordeste na Universidade Federal de Pernambuco; e

    sua passagem pela direo do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas

    Sociais e do Instituto de Cincias do Homem, daquela mesma Univer-

    sidade. Mas Jos Antnio logo compreendeu que o desempenho de

    funes de gesto teria absorvido a maior parte do tempo que desejava

    destinar ao trabalho historiogrfico. Para tanto, ele contou sobretudo

    com a dedicao e a vigilncia da mulher excepcional que foi sua es-

    posa, Ivone Gonsalves de Mello.

  • 23A obra de Jos de Antnio Gonsalves de Mello

    Jos Antnio foi eminentemente um scholar, um estudioso de enorme

    capacidade de concentrao intelectual. Na historiografia brasileira, foi o

    seu o esforo mais abrangente e sistemtico de pesquisa j realizada por

    um nico indivduo. No decurso de quase sessenta anos de investigao

    arquivstica, ele compulsou no Brasil e fora dele praticamente toda a do-

    cumentao existente sobre a histria pernambucana. No Recife, traba-

    lhou no Arquivo Pblico estadual, no Instituto Arqueolgico e Geogrfi-

    co Pernambucano, na Biblioteca Pblica, nos acervos de reparties como

    o das Obras Pblicas, em arquivos eclesisticos paroquiais e de confrarias

    religiosas; na Bahia, no Arquivo Pblico do Estado. Para se avaliar seu

    conhecimento dos acervos locais, basta consultar o trabalho que dedicou

    s fontes de Pereira da Costa. No Rio de Janeiro, ele pesquisou na Biblio-

    teca Nacional, no Arquivo Nacional, no Instituto Histrico e Geogrfico

    Brasileiro, na Biblioteca do Ministrio das Relaes Exteriores, no arquivo

    do antigo Ministrio da Guerra. Em So Paulo, no Instituto de Estudos

    Brasileiros, em especial na coleo Alberto Lamego.

    Graas ao apoio de Joaquim Amazonas, magnfico reitor da Universi-

    dade Federal de Pernambuco, Jos Antnio permaneceu por longo tempo

    na Europa em misso de pesquisa. Comeando por Portugal, ele procedeu

    ao levantamento de tudo o que podia interessar histria pernambucana

    no Arquivo Histrico Ultramarino, na Torre do Tombo (que frequentou

    anualmente at poucos anos antes do seu falecimento), na Biblioteca Na-

    cional de Lisboa, na Biblioteca da Ajuda, nas Bibliotecas Pblicas de vora

    e do Porto, no Arquivo da Universidade de Coimbra e em acervos parti-

    culares, como o da Casa de Cadaval. Na Holanda, examinou incansavel-

    mente a documentao existente no Arquivo Geral do Reino, no Arquivo

    da Casa Real, no Arquivo da Comunidade Reformada de Amsterd, no

    Arquivo Municipal da mesma cidade e no Arquivo da Universidade de

    Leiden. Na Espanha, no escaparam sua ateno nem o Arquivo das

    ndias em Sevilha, nem a Biblioteca Nacional de Madri nem sobretudo o

    Arquivo Geral de Simancas. Por fim, trabalhou na Biblioteca Nacional de

    Paris e na British Library em Londres. De suas misses oficiais, Jos Ant-

  • 24 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    nio redigiu minuciosos relatrios; e catalogou a documentao relativa a

    Pernambuco no Arquivo Histrico Ultramarino.

    Seu interesse incidiu sobre ampla gama de temas, a comear pela

    histria dos nossos monumentos civis, militares e religiosos. Atraia-o

    fortemente o estudo da arquitetura e de outras artes coloniais, como a

    azulejaria e a pintura. Prendiam-no igualmente as realizaes dos arte-

    sos e mestres de obras como os marceneiros Remgio Kneipp e Jules

    Branger, o entalhador Moreau, o ourives Cristvo Rausch, o litgrafo

    Krauss, o desenhista Schlappriz, os mestres Cristvo lvares e Manuel

    Ferreira Jcome todos salvos por Jos Antnio da vala comum da nos-

    sa Ansia brasileira. Tinha um fraco digamos proustiano pelo desenho

    das antigas grades e portes de ferro. A histria urbanstica do Recife

    foi outra das suas preferncias, como atesta sua histria do bairro da

    Capunga, onde viria a falecer e onde residiu a maior parte da sua vida,

    primeiro na casa dos pais, na rua Cardeal Arcoverde, depois, j casado

    com Ivone, na rua das Graas, quase frente igreja matriz, posterior-

    mente na rua das Pernambucanas, 420, casaro de stio prximo do Ca-

    pibaribe, pintada a vermelho sangue-de-boi, que ele adquiriu por volta

    de 1944, adicionando-lhe um segundo andar e mobiliando-a com peas

    raras, inclusive de Branger.

    Em conexo com o domnio holands, ele ocupou-se tambm da

    cartografia recifense, da capitulao batava no Recife em 1654, da epi-

    grafia, dos calvinistas neerlandeses, em especial o clebre predicante

    Vicent Soler, da numismtica batava, bem como dos judeus e cristos-

    -novos que ergueram a primeira sinagoga das Amricas, que ele, Jos

    Antnio, viria a localizar na atual rua do Bom Jesus. Outros temas da

    sua especial predileo foram introduo dos vegetais exticos em Per-

    nambuco, a presena inglesa entre ns, a emigrao de trabalhadores

    belgas e aorianos para a provncia no sculo XIX, a prosopografia dos

    vereadores recifenses do sculo XVIII. necessrio mencionar tambm

    o captulo sobre o perodo neerlands com que enriqueceu a Histria da

    civilizao brasileira dirigida por Srgio Buarque de Holanda e os inme-

  • 25A obra de Jos de Antnio Gonsalves de Mello

    ros verbetes com que contribuiu para o Dicionrio de Histria de Portugal,

    organizado por Joel Serro, e para a Enciclopdia Focus.

    Igualmente fundamental foi sua iniciativa de organizar edies cr-

    ticas, exaustivamente anotadas, de documentos inditos que ele mes-

    mo traduziu; ou de reeditar textos j conhecidos mas por eles revistos

    com o rigor de sempre, como os relatrios oficiais do governo holands

    do Recife, que reuniu em dois volumes, intitulados Fontes para a hist-ria do Brasil holands (os originais do terceiro volume extraviaram-se

    infelizmente nos desvos negligentes do Servio do Patrimnio Hist-

    rico e Artstico Nacional no Recife). Outros documentos por eles reve-

    lados so o testamento de Francisco Barreto de Menezes, restaurador

    de Pernambuco; as confisses de Pernambuco relativas visitao in-

    quisitorial de 1593-1595; o Breve compndio escrito em finais do sculo

    XVII sobre o governo da Cmara Coutinho; a memria redigida pelo

    companheiro de La Ravardire que o acompanhou na priso de Olinda

    aps a conquista portuguesa do Maranho; os roteiros de penetrao

    do territrio pernambucano no perodo colonial; os ris dos contribuin-

    tes que pagaram o donativo para o dote de D. Catarina de Bragana e

    para a indenizao dos Pases Baixos pela perda do Nordeste; o dirio

    do governador Correia de S (1749-1756); os documentos relativos

    Congregao do Oratrio do Recife; a Relao das praas fortes (1609),

    redigida por Diogo de Campos Moreno em preparao do seu Livro que

    d razo do Estado do Brasil (1612); o chamado Livro de sada das urcas do

    porto do Recife (1595-1605).

    Entre os textos j conhecidos mas que ele reeditou com maior abran-

    gncia e rigor contam-se os Dilogos das grandezas do Brasil, segundo o

    apgrafo, que o nico completo, existente na Universidade de Leiden,

    na Holanda; as Cartas de Duarte Coelho, com a correspondente leitura

    paleogrfica, na qual se esmerou a professora Cleonir Xavier de Albu-

    querque; as Obras completas do naturalista Manuel Arruda da Cmara;

    as principais crnicas da guerra holandesa, como as Memrias dirias do

    donatrio Duarte de Albuquerque Coelho, o Valeroso Lucideno, de Cala-

  • 26 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    do, a Nova Lusitnia, de Brito Freyre, a Histria da guerra de Pernambuco,

    de Diogo Lopes de Santiago, a histria do governo de Nassau de autoria

    de Gaspar Barleus, os Desagravos do Brasil, de Loreto Couto, a crnica

    do Dr. Manuel dos Santos sobre a guerra civil de 1710-1711. Inigualvel

    faina editorial em que contou com a colaborao entusistica e quotidia-

    na de Leonardo Dantas Silva. Por fim, cumpre mencionar os volumes

    de material do Dirio de Pernambuco, repositrio de enorme importncia

    para a histria social do Nordeste, que apareceram sob o ttulo de O

    Dirio de Pernambuco e a histria social do Nordeste (1840-1889), Dirio de

    Pernambuco: arte e natureza no Segundo Reinado, e Dirio de Pernambuco:

    economia e sociedade no Segundo Reinado.

    Uma historiadora francesa publicou h anos um livro intitulado Le

    got de larchive. No o vejo na estante sem me lembrar de Jos Ant-

    nio. Sob este aspecto, ele est mais prximo de Varnhagen, Capistrano,

    de Afonso de E. Taunay, do que dos historiadores atuais, pressionados

    pelas obrigaes universitrias e mimados pelas modernas facilidades

    de reproduo do documento. A internet e o CD-Rom esto abolindo a

    aventura dos arquivos. Outrora, o historiador tinha muito da pachorra

    de um frade, daqueles beneditinos que fundaram no sculo XVII a crti-

    ca das fontes e cuja a relao com o documento destilava algo de sensu-

    al, ligado ao tato, ao odor, vista. Vrias vezes, Jos Antnio exprimiu

    sua preocupao com o lado negativo das facilidades tecnolgicas de

    que dispe o historiador atualmente e que tendem a afast-lo do contac-

    to imediato com o documento. Uma das suas grandes alegrias consistia

    em fornecer a outro estudioso o texto que o ajudasse ou esclarecesse,

    reclamando quando o interlocutor lhe solicitava apenas um trecho de

    manuscrito em vez de pedir o manuscrito inteiro.

    Intelectualmente, a grande influncia intelectual sobre Jos Antnio

    foi a de Gilberto Freyre, como ele era o primeiro a reconhecer. Gilberto,

    primo de seu pai, o mdico Ulysses Pernambucano de Mello, recrutou-

    -o nos anos trinta para a equipe de pesquisadores que, em torno dele,

    pesquisava toda as tardes no grande salo do terceiro andar da Biblio-

  • 27A obra de Jos de Antnio Gonsalves de Mello

    teca Pblica de Pernambuco, sita ento na rua do Imperador, no antigo

    prdio de cmara e cadeia, onde frei Caneca passara seus ltimos dias.

    Numa atmosfera de poema de Joaquim Cardozo, a brisa do alto do mar

    soprava permanentemente pelas janelas abertas de par em par sobre

    o rio e o caes Martins e Barros. Foi ento que, por sugesto de Gilber-

    to, Jos Antnio comeou a aprender alemo e holands para ler a rica

    documentao relativa ao perodo batavo no Nordeste que em fins do

    sculo XIX Jos Higino Duarte Pereira fizera copiar nos Pases Baixos.

    Desde o falecimento de Alfredo de Carvalho em 1916, no havendo na

    terra quem dominasse a lngua do herege, o acervo, empoeirado e es-

    quecido, dormia no Instituto Arqueolgico, Histrico e Geogrfico Per-

    nambucano. Jos Antnio encetou sua leitura (trata-se de cerca de trinta

    cdices) e j em 1934 contribuiu com um estudo sobre A situao do ne-

    gro sob o domnio holands para o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro

    do Recife.

    A inspirao de Gilberto Freyre detectvel em Tempo dos flamen-gos, que constitui basicamente uma histria social do Brasil holands,

    explorando, por conseguinte, uma perspectiva at ento indita na his-

    toriografia do perodo, cujas obras fundamentais (Netscher, Varnhagen

    e Watjen) ou eram de histria militar e administrativa ou de histria

    econmica. Ademais de analisar as relaes entre os holandeses, a vida

    urbana e a vida rural, Tempo dos flamengos detm-se nas atitudes do go-

    verno e dos colonos batavos relativamente aos negros, ndios e judeus.

    Indicativo do carter abrangente da pesquisa realizada no Recife e no

    Rio, o fato de que, quando a partir dos anos cinquenta, Jos Antnio

    pde consultar os arquivos neerlandeses, no lhe ser necessrio rever

    o livro, que permanece at hoje em seu texto original.

    Os anos que se sucederam redao de Tempo dos flamengos correspon-

    deram a um perodo de hesitao do ponto-de-vista do historiador, mas no

    do pesquisador, que continuou seu trabalho nos arquivos pernambucanos.

    quela altura, Jos Antnio cogitou de escrever a histria social do Capi-

    baribe, para qual esquadrinhou, com a ajuda de Haroldo Carneiro Leo,

  • 28 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    a parcela do acervo da antiga Repartio de Obras Pblicas do Estado, j

    ento depositada no Arquivo Pblico. Ele tambm reuniu a documentao

    indispensvel preparao de uma histria da Sociedade de Agricultura

    de Pernambuco. Mas tais projetos no foram adiante.

    Da generosidade intelectual de Jos Antnio, sou, sem falsa mo-

    dstia, a pessoa mais indicada para falar, pois fui certamente seu maior

    beneficirio. Meus livros muito devem a seus cadernos de pesquisa

    e aos volumes da sua biblioteca, pois fui dos raros a quem ele fazia a

    concesso de emprest-los; e assim mesmo depois de constatar que o

    pretendente mantinha com o livro a mesma relao de respeito fsico,

    que era a sua: nada de grifar, rabiscar nas margens ou dobr-lo. O tema

    de O norte agrrio e o Imprio fui busc-lo num artigo seu sobre o pro-

    testo na imprensa pernambucana de fins do Segundo Reinado contra

    a discriminao sofrida pelas provncias do Norte no seu trato com o

    governo imperial; e foi ele quem me cedeu a cpia das atas da Sociedade

    Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco, que utilizei naquele ensaio.

    Poderia multiplicar tais exemplos. Foi ele quem me indicou o processo

    relativo ao ingresso de Felipe Pais Barreto na Ordem de Cristo sobre o

    qual montei O nome e o sangue. Foi ele quem me ps a par da aquisio

    pelo Arquivo da Universidade de Coimbra dos cdices com correspon-

    dncia dos governadores de Pernambuco entre a expulso dos holande-

    ses e os meados do sculo XVIII, o que me permitiu escrever A fronda dos

    Mazombos. Sem Jos Antnio e a sua obra, eu simplesmente no poderia

    ter feito a minha.

    referncias bibliogrficasabSaber, Aziz et al. A poca colonial: do descobrimento expanso territorial.

    Introduo de Srgio Buarque de Holanda. 6 ed. So Paulo: Difel, 1981. vol. 1, il. (Histria Geral da Civilizao Brasileira, vol. 1).

    Barlaeus, Gaspar. Histria dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Traduo de Cludio Brando; Prefcio de Jos Antonio Gonsalves de Mello. Recife: Fundao de Cultura da Cidade do Recife, 1980.

    Calado, Manoel, Frei, 1584-1654. O valeroso lucideno. So Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1987.

  • 29A obra de Jos de Antnio Gonsalves de Mello

    Cmara, Manuel Arruda da. Obras reunidas c. 1752-1811. Recife: Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1982.

    Coelho, Duarte de Albuquerque. Memrias dirias da Guerra do Brasil: 1630-1638. Prefcio de Jos Antonio Gonsalves de Mello. Recife: Fundao de Cultura da Cidade do Recife, 1981.

    Costa, F. A. Pereira da, 1851-1923. Anais Pernambucanos. Prefcio de Leonardo Dantas Silva; Texto de Jos Antonio Gonsalves de Mello. 2 ed. Recife: Fundarpe, 1983.

    Couto, Domingos Loreto, Dom. Desagravos do Brasil e glrias de Pernambuco. Prefcio de Leonardo Dantas Silva; Apresentao de Jos Antonio Gonsalves de Mello. Recife: Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1981.

    Dicionrio de Histria de Portugal. Colaborao de Jos Antonio Gonsalves de Mello; Direo de Joel Serro. [Lisboa]

    Farge, Arlette. Le got de larchive. Paris: Seuil, 1989.

    Freyre, Francisco de Brito. Nova Lusitnia: histria da Guerra Braslica. Posfcio de Jos Antonio Gonsalves de Mello. 2 ed. Recife: Secretaria de Educao e Cultura, 1977. 459+64, il. (Coleo Pernambucana, vol. 5).

    Mello, Evaldo Cabral de. A fronda dos Mazombos: nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715. So Paulo: Companhia das Letras, 1995.

    ______. O nome e o sangue: uma fraude genealgica no Pernambuco colonial. So Paulo: Companhia das Letras, 1989.

    ______. O Norte agrrio e o imprio: 1871-1889. Rio de Janeiro/ Braslia: Nova Fronteira/ INL, 1984.

    Mello, Jos Antnio Gonsalves de (org.). O Dirio de Pernambuco e a histria social do Nordeste (1840-1889). Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1975.

    Mello, Jos Antnio Gonsalves de (1916-2002). Antnio Fernandes de Matos: 1671-1701. Recife: Amigos da D.P.H.A.N., 1957.

    ______. Dilogo das grandezas do Brasil. 2 ed. aum. Recife: UFPE/Imprensa Universitria, 1966.

    ______. Dirio de Pernambuco: arte e natureza no 2 Reinado. Recife: Fundao Joaquim Nabuco: Massangana, 1985.

    ______. Estudos pernambucanos: crtica e problemas de algumas fontes da histria de Pernambuco. Recife: Universidade do Recife/ Imprensa Universitria, 1960.

    ______. Fontes para a histria do Brasil holands. Recife: MEC/ SPHAN/ Fundao Pr-Memria, 1985.

  • 30 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    ______. Pernambuco ao tempo do governo de Cmara Coutinho (1689-90). Recife: IAHGP.

    ______. Tempo dos flamengos: influncia da ocupao holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. Prefcio de Gilberto Freyre. So Paulo: Jos Olympio, 1947.

    ______. Testamento do general Francisco Barreto de Menezes. Recife: IPHAN, 1976.

    Mello, Jos Antonio Gonsalves de; Albuquerque, Cleonir Xavier de. Cartas de Duarte Coelho a El Rei. Prefcio de Leonardo Dantas Silva. Recife: FUNDAJ/ Massangana, 1997.

    Netscher, P. M. Os holandeses no Brasil: notcia histrica dos Pases-Baixos e do Brasil no sculo XVII. Traduo de Mario Sette. So Paulo/ Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1942.

    Santiago, Diogo Lopes de. Histria da guerra de Pernambuco e feitos memorveis do mestre de campo Joo Fernandes Vieira. Ilustraes de Vicente do Rego Monteiro; Prefcio de Cnego Xavier Pedroza. Recife: Imprensa Oficial, 1943.

    Varnhagen, F. Histria das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 a 1654. Salvador: Progresso, 1955.

    Wtjen, Hermann. O domnio colonial hollandez no Brasil: um captulo da histria colonial do sculo XVII. Traduo de Pedro Celso Ucha Cavalcanti. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.

  • gilberto freyre, no prefcio que fez para o livro de estreia de Jos

    Antonio Gonsalves de Melo (datado de 1944, mas publicado em 1947),

    lembra que, em 1907, o historiador pernambucano Alfredo de Carva-

    lho explicava que, se algum estivesse andando pelo serto nordestino

    e encontrasse, de repente, uma antiga runa, abraada de trepadeiras

    e coberta de lquens, e resolvesse perguntar aos moradores prximos

    qual a sua origem, ou quem eram seus primitivos construtores, teria

    certamente por resposta: obra do tempo dos framengos Tudo que

    houvesse de misterioso e inexplicvel nos vestgios de um passado

    intangvel, era remetido pela imaginao popular para o perodo da

    dominao holandesa. Tempo tido como de opulncia e maior adian-

    tamento artstico, de um passado mais forte e substancial do que o

    presente de agruras e misrias.

    Segundo Freyre, ainda em 1944, a lenda persistia. Para ele, o tempo

    dos framengos continua igual na imaginao de nosso povo ao tempo dos

    mouros na imaginao dos portugueses. Quando publicado em 1947, o

    livro de Gonsalves de Mello surpreendeu pelo trato cuidadoso e inova-

    dor de um assunto j to mastigado e visitado pela historiografia: ana-

    No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    Pedro PuntoniProfessor de Histria do Brasil na Universidade de So Paulo e pesquisador do CNPq

  • 32 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    lisou aspectos do cotidiano da vida urbana e rural do Brasil Holands

    (1630-1654), assim como as atitudes dos holandeses para com os negros,

    os ndios, os portugueses e os judeus.

    O livro de Lus da Cmara Cascudo, Geografia do Brasil Holands,

    no pode ser entendido fora deste contexto. O livro foi escrito em 1945

    (como o denuncia a frase de abertura) e, seu ensaio introdutrio, havia

    sido publicado trs anos depois nos Anais do IV Congresso de Hist-

    ria Nacional organizado pelo Instituto Histrico (Rio de Janeiro, 1948).

    Publicado em 1956 na coleo Documentos Brasileiros da editora Jos

    Olympio, quando j era dirigida por Octvio Tarquinio de Sousa (seu

    primeiro diretor, como se sabe, foi Gilberto Freyre).

    Da mesma forma que Gonsalves de Mello (a quem o livro dedi-

    cado), Cmara Cascudo busca desvendar esses mistrios do tempo dos

    flamengos. Contudo, procura entend-los na forma de sua circunstncia

    viva na memria. Certa volta, quando se definia como um provinciano

    incurvel, Cmara Cascudo no confessara que jamais abandonou o

    caminho que leva ao encantamento do passado? Como salienta na pri-

    meira parte de Geografia, os holandeses no so para ele apenas um

    assunto de pesquisa, mas uma presena. Em suas palavras, o holands

    conquistou e dirigiu a regio brasileira em que nasci e vivo, a mais

    amada e conhecida. No o encontro apenas nos livros, mapas, ntulas

    e relatrios da Goectroyerd Westindische Companie, mas na recordao in-

    consciente de sua visita de vinte e quatro anos, inapagvel na memria

    nordestina. So familiares aos meus olhos e ouvidos lugares e nomes ci-

    tados em Barlu, Marcgrave, Moreau, Nieuhof e nos frades cronistas da

    reconquista. Neste sentido, o perodo de domnio flamengo era, antes,

    uma fase quase domstica nas lembranas coletivas. Uma espcie de

    hgira, dividindo um tempo distante e nevoento (p. 13).

    O professor de histria do Atheneu j havia publicado outros pe-

    quenos estudos sobre a presena holandesa no Nordeste, seja nas pla-

    quetes O braso holands do Rio Grande do Norte (Natal, Imp. Official,

    1936), Tricentenrio de Guararapes (Recife, 1949) e Os holandeses no Rio

  • 33No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    Grande do Norte (Natal, Depto. Educao, 1949), como nos captulos cor-

    respondentes do seu livro sobre a Histria do Rio Grande do Norte (Rio

    de Janeiro, MEC, 1955). Nestes trabalhos, como no livro em questo, o

    historiador aliou a erudio, o apego mincia e ao anedtico com o

    esforo interpretativo.

    Geografia est dividido em duas partes. Na primeira, Cmara Cas-

    cudo estuda a presena holandesa no Nordeste do Brasil, abordando-a

    em diversos aspectos, como o clima, a alimentao, os caminhos e estra-

    das, a arquitetura, o folclore, o vocabulrio, o tratamento dado aos escra-

    vos e ndios etc. A segunda parte composta de oito estudos monogrfi-

    cos (alguns deles com adendas) relativos geografia do Brasil Holands,

    nos quais so analisados aspectos dos nomes e lugares das capitanias

    conquistadas pela Companhia das ndias Ocidentais, a saber: Bahia, Ser-

    gipe, Alagoas, Pernambuco, Paraba, Rio Grande (do Norte), Cear e Ma-

    ranho. A toponmia alia-se, ento, anlise dos caminhos de penetrao

    e comunicao e s formas de ocupao e sua descrio. A documentao

    utilizada por Cmara Cascudo essencialmente a cartografia impressa na

    crnica de Barleus (o conjunto de mapas desenhados por Margrave e ilus-

    trados com desenhos de Post) e os relatrios, crnicas e outras descries

    que haviam sido impressos, na poca ou em edies crticas posteriores.

    Nada muito original. O historiador aproveitava-se da enorme quantidade

    de tradues e reimpresses destes papis do sculo XVII, assim como da

    fecunda tradio historiogrfica que tinha se debruado com mincia so-

    bre o episdio do domnio holands. A anlise dos mapas e da geografia

    ao tempo dos flamengos entremeada, com clara influncia de Gilberto

    Freyre, por episdios s vezes extemporneos e por consideraes de

    natureza sociolgica sobre personagens e homens. Contudo, o tom domi-

    nante o do folclorista e do antiqurio.

    Para se ter uma ideia, nos adendos monografia sobre Pernambu-

    co, Cmara Cascudo dedica umas pginas ao episdio do boi voador,

    quando Nassau conseguiu engabelar a populao do Recife na inaugu-

    rao da ponte que ligava o bairro de Boa Vista cidade. Anunciando

  • 34 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    que um boi voaria de um lado para outro da rua, manejou a coisa at

    que fez lanaram um couro recheado de palha, o que enganou os mais

    crdulos. O movimento foi tanto de um lado para o outro da ponte que,

    naquele primeiro dia, o pedgio j rendeu um boa nota para o governo.

    O caso exemplar. Por meio de uma mistificao, os holandeses conse-

    guem obter algum lucro. A lgica mercantil aproveita-se credulidade da

    populao, inclinada ao maravilhoso, imersa em uma viso de mundo

    dominada pelo fantstico. a lira popular, evocada pelo folclorista C-

    mara Cascudo, que sentencia: Afora essas desgraas que no lembra /

    O povo que as mirou, / Conserva o mais que viu bem na memria / O

    boi que l voou!

    O estudioso dos mapas e da geografia do Brasil Holands tem neste

    livro sua referncia obrigatria. Jaime Corteso que no tomo segundo

    de sua Histria do Brasil nos velhos mapas (Rio de Janeiro, Instituto Rio

    Branco, 1971) dedica dois captulos cartografia e s gravuras holan-

    desas do Brasil no deixa de lembrar o alto interesse do estudo de

    Cmara Cascudo. Com relao geografia pernambucana, o trabalho se

    completa, vale lembrar, pelo estudo minucioso de Gonsalves de Mello

    sobre A cartografia holandesa do Recife, um estudo dos principais mapas

    da cidade no perodo de 1631-48 (Recife, IPHAN, 1976), e (mais prximo

    de ns) o Atlas histrico-cartogrfico do Recife, organizado por Jos Luiz

    Mota Menezes (Recife, Massangana, 1988).

    Geografia do Brasil Holands. Neste bonito livro que merece e recla-

    ma uma segunda edio o Nordeste e as lembranas dos flamengos se

    misturam numa deliciosa narrativa que procura desassombrar mist-

    rios daqueles tempos e, paradoxalmente, busca enlevar a memria em

    um clima enigmtico.

    * * *Mas o livro de Jos Antonio Tempo dos flamengos que desperta,

    para ns, o maior interesse.

    Ainda garoto, fora seduzido pelo seu primo Gilberto Freyre a dedi-

    car-se ao estudo da lngua holandesa com o intuito de manusear os pa-

  • 35No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    pis copiados por Jos Hygino Duarte Pereira na Holanda e que haviam

    sido entregues, em 1886, ao Instituto Arqueolgico, Histrico e Geogr-

    fico Pernambucano. Aprenda holands antigo para especializar-se no

    conhecimento do perodo flamengo da histria brasileira, havia dito

    Freyre ao menino de 13 ou 14 anos. O jovem, esquivo a festas e brilhos

    que ajudara na elaborao da primeira edio do clssico Casa-grande

    & senzala (1933) publicou, no ano de 1937, um estudo que havia sido

    apresentado ao 1o. Congresso Afro-Brasileiro de Recife. O trabalho,

    onde j se faz ver o uso das fontes holandesas, tratava da situao do

    negro sobre o domnio holands (publicado in: G. Freyre e outros, No-vos Estudos Afro-brasileiros, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1937,

    p. 201-221).

    Este texto foi a base sobre a qual edificou o seu primeiro e talvez

    mais importante e divulgado livro: Tempo dos flamengos, influncia da ocu-pao holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil (Rio de Janeiro, Jos

    Olympio Editora, 1947). Sucesso entre os historiadores nacionais e es-

    trangeiros, o livro surpreendeu pelo trato cuidadoso e inovador de um

    assunto j to mastigado e visitado pela historiografia. Analisou aspec-

    tos do cotidiano da vida urbana e rural do Brasil holands (1630-1654),

    assim como as atitudes dos holandeses para com os negros, os ndios,

    os portugueses e os judeus. Para tanto, o autor se utilizou de amplo

    material fornecido pela escola pernambucana, que havia, ao longo de

    cem anos, escarafunchado os episdios militares e polticos do tempo

    da dominao holandesa e da insurreio pernambucana, bem como

    da historiografia estrangeira e da documentao holandesa, que, como

    vimos, comeara a dominar. O resultado um livro de grande densi-

    dade, consequncia da maneira acertada de lidar com a tradio dos

    estudos regionais e com as inovadoras abordagens da histria social,

    ento em voga. Com um p no mais atual fazer historiogrfico, Gon-

    salves de Mello no rejeitava o que lhe ofereciam os grossos volumes

    das revistas trimestrais dos Institutos do Imprio. Com seu trabalho de

    simples pesquisador pesquisador cheio de interesse pelo social e

  • 36 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    pelo humano e olhando com olhos de mope para o que seja meramente

    poltico ou administrativo ou de puro aspecto cronolgico (como se

    autodefiniu no seu Tempo dos flamengos, p. 27) oferece-nos uma obra de

    grande significado.

    Sua paixo pelo documento levou-o tambm a realizar inmeras

    misses a arquivos da Europa, atrs de informaes e cpias de papis

    que fossem pertinentes para a histria do Nordeste. Sua misso de 1951-

    52, em Portugal, nos arquivos da Torre do Tombo, Biblioteca Nacional

    de Lisboa, da Ajuda, de vora e do Porto, havia sido patrocinada pelo

    reitor Joaquim Amazonas, da ento Universidade do Recife. Naquela

    momento, Jos Antonio trabalhava na redao de uma srie biogrfi-

    ca dos mais importantes restauradores de Pernambuco. No entanto, o

    historiador, com sua seriedade e desejo de vasculhar a fundo a histria

    colonial nordestina, tinha examinado vasta documentao, providen-

    ciando cpias em microfilmes daquilo que se mostrasse de interesse.

    Para se ter um exemplo, como nos relata J. H. Rodrigues, s no Arquivo

    Histrico Ultramarino, examinara, um por um, todos os documentos

    das 93 caixas e 126 maos de Pernambuco, todos referentes a Alagoas,

    Paraba, Rio Grande do Norte, Cear e Piau, e mais os do sculo XVII da

    Bahia, Rio de Janeiro, Maranho, Angola e Aores (A pesquisa histrica

    no Brasil, Rio de Janeiro, INL, 1952, p. 109). Com pacincia e generosida-

    de organizou e deixou neste arquivo, para a consulta de quem interessar

    possa, trs relaes de documentos.

    De volta ao Brasil, ocupou a cadeira de Histria da Amrica na Uni-

    versidade do Recife, tendo ainda ministrado cursos de paleografia, his-

    tria do Nordeste, tcnicas e mtodos de pesquisa. Entre os anos 1957-

    58, sob o patrocnio desta mesma instituio, voltou Europa, desta vez

    para os arquivos de Holanda, Frana, Inglaterra e Espanha. Examinou,

    em Haia, os mesmos papis que Joaquim Caetano da Silva (1852-61) e

    Jos Hygino Duarte Pereira (1885-86) haviam consultado e feito copiar.

    Percebeu e corrigiu erros e lacunas nas colees que foram trazidas ao

    Brasil e descobriu farta documentao que muito contribuiria para a

  • 37No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    histria do Nordeste colonial. A opinio de J. H. Rodrigues, para quem

    o resultado no correspondeu ao esforo, uma vez que o perodo

    holands est esgotado no conhecimento da sua evoluo e significa-

    o, evidentemente no se sustenta. Vrios historiadores, como Frede-

    ric Mauro, C. R. Boxer, Stuart Schwartz, Evaldo Cabral de Mello, Luiz

    Felipe de Alencastro e Vera Ferlini, para citar alguns, tm usado das

    informaes obtidas pelas misses de Gonsalves de Mello para produ-

    zir um entendimento mais aprofundado das diversas dimenses sociais,

    econmicas e culturais colocadas pelos episdios e processos desenca-

    deados neste perodo de nossa histria colonial.

    A transcrio, traduo e publicao de documentos outra di-

    menso essencial da obra de Jos Antonio, o que permitiu aos histo-

    riadores o acesso a papis e informaes de rara importncia. Para ele,

    nunca foi to verdadeira a observao do historiador francs Pierre

    Goubert: souvent le vritable indit cest limprim. Deve-se ao his-

    toriador a melhor edio dos Dilogos das Grandezas do Brasil, um dos

    documentos fundamentais para a histria do Nordeste brasileiro, que

    foi composto em 1618. Tal como a de 1877, publicada por Varnhagen,

    a sua provm do apgrafo que se encontra na Biblioteca de Leiden, na

    Holanda. No entanto, o resultado de sua transcrio um texto integral

    e cuidadosamente corrigido. Jos Antonio tambm resolveu definitiva-

    mente, atravs de argumentos claros e encadeados, a questo da auto-

    ria do manuscrito, problema que vinha ocupando os mais importantes

    historiadores do pas. A seu ver, estavam certos Capistrano de Abreu

    e Rodolfo Garcia, que viam em Ambrsio Fernandes Brando o verda-

    deiro autor dos Dilogos.

    Alm deste, Jos Antonio preparou e publicou vrios outros im-

    portantes documentos, entre os quais as Cartas de Duarte Coelho ao Rei (Recife, Imprensa Universitria, 1967) com a leitura paleogrfica de

    Cleonir Xavier de Albuquerque , A cartografia holandesa do Recife (Re-

    cife, IPHAN/MEC, 1976), com oito mapas seiscentistas e comentrios,

    e os dois grossos volumes de Fontes para a histria do Brasil holands

  • 38 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    (vol. 1 Economia Aucareira; vol. 2 Administrao) (Recife, MinC/

    SPHAN/Pr-Memria, 1981) so os mais importantes. Destes ltimos, o

    volume 1 rene a mais farta coleo de documentos j publicada para a

    compreenso e estudo da economia e da sociedade aucareira no nor-

    deste colonial, no perodo que vai do final do sculo XVI at a metade

    do XVII. A maior parte destes documentos, cujos originais encontram-

    -se nos arquivos da Holanda, foram cuidadosamente decifrados, trans-

    critos e traduzidos dos manuscritos gticos do holands do sculo XVII.

    Seu trabalho, porm, no se resumiu apenas publicao de docu-

    mentos relativos histria quinhentista ou seiscentista de Pernambuco.

    O historiador selecionou e publicou uma srie de textos recolhidos nas

    pginas do Dirio de Pernambuco, jornal editado naquele estado desde os

    anos 1825. O trabalho est dividido em trs volumes: dois deles sobre

    a histria social do Nordeste (Recife, Dirio de Pernambuco, 1975) e

    mais outro sobre arte e natureza (Recife, Massangana, 1985), e todos

    trazem ampla documentao para o historiador da segunda metade do

    sculo XIX. Foram selecionados textos sobre economia, demografia, cul-

    tura, estudos biogrficos, relaes de Pernambuco com o Imprio, o uso

    da fotografia, o mobilirio etc., que nos permitem compor um quadro

    da economia e da vida social pernambucana nos tempos do segundo

    reinado. Iniciativa da direo do Dirio, na comemorao dos seus 150

    anos de vida, a pesquisa de Gonsalves de Mello permitiu que voltasse

    quele antigo ambiente de trabalho, quando, ainda adolescente, colabo-

    rou com seu primo Gilberto Freyre.

    Ainda coletou e fez publicar a Obra reunida de Manuel Arruda da C-mara (Recife, Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1982), precedida

    de um estudo biogrfico deste frei carmelita, representante modelar

    da gerao ilustrada do final do sculo XVIII, assim como foi autor de

    uma introduo sobre a obra e a vida de Domingos de Loreto Couto, au-

    tor pernambucano setecentista, na republicao de seu livro Desagravo

    do Brasil e glrias de Pernambuco (Recife, Fundao de Cultura Cidade do

    Recife, 1981), de 1757.

  • 39No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    Esta dimenso generosa de sua obra poderia, sobretudo nos tempos

    de agora, servir de exemplo aos historiadores profissionais. Ao realizar a

    pesquisa em fontes manuscritas que demonstrem interesse no apenas ao

    esforo monogrfico em curso, no poderia o pesquisador preparar a trans-

    crio e publicao, ainda que simples, de documentos? No resta dvida,

    no entanto, que carecemos ainda de melhor preparo de nossos jovens pro-

    fissionais, que por vezes, como o caso da Universidade de So Paulo, no

    tiveram sequer uma aula de paleografia em seu curso de graduao.

    As pesquisas realizadas nos arquivos portugueses, entre os anos de

    1951 e 1952, foram patrocinadas com o intuito de permitir a redao de

    uma srie de biografias para as comemoraes do Tricentenrio da Res-

    taurao de Pernambuco, em 1954. O historiador havia planejado escre-

    ver sobre a vida dos dez mais importantes restauradores e, demonstran-

    do sua enorme capacidade de trabalho, fez vir a pblico, naquela data,

    as biografias de Francisco de Figueroa, Antnio Dias Cardoso, Henrique Dias (esta com segunda edio de 1988, pela Massangana), Dom Antnio Feli-pe Camaro, Felipe Bandeira de Melo e Frei Manoel Calado do Salvador (todas

    pela Universidade do Recife, 1954).

    Dois anos depois, publicaria a biografia de Joo Fernandes Vieira, em

    dois grossos volumes (idem, 1956).

    As de Francisco Barreto de Menezes, Andr Vidal de Negreiros e

    de Martim Soares Moreno, igualmente previstas, no foram concludas.

    Talvez esta ltima pelo fato de Afrnio Peixoto j haver publicado, em

    Lisboa, uma estudo da vida deste fundador do Cear, iniciador do Ma-

    ranho e do Par, heri da restaurao do Brasil, contra franceses e ho-

    landeses trabalho que, no entanto, peca pela parcialidade e patriotice.

    Quanto ao General Comandante das Foras da Restaurao e Governa-

    dor Geral do Brasil, Gonsalves de Mello acabou por publicar um estu-

    do biogrfico, em 1976, como introduo edio de seu testamento (O

    testamento do General Francisco Barreto de Menezes, Recife, IPHAN/MEC,

    1976). O documento, que havia sido descoberto no Algarve, oferece-

    -nos um flagrante precioso da sociedade luso-brasileira do sculo XVII,

  • 40 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    pois nos revela fidalgo e alto administrador do Ultramar a exercer a

    mercncia, lado a lado com sua funo de governo (p. 9).

    As seis biografias, publicadas em 54, so estudos monogrficos muito

    precisos, onde o autor reuniu todos os elementos que lhe foi possvel ob-

    ter, indicando os pontos perfeitamente conhecidos de suas vidas e as indi-

    caes que lhes dizem respeito e que ainda no foram trazidos ao conheci-

    mento dos estudiosos. Apesar de sua inteno de simples pesquisador,

    inegvel que este esforo foi de vital importncia para o entendimento

    das guerras coloniais entre luso-brasileiros e os soldados da Companhia

    das ndias Ocidentais, bem como para toda a histria da presena holande-

    sa no Nordeste brasileiro. Gonsalves de Mello, fazendo uso de um gnero

    um pouco mal visto pela historiografia de ento, preocupada com as es-

    truturas e a histria econmica, acabou trilhando um caminho importante

    para a reconstruo histrica, no s ao nvel do acontecimento, mas do

    cotidiano, rastreando a vida de homens tidos e glorificados como heris

    da ptria e de Pernambuco, seja para mostrar algumas de suas virtudes,

    mas essencialmente para enfrentar o passado em suas mistificaes. Deste

    modo, Gonsalves de Mello no hesitou em mostrar que o Governador da

    gente preta, como era chamado no tempo dos conflitos o negro Henrique

    Dias (consagrado heri da restaurao, usado direita e esquerda, seja

    como smbolo de harmonia e acomodao entre as raas no Brasil, seja

    como exemplo da bravura e dedicao do elemento negro) havia sido ca-

    pito-de-mato e se envolvido tambm no combate a quilombos. Tudo isto

    sem cair em julgamento anacrnico, coisa que certamente no lhe cabia fa-

    zer. Como ele mesmo alertava ao leitor, embora j se tenha lamentado que

    o Governador dos negros se tivesse prestado a servir de capito-de-campo

    para a recaptura dos de sua cor, deve-se compreender o caso no com os

    sentimentos de nossos dias, mas do ponto de vista do sculo XVII, de uma

    sociedade escravocrata (p. 28).

    A biografia de Joo Fernandes Vieira difere no s por ser mais

    completa e extensa que as demais (so cerca de 750 pginas, em dois

    volumes), mas por tratar, com nova e abundante documentao de ar-

  • 41No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    quivos do Brasil e Europa, de diversos episdios da presena holan-

    desa no Brasil e da histria de Pernambuco no sculo XVII, entre eles,

    por exemplo, uma importante discusso das causas da ecloso do mo-

    vimento restaurador, em 1645. Todavia, como j foi notado, o estudo

    peca pela pouca importncia dada aos episdios da recolonizao luso-

    -brasileira em Angola. Em verdade, a escola pernambucana, atenta

    s glrias do episdio da restaurao, no tem dado devida ateno ao

    desenrolar dos episdios na outra margem do Atlntico. Assim, a bio-

    grafia de Gonsalves de Mello no confere ateno ao perodo em que

    Vieira fora governador de Angola entre os anos 1658 e 1661, ttulo que

    obtivera como remunerao pelos servios prestados na guerra contra

    os holandeses. Das cerca de 750 pginas de sua biografia, apenas 35 so

    dedicadas ao perodo, quando a que se revelaria parte da trama que

    unira Angola ao Brasil e constitura um grupo de luso-brasileiros dire-

    tamente interessados no controle dos negcios africanos, notadamente

    do trfico de escravos.

    Nada, contudo, pode nublar tamanho esforo. O livro no apenas

    magnfico, como sua escrita agrada a nosso esprito moderno. Em pou-

    cas palavras: uma obra-prima. Esta sua srie biogrfica, sobre os restau-

    radores de Pernambuco (um dicionrio biogrfico de um episdio,

    nas palavras de J. H. Rodrigues), no encontra paralelo na historiografia

    nacional, pela sua extenso e importncia. Escapando do interesse per-

    sonalista ou do retrato poltico das biografias que pipocaram no Brasil

    na primeira metade deste nosso sculo, Gonsalves de Mello faz, ao con-

    trrio, atravs do enfoque individual, uma verdadeira histria social do

    episdio da restaurao.

    No ano de 2000, saiu uma nova edio deste livro pela Comisso

    Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, em

    parceria com o Centro de Estudos de Histria do Atlntico, da Ilha da

    Madeira. Mais uma vez, tivemos de l, da outra margem do Atlntico,

    exemplos de competncia e bem-fazer. A explicao mais prosaica fica

    pelo fato de que o restaurador era natural dessa ilha, filho de um portu-

  • 42 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    gus com uma mulata rameira a quem chamam a Bem-feitinha pelo

    menos segundo um testemunho da poca. Condensando dois volumes

    em um s, esta edio ainda supera a princeps, no apenas pela be-

    leza da composio, como pelo fato de nos oferecer as notas no rodap,

    cortesia que nossos modernos editores j no tm prestado ao leitor.

    Que, por sua vez, parece cada vez mais desinteressado em valorar essas

    pequenas coisas.

    As pesquisas de Jos Antonio na Europa, nos anos 50, ainda resulta-

    riam na redao de mais uma biografia, publicada em 1957, sob o patro-

    cnio da Diretoria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Desta

    vez, da vida de Antnio Fernandes de Matos (Recife, Ed. dos Amigos

    da DPHAN, 1957), personalidade de maior relevo da vida do Recife

    seiscentista, que o historiador se ocupa. Mestre pedreiro portugus,

    Matos ascendeu social e economicamente na segunda metade do sculo

    XVII, tendo sido responsvel pela construo de vrias Igrejas em Olin-

    da e no Recife, entre outras obras, como a casa da Moeda e fortalezas. A

    monografia, alm de contribuir para a histria das artes e da arquitetu-

    ra colonial, assim como das irmandades e ordens religiosas, nos ajuda

    a entender o cotidiano daquela burguesia recifense, da qual sairia o

    movimento dos mascates. A descrio dos termos do testamento de An-

    tnio Fernandes de Matos so surpreendentes, e nos ajudam a dimen-

    sionar os parmetros nos quais navegavam os interesses capitalistas

    destes homens obcecados pelo enriquecimento. A densidade do esprito

    religioso imprimia marca indelvel na vida cotidiana; exemplo disto a

    determinao das despesas da testamentaria, isto , gastos com enter-

    ro, obrigaes religiosas e caridade, onde o burgus havia despendido

    a quantia de 174:354$476. Para se ter uma ideia, entre os anos de 1703 e

    1722, s na Ordem III de So Francisco, foram mandadas rezar perto de

    120 mil missas pela alma do falecido! (p. 81-89)

    Se o exerccio de criar uma srie biogrfica, associava-se, em 1954,

    s determinaes do movimento comemorativo, e resumia-se, portanto,

    apenas aos mais importantes restauradores, em seu livro Gente da nao:

  • 43No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    cristos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654 (Recife, Massangana,

    1989), o historiador nos ofereceu um vasto painel biogrfico. Desta fei-

    ta, seus personagens principais so os judeus residentes no Nordeste,

    entre os anos 1630 e 1640. De fato, a parte terceira do livro um dicio-

    nrio biogrfico que, diferentemente da obra monumental de Pereira da

    Costa (1882), onde interessava apenas a vida dos brasileiros clebres,

    preocupa-se em enumerar as informaes obtidas sobre a vida de an-

    nimos (ou mesmo conhecidos) comerciantes, carregadores, fabrican-

    tes de camisas, traficantes de escravos etc., sejam eles cristos-novos,

    sejam judeus confessos. O historiador proporciona, assim, uma fonte de

    informaes de inigualvel valor pesquisa.

    O livro Gente da nao, resultado de incansveis trabalhos nos ar-

    quivos da Holanda, Inglaterra, Portugal e Brasil, desenvolve as pginas

    finais de seu primeiro livro, onde trata da presena dos judeus no Bra-

    sil holands. Esta sua obsesso pela genealogia e histria dos cristos-

    -novos e judeus pode explicar-se, curiosamente, pelo fato de que entre

    seus antepassados estaria Duarte de S, que em Olinda, no ano de 1594,

    confessara ao Visitador do Santo Ofcio ter raa de cristo-novo pela

    parte da me. Jos Antonio faz assim sua a histria que seu ofcio.

    Mas o aspecto quase proustiano do estudo no descarta sua importncia

    para a histria da presena holandesa no Nordeste brasileiro. Um crtico

    mais apressado poderia ver neste livro apenas mais uma obra de um

    historiador preocupado apenas com mincias, e deixar de perceber que

    as concluses a que chega este autor trazem elementos fundamentais

    para a compreenso dos enredos que reuniam nossa histria colonial

    aos episdios da histria europeia. Em verdade, acredito que a leitura

    deste livro permite-nos reforar a hiptese do historiador Eddy Stols,

    para quem o grupo de mercadores ligados aventura colonial da Com-

    panhia das ndias Ocidentais era um novo grupo de empreendedores

    corsrios, incipiente burguesia popular e nacionalista, em oposio

    burguesia tradicional que tinha os seus interesses comerciais j defi-

    nidos. Isto se for possvel a aproximao ou identificao dos interesses

  • 44 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    dessas burguesia tradicional com os do grupo de judeus e cristos-

    -novos portugueses, moradores em Lisboa, Amsterdam ou Brasil, que

    detinham o controle deste comrcio colonial. Segundo Stols, o novo

    grupo, que procurava o estabelecimento de uma nova dinmica e a

    conquista de espao no lucrativo comrcio de produtos tropicais, teria

    imposto a soluo da fundao de uma Companhia de Comrcio como

    maneira de controlar o iminente conflito entre os dois grupos de inte-

    resses. Tratava-se de uma soluo para que os Estados Gerais mantives-

    sem o controle e organizao da vida econmica das Provncias Unidas,

    ameaadas por guerra civil, no nvel econmico. A fundao da Com-

    panhia das ndias Ocidentais teria sido, em suas palavras, uma nacio-

    nalizao avant la lettre (cf. Os mercadores flamengos em Portugal e

    no Brasil antes das conquistas Holandesas, Anais de Histria, Assis, 5;9-

    54, 1973). Deste modo, os conflitos surgidos no Brasil Holands, entre

    os anos 1638 e 1645 entre o grupo de comerciantes holandeses e a comu-

    nidade judaica, que eram antes de natureza econmica que religiosa

    (Gente da Nao, p. 261), podem ser vistos tambm como ricochetes das

    disputas travadas na Holanda.

    Este livro foi produzido, em sua primeira edio de 1989, com

    apoio de uma subscrio. Entre os interessados em ver o livro impresso,

    estavam Jos Mindlin e a Metal Leve S.A. Esta logo se esgotou, exigin-

    do uma segunda que foi feita com alguns acrscimos. Desta vez com

    apresentao de Jos Mindlin, que notava a importncia do estudo fei-

    to com pacincia beneditina. Nas suas palavras (que evoco aqui para

    encerrar esta minha apresentao), o autor transforma o que poderia

    ser uma simples transcrio de nomes e fatos, num fascinante (e horripi-

    lante) relato dos extremos de crueldade a que o fanatismo pode condu-

    zir. Ao mesmo tempo, d a conhecer uma face importante da histria do

    Nordeste brasileiro, de seu desenvolvimento econmico e intelectual, e

    do papel que tanto judeus como cristos-novos exerceram no perodo

    holands, e mesmo antes dele.

  • 45No tempo dos flamengos: memria e imaginao

    referncias bibliogrficasbrando, Ambrsio Fernandes. Dilogos das grandezas do Brasil. Organizao de

    Jos Antonio Gonsalves de Mello; Prefcio de Leonardo Dantas Silva. 3 ed. Recife: FUNDAJ; Massangana, 1997.

    Calado, Manoel, Frei, 1584-1654. O valeroso lucideno. So Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1987.

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  • As perspectivas da Holanda e do Brasil do Tempo dos Flamengos

    Ernst van den BoogaartHistoriador e curador de exposies histricas sobre o Brasil Holands

    o jesuta antonio vieira descreveu meu pas de origem como aquele in-

    ferno frio e aguado. Como vocs vo entender, estou extremamente grato

    ao Instituto Ricardo Brennand pela oportunidade de fugir daquela regio

    condenada. Considero uma honra dar a palestra final deste encontro.

    Esta conferncia dedicada ao passado compartilhado entre Bra-

    sil e Holanda durante o sculo XVII. Esse rtulo uma descrio diplo-

    mtica. Afinal, aquele passado compartilhado consistia de uma dca-

    da de conflito violento, um perodo muito curto de ocupao holandesa

    e outra dcada de guerra destrutiva. Os protagonistas desse conflito

    lutaram pelo domnio exclusivo de um pas. No estavam inclinados a

    compartilhar muita coisa ou, caso necessitassem, o fariam estritamente

    nos seus prprios termos. No entanto, certamente verdadeiro que os

    historiadores brasileiros e holandeses compartilharam esse passado por

    muito tempo.1 Por mais de cento e cinquenta anos estudaram e escreve-

    ram a respeito dele.

    1 J. H. Rodrigues, A pesquisa histrica no Brasil (Rio de Janeiro, 1952); Marcos Cezar de

    Freitas (ed.), Historiografia brasileira em perspectiva (So Paulo, 1998).

  • 48 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    Nos seus estudos sobre o sculo XVII, quanto aos confrontos entre

    os holandeses e os habitantes do Nordeste, os historiadores brasileiros

    e holandeses estabeleceram muito terreno em comum. Porm, isso no

    quer dizer que vejam as questes sob a mesma tica, que atribuam sig-

    nificados idnticos ou at semelhantes aos pontos sobre os quais concor-

    dam. Nesta fala gostaria de apresentar algumas observaes sobre essas

    perspectivas e atribuies de significado divergentes. O que tenho a ofe-

    recer uma explorao preliminar, uma obra em andamento. Ofereo as

    observaes como questes para discusso; de maneira nenhuma como

    afirmaes definitivas sobre a questo.

    As primeiras duas monografias sobre o perodo holands no Brasil

    foram escritas no meio do sculo XIX pelo brasileiro Francisco Adolfo

    de Varnhagen e o holands Pieter Marinus Netscher. Consideravam-se

    historiadores cientficos. Para eles isso significou vrias coisas. Primeiro,

    tiveram que evitar pressuposies teolgicas e partidarismo definido.

    Era para se estudar a histria como assunto puramente secular, centra-

    do sobre a poltica. Na sua viso, no a igreja, e sim, o estado nacional

    mantinha o povo junto, exprimia sua vontade coletiva mais rigorosa-

    mente e determinava sua vida da forma mais profunda. Segundo, a

    abordagem cientfica implicava numa obrigao de tentar encontrar a

    verdade, toda a verdade e nada alm da verdade. Antes de escrever,

    os historiadores cientficos tiveram de coletar e avaliar criticamente em

    princpio todas as fontes disponveis, publicadas e no publicadas, por-

    tuguesas e holandesas. Como juzes imparciais tiveram que evitar no

    s partidarismo religioso, mas tambm nacional. Por mais que tentas-

    sem ser cientficos, tanto Varnhagen como Netscher, mesmo assim, que-

    riam celebrar os grandes feitos dos seus ancestrais masculinos. Nesse

    sentido, suas histrias cientficas ainda estavam claramente conectadas

    ao estilo laudatrio e exemplar de escrever a histria.

    Embora Varnhagen e Netscher concordassem amplamente sobre

    como estudar seu tema e escrevessem sobre os mesmos fatos e eventos

    histricos, suas obras demonstram uma divergncia de perspectiva de-

  • 49As perspectivas da Holanda e do Brasil do Tempo dos flamengos

    vida estrutura nacional e poltica que aplicaram s suas narrativas. A

    forma pela qual cada historiador viu seu passado foi moldada segundo

    as preocupaes contemporneas das comunidades do estado nacional

    em que cada um viveu.

    O diplomata e historiador Varnhagen comeou a estudar o perodo

    holands como parte do seu trabalho mais abrangente: a Histria geral do

    Brasil e mais tarde dedicou um estudo separado a isso: a Histria das lutas

    com os holandeses no Brasil. Ele dedicou a Histria Geral principalmente ao

    perodo colonial, mas nela passou uma mensagem que ele considerou ser

    altamente relevante para seus contemporneos no Imprio independente

    brasileiro. Para Varnhagen as continuidades entre os perodos coloniais e

    nacionais importavam mais que as diferenas. Ele valorizou a continui-

    dade do reinado no Brasil de monarcas da Casa Portuguesa de Bragana.

    Para ele, o centralismo inerente monarquia garantiu a integridade do

    imenso territrio adquirido durante o perodo colonial; o princpio mo-

    nrquico de classificao social por descendncia manteve uma hierarquia

    social que havia se justificado durante muitos sculos; a monarquia man-

    teve o papel principal no governo e sociedade dos homens, brancos, de

    lngua portuguesa; a continuidade entre os perodos colonial e nacional

    havia protegido o Brasil dos recorrentes separatismos regionais e de re-

    volues sociais que contaminaram os pases de lngua espanhola circun-

    dantes; a unidade do seu imenso territrio e a estabilidade social foram as

    melhores garantias do Brasil pelo seu continuado desenvolvimento e pela

    sua posio enquanto poder nas Amricas.

    A perspectiva nacional-monrquica do sculo XIX sobre o passa-

    do colonial brasileiro moldou a viso de Varnhagen sobre o perodo da

    ocupao holandesa no sculo XVII. As lutas contra os invasores, con-

    duzidas pelo governo imperial portugus e os homens de poder locais

    haviam evitado a diviso da costa brasileira entre vrias naes euro-

    peias. Enquanto durante os mesmos anos no sculo XVII, os espanhis

    perderam o monoplio de colonizao no Caribe e tiveram que permitir

    a ocupao pelos holandeses, pelos ingleses e pelos franceses, os portu-

  • 50 Brasil Holands: histria, memria e patrimnio compartilhado

    gueses no Brasil reafirmaram seu monoplio atravs da expulso dos

    holandeses. O conservadorismo monarquista de Varnhagen parece ter

    um trao liberal, mas isso no parece ter influenciado seu tratamento

    do perodo holands. Diferentemente de historiadores depois dele, Var-

    nhagen no