Vigilância Epidemiológica

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ELISEU ALVES WALDMAN

COMO PRTICA DE SADE PBLICA

VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA

Tese apresentada Faculddade de Sude Pblica da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutor em Sade Pblica Orientador: Prof. Gilberto Ribeiro Arantes

So Paulo 1991

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NDICEMETODOLOGIA....................................................................................................................... 11 ALGUNS MARCOS NA UTILIZAO DA VIGILNCIA COMO PRTICA DE SADE PBLICA.................................................................................................................................. 14 EVOLUO CONCEITUAL DE VIGILNCIA COMO PRTICA DE SADE PBLICA ....... 17 ASPECTOS DA OPERACIONALIZAO DE SISTEMAS DE VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA .................................................................................................................. 30 Objetivos da Vigilncia Epidemiolgica................................................................................ 30 Critrios Para a Identificao de Prioridades Para o Desenvolvimento de Sistemas de Vigilncia Epidemiolgica..................................................................................................... 31 Requisitos para a Elaborao de Sistemas de Vigilncia Epidemiolgica.......................... 32 Tipos de Sistemas de Vigilncia Epidemiolgica................................................................. 32 Fontes de Dados para Sistemas de Vigilncia Epidemiolgica........................................... 36 a) Vigilncia com Base em Sistemas de Notificaes de Doenas................................. 37 b) Vigilncia com Base em Sistemas Articulados de Laboratrios .................................. 37 c) Vigilncia com Base em Dados Hospitalares ............................................................... 38 d) Vigilncia com Base na Anlise de Certificados de bitos ......................................... 39 e) Vigilncia com Base em Informaes Obtidas de "Mdicos Sentinelas" .................... 40 f) Vigilncia com Base em Informaes Obtidas em Unidade de Assistncia Primria Sade................................................................................................................................. 40 Critrios de Avaliao de Sistemas de Vigilncia Epidemiolgica...................................... 42 a) Sensibilidade ................................................................................................................. 43 b) Especificidade ............................................................................................................... 44 c) Representatividade ....................................................................................................... 44 d) Oportunidade................................................................................................................. 45 e) Valor Preditivo Positivo (V.P.P) .................................................................................... 46 f) Simplicidade ................................................................................................................... 46 g) Flexibilidade .................................................................................................................. 47 h) Aceitabilidade ................................................................................................................ 47 Espectro do Instrumental Disponvel Aplicvel a Sistemas de Vigilncia Epidemiolgica. 49 a) Mtodos Estatsticos ..................................................................................................... 49 b) Aplicao da microcomputao eletrnica................................................................... 52 c) Mtodos grficos de anlise de informaes ............................................................... 52 d) Aplicao da Biologia Molecular ................................................................................... 53

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MONITORIZAO EM SADE PBLICA.............................................................................. 56 PESQUISA EM SADE PBLICA.......................................................................................... 58 Pesquisa Epidemiolgica, Pesquisa de Laboratrio e Desenvolvimento Tecnolgico....... 58 Investigao Epidemiolgica de Campo .............................................................................. 62 Investigao de "Agregados de Eventos Adversos Sade" ("clusters") .......................... 66 O CONTROLE DE DOENAS E DE FATORES DE RISCO SADE................................. 69 A Erradicao e o Controle de Doenas .............................................................................. 69 Programas Integrais e Polivalentes de Sade:.................................................................... 72 Controle Sanitrio de Produtos de Consumo Humano, de Riscos Ambientais Sade e do Exerccio Profissional:........................................................................................................... 75 APOIO LABORATORIAL AOS SERVIOS DE SADE, VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA E PESQUISA........................................................................................................................ 85 Modelos de Laboratrio de Sade Pblica: ......................................................................... 86 Instituto Pasteur de Paris .................................................................................................. 86 National Institutes of Health .............................................................................................. 89 Sistemas regionalizados e hierarquizados de laboratrios de sade pblica ................. 91 Laboratrios do Centers for Disease Control ................................................................... 94 Colees de culturas de microorganismos, de parasitas e de linhagens celulares ........ 96 O CARTER DAS AES DE CONTROLE DE DOENAS E O PAPEL DA PESQUISA EM SADE PBLICA NO ESTADO DE SO PAULO A PARTIR DA PROCLAMAO DA REPBLICA ............................................................................................................................. 97 A VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA NO BRASIL .................................................................. 114 Caractersticas do Sistema Nacional de Vigilncia Epidemiolgica.................................. 120 Introduo de um novo conceito de vigilncia sanitria no Brasil ..................................... 123 Perspectivas de reorganizao do SNVE .......................................................................... 128 MODELO DE UTILIZAO DE SISTEMAS DE VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA NO SISTEMA NACIONAL DE SADE ........................................................................................ 130 Vigilncia Epidemiolgica................................................................................................... 131 Monitorizao...................................................................................................................... 135 Pesquisa como Prtica de Sade Pblica ......................................................................... 137 O Laboratrio e o Sistema Nacional de Sade .................................................................. 140 Tipos de Laboratrio de Sade Pblica: ............................................................................ 140 Esquema de operacionalizao da vigilncia epidemiolgica nos subsistemas de Servios de Sade, Inteligncia Epidemiolgica e Pesquisa do Sistema Nacional de Sade ........ 144 a) Subsistema de servios de sade............................................................................ 144

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b) Subsistema de Inteligncia Epidemiolgica: .............................................................. 147 c) Subsistema de Pesquisa:............................................................................................ 148 ARTICULAO ENTRE O SISTEMA NACIONAL DE SADE E O SISTEMA FORMADOR DE RECURSOS HUMANOS ................................................................................................. 152 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................... 155 RESUMO ................................................................................................................................ 158 SUMMARY ............................................................................................................................. 160 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................................... 162

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INTRODUONas ltimas duas dcadas temos assistido a um processo de reordenamento do setor sade no pas. Talvez possamos apontar como marco inicial desse processo a unificao do INPS ocorrida em 196729. No incio da dcada de 1970, temos algumas tentativas de integrao das atividades desenvolvidas pelo ento Ministrio da Previdncia Social com aquelas implementadas por Secretarias Estaduais de Sade. o caso do Convnio de Integrao de Atividades Mdicas (CIAM) implementado no Estado de So Paulo que, apesar de apresentar objetivos mais amplos, resumia-se utilizao da capacidade fsica ociosa dos Centros de Sade. Na realidade predominou, no bojo dessas medidas, a lgica racionalizada. A promulgao, em 17 de julho de 1975, da lei federal n 6.229, que dispe sobre a Organizao do Sistema Nacional de Sade166, constituiu o principal marco desse processo. A partir dele abre-se ampla discusso, na sociedade brasileira, a respeito da necessidade de reorganizar o setor de sade no pas, conferindo-lhe maior eficcia e eficincia. Os principais obstculos racionalizao desse setor, identificados quela poca, diziam respeito multiplicidade de organismos oficiais envolvidos nos diversos nveis de administrao do pas, falta de coordenao e de objetivos comuns explcitos, tanto dos organismos oficiais entre si como deles com o setor privado. Tal situao caracteriza-se, sob a tica de uma abordagem sistmica, como exemplo de um no sistema188. No entanto, a lei do Sistema Nacional de Sade166 manteve em seu texto os principais eixos do modelo assistencial at ento vigente, ainda que se lhe reconhea o mrito de ter identificado alguns dos problemas fundamentais do setor de sade no Brasil e incentivado os segmentos mais organizados de nossa sociedade a debater e pressionar, com vistas superao dessa situao. Essa lei no altera a dicotomia existente entre a assistncia individual sade e aquela voltada coletividade. Ao Ministrio da Previdncia Social cabia oferecer ao

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assistncia mdico-hospitalar necessria ao atendimento da fora de trabalho, segundo a lgica de uma determinada poltica de desenvolvimento econmico e dos interesses dos produtores privados de Servios de Sade29,166. Por sua vez, cabia ao Ministrio e s Secretarias Estaduais de Sade atuarem no campo da sade pblica, entendida como um conjunto de programas visando o controle de doenas endmicas e epidmicas e o atendimento das populaes colocadas margem do mercado formal de trabalho 29. Essa dicotomia, entre aes visando sade individual e coletiva, rege o modelo hegemnico desse setor, no pas, at meados de 1980. Nesse modelo, as aes visando o coletivo devem ser implementadas por unidades sanitrias a partir da identificao de problemas de sade da populao passveis de medidas de interveno. Essas aes so desenvolvidas por meio de programas onde o componente educativo fundamental, pois devem trabalhar com necessidades no sentidas pela populao. Abrangem tambm o controle do meio ambiente e a fiscalizao da produo e comercializao de insumos e de servios de interesse sade128. Por outro lado, as aes curativas so desenvolvidas por uma rede de ambulatrios, pronto-socorros e hospitais, de responsabilidade, principalmente, do setor privado, a partir de uma demanda espontnea aos servios de assistncia mdica originada pela necessidade sentida pela populao128. No incio dos anos 80 as discusses a respeito da reorganizao do setor sade tornam-se progressivamente mais substantivas. A crise econmica do sistema previdencirio acelera o processo da sua integrao e descentralizao, por meio do "Plano CONASP" e da implementao das Aes Integradas de Sade. Porm, a partir da 8a Conferncia Nacional de Sade, realizada em 1986, que passamos a dispor de propostas mais consistentes para a modificao substancial do modelo de assistncia sade que, se levadas a efeito, permitiro a superao da forma de organizao plural e desintegrada que ainda o caracteriza 45,46,184. As propostas que, a partir da segunda metade da dcada de 1980, ganham maior ressonncia nos segmentos politicamente mais mobilizados da sociedade brasileira, abrangem no s a preocupao racionalizadora, mas ampliam-se, buscando alternativas realmente inovadoras.

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A prpria Constituio Brasileira de 1988 incorpora o direito sade como inerente noo de cidadania, estabelecendo um novo patamar a partir do qual, mesmo os segmentos mais conservadores de nossa sociedade discutem o reordenamento do nosso sistema de sade. As propostas voltadas implantao de um novo Sistema Nacional de Sade (SNS) sinalizam, fundamentalmente, na direo da descentralizao dos servios, da integrao das aes visando superao da dicotomia vigente, da regionalizao e hierarquizao das unidades prestadoras de servios e do fortalecimento do papel do municpio45,46. A efetiva implementao desse novo Sistema Nacional de Sade,

forosamente, determinar a participao da sociedade no gerenciamento desse sistema, seja diretamente ou por meio de mecanismos de controle a serem melhor explicitados. Por outro lado, provavelmente provocar a substituio da centralizao normativa, muitas vezes rgida, por uma outra forma de gerenciamento dos servios de sade, onde os programas devero ser elaborados ou adaptados com vistas realidade local. Tal fato fortalecer o carter multidisciplinar da sade pblica, assim como a constituio, necessariamente, multiprofissional de sua equipe. No entanto, provocar a definio mais clara das reas de especialidades necessrias ao setor sade. No entanto, caso no haja uma ampla discusso, no seio da sociedade, e um adequado acompanhamento do processo de organizao do novo SNS, esse poder restringir-se descentralizao e unificao dos Servios de Sade, preocupando-se, quase que exclusivamente, com a racionalizao do sistema. A leitura de alguns documentos oficiais, recentemente publicados, sugerem essa possibilidade52,118. Na hiptese de prevalecer essa tendncia, teremos a transferncia para o municpio de um padro medicalizante de servios, centrado na assistncia mdica individual e no atendimento curativo da demanda, onde as aes de promoo da sade e de preveno ficaro restritas s campanhas e s aes de controle de doenas, especialmente, em situaes epidmicas. Por outro lado, oferecer-se- a "produtividade" como nico indicador disponvel ao controle social deste sistema29.

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Evidentemente, a deciso a respeito do carter e abrangncia do novo SNS se dar ao nvel do embate poltico. Portanto, estar condicionado correlao de foras existentes no mbito de nossa sociedade, entre os grupos que representam as diversas vises e interesses envolvidos no encaminhamento dessa questo. No entanto, apesar das ressalvas apresentadas, presenciamos, nos ltimos dois ou trs anos, avanos significativos na implementao de parte dessas propostas. Porm, para atingirmos resultados ao nvel prtico, perceptveis populao, deveremos trilhar um longo caminho. Teremos que solucionar questes relativas formao de recursos humanos, o que implicar no fortalecimento do ensino bsico e em profunda reforma do sistema universitrio do pas. Medidas eficazes nestas duas direes so indispensveis adequao das equipes profissionais que atuam no setor sade s necessidades pressupostas pelo novo SNS. Por decorrncia, devemos promover a reorganizao e redirecionamento dos objetivos e contedos programticos dos cursos de sade pblica, com uma delimitao mais precisa das reas de especialidade e das de produo do conhecimento neste campo. Outro ponto passa pelo desenvolvimento de um sistema gerencial que confira eficincia e eficcia ao novo SNS. A experincia com a participao hegemnica da rea privada, com finalidades lucrativas implcitas ou explcitas, na direo do setor sade, gerou distores inaceitveis. Por sua vez, a maior participao estatal na gerncia dos servios de sade, da forma como se fez nos ltimos anos, no se tem consolidado como alternativa promissora em decorrncia da excessiva interferncia dos interesses privados e de corporaes inseridas no aparelho do Estado e, acima de tudo, da ausncia de mecanismos efetivos de controle do sistema de sade pela sociedade. Se de um lado existem obstculos de ordem poltica que tm dificultado ou impedido a implementao de propostas verdadeiramente inovadoras no processo de implantao do novo SNS. Por outro, no conseguimos ainda explicitar adequadamente o que seria a assistncia integral sade; de que forma ela se apresentaria democrtica e igualitria populao? Como os programas integrais e polivalentes de sade poderiam ser utilizados como instrumentos para atingir esses objetivos? Como seriam viabilizados os mecanismos de controle social desse novo SNS?. Estas, entre outras indagaes, esto ainda por serem respondidas.

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O incio do processo de reorganizao do SNS, sem a perfeita definio do seu carter poltico e a explicitao dos conceitos e instrumentos que utilizar, tem determinado srias dificuldades nessa fase de transio. Como exemplo, podemos citar a impossibilidade de planejamento, a mdio e longo prazo, e de elaborao e implementao de polticas institucionais dos rgos que vm, progressivamente, integrando-se ao sistema unificado de sade. Como conseqncia da ausncia, nesses rgos, de polticas institucionais, temos o encadeamento de sucessivas polticas governamentais de curto prazo, desarticuladas, sem um mnimo de coerncia com um objetivo final razoavelmente definido. Tais fatos tm determinado srios e irreparveis prejuzos populao, o que compromete a prpria credibilidade do processo. Paralelamente, temos assistido progressiva desagregao de rgos que historicamente foram responsveis pela implementao de atividades

tradicionalmente aceitas, em nosso meio, como de atribuio exclusiva do campo da sade pblica, ou seja, restrito s aes de controle e preveno de doenas. Isto, em parte, conseqncia do fato desses rgos obedecerem a uma dinmica e uma filosofia de trabalho que, de regra, no so compatveis com a proposta de desenvolvimento de programas de assistncia integral sade, o que os levou freqentemente a assumir um papel de resistncia s reformas. O processo de integrao dessas instituies ao sistema nico de sade, abrangendo rgos "verticais" de controle de doenas assim como aqueles de carter horizontal, porm voltados fundamentalmente aos programas de preveno e controle e ainda, as redes estaduais de laboratrios de sade pblica, deve ser implementado de forma ordenada, coerente e com uma viso razoavelmente definida de sua insero no novo sistema. Sem desconhecer os aspectos polticos que permeiam a questo, fundamental a discusso de uma srie de pontos de carter tcnico que, uma vez definidos, facilitaro o processo de implantao do novo SNS. Entre eles, temos a definio mais precisa de assistncia integral sade, de apoio laboratorial; ou ainda, de aes de controle de doenas, controle sanitrio, fiscalizao sanitria, monitorizao, vigilncia epidemiolgica e pesquisa como prtica de Sade Pblica. Sendo tambm indispensvel identificar e delimitar a infra-estrutura e o perfil profissional correspondentes a cada uma dessas atividades.

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O objetivo geral deste trabalho desenvolver, a partir da discusso dos pontos enumerados no pargrafo anterior, um modelo terico de utilizao de sistemas de vigilncia epidemiolgica que possa servir de parmetro para o reordenamento dessa prtica de sade pblica, em nosso pas, a medida que seja implantado o Sistema nico de Sade. Os objetivos especficos so os seguintes: doenas. Sistematizar e discutir aspectos conceituais e operacionais do controle Sistematizar e discutir os aspectos conceituais e operacionais da vigilncia

epidemiolgica. Sistematizar e discutir os aspectos conceituais e operacionais da

monitorizao em sade pblica. Sistematizar e discutir a questo da pesquisa em sade pblica. Sistematizar e discutir aspectos conceituais e operacionais do controle de

sanitrio de produtos de consumo humano, de riscos ambientais sade e do exerccio profissional. Sistematizar e discutir a evoluo conceitual de laboratrio de sade

pblica visando definir melhor as suas atribuies em face dos servios de sade, vigilncia e pesquisa. Analisar o carter das aes de controle de doenas e o papel da

pesquisa em sade pblica no Estado de So Paulo a partir da Proclamao da Repblica. Discutir o carter da implantao e do desenvolvimento da vigilncia

epidemiolgica no Brasil, a partir da dcada de 1970. Elaborar um modelo de utilizao de sistemas de vigilncia epidemiolgica

no Sistema Nacional de Sade. Apresentar um esquema de operacionalizao do modelo terico de

vigilncia epidemiolgica elaborado.

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METODOLOGIAUm dos obstculos para atingir nossos objetivos, a diversidade de conceitos de vigilncia, monitorizao e aes de controle conforme o modelo de sistema de sade estudado, ou mesmo, as variaes em um mesmo modelo. Em determinadas circunstncias, por exemplo, os conceitos de vigilncia, monitorizao e os de aes de controle se sobrepem de tal maneira, que se torna tarefa rdua qualquer tentativa de individualiz-los, estabelecendo limites

razoavelmente ntidos. Por sua vez, a pesquisa como prtica de sade pblica simplesmente inexiste na quase totalidade dos modelos de sistema de sade nos pases de terceiro mundo. Na tentativa de transpor tais obstculos, optamos por fixar um particular modelo terico de sistema nacional de sade que ter, como caractersticas, a descentralizao normativa e executiva e um nvel de complexidade que lhe confira capacidade para resolver os problemas prioritrios de sade existentes em sua rea de abrangncia. Com tal finalidade utilizaremos a concepo sistmica ou, mais precisamente, a de sistema aberto, enfoque introduzido no Brasil, no campo da administrao sanitria, na dcada de 1970188. A Teoria Geral dos Sistemas e muitos dos seus conceitos bsicos foram desenvolvidos pelo bilogo Ludwig von Bertalanfly14,91, no incio da dcada de 1950, tendo sido aplicada em vrios campos do conhecimento humano, como a psicologia, a economia, a biologia e as cincias sociais, entre outros91. Segundo a concepo da teoria geral dos sistemas, o sistema aberto formado por um conjunto de subsistemas que cumprem suas funes, obedecendo cada um deles leis especficas, por meio de atividades inter-relacionadas que integram um todo diferente das partes consideradas. Por sua vez, o sistema algo mais do que a soma das partes e busca atingir um objetivo comum, podendo para tanto, partir de condies iniciais diversas e utilizar caminhos diferentes14,38,91. A articulao entre sistemas abertos, assim como entre suas partes constituintes (subsistemas), se faz por meio do intercmbio entre os mesmos, com perda e ganho de energia (input e output)14,38,91.

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A hierarquizao no interior de um sistema no se d com base na necessidade de uma unidade de comando, ou de outras consideraes relativas autoridade. No caso de um sistema de sade o referencial ser o grau de complexidade dos problemas e da tecnologia aplicada em cada nvel de um mesmo subsistema ou de cada subsistema, visando a coordenao de atividades ou do processo91. Numa organizao vista sob o enfoque sistmico, as tecnologias empregadas influenciam os tipos de "input" e "output" do sistema. Os subsistemas so definidos pelos requisitos prprios das tarefas que so executadas na organizao, portanto, so moldados pela especializao dos conhecimentos e das aptides necessrias, pelo tipo de instrumental empregado e pelas caractersticas das instalaes91. A estrutura da organizao expressa pelo seu organograma, que tem por objetivo formalizar as relaes entre os subsistemas que a compem91. A opo pelo enfoque sistmico decorre do fato de permitir uma delimitao mais precisa das infra-estruturas e dos perfis de qualificao profissional indispensveis adequada utilizao dos instrumentos e ao correto

desenvolvimento das atividades e processos, inerentes a cada um dos subsistemas que comporo o novo SNS Essa delimitao constitui pressuposto imprescindvel efetiva implantao de um SNS. Ainda com vistas atingirmos os objetivos propostos, sistematizaremos e discutiremos os conceitos e as formas de operacionalizao do controle de doenas e de fatores de risco sade, monitorizao, vigilncia epidemiolgica e pesquisa em sade pblica. Por outro lado, faremos o mesmo com relao aos laboratrios de sade pblica, visando estabelecer as suas atribuies com referncia aos servios de sade, vigilncia e pesquisa. Cumprida essa etapa, analisaremos o carter dos programas de controle de doenas implementados no Brasil, a partir da Proclamao da Repblica, utilizando o Estado de So Paulo como exemplo. Faremos o mesmo com referncia pesquisa no interior do sistema de sade no Brasil, especialmente no perodo entre 1892 e 1930. Abordaremos tambm os dois modelos de laboratrio de sade pblica que se desenvolveram no Brasil, propondo algumas diretrizes para a reorganizao do Sistema Nacional de Laboratrios de Sade Pblica.

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Analisaremos ainda, o carter da implantao e do desenvolvimento da vigilncia epidemiolgica no Brasil a partir da dcada de 1970, buscando identificar pontos a serem rediscutidos. Por fim, buscaremos elaborar um modelo terico de utilizao de sistemas de vigilncia epidemiolgica no SNS e um esquema para a sua operacionalizao no Brasil a partir de pressupostos compatveis com as diretrizes constitucionais aprovadas em 1988 e com a nova lei orgnica da sade (lei no 8.080 de 19/09/90)108. A sistematizao e discusso dos aspectos conceituais e operacionais de vigilncia como prtica de sade pblica, ser elaborada com base em exaustiva reviso bibliogrfica de artigos publicados a partir de 1950. Essa reviso, por sua vez, abranger os ltimos 10 anos quando, esses mesmos procedimentos, estiverem voltados monitorizao, aes de controle de doenas, controle sanitrio de produtos de consumo humano, de riscos ambientais e de servios e ainda, de pesquisa em sade pblica.

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ALGUNS MARCOS NA UTILIZAO DA VIGILNCIA COMO PRTICA DE SADE PBLICAO acompanhamento sistemtico e a anlise de estatsticas vitais, com vistas ao controle de doenas e proteo da sade da comunidade, so procedimentos antigos. William Petty (1623-1687), mdico, economista e cientista ingls foi o idealizador da denominada "aritmtica poltica" definida como a arte de raciocinar, com base em nmeros, os assuntos do Estado2,3,175. Petty salientava a importncia da sade da populao para o poder e opulncia do Estado e propunha a coleta de dados sobre a populao, a educao, doenas e rendas, pois sua anlise poderia trazer luz questes de interesse nacional3,175. John Graunt (1620-1674), seguidor e amigo de Petty, desenvolveu estudos de mortalidade em Londres com os quais demonstrou a regularidade de certos fenmenos vitais e sociais175. Verificou em seus estudos o excesso de nascimentos do sexo masculino em relao ao feminino, a razo da taxa de mortalidade em Londres e na Inglaterra, a sazonalidade das taxas de mortalidade, alm de ter sido o primeiro a tentar construir uma tbua de vida175. Na Alemanha Johan Peter Franck (1748-1821) elabora uma vasta obra sistematizando a denominada "polcia mdica", abrangendo questes relativas responsabilidade do Estado no que tange a temas como sade escolar e maternoinfantil, doenas transmissveis, preveno de acidentes, higiene de alimentos, entre outros2,3,175. A "polcia mdica" foi pioneira na anlise sistemtica de problemas de sade da comunidade, elaborada com o objetivo de estudar solues para essas questes175. Na Inglaterra, William Farr (1807-1883), reconhecido como fundador do conceito moderno de vigilncia, foi responsvel pelo aprimoramento significativo da estatstica vital tendo elaborado uma classificao de doenas com base em trs amplos agrupamentos: a) epidmicas; b) espordicas: c) causa externa

(violenta)101,202. Farr, em 1843, por meio do agrupamento contnuo de informaes sobre mortalidade confirma uma epidemia de influenza, desenvolvendo nessa

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oportunidade metodologia, at hoje empregada, de identificao de excesso de mortalidade por doenas respiratrias e por todas as causas, o que permite a caracterizao da ocorrncia de epidemias 101,212. Outra contribuio importante foi a implantao de um sistema de coleta, anlise e divulgao de estatsticas vitais, criando um instrumento dinmico e a servio do aprimoramento das condies de sade da comunidade101,212. No final do sculo XIX, os servios de sade pblica de vrios pases, inclusive do Brasil, passam a coletar notificaes de morbidade e mortalidade para a aplicao de medidas de controle, como a quarentena, visando o combate das doenas pestilenciais como a clera, a varola, a peste e a febre amarela 129,202. Em 1946, o Servio de Sade Pblica do governo dos EUA cria o Centro de Doenas Transmissveis ("Comunicable Diseases Center") com o objetivo de oferecer apoio tcnico aos Estados no combate a essas molstias, sendo que o primeiro programa desenvolvido por esse rgo foi destinado ao combate malria em reas de guerra99. Essa instituio passa alguns anos mais tarde a denominarse Centros de Controle de Doenas ("Centers for Disease Control" - C.D.C.)102. Em 1951, o C.D.C. cria o Servio de Inteligncia para Epidemias, existente at hoje, e que consiste num amplo programa de treinamento abrangendo basicamente a epidemiologia aplicada (vigilncia, investigao de casos e de epidemias), procedimentos de laboratrio, avaliao de medidas de preveno e controle de doenas, administrao sanitria e elaborao de relatrios tcnicos. Os profissionais formados por esse programa so aproveitados, em parte, pelo prprio C.D.C., e o pessoal restante destina-se aos Departamentos Estaduais de Sade, Faculdades de Sade Pblica e atividades mdicas privadas20. Na dcada de 1950, na Tcheco-Eslovquia, Karel Raska, trabalhando no Instituto de Epidemiologia e Microbiologia de Praga, inicia o desenvolvimento de programas nacionais de vigilncia de doenas especficas168. Em 1965, criada a Unidade de Vigilncia Epidemiolgica da Diviso de Doenas Transmissveis da Organizao Mundial de Sade. De certa forma, o reconhecimento internacional da vigilncia como uma prtica de sade pblica esteve vinculado ao desenvolvimento do programa de erradicao da varola 202. Em 1970, a Organizao Panamericana de Sade, em seu Plano Decenal de Sade das Amricas, recomenda a seus membros a manuteno de sistemas de

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vigilncia epidemiolgica adequados estrutura sanitria de cada pas, com o objetivo de conhecer permanentemente os caracteres epidemiolgicos dos problemas de sade e dos fatores que os condicionam, para permitir medidas adequadas e oportunas70,159,160.

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EVOLUO CONCEITUAL DE VIGILNCIA COMO PRTICA DE SADE PBLICAO termo vigilncia tem sua utilizao, em sade pblica, vinculada aos conceitos de isolamento e quarentena. Tais conceitos surgem no final da Idade Mdia e consolidam-se nos sculos XVII e XVIII com o incio do desenvolvimento do comrcio e a proliferao de centros urbanos174. O isolamento e a quarentena determinavam a separao de indivduos de seus contatos habituais, assumindo carter compulsrio, tpico da polcia mdica, visando defender as pessoas sadias, separando-as dos doentes ou daquelas que potencialmente poderiam vir apresentar essa condio174. Em decorrncia desses conceitos, aparecem centros especiais de isolamento, entre eles, os hospitais de isolamento para varola, tuberculose, lepra, etc.174. Um terceiro conceito, que surge por extenso dos dois j citados, o de cordo sanitrio, dirigido a bairros, cidades ou reas especificadas e no a indivduos. Tinha por objetivo isolar as zonas afetadas para defender as reas limpas174. Este conjunto de medidas de tipo restritivo, policial e com carter punitivo, criava srias dificuldades para o intercmbio comercial entre pases174. Tais dificuldades se acentuaram com o rpido crescimento das atividades comerciais, efetuadas principalmente atravs dos portos, e com o risco cada vez maior e mais freqente de ocorrncia de epidemias. Houve, ento, o estmulo ao desenvolvimento de investigaes no campo das doenas de maior importncia em sade pblica, que resultaram no aparecimento de novas e mais eficazes medidas de combate a esse agravos. Entre elas podem ser citadas a vacinao, o controle de vetores e o saneamento do meio174. Surge, ento, em sade pblica o conceito de vigilncia, definido pela especfica mas limitada funo de observar contatos de pacientes atingidos por molstias graves como a clera, a varola e a peste. Seu propsito era detectar os primeiros sintomas para a rpida instituio do isolamento 101.

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Em sntese, este conceito envolvia a manuteno do alerta responsvel e a observao para que fossem tomadas as medidas indicadas. Portanto, constitua uma conduta mais sofisticada e "democrtica" do que a prtica restritiva de quarentena 101. No Brasil os termos utilizados em sade pblica com esse significado, foram vigilncia mdica e, posteriormente, vigilncia sanitria51,60,123. Segundo Schmid185, vigilncia sanitria constitui a "observao dos comunicantes durante o perodo mximo de incubao da doena, a partir da data do ltimo contato com um caso clnico ou portador, ou da data em que o comunicante abandonou o local em que se encontrava a fonte primria da infeo". A partir da dcada de 1950, observamos a modificao do conceito de vigilncia que deixa de ser aplicado no sentido da observao sistemtica de contatos de doentes para ter significado mais amplo, o de acompanhamento sistemtico de doenas na comunidade, com o propsito de aprimorar as medidas de controle 100,101. A metodologia aplicada pela vigilncia, no novo conceito, inclui a coleta sistemtica de dados relevantes e sua contnua avaliao e disseminao a todos que necessitam conhec-los99,100,101. Segundo Langmuir, esse novo conceito de vigilncia, assim como a sua forma de operacionalizao, fundamenta-se em prtica desenvolvida na Inglaterra, no sculo XIX, por William Farr101. O "Center for Diseases Control" (CDC) foi o primeiro centro moderno de acompanhamento de doenas voltado ao estabelecimento de bases tcnicas para a elaborao e desenvolvimento de programas de controle. No entanto, a designao inicialmente adotada para essa atividade foi a de inteligncia ou sistema de inteligncia103. O CDC foi criado no incio da era atmica, num momento em que a guerra biolgica apresentava-se como um risco potencial para os EUA, tornando necessrio o estabelecimento de sistemas de informaes de morbidade e mortalidade que permitissem a identificao de uma epidemia, horas ou mesmo dias antes de tornarse evidente para os servios mdicos e hospitalares. Tais sistemas deveriam ser liderados por epidemiologistas103.

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Inteligncia pode ser compreendida em seu significado mais amplo como "capacidade para o conhecimento e compreenso" ou "habilidade para aprender a inter-relao entre fatos apresentados em determinada forma, usando-a como guia para aes visando determinado objetivo" ou ainda, em seu sentido mais restrito "obter e dispor de informaes particularmente das informaes secretas". Segundo Langmuir (1952)103 esse termo, tanto em seu sentido restrito, predominantemente militar, como em seu significado mais abrangente "parece ser singularmente apropriado para definir a contribuio dos epidemiologistas na paz ou na guerra". Talvez para evitar o estigma do carter militar da palavra inteligncia, temos a sua substituio pelo termo vigilncia que aplicado pela primeira vez, nesse novo sentido, em 1955, quando da situao de emergncia decorrente do denominado "Acidente de Cutter" 100. Nessa oportunidade, foi identificada, em vrias regies dos Estados Unidos da Amrica, uma epidemia de poliomielite acometendo indivduos vacinados contra essa doena com vacina de vrus inativado (tipo salk) e seus contatos100,104,151. Esse episdio arrefeceu o entusiasmo pela vacina, mas constituiu

oportunidade mpar para o CDC implementar com sucesso um sistema de vigilncia. Como resultado foi possvel identificar, como causa da epidemia, a aplicao na populao de dois lotes de vacina tipo Salk, produzidos pela mesma indstria (Cutter Laboratory). Estes lotes por problemas tcnicos, apresentavam vrus parcialmente inativados, fato que indicou a necessidade de aprimoramento na tecnologia de produo desse imunobiolgico, de forma a torn-lo mais seguro100,104. No entanto, o resultado mais relevante do sistema de vigilncia da poliomielite foi a produo de novos conhecimentos a respeito desta doena que tm se mostrado, at nossos dias, como bsicos para seu controle. Entre eles podemos citar a participao de outros enterovrus na determinao de quadros semelhantes poliomielite, a presena do vrus SV-40 (potencialmente oncognico) como contaminante da vacina e a ocorrncia de casos dessa doena relacionados vacina oral, especialmente em adultos e geralmente causados pelo poliovrus tipo 3100. A vigilncia adquirir o qualificativo epidemiolgica em 1964, num artigo sobre o tema publicado por Raska167, designao que ser internacionalmente consagrada com a criao, no ano seguinte, da Unidade de Vigilncia

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Epidemiolgica da Diviso de Doenas Transmissveis da Organizao Mundial da Sade167,202. Langmuir, em 196399, definiu vigilncia como a "observao contnua da distribuio e tendncias da incidncia de doenas mediante a coleta sistemtica, consolidao e avaliao de informes de morbidade e mortalidade, assim como de outros dados relevantes e a regular disseminao dessas informaes a todos que necessitam conhec-la". Esse autor foi cuidadoso ao distinguir a vigilncia tanto da responsabilidade das aes diretas de controle, que deveriam ficar afetas s autoridades locais de sade, quanto dos estudos epidemiolgicos, embora reconhecesse a importncia da interface entre as trs atividades99. Langmuir100 salienta que alguns epidemiologistas apresentam a tendncia de definir vigilncia como sinnimo de epidemiologia, no seu sentido mais amplo, incluindo a pesquisa epidemiolgica. Essa tendncia, na opinio desse autor, apresenta-se inconsistente sob o aspecto etimolgico e insensato sob o aspecto administrativo 100,101. Langmuir100 favorvel ao conceito de vigilncia entendido como uma prtica da epidemiologia ou como inteligncia epidemiolgica. O profissional que trabalha na vigilncia deve assumir o papel dos olhos e ouvidos da autoridade sanitria, devendo assessor-la quanto necessidade de medidas de controle, porm a deciso e a operacionalizao dessas medidas devem ficar sob a responsabilidade da autoridade sanitria. Raska, em 1966168, define vigilncia como "o estudo epidemiolgico de uma enfermidade, considerada como um processo dinmico que abrange a ecologia dos agentes infecciosos, o hospedeiro, os reservatrios e vetores, assim como os complexos mecanismos que intervm na propagao da infeco e a extenso com que essa disseminao ocorre". Raska afirma que a vigilncia deve ser conduzida respeitando as caractersticas particulares de cada doena com o objetivo de oferecer as bases cientficas para as aes de controle e, ainda, que sua complexidade tcnica est condicionada aos recursos disponveis em cada pas 168.

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Esse autor defende a ampliao da utilizao da vigilncia epidemiolgica para doenas no transmissveis169. Por outro lado, refletindo provavelmente sua experincia profissional adquirida no Instituto de Epidemiologia e Microbiologia de Praga, desenvolve uma conceituao de vigilncia mais abrangente do que a de Langmuir ao explicitar o papel da vigilncia como elo de ligao entre os servios de sade e a pesquisa. Porm, no estabelece distino precisa entre vigilncia e pesquisa. Na dcada de 1960, a Organizao Mundial de Sade (OMS) promove os programas de erradicao da malria e da varola, oportunidade em que difundiu e ampliou, sob alguns aspectos, o conceito e a aplicao da vigilncia em sade pblica. Em 1963, a OMS, numa publicao a respeito do programa de erradicao da malria, define vigilncia como as operaes efetuadas na fase de consolidao deste programa, destinadas a descobrir, investigar e suprimir a transmisso residual, prevenir e curar infeces e comprovar se foi alcanada a efetiva erradicao da doena70. Nessa fase do programa, as funes da vigilncia so a busca de casos, o exame parasitolgico, o tratamento, a investigao epidemiolgica e entomolgica e a eliminao de focos mediante a asperso, com inseticidas de ao residual, ou tratamento em massa70. O programa de erradicao da varola, tambm desenvolvido a partir de meados da dcada de 1960, definiu vigilncia, abrangendo as seguintes atividades66,158: Coleta regular e sistemtica de dados, devidamente complementados com

investigaes e estudos especiais de campo." "Anlise e interpretao simultnea de dados de notificao e estudos." Incio de atividades apropriadas e definitivas, includas as investigaes de

campo, controle de epidemias, modificao de procedimentos operacionais da campanha, recomendaes relativas a vacinao, etc." varola." Documentos oficiais do programa de erradicao da varola salientavam, entre os principais objetivos da vigilncia, a identificao de todos os casos de Ampla distribuio, dos dados reunidos e interpretados, s principais

fontes de notificao e a outros setores interessados nas atividades da luta contra a

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doena e a aplicao de medidas eficazes para sua conteno. Ao grupo responsvel pela vigilncia cabia confirmar o diagnstico, descobrir a fonte de infeco e zelar para que se adotassem as medidas de controle cabveis. Publicao da OMS, de 1972, abordando especificamente o Programa de Erradicao da Varola, justifica essa maior abrangncia do conceito de vigilncia epidemiolgica por ela aplicado, considerando que "estas atividades exigem formao especializada, no podendo ser delegadas ao pessoal local, que no s carece do preparo necessrio, mas que em geral est sobrecarregado de trabalho..." 158. Esses conceitos mais amplos de vigilncia, como vimos nos exemplos de malria e varola, abrangendo tambm a notificao, investigao rotineira de casos espordicos e de surtos e ainda as medidas de controle, distantes portanto das definies estabelecidas por Raska e principalmente das de Langmuir, podem ser compreendidas pela identificao das caractersticas comuns a ambos os programas. Os dois programas eram de erradicao, portanto, a sua coordenao foi feita por rgo internacional, a Organizao Mundial de Sade, que assumiu a responsabilidade de analisar continuamente as informaes disponveis, com vistas a estabelecer e reavaliar periodicamente a estratgia a ser aplicada. Utilizando portanto, os conceitos de Langmuir e Raska. Por outro lado, o que justifica a ampliao do conceito de vigilncia, em ambos os programas, o fato de terem sido implementados nos pases subdesenvolvidos, na forma de campanhas, onde as aes de controle eram aplicadas de maneira "verticalizada", substituindo o papel que deveria ser desempenhado pelos servios de sade, inexistentes no caso. Exemplo bem distinto de sistema de vigilncia de doena transmissvel em escala mundial o levado a efeito pelos Laboratrios de Referncia para Influenza da Organizao Mundial de Sade. Neste caso os objetivos so bem mais restritos como os de identificar o aparecimento de mutaes de vrus com modificaes antignicas suficientes para causar novas epidemias ou mesmo pandemias, e elaborar recomendaes de medidas efetivas para prevenir ou limitar a propagao do agente 167.

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Em 1968, a 21a. Assemblia Mundial de Sade promove ampla discusso tcnica a respeito da vigilncia epidemiolgica nacional e mundial de doenas transmissveis. Durante essa assemblia, as discusses refletem a abrangncia do conceito de vigilncia e salientam sua aplicao em outros problemas de sade pblica, alm das doenas transmissveis70,202. Nos anos que se seguiram a vigilncia passa a ser aplicada tambm ao acompanhamento de malformaes congnitas, envenenamentos na infncia, leucemia, abortos, acidentes, comportamentos como fatores de risco, doenas profissionais, questes ambientais relacionadas s doenas humanas, como poluio por substncias radioativas, metais pesados, utilizao de aditivos em alimentos, utilizao de tecnologias mdicas (tais como medicamentos,

equipamentos, procedimentos cirrgicos e hemoterpicos) associados s molstias iatrognicas70,202. Na Amrica Latina, a discusso a respeito do assunto assume importncia e caractersticas peculiares, especialmente a partir do I Seminrio Regional sobre Sistemas de Vigilncia Epidemiolgica de Doenas Transmissveis e Zoonoses das Amricas, realizado no Rio de Janeiro, em 1973160. O relatrio final desse Seminrio e um artigo publicado por Fossaert et al.70, com base em documento apresentado nesse mesmo evento, influenciaro, em muito, o conceito de vigilncia epidemiolgica adotado oficialmente no Brasil em 1975. Em funo das prioridades latino-americanas, ambos os documentos enfatizam sua aplicao s doenas transmissveis70,160. Fossaert et al.70 definem vigilncia como "o conjunto de atividades que permitem reunir a informao disponvel para conhecer em todo o momento a conduta ou histria natural da enfermidade, detectar ou prever qualquer mudana que possa ocorrer por alteraes dos fatores condicionantes para recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem preveno e controle da doena". De acordo com os mesmos autores a vigilncia tem por finalidade estar em condies de recomendar, sobre bases objetivas e cientficas, as medidas de ao a curto, mdio ou longo prazo - suscetveis de controlar o problema ou de preven-lo. Assim, concluem que a vigilncia epidemiolgica constitui um subsistema de informao de um sistema de informao-deciso-controle de enfermidades

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especficas, que serve de base para elaborar recomendaes, avaliar as medidas de controle e realizar o planejamento. Tais conceitos no diferem significativamente daqueles expressos por Langmuir e Raska, porm ao adequ-los s condies e estruturas dos servios de sade latino-americanos surgem caractersticas particulares. Uma delas, ainda que aceita s excepcionalmente, condicionada estrutura de servios existente e ao seu grau de desenvolvimento, refere-se incluso das aes de controle entre suas atividades. Outra particularidade diz respeito ao fato dos autores, ao apresentarem as modalidades de operacionalizao da vigilncia em estruturas horizontais e verticais de servios de sade, situarem o nvel central da vigilncia como responsvel pela implementao das medidas estabelecidas por deciso superior. Portanto, o nvel central da vigilncia que informa e ordena aos seus nveis regional e local, enquanto esse ltimo executa aes imediatas e programadas de controle 70,160. Com isso, temos a sobreposio da estrutura dos servios de sade e de parte de suas atribuies (as aes de controle) ao da vigilncia epidemiolgica. Tal adequao da vigilncia s condies latino-americanas decorre, conforme podemos sentir implcita ou explicitamente nos dois documentos citados70,160, da insuficiente cobertura oferecida pela rede bsica de sade e da sua fragilidade tcnica e operacional, alm de refletir o carter centralizador da administrao pblica neste continente. Por outro lado, verifica-se o esforo de incorporar o acervo de experincias acumulado durante a bem sucedida campanha de erradicao da varola, que talvez permitisse, mais uma vez, superar falhas e carncias dos servios de sade desses pases. Fossaert et al.70 afirmam tambm que a vigilncia pr-requisito para os programas de preveno e controle, abrangendo todas as atividades necessrias aquisio do conhecimento que deve fundamentar as atividades de controle. No entanto, os autores no enfatizam a importncia da pesquisa nesse processo, incluindo somente entre as atividades da vigilncia, sem uma melhor explicitao, a necessidade de "realizar investigaes especiais complementares que contribuam para configurar e tornar preciso o quadro em estudo"70.

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Fischmann67 epidemiolgicos, quer

interpreta sejam

como seccionais

investigaes ou

especiais

"estudos ou

longitudinais,

prospectivos

retrospectivos, utilizados para a descoberta de agravos inusitados ou de enfermidades j conhecidas, mas que normalmente no so investigados". Aceita essa interpretao, a pesquisa apresenta-se como uma atividade ligada vigilncia, mas de forma excepcional e com uma abrangncia muito restrita, especialmente se comparada com as concepes de Raska. Tal fato pode ser entendido como decorrente da falta de equipamentos e pessoal especializado nas agncias oficiais de sade que permitisse a incorporao da pesquisa como uma prtica rotineira em sade pblica. Analisando a proposta de Fossaert et al.70 como um todo, podemos deduzir que ela embute o objetivo de maximizar a eficcia e eficincia dos programas de controle de doenas numa situao em que os recursos humanos e materiais so insuficientes, e as possibilidades de alterar significativa e rapidamente essa realidade so pouco promissoras. Talvez, nesse caso, a definio mais precisa e sinttica de vigilncia seja a formulada por Fishmannn67 quando a conceitua como a "obteno de informao para ao". Em 197458, Richard Doll amplia ainda mais o conceito de vigilncia ao equipar-lo com monitorizao e auditoria, aplicando-o avaliao de servios mdicos. Langmuir101 reage a mais essa ampliao do conceito de vigilncia, afirmando que estendendo-se ao campo da assistncia mdica, ele ultrapassa os limites aceitos para a vigilncia, sendo, "no s incorreto sob o ponto de vista etimolgico, mas tambm tornando pouco preciso o significado de um termo muito usado e de aplicao especfica." Em 1976, a Associao Internacional de Epidemiologia faz publicar no "International Journal of Epidemiology", rgo oficial de divulgao dessa

associao, um nmero especial sobre vigilncia epidemiolgica refletindo o reconhecimento da importncia e abrangncia de sua aplicao em sade pblica212. No editorial, que apresenta essa publicao, so feitas vrias consideraes sobre vigilncia, entre elas a de que requer a combinao e coordenao de uma boa coleta de dados por um pessoal motivado para isso, um eficiente sistema de

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sade, anlise bem feita das informaes com retorno rpido e eficiente com objetivo de orientar as aes de controle 212. Comenta a grande variedade de conceitos de vigilncia, salientando, por outro lado, que a monitorizao de servios de sade um campo relativamente novo e que deve ser melhor estabelecida sua delimitao com a vigilncia212 (grifo do autor). Foege et al.68 salientaram que o uso da vigilncia tornou-se universal, porm existe a necessidade contnua de seu aprimoramento medida que a demanda por respostas torna-se cada vez mais complexa (grifo do autor). Afirmam ainda que os sistemas de vigilncia devem ter, obrigatoriamente, trs componentes voltados, respectivamente, coleta da informao, anlise de dados e disseminao das informaes adequadamente analisadas. Styblo 196, referindo-se, especificamente, vigilncia da tuberculose, afirma que a mesma deve atuar em dois campos distintos: no acompanhamento contnuo do comportamento da doena e no das medidas de controle aplicadas pelo programa. Em simpsio realizado na Tcheco-Eslovquia, em 1976, afirmou-se, com referncia vigilncia da tuberculose, que a mesma compe-se de trs elementos127: 1) O primeiro abrangendo a coleta e avaliao de informaes relevantes quanto ao nvel e tendncias da doena. O que pode ser denominado de anlise de situao. 2) O segundo refere-se avaliao do programa de controle da tuberculose, incluindo a monitorizao do seu desenvolvimento e tambm do impacto dele decorrente. Essa monitorizao deve apresentar carter contnuo (grifo do autor). 3) O terceiro elemento diz respeito ao uso contnuo das informaes obtidas por meio dos dois primeiros, devendo ser feito com a finalidade de se estabelecer revises das bases do programa, sempre que se fizer necessrio. Em 1986, o CDC define vigilncia como a "contnua e sistemtica coleta, anlise e interpretao de dados essenciais de sade para planejar, implementar e avaliar prticas de sade pblica, intimamente integrado com a periodicidade de disseminao desses dados para aqueles que necessitam conhec-los"33,202.

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Nesse mesmo documento afirma-se que o objetivo final da vigilncia a aplicao do seu produto na preveno e controle das doenas. Os sistemas de vigilncia incluem a capacidade funcional de coleta, anlise e disseminao de informaes vinculadas aos programas de sade pblica33. O conhecimento produzido pela vigilncia contribui para a contnua redefinio de prioridades em sade pblica33 (grifo do autor). Cherkasskii38, diretor do Instituto de Epidemiologia e Microbiologia de Moscou, publicou em 1988 interessante artigo onde tece consideraes tericas, com base no enfoque sistmico, a respeito do comportamento das doenas infecciosas e parasitrias com o objetivo de conceituar vigilncia epidemiolgica. Esse autor salienta que o comportamento de muitas doenas infecciosas tem mudado sob o efeito do progresso da cincia e da tecnologia, de numerosos processos que assumem carter mundial e induzem a radicais transformaes na vida social do homem, assim como, pela influncia da diversificao das formas de interveno mdica no processo infeccioso38. Com base no conceito de que a natureza viva constitui uma organizada, constante e harmnica interao de suas partes, cada uma delas governadas por leis especficas, e aplicando-o epidemiologia, passa a estudar o desenvolvimento do processo infeccioso no s "horizontalmente", isto , atravs de sua distribuio no tempo, espao e atributos da populao, mas tambm dentro de uma viso "vertical", ou seja, dos sistemas biolgico, econmico e poltico como um todo interrelacionado, interdependente, constituindo um fenmeno peculiar a cada nvel e tomando todos os seus nveis conjuntamente 38. O antagonismo e a heterogeneidade da estrutura dos subsistemas que interagem, foram os movimentos e a auto-regulao interna a cada nvel da organizao do processo infeccioso. Ao mesmo tempo em que o processo se desenvolve a cada nvel (horizontalmente), pode, virtualmente, reagir com os demais nveis (verticalmente). Em outros termos, as transformaes fenotpicas e

genotpicas de um parasita ao nvel molecular podem determinar ao nvel celular tanto o aparecimento de um novo biotipo de microorganismo, como alterar o mecanismo de imunidade celular e humoral do hospedeiro38. Essas transformaes podem refletir tambm nas peculiaridades da patogenia e do quadro clnico da doena, manifestada ao nvel dos tecidos e rgos

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ou pela mudana de seu comportamento epidemiolgico ao nvel do socioecossistema. Como exemplo cita as medidas tomadas no combate infeco ao nvel do ecossistema (ex. vacinao) que por sua vez refletem no quadro clnico da doena (nvel orgnico) e no microorganismo induzindo a reorganizao do seu gentipo e fentipo (nvel celular e molecular)38. Com base nesses referenciais, Cherkasskii38 define "vigilncia

epidemiolgica como o estudo complexo e multilocalizado da dinmica das doenas, abrangendo a investigao tanto no subsistema biolgico (biologia e ecologia dos agentes causais e de seus hospedeiros e vetores) quanto no subsistema social (do ambiente social determinante do carter e da escala de disseminao da doena em determinado territrio)". Nessas condies, feitas as devidas adequaes, a vigilncia epidemiolgica estudaria agravos especficos sade de causa infecciosa ou no, pela observao contnua de cada um dos seguintes nveis do sistema: a) sub-celular (molecular); b) celular; c) orgnico (clnico); d) ecossistmico (biogeocenose); e)

socioecossistmico38. Thacker e Berkelman202, em extenso trabalho publicado, discutem, entre outros pontos, quais seriam os limites da prtica da vigilncia e analisam se o termo epidemiolgica apropriado para qualificar vigilncia na forma em que ela aplicada atualmente em sade pblica. Nessa discusso os autores incluem entre as principais atividades desenvolvidas em sade pblica a vigilncia, a pesquisa epidemiolgica e laboratorial, servios (abrangendo a avaliao) e treinamento. Afirmam que as informaes, obtidas como resultado da vigilncia, podem ser usadas para identificar questes a serem necessariamente investigadas, assim como definir necessidades de treinamento para servios, porm, enfatizam que a vigilncia no abrange a pesquisa ou os servios de sade; estas trs prticas de sade pblica so relacionadas mas independentes. As atividades desenvolvidas pela vigilncia situam-se num momento anterior implementao de pesquisas e elaborao de programas202. Nesse contexto, segundo os autores, o uso do termo epidemiolgica para qualificar vigilncia equivocado, uma vez que epidemiologia uma disciplina abrangente que incorpora a pesquisa que , por sua vez, distinta do "processo em sade pblica que denominamos vigilncia". A utilizao desse qualificativo tem

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induzido a incorporao indevida da pesquisa na definio de vigilncia epidemiolgica202. Por fim, Thacker e Berkelman202 propem a adoo da denominao de "vigilncia em sade pblica" como forma de evitar confuses a respeito da precisa delimitao dessa prtica. A vigilncia, portanto, desenvolveu-se e consolidou-se nos ltimos 40 anos, ainda que, apresentando variaes em sua abrangncia, como prtica importante de sade pblica em pases com diferentes sistemas polticos, sociais e econmicos e com distintas estruturas de servios de sade.

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ASPECTOS DA OPERACIONALIZAO DE SISTEMAS DE VIGILNCIA EPIDEMIOLGICAEfetuada a sistematizao da evoluo conceitual da vigilncia como prtica de sade pblica, cabe-nos, a seguir, apresentar e discutir os aspectos relativos a sua operacionalizao.

OBJETIVOS DA VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA

A vigilncia como prtica de sade pblica apresenta um carter bastante abrangente, no entanto, podemos salientar entre seus objetivos centrais, os seguintes: Identificar novos problemas de sade pblica. Detectar epidemias. Documentar a disseminao de doenas. Estimar a magnitude da morbidade e mortalidade causadas por

determinados agravos. Identificar fatores de risco envolvendo a ocorrncia de doenas. Recomendar, com bases objetivas e cientficas, as medidas necessrias

para prevenir ou controlar a ocorrncia de especficos agravos sade. Avaliar o impacto de medidas de interveno, por meio de coleta e anlise

sistemtica de informaes relativas ao especfico agravo, objeto dessas medidas. Avaliar a adequao de tticas e estratgias de medidas de interveno

com base no s em dados epidemiolgicos mas tambm nos referentes sua prpria operacionalizao. de Revisar prticas antigas e atuais de sistemas de vigilncia com o objetivo prioridades em sade pblica e propor novos instrumentos

discutir

metodolgicos.

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CRITRIOS PARA A IDENTIFICAO DE PRIORIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS DE VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA

Quando pensamos em desenvolver sistemas de vigilncia epidemiolgica indispensvel lembrar que estes podem variar em metodologia, abrangncia e objetivos, assim como devem ser adequados ao nvel de complexidade e grau de desenvolvimento tecnolgico dos sistemas de sade em que sero implantados. Outra questo o critrio a ser observado para definir o grau de prioridade a se conferir a determinado agravo sade a fim de subsidiar a deciso de iniciar um sistema de vigilncia especfico. Entre os critrios a serem considerados temos1,34: Incidncia e prevalncia de casos. Letalidade. ndices de produtividade perdida, como por exemplo: dias de incapacidade

no leito; dias de trabalho perdidos. Taxa de mortalidade. Existncia de fatores de risco ou fatores de prognstico suscetveis

medidas de interveno. Impacto potencial das medidas de interveno sobre os fatores de risco

(risco atribuvel). Possibilidade de compatibilizar as diversas intervenes em programas de

controle polivalentes. Anos de vida potencialmente perdidos. Custo e factibilidade da interveno versus eficcia. Existncia de medidas eficazes de profilaxia e controle (vulnerabilidade do

dano s intervenes profilticas e teraputicas). Identificao de subgrupos da populao que estaro sujeitos a um risco

elevado de serem atingidos pelo dano.

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REQUISITOS PARA A ELABORAO DE SISTEMAS DE VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA

No processo de definio dos sistemas de vigilncia epidemiolgica a serem desenvolvidos, indispensvel para a implantao de cada um deles, a observao dos seguintes requisitos mnimos34: Definir precisamente todos os objetivos de cada sistema de vigilncia. O investigao de surtos, o

objetivo desse sistema poder ser a identificao ou

acompanhamento de tendncias, a identificao de contatos, a administrao de profilaxia, a incluso de casos num estudo e a gerao de hipteses sobre a etiologia, etc. Definir precisamente o que se considera "caso" para o especfico agravo

sade contemplado pelo sistema. Descrever os componentes do sistema de vigilncia: a) Qual a populao alvo desse sistema de vigilncia? b) Qual a periodicidade da coleta de informaes? c) Que informaes sero coletadas? d) Qual a fonte dessas informaes? Quem prov a informao para o programa? e) Como a informao coletada? f) Como transferida a informao? g) Quem analisa as informaes? h) Como so analisadas as informaes e com que freqncia? i) Com que freqncia so difundidos os relatrios? Elaborar o fluxograma para cada sistema de vigilncia.

TIPOS DE SISTEMAS DE VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA

De acordo com os objetivos e recursos disponveis para o desenvolvimento de um particular sistema de vigilncia podemos optar por um dos dois mtodos disponveis para a coleta de informao, o ativo e o passivo. Devemos ainda

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observar as vantagens e limitaes de cada um deles e considerar tambm a fonte ou fontes de informao a serem utilizadas202. Os sistemas de vigilncia passiva desenvolvem-se com base na notificao espontnea, constituindo o mtodo mais antigo e freqentemente utilizado na anlise sistemtica de eventos adversos sade e alm disso aquele que apresenta menor custo e maior simplicidade. No entanto, este mtodo muito criticado pela subnotificao, pela falta de representatividade, de sensibilidade e ou especificidade e, ainda, pela dificuldade em padronizar a definio de caso, ou mesmo, pelo erro no diagnstico laboratorial ou do prprio mdico35,122,202. Alguns estudos tm demonstrado que, mesmo para doenas comuns, os Departamentos Estaduais de Sade dos EUA recebem notificaes de somente 10% a 63% dos casos realmente ocorridos na comunidade. Alm disso, em determinadas doenas infecciosas cujo agente etiolgico apresenta baixa

patogenicidade, como o caso da hepatite A, a infeco geralmente no diagnosticada35,122,202,215. Apesar das notificaes obtidas passivamente no oferecerem uma viso completa da ocorrncia da doena, nem sempre essencial dispormos do nmero total de casos para estabelecer medidas efetivas de controle. Mudanas na distribuio etria e cronolgica dos casos de uma doena, mesmo dispondo de dados subestimados, podem ser analisadas para detectar epidemias e avaliar medidas de interveno200,202. No entanto, a subnotificao de casos pode determinar conseqncias adversas quanto a eficcia das aes de controle de doenas sempre que induzir a distores na tendncia observada em sua incidncia, na estimativa do risco atribuvel para se contrair uma enfermidade, na exatido da avaliao do impacto de medidas de interveno35. Quando o sistema de vigilncia estiver voltado a eventos adversos sade pouco freqentes ou na situao particular de programas de erradicao de doenas transmissveis a coleta de informaes deve ser completa 202. A participao dos mdicos e demais profissionais de sade um ponto crtico na qualidade da coleta de dados; portanto, o esclarecimento dessas equipes, salientando a importncia da notificao de doenas para o aprimoramento dos

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servios de assistncia a sade, deve ser prioritrio nos programas de treinamento e formao de recursos humanos para esse campo de atividade96. Outra questo importante, essa de carter tcnico, para o aprimoramento da qualidade da informao a perfeita definio de caso, permitindo a

comparabilidade dos dados segundo as variveis tempo e espao180. A notificao de eventos adversos sade, seja ela compulsria ou no, necessria ao planejamento e avaliao de medidas de preveno e controle de doenas, elaborao de esquemas teraputicos apropriados e identificao em tempo hbil de epidemias35. Outro tipo de vigilncia so os sistemas ativos de coleta de informaes. Essa forma de obteno de dados , geralmente, aplicada a doenas que ocorrem raramente ou em sistemas de vigilncia epidemiolgica voltados aos programas de erradicao de doenas202. Os sistemas ativos de vigilncia requerem um contato, a intervalos regulares, entre os departamentos de sade e as fontes de informao, geralmente constitudas por clnicas pblicas e privadas, laboratrios e hospitais, ou ainda, por meio de visitas domiciliares s famlias sorteadas, abrangendo uma amostra representativa de uma determinada populao202. Os sistemas ativos de coleta de informao permitem um melhor conhecimento do comportamento dos agravos sade na comunidade, tanto em seus aspectos quantitativos quanto qualitativos. No entanto, so geralmente mais dispendiosos, necessitando tambm uma melhor infra-estrutura dos servios de sade. Entre as atividades da vigilncia ativa temos a verificao clnicoepidemiolgica que se faz por meio da reviso sistemtica do universo ou de uma amostra representativa das fichas de notificao, seguida de visita fonte notificadora para a confirmao diagnstica e tentativa de identificao de novos pacientes relacionados ao caso notificado122. Os sistemas ativos de coleta de informaes para vigilncia podem, para incentivar a notificao, fazer uso tambm de veculos de comunicao em massa. Esse esquema foi utilizado, com sucesso nos EUA, para avaliar melhor a incidncia da sndrome do "shock" txico, assim como seu comportamento segundo algumas variveis50.

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No incio da dcada de 1980 Vogt et al.214, desenvolveram sistemas ativos de coleta de informaes para vigilncia de alguns agravos sade na rea de abrangncia do Departamento de Sade de Vermont, EUA, com objetivo de compar-los com os resultados obtidos por sistemas passivos de vigilncia implementados na mesma rea. Este trabalho foi desenvolvido com base em uma amostra representativa dos mdicos que clinicavam na regio. Eles eram contatados semanalmente, por telefone, com vistas a notificao de casos de hepatite, sarampo, rubola e salmoneloses214. Como resultado obteve-se um aumento significativo de casos notificados e uma melhora na qualidade dos dados relativos aos mesmos, se comparados com os fornecidos pela vigilncia passiva 214. Esse sistema ativo de vigilncia conseguiu, inclusive, confirmar a ausncia das doenas acima relacionadas, em algumas regies abrangidas pelo Departamento de Sade de Vermont214. Os autores, mediante estimativa feita, no verificaram, nesta experincia, um acrscimo importante nos custos da vigilncia ativa se comparada com a passiva 214. Thacker et al.204 testaram um sistema ativo de vigilncia por meio de contatos telefnicos semanais, numa regio do Estado de New York, EUA, no perodo de 1980 a 1981. Esse estudo incluiu no s mdicos mas tambm instituies como centros de sade, hospitais, laboratrios, indstrias e escolas. Nesse caso, o objetivo era tambm comparar a vigilncia ativa com a passiva referente ao sarampo, rubola, salmoneloses e hepatites204. semelhana do estudo anterior, os resultados demonstraram uma melhor performance do sistema ativo. O desempenho das diversas fontes de informao variou conforme a doena. As escolas se sobressaram nas notificaes de sarampo e rubola e os hospitais e laboratrios nas de salmoneloses204. Os centros de sade no responderam to bem, se comparados com as demais fontes de informao204. Nessa experincia, os resultados obtidos pelo sistema ativo, quanto oportunidade da notificao, ou seja o intervalo entre o incio da doena e a notificao, no mostraram diferenas importantes se comparados com o sistema passivo 204.

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Considerando que um dos objetivos dos sistemas de vigilncia o de identificar grupos de risco, as fichas de notificao de eventos adversos sade devem pormenorizar informaes que permitam identificar grupos sociais mais vulnerveis. Esforos nesse sentido encontram vrias dificuldades, uma delas relaciona-se necessidade de modificaes nos dados levantados pelos censos demogrficos de forma que quantifiquem os segmentos da populao exposta 26. Sempre que iniciarmos a discusso a respeito da implantao de um novo sistema de vigilncia epidemiolgica necessrio estabelecer de forma precisa seus objetivos e a definio de caso que ser utilizada. Em seguida indispensvel analisarmos pormenorizadamente as vantagens e desvantagens, avaliando inclusive os custos, da opo por um sistema ativo ou passivo de coleta de informaes, ou mesmo, da aplicao de um sistema misto. Vale lembrar, que o mesmo agravo sade pode ser objeto de vrios sistemas de vigilncia, cada um correspondendo a determinado objetivo especfico. Colebunders e Heyward44, em recente publicao, salientam a importncia do desenvolvimento de diferentes sistemas de vigilncia epidemiolgica, cada um com distintos objetivos e aplicando diversas metodologias, todos buscando oferecer subsdios tcnicos e operacionais para o planejamento, implementao e avaliao de programas de controle da sndrome da imunodeficincia adquirida. Entre os sistemas de vigilncia sugeridos temos o da sndrome da imunodeficincia adquirida, o da infeco pelo HIV, o da infeco pelo HIV -2, o de doenas causadas por outros retrovrus e o de outras doenas relacionadas infeco causada pelo HIV 44.

FONTES EPIDEMIOLGICA

DE

DADOS

PARA

SISTEMAS

DE

VIGILNCIA

O desenvolvimento de sistemas de vigilncia de agravos de interesse em sade pblica implica no acesso a elevada gama de informaes, especialmente as relativas morbidade, mortalidade, estrutura demogrfica, estado imunitrio e nutricional da populao, situao socioeconmica, saneamento ambiental, entre outras70.

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Com referncia s fontes de dados que se oferecem para a implementao de sistemas de vigilncia epidemiolgica de agravos especficos podemos citar seis, como as mais importantes200:

a) Vigilncia com Base em Sistemas de Notificaes de DoenasEste caso, quando na sua forma tpica, tem por base leis e regulamentos que obrigam o mdico e outros profissionais de sade a notificar doenas, da maneira mais gil possvel, s autoridades locais e estaduais de sade. Este tipo de vigilncia passivo, sendo a fonte de informao para sistemas de vigilncia mais utilizada na maioria dos pases35,200. Atualmente existe uma tendncia, principalmente em pases desenvolvidos, no sentido de usar, com maior freqncia, mesmo para doenas infecciosas, sistemas de vigilncia epidemiolgica que tm por fonte de informao hospitais e laboratrios , em vez da notificao compulsria35.

b) Vigilncia com Base em Sistemas Articulados de LaboratriosOs sistemas de vigilncia que utilizam essa fonte de dados, desenvolvem-se a partir de informaes geradas pela caracterizao taxonmica e identificao de marcadores epidemiolgicos de cepas de microorganismos recebidas por

laboratrios de sade pblica176,199. Estas cepas so isoladas por laboratrios, pblicos ou privados, responsveis pelo apoio diagnstico oferecido aos servios locais de sade. Em determinadas condies ou em programas especiais, as amostras so enviadas diretamente para os laboratrios de sade pblica de referncia. De um modo geral, essa fonte de informao no utilizada isoladamente; no entanto, em determinadas infeces, como as salmoneloses de origem animal e shigueloses, por no apresentarem sndrome clnica caracterstica ou especfica, somente podero ser analisadas sistematicamente por meio de informaes geradas em laboratrios200.

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Esses sistemas de vigilncia tm sido teis na identificao e no estudo da disseminao de epidemias e no fornecimento de informaes para a anlise de tendncia nvel nacional. Podem ser utilizados num esquema passivo ou ativo. Um exemplo interessante oferecido pelo sistema nacional de vigilncia de salmoneloses desenvolvido nos EUA. Em 1965, foi identificada por esse sistema, uma epidemia de dimenses nacionais, causada pela Salmonella newbrunswick. Verificou-se, nessa oportunidade, para um perodo aproximado de 13 meses, aumento significativo dos casos de infeco por este sorotipo de salmonela, em menores de 1 ano. Um estudo de caso-controle identificou, como veculo de transmisso, determinado tipo de leite em p produzido por uma nica empresa. Efetuada a investigao ambiental nesta fbrica, identificou-se esta mesma salmonela nos equipamentos que processavam o leite, em decorrncia da limpeza inadequada dos mesmos durante o processo de produo200. Os laboratrios constituem fonte de informao indispensvel no s para doenas infecciosas, mas tambm para determinados agravos diagnosticados exclusivamente por meio de anlises laboratoriais. Sacks180, em levantamento efetuado nos EUA, verificou que somente 23% dos casos de doena meningocccica diagnosticada por isolamento da bactria em lquor havia sido notificado s autoridades sanitrias. Baser e Marion12 discutem a importncia do laboratrio como fonte de informao referentes s doenas profissionais ocasionadas pela absoro de metais pesados. Salientam que os dados de laboratrio, obtidos pela determinao dos nveis sanguneos e urinrios desses metais, constituem uma das duas fontes de informaes para sistemas de vigilncia desses agravos12.

c) Vigilncia com Base em Dados HospitalaresO hospital uma fonte importante de informao para os sistemas de vigilncia, especialmente, de doenas em que o tratamento nosocomial praticamente obrigatrio. No caso dessas enfermidades o desenvolvimento de sistemas ativos de vigilncia, utilizando os diagnsticos de altas hospitalares, permite o aumento significativo de sua representatividade200,215. No entanto,

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quando isso no for possvel, o levantamento peridico desses dados nos oferece avaliao do nvel de subnotificao200,215. Sistemas de vigilncia de infeces hospitalares podem ser implementados por meio do acompanhamento contnuo de dados obtidos de uma amostra representativa das unidades hospitalares de uma regio. Nesse caso, indispensvel a integrao com sistemas articulados de vigilncia de base laboratorial voltados, principalmente, para bactrias de maior importncia em casos de infeces cruzadas ocorridas em ambiente hospitalar162,200. Unidades hospitalares constituem, tambm, fontes importantes de

informaes para sistemas de vigilncia de eventos adversos sade, decorrentes da aplicao de tecnologias mdicas. Um exemplo, o acompanhamento sistemtico de informaes relativas evoluo e efeitos colaterais verificados em pacientes submetidos, por distintas indicaes clnicas ou clnico-cirrgicas, diferentes esquemas de radioterapia162. Outro o desenvolvimento de sistemas de vigilncia integrados de bases hospitalar e laboratorial para septicemias causadas por Bactrias Gram-negativas, decorrentes de infeco hospitalar. A notificao de doenas a partir do diagnstico de altas hospitalares, especificando a poca do incio da doena e os locais de residncia e de trabalho dos pacientes, pode permitir a identificao da ocorrncia de agregados de casos de eventos adversos sade ("clusters")162. Podem-se desenvolver tambm sistemas de vigilncia com base em informaes obtidas a partir de pacientes no internados, mas que freqentam ambulatrios hospitalares162,200,202.

d) Vigilncia com Base na Anlise de Certificados de bitosEste tipo de fonte de informao pode ser utilizado em sistemas de vigilncia de agravos que sejam identificados indiretamente por meio do que tem sido denominado de eventos sentinelas de sade65. Feldman e Gerber65 examinaram todos os certificados de bitos de indivduos que haviam morrido na cidade de Nassau, Estado de New York, EUA, com idades variando entre 18 e 74 anos, durante o perodo de janeiro de 1980 a dezembro de 1982.

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Os autores distriburam os certificados conforme o Cdigo Internacional de Doenas e, utilizando uma lista de ocupaes profissionais e de tipos de industrias, classificaram os bitos segundo relao de causas associadas ou determinadas por atividades profissionais65. Essa metodologia permite, ainda que com ressalvas, avaliar a importncia de determinadas doenas profissionais ou associadas ocupao como causa de bito 65.

e) Vigilncia com Base em Informaes Obtidas de "Mdicos Sentinelas"Uma fonte de informao para sistemas de vigilncia muito utilizada em alguns pases como o Reino Unido, Holanda e Blgica a denominada rede de "mdicos sentinelas"195. Essa metodologia utilizada com o objetivo de obter informaes relativas incidncia e aspectos mais importantes do comportamento de determinados eventos adversos sade195. Os sistemas de vigilncia que utilizam esse tipo de fonte de informao, so desenvolvidos por pero dos de 12 a 15 meses e repetidos em intervalos de tempo regulares, com vistas a estabelecer parmetros para comparaes que permitam identificar impactos de medidas de interveno e mudanas nos caracteres epidemiolgicos dos agravos estudados195. Este tipo de fonte de informao apresenta alguns problemas operacionais, principalmente relativos garantia que o grupo de "mdicos sentinelas" constitua amostra representativa 195. Esta metodologia pode ser a de escolha para sistemas de vigilncia de eventos adversos sade associados a vacinaes, especialmente em programas de imunizao em massa.

f) Vigilncia com Base em Informaes Obtidas em Unidade de Assistncia Primria SadeEsta fonte de informao das mais utilizadas, na maioria dos pases, para sistemas de vigilncia epidemiolgica98. No entanto, por vrios motivos j discutidos

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nesse texto, tantos os mdicos como os demais profissionais de sade no se engajam com a intensidade necessria, e a subnotificao e o preenchimento incompleto das informaes diminuem o desempenho desses sistemas. Um dos problemas salientados por Lamberts e Shade98 a questo da falta de homogeneidade de critrios utilizados pelos mdicos no estabelecimento do diagnstico. Uma das maneiras de se padronizar os dados necessrios s estatsticas de sade a aplicao do Cdigo Internacional de Doenas (CID)98. Lamberts e Shade98 levantam alguns problemas operacionais na utilizao do CID e propem como opo, operacionalmente mais adequada, a denominada Classificao Internacional Para Assistncia Primria (CIAP). Seja qual for a opo, a qualidade das informaes geradas pelas unidades de assistncia primria sade est condicionada implantao em todo sistema de sade de um pas, de classificao ou cdigo padronizado para identificao de eventos adversos sade. Outro aspecto a ser considerado a obrigatoriedade de implantao, em todas as unidades de assistncia sade, de mapas dirios de atendimento onde seriam registrados os diagnsticos de todos os casos atendidos. Essas seis diferentes fontes de informao apresentadas, podem ser consideradas como as mais importantes para o desenvolvimento de sistemas de vigilncia epidemiolgica, enquanto que os mtodos ativos e passivos para a obteno de dados podem ser utilizados de forma isolada ou combinadamente. Independentemente do tipo de sistema de vigilncia epidemiolgica que venhamos implementar, cabe enfatizar a posio chave do mdico, no s pela importncia de um diagnstico preciso, como pela necessidade de garantir a notificao feita diretamente por ele. Sempre que pudermos assegurar o adequado retorno das informaes, devidamente analisadas e acrescidas de recomendaes tcnicas referentes a procedimentos profilticos, diagnsticos e teraputicos estaremos induzindo esse profissional a colaborar. No entanto, para a perfeita interao indispensvel um sistema de sade eficiente e bem estruturado.

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CRITRIOS EPIDEMIOLGICA

DE

AVALIAO

DE

SISTEMAS

DE

VIGILNCIA

O desenvolvimento de sistemas de vigilncia requer revises e modificaes peridicas, baseadas em critrios explcitos de utilidade, custo e qualidade. Isto pode ser efetuado por meio de mtodos adequados de avaliao34,202. No processo de avaliao deve-se levar sempre em considerao que os sistemas de vigilncia variam em metodologia, abrangncia e objetivos, no obedecendo a uma nica verso aplicvel em todos os casos e para todas as situaes nacionais e regionais. Devem variar de sociedade para sociedade adequando-se aos servios de sade existentes, s possibilidades de investigao e anlise de informao presentes em cada circunstncia1,33,34. A avaliao de um sistema de vigilncia epidemiolgica deve comear analisando sua utilidade, que ser aquilatada pela forma de gerar, como resposta, aes que propiciem o controle ou a preveno de eventos adversos sade ou o aprimoramento da compreenso do agravo que o sistema tem por objeto 33,202,203. Outra abordagem, aplicvel avaliao da utilidade de um sistema de vigilncia, diz respeito verificao do impacto que ele determina no

estabelecimento de polticas, de medidas de interveno ou mesmo, sua influncia na modificao do comportamento de um particular evento adverso

sade33,202,203. A avaliao da utilidade de um sistema de vigilncia epidemiolgica deve ser efetuada tomando por base os seguintes critrios33,34,202,203: Identifica tendncias que sinalizam quanto ao surgimento de novos

problemas e induz aes de controle e preveno? Identifica epidemias levando aes de controle e preveno? Prov estimativas quantitativas de magnitude da morbidade e da

mortalidade por agravos sob vigilncia? Identifica fatores envolvidos na ocorrncia da doena? Identifica a necessidade de pesquisas voltadas a oferecer as bases

tcnicas de medidas de controle e preveno? Permite a avaliao do impacto das medidas de controle?

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Outro

aspecto

importante

na

avaliao

de

sistemas

de

vigilncia

epidemiolgica aquele relativo ao custo/benefcio. No entanto, a metodologia aplicvel anlise econmica, abrangendo custos diretos e indiretos de sistemas de vigilncia epidemiolgica, tem sido pouco desenvolvida33,34,202,203. Na avaliao da qualidade de um sistema de vigilncia epidemiolgica foram identificados oito atributos a serem levados em considerao. Cinco deles podem ser mensurveis: so eles a sensibilidade, a especificidade, a representatividade, a oportunidade e o valor preditivo positivo. Por outro lado, os trs restantes, ou seja, a simplicidade, a flexibilidade e a aceitabilidade so passveis de avaliao, at certo ponto, subjetiva, o que torna difcil sua quantificao.

a) SensibilidadeEsse atributo pode ser avaliado pela capacidade de um sistema de vigilncia identificar casos verdadeiros do evento adverso sade que tem por objetivo acompanhar e analisar33,34. Quantitativamente, a sensibilidade expressa pela razo entre o nmero total de casos detectados pelo sistema de vigilncia e o total de casos verdadeiros identificados por meio de uma averiguao independente e mais completa 202,203. Um sistema de vigilncia, de um determinado agravo que se apresenta em grande nmero na comunidade, pode ser til, mesmo com baixa sensibilidade, se as notificaes forem representativas do universo202,203. Quando a incidncia de um agravo, assim como a sensibilidade do sistema de vigilncia, que tem por objetivo acompanh-lo, se mantiverem constantes, a avaliao desse sistema poder ser favorvel no que se refere a sua capacidade de identificar tendncias ou mesmo epidemias202,203. Em programas de erradicao de doenas infecciosas, a alta sensibilidade do sistema de vigilncia um atributo crtico em sua avaliao. A sensibilidade de um sistema de vigilncia epidemiolgica de identificar epidemias, mais do que casos individuais, pode ser outra forma de utilizar esse atributo como critrio de avaliao202,203. A mensurao da sensibilidade de um sistema de vigilncia epidemiolgica exige33,202: 1) Validao das informaes colhidas pelo sistema.

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2) Coleta de informaes externas ao sistema a fim de determinar a freqncia do agravo, objeto do sistema, na comunidade. Vrios fatores podem determinar uma modificao na sensibilidade de um sistema de vigilncia epidemiolgica, entre eles a maior mobilizao da populao ou de profissionais de sade para a notificao de um agravo, a introduo de novos testes diagnsticos ou a mudana na fonte de informao utilizada pelo sistema de vigilncia.

b) EspecificidadeA especificidade de um sistema de vigilncia avaliada pelo seu poder de distingir os verdadeiros negativos. Pode ser verificada indiretamente pela proporo obtida entre a incidncia estimada pelo sistema de vigilncia e aquela obtida por pesquisas efetuadas na mesma populao. A especificidade como atributo de um sistema de vigilncia difcil de ser determinada se a populao total sob risco no for conhecida. A populao geral freqentemente disponvel, porm, se larga proporo dela no se encontra sob risco (por exemplo, imune) o uso da populao total como denominador tornar a especificidade superestimada. A utilizao, nesse caso, da populao sob risco propicia uma estimativa mais precisa202,203. Uma alta taxa de falsos positivos pode sugerir que o sistema possa ser muito sensvel, ou seja, que a definio adotada de caso muito ampla. A baixa

especificidade eleva o custo do sistema, porm, existindo recursos, aceitvel manter um sistema de vigilncia com alta sensibilidade e baixa especificidade, desde que o agravo, objeto do sistema, determine alto risco sade da comunidade. Exemplo, contaminao de alimentos por "parathion" 202,203.

c) RepresentatividadeUm sistema de vigilncia representativo descreve, com exatido, a ocorrncia de um evento adverso sade, ao longo do tempo, segundo os atributos da populao e a distribuio espacial dos casos33,34,202,203.

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A avaliao precisa da representatividade requer um estudo cuidadosamente planejado para obter informaes completas e exatas a respeito do agravo em questo202,203. A representatividade pode ser avaliada por meio de estudos amostrais que permitam inferir o universo dos casos34,202. Esse atributo influenciado pela qualidade dos dados que, por sua vez, resultam da clareza dos formulrios, da capacitao e superviso das pessoas que os preenchem e pelo cuidado na consolidao das informaes. A verificao da proporo de itens no preenchidos, nos formulrios, nos permite uma aferio indireta da qualidade da informao; no entanto, a confiabilidade e a validade das respostas exigiriam estudos especiais, tais como reviso dos pronturios ou mesmo repetio de uma parcela das entrevistas.

d) OportunidadeA oportunidade o intervalo entre a ocorrncia de um evento adverso sade e os diversos passos previstos por um sistema de vigilncia epidemiolgica, entre eles34,202: 1) A notificao do evento agncia de sade pblica indicada. 2) A identificao de tendncias ou epidemias pelas agncias de sade. 3) Desencadeamento de medidas de controle. A oportunidade est relacionada tanto com o perodo de incubao e latncia de um determinado agravo, como com a eficincia das medidas preventivas de interveno. A oportunidade um atributo particularmente importante para sistemas de vigilncia de doenas agudas que podem ocorrer na forma epidmica. Na avaliao desse atributo em sistemas de vigilncia epidemiolgica de doenas agudas, o referencial , geralmente, a data do incio dos sintomas, enquanto para doenas crnicas mais freqente o uso da data do

diagnstico33,34.

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e) Valor Preditivo Positivo (V.P.P)O V.P.P. pode ser entendido como a expresso da proporo de indivduos identificados como casos pelo sistema de vigilncia, e que de fato o so34. Um sistema de baixo V.P.P., ou seja, que apresente freqentes confirmaes de casos falsamente positivos, propicia um custo elevado para o sistema, assim como pode induzir investigao de epidemias que de fato no ocorreram34. O V.P.P. reflete principalmente a sensibilidade da definio de caso e depende da prevalncia do agravo na comunidade. O V.P.P. aumenta com o aumento da sensibilidade e da prevalncia34.

f) SimplicidadeA simplicidade deve ser uma das metas a serem observadas na elaborao de um sistema de vigilncia epidemiolgica. Uma representao grfica,

apresentando o fluxo de informaes e as linhas de respostas num dado sistema de vigilncia, poder facilitar a avaliao desse atributo 33,34,202. Os sistemas de vigilncia, quando simples, so fceis de compreender e de implementar, pouco dispendiosos se comparados com sistemas mais complexos, devendo permitir tambm uma boa flexibilidade202,203. O impacto do aumento da complexidade de um sistema de vigilncia deve ser analisado levando em considerao o aumento do seu custo 203. Por outro lado, devem ser avaliadas quais as repercusses decorrentes da adio de novas informaes num sistema, especialmente a possvel perda de qualidade e agilidade na transmisso dos dados202,203. Entre os aspectos que devem ser levados em considerao na avaliao da simplicidade num sistema de vigilncia, podemos salientar os seguintes202,203: 1) Quantidade e tipo de informaes necessrias ao estabelecimento do diagnstico. 2) Nmero e tipo de fontes de informao. 3) Meios utilizados na transmisso de informaes. 4) Nmero de organizaes envolvidas no sistema.

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5) Necessidade de capacitao de pessoal. 6) Tipo e abrangncia da anlise de informaes. 7) Nmero e tipo de usurios do produto final do sistema. 8) Meios utilizados na distribuio do produto final do sistema. 9) Tempo dispendido na execuo das seguintes tarefas: 1. Manuteno do sistema. 2. Coleta de informaes. 3. Transmisso de informaes. 4. Elaborao da anlise das informaes. 5. Disseminao das anlises. A simplicidade est intimamente