Violências, juventude e educação - notas sobre o estado do conhecimento

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Violências, juventudes e educação: notas sobre o estado do conhecimento Mary Garcia Castro * Neste texto se acessa peças da literatura que combinam violências, juventudes e educação, sublinhando a recorrência a ética ou a educação para valores e a importância para política. Detemo-nos, no caminho, no debate sobre o simbólico e trabalhos de Hannah Arendt sobre a interação entre poder, violências e educação. Mas esta é uma leitura própria que portanto traduz o lido, considerando interesses, questões próprias como buscar pistas para dar conta da diversidade de discursos reflexivos sobre violências corporificadas em uma geração, juventudes e o lugar da educação quando se discute tal tema, advogando,implicitamente, a importância de estudos comparativos e análises conjugadas, já que por mais alarmantes que nos afigurem as estatísticas e noticias sobre violências varias no Brasil, hoje—e o alarme, quando indignação é saudável—, não se tem o monopólio da violência, ao contrario, pois a depender de como se define violência, a classificação do país , entre nações, varia. Argumenta-se que por outro lado, muito do aumento das expressões sobre violência hoje se deve a uma conquista democrática de movimentos sociais, em se reconhecer como violências, outras silenciadas em outros tempos e lugares, como violências simbólicas (Bourdieu 2001), a domestica ou gestada em relações de gênero, e o racismo e faz-se referencias a expressões de tais violências considerando juventudes. Rota ou questões de leitura Neste texto são acessadas peças da literatura sobre violência sem a intenção de cobrir um vasto e bem explorado campo, em especial quanto a expressões e sentidos sobre violência na sociedade nestes tempos, clássicos no campo, e modelagens disciplinares – filosóficas, sociológicas, psicológicas e culturais (ver, entre outros trabalhos disponíveis no mercado editorial brasileiro que bem se desincumbiram de tal cobertura crítica, Adorno, 1996; Pinheiro, 1996; Soares et al, 1996; Zaluar, 1997 e 2000, Velho e Alvito, 2000; Peralva, 2000 e Méndez et al, 2000). Também não se pretende revisitar em profundidade o debate conceitual, no plano ontológico e epistemológico, sobre violência em si, ou as desenvolvidas por Hobbes (debate sobre Estado e “violência natural”, em Soares et al, 1996) 1 , Freud (sobre violência e conflito edipiano, em Costa, 1998) e outros, ou, ainda, violências adjetivadas, como a violência urbana (Castro, 1993; Velho e Alvito, 2000); a doméstica (Soares et al, 1996); a de orientação racial (Rex, 1988; Guimarães e Huntley, 2000); contra * Pesquisadora da UNESCO-Brasil; professora aposentada da UFBA; pesquisadora associada do Centro de Estudos de Migrações Internacionais/UNICAMP-Programa PRONEX/CNPq; membro da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento; vice- presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP). 1 “A problemática da violência foi introduzida no pensamento social moderno por Maquiavel e Hobbes[...]Chocando a tradição cristã medieval, Maquiavel trata friamente o tema da violência, desnudando as hipocrisias vigentes e trazendo à luz o fato de que a força é o recurso elementar e inevitável do poder[...] A tese Hobbesiana de que a organização política, representada pela constituição do Estado, viabiliza a vida social, porque corresponde ao deslocamento do centro da violência, subtraída das relações sociais imediatamente experimentadas pelo núcleo institucional do poder, essa tese, com revisões e mudanças atravessou sécu- los do pensamento social[...]” Soares et al, 1996: 21.

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Violências, juventudes e educação:notas sobre o estado do conhecimento

Mary Garcia Castro *

Neste texto se acessa peças da literatura que combinam violências, juventudese educação, sublinhando a recorrência a ética ou a educação para valores e aimportância para política. Detemo-nos, no caminho, no debate sobre o simbólicoe trabalhos de Hannah Arendt sobre a interação entre poder, violências e educação.

Mas esta é uma leitura própria que portanto traduz o lido, considerandointeresses, questões próprias como buscar pistas para dar conta da diversidadede discursos reflexivos sobre violências corporificadas em uma geração,juventudes e o lugar da educação quando se discute tal tema,advogando,implicitamente, a importância de estudos comparativos e análisesconjugadas, já que por mais alarmantes que nos afigurem as estatísticas e noticiassobre violências varias no Brasil, hoje—e o alarme, quando indignação ésaudável—, não se tem o monopólio da violência, ao contrario, pois a dependerde como se define violência, a classificação do país , entre nações, varia.

Argumenta-se que por outro lado, muito do aumento das expressões sobreviolência hoje se deve a uma conquista democrática de movimentos sociais, emse reconhecer como violências, outras silenciadas em outros tempos e lugares,como violências simbólicas (Bourdieu 2001), a domestica ou gestada em relaçõesde gênero, e o racismo e faz-se referencias a expressões de tais violênciasconsiderando juventudes.

Rota ou questões de leitura

Neste texto são acessadas peças daliteratura sobre violência sem a intenção decobrir um vasto e bem explorado campo,em especial quanto a expressões e sentidossobre violência na sociedade nestestempos, clássicos no campo, e modelagensdisciplinares – filosóficas, sociológicas,psicológicas e culturais (ver, entre outrostrabalhos disponíveis no mercado editorialbrasileiro que bem se desincumbiram detal cobertura crítica, Adorno, 1996; Pinheiro,1996; Soares et al, 1996; Zaluar, 1997 e2000, Velho e Alvito, 2000; Peralva, 2000 e

Méndez et al, 2000). Também não sepretende revisitar em profundidade odebate conceitual, no plano ontológico eepistemológico, sobre violência em si, ouas desenvolvidas por Hobbes (debatesobre Estado e “violência natural”, emSoares et al, 1996)1, Freud (sobre violênciae conflito edipiano, em Costa, 1998) eoutros, ou, ainda, violências adjetivadas,como a violência urbana (Castro, 1993;Velho e Alvito, 2000); a doméstica (Soareset al, 1996); a de orientação racial (Rex,1988; Guimarães e Huntley, 2000); contra

* Pesquisadora da UNESCO-Brasil; professora aposentada da UFBA; pesquisadora associada do Centro de Estudos de MigraçõesInternacionais/UNICAMP-Programa PRONEX/CNPq; membro da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento; vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP).1 “A problemática da violência foi introduzida no pensamento social moderno por Maquiavel e Hobbes[...]Chocando a tradiçãocristã medieval, Maquiavel trata friamente o tema da violência, desnudando as hipocrisias vigentes e trazendo à luz o fato de quea força é o recurso elementar e inevitável do poder[...] A tese Hobbesiana de que a organização política, representada pelaconstituição do Estado, viabiliza a vida social, porque corresponde ao deslocamento do centro da violência, subtraída das relaçõessociais imediatamente experimentadas pelo núcleo institucional do poder, essa tese, com revisões e mudanças atravessou sécu-los do pensamento social[...]” Soares et al, 1996: 21.

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o homoerotismo (Costa, 1994); assim comointolerâncias e xenofobias (Eco, 2000).

Tem-se como fio condutor acercar-sede literatura que combine violências,juventudes e educação, sublinhando arecorrência à ética ou à educação paravalores e a importância para a política.Detemo-nos, no caminho, no debate sobreo simbólico e os trabalhos de HannahArendt (2001 e 1994), mas esta é uma leituraprópria que, portanto, traduz o lido,considerando interesses e questões quebuscam pistas para dar conta dadiversidade de discursos reflexivos sobreviolências corporificadas em uma geração– juventudes – e o lugar da educaçãoquando se discute tal tema, advogando,implicitamente, a importância de estudoscomparativos e análises conjugadas, já quepor mais que nos indignem e alarmem, asestatísticas e notícias sobre violênciasvárias no Brasil, hoje, não se tem omonopólio da violência, ao contrário, pois adepender de como se define violência, aclassificação do país, entre nações, varia.

Por outro lado, atualmente, boa partedo aumento das expressões sobre violênciase deve a uma conquista democrática demovimentos sociais, reconhecendo comoviolências as simbólicas (Bourdieu, 2001),as relacionadas a discriminações raciais, adoméstica, e outras de gênero, às vezes,silenciadas em outros tempos e lugares.

De fato, a violência que sangra e mataconfere ao Brasil uma triste posição, emparticular quando juventudes são tidas comoreferências (ver alguns dados recentes emWaiselfisz, 2000 e 2002). Mas, insiste-se, aposição do Brasil, país com altas taxas demortalidade causada por violência, tambémé compartilhada, inclusive, com países maisdesenvolvidos. Portanto, é necessárioinvestir em redes de informação, trocas deexperiências e num ethos mundial de recusaà banalização e à naturalização deviolências.

Se muito se tem escrito, nestes tempos,sobre violência, a ética também é um temapriorizado, como a insistência na impor-tância de investir, ao nível mundial, em umacultura de paz, alinhamento em que sedestaca a UNESCO.

Na década de 90 a UNESCO organizoudois debates sobre ‘ética universal’ e suarelação com a temática da globalização(Paris, março 1997; Nápoles, dezembro1997). O filósofo Karl Apel tem insistido sobrea necessidade de os problemas mundiaisserem equacionados a partir de uma basecomum de valores partilhados por ‘todos’.O livro de Edgard Morin, Pátria Terra,exprime o mesmo estado de espírito...(Ortiz, 2001: 8).

Ortiz adverte que a preocupação coma ética não deve marginalizar o debatesobre política e, acrescentamos, sobreeducação e escola. Referindo-se ao estadodo mundo após o terrível do 11 de setembro– atentado contra as torres do World TradeCenter, em New York – quando se ampliouo investimento em guerra e a política desegurança nacional, com implicações emxenofobias e perdas de liberdades coletivase individuais, o autor advoga a importânciada política para lidar com violências egarantir “valores como democracia,cidadania e liberdade” (Ortiz, op.cit) queestariam ameaçados.

Faz parte do nosso plano de leituraabreviada sobre violência revisitar HannahArendt, que insistiu na separação entrepolítica e violência. Vale rever seu texto decitação de praxe nos trabalhos sobre vio-lência – quando discute sobre o resgate da“dignidade da política” (Arendt, 2001 e1994) – e também seus trabalhos sobre acrise da educação na América, o papel daaprendizagem para o exercício da razão, daparticipação, da construção da democracia.

Quando se aborda o tema da violênciae das juventudes, há que lidar com múltiplosparadoxos, além do destacado por Peralva(2001) – o fato de, no Brasil, registrar-se oaumento de violência no período deconsolidação da democracia, após os anos80. Referimo-nos a outro paradoxo: o deser a escola uma instância de aprendiza-gem de valores e de exercício da ética e darazão e noticiada como lugar de incivili-dades, brigas, invasões, depredações e atémortes, onde os conflitos se registrariamentre vários agentes – alunos contra alunos,alunos contra professores e funcionários eestes contra alunos –, inclusive porviolências simbólicas, autoritarismos e

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ensino não considerado útil em termos deestar como ser no mundo (sobre violênciasnas escolas, para o caso do Brasil, verAbramovay e Rua, 2002).

Quando a escola reproduz ou é afetadapor violências, quando alunos e pro-fessores se enredam em intolerâncias,não reconhecimento da alteridade edesrespeito ao outro, rompe-se apossibilidade de que a escola cumpra,segundo o Relatório Delors da UNESCO(Delors, 1996), os quatro pilares daeducação contemporânea: “aprender a ser,a fazer, a viver junto e a conhecer”.(UNESCO, 2001)

Materializam-se violências locais enacionais, assumindo, portanto, perfispróprios, mas, nestes tempos, váriasdinâmicas alimentam expressões deviolência na escola e não se limitam aserem aí reproduzidas, ou seja, podem tera escola como aparato tanto estruturantecomo estruturado por, como o ethos deênfase em competições, individualismos,desigualdades sociais, construção demasculinidade por silenciamento esubordinação do outro, comumente,mulheres ou indivíduos de práticashomoeróticas. Tais violências são menosnoticiadas que aquelas associadas àsgangues, às galeras e ao narcotráfico.Insiste-se na importância do diálogo com oacervo internacional sobre estes e outrostemas conexos.

Implicitamente, ao discutir de formaconjunta violência e educação, a aposta éna possibilidade de uma cultura de paz, aser socializada, inclusive, via investimentoem cultura, novas relações sociais, comoas de gênero, e na escola. O que requeresforços conjugados por um saberreconhecer indícios de engendramento deviolências – o que possibilitaria investimentoem prevenção; lidar, negociar e, quandonecessário, opor-se e controlar violências.

A violência é reconhecida por diversosautores como multifacetária, transitandoentre identidade ou não identidade de umepifenômeno – quando se associa violênciaa macrotendências como pobreza,desigualdades sociais, formas decomunicações, tipos de democracia,

narcotráfico, perda de legitimidade peloEstado no monopólio da violência, formasde relação com poderes, perda delegitimidade do poder, uso da razão,consentimento e diálogo, portanto, antítesesda violência (Arendt, 1994), e afirmação depoder por macro, meso e micro autori-tarismos, como o exercido pelas armas, omedo à intimidação, o não respeito ao outro,à outra. Nessa linha, as abordagens sobreviolência dependem das associaçõesprivilegiadas.

O dilema da indefinição

Segundo pesquisa desenvolvida pelaUNESCO, sobre juventude e violência noBrasil:

A noção de violência é, por princípio,ambígua. Não existe uma violência, masmultiplicidade de atos violentos, cujassignificações devem ser analisadas apartir das normas, das condições e dostextos sociais, variando de um períodohistórico a outro.

A violência é um dos eternos problemas dateoria social e da prática política. Na históriada humanidade, tem-se revelado emmanifestações individuais ou coletivas.Chesnais (1981), em Historie de la violence,apresenta as múltiplas formas de violênciaregistradas em diferentes épocas esociedades, privada e coletivamente.Distingue desde a violência sexual até acriminal, os conflitos de autoridade e aslutas pelo poder estatal. (Waiselfisz,1998: 144-145)

É comum chegar-se a conceitosad hoc, ou seja, mais apropriados ao lugar,ao tempo histórico que se examina. Napesquisa coordenada por Waiselfisz, (1998),este dilema conceitual é assim resolvido:

Para efeito desta pesquisa, considera-se aviolência como parte da própria condiçãohumana, aparecendo de forma peculiar deacordo com os arranjos societários de ondeemergem. Ainda que existam dificuldadese diferenças naquilo que se nomeia comoviolência, alguns elementos consensuaissobre o tema podem ser delimitados: noçãode coerção ou força; dano que se produzem indivíduo ou grupo social pertencente adeterminada classe ou categoria social,gênero ou etnia. Define-se violência como ofenômeno que se manifesta nas diferentesesferas sociais, seja no espaço público, seja

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no espaço privado, apreendido de formafísica, psíquica e simbólica. (Waiselfisz,1998: 145).

De fato, é tênue o consenso sobre oque é violência, o que já traduz suapotência, e o debate entre saberes, como oque é considerado violência no sensocomum, e de construções do conhecimento,segundo Arblaster (1996), em verbete so-bre o termo no Dicionário do PensamentoSocial do Século XX, recorrendo a umamplo acervo da produção contemporâneasobre o tema:

O termo é potente demais para que [umconsenso] seja possível. Não obstante, umentendimento do termo ditado pelo sensocomum é, grosso modo, que a violênciaclassifica qualquer agressão física contraseres humanos, cometida com a intençãode lhes causar dano, dor ou sofrimento.Agressões consideradas, com freqüência,atos de violência. E é comum falar-se tambémde violência contra certa categoria de coisas,sobretudo a propriedade privada.

A intenção de ferir, ofender, atingir deforma deliberadamente negativa o outroseria um constituinte de violência, mas nãoo suficiente para sua caracterização,segundo referências que se localizam maisno corpo normativo legal como parâmetrodo que seria considerado como violência.Arblaster (op.cit.) lembra que o OxfordEnglish Dictionary define violência como o“uso ilegítimo da força”, o que pode ter comoperspectiva tanto o plano do legal como omoral, questionando, mais uma vez, asfronteiras entre referências coletivas eobjetivas, o sentido, o subjetivado, opercebido como violência.

O destaque dado à “agressão física” étambém questionado por muitos, consi-derando tanto outras formas de relaçõesagressivas quanto a mecanização e aindustrialização da violência, como as que sedão em larga escala – as guerras modernas.

As violações de propriedade tambémsão disputadas como definidor de violência,solicitando referência à historia, interesses(Thompson, in Bourdon e Borricaud, 1982)e à equação Mertoniana entre meios e fins– equação, em si, apoiada em vários estudoscontemporâneos sobre violências. (ver,entre outros, Peralva 2000).

Outro constituinte hoje questionado etambém tradicionalmente referido pelosenso comum é a violência como um atoindividualizado, pautado por psicopatias,dirigido contra outro ou outros, infringindoàs vítimas sofrimento, dor e morte.Considerar que muitos agressores não sesentem culpados ou responsáveis por suasações, que são treinados ou socializados,de forma intencional ou por modos de vida,para serem violentos, desloca a açãopreventiva para o campo das relaçõessociais coletivizadas, focalizando nãosomente indivíduos, mas grupos, comu-nidades e organizações.

Alguns autores desenvolvem esteraciocínio, pelo qual a intenção não definenecessariamente os agressores, referindo-se às estruturas de violência, o que seconfunde com situações de coerção social.

Se a violência não envolve necessariamenteuma agressão física no confronto direto dealgumas pessoas com outras, então adistinção entre violência e outras formascoercitivas de infligir danos, dor e morte ficaenevoada. Uma política que deliberada ouconscientemente conduza à morte depessoas pela fome ou doença pode serqualificada de violenta. Essa é uma razãopor que slogans como ‘pobreza é violência’ou ‘exploração é violência’ não constituemmeras hipérboles. (Arblaster, 1996: 803)

Em busca de definições mais finas,alguns autores disputam a relação entre oconceito de violência, o de força e o de sera violência necessariamente um regime deexcepcionalidade, analisando modelos derelações e princípios a partir do Estado, dosgrupos sociais e dos indivíduos.

Na contracorrente, existem discussõessobre a não violência, apelando para acorrelação de forças, ou o reconhecimentode simetrias quanto às forças para resolverconflitos e obter negociações. Assim,segundo Bourdon e Borricauld (1982: 613),“a renúncia à violência não resulta de umaconversão, mas de uma aprendizagem, queparte do reconhecimento de uma relaçãode forças que se impõe às duas partes[...]sem ´perder a face`.

Por outro lado, dependendo do tipo desociedade, a violência, em regimestotalitários, constituiria se em norma

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legítima, dada a imposição do poder deadministrá-la pelo não consentimento2.

A força das instituições e da parti-cipação organizada colaboraria naprevenção e no controle (que não deveriaser confundido com repressão) dasviolências. A idéia é por um plano de“vigilância” – “entendida como monito-ramento reflexivo da reprodução social”,segundo Giddens (2001: 348) – para amanutenção da “integração social” mundial.A preocupação do autor se volta para aexpansão da ordem militar mundial, daindustrialização da guerra e da existênciade um arsenal nuclear, assim como dadesigual divisão internacional e nacionaldo trabalho.

Se além de constituintes e caracte-risticas para reconhecer ou delimitar odebate conceitual pretende-se disputarsentidos, as taxonomias são mais diver-sificadas. Bourdon e Bourricaud (1982),recorrendo a uma resenha de produçõessobre violência na sociologia, identificamduas concepções: uma “anômica” e outra“estratégica”. A violência relacionada aanomia seria elaborada resgatando aherança Durkheiniana e, com variantes, seencontra em trabalhos referidos a ganguese ambiências educacionais:

Falaremos aqui em anomia em sentido muitoamplo, para caracterizar a situação em queo sistema normativo perdeu todo ou partede seu rigor e de sua eficácia. Os direitos eas obrigações deixam de ser efetivamentesancionados porque as pessoas nãosabem mais a que estão obrigadas, nãoreconhecem mais a legitimidade dasobrigações a que estão submetidas ouporque não sabem a quem recorrer parafazer valer seus próprios direitos quandoestes são violados. A violência-anomia resultada proliferação das relações agressivas nossetores desregrados da sociedade.(Bourdon e Borricaud, 1982: 607)

Segundo esses autores, os trabalhosque seguem tal orientação se voltariam parasituações coletivas de dispersão deinteresses, cunhados por antagonismos que

levariam à “dissolução da própriacoletividade”, exemplificando com ostrabalhos clássicos de Hirscham sobre“violência descentralizada” dos campo-neses colombianos (a guerra da Violência)ou, no outro extremo, para agrupamentosmicroorganizados, de “bandos” rela-cionados a ações negativas, como ostrabalhos clássicos de Thrasher sobregangues.

Entre as críticas às ambigüidades nouso do modelo violência-anomia destaca-se a que questiona a legitimidade dasnormas que se tem como referência dodesejável ou da base de representações,ou quem falaria “em nome de todo o povo”.Bourdon e Borricauld ressaltam que ototalitarismo seria a “forma mais complexade violência exercida pela sociedade contraos seus membros” ou por “representantes”da norma, e que recorreria, inclusive, àviolência de calar consciências, afogarexpressões de oposição à norma.

Estar-se-ia, então, tratando de“violência estratégica” quanto a fins, comoo fim de manutenção da norma sem aconstrução do consentimento por opçãoconsciente, mas por conformismo, sendoeste estado de passividade uma elaboraçãode parte da violência estratégica, retomandoo modelo Mertoniano sobre meios e fins,sendo os fins, em si, privilegiados.

As referências anteriores ao debateconceitual advertem sobre a importância dedistinguir os níveis analíticos de referência,ou seja, se o vetor consiste em relaçõesentre Estados, análises nacionais e, nestas,se sobre coletividades ou indivíduos. Aindaque esses níveis não sejam estanques eguardem de comum o substrato deconstruções sociais, cada caso pedeoperacionalização própria.

O conceito de violência, muitas vezes,é usado de forma indiscriminada parareferir-se a agressões, incivilidades,hostilidades e intolerâncias. Ainda que naperspectiva ética geral, ou dos sentimentos

2 “[Nos Estados totalitários] há uma tendência muito forte entre os indivíduos de se identificarem com as figuras dos lideres[segundo as teorias psicológicas de liderança de Lebon/Freud]. ́ E possível que a maioria da população fique vulnerável ‘a influ-encia de símbolos propagados pela figura do líder, em quem uma confiança exagerada é mantida, a despeito das políticas punitivasimpostas. “ Giddens, 2001: 317.

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da vítima, tais fenômenos possam rever-berar como violações de direitos, há quecuidar, principalmente quando se lidacom crianças e jovens, dos limitesconceituais, já que no plano de recomen-dações e políticas é importante conceituarmelhor o tema (Chesnais in Debarbieux,1996). Sobre agressões, mais referidas naseção sobre a contribuição de HannahArendt, o psicanalista Jurandir Costa (1998)alerta para as distinções sobre violência eagressões, defendendo que estas, no casode formação da subjetividade, nãonecessariamente têm o risco daquelas.Sobre incivilidades, mais abordada quandose discute a literatura sobre violência naescola (ver Abramovay e Rua 2002), seuuso é extenso, principalmente na literaturafrancesa (ver, entre outros, Debarbieux,1996). Já o termo “bullying” (que envolveexpressões de hostilidades repetidas),utilizado também nas abordagens sobreambiência escolar, é mais empregado pelaliteratura anglo-saxônica (ver, entre outros,Watts, 1998), ainda que analisado emdiferentes países.

Intolerância, considerado tema tambémcomplexo, é apreendida ao nível deindivíduos, grupos e nações, solicitandointervenção educacional, de construçõessociais, programas e posturas específicospautados na pluralidade e no direito àalteridade. Chamamos a atenção para areflexão de Humberto Eco, realizada noFórum Internacional sobre a Intolerânciapromovido pela UNESCO, em 1997, sobreo conceito, enfatizando o lugar daaprendizagem que ultrapassa os sítiosformais, como a escola, mas passa por ela,o que se aplica também para o caso dasdiscriminações de raça, gênero e, entreessas, contra os homossexuais:

Tem raízes biológicas, manifesta-se entreanimais em forma de território e baseia-seem reações emocionais superficiais. Nãogostamos dos que são diferentes de nós,porque têm uma cor diferente de pele, porquefalam uma língua que não entendemos,porque comem rã, cachorro, macaco, porco,alho, porque usam tatuagem...

A intolerância em relação ao outro é naturalna criança, como o instituto de se apropriarde tudo o que lhe agrada. Aprendermos atolerância, pouco a pouco, como apren-demos a controlar o esfíncter. Infelizmente,se conseguimos controlar bastante bemnosso próprio corpo, a tolerância exige apermanente educação dos adultos.(Eco,2000: 17)

Algo sobre violência no Brasil e naliteratura recente

A associação entre violência e macrodinâmicas sociais, assim como a reflexãosobre o lugar do Estado, faz parte de umaherança comum no campo, em particularna literatura sobre o Brasil, o que está deacordo com a orientação de análisesestruturais nas ciências sociais, ainda quede diferentes filiações. Desigualdadessociais, pobreza, desemprego3, criseseconômicas e democracia são algumas dasreferências macroestruturais mais deba-tidas, mas com abordagem singular,segundo autor.

Mesquita Neto et al. (2001), por exem-plo, observa que as análises que se centra-liza na dinâmica da economia política seriammais bem - sucedidas quando o nível ana-lítico é institucional. A violência política, ou aque se dá entre classes ou grupos sociaisde diferentes classes, não seria tão referida,quando o foco está nos conflitos interpes-soais. Neste caso, o mais comum é focalizara violência entre pessoas de uma mesmaclasse ou grupo social. Ressalta-se que uma“perspectiva social” das violências requerum debate sobre o sistema de classessociais, mesmo quando se focaliza, ao nívelmicrossocial, relações entre indivíduos deuma mesma classe.

Peralva (2000) bem ilustra tal pers-pectiva, por referencias macrossociais. Emrecente trabalho, debatendo a literaturacontemporânea sobre violência no Brasil,critica a associação entre pobreza,desigualdades de renda e violência comoinsuficiente no plano explicativo, masreconhece a “geografia das mortes

3 Mesquita Neto et al. (2001: 29), citam como alinhados ao que se referem como “perspectiva econômica” na abordagem sobreviolência. Maricato (1995); Oliven (1980) e Weffort (1980).

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violentas nas periferias pobres e não nosbairros ricos” (op cit: 81)4. Insiste naperspectiva política e social (segundo asclassificações de Mesquita et al. 2001), ouseja, o debate sobre democracia, cidadaniaincompleta e atitude por riscos5.

De fato, se não suficiente, se faznecessário reconhecer no horizonte decondicionantes da violência a modelagemda pobreza e das desigualdades sociaisno país. Segundo Pinheiro (1996) eDimenstein (1996) haveria uma violênciade “caráter endêmico” relacionada aassimetrias sociais, que se traduzem emautoritarismos sociais de várias ordens,como subdesenvolvimento territorializado(das populações no Norte e no Nordeste ede áreas urbanas e rurais nas demaisregiões); impunidades – corrupção, comona área de segurança –; abusos das forçaspoliciais, principalmente contra os pobrese os não brancos; violações dos direitosdas pessoas presas pobres; e discri-minação racial. Mas os autores reco-nhecem, no Brasil contemporâneo, a maiorpreocupação das autoridades em relaçãoa importância de “fazer respeitar tanto oestado de direito como as normas dedireitos internacional dos direitos humanos,apesar de muito restar por ser feito”(Pinheiro, 1996: 9); a melhoria do registrosobre violência, tornando mais visível edetalhado o que está disponível sobre otema (Mesquita Neto et al, 2001); o aumentodo efetivo de segurança e sua formação6,ainda que se insista que “violaçõesestruturais” dos direitos sociais, eco-nômicos e culturais parecem ser uma

característica da sociedade” (Pinheiro,1996: 22).

Peralva (2000) organiza seu livro emtorno do que denomina o “paradoxobrasileiro”, ou seja, o aumento dos “crimesde sangue” entre 1980 e 1997, período deinvestimento na construção da democraciapós “anos de chumbo” da ditadura militar.Naquele período também haveria crescidoo acesso a armas de fogo, a presença donarcotráfico, em particular nas zonas depobreza de muitas áreas urbanas no país,e as crises da economia. Note-se quePinheiro (1996: 17) também recorre aotermo “paradoxo” para o caso do Brasil,mas no sentido de coexistirem “umadefinição estrita das garantias consti-tucionais e uma cidadania fraca” – todosfrisam a fragilidade da consolidação dacidadania no país e como esta fragilidadearriscaria a democracia.

O Brasil oferece o paradoxo de estar hojeao mesmo tempo no que poderia ser omelhor dos mundos e também no pior:o país é hoje a décima maior economiamundial com um Produto Interno Bruto (PIB)de 414, 1 bilhões de dólares, em 1991[...]As mortes violentas são a terceira causa demorte no município [de São Paulo][...]Periferização e favelização ocorrem numprofundo contexto de desigualdades entrericos e pobres [...] A décima economiaindustrial do mundo convive com a segundapior distribuição de renda em todo o mundo:a razão dos 20% mais ricos para os 20%mais pobres, entre 1980 e 1991, era de32,1%. (Pinheiro, 1996: 22-24).

Em 1998, no Brasil, foram registradascerca de 26 mortes por violência para 1000

4 “Mapas de criminalidade mostram que as mais altas taxas de homicídio são registradas na periferia das grandes cidades e regiõesmetropolitanas, onde os problemas de pobreza, desemprego e falta de habitação e serviços básicos, incluindo saúde, educação,transporte, comunicações, segurança e justiça são particularmente agudos. É também nessas áreas onde, apesar da transiçãopara a democracia na década de 1980, graves violações de direitos humanos continuam a ocorrer-incluindo execuções sumarias,tortura e detenções arbitrárias pela polícia e por grupos legados ‘a segurança privada e ao crime organizado (Pinheiro, 2000 eCárdia 2000)” (Mesquita Neto, 2001: 27)5 No plano de perspectiva política sobre violência, destaca Mesquita Neto et al (op.cit.) a ênfase na fragilidade do Estado no controleda violência e da impunibilidade e a “internacionalização das organizações criminosas”, modelagem da modernização, globalizaçãoe democratização, mencionando como aportes para tal perspectiva os trabalhos de Cardoso, 2000; Silva Filho, 2000, Flores, 1992e Vidigal, 1989 (cit in Mesquita Neto et al, 2001: 30). No que denomina ‘ perspectiva social”, com ênfase no estado dos aparatosde segurança, destacar-se-iam, hoje, os trabalhos de Pinheiro, 2000 e 1996; Cárdia, 2000; Caldeira, 2000; Adorno, 1999, 1998,Pandolfi et al, 1999 e Soares, 1996. Segundo Mesquita Neto et al (2001: 30) na perspectiva social enfatizar-se-ia “a longa historiade autoritarismo, discriminação racial e desigualdade social no Brasil...uma cultura de violência na sociedade” Na mesma linha,outros autores também enfatizam , em especial no Rio de Janeiro, a ampliação do uso de armas de fogo e drogas, o narcotráficoe organizações criminosas, citando-se Zaluar, 1999 e Soares, 1996.6 O numero de policiais civis e guardas municipais e militares aumentou em 45,4% entre 1985 e 1995 (in Mesquita Neto et al 2001:32)

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habitantes, patamar que sobe para 58,77 pormil em Pernambuco; 57,85 por mil noEspírito Santo e 55,52 por mil no Rio deJaneiro, enquanto desce para 8,11 por milno Estado de Santa Catarina o que alertapara importância de estudos transregionais,dada a diversidade de expressões ou daqualidade de registros no território (dadosdo Ministério da Saúde/Datasus/Sim apudMesquita Neto et al, 2001: 11)7. Entre 1980e 1998 houve um aumento de mortesviolentas da ordem de 67,5% – passando de70.212 para 117.603; por outro lado, só oshomicídios naquele período cresceram201,3%. A taxa de homicídios por 100 milhabitantes passou de 11,7 em 1980 para25,9 em 1998. Os homicídios cometidos comarmas de fogo teriam aumentado suarepresentação no total de homicídios,passando de 43,6% para 59,0%.

Vários autores (Zaluar, 1994; Pinheiro,1996; Soares e Dimenstein, 1996) frisamque os dados sobre desigualdades sociaisnão embasam “imobilismo” ou pessimismo,ou seja, não podem impedir que se invista,em especial o Estado, em políticas públicaspara lidar com violência, mas observam que,para que a sociedade civil se mobilizecontra violências há que superar taisrestrições, incompatíveis com uma“cidadania plena” (Pinheiro, 1996). É co-mum a insistência nas reformas insti-tucionais impulsionadas pelo governo emseus distintos níveis, como no aparato dejustiça e segurança, ainda que sereconheça que, principalmente na décadade 90, o Estado tenha se voltado paraquestões como o trabalho escravo, aviolência contra crianças e adolescentes, aprostituição infantil, a tortura, a discri-minação racial e de gênero e a tais esforçosassocia-se uma maior advocacia por direitoshumanos em distintos campos pelasociedade civil. Dimenstein (1996) registracasos de extermínio, prisões, conflitos deterra, trabalho escravo, massacre de índiose violências contra a mulher, noticiadosamplamente, ocorridos na última metade da

década de 90 e que, na sua maioria, conta-ram com denúncia e acompanhamento porparte de entidades da sociedade civil eorganizada.

A tese sobre democracia, cidadaniaincompleta e violência é desdobrada porPeralva (2000) considerando novasconfigurações que singularizariam umcenário que potencializaria violências noscentros urbanos brasileiros na virada doséculo: 1) aumento do acesso a armas –aspecto frisado por vários entrevistados emdistintas pesquisas, em áreas de pobreza(Peralva, 2000; Zaluar, 1999; Castro et al,2001, entre outros); 2) ”juvenilização” dacriminalidade, ponto que destacaremos naseção seguinte; 3) maior visibilidade ereação da violência policial, em particularcontra jovens em bairros periféricos; 4)ampliação do mercado de drogas e poderde fogo do crime organizado, em especialdo narcotráfico, em distintos centrosurbanos; e 5) cultura individualista e porconsumo – “individualimo de massa” –derivada de expectativas não satisfeitas,potencializando violências. Peralva (2000)defende que a confluência de dinâmicascomo as mencionadas condicionaria umsentimento/angústia de morte próxima e“condutas de risco”, mais presentes entreos jovens de bairros urbanos periféricos.Sobre possíveis rebates, na individuaçãode jovens na pobreza, de sua vulnera-bilidade em face do aparato policial, Peralva(2000:133) aponta que:

Estamos profundamente convencidos deque essa forma de intervenção policialviolenta ao extremo, e também de umaenorme ambivalência, posto que sua outraface é a corrupção, constitui um elementofundamental na formação do sentimento derisco de morte que afeta de forma constantetodo jovem favelado. Ora, uma das modali-dades possíveis de se responder individual-mente a esse risco é justamente o engaja-mento no narcotráfico.

Quanto à criminalidade, que vitimiza e envolveos jovens em centros urbanos metropolitanos,é comum destacar-se a influência do

7 “O Ministério da Saúde não tem registro de aproximadamente 20% do numero total de mortes no país (in Catão 1999). Aporcentagem é mais alta nas regiões Norte (41,3%) e Nordeste (44,9%) e ainda maior em alguns estados como Maranhão (70,6%)e Piauí (68,9%)” Mesquita Neto et al. (2001: 12)

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narcotráfico (Zaluar, 1999 e 2001), organi-zado segundo leis de mercado, mas sem oamparo da lei, ou seja, com lucros relacio-nados à sua ilegalidade. “Nesse contexto,quaisquer conflitos e disputas são resolvidospela violência, o que afeta de modo decisivoas taxas de homicídio” (Zaluar, 1994 apudSapori e Wanderley, 2001: 71)

Como outros autores citados, Peralva(2000) insiste também na necessidade demaior reflexão sobre o papel do Estadoquanto à legitimidade no controle daviolência e a participação das populaçõesde baixa renda e da sociedade civil no jogodemocrático, além da importância dereformas na polícia e na justiça – “ter umapolícia respeitada e respeitável” (Peralva,2000: 187). Seguindo a tese Weberiana dacentralidade do Estado no disciplinamentoda violência, Peralva (op.cit: 22) defendeque:

Só o Estado é capaz de encarnar a vontadede que a lei comum seja respeitada, o quesupõe que ele exerça funções de controleda transgressão e de exercício da punição.Construir um Estado que, em nome dasociedade civil, seja capaz de controlareficazmente o funcionamento do conjuntodas instituições, sem no entanto contradizero princípio das liberdades individuais, éprovavelmente um dos problemas maisimportantes com que a democracia brasi-leira se defrontará em futuro próximo.

Os paradoxos da democracia sãooperacionalizados com outras nuanças porMesquita Neto et al (2001:34) que,resgatando de cada perspectiva –econômica, política e social – dimensõespró-violências, insiste na questão dagovernabilidade e considera que:

O crescimento do crime e da violência resultanão apenas da pobreza e da desigualdadesocial, da falta ou má qualidade dos serviçosde segurança e da disseminação de armase drogas. Resulta também da incertezapolítica e dos conflitos institucionais nãoresolvidos durante a transição para ademocracia, que enfraquecem o impactodas ações para aperfeiçoar os serviços desegurança e justiça.

Por outro lado, alguns autores insistemna maior discussão de valores, cultura deviolência x cultura de vida ou cultura depaz(Castro et al, 2001; UNESCO, 2001),

cultura legal ou das leis (Vieira, 2001) e formasde estar e se sentir na vida ( Peralva, 2000).

Resgatando Edgar Morin, Peralva(2000) advoga a necessidade de investirem valores de vida e “reduzir drasticamenteo patamar dos riscos coletivamente aceitose reafirmar as regras de um jogo em que odireito à vida seja um princípio central”.(Peralva, 2000:186)

Vieira (2001) cerca o debate sobreviolência e valores advogando o resgateda importância da lei. Para isso, sugeremaior aproximação entre texto e contexto,ou seja, que de fato se siga os escritosjurídicos sobre normas de convivência, éticae o direito da alteridade, o que resgataria oprincípio mediterrâneo pelo respeito aooutro. Insiste-se na “reciprocidade”, portantoo dever não é só dos cidadãos, mastambém, e principalmente, do Estado, derespeitar tal lei.

A constituição de um Estado de Direito serátremendamente favorecida naquelas socie-dades em que cada indivíduo respeite osdireitos dos outros indivíduos, na expectativaque os outros também respeitem aquelesdireitos por eles reivindicados. Na medidaem que essas expectativas de respeito aosdireitos se generalizam, é possível a cons-tituição de um autêntico Estado de Direito.Trata-se de um sistema regido por normas,em que se reconhece mutuamente a cadacidadão o status de sujeito de direitos,dotado de uma esfera de proteção de suadignidade, no seu convívio com os demaiscidadãos e com o próprio Estado, tambémsubmetido ao princípio da reciprocidade.(Vieira, 2001: 81)

Para ter uma sociedade “pacificada”(Vieira, op.cit.), é necessário recusar osguetos, os “apartheid sociais”, ou seja, todosdevem se sentir parte de uma culturacomum, partilhando normas e valores,ainda que se conserve o pluralismo e asdiferenças não pautadas em desigualdadessociais – “o racismo, a pobreza, o nãoacesso à educação e a bens essenciais, àdignidade humana são formas que facilitama percepção do outro como inferior...”(Vieira, 2001: 81). O autor lembra que, noBrasil, o investimento em educaçãocorresponderia apenas a 3,3% do PIB,metade do que as doze maiores economiasdo mundo investem.

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Uma leitura sugerida pelo texto deVieira (2001), mais que as desigualdadessociais em si, a forma como se canaliza odescontentamento com as desigualdades,impunidades quanto a violações de direitose o arbítrio no uso das leis, associar-se-iacom sentidos de violência, ainda que nãodiretamente racionalizados dessa forma, ouseja, ao se sentir desrespeitado legalmente,ou sem leis de baliza – em anomia –, osindivíduos assumiriam comportamentos dedesrespeito em relação aos outros,ameaçando-se a ética do convívio social,ainda que não identifiquem causas estru-turais para tal comportamento.

A “juvenilização” da violência

Segundo O Mapa da Violência III. OsJovens do Brasil, se a “taxa global demortalidade da população brasileira caiude 633 em 100 000 habitantes em 1980para 573 em 2000, a taxa referente aosjovens cresceu, passando de 128 para 133no mesmo período” (Waiselfisz, 2002: 25).Esta publicação alerta, ainda, para “novospadrões de mortalidade juvenil”: mais queepidemias e doenças infecciosas, lugarprivilegiado como causas desta mortalidade,existem as chamadas “causas externas”,principalmente os homicídios e acidentesde trânsito. Se no conjunto da populaçãobrasileira tais causas dizimariam, em 2000,cerca de 12% da população entre 15 a 24anos, as causas externas seriam respon-sáveis por cerca de 70% dos óbitos. Oshomicídios causariam a morte de 4,7% dapopulação total, sendo 39,2% de jovens. Osacidentes de trânsito seriam causa da mortede 3,0% da população, atingindo cerca de14,2% dos jovens XV (Waiselfisz, 2002).

O alerta sobre o aumento de envol-vimento de jovens em situações de violência,como vítimas ou agressores, ecoa mais forteem distintos países, a partir dos anos 80,ainda que vários estudos sejam anterioresa esta data, confundindo-se a preocupação

com os jovens com preocupação da segu-rança contra os jovens, ou seja, a “demo-nização da juventude”. (Termo usado porautores da Escola de Birmingham em estu-dos sobre jovens na Inglaterra em períodopós II Guerra que, de forma pioneira,alertariam para culturas juvenis, formas delinguagens lúdicas singulares e o perigode demonizar os jovens, como a geraçãoda violência, sem considerar processoscontemporâneos de articulações defenômenos sociais, como exclusõessociais, racismo e outras intolerâncias,assim como o acesso às armas e àglobalização do crime organizado, queestariam relacionados com o aumento dasviolências envolvendo os jovens – ver Halle Jefferson, 1975 e Giroux , 2000, entreoutros)8.

A preocupação com a relação entrejuventude e violência se estende tambémpara a preocupação com o estado daspolíticas públicas e, entre estas, com aeducação, tema que também anima odebate em diversos países. Sobre o casoda Inglaterra, no período Thatcher, Gilroux(2000: 97-103) aponta que:

Professores, administradores e tra-balhadores sociais devem redefinir ospropósitos da escola, não como dependentedo estado, nem para responder demandasdo comércio e do mercado, mas comoresponsáveis por educar os jovens nodiscurso democrático da liberdade, respon-sabilidade social e liderança pública... opor-se à transformação da es-cola pública emesferas comerciais apenas responsáveis portreinar e credenciar mão-de-obra técnica...Caberia portanto educar para cidadania epara a democracia... fazer nexos entreautoridade e responsabilidade moral....Osque trabalham com os jovens necessitamfazer escolhas pela ética e justiça socialsobre a lógica do mercado e a linguagemde excessivo individualismo.

Os autores que, ao nível nacional einternacional, debatem a relação entre àviolência e juventude referem-se a crise dademocracia, da ética, que não teria origem

8 “Culpabilizada por abuso de drogas; explosão das taxas de crime; gravidez entre adolescentes; vício do fumo e outros problemassociais e econômicos, os jovens são o bode expiatório de políticos, a mídia dominante e vários intelectuais conservadores eliberais....Por exemplo, Camilia Paglia acusa os jovens por sua inabilidade de pensar criticamente sobre qualquer tema politica-mente serio” (Giroux, 2000: 93)

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em si, em uma geração ou ciclo de vida,mas solicitaria olhares específicos para aspolíticas da juventude, entre estas, as maispreocupadas com a escola pública e aeducação atual.

Rodriguez (2001), analisando amplabibliografia sobre juventude na AméricaLatina, enfatiza que viria ganhando força avisibilidade sobre a violência que envolveos jovens, a crítica às políticas de corterepressivo, inclusive por sua ineficiência, ea ênfase na prevenção e promoção daparticipação dos jovens.

“Son jóvenes (casi niños) los ‘sicarios’colombianos que asesinan a quien sea... yson jóvenes los ‘delicuentes’ que cada finde semana ‘mueren en enfrentamiento conla policía’ caraqueña o brasileña , o losmiles de miembros de las ‘maras’ (de‘marabunta’) guatemaltecas, salvadoreñaso nicaragüenses, que ‘arrasan’ con todo loque encuentran en su camino, en el marcode sus actividades ‘delictivas’ (ver, porejemplo, OPS-ASDI-BID 1997). Tambien sonjóvenes - ya hasta niños - los que soneliminados por ‘escuadrones de la muerte’en Rio de Janeiro por el simple hecho deser ‘niños y jóvenes de la calle’ (ver, porejemplo, los estudios de la UNESCO.)9 y sonjóvenes tambien los que protagonizandirectamente los enfrentamientos armadosentre soldados y guerrilleros en el Perú, enColombia, en Guatemala o en Chiapas, enla frontera sur mexicana... Son jóvenes losque nucleña las ‘bandas’ y ‘pandillas’juveniles en casi todas las grandes ciudadesdel continente, y son mayoritariamentejóvenes pobres...”

No caso do Brasil, distintos estudos vêmdando visibilidade ao crescimento dasmortes por violência entre jovens (verestudos promovidos pela UNESCO- nota8, Bercovich et al, 1998; Mello Jorge et al,1998, entre outros). Considerando o totalde mortes por coorte, a faixa de 15 a 24anos de idade exibe maior concentraçãona categoria de óbitos por “violênciaconjunta” (decorrentes de homicídios,agressões e acidentes de trânsito) do quena categoria de óbitos por “causas internas”(relacionadas a doenças). Essa tendência

é mais acentuada que nas demais coortes deidade. Por exemplo, no Rio de Janeiro, em1998, enquanto as mortes por “violênciaconjunta” representaram 55% do total deóbitos de indivíduos na faixa de 15 a 24 anos,na mesma cidade e período, os que falecerampelos mesmos motivos não excederam 5%,tanto entre a coorte de 0 a 14 anos, como nade mais de 24 anos (Ministério da Saúde/FNS/ CENEPI/ SIM e IBGE - dados de 1998,apud Castro et al, 2001).

Em que pese a extensão do fenômenode juvenilização da violência por váriospaíses, Rodriguez (op cit.) e outros autoresapontam que as especificidades nacionaisdevem ser consideradas para o desenhode políticas. Contudo, enfatizam a impor-tância da educação formal e informal eserviços de atenção especializadosvoltados para “convivência cidadã”,conjugando participação com responsa-bilidades sociais, resgate da confiança nasinstituições, espaços de socialização eabertura de oportunidades para atividadesculturais, integração comunitária e trabalhoscom a família, entre outros, além dasclássicas fórmulas por emprego e matrículaescolar. Em relação à educação, haveriauma preocupação com propostas peda-gógicas mais atraentes às linguagensjuvenis; por outro lado, também se enfatizaa importância de enfoques integrais, ouseja, lidando com diversos campos de vidae considerando os jovens tanto comodestinatários de políticas como prota-gonistas ou partícipes (UNESCO, 2001;CEPAL, 2000; Castro, 2001; Rodriguez,2001, entre outros).

El impulso a diversas formas de voluntariadojuvenil, la promoción del uso responsable delos médios masivos de comunicacion comoagentes privilegiados de socializacion juvenil,y el acercamiento de la cultura juvenil yla cultura escolar (significativamentedistanciados en los últimos tiempos), podriancolaborar significativamente en estasmaterias, fortaleciendo - en definitiva - losactivos de los próprios jovenes ydisminuyendo los riesgos a los que éstos seven sometidos. (Rodríguez, 2001: 14)

9 Entre os estudos promovidos pela UNESCO, no Brasil que registra violências envolvendo os jovens, mencionados por Rodriguez,cita-se Waiselfitsz et al (1998); Waiselfitsz et al (1998b); Minayo et al (1999), Barreira et al (1999); Sallas et al (1999); Abramovayet al (1999) e Waiselfitsz (2000). Também acrescentamos Castro et al (2001).

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Zaluar (1994, 1999 e 2001), autorapioneira nos estudos contemporâneossobre violência e pobreza no Brasil, a partirde pesquisas no Rio de Janeiro, como ou-tros autores antes citados, discute a impor-tância de políticas em distintas esferas. Aautora também recusa associações deter-ministas entre desigualdades sociais,pobreza e violência e “complexifica” odebate sobre desigualdades sociais, recu-sando a idéia única de falta ou carências,sugerindo um certo cuidado com teoriasreducionistas, particularmente quando sefocaliza juventudes:

Houve um duplo reducionismo: o deconfundir a pobreza ou a desigualdadesocial com a privação absoluta na sua mani-festação concreta mais evidente - a fome; ode reduzir cidadania aos direitos sociais.No primeiro caso, a redução negou asprofundas transformações nos padrões deconsumo das famílias de trabalhadorespobres, o que explica a privação relativaa outros grupos e categorias sociais,bem como os conflitos intrafamiliarese intergeracionais na sociedade deconsumo... Faltou uma visão integrada decidadania, especialmente as dirigidas aosjovens, isto é, as educacionais. (Zaluar,1994:182)

Zaluar considera, também no plano deuma “visão integrada de cidadania”, odebate sobre valores e ethos cultural destestempos, que padrões novos de consumismo“lançam o jovem no mercado do vestuárioe das atividades de lazer variadas, muitasvezes incompatíveis com a economiadoméstica e sua hierarquia de consumo”(Zaluar, 1994: 183). A autora estabelecepontes não determinísticas, frisa-se, entreaspirações a novos padrões de consumo –“adesão ao hedonismo” – e envolvimentocom quadrilhas e tráfico de drogas.

A falta de uma visão integrada decidadania não prejudicaria somente aspesquisas em relação a juventude, mastambém a ordenação de políticas públicasfocalizadas na educação na década de 90.Segundo Zaluar (1994: 184)

Na política educacional, especialmente a quese destinava às crianças e adolescentes debaixa renda, a mesma pulverização esuperposição de recursos, espalhados porinúmeros projetos e iniciativas menos

organizadas... A proposta pedagógica e deformação escolar ou profissional tambémdebateu-se com inúmeras ambigüidades einconsistências devidas à ausência de umaconcepção integrada ou mesmo coerentede cidadania. A própria idéia deassistencialismo, no que se refere aoatendimento de crianças e jovens, precisavaser melhor definida, pois seres nãosocializados e independentes necessitam deproteção e assistência...

Ao recusar a idéia corrente de quepobreza gera crime, Zaluar também advertecontra políticas bem intencionadas, masautoritárias, de cidadania que, em muitoscasos, desembocam em repressão oupolíticas que não são nem assistenciaisnem garantem a participação. A autorainsiste em políticas que enfoquem asociabilidade e equacionem direitos edeveres, afastando-se, portanto, daperspectiva paternalista, já que o Estadonão pode ser considerado nem “salvador”,nem “perseguidor”. A partir destasreflexões, amparadas em uma amplapesquisa realizada no Rio de Janeiro, em1984, com a colaboração do IBOPE (11 milquestionários), Zaluar considera ainda que,nas respostas sobre crime e violência,haveria nuanças sobre uma perspectivaainda não firmada da importância dacooperação e em uma cidadania ampla,mesmo que a maioria das respostasinsistisse somente no trabalho como locusalternativo à violência, em particular na queenvolve os jovens – o trabalho como “destinodos pobres”. (Zaluar, 1994; mas note-seque a pesquisa foi realizada num períodoem que o desemprego ainda não atingia aalta expressão entre os pobres, como emperíodos posteriores). Da pesquisa, a autoraressalta a hostilidade, inclusive entretrabalhadores, contra os jovens habitantesde rua e o fato de que se apostaria mais naética do trabalho que em projetoseducacionais para envolver os jovens emperspectiva alternativa à exposição aviolências. Ressalta também uma visãoinstrumental da escola, entre a populaçãode bairros periféricos e favelas (caso do Riode Janeiro), ou seja, como lugar para afastaros meninos da rua, ou seja, de lugarconsiderado fonte de violências.

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O lugar escola no ideário das famíliasde baixa renda passaria por transforma-ções ainda pouco refletidas na literaturanacional, predominando a idéia de que aescola é um lugar de formação e prepa-ração do ser e estar no mundo. O projetopedagógico das escolas, no horizonte depaís de classe média e alta, seria fator deseleção sobre a escola para seus filhos(ver reportagens sobre seleção demelhores escolas conduzidas pela RevistaVeja nas cidades como São Paulo, Rio deJaneiro e Salvador); para as famílias debairros pobres, com maior probabilidade,fatores como proximidade do lugar deresidência e a idéia de que estar na escolaafasta os jovens da rua – quando, ironica-mente, a rua violenta já teria penetrado aescola, os seus muros (Zaluar, 1992,Guimarães e De Paula, 1992 e Paiva,1992, sobre violência nas escolas, noBrasil, em outra seção mais discutidos) –mais orientariam a ”seleção” da escolapara os fi lhos. Também entraria noscálculos sobre a importância da edu-cação, a perspectiva de que atravésescolaridade os jovens poderiam vir aconseguir um emprego. Entretanto, comobem adverte Zaluar (1994: 202):

A idéia de que o trabalho por si só vale ede que o ócio é ruim deixou de ser o centrodas referências de vida da populaçãotrabalhadora, pelo menos a mais jovem.Mas a opção pelo mundo do crime comosaída continua a sofrer as restrições moraispor estes mesmos trabalhadores...

Zaluar e outros autores (entre eles,Linhares, 2001) destacam a existência deturbulências e assimetrias de poderesno diálogo entre pais e escola, no acom-panhamento, por estes, da formaçãotransmitida aos jovens e a possibilidade decrítica aos casos do “burocratizado, rígidocaráter do sistema escolar oficial” (Zaluar1994). Essas inferências sobre valor-escolaestão aqui simplificadas e não fazem parteda nossa resenha, são apenas sugeridasindiretamente pelos trabalhos citados paraintroduzir o tema da educação, do simbó-lico e do político. (Sobre a literaturainternacional e nacional que discuteviolências nas escolas ver Abramovay e

Rua, 2002 - capítulo “Violências nasEscolas. Revisitando a literatura”.)

Antes de entrar no debate sobre aeducação, o simbólico e o político, faz-senecessário enfatizar a relativização dosenfoques lineares, questionando um vetorrecorrente em debates do senso comumsobre violência e juventude – a culpabi-lização da família. Pesquisas desenvolvidaspela UNESCO, no Brasil, como a coordenadapor Waiselfisz (1998) sobre jovens de classemédia, indicam que profissionais da edu-cação atribuiriam a maior violência dosjovens de hoje prioritariamente à “deses-truturação da família”, referindo-se à privaçãocultural dos alunos, à falta de atenção econvívio com os jovens, o que compro-meteria o diálogo entre a escola e a família.“As dificuldades dos alunos, segundo osprofissionais da educação, são localiza-dasem um ambiente externo à escola, prin-cipalmente em seu ambiente familiar e cultu-ral. Porém, pais e alunos não se referem aessa terminologia” (Waiselfisz, 1998: 84-85).

Violências, a educação, o simbólico e opolítico

Retomando o debate teórico interna-cional sobre a relação entre força e auto-ridade e violência, e se a violência é ou nãoum estado de excepcionalidade, temreverberações não apreendidas pelaliteratura sobre violência na escola, que,como nos deteremos na seção seguinte, fixa-se mais na expressão de situações deviolência e nas associações de dimensõescomportamentais, relegando a segundoplano o lugar do conteúdo educacional e aforma de desenhar relações sociais nasinstituições de aprendizagem para fazerfrente às violências.

Dadoun (1998:10), resgatando aetimologia latina do termo violência, lembraque vis significa tanto violência como força,vigor, potência e a “força das armas”, assimcomo a essência de um ser, o que é usadopelo autor para a defesa da tese do “homoviolens”, ou que a violência faria parte daessência do ser humano. O que não emba-saria o determinismo, mas a necessidadede desconstruir, cultural e politicamente, esta

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violência; através da estética e da ética –educação das artes, do belo, do bem. “Tratara violência, tratar com a violência, é funçãofundamental, antropológica, da educaçãofundadora da humanidade” (Dadoum, 1998:52). A educação atuaria pela transmissão doconhecimento – “função técnica” – oudesenvolvimento da “atenção, memória,raciocínio além das competências solicitadas”(ibid) e exercício da criatividade, quando o“homo violens” se tornaria “homo sapiens”.O desafio para a educação estaria em lidarcom o risco de reproduzir institucionalmenteviolências, ou, segundo Dadoum,

a violência radical do homo violens não seerga diante dela, como uma estátua decomentador, em busca de uma respostaque nunca virá. A violência integrada,combinada, mais ou menos bem dominada,do sistema educativo – esta violência ditainstitucional –, deixa subsistir, quando elanão favorece em função de afinidadeseletivas e de fins de recuperação, bolsõesde violência ‘selvagem’ integrada apenasem formas elementares de ‘associações decrianças ou adolescentes, bandos ouconfrarias, ou ainda ‘irmandades’ bastanteimperfeitas e cuja atividade principal, atémesmo exclusiva, consiste em rituais de puraviolência - uma violência desvencilhada,depurada de qualquer interesse político,sexual ou outro. (Dadoun, 1998: 53)

Coexistiriam na literatura especializadae no campo do romance declarações deprincípios e ilustrações de experiências poruma educação formadora em valores desolidariedade e pela razão e registros deterríveis casos de escolas, fábricas deviolências (como no livro do escritor suecoJan Guillou, A Fabrica de Violência, e o deRobert Musil, sobre uma instituição austríaca,

O Aluno Törless (apud Dadoun, 1998: 54) ede professores que se emaranham na tramade violências por imposições do sistemaeducacional – tema de entrevistas realizadaspor Gabrielle Balazs e Adelmalek Sayad emescola pública em Paris, publicadas porBourdieu (1997)10.

Mais que um palco onde ocorremviolências, a escola, como aparato privi-legiado do sistema educativo, teria perfilpróprio no jogo por e contra violências.Quando o estímulo à autonomia, à dia-lógica, a lidar com a pluralidade e permitirsubjetivação, ou seja, assim como ademocracia, a escola não se questiona edesafia sua violência, exercitando auto-ridade para a dependência, segundoDadoun (1998: 99):

A violência do sistema educativo se dariapor estar fundada sobre a competição, aseleção, a discriminação, a exclusão – coma violência dramática do fracasso que tendea conduzir à desvalorização de si, aos víciosde álcool e drogas, à delinqüência, aosuicídio.

O risco de a educação trair seusprincípios humanistas, convertendo-se empeça de violências, através da anuênciapassiva a um estado de coerção –externo –, ou da participação consentida,tanto como instituição ou por seus agentes,professores, em abusos de poder eautoritarismos – as faltas, as puniçõesarbitrárias e o ensino de má qualidade –,mais se singulariza, entretanto, por um poderque mais lhe destaca, o da administraçãode um “capital simbólico” que, como relaçãosocial que transita entre o objetivo e osubjetivo, tem um valor próprio (Pinto,

10 Entrevista realizada com o diretor de colégio publico em um bairro considerado “difícil” em Paris, finais dos anos 80, com classesde imigrantes recém chegados da África, Ásia e Europa: “Através do tom desencantado de sua conversa, o velho professorrepublicano de origem popular que diz ter sempre estado preocupado com o desafio de saber ‘como fazer para salvar o máximode alunos’ deixa entrever toda tristeza que lhe inspira a violência dos alunos, mas também por aquela exercida pela instituiçãoescolar, rivaliza em seu interior com o mal estar que ele sente de se ver assim obrigado a usar de violência contra a representaçãoque ele tinha feito par si da escola e de sua profissão de educador. Ele não pode aceitar que a escola seja hoje em dia tratada comose fosse uma delegacia e se resigna a imaginar-se como um simples agente da manutenção da ordem, obrigado a ‘usar a força’....tendofeito de tudo para encarnar dignamente a missão da instituição escolar tal como ele a concebe-trazer”. para os bairros ditos‘difíceis’ ‘aquilo que é talvez a coisa mais útil, mais indispensável para as crianças que aí são prisioneiras, o respeito absoluto quelhes testemunham os professores e alguns instrumentos para ajuda-los a sair daí, a serem talvez autônomos um dia’- ele temdificuldades em perdoar a instituição por colocar seus servidores mais devotados em condições que lhes impedem de fato decumprir verdadeiramente esta missão, isso quando elas não os condenam a renegar, pura e simplesmente, aquilo que ela lhesensinou, as crenças e valores em função dos quais, 20 anos atrás, eles tinham escolhido esposar, como se diz, a ‘vocação’ deprofessor” Balazc e Sayad in Bourdieu 1997:569

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2000)11; utilizando os jogos de linguagem, odiscurso, a confiança e a comunicação. Osimbólico seria entendido, segundo Pinto(op.cit), como atividade de conhecimento(sentido), dinâmica de representação,portanto, estaria no domínio do subjetivo eoperaria por signos em relações sociais.Através da educação, na escola, seadministrariam sistemas simbólicos, dandomaior legitimidade às instituições de ensinocomo instância de poder saber (Foulcault,1977). Os poderes da educação, da escola,remetem a outro conceito básico do debatesobre violência e sugerem a complexidadedo tema quando se tem como referência umterritório com fronteiras próprias, mais fluidas,como a escola, qual seja, o da violênciasimbólica. Violência exercida por consen-timento, pelo uso de símbolos de poder, quenão necessita do recurso da força física, dasarmas, do grito, mas silencia protestos, vaialém do entendimento de senso comumcomo sendo aqueles tipos de violências nãopercebidas como tais e que, no ambienteescolar, com alta probabilidade, seriamexercidas não somente entre alunos, masnas relações entre professores e alunos. Aviolência simbólica decola do reconhe-cimento da autoridade e tem na comunicaçãoo veículo básico, solicitando maioresqualificações. Segundo Bourdieu (2001: 11):

...não basta notar que as relações decomunicação são, de modo inseparável,sempre, relações de poder que dependem,na forma e no conteúdo, do poder materialou simbólico acumulado pelos agentes (oupelas instituições) envolvidos nessasrelações... É enquanto instrumentos estru-turados e estruturantes de comunicação ede conhecimento que os ‘sistemassimbólicos’ cumprem a sua função políticade instrumentos de imposição ou de

legitimação da dominação, que contribuempara assegurar a dominação de uma classesobre outra (violência simbólica) dando oreforço de sua própria força às relações deforça que as fundamentam e contribuindo,assim, segundo a expressão de Weber,para a ‘domesticação dos dominados’... Opoder simbólico só se exerce se forreconhecido, quer dizer, ignorado comoarbitrário. (Grifos nossos.)

A educação, a escola, seria, por umlado, locus privilegiado de exercício daviolência simbólica pelo poder do exercícioda comunicação racional, seguindo a linhasugerida por Bourdieu (2001b: 101):

A forma por excelência da violência simbólicaé o poder... exercido pelas vias dacomunicação racional, ou seja com a adesão(extorquida) dos que, sendo os produtosdominados de uma ordem dominada porforças enfeitadas de razão (como aquelasque agem por meios de sanções dainstituição escolar ou mediante as sentençasdos peritos econômicos), estão forçados aconceder sua aquiescência ao arbitrário daforça racionalizada.

Se um dos constituintes-chave daviolência simbólica é que esta é exercidacom a cumplicidade dos dominados, cabenas pesquisas ir mais além do dito, docriticado, e auscultar silenciamentos. Poroutro lado, considerando que se a escola élocus de exercício da violência simbólica,é também a educação, a escola, queparadoxalmente pode, ainda que nãoapenas ela, “desmascarar” dominações,contribuir para o conhecimento racional, avigilância contra violências, o que lheapresenta o desafio de permitir seuquestionamento, através da aprendizagemdo espírito crítico e participativo na formaçãode sujeitos de conhecimento, contribuindo,assim, para outra política, outro poder.

11 “As práticas simbólicas são determinadas, assim como as praticas econômicas por interesses: por uma transposição de con-ceitos propriamente econômicos para o domínio simbólico, falaremos portanto de lucros, investimentos, custos, capital e mesmomais valia...simbólicos, mas essa transposição só será legitima e fundamentada se, evitando projetar as praticas simbólicas sobreas praticas econômicas para lidar precisamente com a possibilidade de interesses propriamente simbólicos, procurarmos integra-las ambas numa teoria mais profunda da economia das praticas....(levar em conta o objetivo, o subjetivo, seu entrançamento edistanciamento. Apesar de todas as advertências como evitar, após ter lembrado que a “economia dos bens simbólicos é umaeconomia do vago e do indeterminado” (Bourdieu)que o observador seja vitima da transgressão que ele comete, desse “tabu daexplicação”, “tabu que a analise quebra, por definição, arriscando-se assim a apresentar como calculistas e interesseiras, praticasque se definem por oposição ao calculo e ao interesse”? (Bourdieu)” (Pinto: 2000:130) Segundo Pinto, em formulações maisrecentes de Bourdieu, o capital simbólico é pensado como sem equivalência de troca, como os bens de mercado, o que o afastariade uma concepção economicista. Imaginamos a vocação, a honra, o dever cumprido, a amizade, por exemplo.

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O debate sobre sistemas simbólicos,violência e educação requer, por outro lado,referência à socialização em distintasesferas, ou seja, não somente no plano daescola. Anotando que agressores e vítimascomumente são homens, parte expressivae crescente da literatura discute a relaçãoentre violência e masculinidade (ver, entreoutros, Nolasco, 2001 e Breines, Connel eEide, 2000)12.

Se a violência tem sexo e idade,predomina entre jovens homens, teriatambém, como frisam vários autores, parao caso brasileiro, raça. Não fossem essascategorias – raça, gênero e geração –construções sociais.

A raça na violência é destacada, emespecial, quando se focaliza a vítima.Segundo informações do Banco de Dadosdo Movimento Nacional de DireitosHumanos (que trabalha com matérias dejornais), em Salvador, de 1996 a 1999, aimprensa noticiou 3369 assassinatos. Operfil da vitima típica seria: homem (92,3%dos casos), entre 15 a 24 anos (41,8%),negro (30,7%) e de ‘cor’ não noticiada(68,3%); 1,0% seria mencionada comobranca (Comissão de Justiça e Paz daArquidiocese de Salvador, 2000).

O sexo, a raça e a idade jogam comoreferências no plano da violência no Brasilhá tempos, ainda que, mais recentemente,venha se destacando a tendência paraserem cada vez mais jovens os quesangram e os que são sangrados.

Fausto (2000), trabalhando comprocessos criminais na cidade de SãoPaulo, no período 1880-1924, notou asobrerepresentação de negros e mulatospresos, quando comparada a proporçãodestes na população daquela cidade, noperíodo. Entre 1904 e 1916, a represen-tação dos mulatos e negros entre os presos

seria duas vezes superior às suas pro-porções na população global na cidade,chegando a 30% da população carcerária.O autor detalha formas racistas nasanotações nos processos, quando àmargem dos mesmos, se escrevia à caneta“negro” ou “pardo”, ainda considerando odelito, “os brancos” se destacam noshomicídios e crimes sexuais e os “pretos”e “mulatos” em “furtos e roubos”.

Sobre idade, observa Fausto (2000:93)que no Brasil, no final do século XIX, aadolescência não seria ainda um conceitoe, desde os 9 anos, os de baixa renda jáestariam engajados como trabalhadores emfábricas, tendo que cumprir penas eminstituições industriais, quando consi-derados infratores, podendo aí ficar até os21 anos, se considerados “vadios”. Aorientação para “recuperação” seriaprincipalmente pelo trabalho e pelaeducação profissionalizante e não pelaeducação de formação básica, comumentenão acessível aos mais pobres. Entre 1912e 1916, a população carcerária menor de20 anos era superior a dos maiores nacidade de São Paulo, considerando aproporção na população global por grupoetário13.

O padrão da relação entre criminalidadee gênero estaria se modificando, mas asupremacia masculina entre agressores epopulação carcerária se mantém histo-ricamente. Na cidade de São Paulo, entre1912 e 1916, 87,9% dos presos seriamhomens. Contudo, a distribuição por sexoda população carcerária varia segundo tipode delito, indicando a necessidade de estarmais atento à associação entre sexo eviolência, ainda que, na análise do período,entre 1904 e 1906, em São Paulo, elaboradapor Fausto (2000), em todas as modalidadesse encontrassem sempre mais homens14.

12 “Os homens têm uma expectativa de vida menor que as mulheres; respondem por cerca de 90% do contingente carcerário;morrem mais em acidentes de transito, ingestão de álcool e drogas; e cometem mais suicídio que as mulheres....Segundo umrelatório elaborado pela Federal Bureau of Investigation, nos EE.UU., em 1991, a probabilidade de um homem cometer assassi-nato é 9 vezes maior do que uma mulher. No que se refere ao estupro violento a proporção é de 78 homens para uma mulher; paralesões corporais graves, a relação é de 10 homens para uma mulher.... ” Nolasco, 2001: 13; 60). Referindo-se a estatísticas sobreo Brasil, nota o autor que em 1997, a cada 4 homens jovens mortos, 1 é morto por arma de fogo.13 O coeficiente de prisões de maiores de 20 anos, entre 1912 e 1916, era de 236,54 por 10 mil habitantes, enquanto os de menores,272,46. In Fausto, 2000:9814 Os homens, nas prisões, na cidade de São Paulo, no período de 1904-1906 , em relação às mulheres constituíam 84% no delitode furtos e roubos, e 60,4% em “vadiagem” (Fausto 2000: 87).

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A relação entre violência e mascu-linidade seria reproduzida em diversosmeios, não somente na escola, e por ritosde passagem que nas sociedadestradicionais seriam regulados, segundoGirard (1990), pelo sagrado e pelosacrifício15, disciplinando-se violências, aomesmo tempo que se exigiria dos jovenshomens provas de aptidão para violências –ser guerreiros, caçadores, chefes ou sacer-dotes (Girard apud Nolasco, 2001). Hoje,segundo Nolasco (2001), o individualismoou a oposição entre o indivíduo x sociedade,seriam diversos e de ambíguos sinais,comprometendo referências à uma mascu-linidade positiva, não necessariamenteassociada à violência. Nolasco (op.cit) tam-bém se refere à “banalização da violênciamasculina em sociedades contemporâneasocidentais”. Por outro lado, a masculinizaçãoou a feminização da violência depende decomo se operacionalize o conceito, consi-derando que no plano de agressões verbaise outras, que não apelariam necessa-riamente para agressões físicas e o uso dearmas, as mulheres podem se destacar.(Breines et al. 2000).

No plano da violência na escola, váriosautores, em particular europeus, destacamafirmações de masculinidade por este-reótipos quanto a força, agressão, defesadas mulheres ou assalto contra elas, comoassociadas a casos de violência (ver, entreoutros, Breines et al, 2000; Watts, 1998).

Por outro lado, Nolasco (2001) alertaque as violências podem se reproduzirtambém pelo que discute como banalizaçãoou perda de sentido da masculinidade,como vigor e virilidade:16 “o envolvimentodos homens em situações de violênciapode ser compreendido como expressãode um complexo emocional masculinoretratado pelos sentimentos de angustia,medo e insegurança” (Nolasco, 2001:20).Tendo como referência tal insegurança ou

desqualificação da masculinidade positiva,Nolasco elabora o conceito de banalizaçãosimbólica da violência, ou seja, sua dis-persão e dificuldade de enunciação, nãoregistrada aqui com a profundidade eespecialização do autor (que recorre àantropologia e a psicanálise para taldebate), mas nos termos dessa resenha éenunciada para advertir sobre a complexateia de referências ou processos sociais,materiais e simbólicos, que pedem vigi-lância se a intenção é uma cultura de nãoviolência, não basta, portanto, criticarestereótipos de masculinidade se aintenção é combater sua associação comviolências. Referindo-se aos perigos dasimples associação entre ser homem, sermasculino, ser violento, Nolasco adverteque:

A banalização passou a ser utilizada comouma ferramenta estratégica para garantir oconsenso e desarticular qualquer outrodiscurso que não se compatibilize com aideologia do “politicamente correto”. Eladesempenha um papel relevante na pre-servação dos discursos de emancipação.Esta estratégia identifica o Mal e, em vez denomeá-lo, buscando a conexão que os une,o banaliza. E banalizar significa destituir osujeito de qualquer insígnia ou importânciarelativa ao seu papel social; banalizar éembranquecer. (Nolasco, 2001: 116)

Alguns pesquisadores apontam aimportância da educação com umaperspectiva de cultura de paz, que abordeestereótipos de masculinidade, como o usode armas e o apelo à agressão física esubordinação, discriminação contramulheres e contra o homoerotismo— osrituais de gangues comumente se orientampor tais discriminações. Em semináriopromovido pela UNESCO, em Oslo, 1997,insiste-se contra violência nas relaçõessociais de gênero, o que no plano da escolateria como vetor discutir o incentivo, ou abanalização, pelo silenciamento a expres-sões de masculinidade que apelariam para

15 “Na visão de Girard, o sacrifício funciona para a comunidade [tradicional] como um instrumento de prevenção na luta contraa violência; o sacrifício funciona como controle da violência. Nas sociedades desprovidas de um sistema judiciário, o sacrifício eo rito tem um papel essencial” (Nolasco, 2001: 31)16 “Na maioria dos povos que os antropólogos conhecem, a verdadeira virilidade é um estado apreciado e intangível que transcendea mera masculinidade; é uma imagem valorizada a que aspiram homens e meninos, e que suas culturas lhes exige como condiçãode pertencimento”. (Gilmore cit in Nolasco, 2001: 89)

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o desrespeito ao outro. Breines, Cornell eEide (2000) expressam que, entre as váriasreferências no Seminário, a família, asrelações inter-pessoais e a relaçãocomunidade e escola seriam priorizadas porconvivências positivas, em que o sermasculino e o ser feminino não seriamnecessariamente “esbranquiçados”, masafirmados por respeito e orientação coletivapor compromissos com a comunidade.

Outra intolerância diz respeito àdiscriminação contra o homoerotismo, ouseja, a que tem como alvo os chamadoshomossexuais, que para vários autores seassociaria à representação da mascu-linidade, ou da masculinidade legítima eaprendida como a “normal”, pode setraduzir em diversos tipos de violências,comumente encontradas na literatura sobrejovens e jovens nas escolas. Costa (1994)considera que a organização cultural daspráticas eróticas – a aprovação do que é ounão reprovado – está relacionada com anomeação de identidades e acontece deforma coletiva, não é por acaso que um dosreceios básicos ao lidar com uma identidadenão aprovada seriam os outros, ou seja,como se será considerado pelo grupo dereferência no seu trato com o “estranho”. Aênfase de Costa (1994) está na linguageme na comunicação como construtos depreconceitos.

O autor autora recusa o termohomossexualismo por representar umaforma de etiquetar uma preferência erótica– o homoerotismo –, insistindo também quena aprendizagem social, que passa pelaescola, pela família e por outras instituições,estariam formas de construir e desconstruirpreconceitos.

Somos seres de linguagem. Nada emnossas subjetividades ou sexualidades,escapa ao modo como aprendemos aperceber, sentir, descrever, definir ou ava-liar moralmente o que somos. Nossasubjetividade e nossa sexualidade sãorealidades lingüísticas... Acreditamos quesomos ou que outros são “heterossexuais,bissexuais e homossexuais”, porquenosso vocabulário sexual nos coage aidentificarmo-nos desta maneira. (Costa,1994: 121)

Desconstruindo violências, acontribuição de Hannah Arendt

Um poder antítese de violências,inclusive simbólicas, que permita auto-vigilância pede, de fato, a desconstruçãode estereótipos, como o antes enunciadosobre a crítica a uma associação linearentre masculinidade e violência. Na mesmalinha, por desconstruções das fáceisassociações, a literatura sobre violênciadestaca as contribuições de Hannah Arendtsobre política e educação. Contrariando osenso comum, Arendt critica a idéia de quepoder e violência devem estar associados,colaborando para o debate sobre demo-cracia, educação por uma cultura de paz econtra violências. Não por acaso, Arendt éuma das autoras mais citadas nas reflexõessobre violência.

Hannah Arendt frisa a distinçãoconceitual entre poder e violência, para aensaista, importante se a intenção é“deduzir ações para contê-la [a violência],amenizá-la ou eliminá-la”, continuando(Arendt, 1994: 35):

O poder, mesmo que possa ser even-tualmente questionado em seu sentido ouação é amparado, em maior ou menor grau,por algum nível de consenso grupal. Naviolência, ao contrário, estamos submersosno campo da arbitrariedade onde o direitoe a lei, baluartes da civilização, estãobanidos. Ou , em outras palavras, a formaextrema de poder é todos contra um, a formaextrema da violência é do um contra todos.

A diferença entre poder e violência, e aimportância do diálogo e busca de consensode grupo para evitar a confusão entre osdois fenômenos, ultrapassaria a fórmula dabusca de “quem domina quem”. ParaArendt, o poder não é propriedade de umindivíduo, pertence a um grupo e perma-nece em existência apenas na medida emque o grupo se conserva unido.

Os escritos de Arendt colaborariamtambém para a distinção entre agressi-vidade e violência, o que é elaborado porCosta (1998), no plano da psicanálise, comsingular contribuição para o debate sobrejuventude e violência, que a juízo de Costadeveria bem distinguir a questão da

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agressividade. Segundo Costa a agressi-vidade se inscreve dentro do próprio pro-cesso de construção da subjetividade:

Seu movimento colaboraria a organizar olabirinto identificatório de cada sujeito.

[A agressividade] deve ser entendida,portanto, dentro de um sistema “dialógico”amparado amplamente pelo registro simbó-lico. Isso significa, que a agressividadeopera quando há reconhecimento pelosujeito do objeto a quem endereça suareivindicação agressiva. Um ato agressivo,que pode ter muitas faces disfarces, seriasimultaneamente uma resistência do eu,tentando marcar seus contornos identitáriosjustamente quando o objeto (o outro)ameaça o seu lugar, mas também um pedidode reconhecimento e endereçamento deuma mensagem a este outro.

Este vínculo da agressividade no processode constituição subjetiva aponta Lacan em“Agressividade em Psicanálise”. A agressi-vidade, segundo ele, se manifesta em umaexperiência que é subjetiva por sua própriaconstituição. É a tendência correlativa deum modo de identificação que chamaremosde narciso e que determina a estruturaformal do eu do homem e do registro deentidades característico de seu mundo(Costa, 1998:112).

Dentro do contexto adolescente e juvenilvemos muitos momentos manifestações deagressividade como indicativos de turbilhãode mudança identificatória, seria, portanto,para Costa (1998) problemático ler certosatos agressivos de adolescentes comomanifestação de pura violência. Com umainterpretação equivocada, desqualificamoso sentido destes movimentos. Isto é muitoimportante dentro do contexto pedagógico,pois sabemos que a escola para estesadolescentes é um dos lugares privilegiadospara esta manifestação. A escola ocupa afunção de interlocutor privilegiado do laçosocial no qual eles entram se inserir. Aprópria adolescência se define por estapassagem da família ao laço social, mas aviolência implicaria em um rompimento dopacto dialógico, instaurando uma ameaçaàs regras do jogo que organizam estapassagem. Mesmo que possamos encontra,em algumas situações, certas razões que nosorientam na leitura dessas manifestações, oato de violência não contribui em nada para

uma reordenação simbólica deste laço.Arend (1994), ainda segundo Costa (1998)e Duarte (2000), entre outros, sublinhariaque a violência e o poder são termos opostose que a violência destroi o poder. Para Arendt(1994:5):

O poder é inerente a qualquer comunidadepolítica e resulta da capacidade humanapara agir em conjunto, o que por sua vez,requer o consenso de muitos quanto a umcurso comum de ação. A afirmação absolutade um significa a ausência do outra. Ë adesintegração do poder que enseja aviolência.

Quando o poder apela para a violência,como no caso da violência policial (expli-citamente citada por Arendt para casos nosEUA e na Europa) haveria um “diálogorompido” ou um “diálogo fracassado”,alertando:

Nada é mais comum do que a combinação de violência e poder, nada é menosfreqüente do que encontra-los em suaforma pura e, portanto, estrema. Distonão se segue que a autoridade, poder eviolência sejam o mesmo (Arendt, 1994: 10).

Portanto, para Hannah Arendt (inDuarte 2000) haveria que investir no resgateda dignidade da política, sua recorrênciaao diálogo, reconhecimento do direito dooutro, o que colaboraria na identificaçãodo “homo rationale”, contra, nossa leitura,o determinismo de um “homo violens” aque se refere Dadoun (1998). Para tantoseria importante uma educação queresgatasse o sentido de subjetividade.

Haveriam tempos históricos, em que asubjetividade o direito de ser seria negadoa muitos, por distintas exclusões ediscriminações, e a busca por ambiênciasgregárias, micro, por “tribos” seria mais forte,ainda que tendam essas a hierarquiasautoritárias – como no caso do perten-cimento a gangues – seria mais forte entre,repetimos, os que se sentem “massa” poisjá “não têm mais interesses comuns a liga-los entre si ou qualquer forma de ‘con-sentimento’ comum, que, de acordo comCícero, constitui o inter-est, aquilo que estáentre os homens” (Arendt, apud Duarte2000: 51). Nesse caso a perda do vínculoentre indivíduo e sociedade, indivíduo e

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comunidade, próprio de tempos de“atomização da sociedade” indicaria des-pertencimento ou “ausência de lugarpróprio” (homelessness) e “desenrai-zamento” (rootlessness) e o sentimento deser “dispensável”. Note-se que nas análisessobre juventude é comum a recomendaçãopor protagonismo juvenil, participação erestabelecimento dos laços com a comu-nidade mais ampla (ver entre outrosUNESCO 2001 e Castro et al 2001).

Especificamente sobre educação,Arendt (2001) escreveu nos anos 50, critican-do a situação nos EUA, considerando que a“crise na educação” seria reflexo de uma“crise geral que acometeu o mundo modernoem toda parte e em quase toda esfera davida, manifestando-se diversamente emcada país, envolvendo áreas e assumindoformas diversas” (Arendt 2001: 221). Comohoje é a violência e o envolvimento dajuventude na violência matéria corrente namídia, nos anos 50, segundo Arendt, a crisena educação na América seria tema quaseque diário nos jornais.

Para Arendt, tal conotação de crise,seria positiva, se não se aproximasse osjornais do tema, de forma preconceituosa,“com juízos pré-formados”. No caso daAmérica tal preconceito se relacionaria ‘axenofobias e intolerâncias, considerando-se problemas na escola, como problemasrelacionados a imigração. Arendt criticacerto autoritarismo dos adultos queconceberiam a educação como “produçãodo novo”, como “se o novo já existisse”,escorregando-se em “endotrinações”, ou“coerção sem uso de força”

Pertence à própria natureza da condiçãohumana o fato de que cada geração setransforma em um mundo antigo, de tal modoque preparar uma nova geração para ummundo novo só pode significar o desejo dearrancar das mãos dos recém-chegadossua própria oportunidade face ao novo....Omundo pelo qual são introduzidas ascrianças mesmo na América é um mundovelho, isto é, um mundo pré-existente,construído pelos vivos e pelos mortos, e só énovo para os que acabaram de penetrarnele pela imigração (Arendt 2001: 226).

Arendt (2001) refere-se também aopapel do conceito de igualdade nas escolas

públicas, como a igualdade pelo direito legalà educação de boa qualidade, questionandoa possibilidade de nivelamento quanto adireitos, face a desnivelamentos sociais.Para ela, os currículos escolares, nasescolas secundárias, “padeceriam de umasobrecarga crônica, a qual afeta a qualidadedo trabalho ali realizado” (Arendt: 2001:228). Ela critica, no caso da Inglaterra, osrígidos exames de seleção para as escolassuperiores, tendo-se à “meritrocracia”. NaAmérica em nome da igualdade, tal principionão seria tolerado, mas persistiria a questãoda qualidade do ensino. Mas no caso daAmérica, outros pontos críticos, ou da criseda educação seriam: i) a ambigüidadequanto a autoridades no âmbito escolar, poisem nome da liberdade da criança e dojovem, individualizados, deixa-se esses amercê da autoridade dos pares, “jogando-se as crianças à tirania do seu próprio grupo”;ii) a crise do ensino, com o Pragmatismo, oeu derivaria, nas escolas públicas, nanegligencia quanto a qualidade deconteúdos, “abandonando-se os estudantesa seus próprios recursos”

O pressuposto básico [do Pragmatismo] éo de que só é possível conhecer ecompreender aquilo que nós mesmosfizemos, e sua aplicação à educação é tãoprimaria quanto obvia: consiste em substituir,na medida do possível, o aprendizado pelofazer...não foi atribuída nenhuma importânciaao domínio que tenha o professor em suamatéria....A intenção consciente não era ade ensinar conhecimentos, mas sim deinculcar uma habilidade, e o resultado foiuma espécie de transformação deinstituições de ensino em instituiçõesvocacionais (Arendt, 2001: 232).

Arendt refere-se também ao pretensoisolamento das crianças e jovens emrelação à sociedade, como se a escola fosseum mundo privado, questionando oesgaçamento das relações escola e família,e escola e comunidade. Paradoxalmente,caberia aos educadores introduzir osalunos ao mundo, mas eles já o trazem,por outro lado o mundo está em mudança,e não necessariamente tais mudançasseriam acompanhadas pela educaçãoformal, quer no plano de conteúdo quer noplano de formas de aprendizagem.

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Na educação, essa responsabilidade pelomundo assume a forma de autoridade. Aautoridade do educador e as qualificaçõesdo professor não são a mesma coisa.Embora certa qualificação seja indispensávelpara a autoridade, a qualificação por maiorque seja, nunca engendra por si sóautoridade. (Arendt, 2001: 239)

Arendt enfatiza que se faz necessáriodistinguir autoridade de violência, e que ohorror contra violências não pode levar aabdicar da responsabilidade educacionalpor exercício de autoridade, ou seja, de“assumir responsabilidade pelos rumos domundo, na vida política e pública”, e paraela, educar é um exercício de política. “Todae qualquer responsabilidade pelo mundoestá sendo rejeitada, seja a respon-sabilidade de dar ordens, seja a de obedecê-las” (Arendt, 2001: 240) e tal ambigüidadena educação comprometeria sentidos equalidade. Arendt considera que a perdade autoridade na vida política pública, nomundo moderno e em sociedades demassa, se estenderia a ambiências priva-das, à família e à escola. Seria parte de um“moderno estranhamento”, ou seja, de nãose sentir-se parte ou responsável pelomundo, o que derivaria em uma atitude,segundo Arendt, de “aceitar o mundo comoele é”, o que faria parte, para a ensaísta, deum paradoxo do principio de educar, pois“estamos sempre educando para ummundo [um vir a ser ou um “por em ordem”],ou melhor, dialogando com o novo epreservando, conservando, cabendo ao

educador ser um mediador entre o novo e ovelho, entendido como o passado, atradição. Mas Arendt ressalta que naeducação, tradição e passado têm contornospróprios, pois caberia ao educador ensinar“como o mundo é, e não instruir na arte deviver”, nem separa crianças e jovens dacomunidade adulta, sendo que reconheceque a linha divisória entre o que é infância,juventude e adulta seria fluida e variávelsegundo tempo e pais. Porém, insiste, naeducação se tem horizontes quanto aconhecimentos, havendo que evitar “umaeducação sem aprendizagem”

A educação é o ponto em que decidimosse amamos o mundo o bastante paraassumirmos a responsabilidade por ele e,com tal gesto, salvá-lo da ruína que seriainevitável não fosse a renovação e a vindados novos e dos jovens. A educação étambém onde decidimos se amamos nossascrianças o bastante para não expulsá-lasde nosso mundo e abandoná-las a seuspróprios recursos, e tampouco arrancar desuas mãos a oportunidade de empreenderalguma coisa nova e imprevista par nós,preparando-as em vez disso comantecedência para a tarefa de renovar ummundo comum. (Arendt, 2001: 247)

Reflexões como as de Arendt sobre ossentidos da educação, lugar da apren-dizagem e da interação entre crianças,jovens e educadores, não são parte dagramática da maioria das análises sobreviolência e juventudes. Tais análises maisse afogam na perplexidade das expres-sões, níveis de casos de violências.

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Abstract

The literature on violence, education and youth produced in Brazil and other countries isdiscussed in this article, with special reference to Hannah Arendt’s treatment of the interplaybetween power and violence, and the role of education. The author defends the need for morecomparative studies on how education deals with violence among youth, including cross-cultural analyses, considering the various types of violence. The position defended here is thatif, in modern times, violence among youth is a major problem, there are nevertheless sometypes of violence that can be considered a result of the advanced of democracy. There aredifferent types of violence among youth in Brazil, such as racism and domestic violence, andthere are debates on gender systems and masculinity and their relation to certain types ofculture that favor violence.

Enviado para publicação em 09/06/2002.

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