Volume 3 - número 1 Jan./Jun. 2009 - Curso de Geografia · cartografia, geografia cultural e...

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Volume 3 - número 1 Jan./Jun. 2009

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Volume 3 - número 1 Jan./Jun. – 2009

© 2007 Curso de Geografia do Campus Experimental de Ourinhos

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Márcio Rogério Silveira

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Revista Geografia e Pesquisa / Universidade Estadual Paulista. Campus Experimental de Ourinhos. Curso

de Geografia.-- Ourinhos: Curso de Geografia,

2008.

Semestral

v.3, n.1, jan./jun.

ISSN 1982-9760

1. Geografia. 2. História. I. Universidade Estadual

Paulista. Campus Experimental de Ourinhos. Curso de

Geografia. II. Título.

CDD: 910.05

R4546

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SUMÁRIO

CARTOGRAFIA APLICADA À ANÁLISE GEOAMBIENTAL: UM ESTUDO

DE CASO COM FOTOGRAFIAS AÉREAS DE PEQUENO FORMATO NO

LAGAMAR DO RIO COCÓ – FORTALEZA – CEARÁ. Renato Caetano de Souza,

Adryane Gorayeb, Ronaldo Caetano de Souza e Edson Vicente da Silva

A ESPACIALIDADE DIOCESANA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ana

Carolina Lobo Terra

ASSOCIATIVISMO E PRODUÇÃO ESPACIAL EM SALVADOR-BA: uma

discussão sobre solidariedade, justiça social e democracia no Brasil contemporâneo

a partir da produção espacial por novos personagens urbanos. Margarete Rodrigues

Neves Oliveira

FUSÕES, AQUISIÇÕES E PRIVATIZAÇÕES NA DÉCADA DE 1990: O CASO

BRASILEIRO. Domingos Sávio Corrêa

O SAMBA NA CONSTITUIÇÃO DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E

CONFORMAÇÃO DE TERRITORIALIDADES NA CIDADE DE SÃO PAULO. Alessandro Dozena

DOS GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO AOS PROJETOS

PONTUAIS NO BRASIL E A INFLUENCIA DO MODAL RODOVIÁRIO. Vitor

Hélio Pereira de Souza e Prof. Dr. Márcio Rogério Silveira

Editorial

A revista Geografia & Pesquisa é uma publicação periódica de cunho científico voltada

para pesquisadores da ciência geográfica e áreas afins, que se tornou realidade em 2007.

Neste terceiro volume, número um, o leitor vai dialogar com diversas temáticas, como

cartografia, geografia cultural e planejamento, com artigos oriundos de várias

universidades brasileiras, como a UFC – Universidade federal do Ceará, da UERJ –

Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ/NEPEC – Núcleo de Estudos e

Pesquisas sobre Espaço e Cultura, da UFBA – Universidade Federal da Bahia, da USP –

Universidade de São Paulo e da UNESP – Universidade Estadual Paulista, campus de

Rio Claro e Ourinhos.

Esperamos que estas comunicações sejam úteis e reiteramos o convite à comunidade na

divulgação da pesquisa e consolidação do periódico.

Luciene Cristina Risso

Editora Chefe

CARTOGRAFIA APLICADA À ANÁLISE GEOAMBIENTAL: UM

ESTUDO DE CASO COM FOTOGRAFIAS AÉREAS DE PEQUENO

FORMATO NO LAGAMAR DO RIO COCÓ – FORTALEZA –

CEARÁ

Renato Caetano de Souza 1

Adryane Gorayeb2

Ronaldo Caetano de Souza3

Edson Vicente da Silva4

RESUMO

Atualmente, o mapeamento continua sendo um produto que despende

tempo e requer considerável desembolso financeiro, mesmo considerando-se o

avanço e a disseminação das técnicas cartográficas. Assim, a fotografia aérea

de pequeno formato se apresenta como solução para a obtenção de um

produto cartográfico de boa qualidade e se enquadra em orçamentos mais

modestos, inclusive de pessoas físicas, empresas particulares e gestores de

pequenos municípios. A técnica apresentada pode ser utilizada como suporte

para o planejamento urbano e no auxílio para a análise de impactos

ambientais, uma vez que levanta dados atualizados das áreas de interesse. O

presente trabalho tem como principal finalidade a demonstração do uso de

fotografias aéreas de pequeno formato para a atualização de plantas cadastrais

em áreas de até 4.000ha, com relevo predominantemente plano. Foi definido

como área de estudo o ambiente de lagamar do rio Cocó (baixo curso),

localizado na cidade de Fortaleza, capital do Ceará. A qualidade do produto foi

verificada utilizando o software ERDAS Imagine, de modo a identificar a

acurácia dos pontos e a grandeza dos erros mensuráveis. Finalmente, vale

ressaltar que a presente técnica tem suas limitações e não deve ser confundida

com aerofotogrametria.

1 Bacharel em Geografia, Universidade Federal do Ceará (UFC).

2 Doutora em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Rio Claro.

3 Engenheiro Cartógrafo, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

4 Doutor em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Rio Claro.

Palavras-chave: Sensoriamento Remoto, fotografia aérea de pequeno formato,

análise geoambiental, rio Cocó.

ABSTRACT

Currently, the mapping is a product that spends time and requires

considerable financial disbursement, even considering the advancement and

dissemination of cartographic techniques. Thus, the small format aerial

photography is presented as a solution to obtain a cartographic product of good

quality and comes in more modest budgets, including individuals, private

companies and managers of small municipalities. The technique presented can

be used as support for urban planning and the aid for the analysis of

environmental impacts. This work has as main purpose to demonstrate the use

of aerial photographs in small format for updating records of plants in areas of

up to 4.000ha with predominantly relief plan. Was defined as the study area of

the environment of the river Cocó (lower part of the river), located in the city of

Fortaleza, capital of Ceará. The quality of the product was verified using the

software Erdas Imagine, in order to identify the accuracy of the points and the

magnitude of errors measurable. Finally, it emphasized that this technique has

its limitations and should not be confused with Aerial Photography.

Key-words: Remote Sensing, small format aerial photography, analysis

environmental, Cocó river.

1. Introdução

A confecção de produtos cartográficos pelo método aerofotogramétrico fornece

produtos de reconhecida qualidade geométrica. As fotografias aéreas podem ser obtidas

em diversas escalas, de acordo com a finalidade de seu provável uso. Para a elaboração

de um mapeamento mais preciso, como cadastros de áreas urbanas, são utilizados vôos

em altitudes relativamente mais baixas para que as fotos sejam obtidas em escalas

maiores, no intervalo de 1: 4.000 a 1: 10.000. Por outra parte, em áreas rurais os vôos

são normalmente efetuados em altitudes mais elevadas com vista à obtenção de

produtos nas escalas de 1: 15.000 a 1: 40.000 (AMORIM, 1993).

Em contrapartida, os modernos sensores de alta resolução, como Ikonos,

Quickbird, Eros, CBERS-2 e SPOT 5 fornecem produtos com excelentes resoluções e

em um curto espaço de tempo, permitindo uma periodicidade razoável na obtenção das

informações. As escalas de mapeamento variam em função de cada satélite. O Ikonos,

por exemplo, pode chegar até a 1: 2.500, enquanto o Landsat 7 ETM+ mapeia feições

terrestres em escalas menores de 1: 50.000 (ROSA, 1995).

Porém, mesmo com o avanço e a disseminação das técnicas cartográficas, o

mapeamento continua sendo um produto que despende tempo e requer considerável

desembolso financeiro.

Neste contexto, a fotografia aérea de pequeno formato se apresenta como uma

possível solução para a obtenção de um produto cartográfico de boa qualidade e que se

enquadra em orçamentos mais modestos, inclusive de pessoas físicas e empresas

particulares.

Assim, o recobrimento aéreo com fotografias de pequeno formato pode ser

utilizado para atualizar a base cartográfica de uma determinada área e elaborar mapas

temáticos. Deste modo, o método de obtenção de produto cartográfico a partir de

fotografias aéreas não-métricas dá suporte ao planejamento urbano e auxilia as análises

ambientais, tendo como principal vantagem o curto período de tempo para obtenção e o

baixo custo de execução do projeto.

O presente trabalho tem como principal finalidade a demonstração do uso de

fotografias aéreas de pequeno formato para a atualização de plantas cadastrais e o

estudo ambiental de áreas com até 4.000ha, com relevo predominantemente plano. Para

tanto, definiu-se como área de estudo o ambiente de lagamar do rio Cocó (baixo curso

da bacia), localizado na cidade de Fortaleza, entre os bairros Aerolândia e Jardim das

Oliveiras. A área selecionada reuni vantagens como proximidade e disposição de

materiais para realização da pesquisa. Ademais, atualmente, os aspectos ambientais e

sociais do rio Cocó estão sendo discutidos por diferentes segmentos da sociedade

fortalezense, em especial os órgãos de pesquisa e as instituições ambientais

(governamentais e não-governamentais). Deste modo, a presente pesquisa pretende dar

uma pequena contribuição aos debates técnicos, inserindo novos dados cartográficos ao

conhecimento científico.

2. Localização da Área de Estudo

A área de estudo possui 446 hectares e abrange o Lagamar do rio Cocó, na

cidade de Fortaleza, situado entre os bairros Jardim das Oliveiras e Aerolândia, nas

seguintes coordenadas UTM (zona 24): NW – 554414.30E, 9584338.67N; NE -

555107.29E; 9584338.67N; SW – 554414.30E; 9583666.23N e SE - 555107.41E;

9583666.23N (Figuras 1 e 2). O lagamar situa-se na planície flúvio-marinha do rio

Cocó, que possui uma largura média local de 300m durante o período seco e dista cerca

de 12,5km da foz, entre as praias Caça e Pesca e Sabiaguaba (litoral leste da cidade de

Fortaleza).

Os ambientes naturais do Cocó estão sujeitos de forma intensa à atividade

humana, que intervém significativamente por meio de construções de domicílios, vias

urbanas, equipamentos públicos e empreendimentos comerciais. Estes equipamentos

urbanos interferem diretamente nos processos sedimentares, morfológicos, ecológicos e

oceanográficos da região.

Historicamente, desde 1933 o Lagamar do rio Cocó concentra moradias de baixa

renda e, atualmente, possui uma série de problemas ambientais e sociais decorrentes da

falta de planejamento urbano, devido, principalmente, ao crescimento demográfico e à

execução inadequada de projetos estruturais, como saneamento básico, drenagem de

obras fluviais, construção de moradias populares e outras formas de ocupação.

3. Metodologia

3.1. Análise Geossistêmica e Definição das Unidades Geoambientais do Lagamar

do Rio Cocó

Como embasamento teórico-metodológico para a definição das unidades

geoambientais do Lagamar utilizou-se a análise dos geossistemas, desenvolvida a partir

da Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy, 1977), que relaciona as diversas

combinações entre os fatores biológicos e o potencial ecológico, bem como as relações

destas variáveis com as ações e resultantes sociais. Para tanto, tomou-se como base as

obras de Bertrand (1969), Sotchava (1977), Christofolletti (1979) e Silva (1993), com

destaque para este último autor.

Algumas das ações que devem ser efetivadas para concretizar uma análise

integrada do ambiente são:

1) avaliar os aspectos geoambientais (geologia, geomorfologia, clima,

hidrografia, solos, vegetação e fauna),

2) analisar os fatores socioeconômicos da área estudada,

3) identificar as condições de uso e ocupação do solo e

4) verificar implicações derivadas da ocupação, promovendo um esboço de

zoneamento.

3.2 Obtenção de Informações Cartográficas por meio de Fotografias Aéreas Não-

Métricas de Pequeno Formato

A obtenção das informações cartográficas por meio de fotografias aéreas não-

métricas de pequeno formato foi possível a partir do planejamento e da execução do

vôo, do apoio terrestre e dos trabalhos de gabinete: i) montagem do mosaico

fotográfico, ii) vetorização das feições e iii) formatação e avaliação da qualidade

cartográfica.

Como embasamento metodológico foram utilizados os seguintes trabalhos:

Disperati (1991), Lima; Loch (1998) e Disperati;Amaral; Schuler (2007).

3.3 Planejamento e Execução do Vôo

O processo de obtenção das imagens inicia-se com o planejamento do vôo. Para

efetuar esta etapa foi necessária a utilização de um mapa georreferenciado da área

objeto de analise para a determinação das faixas de vôo e do número de fotografias a

serem obtidas.

Em relação ao horário do sobrevôo, priorizaram-se períodos do dia que a

incidência de sombras fosse menor, em geral, horários próximos ao meio-dia. As

imagens fotográficas deviam estar livres de nuvens, efeito de arrasto e halos.

3.3.1 Especificações da Aeronave

Para o recobrimento aéreo, foi utilizada para a pesquisa uma aeronave com asa

alta, de maneira que esta não interfira na tomada das fotografias (Figura 3). Em áreas

pequenas (≤ 2km2) pode-se utilizar como opção de plataforma um helicóptero que,

sobrevoando a área, detalha as feições terrestres com maior precisão.

3.3.2 Recobrimento Aéreo

As fotografias foram obtidas através de uma câmera digital profissional não-

métrica (Figura 4). A tomada das fotos, orientada por um cronômetro, foi feita com a

câmera fotográfica acoplada a um suporte solidário à aeronave. Para obter a

verticalidade do eixo ótico da câmera no instante em que o obturador é aberto, adapta-se

um nível de bolha na sua parte superior.

As experiências práticas comprovam que a lente usada na máquina fotográfica

deve ter a distância focal de 50mm, por obter melhores resultados na relação distorção x

ampliação das fotos.

O plano de vôo incluiu as coordenadas de entrada e saída das faixas que

contemplaram a área de trabalho. Estas coordenadas foram transcritas para o GPS

navegador fixado ao avião e tiveram por finalidade orientar o piloto e o fotógrafo

durante a entrada e a saída de cada faixa de vôo. Para a determinação das direções das

linhas de vôo foram extraídas coordenadas UTM (E, N) relativas ao início e fim de cada

faixa (Figura 5).

No plano de vôo determinou-se o valor da eqüidistância lateral entre as linhas de

vôo (30% de superposição transversal e 70% de superposição longitudinal), o número

de faixas, a quantidade das fotos por cada faixa, o número aproximado de horas de vôo

e a altura do vôo.

A execução do vôo foi uma das etapas mais dispendiosas do trabalho e, portanto,

foi imprescindível evitar erros.

Os erros mais freqüentes causados durante a tomada das fotos estão relacionados

à ausência de recobrimentos laterais e longitudinais, provocados pelo desvio da rota do

avião. Neste caso, são necessários novos recobrimentos para as faixas que apresentarem

problemas.

A Figura 6 ilustra o sobrevôo de uma aeronave no momento da tomada das

fotos.

3.4 Apoio Terrestre

Durante o apoio terrestre foram utilizados receptores GPS de precisão (≤ 10cm)

para a obtenção de pontos de controle (Figura 7). Utilizou-se como pontos de controle

para o levantamento planimétrico os cruzamentos das vias, as pontes, as construções e a

hidrografia (Figura 8).

3.5 Montagem do Mosaico Fotográfico

3.5.1 Obtenção do Fotoíndice

A montagem do fotoíndice foi realizada a partir da superposição das fotografias

digitais identificadas numericamente. Para a análise da qualidade, observaram-se a

presença de nuvens, sombras, buracos causados por derivas, arrastos e halos.

3.5.2 Obtenção do Mosaico

As fotografias foram superpostas no editor de imagens respeitando-se a

seqüência da faixa e a sobreposição lateral e longitudinal. Após a montagem da área

objeto, a base cartográfica foi inserida no editor de imagens para verificar as distorções

e realizar algum ajuste, caso fosse necessário.

3.6 Vetorização Manual das Feições Terrestres

Após a correção do mosaico utilizando-se a base cartográfica, o mosaico foi

transferido para o software CAD, onde foram vetorizadas as feições de interesse

(arruamento, edificações, lotes, vegetação, hidrografia e etc.).

É importante lembrar que quando se faz um mapeamento temático, devem-se

estabelecer elementos gráficos específicos para cada elemento espacial: linhas para ruas

e cursos d‘água, pontos para toponímias, polígonos para quadras ou residências e etc.

Finalmente, após a etapa de vetorização, foram inseridos os seguintes itens:

toponímias, identificação do mapa, data de elaboração, escala, legenda, mapa de

situação e malha de coordenadas UTM.

A Figura 9 demonstra a sobreposição entre a imagem fotográfica e a base

cartográfica. A Figura 10 mostra a atualização da base cartográfica a partir da

vetorização das casas e a Figura 11 ilustra o produto final, ou seja, a planta atualizada a

partir da sobreposição entre o mosaico e a base cartográfica.

3.7 Formatação do Produto Final e Avaliação da Qualidade

A avaliação da qualidade do produto final foi feita durante as etapas de

recobrimento aéreo, elaboração do mosaico fotográfico e reambulação. Esta avaliação

processual permite detectar a ocorrência de erros grosseiros, ou seja, erros de

fotointerpretação.

Conforme Loch (1994), reambulação é a comprovação de dados e informações

relativas aos acidentes naturais e artificiais. Nesta etapa, são coletados os nomes dos

logradouros, prédios oficiais (escolas, prefeitura e etc.), praças, cursos d‘água e outras

informações que se façam necessárias.

A grandeza dos erros mensuráveis (erros de medidas métricas) depende da

relação entre o número de pontos de apoio no terreno que possam ser identificáveis na

foto. Nesse sentido, quanto maior a escala da foto (melhor visualização das feições

terrestres), maior é a necessidade de se ter pontos identificáveis. Desse modo, o êxito do

trabalho é alcançado quando se utiliza materiais complementares durante a

fotointerpretação e a vetorização das informações, como mapas e registros de campo.

Nesta etapa, foi utilizado o software ERDAS Imagine (software de geocorreção

de imagens) para determinar a grandeza do erro e a acurácia de cada ponto,

comparando-se a precisão dos eixos das ruas na fotografia aérea com os eixos da base

cartográfica. Vale ressaltar, que a finalidade principal da fotografia aérea de pequeno

formato é a visualização das feições terrestres e que a precisão cartográfica está

diretamente relacionada com a base cartográfica utilizada.

A Tabela 01 sintetiza os procedimentos metodológicos necessários para obter

plantas cartográficas a partir de fotografias aéreas de pequeno formato.

Tabela 1 – Síntese dos procedimentos metodológicos necessários para obter plantas

cartográficas a partir de fotografias aéreas de pequeno formato.

Procedimentos

Metodológicos

Finalidades Ações Materiais e Informações

1. Elaboração do

plano de vôo

Planejar a rota do avião

para o recobrimento

aéreo da área.

- Determinar altura do vôo, observando-se

a altitude média do lugar.

- Determinar a direção, o número e a

distância entre as faixas, permitindo uma

sobreposição transversal (30%) e

longitudinal (70%).

- Base cartográfica

georreferenciada

(sistema de projeção

UTM, datum SAD69).

- Implantar no menu do GPS navegador as

coordenadas UTM (E, N) de entrada e

saída das faixas.

- Determinar a velocidade da aeronave.

- GPS navegador.

- Altitude média da

área.

2. Execução do

vôo

Sobrevoar a área de

trabalho para obter

imagens fotográficas

aéreas.

- Realizar cobertura fotográfica.

- Utilizar avião de asa alta e seguir linhas

de vôo segundo orientação do GPS

navegador.

- Observar os horários adequados para

efetuar sobrevôo, minimizando-se a

incidência de sombras.

- Obter fotografias livres de nuvens,

sombras, efeito de arrasto e halos.

- Manter dentro das tolerâncias a

verticalidade do eixo ótico.

- Aeronave monomotor

modelo Skylane.

- Máquina fotográfica

digital profissional não-

métrica.

- Lentes de 50mm.

- Cronômetro.

- Nível de bolha.

- GPS navegador.

- Base cartográfica

georreferenciada

(sistema de projeção

UTM, datum SAD69).

3. Montagem do

mosaico

fotográfico

Montar o mosaico de

imagens para fornecer

apoio visual durante a

etapa de atualização da

base cartográfica.

- Montar fotoíndice no editor de imagens,

utilizando-o como referência durante a

montagem do mosaico.

- Montar mosaico no editor de imagens,

evitando-se ampliações (para diminuir as

distorções) e obedecendo-se a

sobreposição.

- Utilizar a base cartográfica como

referência no ajustamento planimétrico das

fotos.

- Software CAD.

- Editor de imagens.

4. Atualização da

base cartográfica

(apoio terrestre)

Atualizar a base

cartográfica a partir da

vetorização das feições

terrestres.

- Inserir o mosaico em ambiente CAD para

georreferenciar, ajustar planimetricamente,

vetorizar as feições e lançar as toponímias.

- Coletar pontos em campo (cruzamento de

vias, pontes, trilhos, cursos d‘água, etc.)

para atualizar a base cartográfica.

- Privilegiar pontos facilmente

identificáveis na foto e no terreno.

- GPS de precisão (≤

10cm).

- Software CAD.

5. Formatação do

produto final

Realizar a formatação

final da planta e avaliar

a qualidade do

produto.

- Realizar reambulação.

- Inserir malha de coordenadas UTM e

dados de identificação da planta.

- Imprimir o produto final.

- Software CAD.

- Plotter colorido.

Fonte: Souza (2007)

3.8 Elaboração do Mapeamento Temático

Para desenvolver a pesquisa foram utilizados os seguinte materiais para

identificar os aspectos ambientais e orientar os trabalhos gerais:

Folhas de levantamentos aerofotogramétricos da AUMEF (Associação dos

Servidores da SEINFRA- Secretaria de Infraestrutura do Ceará e SEMACE –

Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará) e PMF (Prefeitura municipal

de Fortaleza), escala de 1: 10.000, décadas de 1970 e 1980;

Folhas de levantamentos aerofotogramétricos da PROSPEC (Prospecções e

Aerolevantamentos S/A), escala de 1: 2.000, data: 1998;

Microcomputador (Pentium 4, 2 MHz, Memória RAM 256MB, HD 40GB);

Plotter jato de tinta;

Programa CAD;

Scanner e

Máquina fotográfica digital.

4. Atualização da Planta Cadastral da Área-Piloto

4.1 Execução do sobrevôo no Lagamar do Rio Cocó

A escala do trabalho foi definida em 1: 2.000. Deste modo, o vôo foi realizado a

4.000 pés (aproximadamente 1.333m) em relação ao nível médio da área (nível do mar),

em uma aeronave monomotor do tipo Skylane. A velocidade média da aeronave foi de

150km/h, recobrindo 7 faixas no sentido L-O, que distanciaram entre si lateralmente

400m, mantendo-se as superposições de 30% e 70%. A distância lateral eliminou a

possibilidade de buracos, excluindo a necessidade de retornar ao local.

Durante o vôo, realizado às 14h, foram obtidas 32 fotografias para cobrir uma

área de 446 hectares, utilizando-se uma máquina fotográfica profissional Canon EOS

400d, com lente de 50mm e foco infinito. Durante a tomada das fotos não foi observada

presença significativa de nuvens. As imagens fotográficas foram retocadas no editor de

imagens, ajustando as diferentes luminosidades incidentes sobre o terreno.

4.2 Elaboração do Mosaico da Imagem Fotográfica

Inicialmente, foi montado o fotoíndice com a finalidade de identificar possíveis

falhas e direcionar a montagem do mosaico de interesse. O mosaico do Lagamar foi

organizado utilizando-se as fotografias em meio digital.

Durante a montagem lançou-se foto sobre foto, obedecendo-se as áreas de

superposição lateral e longitudinal. Para controlar as distorções, foi utilizada base

cartográfica da PROSPEC (1998) como pano de fundo.

A Figura 12 ilustra a sobreposição de fotografias para a formação do mosaico.

4.3 Atualização da Base Cartográfica e Vetorização das Feições de Interesse

Neste trabalho foi realizada a atualização das bases cartográficas com o GPS de

precisão. Este equipamento forneceu as coordenadas UTM dos pontos de apoio (sistema

viário, quadras, principais equipamentos, bueiros, riachos e etc.), que foram acrescidos à

base cartográfica em meio digital.

Com o painel fotográfico sobreposto à base cartográfica, foi feita a vetorização

dos elementos pertinentes ao trabalho, como casas, prédios públicos, igrejas,

arruamentos, corpos hídricos e outros.

A Figura 13 demonstra a vetorização feita sobre a imagem fotográfica já

trabalhada no editor de imagem e a Figura 14 ilustra a base cartográfica atualizada.

4.4 Formatação do Produto Final e Qualidade do Produto

Nesta etapa realizou-se a reambulação dos dados durante os trabalhos de campo,

em que foram verificadas as toponímias de interesse.

A formatação final da atualização da base cartográfica do Lagamar do rio Cocó

foi realizada a partir da inserção dos seguintes dados na planta cadastral:

1) identificação da planta,

2) data e local de elaboração,

3) nome do desenhista responsável,

4) escala do trabalho,

5) mapa de situação e

6) malha de coordenadas UTM.

A qualidade do trabalho está relacionada com a precisão da base cartográfica,

neste caso a base planimétrica da PROSPEC S/A. (1998), que possui tolerância de até

1m por estar em escala de 1: 2.000. Porém, de modo a complementar a avaliação da

qualidade final do produto, utilizou-se o software ERDAS Imagine para verificar a

acurácia dos pontos e a grandeza dos erros.

Vale ressaltar que a verificação da acurácia teve por finalidade verificar

preliminarmente alguns pontos da imagem e da base, sendo necessário um estudo mais

detalhado e completo com o produto cartográfico.

A Figura 15 ilustra a localização dos pontos que foram coletados em campo, em

um trecho da área de estudo, e inseridos no software ERDAS Imagine e a Tabela 2

revela os erros estimados por ponto.

Tabela 02 - Relatório de precisão dos pontos.

Pontos Eixo X Eixo Y Erro médio quadrático*

01 0,718 0,706 1,317

02 0,753 0,728 1,343

03 0,801 0,768 1,405

04 0,704 0,726 1,319

05 0,688 0,715 1,296

06 0,821 0,834 1,423

07 0,832 0,805 1,418

08 0,642 0,687 1,281

09 0,653 0,645 1,275

10 0,689 0,678 1,291

11 0,744 0,704 1,322

12 0,708 0,715 1,316

13 0,804 0,785 1,411

14 0,902 0,884 1,492

15 0,728 0,715 1,332

16 0,715 0,716 1,321

17 0,743 0,726 1,339

18 0,748 0,753 1,348

19 0,832 0,815 1,419

20 0,803 0,773 1,408

21 0,901 0,895 1,496

Média 0,758 0,751 1,361

* Erro Médio Quadrático (ou desvio padrão): m = + - √(Σ(Y-Ŷ)²/(n-1)). Onde: m= desvio-padrão; Y= cada

uma das observações, Ŷ= média das ‖n‖ observações do erro calculado e n = número de observações.

Fonte: Souza (2007)

5. Caracterização Geoambiental do Lagamar do Rio Cocó

5.1 Aspectos Geológico-Geomorfológicos

A composição geológica da área do Lagamar do rio Cocó data da era Cenozóica

do período Quaternário, estando em seu entorno sedimentos inconsolidados definidos

estratigraficamente desde o Plioceno até o Holoceno que correspondem à Formação

Barreiras e aos depósitos aluvionares.

A Formação Barreiras apresenta-se de forma irregular ao longo da costa,

sobrepondo-se discordantemente sobre a superfície de erosão das rochas Pré-

Cambrianas. É constituída por sedimentos de composição arenosa, contendo níveis de

argilas, seixos de quartzo e óxidos de ferro, sendo que este último mostra-se na estrutura

por coloração que varia de amarelada a avermelhada.

Os sedimentos de mangue pertencem aos depósitos aluvionares e são

constituídos essencialmente por argilas (de coloração negra) e matéria orgânica (restos

de organismos, carapaças de animais e etc.) (FREIRE, 1989). A composição

mineralógica é essencialmente formada por grãos de quartzo, caracterizando-se por

areias de coloração clara e creme- esbranquiçada.

O relevo é caracterizado pelo Tabuleiro Pré-Litorâneo e a Planície Flúvio-

Marinha. Os Tabuleiros Pré-Litorâneos comportam-se como um glacis de acumulação,

que se inclina de modo gradativo, do interior para o litoral (LIMA; MORAES; SOUZA,

2000).

Considerando-se o Lagamar do rio Cocó, sabe-se que as planícies Flúvio-

Marinhas são áreas de inundação que possuem relevo plano e têm sua dinâmica

condicionada ao regime pluviométrico e à oscilação das marés.

5.2 Clima e Recursos Hídricos

A posição geográfica do estado do Ceará insere todo o seu território

climaticamente na zona tropical com temperaturas elevadas, chuvas irregulares e forte

insolação anual. No Estado vários sistemas atmosféricos atuam nas condições do tempo

e do clima, sendo o de maior importância o da Zona de Convergência Intertropical

(ZCIT), responsável pelo estabelecimento da quadra chuvosa entre fevereiro e maio

(CEARÁ, 1989).

Na maior parte do ano, o Ceará fica sob a ação do Anticiclone do Atlântico Sul,

responsável pela estabilidade do tempo, o que resulta no período de estiagem

prolongado. Este período é expresso por elevadas temperaturas, amplitudes térmicas

diárias altas, baixos índices de nebulosidade, forte insolação, elevadas taxas de

evaporação e marcante irregularidade das chuvas no tempo e no espaço, principal

característica do regime pluviométrico estadual (CEARÁ, 1989).

Na região litorânea, as temperaturas são amenizadas pelos ventos alísios e brisas

marinhas, sendo registradas temperaturas médias anuais situadas entre 26 C e 27 C, não

excedendo a 32º C. O tipo climático de Fortaleza é o tropical quente e sub-úmido, sendo

os índices pluviométricos em torno de 1000 a 1350mm anuais (SILVA;

CAVALCANTE, 2000).

5.3 Solos , Vegetação e Fauna

Os solos predominantes da região estudada são os Solos Indiscriminados de

Mangue na área do manguezal e os Argissolos Vermelho-Amarelo que ocorrem,

principalmente, na área do Tabuleiro Pré-Litorâneo (PEREIRA, 2001).

Na Tabela 03 podem-se observar as principais unidades paisagísticas da área de

estudo e os principais solos identificados, com suas características e limitações de uso.

Tabela 03 – Associações de solos, características dominantes e limitações de uso e

ocupação

Unidades

Geoambientais Classes de solos

Características Dominantes Limitações de Uso

Planície Flúvio-

Marinha Gleissolos

Solos orgânicos, salinos e mal

drenados, muito ácidos e parcialmente

submersos

Excesso de água, salinização,

drenagem ruim e inundações

Tabuleiro Pré-

Litorâneo

Argissolo Vermelho-Amarelo

Profundos, textura argilosa,

moderadamente ou imperfeitamente

drenado, fertilidade baixa

Drenagem moderada

Fonte: Adaptado de LIMA; MORAIS; SOUZA (2000)

A vegetação natural da área sofreu grandes transformações, tendo como causa

fundamental a intensa ação antrópica. Os principais tipos de vegetação são os

pertencentes à Vegetação Tropical Paludosa de Mangue (SILVA, 1993).

A Vegetação Tropical Palaudosa de Mangue caracteriza-se por possuir plantas

halófitas, que compreendem cinco espécies principais: o mangue vermelho (Rhizophora

mangle), o mangue preto (Avicennia germinans e A. schaueriana), o mangue branco

(Lagucunlaria racemosa) e o mangue botão (Conocarpus erectus) (SCHAEFFER-

NOVELLI, 1995). Porém, no Lagamar do rio Cocó existe atualmente uma

predominância de espécies do mangue preto e mangue vermelho.

Devido à grande diversidade do habitat, a fauna da área é muito diversificada. O

manguezal é habitado por diversos animais, desde microorganismos até aves, répteis e

mamíferos, ocupando os sedimentos, a água, as raízes e os troncos. A maior parte da

fauna do manguezal vem do ambiente marinho: moluscos, caranguejos, siris, camarões

e peixes. Da água doce há crustáceos como o pitu e algumas espécies de pescados

(SCHAEFFER-NOVELLI, 1995).

A Figura 16 ilustra alguns exemplares de mangue preto durante o período

chuvoso e a Figura 17 detalha um trecho próximo à Av. Murilo Borges, onde tem

grande concentração de lixo e aguapé.

6. Formas de Uso e Ocupação do Solo e Propostas de Medidas Conservacionistas

para o Lagamar do Rio Cocó

A bacia hidrográfica do rio Cocó foi sendo transformada progressivamente

devido à expansão urbana da cidade de Fortaleza, acarretando em uma conseqüente

ocupação dos terrenos que legalmente são considerados como APP‘s (Áreas de

Preservação Permanente). No caso da bacia hidrográfica do rio Cocó, as áreas de

preservação envolvem toda a extensão das margens que estão sujeitas à inundação.

A zona estuarina do rio Cocó, região do baixo curso, iniciava-se na área de

lagamar e se estendia até a foz, na praia do Caça e Pesca. Todavia, as ações de

desmatamento, assoreamento e dragagem do leito resultaram em modificações

substanciais na dinâmica natural, interrompendo a penetração dos fluxos das marés até o

lagamar.

Além da interrupção do fluxo das marés houve também ocupações e usos

inadequados no conjunto e entorno das áreas inundáveis. Assim, por meio do

Sensoriamento Remoto e da aplicação de técnicas cartográficas foi possível delimitar as

principais feições paisagísticas decorrentes das intervenções espaço-temporais.

A aplicação da fotografia aérea não-métrica de pequeno formato resultou no

mapa de uso e ocupação representado na Figura 18, que expõem as informações obtidas

através de uma cartografia temática. Essas informações podem ser diretamente

aplicadas no diagnóstico de áreas de risco e na indicação de áreas de conservação,

preservação e recuperação ambiental, sendo base eficiente para um futuro planejamento

do uso e ocupação do Lagamar do rio Cocó.

Desse modo, delimitaram-se as principais unidades da cobertura vegetal do

ecossistema manguezal: mangue clímax, mangue em regeneração, salgado e apicum.

Quanto às formas de ocupação, são observadas as residências localizadas em área de

risco, as áreas residenciais consolidadas e as áreas urbanas não edificadas.

A Figura 19 representa as feições paisagísticas definidas utilizando-se somente

os vetores.

A Tabela 04 especifica quantitativamente a distribuição espacial das feições

delimitadas, bem como as extensões das águas flúvio-marinhas e a Estação de

Tratamento de Esgoto da CAGECE (Companhia de Água e Esgoto do Ceará).

Tabela 04 - Quantificação das feições paisagísticas de uso e ocupação no Lagamar do

Cocó (1999).

Tipos de Feições Área (ha) Área (%)

Mangue clímax 31.90 7.15

Mangue em regeneração 11.42 2.56

Salgado/areia 12.90 2.89

Apicum 69.17 15.51

Ocupação residencial/área de risco 13.41 3.00

Ocupação residencial/consolidada 207.94 46.62

Área urbana não edificada 46.29 10.39

Leito do rio Cocó 38.77 8.69

Estação de Tratamento de Esgoto 3.15 0.71

Lagoas 11.05 2.48

Total: 446.00 100

Fonte: Souza (2007)

Percebe-se que grande parte da planície flúvio-marinha do Lagamar do rio Cocó

foi desmatada, sendo inclusive objeto de exploração de salinas que, posteriormente,

foram abandonadas. Atualmente, os terrenos do Lagamar constituem as feições de

mangue em regeneração, salgados e apicuns. As ocupações das margens levaram o que

na Figura 18 é considerado como ―áreas de risco‖, uma vez que se encontram sujeitas à

inundação durante o período chuvoso (primeiro semestre do ano).

Nesse contexto, as proximidades da Rodovia Br-116, nas margens do Lagamar,

constituem os terrenos residenciais com maior risco de inundação. A margem direita

estava ocupada em 1999, data do vôo, por uma extensa favela chamada ―Gato Morto‖

que foi removida no período entre 2001 e 2002. Na área da favela foram instalados

equipamentos de caráter social e esportivo, como quadras poliesportivas, pistas de

atletismo e etc., inibindo novas ocupações.

Apesar das ocupações inadequadas, verifica-se que há um potencial de

regeneração do manguezal, que só não se desenvolveu plenamente devido à reduzida

influência das águas marinhas. Quanto às áreas residências consolidadas, percebe-se que

progressivamente vão se instalando equipamentos e serviços de infraestrutura, que de

certa forma melhoram as condições de vida da população.

Apesar da presença da estação de tratamento de esgoto percebe-se, em campo,

que ainda há inúmeros focos de lançamento de esgoto no corpo hídrico do Lagamar,

comprometendo assim a qualidade ambiental do ecossistema manguezal.

Deste modo, as propostas de manejo sustentável devem englobar o bem-estar

social, o desenvolvimento econômico e a conservação da natureza. Assim, o

planejamento ambiental é tido como fundamental para a realização de medidas

conservacionistas, pois se mostra como uma ferramenta institucional, composta por leis,

planos diretores, projetos participativos e instrumentos políticos.

Uma das principais propostas conservacionistas para as comunidades do

Lagamar é a educação ambiental, através de um programa interdisciplinar que aponte as

principais problemáticas existentes na área e possibilite a construção conjunta de

soluções praticáveis. Assim, pode-se trabalhar diretamente com temáticas referentes à

disposição incorreta dos resíduos sólidos e à descarga de esgotos in natura, utilizando-

se como parceiros instituições públicas municipais e estaduais.

Como alternativa de recuperação do ambiente do entorno do Lagamar pode-se

citar um programa de arborização urbana, construção de hortas comunitárias nas escolas

públicas e promoção de atividades de lazer em áreas apropriadas. Porém, deve-se

primeiramente realizar um programa integrado de segurança pública na região, pois se

sabe que uma das maiores problemáticas da área é a violência urbana.

Finalmente, é imprescindível a implantação de sistemas de esgotamento

sanitário com o tratamento adequado para os efluentes e a coleta de lixo sistemática em

todas as residências.

Contudo, vale ressaltar que as propostas de manejo sustentável sugeridas para o

Lagamar do Rio Cocó só poderão ser efetivamente executadas, a partir do envolvimento

das várias instâncias sociais: instituições acadêmicas, poder público, comunidades

locais e organizações sociais engajadas.

7. Conclusão

A presente pesquisa demonstrou que fotografias aéreas de pequeno formato

podem ser utilizadas para atualizar plantas cadastrais e realizar estudos ambientais,

utilizando-se como área-piloto o Lagamar do rio Cocó.

Os serviços de aerofotogrametria e a obtenção de imagens de satélite por

sensores remotos se justificam para o mapeamento de grandes áreas, considerando-se a

relação custo X beneficio. Entretanto, para mapeamentos de pequenas áreas tornam-se

inviáveis financeiramente e as fotografias aéreas de pequeno formato revelam-se como

uma alternativa de atualização de plantas cadastrais para pessoas físicas, empresas e

gestores de pequenos municípios.

Por outra parte, as fotografias aéreas de pequeno formato podem ser utilizadas

na análise ambiental de pequenas áreas, mostrando-se ideal para fundamentar estudos de

caso em áreas urbanas ou em setores da zona rural. Uma vez que as ocupações

antrópicas e as feições de detalhe podem ser visualizadas com clareza, considerando-se

fatos e situações em intervalos temporais recentes.

O presente trabalho recomenda a atualização de produtos cartográficos a partir

de fotografias não-métricas de pequeno formato para áreas de até 4.000 hectares. Vale

ressaltar que a obtenção do produto cartográfico pode ser realizada somente em regiões

de relevo predominantemente plano, que possuam variações de altura (topo X base) das

feições morfológicas inferiores a 100m, evitando-se assim grandes distorções nas

imagens finais.

Portanto, a atualização da base cadastral utilizando-se a técnica descrita é

justificada por possuir qualidade cartográfica, ser acessível financeiramente e ter

execução em curto período de tempo. Deste modo, o mapeamento realizado pode ter

várias finalidades como ações de planejamento urbano (elaboração de planos diretores),

cadastro imobiliário e estudos de impacto ambiental.

Todavia, mesmo vislumbrando as vantagens expostas, deixa-se claro que a

técnica em questão tem suas limitações e não se deve confundi-la com

aerofotogrametria.

Finalmente, a obtenção de informações cartográficas a partir de fotografias de

pequeno formato mostra-se como uma ferramenta prática e viável em relação à

realidade de muitos consumidores, no sentido de disponibilizar aos gestores (empresas,

municípios e pesquisadores) o apoio visual de áreas de interesse.

8. Referências Bibliográficas

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2007. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Universidade Federal do Ceará,

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A ESPACIALIDADE DIOCESANA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Ana Carolina Lobo Terra5

[email protected]

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Introdução

Na confluência das relações entre o espaço – objeto primaz das análises

geográficas, futuro imediato e passado imediato, presente conclusivo e inconclusivo,

sempre em processo de renovação – e a cultura – parte integrante do escopo social – se

torna possível ao geógrafo compreender as diferentes configurações sociais da

atualidade (CORRÊA, 2003). Dentre as diversas possibilidades de estudos acerca da

dimensão espacial da cultura, a materialização da fé vem se acentuando como tema de

análise científica. A religião pode ser percebida em sua forma, função, processo e

estrutura, através das quais produz marcas que identificam a organização singular no

espaço geográfico. A crença, a fé e a prática religiosa permitem ao homem religioso

vivenciar seus espaços sagrados durante seus tempos sagrados (ELIADE, 1962).

Nesta investida geográfica, mediante a evolução temática da geografia da

religião no Brasil e na América Latina, atrelar-nos-emos a discussão da religião em sua

esfera política de ação. A religião cria territórios religiosos com o objetivo de atender

sua demanda de fiéis e controlar objetos e coisas. Assim, com vistas na Igreja Católica –

instituição hierárquica e burocrática, com forte presença na história do espaço brasileiro

– entenderemos quais territorialidades foram utilizadas para ampliação de seu domínio e

difusão de sua fé doutrinária. O recorte empírico se atém ao estudo da gênese e da

difusão dos territórios diocesanos capixabas e fluminenses.

Na formação da base epistemológica os conceitos teóricos são: território

religioso, territorialidade religiosa e redes geográficas. Ao descortinar a implantação

de territórios religiosos diocesanos no espaço fluminense – percebidos com regiões

culturais funcionais, uma vez que apresentam conectividade para a difusão de valores e

ideais católicos (CORRÊA, 2008) –. Relacionaremos, posteriormente, as formas de

apropriação afetiva e efetiva destes territórios e as práticas desenvolvidas por dado

grupo religioso para a proteção e controle dos mesmos.

5 Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura

Discussões sobre Território e Territorialidade

Com vistas à discussão do conceito território, ressalta-se a polissemia presente

no termo. Lima (2001) retorna a etimologia da palavra território, correspondendo o

mesmo a ―terra‖, ―territorium‖, que quer dizer terra pertencente a. Em seu bojo

ontológico, não é possível conceber a sociedade sem seu território. Este, de abrangência

local, apresenta as materialidades, advindas dos objetos que expressam conteúdo

técnico, participando da condição técnica (SANTOS, 1999) e práticas (objetivas e

subjetivas) do grupo social que o constitui. Logo, ―não existe etnia ou grupo cultural

que, de uma maneira ou de outra não tenha investido físico e culturalmente num

território‖ (BONNEMAISON, 2002:97). Em tempos de globalização, os territórios

viverão em dissonâncias e consonâncias as intervenções do poder global e local, não

perdendo suas particularidades e, nem, suas singularidades.

Como então descortinar o território mediante sua polissemia de significados?

Com base nos estudos de Haesbaert (2004), propomos a compreensão deste conceito em

quatro vertentes:

Quadro 1: Leituras sobre Território

Vertentes Agente Compreensão Território

Política Político Reflete acerca das relações gerais

entre espaço e poder.

Um espaço delimitado

e controlado, através

do qual se exerce um

determinado poder. Jurídico-

político

Busca em seu escopo as relações

espaço-poder institucionalizadas.

Possui uma forte relação com o

espaço vital.

Cultural ou

Simbólico

Cultural

Cultural Prioriza a dimensão simbólica e

mais subjetiva nas relações entre

espaço e poder.

Produto da

apropriação e/ou

valorização simbólica

de um grupo em

relação ao seu espaço

vivido.

Econômica Econômico Enfatiza a dimensão espacial das

relações econômicas.

Fonte de recursos e/ou

incorporado no

embate entre as

classes sociais e na

relação capital-

trabalho

Naturalista ―Homem

Natural‖

Entende o comportamento natural

dos homens em relação ao

ambiente físico elencado.

Espaços apropriados.

Fonte: Haesbaert, R. (2004) “O Mito da Desterritorialização”. Elaborado por TERRA,

A. C. L. (2009).

Vale salientar que tais vertentes poderão ocorrer em uma perspectiva individual,

―parcial‖, onde somente uma será objetivada na análise cientifica, ou com uma

perspectiva ―integradora‖, onde as problemáticas permitirão uma visão pluralista do

território. Existem outras possibilidades para a classificação dos modelos de estudo do

território, mas, de forma breve, reportaremos a investida científica aqui apresentada.

Com base no que percebemos sobre o território, pontua-se que, independente da

vertente de análise e, conseqüentemente, de seu agente gestor, o mesmo trará em seu

foco a discussão do poder. Tal poder corresponderá ―à habilidade humana de não apenas

agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo‖ (ARENDT, 1985:24), o que

qualificará ao representante utilizar seu poder visando o interesse coletivo e, não,

individual. O poder é inerente ao grupo que o legitima, sendo válido somente enquanto

o grupo encontra-se unido. Para Arendt (1985) a perda do poder resulta na violência que

poderá ser ou não percebida durante a implantação dos territórios.

Os territórios, lidos como as relações sociais projetadas no espaço concreto,

serão, sobretudo, ―um conjunto de lugares hierarquizados, conectados a uma rede de

itinerários‖ (BONNEMAISON, 2002:99). ‖O território funcionará como o encontro dos

indivíduos de uma mesma identidade cultural, promovendo a alteridade com os

―outros‖ (outsiders) (RAFFESTEIN, 1977). Pode-se assim incorporar, dentro deste

contexto de análise, um novo conceito: a territorialidade.

A territorialidade será compreendida em seu caráter relacional. Trará, em seu

escopo, a fixação e a mobilidade dos grupos culturais. Configura-se como ―a expressão

de um comportamento vivido‖ (BONNEMAISON, 2002:100). Nas contribuições de

Sack (1986) encontraremos o termo definido como ―uma tentativa, por um indivíduo ou

grupo, de afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, delimitando e

assegurando controle sobre a área geográfica. Esta área será chamada território‖ (p.19).

A territorialidade será a estratégia, a normatização, o procedimento. A ela se qualifica a

decisão dos diferentes graus de acesso à pessoa, coisas e relações. Dentro deste

contexto, o território só existe mediante sua apropriação, delimitação e controle, caso

contrário, o mesmo não existe.

A territorialidade é uma expressão geográfica básica de poder social, sendo a

maneira pela qual o espaço e sociedade estão interconectados. Relaciona-se ao espaço e

ao tempo por trazer o agente atuando sobre um onde, em um como e um quando nas

leituras territoriais. Neste escopo, Souza (2006) percebe territorialidades flexíveis,

atreladas a escala temporal, além de territorialidades cíclicas, móveis, contínuas e

descontínuas.

Como relatado anteriormente, para a construção desta investida científica torna-

se necessário relacionar os conceitos de território e territorialidade com a dinâmica da

difusão da fé religiosa católica no espaço brasileiro. A partir da sapiência de que a Igreja

Católica adota, em seus dois mil anos de história, as divisões territoriais e a organização

hierárquica como estratégias políticas destinadas a assegurar o controle, a vivência e a

vigilância de seus fieis (ROSENDAHL, 1999), exemplificaremos a seguir, as categorias

território religioso e territorialidade religiosa. Estas se figuram harmoniosas para com os

questionamentos do estudo.

Território Religioso e Territorialidade Religiosa: categorias especiais

A Geografia Cultural Renovada está focalizada na interpretação das

representações que os diferentes grupos sociais construíram a partir de suas próprias

experiências e práticas. Dentre as diversas possibilidades de estudos acerca da dimensão

espacial da cultura, a materialização da fé vem se apresentando como tema de análise

científica. Nesta perspectiva, o estudo da religião deve estar centrado na espacialidade

do sagrado, impondo ao geógrafo o conhecimento dos preceitos da religião em estudo

(CORRÊA, 2007). O sagrado, detentor de representação espacial, irrompe sua

importância no saber geográfico para a compreensão do espaço socialmente construído.

Assim, a Geografia da Religião firmou-se como mais um viés de análise junto à ciência,

destacadamente pós 1990, tendo entre seus estudiosos propostas para sua metodologia

de análise. Rosendahl (1996) elenca como fundamental ao estudo o descortinar das

relações entre o sagrado e o profano – cotidiano –. Na espacialização do sagrado,

Rosendahl (1996) define o espaço sagrado como

“um campo de forças e valores que eleva o homem religioso

acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto no

qual transcorre sua existência. È por meio de símbolos, dos

mitos, dos ritos que o sagrado exerce sua função de mediação

entre o homem e a divindade. E é o espaço sagrado, enquanto

expressão do sagrado, que possibilita ao homem entrar em

contato com a realidade transcendente chamada deuses”

(ROSENDAHL, 1996:30)

Na compreensão do sagrado, o espaço sagrado validará uma vivência oposta ao

espaço profano. A primeira possui valor existencial para o devoto: é o seu referencial, o

cosmo, ponto de toda orientação inicial, ―o centro do mundo‖, no ―recinto sagrado,

torna-se possível à comunicação com os deuses; conseqüentemente, deve existir uma

‗porta‘ para o alto, por onde os deuses podem descer a Terra e o homem pode subir

simbolicamente ao Céu‖ (ELIADE, 1962: 29). A segunda ocorre na ausência do ―ponto

fixo‖, que qualifica a permanência do caos.

A religião compreendida como um ―sistema solidário de crenças e de práticas

relativas à coisa sagradas, isto é, separadas, proibidas (...) reúne uma mesma

comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a adorem‖ (DURKHEIM,

1996:32). Apresenta um culto com periodicidade (ELIADE, 1962), uma doutrina

composta pela ética e pelas práticas religiosas, além de ritos devocionais exclusivos

(WEBER, 1991). Podendo ser percebida em suas formas, funções, processos e

estruturas através das quais produz marcas que identificam a organização singular no

espaço geográfico. Nos estudos acerca da dimensão política do sagrado (ROSENDAHL,

2008), encontraremos a relação entre religião, território e territorialidade. Ao tratar a

religião como prática social (ROSENDAHL, 1996), será possível descortinar estratégias

e ações adotadas por dada instituição religiosa com vistas à normatização do espaço

geográfico. Assim, torna-se mister compreender as categorias território religioso e

territorialidade religiosa.

Como já elucidado, os territórios poderão ser regulados por diferentes agentes.

Ao pensar na regulação dessas áreas por um agente religioso, teremos a categoria

território religioso. Os territórios religiosos foram primariamente definidos como

espaços apropriados afetiva ou efetivamente (ROSENDAHL, 1996). Tal definição

deriva diretamente dos estudos de Sack (1986), onde tais territórios eram os territórios

católicos, uma vez que o autor atinha sua discussão a estrutura administrativa da

instituição católica. Com a seqüência dos estudos na temática, Rosendahl (2005) propõe

ler o território religioso como um território demarcado, controlado em seus acessos e

ações por um profissional religioso. Este profissional especializado apresenta-se como

chefe e representante deste espaço, conferindo a centralidade do mesmo

(BORDIEU,1987). Na tipologia da religião em sua função na sociedade, Weber (1991)

ratifica três agentes:

(a) o profeta religioso – dotado de carisma –;

(b) o sacerdote – produtor do sagrado –; e, por fim,

(c) o leigo – consumidor do sagrado –.

O sacerdote é o ―funcionário do sagrado‖, responsável por difundir a doutrina e

a ideologia da instituição religiosa. Responde ainda por distribuir e regular os bens de

salvação, seguindo uma divisão hierárquica. O corpo sacerdotal, encarregado da

manutenção do culto, funciona como um dos gestores do território religioso. Rosendahl

(2005) adiciona ao território religioso a visão do mesmo como reflexo de uma

identidade cultural, amalgamada por um sentimento mútuo de pertencimento pelos seus

integrantes. Neste território, tanto o exercício da fé quanto a identidade religiosa do

devoto encontram-se favorecidas (ROSENDAHL, 2008), tornando-o um geossímbolo

(BONNEMAISON, 2002). Neste contexto, a categoria territorialidade religiosa trará em

sua significação ―o conjunto de práticas desenvolvidas por instituições ou grupos no

sentido de controlar um dado território‖ (ROSENDAHL, 2008:195). Tal territorialidade

só será mantida mediante a existência de um território religioso a fim de fortalecer as

experiências religiosas coletivas ou individuais da religião.

Nosso estudo reconhece na instituição religiosa o agente modelador do espaço

geográfico que se insere. Por conta disso,

“torna-se necessário considerar a forma e a intensidade do

poder desse agente. A criação, bem como a fusão de outros,

envolve inúmeras localizações regionais, nacionais e

internacionais, à semelhança do papel também exercido pelas

grandes corporações” (ROSENDAHL, 2005:200)

Neste escopo, faremos a análise do desenvolvimento da territorialidade numa

organização complexa, hierárquica e religiosa, que possui em seus objetivos originais a

redenção das almas e a divulgação da virtude: a instituição da Igreja Católica Apostólica

(SACK,1986). Na leitura desta instituição, perceberemos que

“a igreja possui duas naturezas. A primeira constitui um

sistema abstrato de fé e de doutrina, originando a Igreja

invisível; a segunda refere-se às instituições sociais da Igreja e

compreende seus membros, seus funcionários, suas regras e

suas estruturas físicas e propriedades. Esta chamaremos de

Igreja física ou visível. Edifícios da Igreja, propriedades,

lugares sagrados, paróquias e dioceses são elementos na Igreja

visível. São lugares separados por limite e dentro dos quais a

autoridade é exercida e o acesso é controlado. Em outras

palavras, são territórios” (SACK, 1986: 93)

Dentre os variados tipos de territórios controlados pela Igreja, destacamos

aqueles marcados por forte identidade simbólica e de poder. Estes se encontram

interligados as estruturas administrativas como paróquias, dioceses e arquidioceses. A

ênfase deste artigo recai a compreensão das práticas e estratégias da Igreja Católica,

utilizando para isso a escala regional – dioceses – no espaço fluminense e capixaba.

Tais dioceses funcionarão como centros difusores de idéias, valores e normatizações,

configurando uma rede gestora de tais territórios. Na próxima etapa desta elucidação,

trataremos das redes diocesanas e de seu enfoque na dimensão geográfica do estudo.

Redes Geográficas: redes diocesanas

Em seus estudos, Corrêa (2001) aponta três dimensões de analise das redes

geográficas. A primeira retratada é qualificada como organizacional e refere-se à

configuração interna da entidade estruturada em rede. Abrange os agentes sociais, a

origem da rede, a natureza dos fluxos, a função e a finalidade da rede, sua existência e

construção, sua formalização e organicidade. O autor endossa que tais aspectos

analisados não adquirem concreticidade se estiverem desvinculados do tempo e do

espaço. Leremos então, uma dimensão espacial e outra temporal nesta categoria. Nesta

análise espacial, a escala, a forma espacial e a conexão são apresentadas. A segunda

categoria de estudo remete-se a dimensão temporal presente na rede geográfica. Propõe

o relato da duração da rede, a velocidade com que os fluxos se realizam na transmissão,

bem como a freqüência em que a mesma se estabelece. Duração, velocidade, freqüência

e historia são aspectos presentes nesta dimensão.

Dada a vinculação existente entre as dimensões temporal e espacial, Corrêa

(2001), propõe a dimensão espaço-temporal. Tal dimensão articula, em seus estudos,

espaço e tempo unidimensionalmente, atrelando-se assim a temática da difusão. Com

este foco, percebemos que a difusão da rede de uma entidade institucional religiosa

como a Igreja Católica é de grande interesse para o estudo, pois permite dar

inteligibilidade ao processo de formação dos territórios religiosos nos espaços capixaba

e fluminense. Segundo este geógrafo, as redes geográficas poderão ser qualificadas

como formal ou informal, hierárquica ou não, planejada ou espontânea, dendrítica ou

complexa. Com o relato da importância do estudo de todas as dimensões inerentes a

compreensão das redes, e, mais especificamente, da importância da dimensão espaço-

temporal, entendemos como a difusão da fé ocorre no espaço e no tempo mediante a

difusão das próprias redes diocesanas.

A difusão desta territorialidade católica apresenta distintos períodos distintos,

por nós formulados, com objetivo a compreensão da difusão da fé doutrinária no recorte

fluminense. Assim, segue a formulação dos tempos de difusão da pesquisa.

Periodização e o espaço fluminense

Na difusão das dioceses no espaço fluminense – marcado por abruptas

diferenciações tanto no seu quadro físico quanto no socioeconômico que o coloca em

posição singular dentre os Estados brasileiros – poderemos reconhecer diferenciações

sócio-espaciais figuradas no planejamento territorial da Igreja Católica. A lógica de

implantação dos territórios religiosos diocesanos no espaço fluminense funda-se na

hierarquia dos lugares centrais (CORRÊA, 1997; e RIBEIRO, 2000) e, segue, em

primeira importância, a lógica de ocupação populacional deste Estado, ocorrendo em

saltos na relação tempo-espaço, partindo do litoral ao interior.

A fim de elucidar a implantação do território diocesano, criamos uma escala

difusional para análise:

i. O primeiro marco da difusão católica pontua-se como o centro de difusão desta

análise. Neste recorte, teremos somente a implantação da diocese primeira

fluminense;

ii. Com a proclamação da república (1889) e a separação entre a Igreja e o Estado

(1890), que possibilitou a pluralidade religiosa presente no espaço brasileiro, a

Igreja adotou como prática a implantação de dioceses em todas as Unidades

Federativas recém-criadas, além de cidades que exerciam centralidades

econômicas e em centros que se localizavam em áreas de contato entre áreas de

povoamento antigo e entre cursos (ROSENDAHL E CORRÊA, 2001). As

dioceses implantadas pós-1890, denominaremos T1 (primeiro tempo);

iii. A Igreja Católica apresenta-se flexível e dinâmica em suas apresentações. No

contexto da pós-segunda guerra, quando a sociedade voltou-se ao extraordinário

em suas percepções, a Igreja Católica imprimiu diferentes posturas a fim de

manter-se com um grande contingente populacional religioso. No caso

brasileiro, o momento da história brasileira que compreende os anos de 1955 e

1964, marca o período da Igreja Reformista, onde existiu uma intensificação das

mudanças internas desta instituição católica no Brasil (MAINWARING, 2004).

A Igreja Católica, na década de 1960, se ausenta de um olhar meramente

―elitista‖ e passa a creditar uma política de proteção aos ―desfavorecidos‖

socialmente (BARBOSA, 2005). Assim, as dioceses implantadas neste período,

configuram-se como o nosso T2 (segundo tempo) de análise. ;

iv. A economia brasileira, em espacial, a economia fluminense passou por

diferentes etapas econômicas. O Estado do Rio de Janeiro configurou sua

economia historicamente desde a exportação portuária até a presença de pólos

industriais e concentrações locais de bens e serviços. Tais pontos industriais

conferem, desde a década de 1980, um aumento populacional em tais áreas.

Assim, visando atender a demanda de assistência religiosa, a Igreja Católica cria

novos territórios diocesanos. Neste escopo, as dioceses criadas pós-1980

remeter-se-ão ao T3 de nosso estudo, último tempo de análise.

Para uma maior compreensão, da implantação das dioceses mediante seus

tempos de difusão, reportamos o quadro abaixo:

Quadro 3: Territorialidade Católica no Espaço Fluminense: Dioceses e Difusão

Tempo de Difusão Quantidade de Dioceses Dioceses Implantadas Criação

Centro de Difusão 1 São Sebastião do Rio de Janeiro 1676

T1 4 São Lourenço de Niterói 1892

Campos 1922

Barra do Piraí – Volta Redonda 1922

Valença 1925

T2

3 Petrópolis 1946

Nova Friburgo 1960

Nova Iguaçu 1960

T3

2 Duque de Caxias 1980

Itaguaí 1980

Total de Dioceses: 10

Fonte: CERIS (2000) ―Anuário Católico do Brasil 2000‖ * Elaborado por TERRA, A.

C. L. (2009).

Com tais tempos de difusão, priorizamos a leitura da dinâmica da territorialidade

católica no espaço fluminense. Evidenciamos que, em um espaço tão plural e intenso

em suas apresentações, teremos estratégias e ações diretas por parte do agente

institucional. Em contra-ponto ao dinâmico espaço fluminense, encontra-se o espaço

capixaba, segundo foco de nossa análise, e com sua periodização impressa no sub-item

a seguir. Vale salientar que esta se encontra diferenciada a fim de permitir uma maior

compreensão do fenômeno espacial em estudo.

A rede diocesana fluminense apresenta singularidades que se atrelam

diretamente ao interesse de seu gestor religioso. Nosso estudo visa o descortinar de tais

estratégias e a compreensão da dinâmica de seus territórios. O geógrafo, conhecedor do

homem e do meio, reconhece o poder da fé na organização sócio-política do lugar.

Neste sentido, no próximo momento do trabalho, intitulado ―Conclusões e Apreensões‖,

relataremos o aprendizado obtido e as indagações retidas em nossa investida cientifica.

Conclusões e Apreensões

O término da investida cientifica não esgota as possibilidades acerca do objeto

proposto. Neste bojo, respondemos aos nossos questionamentos e despertamos a novas

proposições. Entender a territorialidade católica, descortinando seus espaços-tempo de

gestão religiosa nos espaços fluminense e capixaba, era nosso objetivo e acreditamos tê-

lo alcançado. Nossa busca, com foco na instituição religiosa Igreja Católica Apostólica

Romana, ateve-se a procurar os fatos externos (visíveis) de uma realidade interna e

espiritual (invisível). A Igreja apresentou uma caminhada a fim de difundir sua fé

doutrinária e gerir sua população religiosa, sendo o descortinar deste itinerário útil as

nossas análises.

A territorialidade imprime-se como um atributo comportamental intrínseco ao

indivíduo social e aos grupos organizados.

“A territorialidade, como um proponente de poder, não é

apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma

estratégia para criar e manter grande parte do contexto

geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o

dotamos de significado” (SACK, 1986:219)

Neste escopo, a Instituição Católica insere-se, apresentando uma nítida dimensão

espacial em suas ações na esfera institucional. O implantar de novos territórios

religiosos – sejam eles diocesanos ou paroquiais – deriva de um estudo cuidado, de uma

seletividade espacial. Neste processo, emergiram diferentes periodizações, e estas se

adequam diretamente as desigualdades percebidas no Estado. Com vistas à

territorialidade católica no espaço fluminense, informações foram apreendidas. As

dioceses foram implantadas em cidades de diferentes aspectos socioeconômicos.

Contudo, tais desmembramentos apresentam singularidades geográficas: os territórios

diocesanos foram implantados em centros urbanos, que exprimiam centralidade na

construção da rede socioeconômica fluminense na época de sua erição, em um dos três

tempos difusionais por nós elencados. A lógica de implantação dos territórios religiosos

diocesanos no espaço fluminense funda-se na hierarquia dos lugares centrais e segue,

em primeira importância, a lógica de ocupação populacional deste Estado. Partindo do

litoral ao interior, veremos o desmembramento de dioceses ao longo do recorte temporal

estudado. Salientamos que a difusão dos territórios diocesanos aderiu a uma difusão

hierárquica, com saltos espaços-temporais. Um outro ponto a ser percebido, é a forte

presença de ordens religiosas neste recorte. Jesuítas, beneditinos6, entre outros grupos

religiosos, foram importantíssimos à difusão da fé no tempo pretérito deste recorte e

ainda hoje figuram em sua área limítrofe.

A territorialidade católica fluminense segue diferentes escalas de controle em

suas jurisdições eclesiásticas. Teremos dioceses mais detentoras de paróquias do que

outras; o que justifica nas primeiras a necessidade de um controle efetivo pela

instituição. Para comparação, segue a tabela abaixo:

Tabela 1: Dioceses Fluminenses

Dioceses Ano

de Criação

Número de

Municípios

Número de

Paróquias

Barra do Piraí – Volta 1922 10 22

6 Detentores da Abadia Territorial de Nossa Senhora de Monserrate, localizada na cidade de São

Sebastião do Rio de Janeiro.

Redonda

Campos 1922 17 36

Duque de Caxias 1980 2 19

Itaguaí 1980 5 17

Niterói 1892 14 57

Nova Friburgo 1960 19 45

Nova Iguaçu 1960 6 43

Petrópolis 1946 8 34

São Sebastião do Rio de

Janeiro (Arquidiocese)

1676 1 240

Valença 1925 9 26

Fonte: Anuário Católico do Brasil, 2000 * Elaborador por TERRA, A. C. L. (2009)

Como já apresentado, as dioceses de São Sebastião do Rio de Janeiro, de Duque

de Caxias e de Itaguaí foram implantadas em áreas de forte crescimento populacional e

centralidade logística. No caso de Duque de Caxias, em espacial, a força das CEBs

apresenta grande projeção. Por tais fatores, acreditamos ser esse controle religioso tão

efetivo em nível local.

A espacialização das dioceses permite conceber a diferenciação das áreas e as

diferenças e semelhanças das estratégias institucionais do gestor religioso. Dentre as

semelhanças, elucidamos que os territórios religiosos foram implantados em cidades de

diferentes aspectos socioeconômicos, mas, localizadas em centros urbanos. Nas

diferenças relatamos os tempos difusionais das redes diocesanas, que com vistas ao

controle da população religiosa, encontram-se diferenciados. Mediante nosso estudo,

acreditamos que a partir da configuração de uma nova realidade sócio-espacial, a Igreja

Católica adotará novas práticas de gestão, resultando em novas dioceses e paróquias em

suas redes diocesanas.

Ao final, verificamos as impressões cernentes as práticas da instituição religiosa

católica e a devoção do homem religioso no lugar que as pratica. Este homem funciona

como um transmissor das idéias, valores e condutas elencadas pela fé católica, servindo

como nó em redes sociais menores. Enfim, esperamos com esta pesquisa, ter auxiliado

na compreensão da dinâmica da fé católica nos espaços fluminense e capixaba,

permitindo novas propostas e metodologias aos geógrafos encantados com as relações

entre o sagrado e o espaço.

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FUSÕES, AQUISIÇÕES E PRIVATIZAÇÕES NA DÉCADA DE 1990: O CASO BRASILEIRO.

Domingos Sávio Corrêa7

RESUMO

Esta pesquisa analisa o processo de concentração de capital, através de

fusões e aquisições de empresas privadas e públicas no Brasil, nos anos 90,

devido as políticas neoliberais adotadas pelos governos Collor de Mello e

Fernando Henrique. Nos anos 90, os programas neoliberais difundidos na

América Latina, foram delimitados pelo Consenso de Washington e

formalizados nos acordos entre o FMI e o Banco Mundial com os governos

latino americanos. As orientações visavam a estabilização das economias dos

“países emergentes”, a contenção de gastos e investimentos Estatais, restrição

do papel do Estado, com a privatização de empresas, bancos, recursos

minerais e energéticos, etc. Assim, a abertura comercial e as reformas

econômicas promovidas no Brasil, com aumento da participação dos

investimentos externos deflagraram fusões e aquisições entre empresas

nacionais (chamadas transações domésticas), e transações realizadas por

empresas estrangeiras (denominadas cross border). A participação de

empresas estrangeiras superou o volume de negócios entre empresas

nacionais em quantidade, volume e valores, causando debates sobre a

desnacionalização da economia brasileira.

PALAVRAS-CHAVE

Fusões, aquisições, privatizações, concentração, desnacionalização.

MERGERS, ACQUISITIONS AND PRIVATIZATIONS IN THE DECADE OF

1990: THE BRAZILIAN CASE

ABSTRACT

This research analyzes the process of capital concentration, through merger

and acquisitions of private companies and public in Brazil, in years 90, had the

“neoliberal” politics adopted by the governments Collor de Mello and Fernando

7 Aluno do Programa de Pós-Graduação (doutorado) em Geografia Humana da Universidade de São

Paulo. Professor substituto do Curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista, Unidade

Diferenciada de Ourinhos/SP. Endereço eletrônico: [email protected]

Henrique. In years 90, the spread out “neoliberal” programs in Latin America,

they had been delimited by the Consensus of Washington and legalized in the

agreements between the FMI and the World Bank with the Latin American

governments. The instructions aimed at the stabilization of the economies of the

"emergent countries", the State containment of expenses and investments,

restriction of the paper of the State, with the privatization of companies, mineral

and energy banks, resources, etc. Thus, the commercial opening and the

promoted economic reforms in Brazil, with increase of the participation of the

external investments motivate merger and acquisitions between national

companies (called domestic transactions), and transactions carried through for

foreign companies (called cross border). The participation of business-oriented

foreign companies surpassed the volume between national companies in

amount, volume and values, causing debates on the denationalization of the

Brazilian economy.

KEY WORDS

Mergers, acquisitions, privatizations, concentration, denationalization.

Introdução

As fusões e aquisições de empresas, associadas ao processo de privatização e

concomitante desnacionalização, marcou a década de 1990 no Brasil – através das

reformas e desregulamentações executadas pelos governos neoliberais, em

conformidade com as determinações e acordos realizados com o Fundo Monetário

Internacional e outras instituições financeiras internacionais8 9.

As transações entre empresas, principalmente através de aquisições,

privatizações e fusões, repercutiram na economia desde meados dos anos 1990, no

Brasil, quando ocorreram os primeiros negócios. Primeiramente através da venda de

empresas privadas brasileiras, e em seguida como o resultado de discussões no âmbito

do governo, que culminaram com o Plano Nacional de Desestatização e o conseqüente

processo de privatização.

Para viabilizar e justificar o processo de desestatização, difundiu-se na sociedade

a idéia (neoliberal) de que as empresas estatais seriam ineficientes, dispendiosas e

serviriam apenas a propósitos políticos, através do loteamento de cargos e empreguismo

desenfreado. A Siderúrgica Usiminas, por exemplo, primeira empresa a ser privatizada

(24/10/1991) no governo Fernando Collor, além de ser uma estatal estratégica, era

também superavitária e profissionalmente administrada.

Deve ser ressaltado o descompasso entre a liberalização implementada pelo

governo, desde a gestão Collor, e a realidade das empresas no início da década, pois

muitas delas, além de estratégicas para o desenvolvimento do país, também eram

lucrativas – como nos setores de mineração, financeiro, de telecomunicações, químico,

petroquímico, siderúrgico – e a necessidade da sua privatização seria questionável. O

modelo de privatização implantado no país caracterizou-se pela transferência do

patrimônio público ao setor privado, sobretudo ao capital estrangeiro. A Bolsa de

8 No início da década de 1990, o Bird sugeria mudanças no projeto de privatização em discussão no

âmbito do governo Collor, no sentido de abrir as privatizações à participação de investidores externos (O

Estado de S. Paulo, 10/03/1990), o que terminou ocorrendo em larga escala nas privatizações do governo

Fernando Henrique. 9 Em 1998, por exemplo, o ministro da Fazenda (Pedro Malan) ao discutir com o presidente do BNDES

(André Lara Resende), os termos de um discurso da campanha de reeleição de Fernando Henrique,

revelou o interesse do FMI em saber o teor do discurso antes da sua divulgação (Folha de S. Paulo,

27/05/1999).

Valores do Rio de Janeiro foi fechada e houve diminuição expressiva do volume de

ações nas bolsas de investimentos10

.

O governo de Fernando Henrique deu continuidade ao vergonhoso processo de

privatizações e, através da criação do PROER – Programa de Reestruturação e

Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional – priorizou o setor financeiro nacional,

através do qual carreou recursos aos bancos que se encontravam em dificuldades e, em

seguida, abriu aos grandes bancos internacionais a participação na desnacionalização do

setor. Com o mesmo espírito, porém com meios distintos, ao setor produtivo privado

nacional os governos neoliberais legaram a abertura comercial – promotora em muitos

setores de concorrência desleal11

–, as altas taxas de juros (desde o Plano Collor) e o

câmbio supervalorizado (a partir do Plano Real). É certo que tal política promoveu o

sucateamento do parque industrial e o aumento de falências e concordatas na indústria

nacional12

.

Um aspecto importante refere-se às discussões que vinham ocorrendo na

sociedade e também no âmbito do governo, referentes à questão da privatização, no

período imediatamente anterior à década de 1990. Tais discussões aparecem,

inicialmente, a partir de duas tendências tão díspares quanto inconciliáveis, opondo os

―privatistas‖ e os ―estatistas‖, em um jargão que poderia considerar a oposição da

década de 1990 entre ―monetaristas‖ e ―desenvolvimentistas‖. Mencionadas como

agentes das fusões e aquisições, no Brasil, as privatizações remetem à celeuma

estabelecida entre essas tendências. O primeiro grupo avaliando a participação do

Estado na economia como nociva e prejudicial à atividade econômica. O segundo,

considerando a importância da participação das empresas estatais no processo de

desenvolvimento econômico brasileiro, cuja economia cresceu 26 vezes no período

10

―O fechamento da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, além de causar prejuízo às empresas produtivas,

às corretoras e à economia em geral, talvez seja um derradeiro sinal de alerta à nação. A falta de foco em

investimentos produtivos por parte da política econômica governamental torna as empresas reféns das

taxas de juros, esvazia a poupança interna e, na mesma proporção, amplia a dependência externa‖

(Azevedo, Folha de S. Paulo, 29/05/2002). 11

No setor de brinquedos, por exemplo, entre 1991 e 1995, das 848 fábricas associadas a Abrinq, 536

faliram (Atma e Troll, entre outras) ou entraram em concordata (Revista da Indústria, 15/jul/96. pp. 14-6).

O clássico caso da indústria de brinquedos e têxtil, como também os setores de máquinas e equipamentos,

autopeças, entre outros, tiveram como saldo da abertura comercial a falência de aproximadamente 50%

das empresas. Muitas daquelas que permaneceram no mercado tiveram, em algum momento, de se

converter em importadoras. Cabe lembrar que não houve apenas a queda nas alíquotas de importação,

impostos que incidiam sobre os produtos nacionais não incidiam sobre os similares importados, como o

IPI. 12

Em 1996, ano da venda da Metal Leve para a alemã Mahle, era anunciado que a ―abertura desenfreada

aos importados, taxas altas de juros, câmbio valorizado e arrocho no crédito vão transformando setores

inteiros da indústria brasileira em maquiladoras‖ (Revista Atenção, ano 2, nº 7, 1996).

compreendido entre 1930 e 1980, enquanto o Japão cresceu 14 vezes e o México

cresceu cerca de 12 vezes. Apenas a União Soviética apresentou crescimento industrial

similar ao do Brasil no mesmo período (Rangel, 1987, p. 43).

Rangel (1987), avaliava que era preciso ser estatista e privatista ao mesmo

tempo, na medida em que no processo de desenvolvimento surgissem atividades que

deveriam ser estatizadas enquanto outras deveriam ser privatizadas. Sua proposta de

concessão dos serviços públicos, discutida e desenvolvida em trabalho junto a

economistas do BNDE na década de 1980, considerava a ―redistribuição das atividades

econômicas entre os setores público e privado‖ (p. 17), através da substituição da

―concessão de serviço público a empresa publica, pela concessão de serviço público a

empresa privada‖ (p. 23) como forma de superar a crise e gerar novo ciclo de

desenvolvimento econômico.

É preciso ressaltar que sua proposta não defendia a venda do patrimônio público

de empresas como a Usiminas ou mesmo a Telebrás, empresas superinvestidas ou com

capacidade de alavancar recursos (Pizzo, 1997, p.117)13

. O objetivo principal das

concessões seria carrear recursos para os setores que necessitavam de investimentos, e

diante das dificuldades financeiras do Estado, extremamente endividado, o setor privado

seria o único em condições de assumir essa responsabilidade. A tarefa do Estado seria a

de organizar e realizar a concessão dos serviços públicos nos setores carentes de

investimentos ou ociosos.

No contexto internacional, observou-se que não havia homogeneidade na

movimentação de transações entre os países. Evidenciava-se que a onda de fusões e

aquisições no Brasil decorria das políticas dos governos de Fernando Collor (1990-

1992) e Fernando Henrique (1995-2002), que adotaram medidas econômicas

liberalizantes, com a redução da participação do Estado na economia, cortes de gastos

no setor de serviços públicos, nos investimentos em infra-estrutura, em saúde e

educação, além da venda das empresas estatais.

Essa opção mostrou-se favorável à ampliação da participação estrangeira através

de investimentos externos diretos na economia brasileira, como verificado, por

exemplo, nas declarações do então presidente do Banco Central, em 1998, ao interpretar

13

―Não se trata de você estar transferindo empresas com capacidade ociosa para a iniciativa privada.

Porque isso, do ponto de vista da economia como um todo não representa nada, ou seja, transferir a

Usiminas, a Mafersa, empresas carregadas de capacidade ociosa, não vai fazer, pelo fato de estarem na

mão do setor privado, que elas invistam, porque elas estão superinvestidas. Você não precisa mais investir

em equipamentos, porque ele já está investido, então é uma simples transferência de patrimônio, que, do

ponto de vista macroeconômico, não significa nada‖ (Pizzo, 1997, p. 108).

o aumento dos investimentos estrangeiros no Brasil como o resultado da desvalorização

das empresas brasileiras no mercado internacional, considerando positivo o

endividamento destas14

.

Por outro lado, o aumento da participação estrangeira na economia indicava uma

reorganização territorial e espacial dos grupos e firmas nos diversos setores da

economia. Verificou-se a predominância de negócios com participação estrangeira nos

setores estratégicos da economia (Biondi, 1999; Gonçalves, 1999; Lesbaupin e Mineiro,

2002) como, por exemplo, no setor de telecomunicações com 60,8% de participação

estrangeira, energia elétrica, gás e água, com 57,3%, e no setor financeiro, com 59,0%.

Outros setores também demonstraram forte concentração de participação estrangeira:

setor de alimentos, com 71,2% de participação estrangeira; comércio varejista, 77,5%

de participação estrangeira; minerais não metálicos, 71,4% de participação estrangeira;

farmacêutico, higiene e limpeza, 98,2% de participação estrangeira; maquinaria, 80,7%

de participação estrangeira, etc. (Ferraz e Iooty, 2000, p. 54).

As políticas neoliberais dos anos 1990, divulgadas como ―modernizadoras‖,

corresponderam às determinações principalmente do Banco Mundial e do Fundo

Monetário Internacional. As prescrições do Consenso de Washington foram

responsáveis pela desregulamentação dos mercados e abertura comercial, afetando a

economia nacional, bem como transformando o ambiente econômico em meio de

competição predatória, no qual a empresa de capital nacional transformou-se em frágil

alvo do capital estrangeiro.

Em um quadro de intensificação da crise econômica, a burguesia nacional sofreu

reveses, o que resultou em aumento da quantidade de falências, transferência de

propriedade ou maior endividamento de empresas. Mas o setor social mais prejudicado

foi o da classe trabalhadora, sobretudo com a retração do seu poder de compra e o

aumento dos índices de desemprego. Em vários momentos dos anos 1990 o desemprego

atingiu um quinto da população economicamente ativa nos grandes centros urbanos

(Pochmann, 2001).

A conclusão possível, portanto, indica que as diretrizes políticas e econômicas

implementadas no Brasil da década de 1990, com a abertura comercial e o fim da

reserva de mercado de vários setores da economia, além das desregulamentações nas

14

Conforme Gustavo Franco: ―Esse investidor (estrangeiro) enxerga no Brasil empresas que estão

baratas para qualquer padrão internacional. E, portanto, você tem um movimento de entrada de

investimentos muito grande‖ (―Empresa barata atrai capital, diz Franco‖, Folha de S. Paulo, 21/11/1998).

esferas da produção, das finanças e nas relações de trabalho, aumentaram

exponencialmente as transações entre as empresas, principalmente através do

movimento de aquisições, fusões e privatizações realizado pelos governos federal e

estaduais, com a intensificação do processo de concentração e centralização de capitais,

o aumento do fluxo de investimentos estrangeiros e o processo de desnacionalização

(Gonçalves, 1999, p. 81).

Fundamentos teóricos da acumulação do capital

A acumulação de capital, conforme Marx (1968), é fator primordial do

desenvolvimento da produção capitalista. Partindo, primeiramente, do capitalista

individual a acumulação representa a reprodução simples do capital, no processo de

produção sob o domínio do capitalismo, ou seja, a ―retransformação da mais-valia em

capital‖ que se realiza no investimento constante em novos meios de produção. A

intensidade da acumulação de capital define o processo de concentração, concretizado

no conjunto dos investimentos em meios mais modernos de produção, aplicado pelo

capitalista. Mas, será a somatória desses investimentos concentrados, associados com a

concorrência capitalista e a capacidade de endividamento que proporciona o processo de

centralização do capital, com a eliminação dos capitalistas menos aparelhados15

.

O processo de acumulação ocorre, em primeiro lugar, baseado no aumento da

concentração dos meios de produção em poder de ―capitalistas individuais‖ e, em

segundo lugar, através da repartição ―do capital social de cada ramo de produção (...)

entre muitos capitalistas que se confrontam como produtores de mercadorias,

independentes uns dos outros‖ mas que são concorrentes. Assim, a acumulação

decorreria do aumento da ―concentração (...) dos meios de produção e do comando

sobre o trabalho‖ e também ―da repulsão recíproca de muitos capitais individuais‖.

Marx descreve a repulsão dos diversos capitais e a sua dispersão, acompanhada pelo

processo de atração como determinante de outra conseqüência da acumulação, qual seja,

a centralização propriamente dita, caracterizada pela ―transformação de muitos capitais

15

―Todo capital individual é uma concentração maior ou menor dos meios de produção com o comando

correspondente sobre um exército maior ou menor de trabalhadores. Cada acumulação se torna meio de

nova acumulação. Ao ampliar-se a massa de riqueza que funciona como capital, a acumulação aumenta a

concentração dessa riqueza nas mãos de capitalistas individuais e, em conseqüência, a base da produção

em grande escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social

realiza-se através do crescimento de muitos capitais individuais. Não se alterando as demais condições, os

capitais individuais e com eles a concentração dos meios de produção aumentam enquanto o capital social

acresce.‖ (Marx, 1968, p. 726).

pequenos em poucos capitais grandes‖ (p. 726-727)16

. A centralização desenvolve-se

com a concorrência e o crédito, que funcionam como alavancas, a partir da ampliação

da produção e da acumulação capitalista17

.

Lênin e o imperialismo

Para Lênin (2000), o intenso crescimento da indústria e da concentração da

produção em um número reduzido de grandes empresas representa uma das principais

tendências do capitalismo no início do século XX, ou seja, a transformação da

concorrência em monopólio. Também os bancos se transformam, de ―modestos

intermediários‖ em monopólios influentes, dispondo da quase totalidade do capital-

dinheiro, dos grandes capitalistas aos pequenos empresários, como também controlando

os meios de produção e as fontes de matéria-prima de um país18

. O auge do processo,

conforme Lênin, resume-se na transformação do capitalismo em imperialismo, e nesse

ponto Lênin considera imprescindível analisar a concentração bancária19

.

Na Alemanha, a concentração bancária ocorreu em reduzido tempo, na

passagem do século XIX para o século XX: em 1895 o total de estabelecimentos

bancários era de 42; em 1900 esse número atingiu 80 estabelecimentos, e em 1911

alcançou o total de 450 estabelecimentos. Lênin assinala que à época muitos analistas

que observavam estes dados consideravam-nos um processo de descentralização, porém

não verificaram o processo de centralização de empresas, outrora dispersas, em uma

―empresa capitalista única, nacional a princípio e mundial depois‖. Consistia, então, ―na

subordinação a um centro único de um número cada vez maior de unidades econômicas

que antes eram relativamente ‗independentes‘, ou, para sermos mais exatos, eram

localmente limitadas‖. Este movimento representava a centralização, ou o reforço e o

fortalecimento do poder dos gigantes monopolistas. A exemplo da disputa entre dois

16

―O capital se acumula aqui nas mãos de um só, porque escapou das mãos de muitos noutra parte. Esta é

a centralização propriamente dita, que não se confunde com a acumulação e a concentração.‖ (Marx,

1968, p. 727). 17

―Além disso, o progresso da acumulação aumenta a matéria que pode ser centralizada, isto é, os capitais

individuais, enquanto a expansão da produção capitalista cria a necessidade social e os meios técnicos

dessas gigantescas empresas industriais cuja viabilidade depende de uma prévia centralização do capital.

Hoje em dia, portanto, é muito mais forte do que antes a atração recíproca dos capitais individuais e a

tendência para a centralização.‖ (Marx, 1968, p. 728). 18

―Os bancos pequenos são afastados pelos grandes, nove dos quais concentram quase metade de todos

os depósitos. E aqui ainda não se têm em conta muitos elementos, por exemplo, a transformação de

numerosos bancos pequenos em simples sucursais dos grandes, etc.‖ (Lênin, 2000, p. 24). 19

Os dados assinalados por Lênin, referentes à Alemanha do início do século XX, foram os indicadores

da concentração (Lênin, 2000, p. 30).

dos mais importantes bancos berlinenses, o Deutsche Bank e a Disconto-Gesellschaft

(Sociedade de Desconto de Berlim) que possuíam, respectivamente, 15 milhões e 30

milhões de marcos em 1870; em 1908 o capital do primeiro era de 200 milhões e o do

segundo de 170 milhões; em 1914 o Deutsche Bank elevou seu capital para 250

milhões, enquanto a Disconto-Gesellschaft, após efetuar uma fusão com a Aliança

Bancária Schaffhausen, elevou o seu para 300 milhões. Lênin apresenta como exemplo

na França a concentração em três bancos: Crédit Lyonnais, Comptoir National e Société

Générale, cujas sucursais e caixas aumentaram de 64 em 1870, para 258 em 1890 e para

1229 no ano de 1909 (p. 26-27).

Os dados apresentados por Lênin, relativos tanto ao capital bancário, como ao

número de escritórios, das sucursais dos bancos e de suas contas correntes, demonstram

uma ―contabilidade geral‖ que envolve não apenas a classe capitalista, na medida em

que os bancos recolhem os rendimentos em dinheiro dos patrões e dos empregados e

também ―de uma reduzida camada superior dos operários‖, o que resulta, formalmente,

em uma ―distribuição geral dos meios de produção‖ entre os bancos da época, em um

número que variava entre 3 a 6 na França e 6 a 8 na Alemanha20

.

Conforme Lênin, ―a última palavra no desenvolvimento dos bancos é o

monopólio‖ (p. 31), agora com um novo papel relacionado à indústria, dada a

freqüência de suas operações (desconto de letras, abertura de contas, etc.) e a reunião

em seu poder de capitais do setor. Isto favoreceria aos bancos o conhecimento

pormenorizado da situação do capitalista, seu cliente, e resultaria em maior dependência

do industrial, além do progressivo aumento ―da união pessoal dos bancos com as

maiores empresas industriais e comerciais‖. Igualmente, possibilitaria a fusão através da

―posse das ações, (...) a participação dos diretores dos bancos nos conselhos de

supervisão‖, de forma que, por exemplo, os seis maiores bancos de Berlim tinham

representações (através de seus diretores) em um total de 751 sociedades de diversos

ramos, como verificaria nas companhias de seguros, restaurantes, teatros, indústrias de

objetos artísticos, etc.. Esses mesmos bancos possuíam, em 1910, em seus conselhos de

administração, nada menos do que a participação de 51 grandes industriais, entre eles o

diretor da Krupp, da companhia de navegação Hapag. Tais participações também

20

―Mas, pelo seu conteúdo, essa distribuição dos meios de produção não é de modo algum ‗geral‘, mas

privada, isto é, conforme os interesses do grande capital, e em primeiro lugar do maior, do capital

monopolista, que atua em condições tais que a massa da população passa fome e em que todo o

desenvolvimento da agricultura se atrasa irremediavelmente em relação à indústria, uma parte da qual, a

‗indústria pesada‘, recebe um tributo de todos os restantes ramos industriais.‖ (Lênin, 2000, p. 28-29).

acolhem a de membros do governo ou do parlamento, completando, assim, a união dos

bancos com a indústria e o Estado. A partir destas, aperfeiçoam-se os grandes

monopólios capitalistas, inclusive através da especialização dos dirigentes dos bancos

(p. 32) em função da complexidade das suas novas relações com os diversos e diferentes

ramos da indústria, ou com relações estabelecidas em seu conjunto ou em um âmbito

mais geral, ou então, de maneira mais específica. A exemplo disto, quando um diretor

responsabiliza-se pelas indústrias da parte mais industrializada do país, um outro se

responsabiliza com as indústrias do setor elétrico, e assim por diante. Emerge, desta

maneira, uma divisão do trabalho em função da maior complexidade oriunda do novo

papel dos bancos – ―acima dos negócios puramente bancários‖ – na busca de uma

competência maior – para lidar com os ―problemas gerais da indústria‖ ou com ―os

problemas especiais dos seus diversos ramos‖ –, a fim de preparar seus funcionários em

determinada esfera de influência do banco em relação ao setor industrial em que opera.

Na interpretação de Bukharin (1988) a questão da definição econômica e do

futuro do imperialismo torna-se uma questão de análise ―das tendências de evolução da

economia mundial e das prováveis modificações de sua estrutura interna‖ (p. 17-18). Ao

considerar a economia mundial enquanto uma rede imensa, ―tecida de um emaranhado

de laços econômicos os mais diversos, baseados nas relações de produção encaradas em

sua amplitude mundial‖ (p. 57), Bukharin parece antecipar e decifrar parte do processo

que, atualmente, é denominado por ―globalização‖, sem que se ignore, com tal

afirmação, a complexidade crescente das relações comerciais internacionais e a

elevação da composição orgânica do capital, com o incremento de novas técnicas e da

ciência, surgimento da informática e desenvolvimento das telecomunicações, entre

outros.

Bukharin analisa o imperialismo enquanto ―a política do capital financeiro‖ (p.

103) e ressalta o fato de que esta política reveste-se, na verdade, por um ―caráter de

conquista‖ e pelo que, nas suas palavras, seria a característica do imperialismo,

enquanto ―valor historicamente definido‖, de constituir-se em uma ―política de rapina

do capital financeiro‖. O autor passa a examinar a concorrência capitalista ―na época do

capital financeiro‖, a partir da idéia da concentração e centralização do capital (p. 107-

108).

Trustes e cartéis conforme Lewinsohn

Para Lewinsohn (1945), a finalidade econômica da concorrência é a dominação do mercado, ou a

imposição de uma derrota ao competidor, configurando essa luta uma tendência para eliminar a

concorrência. Há, nesse caso, dois modos possíveis de atingir esse objetivo: o primeiro caso resulta da

vitória de um dos concorrentes de tal maneira que força a desistência dos demais; o segundo caso decorre

de um acordo que agrupa os oponentes em torno de objetivos comuns. Entre variantes e combinações

intermediárias, o primeiro caso resulta no truste e o segundo no cartel (Lewinsohn, p. 11).

A concorrência que, por diversos meios, força a falência de um pequeno

comerciante, ou de uma pequena empresa com dificuldades para permanecer no

mercado, não alteraria a composição da empresa, apenas contribuiria para a exclusão de

um adversário. Se, ao contrário, a loja ou empresa tivesse alguma importância, seria

mais interessante apoderar-se dela, através de algum tipo de acordo que conduzisse, por

exemplo, à venda de produtos produzidos pela grande empresa, a preços impostos, ou

que a inserisse em uma rede de filiais, o que em princípio não alteraria o negócio, mas

também eliminaria um concorrente. Tais procedimentos também são encontrados na

indústria, como quando um grande estabelecimento controla oficinas menores e

independentes entre si, entre outros exemplos. Duas espécies de concentração são

identificadas: a concentração vertical, que ocorre em ramos ou setores diferentes,

comparadas aos ―andares diferentes de um edifício econômico‖, em oposição à

concentração horizontal, junção ―de empresas de um mesmo ramo e do mesmo grau de

produção (fábrica de automóveis com fábrica de automóveis, mas também fábrica de

tintas com indústria farmacêutica)‖ (Lewinsohn, p. 12).

A associação pode ocorrer, com alguma freqüência, pela tomada de iniciativa do

competidor mais fraco em associar-se ao mais forte, em uma capitulação ―antes que

seja tarde demais‖, mas na maioria das vezes a associação não decorre de falência ou da

capitulação do mais fraco, pois é com muita regularidade que duas empresas em

condições de igualdade e de forma voluntária unem-se com o objetivo de aumentar a

sua lucratividade, o que não conseguiriam sem a união.

Independente das causas das associações, elas resultam em unidades cada vez

maiores, designadas na maior parte dos idiomas por ―trust‖, termo que se origina no

―direito inglês e prevê a transferência de capitais para um agente fiduciário (trustee)

para que este lhes assuma a gestão‖ e serviu à formação do truste petrolífero da

Standard Oil (1882). Diante dos diversos tipos de trustes (konzern, na Alemanha,

consortium e groupe, na França), Lewinsohn, demonstra que as semelhanças entre esses

trustes e os seus similares resultam da ―tendência a expansão‖ enquanto ―extensão do

grupo econômico‖, ―ligação financeira ou administrativa entre suas diferentes partes‖,

como também têm por objetivo alcançar os maiores lucros ―e uma posição mais

poderosa na vida econômica‖. A diversidade das formas desse tipo de organização

depara-se com a forma clássica de holding, espécie de ―supersociedade‖ que administra

os negócios ou controla financeiramente as demais empresas que a formam. Outro caso

ocorre através da troca de ações, quando uma empresa coage as outras a capitularem e

passa a conduzir a administração do truste. Também se verifica a fusão total ou parcial

das empresas, o que não impede o agrupamento em torno desse núcleo de outras

sociedades. Tais casos foram observados nos setores siderúrgico e químico, da

Alemanha, motivados ―pela necessidade de racionalização técnica‖ (Idem, p. 13-15).

Em relação aos cartéis, Lewinsohn sustenta que eles seriam, ao menos em

relação a sua finalidade, mais definidos que os trustes, pois enquanto estes, ao longo do

tempo, deixaram de se preocupar exclusivamente com a supressão da livre

concorrência, a tendência dos cartéis continua sendo a da eliminação ou obstrução da

livre concorrência, pois aumentar os preços ou ―impedir a sua baixa‖ é a sua finalidade

(p. 16). Assim, os membros do cartel costumam preservar sua independência,

principalmente a financeira, não sendo dirigidos por qualquer administração central,

como no truste. Entretanto, os membros devem obedecer ao estatuto do cartel, sendo

passíveis de punição quando ocorre alguma infração. O cartel exerce pressão moral

sobre seus membros e também sobre os não membros, pois a não adesão ou a saída do

cartel também é motivo da imposição de pressões materiais. Quanto à denominação do

cartel na Alemanha e na França, apesar de certo desacordo, era comum encontrar

organizações com a designação de sindicato e comptoir, respectivamente.

Lewinsohn distingue dois grandes grupos de cartéis: aqueles que impõem aos

membros obediência a métodos de negócios ou a preços iguais seriam os ―cartéis de

igualização‖, enquanto os ―cartéis de quotas‖ seriam aqueles cujos membros dividem o

mercado em quotas de ―participação na produção ou nas vendas totais‖. Outro tipo,

considerado ―mais moderado‖, seria o dos cartéis que prescrevem ―normas gerais a

serem empregadas com a clientela‖, através da negação de créditos além de certos

limites aos seus clientes, ao não permitirem descontos ou abatimentos, a serem

obrigados a aceitar restrições na sua publicidade, convenções mais comuns entre os

bancos, cartelizados em quase toda parte. Outra forma comum seria o cartel de preço,

com acordos que garantiriam a manutenção de um preço mínimo ou de preços fixos (p.

16). Para realizar o cartel de preços, é necessário um rigoroso controle entre os

membros (p. 17).

A tendência monopolista nos cartéis se evidencia quando há divisão regional dos

mercados, ou seja, um grupo ou grande sociedade recebe o direito exclusivo para a

venda de determinado produto em uma região, e os membros do cartel se comprometem

a não entrar naquele mercado. Esse cartel assumiu grande importância no setor de

transportes, por exemplo na França, onde ―até a época de sua fusão, as companhias de

estradas de ferro tinham delimitado suas esferas de interesses‖. Lewinsohn menciona

exemplos de cartéis internacionais que dividem o mundo entre si, conforme suas áreas

de interesse: das companhias de navegação da Alemanha, que antes da primeira guerra

mundial buscaram com a International Mercantile Marine Company, grupo de

companhias anglo-americanas controladas por J. P. Morgan, a repartição dos mares e

oceanos entre si, tentativa malograda, mas que possibilitou delimitar portos de escala

para os navios de diferentes linhas. Outro exemplo, também anterior à primeira guerra,

refere-se à repartição de mercados para a exportação de mercadorias. Aos Estados

Unidos coube a exclusividade, nessa divisão, do mercado da América do Norte, ao sul

dos grandes lagos; em troca, eram obrigados a renunciar a qualquer exportação para fora

da América. Inglaterra e França poderiam exportar para as suas respectivas colônias, e a

Alemanha poderia escoar seus produtos no mercado sueco. ―Para os outros mercados,

foram fixadas quotas. Não se chegou a um acordo quanto ao mercado sul-americano,

que assim permanecia livre para todos os países concorrentes‖ (Lewinsohn, 1945, p. 17-

18).

Para Lewinsohn os cartéis podem transgredir a liberdade das empresas, e a idéia

de que as empresas seriam dependentes nos trustes mas independentes nos cartéis não

corresponderia à realidade, pois ―as sociedades formando um truste são muitas vezes

mais livres do que as pertencentes a um cartel rigoroso‖. A principal diferença entre um

e outro se refere ao ―dinamismo dos dois gêneros de organização‖, pois enquanto o

cartel pode ficar restrito a um tipo de mercadorias ou serviços, o truste dissemina-se por

diversos ramos e apropria-se do que for possível. Um cartel internacional, ou mundial,

não pode funcionar sem fortes cartéis nacionais no mesmo ramo. Os trustes ignoram as

fronteiras nacionais, e quanto mais controlam e participam de sociedades no estrangeiro,

mais importantes eles se tornam. O cartel é estabelecido, geralmente, por um prazo

determinado, por vezes bastante curto, de três a cinco anos, enquanto o truste

desconhece delimitação temporal na sua organização, durando enquanto permanecerem

as condições financeiras propícias para a sua existência, geralmente por períodos

longos, variando entre vinte e oitenta anos ou por mais tempo (p. 18).

Chandler e o crescimento das empresas

Alfred Chandler comparou o desenvolvimento das grandes empresas na

Inglaterra, na Alemanha e especialmente nos EUA, desde o final do século XIX,

abordando a história e as causas da expansão dos empreendimentos e o papel das

grandes empresas no crescimento econômico21

. Conforme McCraw (1998), o mais

importante é que suas obras influenciaram toda uma geração de estudiosos em países

como Grã-Bretanha, França, Alemanha, Japão, Itália e Bélgica, e em disciplinas como

história, economia, sociologia e administração (p.8).

Ao alcançar o grau de investimento necessário na produção e distribuição, e com

a intenção de explorar as economias de escala e de escopo, haveria quatro maneiras da

empresa crescer: 1) por associação horizontal; 2) por integração vertical; 3) através da

expansão geográfica; e, 4) pelo emprego das tecnologias ou dos mercados das empresas

para criar novos produtos. As duas primeiras maneiras são estratégias geralmente

defensivas, uma forma de proteger os investimentos já realizados. Nas outras duas

formas de crescimento, com os investimentos e com a capacidade organizacional

anteriormente existente, as empresas aproveitavam para introduzir-se em novos

mercados e em novas atividades (Chandler, in MCCRAW , p. 330-331).

As aquisições ou fusões aconteceriam, em muitos casos, para permitir o controle

eficaz da produção, do preço e dos mercados, pois somente ocorreria aumento da

produtividade na associação horizontal quando, nas empresas adquiridas ou

incorporadas, se estabelecesse o controle administrativo centralizado, e se racionalizasse

o quadro de pessoal e as instalações para a obtenção de economias de escala e de

escopo, como ocorreu no exemplo da associação da Standard Oil, quando as suas

associadas se uniram legalmente na formação do cartel Standard Oil. Se as empresas

incorporadas ou adquiridas não fossem, em termos administrativos, centralizadas e

racionalizadas, mas continuassem agindo de forma autônoma, a empresa ampliada

continuaria apenas como ―uma federação de empresas‖. No caso da expansão vertical,

21

―O advento da grande empresa verticalmente integrada não mudou apenas as práticas dos industriais

norte-americanos e das suas indústrias. Já aludimos aqui aos efeitos sobre os comerciantes, sobretudo

atacadistas, e sobre os financistas, especialmente banqueiros de investimentos.‖ (Chandler, 1998, p. 64).

―(…) a maior inovação na economia norte-americana entre a década de 1880 e a virada do século foi a

criação da grande empresa na indústria norte americana. Essa inovação, como tentei mostrar, foi uma

resposta ao crescimento do mercado nacional cada vez mais urbano que resultou da construção de uma

rede ferroviária nacional – a força dinâmica da economia nas duas décadas e meia anteriores a 1880.‖

(Chandler, 1998, p. 66).

através da aquisição de empresas no interior da cadeia de produção as razões seriam

mais complexas, pois para ampliar a produção, diminuir custos, aumentar a

produtividade e aumentar os ganhos em processos adicionais as empresas deveriam

estar unidas por sistemas de transporte, pois se tornaria inviável o aumento da produção

quando unidades de processos afins estivessem geograficamente separadas – como

ocorre na fabricação de químicos, metais e máquinas. Em tais investimentos, o motivo

para a expansão vertical seria defensivo, mas não como na associação horizontal, cuja

finalidade poderia ser privar os concorrentes de suprimentos ou garantir o fornecimento

constante de materiais com a finalidade de ―manter as vantagens de custos em função da

escala e do escopo‖ (idem, p. 331).

Então, quanto maior o investimento em ―instalações com alto coeficiente de

capital‖, ou ―quanto maior o tamanho mínimo eficiente‖ – maior será a ―necessidade de

proteção contra os custos de transação‖. Assim, como decorrência da maior

concentração nas unidades de produção e nas fontes de suprimentos, maior será a

possibilidade de integração em uma só empresa. A integração, entretanto, incide

diretamente no crescimento das economias de escala ou de escopo, sobretudo quando

surgiam diferentes fontes de suprimento com preços acessíveis e era preferível para os

industriais adquirir os seus suprimentos no mercado ao invés de investir na sua

produção. Esse investimento, por vezes, podia ser feito ―como uma transação de títulos

lucrativa‖, mas a maioria das empresas preferia incorporar unidades onde ―a estrutura

física e a capacidade organizacional existentes propiciavam-lhes nítida vantagem

competitiva‖ (Chandler, p. 332).

As associações, defensivas ou estratégicas, realizavam-se em resposta a

―situações históricas específicas que variavam de uma época para outra, de um país para

outro, de uma indústria para outra e até mesmo de uma empresa para outra‖. Como, por

exemplo, o caso da indústria automobilística dos EUA, no período entre guerras,

quando ―a Ford continuou verticalmente integrada, a General Motors adotava a política

de controlar um quarto de seus fornecedores, e a Chrysler adquiria quase todos os seus

suprimentos de produtores independentes‖ (Chandler, p. 332).

Estratégias de expansão geográfica, determinantes para o desenvolvimento

contínuo da moderna empresa industrial, foram realizadas geralmente a partir da

exploração de vantagens competitivas em mercados distantes22

, durante a primeira

metade do século XX. Assim, com a evolução das estratégias de expansão geográfica e

de diversificação de produtos, para utilizar a ―capacidade organizacional gerada pela

concorrência funcional‖ foi o que permitiu a neutralização da ―inércia burocrática

inerente a toda organização hierárquica de grande porte.‖ Além dos incentivos que

―levavam ao investimento direto no exterior‖, também as tarifas e outras medidas que

aumentavam os custos dos bens exportados e motivavam a construção de fábricas no

exterior, até mesmo para conter a concorrência, ―explorar um mercado potencial‖, ou

variar a produção para atender necessidades locais. Para tanto, esse investimento

realizava-se partindo do princípio que a empresa detivesse ―vantagem competitiva sobre

os produtores locais‖ (Idem, p. 332-333) 23

.

Abordagens recentes sobre o período

As associações entre empresas, que resultaram em processos de fusões e

aquisições em território brasileiro, na década de 1990, provocaram uma literatura com

enfoque organizacional desenvolvida principalmente por administradores, consultores

de empresas e economistas. Esta abordagem, geralmente restrita ao âmbito da empresa,

apresenta alguns aspectos: das ―estratégias‖ (Héau, Rossetti e Dupas, in BARROS,

2001)24

, das ―oportunidades‖ e das ―patologias‖ (Héau)25

26

, e do ―choque cultural‖

22

―A diversificação de produtos decorria da possibilidade de usar de maneira mais lucrativa as instalações

e o pessoal empregados na produção, na comercialização e nas atividades de pesquisa, visando

igualmente explorar as vantagens competitivas.‖ (Chandler, 1998, p. 332). 23

―Obviamente a aquisição de instalações de produção em lugares distantes só acontecia depois de o

vanguardeiro ter feito seus investimentos iniciais na produção, na distribuição e na administração. O

primeiro incremento da produção geralmente ocorria com a ampliação do estabelecimento original,

quando tal incremento propiciava maiores economias de escala e de escopo. À medida que a organização

de comercialização se expandia geograficamente, surgiam oportunidades para reduzir os custos de

produção, transporte e aprovisionamento montando no próprio país fábricas situadas mais perto dos novos

mercados ou de fontes locais de suprimentos, matérias-primas ou mão-de-obra.‖ (Chandler, 1998, p. 333). 24

O termo ―estratégia‖ – comum na literatura acadêmica e na imprensa especializada –, aplicado às

fusões e aquisições, contempla as formas de atuação da empresa no futuro (curto, médio ou longo prazo).

Assim, os diversos tipos de estratégias a serem adotadas marcarão o posicionamento ou a inserção da

empresa frente a diferentes conjunturas. 25

O termo ―oportunidade‖ designa a situação de possibilidade de realização de um novo negócio. Refere-

se, por exemplo, à possibilidade de aquisição de outra empresa, em um quadro de excesso de liquidez ou

ao interesse dos herdeiros de uma empresa em transferir o negócio fundado por seus antepassados (Héau,

2001). 26

Denominam-se ―patologias‖ os problemas não previstos nas aquisições, que podem causar o fracasso

dessas transações. Decorrem, basicamente, de um mau negócio ou de uma integração insuficiente na

seqüência de uma fusão (Héau, 2001).

(Barros, 2001)27

. Rasmussen (1989), pouco antes da abertura comercial brasileira,

analisa o aspecto estratégico ressaltando o ―planejamento estratégico‖, os ―benefícios‖ e

os ―planos de expansão‖, principalmente. De maneira geral, os trabalhos citados acima

não se contrapõem às reformas na política econômica brasileira dos anos 1990, ou

mesmo são complacentes com esta. Não há, então, tratamento da concentração e

centralização de capitais, trata-se da abordagem no ponto de vista administrativo e

organizacional das empresas.

Os trabalhos de Miranda & Martins (2000), Gonçalves (1999 e 2000), Ferraz &

Iootty (2000), Bonelli (2000) e Barros (2001 e 2003), ressaltam o crescimento das

transações envolvendo fusões e aquisições de empresas ocorridas no Brasil e no centro

do sistema capitalista (EUA, União Européia e Japão), principalmente a partir da década

de 1990.

Ferraz e Iootty (2000) consideram relevante para a análise econômica o

―processo de fusões e aquisições em curso nas principais economias do planeta‖, cujo

crescimento revelou-se exponencial durante a última década. Constatam a ocorrência de

uma aceleração internacional dos fluxos de bens, serviços, tecnologia e capital, além da

intensificação do processo de transformações tecnológicas e de ―mudanças nos regimes

nacionais de incentivos e regulação, em busca de uma liberalização econômica‖. As

fusões e aquisições resultariam, portanto, de estratégias empresariais em busca da

imposição de novos padrões de consumo e a exploração ―de mercados com amplitude

global, antecipando ou em resposta às mudanças no ambiente competitivo onde

operam‖, consistindo em um tipo de empresa que busca a sua expansão além das

fronteiras nacionais (p. 39). Assinalam, ainda, que a grande participação de empresas

estrangeiras em fusões e aquisições acentua a concentração econômica, e podem causar

a internacionalização patrimonial interna, além da substituição ou adiamento de

investimentos em ampliação de capacidade produtiva (p. 39). Ressaltam que o

entendimento destes aspectos seria importante para o verdadeiro conhecimento da

profundidade do processo de fusões e aquisições ocorrido no Brasil, mas que o

conhecimento do processo seria parcial atualmente, no país, exceção feita ao artigo de

Miranda e Martins (2000).

27

―Choque-cultural‖ evidencia a dificuldade de entrosamento entre estruturas diferentes. A busca por uma

empresa, para fusão ou aquisição, considera possíveis semelhanças, e quanto maiores forem essas

semelhanças, maiores serão as possibilidades do processo não resultar em um fracasso (Barros, 2001).

Miranda & Martins (2000) consideram a ocorrência do ―crescimento continuado

do movimento de fusões e aquisições de empresas‖ e que este aponta para uma

crescente tendência de concentração e de centralização do capital (p. 67). Estes autores

contribuem, também, com uma metodologia para a análise dos dados divulgados pelas

empresas de consultorias em fusões e aquisições, notadamente a KPMG Corporate

Finance e a Securities Data, cujos dados foram utilizados e comparados no trabalho28

.

Vegro e Sato (1995) demonstraram o crescimento de fusões e aquisições no

setor de alimentos, tendo realizado considerações referentes ao crescimento das firmas

(onde ressaltam processos de diversificação e aquisição). Apresentam dados e procuram

caracterizar o fenômeno, além de identificar as principais transações ocorridas com a

participação de empresas transnacionais, com um maior detalhamento no ramo de

produtos lácteos e de carnes e óleos. Ressaltam que as fusões e aquisições não seriam

um privilégio dos países centrais, com a ocorrência de importantes negócios em países

em desenvolvimento (p. 9).

Triches (1996) aponta o dinamismo característico do mercado brasileiro durante

os anos 1990 quanto às fusões e aquisições, apresenta uma definição dos termos mais

utilizados na literatura e, em termos gerais, com alguns dados e informações de

transações realizadas no período 1985-1994. Triches atribui à crise enfrentada pela

economia brasileira na década de 1980 e no começo da década de 1990, o aumento das

transações então verificado29

.

Comin (1996) apresenta um panorama da situação das fusões e aquisições no

mundo, analisa mais detalhadamente o caso dos EUA, onde a atividade seria mais

intensa e aponta dados referentes à América Latina. O intento de Comin é mostrar ―que

o mundo vive hoje uma nova ‗onda de fusões‘, com o crescimento sem precedentes do

processo de centralização de capital‖ (p. 63). Reforça o caráter financeiro do processo.

Rodrigues (1999) analisa o que determinou o aumento da participação das

empresas estrangeiras, no início da década, nas fusões e aquisições nos setores de

autopeças e alimentos/bebidas. Compara o aumento dos ingressos líquidos de

28

Miranda & Martins (2000) sistematizaram os dados para proceder a uma análise científica do assunto,

em uma tentativa de diminuir as discrepâncias referentes ao montante de transações efetivamente

realizadas ou quanto aos valores envolvidos nos negócios, através de uma série de comparações. 29

A crise (...) e a abertura de mercado levaram muitos grupos empresariais, que tinham diversificado suas

atividades, a vender ou a incorporar empresas para concentrar esforços nos ramos industriais

considerados de maior domínio. A recessão, as altas taxas de juros praticadas no mercado financeiro, a

implementação de sucessivos planos de estabilização, o congelamento de preços e salários e o problema

de sucessão familiar foram os principais fatores que forçaram a venda de muitas empresas (Triches, 1996,

p. 20).

investimento direto estrangeiro (de US$ 397 milhões em 1993, para US$ 1,9 bilhão em

1994, US$ 9,4 bilhões em 1996 e US$ 17 bilhões em 1997) com estimativas da

SOBEET que mostram o crescimento do Brasil, ―na ponta vendedora‖, em relação ao

volume de transações internacionais, da seguinte ordem: de US$ 1,3 bilhão em 1994,

US$ 2,1 bilhões em 1995 e US$ 4 bilhões em 1996 (p. 5).

Lodi (1999) refere-se às fusões e aquisições realizadas no cenário brasileiro,

apresentando as biografias de algumas empresas familiares nacionais. Este autor baseia-

se em sua experiência profissional como consultor de empresas. Além da sua

experiência empresarial, o autor também escreveu artigos para jornais e manteve,

durante certo período, uma coluna sobre negócios, fusões e aquisições na Revista Carta

Capital.

Gonçalves (1999 e 2000) aponta as correlações entre a ―globalização‖, a

centralização do capital e a desnacionalização da economia brasileira, principalmente

através do aumento de investimentos externos diretos e as fusões e aquisições realizadas

no Brasil.

Bonelli (2000) ocupa-se das fusões e aquisições no âmbito do Mercosul, onde

observa as estratégias das empresas transnacionais. Indica que existe relação entre os

processos de abertura, integração e estabilização econômica ocorridos na América

Latina com o recente movimento das fusões e aquisições.

Cano (1999) analisa as reformas econômicas e as conseqüências da abertura em

países da América Latina, e relata os processos de privatização empreendidos nos

diversos países da região (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e

Venezuela).

Barros (2001 e 2003) organizou duas coletâneas que tratam do processo de

fusões e aquisições e seus impactos na economia brasileira. Os artigos convergem para

uma análise favorável ao movimento em curso como, por exemplo, Rossetti (2001), em

que as fusões e aquisições teriam propiciado aumento da competitividade e resultariam

de amplo processo de modernização, no decorrer dos anos 1990.

Tipologia, causas da internacionalização e globalização

Gonçalves (2000) distingue os diversos tipos de fusões e aquisições, assinalando

as principais definições (p. 81):

i. fusão estatutária: apontada como a combinação entre duas empresas, causando o

desaparecimento de uma delas;

ii. fusão subsidiária: seria a junção entre duas empresas, onde uma torna-se a matriz e a

outra, conseqüentemente, resultaria em sua subsidiária;

iii. fusão horizontal: quando dois competidores se fundem;

iv. fusão vertical: ocorre com uma empresa fornecedora;

v. Conglomerado: acontece quando as empresas não possuem relação direta entre si;

vi. Consolidação: junção entre duas ou mais empresas para a formação de uma nova

empresa;

vii. Aquisição ou takeover: envolve ação unilateral, sem negociação, através de oferta

de compra de ações;

viii. Joint venture: caracterizada pela criação de uma nova empresa, ou pela realização

de um acordo entre duas empresas, cada uma delas participando com ativos de sua

propriedade.

Pode-se observar, entre as causas principais para o aumento das fusões e

aquisições mundiais, razões estratégicas, por parte das grandes empresas, que

procuraram se concentrar em seus negócios mais importantes, dispensando os negócios

menos importantes, e a busca de maior sinergia em seu setor principal de atuação

através de alguma forma de associação (Bonelli, 2000, p. 65).

Em relação às causas, ou aos principais determinantes de cada uma dessas

formas de fusões e aquisições, pode-se apontar as seguintes:

Sinergia: quando as empresas buscam sinergia, elas podem estar buscando

economias de escala (aumento da escala de produção e redução do custo médio),

pois ―ao duplicarmos os fatores de produção pode-se verificar que o volume de

produção mais do que duplica‖. Outra alternativa pode ser com base ―na economia

de escopo (...) quando o mesmo conjunto de insumos pode ser usado para produzir

uma ampla gama de bens e serviços‖ (Gonçalves, 2000, p. 82). Pode ocorrer,

também, busca de sinergia financeira, que visa basicamente reduzir os custos de

captação de recursos;

Diversificação de risco: neste caso, a estratégia de fusões e aquisições aparece nos

conglomerados, ou é deles característica, como resposta, por exemplo, a turbulências

nos mercados. Exemplos dessa estratégia seriam os conglomerados japoneses e

coreanos, além da GE, que opera na indústria e também em serviços. ―A expansão

das F&A‘s transfronteiriças nos últimos anos tem envolvido uma diversificação

geográfica de investimentos que permite a redução da volatilidade da taxa de retorno

dos investimentos em escala global― (idem, p. 82);

Reestruturação produtiva: essas estratégias resultam de ―mudanças nas condições de

competitividade e lucratividade das empresas‖, causadas em grande parte pelo

aumento da concorrência internacional, e aspectos relacionados a ―mudanças

tecnológicas e organizacionais‖. A reestruturação produtiva incentivou grande parte

das transações na Europa, durante a década de 1980, quando da iminência do

processo de integração européia, como reação das empresas ―ao estabelecimento do

mercado comum e à criação de um cronograma de união monetária‖ (idem, p. 84);

Acesso à tecnologia: ―(...) o processo de F&A‘s responde, em grande medida, à

necessidade de obter uma tecnologia que é um ativo específico à propriedade de

outra empresa‖ (p. 84). Na maior parte dos casos, quando o motivo é o acesso à

tecnologia, as empresas preferem realizar alianças estratégicas, joint ventures ou

acordos de cooperação;

Desregulamentação: processo que pode incentivar as empresas a uma integração

vertical para aumentar seu poder de mercado, como exemplificado pela indústria de

alumínio, que investiu na indústria de latas. Também a ―desregulamentação dos

mercados e a liberalização com relação à entrada de investidores estrangeiros

tendem também a influenciar o processo de F&A‘s. Em ambos os casos as empresas

existentes com menor capacidade de competição tornam-se ‗presas‘― (Gonçalves, p.

85);

Privatizações: processos marcados por ―transferência de ativos de propriedade

estatal para investidores privados tem sido um dos principais mecanismos para

aquisições cross border― (idem, p. 85), como é evidente no caso da América Latina;

Incentivos fiscais: na forma de benefícios tributários, podem ser importantes para a

realização de fusões e aquisições, quando há créditos a serem transferidos ou perdas

que podem ser compensadas;

A idéia de ―globalização‖ tem revelado certa polêmica, evidenciada

principalmente no âmbito da academia. Esse tema suscita alguma apreciação, na medida

em que aparece na literatura sobre as fusões e aquisições de forma consensual. Alguns

aspectos são apresentados, aqui, em relação ao tema das fusões e aquisições, entretanto

sem a pretensão de esgotá-lo.

O movimento de fusões e aquisições disseminou-se pela economia mundial e

tem sido interpretado como uma das características do período de ―globalização‖

(Ferraz & Iootty, 2000). Entretanto, este processo de ―globalização‖ econômica não

teria sido suficientemente explicado, conforme entendimento de Lacerda (1999), mas

para Hirst e Thompson (2001) o conceito de ―globalização‖ teria se transformado em

uma moda das Ciências Sociais, e para Cano (1999) ele teve ―um uso generalizado e

banalizado na imprensa e mesmo na academia‖ (p. 37).

Para P. N. Batista Jr. (1997), o termo ―globalização‖ seria inadequado e

transmitiria ―uma idéia incorreta do que passa no mundo hoje‖ e deveria ser utilizado

apenas ―entre aspas para denotar distanciamento e até ironia‖ (p. 06). Este termo,

carregado de ideologia, serviria para divulgar ―a idéia de que existe um processo

irresistível na economia mundial‖, qual seja, o de adaptar-se ―a esse movimento

inexorável da economia, comandado por forças tecnológicas e pelas grandes

corporações, ditas transnacionais, que operam no plano internacional‖ (p. 07).

A fim de evitar qualquer ―mal-entendido‖, Batista Jr. ressalta, entretanto, ser

inegável o aumento das transações econômicas internacionais, apoiado em

progressos tecnológicos e inovações em áreas como informática,

telecomunicações e finanças. Nos últimos 30 anos, houve crescimento expressivo

do comércio internacional de bens e serviços, dos investimentos diretos e dos

empréstimos e financiamentos internacionais. Mas é preciso resguardar-se contra

a carga de fantasia e mitologia que se constrói em cima dessas tendências reais,

que são bem mais limitadas do que sugere o barulho em torno do assunto (Batista

Jr., 1997, p. 07).

É necessário discutir não tanto o conceito de ―globalização‖, ou seja, esta

discussão não deve ser reduzida apenas a uma questão semântica, mas precisa

considerar outros aspectos, como a estratégia ―liderada pelos EUA em relação à

América Latina‖ que procura alcançar ―a abertura comercial indiscriminada dos

mercados nacionais e assim a quebra da reserva de mercado, a desindustrialização, e a

diminuição da soberania já limitada que desfrutamos‖ (Mamigonian, 1999, p. 140).

Em sua análise sobre a ―globalização‖, Santos (2000) observa que os ―últimos

anos do século XX foram emblemáticos, porque neles se realizaram grandes

concentrações, grandes fusões, tanto na órbita da produção como na das finanças e da

informação‖ (p. 46) e critica os defensores do estado mínimo, pois a respeito das

privatizações considera que estas decorreram de um ―discurso‖ que tentava convencer a

sociedade da necessidade de ―haver menos Estado‖, tendo por base ―o fato de que os

condutores da globalização‖ necessitariam ―de um Estado flexível a seus interesses‖.

Em sua análise, as privatizações seriam o exemplo da extrema voracidade do capital.

Como as privatizações foram realizadas sob a ótica da desoneração dos Estados

Nacionais, com o intuito de retirar de seu controle uma série de empresas importantes

ou estratégicas, os capitais privados, notadamente estrangeiros, foram os maiores

beneficiários de seus efeitos. Como conseqüência, observa-se a ampliação de mercados

e a radicalização de relações de produção nessas economias, inseridas em condições de

desigualdade no processo de globalização30

.

Rangel e a concessão de serviços públicos

Como foi mencionado na introdução deste trabalho, Ignácio Rangel elaborou

uma proposta de concessão de serviços públicos a iniciativa privada, e a discutiu com

técnicos do BNDE (Pizzo, 1997, p. 104-105) com o propósito de superar tanto a crise

financeira como a crise cíclica em geral, através de uma redistribuição das atividades

entre o setor público e o setor privado da economia.

É preciso ressaltar que o instrumental teórico de Rangel considerava a teoria dos

ciclos, e avaliava a situação do país em relação a uma crise econômica emanada do

centro do sistema, uma crise externa relacionada ao ciclo longo (4º Kondratieff)

coincidente com a crise do ciclo interno de curta duração (ciclo de Juglar). É no quadro

coincidente, portanto, de uma crise externa e de uma crise interna que Rangel reflete

sobre a economia do país e procura soluções para a superação da crise com a retomada

do desenvolvimento (Rangel, 1983, p. 11).

Rangel (1985) analisava o desenvolvimento econômico e industrial do País pela

―ação concomitante e coordenada‖ (p. 39) entre o setor público e o setor privado, mas

entendia que as partes correspondentes a cada um desses setores mudariam a cada ciclo.

Assim,

sempre que o empresariado privado se julga em condições de assumir a

responsabilidade por um grupo de atividades, começa a pressionar pela

privatização desse setor, o que não impede que o mesmo empresariado entre a

cobrar do Estado certos serviços e produtos que, afinal, irão recompor o setor

público desfalcado, na fase final da crise. Afinal, depois como antes, haverá, lado

a lado, um setor público e um setor privado, em conflito que não exclui

colaboração, e, em colaboração, que não exclui conflito. Dialeticamente. (Rangel,

1985, p. 39).

30

―A nação é, sem dúvida, uma categoria histórica, uma estrutura que nasce e morre, depois de cumprida

sua missão. Não tenho dúvida de que todos os povos da Terra caminham para uma comunidade única,

para ‗Um Mundo Só‘. Isto virá por si mesmo, à medida que os problemas que não comportem solução

dentro dos marcos nacionais se tornem predominantes e sejam resolvidos os graves problemas suscetíveis

de solução dentro dos marcos nacionais. Mas não antes disso. O ‗Mundo Só‘ não pode ser um

conglomerado heterogêneo de povos ricos e de povos miseráveis, cultos e ignorantes, hígidos e doentes,

fortes e fracos‖ (Ignácio Rangel, in Mamigonian, 1997).

Sua proposta considerava o esgotamento da capacidade de investimento do

Estado, causada por um endividamento que o tornava incapaz de gerar novos

investimentos nos setores mais necessitados da economia, como em infra-estrutura,

transporte urbano, energia, água e esgoto, ou seja, todos aqueles ―serviços públicos que

se atrasaram no seu funcionamento e hoje são as áreas estranguladas‖ (Pizzo, p. 107).

Seu argumento incidia na utilização da capacidade de produção interna, de indústrias

que estavam operando com altos índices de ociosidade, notadamente a indústria pesada,

a de construção e o setor exportador, setores com capacidade de angariar recursos e de

realizar investimentos. Isso ocorreria através da transferência às empresas privadas das

empresas públicas que careciam de investimentos, associadas aos setores estrangulados

da economia, e que portanto eram os que mais necessitavam de investimento, e,

conforme Pizzo (1997)31

não a transferência de empresas que estavam funcionando bem

(como nos citados casos da Usiminas e Telebrás, além da Companhia Vale do Rio Doce

e outras empresas)32

.

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31

―Venderam-se empresas do setor petroquímico, do siderúrgico, etc. Nem por isso se resolveu a questão

macroeconômica, a da economia como um todo. Houve uma simples transferência de patrimônio. Quer

dizer, não era disso que Rangel estava falando‖ (Pizzo, 1997, p. 108). 32

―Chegamos, pois, ao ‗x‘ do problema nacional, a saber: o quadro institucional atual dos serviços de

utilidade pública – concessão de serviço público a empresa pública – esgotou suas possibilidades, porque

conduziu a uma taxa de juros proibitivamente elevada, incompatível com a economia desses serviços. A

tragédia do endividamento interno e externo prende-se a isso. É indispensável fazer intervir no processo

outra grandeza: que não pode ser senão a garantia hipotecária‖ (Rangel, 1987, p. 22).

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América Economia

Carta Capital

Folha de São Paulo

Forbes Brasil

Gazeta Mercantil

O Estado de São Paulo

Reportagem - Revista da Oficina de Informações

Revista Atenção

Revista Istoé

Revista Veja

ASSOCIATIVISMO E PORDUÇÃO ESPACIAL EM SALVADOR-Ba: uma

discussão sobre solidariedade, justiça social e democracia no Brasil contemporâneo

a partir da produção espacial por novos personagens urbanos.

Margarete Rodrigues Neves Oliveira33

Discutir a produção do espaço e de territorialidades em Salvador-Ba a partir da

ação de um grupo cultural organizado, numa comunidade local, como um tipo de

associativismo, representa uma forma singular de discutir solidariedade, justiça social e

democracia na realidade contemporânea do Brasil, particularmente da Bahia. Tal

empreendimento requer, sem dúvida, um esforço descritivo, explicativo e analítico de

grande monta. Algo que as limitações do presente estudo dificilmente conseguirão

alcançar. Todavia, esse esforço justifica-se pelo exercício de aproximação de discussões

teóricas a um objeto empírico.

As ações de produção espacial e cristalização de territorialidades, por

associações de caráter cultural e/ou religioso são derivadas, entre outras razões, das

contradições geradas pelas novas e sempre crescentes necessidades postas à produção e

desenvolvimento do capitalismo, sobretudo para as cidades, e, também das políticas

públicas adotadas, no que se refere à produção, distribuição e acesso aos bens públicos.

Tais políticas por serem dirigidas preferencialmente aos setores mais rentáveis da

produção e do consumo orientam a prioridade dos serviços e a distribuição de

equipamentos urbanos. Em detrimento das reais necessidades de grande parte da

população residente, restando às parcelas da sociedade civil desempenhar, muitas vezes,

funções negligenciadas pelo Estado, como forma de preencher algumas das suas

demandas.

O presente trabalho objetiva analisar brevemente a atuação de um desses

movimentos sociais urbanos, considerado como ―novo‖, bem como a ação de setores

privados e do próprio Estado na produção do espaço de Salvador e, tecer considerações

sobre o bairro da Liberdade, comunidade que abriga a Associação Cultural Bloco

Carnavalesco Ilê Aiyê, como objeto empírico estudo. Para tanto, antes será

desenvolvida uma breve revisão teórica sobre a cultura política brasileira, justiça social

e democracia e Vale ressaltar que o esforço de investigar o papel do referido grupo,

33

Mestre em Geografia Urbana / UFBa; professora de Geografia da EsAEx/ CMS — Escola de

Administração do Exército e Colégio Militar de Salvador . [email protected]

reconhecendo-o como um ―novo‖ movimento social, colabora com a pesquisa em

Geografia Urbana, num diálogo interdisciplinar com outras áreas das ciências sociais.

Tradição da cultura política brasileira.

A Cultura política brasileira é vista por muitos autores como um fator relevante

na cristalização de uma ordem sócio-econômica desigual quanto à distribuição de renda

e bens públicos (IVO, 2001). Essa cultura política pode ser identificada por intermédio

da análise da mediação entre o Estado e a sociedade que se caracteriza pelo caráter

patrimonialista, centralizador e autoritário, permeado por relações clientelistas e

complementado pelo ciclo burocrático. Além do caráter restritivo das políticas de

seguridade social e do volume de pobreza. Somando-se às constatações defendidas por

Ivo, DaMatta (1991) afirma que no Brasil — apesar de ser amplamente divulgado o

predomínio, em seu território, do credo liberal, baseado nas instituições jurídicas — a

cidadania, que essencialmente constitui-se num conceito importante para estabelecer o

universal e acabar com a rede de privilégios defendendo que o papel social do cidadão é

justamente de caráter universal e igualitário, está cristalizada em teias de hierarquização

locais, operando de um modo que privilegia as mais flagrantes relações pessoais.

Assim, para alcançar os objetivos estabelecidos para o presente trabalho, antes

de mais nada, é importante caracterizar os aspectos citados da cultura política brasileira.

Primeiro, o conceito de patrimonialismo. Definido como o uso privado da coisa pública

que encontra sua expressão no clientelismo, no insulamento do Estado, na corrupção e

num Estado incompleto (IVO, 2001). E que podem ser exemplificados por alguns dos

processos de produção do espaço em Salvador. Segundo, o caráter centralizador e

autoritário que historicamente acompanhou o Estado patrimonialista, debilitando o

sistema de representação e conseqüentemente a democracia (TOURRAINE, 1996),

criando um ambiente de incertezas quanto às regras do ―jogo‖ e, certezas quanto aos

resultados da participação política e suas mazelas conseqüentes, o autoritarismo.

Terceiro, o caráter restritivo de inclusão de massas trabalhadoras ao regime salarial,

segmentando o mercado de trabalho no plano do direito. Nesse momento é possível

resgatar o pensamento de Heller (1998) e de Mashall (1967) quanto ao conceito de

igualdade em oportunidade de vida, que preconiza para os indivíduos a possibilidade de

levar uma vida digna de acordo com o padrão da sua sociedade e não aquilo que foi

apontado por Santos (apud DaMatta, 1991) como uma cidadania regulada, na qual

apenas alguns podem usufruir mais direitos do que os outros. Por fim, o volume de

pobreza e as altas taxas de desigualdades, sendo que essas significam uma cidadania

segmentada, posto que exclui uma grande parcela da população da possibilidade de

incorporar-se a comunidade política, e de defender seus direitos, entre eles o direito

cultuar uma herança cultural.

Um outro aspecto da cultura política brasileira pode ser apresentado, ainda que

com ressalvas, a partir do pensamento de Baiardi (1995)34

ao analisarmos os aspectos

históricos que contribuíram para a formação da sociedade brasileira, a saber: a

colonização de exploração de matriz católica ibérica, que cristalizou valores e visões de

mundo patriarcal senhorial, baseado no pensamento aristocrático, que valorizaria,

segundo esse autor, a permanência das hierarquias sociais; a demora da implantação de

um mercado de trabalho livre e a tardia industrialização, quando de sua implantação —

baseada num modelo substitutivo —, a opção por um modelo concentrador, voltado à

grande indústria que resultou num crescimento exagerado das metrópoles

desacompanhado de uma política de reforma agrária.

Os aspectos apresentados são relevantes por constituírem as bases da sociedade

brasileira que se materializou no processo de produção espacial ao traduzir nas formas

urbanas as mesmas verticalidades da cultura política, cristalizadas num espaço

socialmente desigual.

Produção do espaço da cidade de Salvador

Nas últimas décadas, todas as capitais e grandes cidades brasileiras apresentaram

elevado índice de crescimento populacional. Em várias partes do mundo as áreas

urbanas concentram a maior parte da população. Segundo dados do Censo Demográfico

do ano de 2000, no Brasil esse índice é de 81,25% (IBGE, 2000). Os reflexos de tal fato,

geralmente, possuem mais aspectos negativos do que positivos.

A falta de moradias, saneamento básico, atendimento médico/ hospitalar,

escolas, empregos, congestionamentos do trânsito de veículos, deslizamentos de

encostas, as áreas inundadas, são problemas dessas cidades que crescem rápida e

34

Ressalva-se das análises empreendias por Bairdi o caráter determinista ambiental com que ele apresenta

a origem dos padrões culturais de comportamento da sociedade brasileira, atribuindo para tanto

explicações com base em latitudes (os trópicos) e na raça (os negros descendentes dos escravos).

desordenadamente e que estão em freqüente transformação, num infindável processo de

construção / reconstruções.

Partindo da premissa de que a cidade pode ser considerada, segundo HARVEY

(apud Correa, 2001, p.121), ―como a expressão concreta de processos sociais na forma

de um ambiente construído sobre o espaço geográfico‖, percebe-se que a organização

do espaço citadino não busca solucionar problemas para que todos os cidadãos tenham

suas necessidades atendidas, que sejam respeitados, possuam direitos e não apenas

deveres, que possam influenciar decidir e, sobretudo usufruir desse espaço. Em verdade,

a essa organização espacial foram impostas as demandas do atual período pós-fordista,

imprimindo-lhes uma integração funcional para que atendam às exigências cada vez

maiores por fluidez do capital. E essa dinâmica interessa fundamentalmente aos agentes

hegemônicos que buscam a implantação de estruturas espaciais que lhes permitam fazer

economia máxima das falsas despesas de produção (LOJKINE, 1997), que vêem o

cumprimento das suas necessidades viabilizadas pelo Estado, posto que este se

encarrega de garantir ao capitalismo pós-fordista uma relativa estabilidade e

durabilidade (foi assim também para os regimes precedentes) (HIRSCH, 1998).

Essa fluidez contemporânea prescrevida é baseada em redes técnicas, necessárias

ao suporte e à competitividade dos agentes do capital privado, nacional e/ou

internacional, e ao Estado nacional de competição35

. A eficiência dessas redes depende,

consideravelmente, do modo como a organização espacial da cidade se dá.

Preferencialmente, se estas oferecerem uma oferta de equipamentos e de serviços como

transporte e comunicação.

O resultado do crescente compromisso com a referida fluidez promove espaços

socialmente segregados dentro das cidades, restando aos segmentos da sociedade civil36

,

por intermédio dos movimentos sociais, preencherem as lacunas deixadas pelo Estado

no que se refere à materialização das formas diretamente relacionadas às suas demandas

comunitárias. O que cria condições para a permanência de conflitos latentes na

sociedade.

35

Como afirma HIRSCH (1998), tal noção de Estado substitui a de Estado do Bem Estar Social que

caracterizou o período fordista, sendo que este novo Estado poderia ser chamado de Estado nacional de

competição. Assim, esta forma de regulação política se ampara na justificativa de atender às necessidades

de competitividade para firmar um Estado nacional qualquer numa posição internacional vantajosa. 36

A sociedade civil é quem promove fóruns para expressão e confrontamento de questões do interesse

público, posto que ela pode ser vista como um campo de batalhas políticas e ideológicas do qual

concepções alternativas de desenvolvimento e ordem social podem emergir. (HIRSCH, 2003).

Para fim de diferenciação teórica, considerou-se tanto a ação dos movimentos

sociais urbanos tradicionais — as associações de moradores ou de bairros — quanto à

ação do setor privado e do próprio Estado na produção do espaço urbano.

Ao empreendermos o resgate do processo de produção de Salvador é possível

constatar que, desde sua fundação, em 1549, o sítio inicial de Salvador foi escolhido em

consideração a dois aspectos principais: acessibilidade e defesa. Tais aspectos sempre

tiveram caráter relevante para a dinâmica do capitalismo mundial projetado na cidade,

pois definiram a função portuária e administrativa que a caracterizou, bem como a

segurança dos fluxos comerciais. Entretanto, essa função portuária decaiu após o

período colonial, encerrando um dinamismo econômico verificado até então e deixando

a cidade numa estagnação econômica até o fim da década de 1950 do século XX.

Todavia, a partir do contexto econômico chamado de substituição das

importações, concentrada na região Sudeste e que encontrava repercussão em território

baiano, começou a desenvolver-se, no âmbito da administração municipal, uma

perspectiva funcionalista para o ordenamento da cidade. Dessa forma, com o objetivo

declarado de "criar na Bahia uma consciência urbanística" (FMLF, 2002), aconteceu em

1935 a Semana do Urbanismo, considerada como um dos mais relevantes antecedentes

históricos para a consolidação da atual organização espacial da cidade.

Todavia, o que não estava declarado nos objetivos daquele evento, era que, com

a execução do seu resultado concreto — o plano do EPUCS37

— que traria sugestões

para o plano diretor da cidade e discussões sobre a circulação urbana, instalavam-se as

bases da mercantilização do solo em Salvador, com regulamentação definida pelo

Decreto nº. 701, de 09 de novembro de 1948, que dispunha sobre a divisão e utilização

da terra na zona urbana e regulava os loteamentos, revelando a intenção de controle ao

acesso ao solo urbano.

No referido plano do EPUCS constavam às diretrizes para ocupação e

zoneamento, identificando a localização das atividades diferenciadas da população

urbana em setores próprios, que se integravam na estrutura física e social da cidade.

Esse plano buscava aplicar uma racionalidade funcionalista e higienista, fundamentada

na estruturação de habitações populares temporárias em bairros proletários, próximos às

zonas industriais. O discurso apaziguador desse plano pregava que a pobreza das classes

trabalhadoras seria superada com o desenvolvimento industrial, fato que não se

37

Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador (FMLF, 2002)

concretizou. De fato, o zoneamento aplicado à cidade tratava-se da racionalização

articulada a fim de produzir os espaços necessários para atender à lógica do capital,

local e nacional. Pois, a idéia de instalação provisória dos assentamentos proletários,

supunha uma contínua eliminação das vizinhanças pobres, que, por intermédio de um

discurso desenvolvimentista, buscou eliminar a ocupação espontânea das áreas ociosas

da cidade e produzir reservas de solo para a expansão econômica, visto que, enquanto

pregava-se uma solução higienista para a localização compartimentada das classes

populares, concomitantemente, de acordo com BRANDÃO (1973), registrava-se junto

ao poder municipal uma crescente solicitação, por parte de grandes proprietários de

terras, de autorização para criação de loteamentos e posterior comercialização dos

mesmos.

Esse processo caracterizou o que BRANDÃO (1973, p.248) chamou de

―produção ideológica da ilegitimidade: a desordem‖. Na visão dessa autora a idéia de

―desordem‖ associava-se à necessidade de estabelecer uma ordem ou ―ordenamento‖ do

solo. O resultado concreto disso foi a produção de um crescente monopólio do solo

urbano a partir da produção da escassez e, conseqüente, elevação do seu preço.

A ação planejada e articulada do estado e do capital

É importante reconhecer que o espaço é dialeticamente construído a partir das

relações sociais, envolvendo agentes distintos, sendo esta a base de uma concepção

materialista (SOJA, 1993), (LIPIETZ, 1988). Assim, para se entender o processo de

produção e apropriação do espaço urbano, é necessário considerar a existência de uma

relação entre o capital financeiro (bancos e organismos financeiros), o capital fundiário

(os proprietários de terras), o capital produtivo (as construtoras) e o Estado.

Reconhecendo esses como os agentes hegemônicos da produção espacial, a partir da

centralização e associação das suas ações, que se realizam num espaço/tempo limitado,

e do estabelecimento de estratégias de interesses mútuos, contrapondo-se aos interesses

dos demais membros da sociedade, fato observado para a cidade de Salvador que no fim

da década de 1950, teve sua estrutura produtiva regional e o seu papel na economia

nacional redefinidos.

Assim, sobre as bases dos eventos já citados e a partir da década de 1960 se

constituiu o suporte de uma ―modernização conservadora‖ (DAVIDOVICH, 1998, p.

79), responsável por transformações na divisão do trabalho social entre os setores

urbanos em expansão e as oligarquias rurais. Essas transformações repercutiram na

ampliação do espaço físico da cidade (CARVALHO, 1997), tornando-o maior e mais

complexo, mas também contraditório. Sobretudo contraditório, porque ao mesmo tempo

em que se estruturava uma cidade formal dotada de todas as infra-estruturas necessárias

ao seu desenvolvimento, fruto de um planejamento seletivo, outra, informal, mantinha-

se a base da espontaneidade e de crescimento irregular, afastada, ou não, das áreas de

expansão do capital, acreditando que as vicissitudes (alagamentos, deslizamentos, etc.)

que lhe afligia eram inevitáveis (MOORE Jr., 1987).

Sobre os processos de reconfiguração do espaço urbano podem ser apontados

como marcos históricos a implantação da RLAM (Refinaria Landulfo Alves), em 1950;

bem como a construção do CIA (Centro Industrial de Aratu), nos anos 1960; a

instalação do COPEC (Complexo Petroquímico de Camaçari), 1970, caracterizados por

PORTO & CARVALHO (1986, p. 46), como elementos estruturantes que constituiriam,

junto com a descentralização do terciário para a área uma nova da cidade: o Vale do

Camurugipe, o que eles denominam de ―chassi da economia do estado da Bahia, a partir

da macrorregião de Salvador‖. Essa nova base econômica redefiniu o crescimento de

Salvador e do seu entorno, antes baseado nas atividades agrícolas do Recôncavo.

Após a implantação dos referidos marco, o crescimento físico da cidade foi

redirecionado e reorganizado, resultando uma urbanização seletiva. Destacam-se nesse

processo as décadas de 1960 e 1970, quando ocorreram modificações no uso do solo em

Salvador, conseqüentes da nova dinâmica econômica e social da cidade, que refletiu em

escala local a dinâmica nacional e da América Latina como um todo (OLIVEIRA,

2003).

Esses eventos citados permitem a aplicabilidade teórica de algumas das

categorias de análise geográfica e dos elementos do espaço: as firmas, as instituições e

as infra-estruturas (SANTOS, 1985), pois o papel das firmas e das instituições ganha

destaque com a penetração de organismos internacionais e nacionais — CEPAL,

SUDENE, DESENBANCO e CONDER —, na organização de um espaço local, ao

conceber financiar e permitir a alocação de infra-estruturas ou geografização das

formas.

Ao analisarmos esse processo na escala estadual, a criação do DESENBANCO é

um exemplo emblemático. Essa instituição pública atuou na forma de agente de

produção espacial, pois teve relevante papel como agente financeiro, viabilizando a

execução de vários projetos, podendo ser considerado como mais um agente produtor

do espaço. Destaca-se Também a implantação das regiões metropolitanas e com elas o

poder metropolitano, pelo governo militar, que legitimava a possibilidade de controlar e

implantar, em escala regional e local, as diretrizes deliberadas externamente.

A expansão da malha viária de Salvador e de outros empreendimentos tais

como: terminais rodoviários, centros comerciais e administrativos representaram a

materialização dessas ações, pois redirecionaram e redimensionaram os fluxos da

cidade, redefiniram a organização espacial e da circulação por intermédio de um sistema

de vias arteriais modernas, ao mesmo tempo em que excluía consolidadas áreas de

ocupação popular, carentes dessas ações, ao não integrá-las a essa nova forma da

cidade.

A cavaleiro dos investimentos públicos, através da instalação de infra-estruturas

e socialização dos custos da produção espacial, empreendimentos de caráter privado,

chamados de TAC38

, para fins de liberação para criar loteamentos residenciais, se

alocaram no entorno das novas áreas, numa clara expressão de relações clientelistas e

patrimonialista (IVO, 2001), pois as ações do poder público, na forma de regulação

social, favoreceram principalmente os setores econômicos e os grupos de rendas médias

e altas soteropolitanos, textualmente presentes nas considerações gerais e dos objetivos

expressos em alguns estudos prévios tal como o do Projeto Pituba, financiado pelo

DESENBANCO e pelo FINEP, que trazia expresso em documento o objetivo de

―oferecer por antecipado, uma área para o desenvolvimento e a localização de

atividades econômicas de significativa importância‖, uma vez que a área da Pituba

―ostentava fortes atrativos para as camadas da renda que atende ao mercado formal de

habitações, particularmente aquelas que optam pela casa isolada e de alto nível‖, por

poder absorver forte densidade demográfica e por, naquela época, ―contar com toda a

infra-estrutura urbana no melhor padrão de Salvador‖ como: ―água, esgoto sanitário,

luz, rede de drenagem e viária‖ (PROJETO PITUBA, 1976, p.15).

Esses dados revelam a idéia de intencionalidade e associação de interesses

privados, pois, como apontavam os documentos, essa área constituía-se num verdadeiro

vazio urbano, que, no entanto, já possuía uma infra-estrutura instalada bem melhor que

muitas áreas já ocupadas da cidade. Mas, além das infra-estruturas, ―no melhor padrão‖,

38

TAC ou Termo de Acordo e Compromisso são contratos legais celebrados entre a Prefeitura Municipal

e proprietários de terras, a partir dos quais são autorizados a criação de loteamentos privados,

estabelecendo as características gerais do empreendimento o número de lotes comercializados, sua

delimitação, área total, as áreas de uso coletivo etc. (PMS/LOUOS, 2001).

também já estava circundada por vias do sistema viário principal da cidade e articulada

por meio dessas com centros industriais e a importantes terminais, além de dispor de

sub-centro definido e caracterizado.

E também, de acordo com o próprio Decreto, nas considerações e nos objetivos

estabelecidos, a defesa da ―urgente necessidade de se estabelecer orientação normativa,

a fim de possibilitar o desenvolvimento das atividades da iniciativa privada sem

contradição com as diretrizes estruturais a serem estabelecidas pelo Plano‖, referindo-se

ao PLANDURB (Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador), que não poderiam

ser prejudicadas pelas tendências espontâneas. Cabe ressaltar aqui que as terras dessa

área, em sua maior parte, já haviam sido legalizadas na forma de loteamento, como já

foi mencionado. Esse indicativo de rentabilidade da área já havia sido considerado pelos

executores do projeto, ao defenderem que a área possuía uma estrutura fundiária

adequada a grandes projetos de incorporação fundiária por oferecer ―atributos que

atraem às camadas da população de mais elevado padrão de demandas, atendidas pelo

mercado formal de habitação‖ (PROJETO PITUBA, 1976, p.15).

As considerações e os objetivos apresentados nos documentos exemplificam

uma característica comum às políticas de urbanização nos Estados capitalistas. Segundo

LOJKINE (1997), com suas intervenções na cidade, o Estado impede que processos

anárquicos minem a urbanização seletiva, além de socializar as forças produtivas não

rentáveis. No que tange a este segundo item, para esse autor, as ações do Estado

permitem fazer o máximo de economia das falsas despesas de produção, e também

subordinar o crescimento econômico unicamente à valorização do próprio capital.

Assim sendo, é possível analisar a relação entre a ação governamental e a

produção espacial, sobretudo as políticas que remodelaram a forma urbana da cidade do

Salvador, no sentido de criar as estruturas espaciais necessárias às demandas do capital,

confrontando o discurso oficial do planejamento estatal como os objetivos estabelecidos

pelo planejamento urbano.

O desenvolvimento urbano que a cidade apresentou nas últimas décadas foi

responsável por produzir uma nova organização espacial, com efeitos sobre: o território,

a economia, a sociedade e o setor imobiliário em Salvador, ocasionando um

rodoviarismo que priorizou as questões viárias da cidade num claro objetivo de otimizar

a implantação e a fluidez de uma estrutura de redes econômica. Inserindo Salvador no

que muitos autores chamam de fordismo periférico, que materializa as condições de

espaços ótimos para a produção, sem os benefícios da implantação do Estado de bem

estar social, próprio desse regime de acumulação (mais uma vez aplicam-se as análises

empreendidas por IVO 2001, no patrimonialismo e no insulamento do Estado).

Segundo MARICATO (1996), as redes viárias e os lotes clandestinos urbanos

foram as bases para a expansão horizontal das grandes cidades brasileiras nas décadas

de 1940, 1950, 1960 e 1970. A autora afirma que o Estado e o judiciário desenvolveram

estratégias para conviver com o ocultamento da cidade concreta (dos lotes clandestinos

ou irregulares). Uma legislação rigorosa e detalhista, que serve às relações calcadas no

favor, arbitrariedade, corrupção, clientelismo político, se ocupa da cidade formal,

convivendo com um processo anárquico e desastroso de ocupação de solo.

A ocupação ilegal foi consentida enquanto os imóveis possuíam valor irrisório,

passaram a ser proibidas e reprimidas quando os imóveis se valorizaram, pois terrenos

ocupados por favelas pressionariam para baixo o valor dos imóveis do entorno. Foi

assim nas reformas urbanas higienistas do início da República, durante o populismo

varguista e na ditadura militar.

O ―desenvolvimento moderno do atraso‖ (MARICATO, 1996), marcou as

grandes cidades do capitalismo periférico, originando um processo de urbanização

acelerado e concentrado, cujo resultado é a degradação do meio ambiente, a segregação

espacial, baixa qualidade de vida, gigantesca miséria social e violência. Embora existam

segregações de etnias e de nacionalidades, a segregação das classes sociais predomina

na estruturação urbana. Segundo VILLAÇA (1998, p.143), o mais conhecido padrão de

segregação da metrópole brasileira é o do centro X periferia.

Segregar espacialmente não implica em concentrar exclusivamente uma classe

social num determinado espaço. Existem espaços de concentração das camadas de alta

renda que possuem camadas de baixa renda. A situação inversa dificilmente acontece. O

que determina, em um espaço, a segregação de uma classe é a concentração

significativa dessa classe mais do que outra. VILLAÇA (1998) argumenta que existe

uma tendência desses bairros segregarem-se numa mesma região da cidade. Dessa

forma, facilitariam a instalação de infra-estrutura e outros benefícios que pudessem ser

implantados pela legislação urbana e pelas intervenções do Estado.

Além da legislação urbana, estabelecer as áreas de ocupação das casas dos

moradores pobres, em algumas metrópoles o poder público possui a prática de transferir

grupos de moradores pobres para ―áreas permitidas‖, atendendo à lógica da valorização

do capital e exigindo que os moradores reivindiquem a garantia da permanência no

local, através do título de propriedade.

Para MARICATO (1996), a exclusão social poderia ser caracterizada por

indicadores como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa

escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem e, sobretudo, a ausência da cidadania.

Seria expressa na segregação espacial ou ambiental, configurando pontos de

concentração de pobreza à semelhança de guetos, ou imensas regiões onde a pobreza é

homogeneamente disseminada. Pontos que apresentariam dificuldade de acesso aos

serviços e infra-estrutura urbanos, menores oportunidades de emprego, maior exposição

à violência, difícil acesso ao lazer, etc.

O Estado brasileiro, especialmente o judiciário, algumas vezes é tolerante em

relação às ocupações ilegais de terras urbanas. Institui normas genéricas que implicam

controle social para toda a sociedade e não apenas para parte dela, abrindo espaço para a

contradição, esta tolerância nem sempre acontece. A justiça acaba se realizando pela

forma como a lei é esquecida e não pela forma como ela é colocada em prática, como

bem explica DaMatta (1991) ao analisar o tratamento diversificado que a noção de

cidadania pode receber se considerarmos práticas sociais tão diversas, quanto às

encontradas no Brasil. Também Heller (1998) pode ser recorrida nas suas análises sobre

igualdade.

Emergência dos novos personagens

No Brasil da década de 1930, institui-se um Estado centralizador, interventor e

protecionista da acumulação urbano-industrial, que elaborou uma legislação trabalhista,

privilegiando o trabalhador urbano, em detrimento do trabalhador rural. A manutenção

de relações arcaicas de propriedade rural resultou numa situação de profunda

concentração fundiária e ocasionou um gigantesco processo de migração do campo para

as cidades.

O processo de desenvolvimento industrial se caracterizou pela relação entre a

produção ilegal de moradias e o urbanismo segregador. Os baixos salários não

possibilitaram à maior parte dos operários adquirirem uma casa no mercado imobiliário

legal.

A política praticada pelo SFH — Sistema Financeiro de Habitação — atendeu

interesses de empresários privados (construção, promotores imobiliários, banqueiros e

proprietários de terra), de políticos clientelistas (governadores, prefeitos, deputados,

vereadores). A distribuição das moradias populares foi uma das maiores fontes de troca

de favores. Ocasionou também a concentração de renda, uma vez que privilegiou a

produção de habitação subsidiada para a classe média em detrimento dos setores de

mais baixa renda.

Combinando investimento público com ação reguladora, o Estado garantiu a

estruturação de um mercado imobiliário capitalista para uma parcela restrita da

população, enquanto à sua maioria restaram as opções das favelas, dos cortiços ou dos

loteamentos ilegais na periferia (sem urbanização) das metrópoles.

Atualmente, nas grandes cidades, a exclusão se caracteriza pela ilegalidade

generalizada: nas condições de moradia, nas relações de trabalho; e se expressa na

segregação ambiental. O Estado privilegia o segmento social local que detêm o capital e

também o capitalismo internacional, aprofundando a miséria e a exclusão social.

Até a década de 1980, na consolidação do mercado imobiliário da Cidade de

Salvador, promoveu-se a construção e aquisição da casa própria através dos

financiamentos promovidos pelo BNH/SFH (Lei n. 4380/64). Mas, em meados da

década de 1980 diversas crises econômicas afetaram profundamente o setor imobiliário

e culminaram com o fechamento do BNH em 1986, acentuando o processo de ocupação

de terras39

.

No início da década de 1970 as manifestações envolvendo famílias de áreas de

ocupação tornaram-se constantes. Movimentos sociais urbanos de caráter

reivindicatório40

tornam-se nacionais e repercutiram na Cidade de Salvador. Além das

Comunidades de Base e de Organização não Governamentais vinculadas à Igreja, em

1973, surge em Salvador um movimento conhecido como ―Trabalho Conjunto‖,

envolvendo 12 entidades profissionais, que atuava em defesa das reivindicações dos

moradores de bairros da cidade41

. A atuação do ―trabalho Conjunto‖ contribuiu para o

39

Segundo Souza (2002, p.171), ―em Salvador, do total de área ocupada por habitação, em 1991, 14,3%

correspondia a invasões, representando 30% da população. Ultrapassa a oferta de conjuntos habitacionais,

que correspondia a uma ocupação de 10,8%, no mesmo ano. Somando-se às invasões os demais

parcelamentos informais, tais como loteamentos clandestinos, áreas de arrendamento, etc., tem-se que

32% do total da área ocupada surgiu à revelia de parâmetros urbanísticos adequados, correspondendo a

60% da população de Salvador‖. 40

Esses são considerados como Movimentos Sociais Tradicionais, pois se articulam com as causas

reivindicatórias tradicionais, associados, geralmente, a uma organização partidária ou ideológica. Cuja

pauta principal de reivindicação é o acesso aos bens e serviços coletivos, são os movimentos de: classe,

bairros, gênero, etc (SADER, 1988). 41

Segundo TEIXEIRA (2002:246), ―Na Bahia, além da disseminação das CEBs, com o apoio do CEAS,

do Mosteiro de São Bento e de ONGs vinculadas inicialmente à Igreja (MOC), a partir de 1973,

desenvolve-se, em Salvador, um trabalho importante de entidades profissionais, coordenadas pelo IAB,

de suporte principalmente aos movimentos espontâneos de bairros (ocupações contra as enchentes),

surgimento da FABS – Federação de Associações de Bairros de Salvador. Esta última

passou a coordenar todo o movimento de bairros de Salvador quando, no final da

década de 1970, a primeira foi desestruturada42

. Que podem ser entendidas como formas

de associativismos quanto às formas de mediação entre a sociedade e a política do

Estado (IVO, 2001).

Todavia, a mobilização da sociedade civil continuava de várias maneiras. Entre

as décadas de 1970 e 1980, surgem movimentos sociais alternativos, ou, novos

movimentos sociais do qual participam novos protagonistas com agendas baseadas em

reivindicações de identidade, preservação ambiental (de primeira e de segunda

natureza), etc. Além das tradicionais por acesso a bens e serviços. De acordo com

SADER (1988), esse novo movimento considera o sujeito coletivo e descentralizado,

despojado de seus marcos burgueses de individualidade, não se apóia em velhos agentes

— como a Igreja, sindicatos e a esquerda — consideradas instituições em crise, são

baseada na autonomia do movimento, revelando uma determinação decisiva e operando

com fontes populares de informação, aprendizado e conhecimento prático. Esses

movimentos também se apóiam na multidimensionalidade da cidadania, SANTOS

(1996).

Apresenta-se como uma das associações pioneira dessas iniciativas a Associação

Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê, fundada em 1974, no bairro da Liberdade. Desde

então um bairro populoso que reflete todos os indicadores de exclusão espacial por parte

das ações do Estado e com a maior concentração de negros da cidade. Hoje, de acordo

com dados do IBGE, a Liberdade possui cerda de 600.000 habitantes.

Assim, no contexto da Ditadura Militar em uma cidade espacial e racialmente

segregada que vivenciava forte repressão a todas as manifestações destoantes dos

padrões e costumes formais — da elite e da classe média branca —, daquela época,

surgem na cidade organizações culturais oriundas de comunidades majoritariamente

negras. Com proposta inicial de criarem um espaço próprio para participarem

ativamente dos festejos de carnaval, uma vez que muitas das agremiações existentes em

Salvador não permitiam o acesso de negros a estas. Com o passar do tempo essas

conhecido como ―Trabalho Conjunto‖, envolvendo 12 entidades. Esse movimento, de marca

caracterizadamente urbana, de base social na classe média, buscou atuar na luta de resistência à ditadura,

no apoio e defesa das reivindicações de bairros e no debate de questões da problemática urbana‖. 42

Segundo TEIXEIRA (2002), existia em Salvador 3000 Associações de Bairros, dessas, apenas 300

eram filiadas à FABs. Para o autor, a crise da entidade decorre não só do refluxo dos movimentos sociais

em geral, mas também é agravada em conseqüência das disputas internas dos seus dirigentes.

organizações assumiram posturas de resistência para além das questões do carnaval

baiano. Compreendendo que as necessárias mudanças não poderiam restringirem-se à

proteção de bens e acesso a direitos, mas implicava na percepção da necessidade de

participação e representação política.

Originárias de bairros periféricos, populosos e majoritariamente habitados por

população negra de Salvador, como: Liberdade, Periperi e Itapoã, as associações

culturais preencheram lacunas deixadas pelo Estado43

, no que se refere ao oferecimento

de serviços e bens coletivos às suas comunidades, bem como na possibilidade da

construção de espaços de resistência à homogeneização cultural, imposta pelos valores

dominantes da sociedade. Numa forma de resistir a integrar-se àquilo que Santos

chamou de alienação espacial, pois: ―quando o homem se defronta com um espaço que

não ajudou a criar, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa

alienação‖ (1996, p.61). Assim era e ainda é a cidade de Salvador para grande parcela

da sua população, sobretudo a negra.

Vale destacar que tais comunidades são muitas vezes localizadas em áreas de

ocupação espontânea e/ou áreas de riscos: como fundo de vales, encostas ou de alcance

das marés.

Com sede no Curuzu, bairro da Liberdade, o Ilê Aiyê desenvolve, desde a

década de 1980, ações comunitárias, sobretudo as voltadas à educação e ao combate ao

racismo. Essas ações foram materializadas na forma de escolas comunitárias como a

Escola Mãe Hilda, que funciona desde 1989 e atende hoje cerca de 100 alunos, além de

uma escola de Percussão. Esta organização cultural conseguiu se cristalizar naquele

espaço, estendendo sua territorialidade para seu entrono imediato e em outras áreas da

cidade, sendo sua centralidade representada pelo Centro Cultural Senzala do Barro

Preto. Uma edificação de oito pavimentos, com 4.500 m2 que abriga as mais variadas

atividades dessa associação cultural, voltadas para a comunidade, tais como escola;

biblioteca; videoteca; auditório e consultórios médicos e odontológicos, entre outros.

Além desses serviços oferecidos e a inclusão de parcelas da população em atividades

culturais, é possível afirmar que a contribuição mais relevante foi contribuir,

significativamente, nos debates da sociedade brasileira sobre a questão racial e o

racismo, exercitando o que Tourraine (1996) chamou de representatividade a partir da

43

De acordo com IVO 2001, na RMS, que possui um dos mais baixos níveis de associativismo no Brasil,

as associações concentram-se, sobretudo nos bairros periféricos: subúrbio ferroviário, região do centro,

liberdade e áreas do miolo da cidade, bairros de ocupação da população pobre da cidade e que essas

associações são, majoritariamente, associações de moradores e agremiações religiosas.

conscientização da particularidade de cada indivíduo e/ou grupo, i.e. o elemento social

da cidadania, o que corresponde ao direito de defender uma herança cultural e de levar

uma vida civilizada de acordo com os padrões societários.

Além do exemplo do Ilê Aiyê, existem ainda outras iniciativas com o mesmo

perfil, mesclando resgate cultural à ação comunitária. Para oferecer serviços e bens

coletivos, bem como possibilitar, por intermédio da cultura, o desenvolvimento da

consciência de pertencimento a um grupo e com isso promover uma territorialização

cujo cimento é essa cultura. Assegurando à comunidade, na qual se insere, a realização

de uma cidadania que vai além da necessidade materiais de sobrevivência. Mas, aquela

que Santos chamou de multidimensional, em que cada dimensão se articula com as

demais na procura de um sentido para a vida (1996, p.41) e que não se realiza apenas no

consumo ou na ação política da participação eleitoral.

Em Periperi, no subúrbio ferroviário da cidade, habitado por cerca de 400.000

pessoas, o Bloco Ara Ketu desde 1980, quando foi criado com o intuito de preservar os

signos da cultura afro-brasileira, vem desenvolvendo tais atividades comunitárias.

Particularmente por intermédio de oficinas comunitárias que, a partir de 1997 procuram

integrar o morador do subúrbio ferroviário às diversas atividades desenvolvidas pelo

bloco.

Já em Itapoã, no parque do Abaeté, funciona a sede do Bloco Male DeBalê que,

desde 1979 vem desenvolvendo trabalhos sócio educativos com a comunidade local,

contando atualmente com cerca de 400 integrantes da comunidade local e adjacências.

Considerações finais.

Entre a cidade formal, fruto de planejamento urbano e da articulação entre o

capital imobiliário e o Estado, e a cidade totalmente esquecida, entregue a informalidade

e a espontaneidade, na qual muitos indivíduos desenvolvem estratégias de

sobrevivências, em razão do esquecimento dos órgãos oficias para com a condição em

que vivem, existem espaços em que a sociedade civil, por intermédio de atores aqui

chamados de ―novos personagens‖ buscam traduzir suas necessidades em ações

concretas materializando formas e produzindo arranjos espaciais que, além de suprirem

as carências de serviços como educação e áreas de lazer, tornam-se redutos de

resistências culturais, construindo territórios e territorialidades dentro da cidade.

A capital baiana, a despeito da sua contundente hereditariedade africana,

geograficamente mostra-se uma das mais excludentes para os seus afro-descententes,

restando-lhes como estratégia, não só de afirmação cultural, mas, também de

sobrevivência, a criação de organizações que promovam uma inserção e atendas

demandas concretas da comunidade.

Foi proposta desse trabalho, apresentar uma revisão teórica e também comparar

a ação articulada dos atores formais, com as estratégias dos novos personagens na

produção do espaço de Salvador. Verificou-s que, enquanto a ação e articulação dos

atores formais, na produção espacial, deu-se em níveis macro-econômico como

resultado de políticas de desenvolvimentos locais, nacionais e até mesmo internacionais,

a atuação dos novos personagens ocorreu justamente na escala local, em pontos

específicos da cidade que ficaram fora da ação governamental. Todavia, é relevante

atentar para o fato de que esses personagens no início de suas atividades — períodos

mais difíceis — contaram apenas com a ação dos moradores locais, hoje essa realidade

apresenta outra nuance. Resultante das pressões popular e da visibilidade trazida pela

cobertura midiática que alcançaram, ocorreu a participação de segmentos do Estado, em

escala municipal e nacional na alocação de investimentos, além do reconhecimento de

órgãos internacionais e de segmentos do capital privado. Assim, as ações desenvolvidas

por esses novos personagens na forma de associações ganharam mais visibilidade e tem

conseguido materializar mais efetivamente realizações.

Após as análises realizadas é possível inferir que, na modernidade

contemporânea a noção de solidariedade e justiça passa pela reflexão renovada da

ordem democrática, uma ordem que esteja lastreada em princípios que contribuam para

a manifestação das diversas formas de solidariedade, diminuindo os custos da coerção e

favorecendo a cooperação. Nesse cenário é imprescindível que os indivíduos sejam

considerados iguais para exercerem plenamente os três elementos da cidadania

(influenciar, decidir e usufruir) e desenvolverem do senso de justiça. Sobretudo, quando

se desvinculam, como afirmou Moore Jr. B. (1987), do sentido e do sentimento de

inevitabilidade de muitos dos fatos sociais que lhes afligem e reconhecem que por trás

destes esconde-se a injustiça.

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O SAMBA NA CONSTITUIÇÃO DO PROCESSO DE

URBANIZAÇÃO E CONFORMAÇÃO DE TERRITORIALIDADES

NA CIDADE DE SÃO PAULO

Alessandro Dozena 44

RESUMO

Este artigo analisa o processo de implantação e consolidação do samba

na cidade de São Paulo, desde a sua presença inicial nos bairros centrais até a

posterior dispersão em direção aos bairros marginais. Acompanhando este

processo, a população negra que saiu das áreas rurais e migrou para a capital

paulista trouxe consigo a tradição do batuque rural, que foi gradativamente

incorporado ao samba no contexto urbano. Com a intensificação do

crescimento urbano, houve a expulsão dos segmentos sociais mais pobres e a

disseminação do samba para outros bairros paulistanos. Após um itinerário

histórico, o artigo é concluído com uma reflexão sobre a “Fábrica dos Sonhos”,

projeto recém anunciado pela prefeitura da cidade de São Paulo e que deverá

se conformar em um relevante território da indústria do carnaval paulistano.

Palavras – Chave: Samba, urbanização, história de São Paulo, bairros,

identidade

THE SAMBA IN THE CONSTITUTION OF THE PROCESS OF

URBANIZATION AND FORMATION OF TERRITORIALITIES IN SAO PAULO

CITY

ABSTRACT

This article analyzes the implantation and consolidation of samba in Sao

Paulo city, since its initial presence in the central neighborhoods until the

subsequent dispersion towards the marginal neighborhoods. In such process,

there is the presence of the black population who has left the rural areas and

migrated to the capital of Sao Paulo State, brought the tradition of rural

44

Professor da Universidade Paulista – UNIP, doutorando em Geografia Humana pela Universidade de

São Paulo – USP e pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.

Email: [email protected]

drumming that was gradually incorporated to the samba in an urban context. In

this way, through the intensification of urban growth the expulsion of the poorer

social segments of central areas and the spread of samba to other

neighborhoods from São Paulo happened. The article is concluded with a

reflection about the “Factory of Dreams”, project recently announced by the city

hall of Sao Paulo and that will conform in a relevant territory of the paulistana

carnival industry.

Key-words: Samba, urbanization, history of Sao Paulo, neighborhoods, identity

INTRODUÇÃO

O samba proveniente da zona rural paulista e que na cidade de São Paulo

incorporou algumas características urbanas, constitui um elemento marcante da

história da capital paulista, com profundas implicações na compreensão

de seu processo de urbanização e conformação de territorialidades45

.

No últ imo quartel do século XIX, por sua estrutura, rede de transportes e

centralidade financeiro-comercial, a cidade de São Paulo apontava para o que seria

a metrópole que se firmaria em meados do século XX. Desde aquela época, alguns

bairros paulistanos estiveram tradicionalmente relacionados a redutos de

sambistas, onde surgiram os primeiro s cordões carnavalescos que

posteriormente se transformaram em escolas de samba. Também nestes

bairros, a convivência entre segmentos raciais e étnicos heterogêneos foi a base para a

organização dos primeiros territórios de samba na cidade.

Ao longo dos anos, o processo de implantação e consolidação do samba

paulistano foi acompanhado por usos territoriais diferenciados e definidos por interesses

também distintos, muitas vezes amparados pelas festas carnavalescas, que ditaram a

forma de apropriação do espaço e do tempo na capital paulista. Nesse sentido, a

45

Vale lembrar que existem várias abordagens acerca do conceito de territorialidade e, nem sempre,

aquela que envolve as ações de demarcação e controle do espaço geográfico derivado de relações

culturais, políticas e econômicas, permite a compreensão das redes de sociabilidade. Estas, muitas vezes,

não se enquadram na lógica de poder predominante, pois o território também é apropriado

simbolicamente, e as relações sociais produzem ou fortalecem uma identidade que utiliza o espaço como

referência. Neste artigo, consideramos a existência de territórios do samba e de territórios da indústria

carnavalesca, estes últimos mais voltados às ações de demarcação e controle do espaço geográfico; ainda

que ambos estejam dialeticamente relacionados.

formação das ―raízes territoriais‖ do samba na cidade de São Paulo acompanhou o uso

específico do seu território em cada momento, sendo o samba um dos principais

mediadores da construção da identidade da população negra. Nesse ponto, destaca-se o

fato de que ―o território pode ser visto pela análise geográfica como um nexo

totalizador, que reintegra a unidade dos sub-campos da geografia humana, articulando

no movimento histórico de sua formação os processos e fenômenos específicos‖

(MORAES, 2001, p. 47). Esse é o principal objetivo deste artigo, o de procurar entender

alguns processos e fenômenos específicos relacionados à formação das ―raízes

territoriais‖ do samba paulistano, demonstrando a relevância das políticas territoriais na

expansão do samba e na conformação de territorialidades no atual período histórico.

AS ―RAÍZES TERRITORIAIS‖ DO SAMBA PAULISTANO

Eu era menino, mamãe disse vamo embora Você vai ser batizado·no samba de Pirapora

Mamãe fez uma promessa Para me vestir de anjo

Me vestiu de azul-celeste Na cabeça um arranjo Ouviu-se a voz do festeiro

No meio da multidão Menino preto não sai aqui nessa procissão

Mamãe, mulher decidida Ao santo pediu perdão Jogou minha asa fora

E me levou pro barracão Lá no barraco Tudo era alegria Nego batia na zabumba

E o boi gemia Iniciado o neguinho Num batuque de terreiro

Samba de Piracicaba Tietê e Campineiro Os bambas da Paulicéia

Não consigo esquecer Fredericão na zabumba Fazia a terra tremer

Cresci na roda de bamba No meio da alegria Eunice puxava o ponto

Dona Olímpia respondia Sinhá caía na roda Gastando a sua sandália

E a poeira levantava Com o vento das sete saias Lá no terreiro

Tudo era alegria Nego batia na zabumba E o boi gemia

Lá no terreiro Tudo era alegria Nego batia na zabumba E o boi gemia.

Música: Batuque de Pirapora – Geraldo Filme

Esta composição evidencia a importância da cidade paulista de Bom Jesus de

Pirapora (hoje chamada de Pirapora do Bom Jesus), que a partir da segunda metade do

século XIX atuou como um importante local de encontro dos negros que para lá se

dirigiam em toda primeira quinzena de agosto, quando ocorriam os festejos em

homenagem ao patrono da cidade. Por outro lado, a composição narra o preconceito

racial vivenciado por Geraldo Filme, importante sambista paulistano, quando ainda era

criança.

Nesta festa religiosa, os romeiros provenientes não só do estado de São Paulo

como principalmente de Minas Gerais e Paraná costumavam se encontrar. Um pouco

distante da cidade havia dois barracões abandonados, anteriormente ocupados por

seminaristas, onde ficavam alojados os negros, em um ambiente bem descrito pelo

folclorista Mário Fagner da Cunha:

A festa de Bom Jesus de Pirapora tem um aspecto religioso e

outro profano. À noite a Igreja não chega para conter as pessoas,

todavia, há muita luz e muito barulho. São os negros a sambar,

puxados a sanfona que começam a se animar. É a festa profana, que

deve durar até alta madrugada (CUNHA, 1937, p. 5).

Esse mesmo autor explica que a decadência da Festa de Bom Jesus de Pirapora

se deu devido às pressões exercidas pela Igreja Católica, além da repressão policial

realizada para frear as manifestações dos negros nos festejos, o que culminou com a

proibição definitiva do samba nos barracões onde estes se reuniam para cantar e dançar,

no ano de 1937. Aqui cabe observar que, preocupada com a expansão das manifestações

dos negros consideradas profanas, a Igreja Católica ordenou a demolição dos barracões.

Foto 1 – Barracão de romeiros em Pirapora do Bom Jesus – São Paulo

Fonte: Márcio Marcelino Michalczuk, 2008.

Feitas estas colocações, vale agregar à análise o fato de que embora o samba já

acontecesse em algumas áreas da cidade de São Paulo, é a partir dos elementos rurais

provenientes do interior do estado que ele se configura e se impregna de influências

rítmicas e melódicas, primeiramente manifestadas nos ranchos e cordões carnavalescos

que aí se organizaram.

Assim sendo, ao mesmo tempo em que a cidade se urbanizava, recebia a

contribuição dos negros provenientes das cidades interioranas, onde as concentrações de

comunidades escravizadas permitiram a estruturação do samba nos espaços rurais, a

partir do batuque, do tambú e das danças de umbigada. Neste ponto da argumentação, é

interessante assinalar que a própria prática do samba atuava como estética para a criação

artística, para o suprimento das necessidades emocionais e a afirmação dos valores dos

negros escravizados, além de destoar do discurso oficial da época e incomodar pelo tipo

de musicalidade que trazia.

Com o samba, os negros buscavam formas de acalmar a angústia resultante das

sucessivas espoliações sofridas no ―cativeiro da terra‖, sobretudo nas ocasiões em que

aconteciam boas colheitas de café e eram organizadas as festas de comemoração nas

senzalas, ocasião em que era consentido o batuque e a umbigada. Já no século XVII,

registra-se o relato de Zacharias Wagener, soldado e posteriormente escrivão de

Maurício de Nassau (entre 1637 e 1644), no qual descreve o acontecimento festivo após

a semana de trabalho, acompanhado por danças, músicas e batuques:

Quando os escravos terminam sua estafante semana de trabalho, lhes é

permitido então comemorar ao seu gosto os domingos, dias em que,

reunidos em locais determinados, incansavelmente dançam com os

mais variados saltos e contorções, ao som de tambores e apitos

tocados com grande competência, de manhã até a noite e da maneira

mais desencontrada, homens e mulheres, velhos e moços, enquanto

outros fazem voltas, tomando uma forte bebida feita de açúcar

chamada garapa; e assim gastam também certos dias santificados,

numa dança ininterrupta em que se sujam tanto de poeira, que às vezes

nem se reconhecem uns aos outros (TINHORÃO, 1998, p. 28).

Conforme demonstrado pelos estudos de Olga Simson (1989), a origem do

samba paulistano provém do interior do estado e está associada às práticas da população

negra escravizada nas fazendas de café. A partir delas, o samba de roda, o samba de

bumbo e o samba-lenço eram praticados ao som de tambores, também utilizados no

jongo e no lundu, cavados com fogo nos troncos de árvores e recobertos com couro de

animais.

Foto 2 – Samba-lenço em terreiro de Rio Claro, São Paulo.

Fonte: Coleção particular de Rodolpho Copriva, 1955.

Assim sendo, os escravizados que saíram das áreas rurais e vieram para a cidade

de São Paulo trouxeram a tradição do batuque rural, que foi sendo gradativamente

incorporado ao samba já em um contexto urbano, nos três territórios negros da São

Paulo da primeira metade do século XX: Bexiga, Baixada do Glicério e Barra Funda

(Simson, 1989). De todo modo, não se pode concluir que antes desta migração campo-

cidade nada havia de samba na cidade de São Paulo, mas sim que a partir dela as rodas

de tiririca (um tipo de capoeira sambada) e as rodas de samba, ganharam a importante

contribuição do samba retumbado nos cafezais do interior do estado, marcadamente

ritmado pelo som grave do bumbo46

.

Além disso, deve-se lembrar que o samba surgiu como resistência e protesto à

condição sócio-econômica pesadamente vivenciada pelos negros. Sendo assim, a sua

conformação na cidade de São Paulo também esteve associada com a manifestação

religiosa desta população, em um ambiente onde os aspectos ligados ao profano e ao

sagrado conviviam lado a lado.

46

Sobre o tema ver o segundo capítulo de: MORAES, José Geraldo Vinci de. As sonoridades paulistanas:

A música popular na cidade de São Paulo – Final do século XIX ao início do século XX. Rio de Janeiro:

Funarte, 1995. Sobre a trajetória que o samba percorreu, do contexto rural para o urbano, ver:

MARCELINO, Márcio Michalczuk. Uma leitura do samba rural ao samba urbano na cidade de São

Paulo. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de

São Paulo, 2008.

Neste ponto da argumentação, vale lembrar que além das religiões afro-

brasileiras, o catolicismo teve grande importância na organização dos primeiros cordões

carnavalescos no Brasil. Segundo Simson (1989), nas primeiras décadas do século

passado, era dada permissão policial para a ocorrência dos desfiles dos cordões, na

medida em que estes se organizavam ao modo das procissões habituais presentes nas

festas religiosas desde o século XIX. Como explica a autora:

Esses embriões de associações não surgiram de repente, do nada, pelo

simples fato de famílias negras estarem morando próximas (...)

Deveria haver indicações de experiências festivas anteriores, reunindo

essa população, que formassem uma espécie de bagagem para a

criação dessas entidades carnavalescas (...) Foi certamente essa

vivência festiva, repetida anualmente, que permitiu à população negra

paulistana elaborar seus folguedos carnavalescos, baseada em espaços

urbanos que lhe eram próprios, em grupos musicais existentes e em

experiências profano-religiosas anteriores (SIMSON citada por

MORAES, 2000, p. 143).

Na cidade de São Paulo, os locais onde a população negra passou a se reunir,

especialmente nos momentos festivos, foram a cercania da Igreja dos Enforcados no

Largo da Liberdade, a Igreja da Santa Cruz no bairro do Glicério e a Igreja da

Achiropita no bairro do Bexiga. Como coloca Simson (1989), a Capela de Santa Cruz

das Almas dos Enforcados reunia grande parte da população pobre e negra da época, em

decorrência de por lá ter sido enforcado o cabo revoltoso Francisco José das Chagas (o

Chaguinhas), contrariando a vontade do povo. ―Conta-se que na primeira e na segunda

tentativa de enforcamento a corda se rompera, o que teria sido um sinal da vontade de

Deus não respeitada pelo governo, que mesmo assim mandou executar o réu‖

(SIMSON, 1989, p. 86).

Nesse quadro, outro aspecto interessante era a questão da moradia da população

negra recém-alforriada ou fugitiva chegada a São Paulo, que em grande parte se

estabeleceu no bairro do Bexiga, conforme explica Penteado, diretor da escola de samba

Vai-Vai:

Quando os tropeiros vinham do interior paravam ali onde atualmente

está a Praça da Bandeira (...) Havia um entreposto com vários tipos de

especiarias e escravos (..) Alguns escravos fugiam de lá e vinham para

cá, para esta região, o Alto do Caagaçú como era chamado na época,

pois tinham uma visão boa de quem viesse atrás deles para capturá-los

(...) Então se formou um quilombo aqui que ficou sendo chamado de

Quilombo da Saracura (...) O pessoal que morava por aqui era

chamado de saracura, porque tinha o brejo do rio com muitas

saracuras (Penteado, entrevista realizada em 24/10/2007).

Fotos 3 e 4 – Fotos de 1860 e 1864 respectivamente

Largo do Piques (atual Praça da Bandeira), local de hospedaria de tropeiros,

leilão de escravos e feira de mercadorias.

Fonte: Coleção Ítalo Bagnoli. DIM-DPH-SMC

Até a década de 1890, essa região descrita por nosso entrevistado ainda se

encontrava pouco ocupada e era pontuada por campos, pastos e chácaras. Dentre as

principais estavam a Chácara do Bexiga47

, pertencente a Fernando de Albuquerque.

Mais a sudoeste, ―beirando o Anhangabaú, os campos do Estaleiro Bexiga e mais ao

longe o Sítio do Sertório. A oeste, a Chácara de Martinho da Silva Prado, onde ficava o

47

Atualmente, o bairro do Bexiga pertence oficialmente ao distrito da Bela Vista. Coimbra citada por

Torres (1998) afirma que ainda hoje muitos moradores fazem questão de escrever Bixiga com ―i‖, tal

como se pronuncia. No início do século alguns italianos repudiaram a mudança do nome do bairro para

Bela Vista, contrariando a solicitação feita por ingleses que também habitavam a área. Há os que atestam

que a denominação Bexiga provém de uma epidemia de varíola ocorrida no século XVIII. Outros a

associam à existência de um matadouro localizado na região, onde se vendia ―bexiga‖ de boi; outros,

ainda, ao sobrenome de Antonio Manoel Bexiga, dono da chácara em que o bairro se constituiu.

Tanque Reúno ou do Bexiga‖ (BRUNO, 1954, p. 205). O adensamento populacional

somente começou a ser registrado quando, entre os anos de 1880 e 1890, iniciou-se o

processo de loteamento dessas áreas. Observa-se claramente este processo no anúncio

publicado pelo Correio Paulistano em 28/03/1881, abaixo reproduzido:

Uma pechincha lucrativa

Roberto Tavares

Vende sabbado 30 do corrente

Ás 5 horas da tarde

Por conta e ordem de quem pertencer

Terrenos promptos para edificar

Situados no Bexiga junto ao

Tanque Reuno, 5 minutos da cidade

Estes bel issimos terrenos constam de

30 braças de frente sobre mais de

35 de fundo, banhado pelas águas do

Tanque Reúno.

Um chafariz

De bella e excellente água nativa,

Dando maios de 50 pipas por dia,

é o que ali ha de mais lucrativo.

O terreno é todo cercado por fio inglez e postes.

Além do Bexiga, a população negra estabeleceu-se em outros bairros que

rapidamente se dinamizavam, acompanhando a importância econômica adquirida pela

cidade de São Paulo que, desde a segunda metade do século XIX, passou a representar a

nova cidade pujante no Brasil, classificada por Pierre Mombeig (1953) como a ―Capital

dos Fazendeiros‖. Nesse momento, já se pronunciava a polarização que se consolidaria

no século XX:

Os desdobramentos do complexo cafeeiro e o aumento dos

negócios levaram fazendeiros, empresários comerciais e industriais,

funcionários do governo, além do caudal de imigrantes que vinham se

assalariar ou tentar algum negócio por conta própria, a fixar residência

na capital. A cidade de São Paulo perdia sua aparência primitiva e

homogênea, começando a dar uma impressão cosmopolita de abrigar

várias cidades em uma só (PEREIRA, 2004, p.13).

Para auxiliar este processo, há com o declínio da economia cafeeira o incentivo

da migração de famílias de negros para a capital, atraídas pelo promissor mercado de

trabalho fomentado pelo processo de transformação da sociedade da época, de

escravista para de trabalho livre e assalariado. Neste contexto e momento é que o samba

se consolida na cidade, tendo como matrizes as características rurais trazidas pelos que

chegavam do interior e se tornavam mão-de-obra braçal e barata. Em um espaço urbano

em expansão, os diferentes hábitos culturais se entrecruzavam na configuração do

samba paulistano, a exemplo da co-influência que se deu entre a cultura italiana e a

negra no bairro do Bexiga48

.

Como já expresso, em um primeiro momento estas famílias de negros se

concentraram destacadamente no Bexiga, na Baixada do Glicério e na Barra Funda.

Procedendo-se a um levantamento da presença dos negros nestas áreas, percebe-se que

ali existiam moradias que funcionavam como pontos de encontro, vislumbrando-se

redes de sociabilidade, laços de parentesco, amizade, compadrio e relações afetivas

informais que marcavam a vida social e o processo de resistência nesta época. A

respeito dessa resistência, as mulheres negras tiveram um importante destaque, como

aponta Penteado:

A mulher negra teve um papel muito importante (...) Não existiam

muitas frentes de trabalho para os homens negros (...) A mulher era

lavadeira, passadeira, cozinheira, entendeu ? (...) Para sustentar a

família e fazer samba, era a mulher que levava o dinheiro e o livro de

ouro para os seus patrões assinarem (...) Minha avó por exemplo

trabalhava como quituteira para um barão de café (...) Então ela levava

o livro de ouro para o pessoal assinar (...) Também a mulher é que

segurava a religiosidade, o candomblé (...) Os terreiros de candomblé

eram terreiros de samba também (...) Então se ia para dentro do

terreiro para fazer samba e a polícia vinha, para acabar com o samba,

mas diziam que o estavam fazendo era culto religioso (...) E quando a

polícia vinha para acabar com o culto diziam que estavam fazendo

48

Para o aprofundamento desta questão ver: CASTRO, Márcio Sampaio de. Bexiga: um bairro afro-

italiano. São Paulo: Annablume, 2008, 108 p.

samba (...) E as mulheres sempre se punham à frente, se não fossem

elas eu não sei se o samba sobreviveria (...) Elas que seguraram...

(Penteado, entrevista realizada em 24/10/2007).

Em particular, é a proximidade que no século XIX marcou a trajetória da fixação

dessa população que, ao longo dos anos, deslocou-se com expressividade das áreas mais

centrais em direção às regiões adjacentes da cidade, no geral ainda pouco povoadas e

com grande disponibilidade de terrenos. O trecho abaixo bem elucida essa

movimentação:

Conforme foi chegando o progresso, a cidade foi

―embranquecendo‖ (...) Ali onde hoje está a Câmara Municipal era

tudo sobrado de cortiços onde moravam os negros (...) Então a cidade

foi crescendo e ―embranquecendo‖ (...) Este é o termo certo, pois os

negros foram jogados para a Bela Vista e a Barra Funda, em um

segundo momento para a Casa Verde, Limão e Freguesia do Ó e em

um terceiro momento para o Grajaú, Cidade Tiradentes e Tatuapé (...)

Estou te explicando isto porque o samba ia junto, entendeu ? (...)

Aqueles sambistas que moravam por aqui foram para outras áreas da

cidade e levaram o samba junto com eles (Penteado, entrevista

realizada em 24/10/2007).

Sobre este ponto, é interessante notar que os proprietários das residências

controlavam a habitação nos cortiços (que surgem como locais de moradia coletiva),

mediante uma vigilância exercida por eles próprios:

Bairros como a Bela Vista (Bexiga), Santa Ifigênia e Liberdade

representavam áreas com grande concentração de cortiços. Nessas

habitações eram fortes os laços de vizinhança. Essa proximidade

fortalecia a solidariedade orgânica no interior desses bairros. Por sua

vez, os proprietários, que viviam no mesmo prédio nas partes mais

privilegiadas, exerciam uma significativa vigilância sobre os costumes

e sua conservação (SCARLATO, 2004, p. 257).

O contato com as fontes, principalmente os textos referentes à cidade do século

XIX, demonstra que em São Paulo as distinções sociais ainda não se reproduziam

espacialmente, como ocorrerá no século XX a partir da conformação dos ―bairros

paulistanos nobres‖. Assim sendo, cabe observar que a população mais pobre residia

muito proximamente às famílias mais abastadas, a quem serviam como pedreiros,

marceneiros, empregadas domésticas, vendedores ambulantes, trabalhadores braçais,

quituteiras, dentre outras atividades. Isto ocorria, por exemplo, no Morro dos Ingleses,

situado na parte mais alta da Bela Vista, onde se instalou a parcela rica dos moradores

composta por fazendeiros de café e investidores ingleses, em oposição aos negros e

italianos que habitavam a região mais baixa, como a Rua Treze de Maio; local onde

acontecia a festa de Santa Cruz e os negros libertos comemoravam a abolição (Coimbra

citada por Torres, 1998).

No entanto, esta proximidade não eliminava as desigualdades sociais e os

preconceitos, pois havia um monitoramento assíduo dos sambistas para se evitar a

―bagunça‖ nas ruas, em práticas sucessivas de cerceamento de suas ações e usos

territoriais49

.

Vale lembrar que neste momento os negros da classe média e alta não podiam

freqüentar os clubes da elite, levando-os a fundarem em 1961 a Associação Aristocrata

Clube no bairro de Santo Amaro. Já que a aristocracia paulistana não os aceitava em

seus clubes, um grupo de jovens atletas, intelectuais, compositores, sambistas e

indivíduos de outros segmentos da sociedade negra resolveram criar o seu próprio50

.

Fotos 5 e 6 – Eventos sociais no Aristocrata Clube

49

Em todos os anos, no dia 20 de novembro, é realizada a ―Marcha do Dia da Consciência Negra‖. Além

de lembrarem a morte de Zumbi, os participantes costumam percorrer treze locais da cidade de São Paulo

em alusão aos 13 de Maio, dia da assinatura da Lei Áurea. É interessante notar que a comunidade negra

assegura ter perdido o direito de uso territorial desses locais: praças públicas, igrejas, terrenos, dentre

outros. 50

Sobre esta questão assistir o documentário ―Aristocrata Clube‖ de Jasmin Pinho e Aza Pinho – Itaú

Cultural 2004, o qual relata por depoimentos, fotos e imagens, a história do glamoroso clube da zona sul

de São Paulo, revelando aspectos da resistência efetuada pelos negros que obtiveram ascensão econômica

e política na época. É interessante observar que o clube se apropriou de símbolos da aristocracia branca,

reproduzindo-os para que houvesse a afirmação social como negros (o termo ―Aristocrata‖ é exemplar). O

documentário também evidencia a crise atual do clube, contrapondo-se com a pujança obtida nas décadas

de 1960, 1970 e 1980. Para uma análise comparativa com um clube carioca, ver: MELLO, João B.F;

PAIXÃO, Aimeé L.R. Renascença Clube: Um símbolo da negritude carioca. In: Anais do 18º UERJ Sem

Muros, Rio de Janeiro, 2007.

Fonte: Memorial Virtual, consultado em agosto de 2007.

www.memorialvirtual.com.br

Com o passar dos anos, a segregação sócio-espacial foi se acentuando e a cidade

passou a ser vivenciada de modo distinto pelos vários segmentos sociais nela presentes.

Como conseqüência, evidenciou-se a posição de marginalidade da população negra,

sobretudo com relação à sua religiosidade, expressão musical, moradia e tipo de

ocupação exercida. Nesse sentido, dentre as alternativas criadas pelas comunidades

negras para amenizar as situações de injustiças e desigualdades resultantes deste

contexto social discriminatório e hierarquizado, encontrou-se o ingresso nas irmandades

e confrarias de pretos e pardos:

A origem das irmandades religiosas é encontrada no período medieval

e surgiu a partir do modelo das corporações de ofício, que atendiam

aos interesses profissionais de seus integrantes, mas tinham também

como objetivo a assistência mútua entre seus membros. Enquanto as

corporações limitavam o seu auxílio aos próprios membros, as

irmandades eram formadas por leigos, sem restrições de qualificação

profissional e, até mesmo, sem distinção social (MESGRAVIS citada

por QUINTÃO, 2002, p. 73).

Segundo Quintão (1991), as Irmandades e Confrarias presentes em São Paulo no

final do século XIX foram importantes focos de solidariedade e resistência,

congregando membros ativos do movimento abolicionista liderados por Antônio Bento,

também conhecidos como caifazes. Quintão avalia que:

Além das atividades religiosas que se traduziam na organização de

procissões, festas, coroação de reis e rainhas, as Irmandades também

exerciam atribuições de caráter social como: ajuda aos necessitados,

assistência aos doentes, visita aos prisioneiros, concessão de dotes,

proteção contra os maus tratos dos senhores e ajuda para a compra da

carta de alforria. A mais famosa dentre as inúmeras irmandades de

pretos é a de Nossa Senhora do Rosário (QUINTÃO, 2002, p. 75).

Embora houvesse a coabitação em mesmos espaços, em muitas ocasiões, a

proximidade entre os segmentos sociais e raciais heterogêneos vinha acompanhada de

hostilidades, a exemplo da proibição de que os negros freqüentassem as mesmas igrejas

que o segmento sócio-econômico dominante. Até mesmo no Bexiga, bairro fortemente

marcado pela presença negra, encontravam-se placas de aluguel de quartos com as

seguintes palavras: ―Aluga-se quarto, não se aceita pessoa de cor‖ (BARBOSA citado

por MOURA, 1988, p. 216).

Assim, as moradias de negros localizavam-se em quase todas as ruas da cidade,

intercaladas a sobrados e a casas térreas, em dispersões que vão mudando de sítio em

função da remodelação urbana intensificada a partir das últimas décadas do século XIX.

Esta coexistência com o segmento médio e alto também envolvia os imigrantes

europeus e asiáticos, que conforme chegavam iam se encontrando em bairros como a

Barra Funda (ocupação favorecida pela proximidade da linha e da estação de trem),

Baixada do Glicério (que desde aquela época até hoje apresenta o alagamento de suas

ruas em dias muito chuvosos e por isso teve seus terrenos desvalorizados com o

decorrer dos anos), Bela Vista (Bexiga) e Liberdade; além das ruas transversais às

principais.

Nesse sentido, Rolnik (1981) observa que no início do século XX a elite

econômica ainda ocupava as áreas próximas às ruas São Bento, XV de Novembro e

Direita. Só que com o aumento da vocação comercial do centro, houve uma gradativa

transferência desta elite para as chácaras dos Campos Elíseos, bairro vizinho, onde

alguns casarões foram construídos para que houvesse a instalação de órgãos

governamentais e das famílias dos barões de café, a exemplo do Palácio do Governo.

Posteriormente, a elite ―subiu‖ para o Morro dos Ingleses, situado próximo a elegante

Avenida Paulista; e Jardins, situado no lado oposto da encosta. À medida que o

crescimento urbano se intensificou, aumentou a expulsão dos segmentos sociais mais

pobres e a elite impôs sua presença na região central, buscando apropriar-se do território

com medidas de cerceamento impostas:

Quando a Bela Vista começou a se desenvolver, os negros foram

primeiramente para a Casa Verde, que era um bairro distante (risos),

havendo um embranquecimento, falando de uma forma bem popular

né, ou no linguajar da época, começou a se limpar o centro ... (...)

Disseram que tinham que tirar a negrada dali (...) E assim quando

fizeram a COHAB José Bonifácio lá no Grajaú, umas das primeiras

(...) muita gente nossa foi para lá, ou para a Cidade Tiradentes, assim

como também muita gente saiu da Barra Funda e Bom Retiro (...) No

bairro da Casa Verde, muitos negros trabalhavam na extração de areia

dos rios lá existentes (Penteado, entrevista realizada em 24/10/2007).

Para continuar a argumentação, faz-se importante verificar quais foram os

fatores que conduziram a expansão territorial do samba na cidade de São Paulo, para

que as reflexões captem a correlação existente entre as políticas territoriais e o

movimento das escolas de samba e dos sambistas na totalidade do espaço geográfico

paulistano.

POLÍTICAS TERRITORIAIS E A EXPANSÃO DO SAMBA NA CIDADE DE

SÃO PAULO

As transformações ocorridas no centro da capital paulista implicaram em uma

ampla reformulação da cidade, ao passo que muitos cortiços e moradias pertencentes à

população negra foram sendo destruídas, expulsando-a para locais remotos. Deste

modo, houve o gradativo deslocamento desta parcela populacional para as áreas

marginais, com destaque para aquelas situadas na região norte, como explica o

importante sambista paulistano:

De uma hora para outra surgiu a ordem de que os pobres não

poderiam mais ocupar os porões e então os meus parentes tiveram que

comprar terreno para os lados do Peruche, onde estavam vendendo

barato (...) Todos os que eram pobres, tanto os brancos como os

negros, tiveram que sair (Toniquinho Batuquero, Samba à Paulista,

2007, parte II, 42‘56‖).

Com isso, intensificou-se a expropriação do uso territorial pela população mais

pobre, que como visto anteriormente, ocupava as áreas centrais no início da formação

da cidade de São Paulo. Esse processo a leva às áreas mais distantes, onde o acesso ao

terreno e a moradia era economicamente mais viável. Ao mesmo tempo, a implantação

de grandes infra-estruturas urbanas e o processo de reforma urbana irá impulsionar a

expansão urbana periférica. Acerca deste assunto, Francisco Scarlato comenta:

O Brás, a Bela Vista e a Liberdade foram retalhados por viadutos e

avenidas. Um número muito grande de desapropriações para a

construção de grandes obras não somente desfiguraram aquelas

paisagens como acabaram expulsando parte significativa de sua

população tradicional (SCARLATO, 2004, p.264).

Ao mesmo tempo em que ocorre o deslocamento da população mais pobre em

direção aos bairros periféricos, as escolas de samba começam a ganhar força nesses

bairros. Se antes estavam concentradas próximas à região central, passam também a se

localizar em bairros situados além das marginais51

.

Do ponto de vista das políticas de saneamento implantadas, ocorreu na cidade de

São Paulo algo semelhante ao ocorrido no Rio de Janeiro: a busca da higienização da

área central por meio da remoção da população pobre.

Em São Paulo, foram realizadas dezenas de intervenções no espaço urbano pelo

poder público e privado, procurando-se estruturar, higienizar, regular, disciplinar e

embelezar a cidade. Tudo isso, devido ao quadro de instabilidades marcado por

conflitos e tensões sociais ocasionadas pelo descontrole nas ações urbanizadoras e nas

políticas sociais implantadas (Moraes, 2000).

Com o passar dos anos, o rápido e desordenado desenvolvimento da cidade de

São Paulo exigiu clareza nas ações e nas metas definidas, direcionadas às políticas de

urbanização. A alteração deste direcionamento se deu na década de 1930, quando a

postura da administração pública municipal rompeu com o descaso ao planejamento e

passou a buscar análises e visões prospectivas para a cidade:

51

Cabe notar que as escolas de samba Vai-Vai, Camisa Verde e Branco e Lavapés continuam situadas no

mesmo lugar onde surgiram, respectivamente no Bexiga, na Barra Funda e no Glicério.

Se as primeiras preocupações apareceram no governo Pires do Rio

(1926-30), foi a partir de meados da década, nas gestões de Fábio

Prado (1934-38) e Prestes Maia (1938-45), que os projetos

urbanísticos saíram do papel e permitiram uma planejada intervenção

do Estado no espaço urbano, criando condições para o

desenvolvimento da ―cidade industrial‖ (MORAES, 2000, p. 202).

A principal iniciativa do engenheiro Prestes Maia (posteriormente eleito prefeito

da cidade) foi a criação do Plano de Avenidas, durante a gestão do prefeito Pires do Rio,

com o intuito de permitir maior rapidez aos veículos, além de reduzir os

congestionamentos na área central e abrir novas saídas (radiais) em direção às marginais

dos rios Pinheiros e Tietê. Neste sentido, seu planejamento urbanístico para a

organização da cidade visava:

O descongestionamento da região central por meio do sistema viário

radial-perimetral, a reorientação do crescimento urbano em diversas

direções, a descentralização dos espaços e dos serviços urbanos, a

preferência pelo transporte de superfície, mais especificamente pelo

automóvel público ou privado, a preocupação com a verticalização da

cidade; e finalmente, a intervenção direta e indireta do Estado

(MORAES, 2000, p.207).

Todas estas ações contribuíram para ―levar a cidade‖ para além dos rios,

mediante uma expansão urbana de tipo radial concêntrico, possibilitada pela presença

das avenidas radiais e perimetrais52

. Nesse sentido, foram sucessivas as transformações

incitadas pelas ações da prefeitura, com destaque para o Plano de Avenidas elaborado

por Prestes Maia. A capital paulista adquire uma ―roupagem moderna‖, privilegiando-se

a acessibilidade e a fluidez dos automóveis, em um momento de expressivo acréscimo

dos veículos automotores nas ruas. Nos transportes coletivos, os ônibus substituem

gradativamente os bondes e se enquadram nas diretrizes do Plano de Avenidas, dentre

elas, a de descentralizar e expandir a cidade para outros centros, ―espalhando o

movimento e as atividades, multiplicando-se os centros‖ (MAIA, 1930, p.6).

52

Para informações mais específicas sobre estas intervenções urbanas, consultar: MAIA, Prestes. O Plano

de Avenidas para a cidade de São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, 1930.

Para Moraes (2000), as gestões municipais de Fábio Prado e Prestes Maia ainda

tiveram como iniciativas: a construção do Estádio do Pacaembu, da Biblioteca

Municipal, da Avenida 9 de Julho, do Túnel do Parque Trianon, a reforma do Viaduto

do Chá, a retificação do rio Tietê, a canalização do rio Tamanduateí, a ampliação da

rede de iluminação elétrica das ruas calçadas, além da melhoria dos sanitários públicos,

das paradas de ônibus, dos túneis de pedestres e do escoamento fluvial.

Juntamente com o crescimento urbano vieram as contradições, demarcadas pelo

desprezo aos prédios e monumentos antigos, além da já citada expulsão da população

mais pobre dada pela valorização dos terrenos. É assim que, a partir do final dos anos 50

e início dos anos 60, inicia-se uma nova etapa de transformações urbanas que

―refundam‖ São Paulo:

Em meados de um século, São Paulo ergueu três sítios urbanos

diferentes, destruindo quase completamente dois deles. Daí Claude

Lévi-Strauss ter afirmado em Tristes Trópicos, no ano de 1935, que

São Paulo era uma cidade de ciclo rápido e perpetuamente jovem, mas

nunca completamente sã (MORAES, 2000, p.214).

É interessante notar que neste momento, tomam conta de boa parcela da

população paulistana os sentimentos nostálgicos daquela cidade que perdeu suas

características mais naturais e saudáveis. Conforme Moraes (2000), implantava-se e

sedimentava-se no imaginário dos paulistanos a noção da cidade que não parava de

crescer e fugia do olhar e da vida de seus habitantes, rejuvenescendo-se ―eternamente‖.

Todos esses processos de alterações urbanas fizeram com que a área urbana de

São Paulo extrapolasse o seu limite mais central, disseminando-se horizontalmente.

Entretanto, cabe salientar que as políticas de urbanização levadas a cabo ficaram

inicialmente restritas ao núcleo urbano central e que, a expansão frenética dos

loteamentos na zona leste, oeste, norte e sul, revelaram as contradições desse

desenvolvimento desigual e excludente; que marginalizava as áreas distantes e

proporcionava lucros altos a partir da renda proveniente da venda de lotes.

Assim, por intermédio dos novos arranjos configurados nas periferias, os negros

estabelecem pontos de encontro a partir das escolas de samba, dos campos de futebol de

várzea, das rodas de capoeira, dos terreiros de candomblé e umbanda; concretizando

uma presença marcante nestas áreas. Quanto a este ponto, é interessante assinalar que,

paulatinamente, foram conseguindo traduzir as suas manifestações em cultura popular,

com dimensões compatíveis às do consumo de massa. Isto se dá exemplarmente na

transformação dos cordões carnavalescos em escolas de samba voltadas ao espetáculo,

fato que conduziu muitos sambistas a uma re-elaboração de seus próprios gostos,

hábitos e práticas sociais da cultura do samba, em um consolidado e implacável

―mercado cultural de massa‖.

Igualmente, a população negra que migrou para as periferias marcará sua

presença na cidade mediante outros tipos de relações significativas, como é o caso da

criação de ―redes de interesses políticos‖ organizadas segundo estratégias apoiadas na

doação ou empréstimo de terrenos públicos. Esta prática de cessão de terrenos às

escolas de samba facilitou a expansão territorial das mesmas, possibilitando a

concretização de diferentes e peculiares formas de apropriações, nem sempre

estabelecidas no entorno em que a escola se originou. Nesse sentido, é interessante notar

o caso da Escola de Samba Rosas de Ouro, instalada fora de seu local de origem que é o

bairro da Brasilândia, na região oeste da cidade:

A Rosas de Ouro é uma grande escola de São Paulo que se originou na

Brasilândia e por isto a comunidade de lá se sentiu traída em

decorrência da mudança desta para os arredores da Ponte da Freguesia

do Ó, em um momento em que a prefeitura disponibilizou terrenos

para algumas escolas de samba, situados próximos à Marginal do Rio

Tietê (Lino, entrevista realizada em 29/11/2006).

A necessidade de apoio político tornou-se fundamental não somente com relação

à cessão do terreno onde seria construída a quadra, mas também com relação ao seu uso

posterior.

Neste sentido, mesmo com a mudança de algumas escolas de seu lugar de

origem e a intensa participação política em suas dinâmicas, pode-se afirmar que os

moradores trazem consigo suas referências firmadas no samba, o que se reproduz

atualmente na cada vez maior adesão aos blocos carnavalescos e escolas de samba53

.

Essa territorialidade permite que o morador firme um espaço de referência mediado pelo

samba, ainda que este possa se mudar para bairros distantes do local em que morava

53

Diferentemente do que ocorreu com os circos, que foram perdendo seus espaços de manifestação na

cidade, as escolas de samba, blocos carnavalescos, rodas de samba, projetos e movimentos de samba

estão presentes hoje em praticamente todos os bairros da cidade.

anteriormente. Dentro desse conjunto de situações que envolvem uma reterritorialização

de suas práticas sociais – para utilizarmos uma noção de Rogério Haesbaert (2004),

muitos freqüentadores do ―mundo do samba‖54

fazem do bairro o lugar para a sua

existência libertária na cidade:

Para um indivíduo ou grupo de pessoas, podemos falar numa

territorialização como a construção de uma experiência integrada de

espaço. Se antigamente era possível detectar claramente um território

como experiência total do espaço, como território zona contínuo e

relativamente estável, hoje temos esta experiência integrada (nunca

total) muito mais na forma de territórios-rede, descontínuos, móveis,

espacialmente fragmentados (HAESBAERT, 2004, p.341).

Assim sendo, podemos pensar que os sambistas constroem seus (multi)

territórios (Haesbaert, 2004) integrando conjuntamente suas experiências econômicas,

políticas e culturais em relação ao espaço, utilizando-se do samba como um elemento

mediador. Nesse sentido, esses (multi) territórios encontram no bairro o refúgio para a

experimentação e a reconstrução de sociabilidades, embora, como nos lembra o autor,

exista a possibilidade de se experimentar vários territórios ao mesmo tempo e a partir

daí se formular territorializações efetivamente múltiplas.

Buscaremos ampliar a reflexão sobre o uso do território na cidade de São Paulo

a partir de algumas territorialidades conformadas pelas novas dinâmicas surgidas nos

últimos anos, quando o carnaval ganhou importância econômica e passou a ser

reconhecido como um dos principais eventos anuais da cidade, ativando diretamente o

setor turístico, gerando empregos e promovendo negócios.

54

A designação ―mundo do samba‖ visa englobar as atividades que têm o samba como o elemento

central, dentre elas aquelas que acontecem nas escolas de samba, rodas de samba, bares, casas noturnas

especializadas, projetos e movimentos de samba.

―FÁBRICA DOS SONHOS‖: A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO ESPECIALIZADO

No início do ano de 2008, mais especificamente no dia 09/01/2008, a Prefeitura

Municipal de São Paulo anunciou a construção da ―Fábrica dos Sonhos‖, um projeto

arrojado que deverá seguir o modelo da ―Cidade do Samba‖ carioca, agrupando em um

único local os barracões das escolas de samba do Grupo Especial. Segundo o projeto

inicial, a construção será concretizada em um local próximo ao Sambódromo, nos

arredores da Marginal Tietê com a Ponte da Casa Verde.

Para as escolas de samba, esta facilidade de acesso será extremamente relevante

para o transporte dos carros alegóricos no dias que antecedem o desfile carnavalesco55

.

Esta tendência evidencia a possibilidade de efetivação de uma ―mancha do samba‖,

categoria trabalhada pelo antropólogo José Guilherme Magnani (1998). Na perspectiva

deste autor, as ―manchas‖ constituem áreas contíguas do espaço urbano dotadas de

equipamentos que marcam seus limites e viabilizam uma atividade ou prática

predominante, sendo que estes equipamentos podem competir entre si ou se

complementar.

Segundo o prefeito municipal Gilberto Kassab, ―os sambistas terão as condições

adequadas para o desenvolvimento de seu trabalho, sendo que serão realizados todos os

investimentos necessários pela prefeitura, e o local será administrado pela São Paulo

Turismo - SPTuris‖ 56

.

De acordo com o presidente da São Paulo Turismo – SPTuris, Caio Luiz de

Carvalho, este é um investimento necessário pois ―durante o ano todo o samba gera

direta e indiretamente mais de 100 mil empregos‖ e a ―Fábrica dos Sonhos‖ deverá

impulsionar o turismo em São Paulo. Vale mencionar que a área onde será construída a

―Fábrica dos Sonhos‖ terá um espaço para a realização de shows, eventos culturais e a

instalação do Memorial do Samba. Segundo os seus idealizadores, o intuito é o de que a

área funcione durante o ano todo:

55

É interessante notar a re-territorialização de alguns barracões de escolas de samba, que nos últimos

anos foram estrategicamente deslocados para as proximidades do Sambódromo, distanciando-se da sede

original das escolas de samba. Para elas, esta facilidade de acesso é extremamente relevante no que se

refere ao transporte dos carros alegóricos nos dias que antecedem o desfile carnavalesco. Esta tendência

já se evidencia com a presença dos barracões das escolas de samba Império de Casa Verde, Vai-Vai,

Nenê da Vila Matilde, Leandro de Itaquera e Gaviões da Fiel. 56

Matéria de autoria de Leandro Calixto, publicada no Jornal Diário de São Paulo de 10/01/2008 e

intitulada: ―São Paulo também vai ter sua Cidade do Samba‖.

O empreendimento terá um Barracão Escola: um centro de referência

para a formação de profissionais de Artes Cênicas, que poderão

prestar serviços principalmente para as Escolas de Samba de São

Paulo. Outro destaque será a arena ―Casa de Bambas‖, voltada para

shows. A recepção abrigará diversos serviços, dentre eles o tão

sonhado ―Memorial do Samba Paulistano‖. Terá também

estacionamento e um ponto para reciclagem e reaproveitamento de

materiais57

Neste ponto da argumentação, cabe observar que a efetivação desse projeto

divide opiniões:

A Fábrica dos Sonhos de São Paulo é uma cópia daquilo que foi feito

no Rio de Janeiro (...) Só que o Rio tem outras necessidades, é uma

cidade que vive do turismo (...) Lá, se você quiser ver samba de raiz

de verdade, tem que ir à periferia (...) Para o turismo de São Paulo a

Fábrica dos Sonhos será boa (...) Este projeto faz parte de uma

intenção política para a reeleição do atual prefeito (Celso, entrevista

realizada em 25/02/2008).

Vale observar que no caso da cidade do Rio de Janeiro, a ―Cidade do Samba‖ foi

construída a partir de uma atitude gerencial e empresarial da prefeitura fluminense, em

parceria com a Liga das Escolas de Samba. Suas atividades se iniciaram em 2005, em

uma área destinada aos barracões das escolas de samba pertencentes ao Grupo Especial.

De certo modo, a ―Cidade do Samba‖ é um produto turístico que foi concebido

para a arrecadação mediante a cobrança por ingressos e produtos que lá são vendidos.

Assim sendo, mais do que um empreendimento carnavalesco, configura-se como um

empreendimento empresarial e turístico, como explica uma de nossas entrevistadas:

As escolas de samba cariocas são hábeis pois sabem que podem

vender o carnaval como um produto turístico (...) Em São Paulo,

somente agora o carnaval está começando a ser explorado como

produto turístico (...) Ao contrário do Rio, os turistas ainda são a

minoria absoluta no Sambódromo do Anhembi (...) Eu

particularmente credito que as escolas de samba de São Paulo não são

57

Fonte: idem/ibidem.

organizadas no sentido empresarial (...) Mesmo se a Fábrica dos

Sonhos ficar pronta, acredito que as escolas de samba irão subutilizar

o espaço, pois a organização das escolas de samba de São Paulo é

muito diferente das do Rio de Janeiro (Nancy, entrevista realizada em

20/02/2008).

Em razão mesmo desse papel turístico representado pelo carnaval paulistano,

alguns estudos foram realizados pela São Paulo Turismo – SPTuris, demonstrando que

cerca de 4% do público presente nos desfiles carnavalescos já ocorridos provém de

áreas que estão fora da Região Metropolitana de São Paulo. Desse total, 2,5% são

brasileiros e 1,5% estrangeiros58

.

Neste sentido, a ―Fábrica dos Sonhos‖ pode ser pensada como uma forma

motivada por processos sociais que, por terem conteúdo, poderão realizar a sociedade

paulistana de maneira particularizada (particularidade que se deve exatamente a sua

forma). Cabe mencionar que o tratamento do território como forma-conteúdo é uma

herança da influência estruturalista em Milton Santos (1985), sobretudo a advinda da

lingüística de Roman Jakobson. Este tratamento envolve uma circunscrição espacial,

dinamizada pelo conteúdo e por seus fluxos, configuradores das formas.

Como também coloca Antonio Robert de Moraes (2001), o conceito de forma-

conteúdo sugerido e utilizado por Milton Santos em algumas de suas obras, ganha

significado pelo ―usufruto da forma, sua utilização em movimento‖ (MORAES, 2001,

p. 102). Neste sentido, acreditamos que uma possível analogia entre a estrutura urbana

de São Paulo e a do Rio de Janeiro permite considerar que a primeira é mais ―maleável‖

do que a segunda, em virtude de sua fisiografia (o que permitiu e ainda permite uma

expansão urbana mais horizontal).

No caso da ―Fábrica dos Sonhos‖, pode-se dizer que será uma forma sobre a

qual a sociedade paulistana, representada pelos sambistas, depositará parte de seu

dinamismo, realizando-se na interação solidária com o lugar; em arranjos territoriais e

organizacionais proveitosos.

Finalmente, vale destacar que de modo geral, o projeto ―Fábrica dos Sonhos‖

tem sido bem avaliado pelos sambistas, conforme relata um de nossos entrevistados:

58

Fonte: www.anhembi.com.br

Eu estou feliz com o anúncio da Fábrica dos Sonhos (...) Essa é uma

notícia boa para o segmento do carnaval e como sambista tenho por

obrigação ficar feliz (...) A Fábrica dos Sonhos é necessária, ela é um

sonho antigo dos sambistas (...) Ela intensificará os roteiros turísticos,

proporcionará maior infra-estrutura para o carnaval e para as escolas

de samba, o que é preciso pois se poderá trabalhar com maior

tranqüilidade (...) A sociedade e o poder público irão reclamar menos

por não encontrar carros alegóricos jogados pela cidade (...) A Fábrica

dos Sonhos é uma via de duas mãos, se sair será nota dez (...)

Ideologicamente, esta idéia já havia sido proposta há muito tempo,

inclusive envolvendo o uso do terreno da aeronáutica localizado

próximo ao Sambódromo (...) Antes, todas as escolas levavam os

carros alegóricos embora, o que piorava em muito o trânsito (...) Então

falamos: ―Temos que estacionar estes carros em algum lugar pois

senão a cidade entrará em colapso‖ (...) Imagine, uma cidade como

São Paulo na Quarta-Feira de Cinzas, com todos os carros alegóricos

nas ruas (Róbson, entrevista realizada em 05/03/2008).

O que até aqui foi expresso é, por uma questão do próprio formato do artigo,

uma simplificação dos processos e dos contextos associados aos territórios do samba e

da indústria do carnaval na cidade de São Paulo.

Ao retratar o samba na constituição do processo de urbanização e conformação

de territorialidades na cidade de São Paulo, duas lógicas tornaram-se evidentes: a da

metrópole que transforma o samba em produto para o consumo de ampla massa

populacional (com destaque para a festa carnavalesca) e a do lugar, tradicional espaço

de cultivo e fruição de vínculos de sociabilidade e pertencimento. Neste sentido, tendo

como fio condutor o território, torna-se possível o estabelecimento de um diálogo entre

o tradicional e o moderno, verificando-se a forma de integração dos ―sambistas

contemporâneos‖ às dinâmicas atuais, bem como a dialética existente entre os territórios

do samba e os territórios da indústria do carnaval.

Admitindo-se que toda manifestação cultural é dinâmica, cabe considerar que a

questão do tradicional x moderno ou do autêntico x inautêntico se transforma em uma

falsa questão quando considerada ao extremo, na medida em que os distintos grupos

sociais têm diferentes interesses e visões de mundo; posto que atuam constantemente no

contexto do chamado dinamismo cultural.

Considerando-se também o caráter amplo da temática aqui abordada, não é

difícil demonstrar que o ―mundo do samba‖ é constituído por uma variedade de eventos.

Um detalhamento maior nos revela que estes eventos podem ser ao mesmo tempo

produto do lugar e do mundo onde, o ―mundo do samba‖, emerge como um

caleidoscópio de situações que permitem encarar ―uma definição atual dos subespaços e

o processo histórico que os leva à sua existência e evolução‖ (SANTOS, 2002, p. 163).

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DOS GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO AOS

PROJETOS PONTUAIS NO BRASIL E A INFLUÊNCIA DO

MODAL RODOVIÁRIO59

Vitor Hélio Pereira de Souza60

Márcio Rogério Silveira61

RESUMO: As aglomerações de empresas sempre estiveram no centro dos planos de desenvolvimento brasileiro. Primeiramente, nos grandes projetos das décadas de 1960 e de 1970 do século XX, com os pólos de desenvolvimento e complexos industriais e, consecutivamente a partir dos anos de 1989, com o paradigma atual de organização territorial dos Arranjos Produtivos Locais (APLs), enquanto forma de intensificar o poder de competição das micro e pequenas empresas. Todavia, tais projetos não fluiriam se, associados a eles, não houvesse planejamento para os sistemas de movimento no território. O rodoviarismo foi o mais adequado meio para o escoamento da produção das ilhas de prosperidade, da captação de matérias-primas e para a concretização do movimento circulatório do capital no território brasileiro, com a entrega da mercadoria ao consumidor. Nesse sentido, há o rompimento dos arquipélagos geoeconômicos e as desigualdades regionais assumem outro nível, ou seja, no plano produtivo. Logo, estabelecem-se novos padrões de interações espaciais. PALAVRAS-CHAVE: planejamento, atividades produtivas, transporte, interações espaciais. ABSTRACT: The agglomerations of firms has always been at the heart of Brazilian development plans, primarily at the major projects of the 1960s and 1970s of the twentieth century, with the poles of development and industrial complexes and, consecutively, from the years 1989, with the current paradigm of territorial organization of the local productive arrangements (LPAs), while a way to intensify the power of competition of the micro and the small enterprises. However, such projects wouldn´t flow if, associate with them, it wouldn´t have a planning to the movement systems in the territory. The rodoviarismo was the most suitable mean for the disposal of the production of the islands of prosperity, the capitation of raw materials and to the implementation of the circulatory movement of capital in Brazil, with the delivery of the goods to the consumer. In this sense, there is the disruption of the geoeconomic archipelagos and the regional differences take another level, or else, namely in the production plan. Once, new standards of spatial interactions are set.

59

Reflexões do trabalho de Iniciação Científica ―O transporte rodoviário e sua influência nos paradigmas

de desenvolvimento territorial: uma análise a respeito do município de Ourinhos/SP‖, financiado pela

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e orientado pelo Prof. Dr. Márcio

Rogério Silveira, integrante do Projeto Temático ―O mapa da indústria no início do século XXI.

Diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no Estado de São Paulo‖,

coordenado pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito e desenvolvido pela UNESP, USP, UFPR e

UNIOESTE. 60

Graduando do curso de Geografia da UNESP, Campus de Ourinhos. 61

Professor do Curso de Graduação em Geografia da UNESP, Campus de Ourinhos, e do Programa de

Pós-Graduação em Geografia da UNESP, Campus de Presidente Prudente.

KEYWORDS: planning, production activities, transportation, roads, spatial interactions.

INTRODUÇÃO

A transição dos grandes projetos para o projeto de categoria pontual é fruto

do desmonte do ―Estado Desenvolvimentista‖, em favor da liberalização que a

economia brasileira sofreu. Assim, buscou-se a inserção do país na economia mundial,

forçando grande parte das indústrias a aumentarem sua competitividade, induzindo as

empresas a passarem por uma reestruturação produtiva para não sucumbirem.

Segundo Pochmann (2004, p. 40), a ―(...) crença no poder das forças de

mercado deslocou a orientação dos projetos de desenvolvimento nacional para a maior

ênfase nas propostas de desenvolvimento local‖. Assim, os APLs (Arranjos Produtivos

Locais) foram idealizados com o objetivo de angariarem maior eficiência econômica às

pequenas e médias empresas62

, utilizando-se das vantagens que estas aglomerações

podem proporcionar63

, principalmente as das cadeias produtivas horizontais.

Contribuiu, também, para tal fato, a modificação quanto à utilização do

micro-crédito (evolução do micro-crédito), que se torna mais acessível aos

trabalhadores. Estes, ao perderem seus empregos, conseguem se capitalizar para

investirem em seu próprio negócio, uma vez que, no contexto em que a informação é

mercadoria, torna-se mais fácil a criação de novos empreendimentos.

Houve momentos em que o Estado pareceu ter a pretensão de agir enquanto

planejador das atividades produtivas em seu território, como no estudo encomendado

pelo Governo Federal na gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso,

denominado ―Eixos de Desenvolvimento‖, que tinha a pretensão de identificar

oportunidades de investimentos públicos ou privados, em uma área estudada, orientada

pelo modal rodoviário. No entanto, o projeto somente serviu para demonstrar

problemáticas relacionadas à logística64

e às infraestruturas em transportes, não

62

As pequenas e médias empresas auferem uma grande parcela da representatividade das indústrias

brasileiras, apresentando, de 1989 a 2001, um crescimento de 282,1% e chegando a corresponder a 99%

do total de estabelecimentos paulistanos (POCHMANN, 2004). 63

Economias de aglomeração. 64

Entendemos a logística pela concepção de Silveira (2008). Assim, a ―(...) logística, especificamente, a

de transportes (estratégia, planejamento e gestão da circulação), no nosso entender, condiciona a

aplicação e a evolução dos sistemas de movimento e fluxos políticos, sociais e econômicos no território‖.

Portanto, antes de haver estritamente uma ‗revolução nos transportes‘, há uma revolução logística

resolvendo a questão das disparidades inter-regionais, pois houve maior investimento

nos espaços já dinâmicos e atraentes ao capital em detrimento dos demais. Já na

academia, a discussão sobre os Eixos de Desenvolvimento ganha novo fôlego. O

período da redemocratização marca a estagnação nas infraestruturas em transportes e, a

partir do governo Fernando Collor de Mello, houve uma ampla entrega destas à

administração privada (concessões de serviços públicos à iniciativa privada), tanto na

escala nacional quanto na escala dos estados federativos.

Sendo assim, propomos discorrer sobre algumas das principais

características dos projetos supracitados. Primeiro, trataremos dos grandes projetos de

desenvolvimento no tópico ―complexo industrial‖ e ―pólos de desenvolvimento‖ e, num

segundo momento, devemos tratar do projeto de cunho pontual, os APLs, seguido do

que parecia ser a volta de um Estado planejador, os eixos de desenvolvimento. O foco

será principalmente a base conceitual dos mesmos, para consecutivamente se

demonstrar a influência do modal rodoviário nesta dinâmica, este que se configura

enquanto base material, isto é, um sistema de objetos que, com a maior complexidade

que adquire a estrutura econômica brasileira, sofre modificações para atender às novas

demandas necessárias para a reprodução do capital. Compreendemos assim, dois

principais momentos do planejamento dos transportes no Brasil: o primeiro referente à

constituição dos estoques de capital65

e o segundo referente a novas estratégias de

manutenção dos estoques de capital já existentes. Estes estabelecem novos padrões de

―interações espaciais‖ que parecem nos levar ao risco da ―fragmentação da Nação‖

como explicita Pacheco (1998).

Caracterizamos, então, o primeiro momento de 1940 a 1980, que ocorreu

consecutivamente à diversificação da estrutura produtiva do país. Neste período houve a

implantação de novas infraestruturas de transporte no espaço, de modo associado ao

planejamento global de Nação, pautado em uma ideologia nacionalista

desenvolvimentista, que buscou integrar e desenvolver o país através de grandes planos,

(condicionada por um ou por diversos fatores). A logística ultrapassa qualquer modo de produção ou fase

dele, entretanto, é condição fundamental para a aceleração contemporânea vivenciada atualmente, em

menor ou em maior grau, por todos nós. A logística, lato sensu, é a estratégia, o planejamento, a gestão

para transportar, armazenar e estocar. A logística varia em grau de intensidade de sofisticação e pode ser

utilizada nas ações civis (públicas e privadas) e militares. Ela pode estar relacionada aos níveis

organizacionais, territoriais, globais (macrologística) e intra-firma (micrologística) (SILVEIRA, 2009, p.

14). 65

Elevado investimento realizado em capital fixo para a constituição de infraestruturas, que após sua

consolidação necessita apenas de reparos para sua manutenção. Logo, as novas melhorias instaladas vêm

representar um acréscimo de capital imobilizado, constituindo com o passar dos anos um ―estoque de

capital‖.

como os complexos industriais e os pólos de desenvolvimento. Já a partir de 1980 se

caracteriza um segundo momento em que a grande maioria das infraestruturas

rodoviárias está instalada, havendo poucos investimentos em novos fixos. O

planejamento é deixado de lado devido à necessidade de se estabilizar a economia (crise

inflacionária) e com a situação de alarde em foco, a atuação do governo tornou-se

imediatista. Já após a estabilização da economia ocorreu a retomada do planejamento,

porém de curto e de médio prazo, ocorrendo de modo fragmentado. Vale frisar a

emergência de uma ênfase exacerbada do local enquanto escala privilegiada do

planejamento. Constata-se, assim, um retrocesso nas tentativas de integração territorial e

econômica, mais equitativa da Nação.

EVOLUÇÃO E CONCEITOS DE COMPLEXO DE ATIVIDADES

PRODUTIVAS

Para tratar do complexo de atividades produtivas, deve-se ter consciência de

que este é um produto da evolução da divisão social do trabalho, que se acentua

conforme a evolução dos modos de produção. Desse modo, com a passagem do modo

artesanal de produção, no qual o trabalhador tem conhecimento de todo o estágio de

produção, para a manufatura, começa-se a exigir uma especialização do trabalhador, que

deixa de dominar o processo produtivo como um todo e passa a exercer uma única

função. Porém, é com a Primeira Revolução Industrial que se potencializa a divisão do

trabalho tanto no âmbito social quanto territorial e que se aumenta a escala de produção

de modo elevado, devido ao emprego de máquinas (meios de produção).

Dessa maneira, o conhecimento das etapas de produção é suprimido e as

cadeias produtivas, ou seja, as sequências de etapas pelas quais a matéria-prima passa

até chegar ao produto final, tornam-se cada vez mais extensas e complexas. Esses

blocos ou complexos de produção, no Brasil, têm sua origem no espaço rural, com o

denominado ―complexo rural‖, que funcionava à base de mão de obra escrava. Sua

função se estendia desde a criação de condições para se manter a força de trabalho até a

produção total dos meios necessários para o cultivo do café, que era destinado à

exportação66

.

Com a pressão externa da Inglaterra, que proibiu o tráfico de escravos em

1850, ocorreu a importação de mão de obra européia para o Brasil. Esses trabalhadores

tornaram-se colonos67

dos cafeicultores, trabalhando nas plantações de café e

produzindo alimentos para garantir sua subsistência. Logo, além de garantirem a

alimentação familiar, os alimentos excedentes das plantações particulares dos colonos

eram convertidos em produtos comercializáveis próximos às fazendas, possibilitando a

criação de um mercado interno68

. Conforme Mamigonian (1969, p.60)

(...) em São Paulo a expansão da cafeicultura foi aproveitada por

tais imigrantes que, trazendo experiências de trabalho bastante

variadas (agricultores, artesãos, operários especializados,

profissionais liberais e pequenos industriais), possuindo nível de

vida bem mais elevado que o dos escravos, praticando hábitos

econômicos equilibrados (trabalho persistente, consumo sóbrio)

e com forte vontade de independência, promoveram a

industrialização e modernização da agricultura em São Paulo.

No ano de 1941, no governo Vargas, foi instalada a Usina de Volta

Redonda. Cria-se, assim, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 1942, realizou-

se o empréstimo do Eximbank para a realização de investimentos estatais em indústrias.

Ocorre também a Missão Técnica de Moris Llewellyn Cooke, que rende ao país a

66

Passada a crise internacional, não há mais possibilidade de sustentação do ―complexo rural‖ – baseado

na autossubsistência. Assim, o complexo rural se abre dando origem ao complexo agroindustrial. Já

estamos falando do início da industrialização brasileira. 67

―Pelo sistema de colonato, o trabalhador e sua família tinham que cuidar de um número determinado de

pés de café. Ele recebia no final do ano uma quantia em dinheiro para cada 1000 pés de café que cuidasse

e outro tanto pelo café colhido. Essa era a parte em dinheiro que recebia. (...) outro recurso do qual o

colono se utilizava para tirar o seu sustento era a produção familiar de alimentos, ou seja, a cultura de

subsistência (feijão, milho, legumes, etc.), que em muitas fazendas se desenvolvia em solo fértil no meio

dos cafezais‖ (TOMAZI, 1993, p. 68). 68

Conforme Mamigonian (1976, p.14), a expansão da cafeicultura no século XIX fez crescer o mercado

consumidor. Vale lembrar que os produtos produzidos pelas primeiras indústrias brasileiras eram artigos

rústicos, os produtos consumidos pela aristocracia européia eram de artigos de alta qualidade e os

escravos praticamente não consumiam produtos industrializados, sendo assim, de grande importância a

presença do imigrante europeu. No Sul do Brasil, com exceção dos planaltos e das planícies

latifundiárias, estabeleceu-se a ―Pequena Produção Mercantil‖. Esse sistema de produção rural e urbana

também propiciou a geração de excedentes comercializáveis a ponto de se tornarem a base do

desenvolvimento sulino, especialmente do Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Assim, os

estabelecimentos de grandes corporações industriais e comerciais, nesses espaços, se tornaram comuns,

como a Sadia, a Perdigão, a Tigre, a Tramontina, a Randon, as Lojas Colombo, a Tupy, a Hering, a

Sulfabril, a Portobello, a Eliane e muitas outras (SILVEIRA, 2006).

instalação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a criação da Hidrelétrica de

Paulo Afonso.

Surge, assim, um complexo industrial orientado por indústrias de base, no

qual as fábricas apresentam relações umas com as outras e existe uma diversificação

quanto ao produto final69

. Desse modo, segundo Prochnik (2002), o complexo torna-se

um espaço de articulação entre cadeias produtivas, que podem ocorrer em menor ou em

maior escala, originando um microcomplexo ou um macrocomplexo industrial70

.

Pode haver diferentes modos de cadeias produtivas, como a empresarial, na

qual cada empresa é detentora do controle sobre uma etapa da cadeia produtiva, ou

setorial, na qual a empresa pode ser dona de mais de uma etapa da cadeia produtiva,

possibilitando um maior agrupamento das cadeias produtivas, criando, por conseguinte,

os blocos de produção ou complexos produtivos industriais. Conforme Lausuen (1978,

p.137), as firmas evoluíram de modo a reforçar

(...) a tendência a polarizações geográficas (...). Algumas firmas

evoluíram do tipo produto-único/indústria-única para o esquema

multiproduto/indústria-única, devido às vantagens resultantes da

revolução da engenharia de produção. (...) assim inicia-se, no

século XX, as primeiras mudanças no sentido de firma

multiproduto/multi-fábrica/multiplicidade.

De modo que o complexo industrial se torna um elemento paradoxal, pois se

trata de uma relação de coopetition71

entre as unidades e o conjunto de unidades

produtivas, comandadas por combinação de forças oligopolistas que podem mudar sua

relação indústria-motriz (propulsora) e indústria-movida/mercado rapidamente.

EVOLUÇÃO E CONCEITOS DE PÓLO DE CRESCIMENTO E DE

DESENVOLVIMENTO

A partir da Segunda Grande Guerra surge, no Brasil, a preocupação com o

planejamento territorial, sendo que após o ―choque do petróleo‖ ocorre um

69

Para Perroux (1975), o complexo industrial tem como característica principal a presença de uma

indústria-chave, que influencia na economia do complexo como um todo. Esta é de difícil definição, pois

varia conforme diversos fatores (geralmente tende a ser indústria produtora de matéria-prima, de energia

ou de transporte, atuando através de um regime de não concorrência). Constituindo pontos dinâmicos de

crescimento. Logo, a indústria-chave deve influenciar as indústrias motrizes (indústrias inovadoras que

comandam a cadeia produtiva) e as indústrias movidas (indústrias complementares). 70

Microcomplexo: cadeia produtiva cujo processo produtivo encontra fatores análogos somente à jusante

da cadeia produtiva, ou seja, o insumo. Macrocomplexo: cadeia produtiva onde ocorre a interação de mais

de uma cadeia de produção para se originar o produto final.

71 Termo utilizado para designar uma atuação de competição e de cooperação simultânea.

direcionamento da economia do país em busca de um nicho do mercado internacional.

De modo que o governo, para conseguir a posição almejada, opta por uma política de

integração nacional, baseada na conquista de uma maior competitividade tanto local

quanto regional e, sucessivamente, nacional, através dos pólos de crescimento, entre

outros projetos.

A teoria dos póle de coissance ou pólos de crescimento – desenvolvida pelo

francês François Perroux – foi alvo de várias análises. Todavia, no que tange a sua

essência, baseia-se na idéia de que ―o crescimento não se faz de forma difusa por todo o

espaço, mas se manifesta em certos pontos e com intensidade variável‖ (PERROUX,

1975, p.7). Assim, esses espaços de forças centrífugas (atração) e centrípetas (dispersão)

tornam-se pontos dinamizadores da economia de uma determinada localidade.

Esses espaços são produtos de uma indústria motriz72

que atua no mercado e

incentiva o surgimento de indústrias fornecedoras de materiais adicionais (indústrias

afetadas), necessárias para a composição do produto final. Assim, a indústria motriz ou

propulsora, baseada no caráter inovador de seus produtos, alcança um desempenho

relativamente superior ao crescimento médio da indústria73

nacional, exigindo também

uma maior produção das denominadas ―indústrias-chave‖ 74

.

Quanto aos aspectos da indústria motriz, deve-se ressaltar que o crescimento

baseado nas inovações proporcionadas por esta indústria ocorre com progressos e

retrocessos, de modo que:

O boom termina e a depressão começa após a passagem do

tempo que deve transcorrer antes que os produtos dos novos

empreendimentos possam aparecer no mercado. E um novo boom se

sucede à depressão, quando o processo de reabsorção das inovações

estiver terminado (SCHUMPETER, 1996, p.202).

72

Pode haver outras atividades primárias que realizem a função de indústria motriz enquanto agente

propulsor ao desenvolvimento econômico (PERROUX, 1977). 73

A aparição de inovações bem realizadas fomenta o surgimento de novos produtos concorrentes, com

características parecidas, criando-se uma atmosfera de criatividade, na qual se desperta o desejo dos

demais empresários para conseguirem sucesso e poder semelhante. Estas inovações podem gerar uma

série de outras inovações durante um período curto, como a ―febre do canal‖ e a ―febre do ouro‖, ou

podem se difundir de forma lenta, gerando, no entanto, um grande número de novas operações como as

Revoluções Industriais ou a Revolução Agrícola (PERROUX, 1975). 74

As indústrias-chave são indústrias integradoras da totalidade do sistema econômico nacional e variam

conforme estudo de caso, mas, geralmente, trata-se de indústrias de matérias-primas, de energia e de

transportes (PERROUX, 1975).

Vale lembrar também que essas inovações podem ser: técnicas (novas

máquinas, produtos e serviços ao consumidor), organizacionais (quanto às

estruturas de organização e às práticas administrativas), culturais (relativas aos

novos valores) ou sócio-políticas (ligadas aos novos padrões de relações sociais e

institucionais), tendo como objetivo primordial de sua atuação a realização de

mudanças no espaço geográfico em decorrência de suas influências

(FRIEDMANN, 1975, p. 33).

Para o Estado-Nação é vantajosa a existência cada vez maior de zonas

de desenvolvimento, devido a sua maior capacidade de influência econômica no

território. Para tanto, deve-se dar atenção aos pólos potenciais, áreas onde há

possibilidade de crescimento, caso haja uma indústria motriz que fomente estes

pólos. Sendo sua ativação positiva, na medida em que se possa homogeneizar as

oportunidades de emprego e de renda pelo espaço, possibilitar-se-á a redução da

migração de trabalhadores em massa de outras regiões.

Assim, a presença de vários pólos de crescimento, em uma determinada

região, interligados através de vias de acesso, pode consolidar interações espaciais

a ponto de se constituírem eixos de fluxos capazes de gerar um crescimento

continuado no território, propagando, assim, o desenvolvimento de um pólo a

outro. Cria-se um eixo de desenvolvimento, que seria uma espécie de zona de

desenvolvimento, todavia, orientada por uma via de comunicação.

Segundo Rochefort apud Andrade (1977), uma indústria nunca surge

sozinha no espaço, pois há atração de outras atividades produtivas e de serviços. Os

pólos de desenvolvimento geram o efeito arrastão no território, possibilitando a

ampliação da cadeia produtiva, na sua montante ou na sua jusante. Em decorrência do

crescimento dos pólos de desenvolvimento, ocorre também o efeito aglomeração, que

cria vantagens para a instalação de novos empreendimentos, como as economias

externas (externalidades benignas), a infraestrutura local e os serviços públicos, tais

como água, energia elétrica e outros. Logo, conforme o autor supracitado, a quantidade

de indústrias existentes em um determinado espaço está ligada ao potencial de

infraestruturas e de serviços que a cidade tem a oferecer.

Com o passar dos anos, os pólos de desenvolvimento fomentam o

aparecimento de diversas atividades econômicas que visavam/visam atender aos

trabalhadores, como a expansão da infraestrutura urbana, fazendo com que o pólo se

configure enquanto centro de alocação de capital fixo e de recursos humanos. Devido às

externalidades positivas, pode haver concentração de novas empresas, além de recursos

humanos que busquem usufruir do aparato social e infraestrutural instalado (KON,

1999). Ocorre, assim, uma concentração de renda que gera diferenças intra-regionais,

mas há também uma tendência à redução das diferenças inter-regionais.

No Brasil, os ―pólos de desenvolvimento‖ fortificam-se no II Plano

Nacional de Desenvolvimento (II PND), no período de 1975 a 1979, e estão listados nas

―estratégias de integração nacional‖ que visavam integrar o Nordeste, a Amazônia e o

Centro Oeste. Para dar sustentação a tais planos, foram criadas a SUDENE75

(Superintendência de Desenvolvimento da Região Nordeste) e, em seguida, baseadas no

mesmo modelo, a SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-

Oeste), a SUDESUL (Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul), a SUDAM

(Superintendência de Desenvolvimento da Região Amazônica) e a SUFRAMA

(Superintendência da Zona Franca de Manaus). Por consequência, estabelecem-se os

―Programas Especiais de Desenvolvimento Regional‖, como o POLONORDESTE

(Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste), o POLAMAZÔNIA

(Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia), o POLOCENTRO

(Programa Especial de Desenvolvimento dos Cerrados), o PRODEGRAN (Programa de

Desenvolvimento da Grande Dourados) e o PRODEPAN (Programa de

Desenvolvimento do Pantanal) (MELO, 2008).

As superintendências tinham como objetivo a integração econômica destas

regiões às áreas mais dinâmicas economicamente, a fim de se fortalecer o mercado

interno e de se criar possibilidades de melhor distribuição de renda no território

nacional. No entanto, com o abandono da agenda de planejamento, a SUDECO é extinta

em 1990, seguida pela SUDAM e pela SUDENE que, sob suspeita de corrupção no

início do ano de 2000, também encontraram o mesmo fim.

Já a partir de 2007, sob a gestão do governo Luis Inácio Lula da Silva, a

SUDAM e a SUDENE, através das leis complementares nº 124 e 125, voltam as suas

atividades vinculadas ao Ministério da Integração Nacional. Com um orçamento

aprovado para o ano de 2007 de R$ 8,9 bilhões (liberados conforme análise de risco dos

Bancos do Nordeste e da Amazônia), o objetivo é apoiar iniciativas dos setores público

e privado na área de infraestrutura (transporte e energia, etc.), em busca de se promover

o crescimento econômico e o consecutivo desenvolvimento social regional.

75

A SUDENE foi criada em 1959, fruto dos estudos realizados por Celso Furtado, que foi seu primeiro

superintendente, sendo o primeiro Órgão de Desenvolvimento Regional do país.

A ASCENDÊNCIA DOS SISTEMAS PRODUTIVOS LOCAIS NO CENÁRIO

NACIONAL

As aglomerações de empresas não são análogas ao sistema econômico atual

e não têm seu surgimento em um local específico. Apareceram entre os séculos X e XII

em diversas cidades com as ―guildas de oficio‖76

. Assim, as mesmas já atuavam em

conjunto, de modo coletivo e cooperativo.

No entanto, é no ―pós-fordismo‖ que as pequenas e médias empresas

ganham destaque em diversos países, devido à facilidade com que as mesmas

conseguiram se adequar ao novo sistema de acumulação integral, baseado na

flexibilidade produtiva da contratação e do mercado. Juntamente com a difusão da

ideologia neoliberal – que se espalhou pelo cenário mundial, sobretudo nos anos de

1990 – são criadas condições propícias para a reprodução do capital e para o incremento

do imperialismo.

Diante disso, a partir da década de 1990 no Brasil, os grandes projetos de

desenvolvimento nacional são retirados das pautas do governo. Por outro lado, ganham

destaque, tanto no âmbito governamental, como no acadêmico, as discussões sobre o

desenvolvimento em âmbito local através das médias e das pequenas empresas (MPEs).

Assim, os Arranjos Produtivos Locais (APLs) são inseridos nos projetos do Plano

Plurianual 2003/2007 (governo Luis Inácio Lula da Silva), com diversas linhas de

créditos aprovadas para garantirem sua viabilização.

Os APLs e os clusters de atividades, segundo Santos; Diniz; Barbosa

(1994) são frutos, principalmente, da observação de dois modos de agrupamentos

produtivos que, embora se diferenciem enquanto algumas das suas características de

funcionamento, obtiveram relativo êxito econômico e social entre as décadas de 1980 e

1990 devido às vantagens que a concentração geográfica de empresas especializadas

possibilitou aos mesmos77

. São estes o Distrito Italiano ou Marshalliano e o Vale do

76

Entre os séculos X e XII, copiando as guildas de mercadores, surgem, em diversas cidades, as guildas de

ofício. Identificamos aí as primeiras aglomerações de empresas, que já surgem com espírito cooperativo:

―reuniam patrões e empregados, mestres e aprendizes como parceiros desiguais, mas esforçavam-se por

assegurar os todos os membros iguais oportunidades de progresso e êxito‖ (MORAES apud LOPES,

2008). 77

É interessante lembrar que as vantagens conquistadas através da presença de indústrias especializadas

em core não são novidade no Brasil. Silveira (2006) alerta para casos observados no Sul do país, nas

décadas de 1960 e 1970, como: pólo calçadista do Vale do Rio dos Sinos, pólo calçadista de São João

Batista, pólo metal-mecânico de Caxias do Sul, pólo eletro-metal-mecânico de Caxias do Sul, pólo eletro-

metal-mecânico do nordeste catarinense, pólo tecnológico de Florianópolis, de Blumenau e de Joinville,

Silício na Califórnia. Torna-se, assim, oportuno discorrer sobre as principais

características de ambos, para uma melhor compreensão do que se almeja serem os

arranjos produtivos locais.

O Distrito Italiano tem sua base em Alfred Marshall (1989), que estudou os

aspectos relacionados à concentração espacial de pequenas manufaturas, como as têxteis

e as gráficas na Inglaterra. Desta forma, este modelo foi utilizado também para se

compreender as aglomerações de pequenas e de médias empresas na região central e

nordeste da Itália. Estas apresentavam cadeias produtivas horizontais, destacando-se as

têxteis, as calçadistas e as moveleiras.

Vale ressaltar que essas empresas trabalham com grande sinergia devido à

existência de uma ―osmose perfeita entre a comunidade local e as empresas‖, podendo

ser explicada através da compreensão da ―evolução histórica de seus agentes locais‖

(BECATTINI, 1994, p 20)78

. Tal fato tornou possível o surgimento de vários fatores,

tais como:

O espírito de cooperação e a propagação de conhecimentos a partir de

relações cotidianas;

As facilidades para aquisição de novas máquinas e;

O surgimento de um mercado de máquinas de segunda mão, que pode vir

a interessar a outras empresas, e a criação de indústrias complementares,

entre outros.

Quanto ao Vale do Silício, reduto de empresas de alta tecnologia

(equipamentos de telecomunicação, hardware e software, semicondutores e empresas

virtuais, entre outras), houve a constituição de um ―cluster‖ (cacho), concentração

geográfica de pequenas e de médias empresas, organizadas em uma cadeia produtiva

verticalizada, isto é, com a presença de grandes empresas a montante de suas cadeias

produtivas. A empresa líder, por sua vez, atua enquanto empresa motriz, propulsora do

aumento da demanda das demais indústrias.

Ressalte-se que esse sistema produtivo obteve sucesso, principalmente,

entre 1995 e 1999, devido a fatores como:

Mão de obra especializada, suficiente para atender à demanda das empresas;

pólo têxtil e do vestuário catarinense (Joinville-Blumenau-Brusque e Criciúma e arredores), pólo

agroindustrial do oeste catarinense (Caçador e Chapecó), pólo ceramista do sul de Santa Catarina

(Criciúma e arredores) e pólo de tubos e conexões de Joinville. 78

Entrementes, não devemos esquecer que não há extinção da exploração do trabalhador e, por isso, há a

luta de classes.

Um ambiente de cooperação;

Apoio de instituições de pesquisa e de desenvolvimento (P&D);

O financiamento de capital de riscos (venture-capital).

Após se explicitar um breve histórico de ambos os casos, inspiradores do

conceito de Arranjos Produtivos Locais, torna-se importante ressaltar a questão da

cooperação existente, contudo, com diferentes características em cada um deles. Assim,

conforme Santos; Diniz; Barbosa (1994), no distrito industrial italiano, a cooperação

multilateral é elemento fundamental para as médias e pequenas empresas garantirem

sua existência, através da criação de vantagens competitivas, como escala e escopo. Já

no segundo caso, do Vale do Silício, ressalta-se a cooperação bilateral entre as médias

e pequenas empresas e as instituições de pesquisa (P&D), cujo intento é a criação de

soluções e de inovações para o mercado, sobretudo para o financiamento de capital de

risco, que viabiliza a implantação de tais projetos.

Outra característica que se faz comum é a economia de conhecimento, ou

seja, uma especialização em core do processo de aprendizagem. Isso devido a fatores

como ―pesquisa, experiência e ação, através dos processos de aprender fazendo, usando

e interagindo‖ (DINIZ apud SIQUEIRA, 2003).

Dessa maneira, os APLs surgem de duas experiências de agrupamentos

distintos quanto a algumas de suas características, no entanto, análogas enquanto as

vantagens adquiridas através dos fatores cooperação e economia de conhecimento. A

concentração de empresas em determinada localidade é justificada por uma

singularidade entre sua dinâmica econômica (principalmente as externalidades

positivas) e fatores técnicos e naturais, como a utilização de mão de obra, presença de

matérias-primas, condições climáticas, entre outras.

Para tanto, foram realizados estudos para identificação dos arranjos

produtivos potenciais. O SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

Empresas) é um dos órgãos que, através da análise do grau de especialização econômica

dos municípios, procura identificar os Arranjos Produtivos Locais mais dinâmicos.

Relação esta constituída através dos dados do Cadastro de Estabelecimentos

Empregadores (CEE) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que permitem

tabelar os municípios que apresentam atividades econômicas com participação relativa

superior à média nacional.

No entanto, para que ocorra a evolução destes clusters em potencial para o

estágio de agrupamentos de empresas avançados (clustering), tais fatores destacados

não são suficientes, pois, conforme Lins (2001, p.536) é mister ter consciência de que:

Um cluster (concentração geográfica e setorial de firmas) é um

elemento básico do arranjo sócio-produtivo, tendo consciência

que a configuração espacial não proporciona automaticamente

ganhos para o sistema produtivo. A concentração geográfica

induz a ação conjunta, mas não é sinônimo dela. Pode-se dizer

então que quanto maior cooperativismo maior probabilidade de

êxito econômico.

Estes têm em sua dinâmica o objetivo de evoluírem de agrupamento de

empresas (cluster) para o estágio de arranjo de empresas avançadas (clustering), que é

análogo para muitos autores à configuração de um Distrito Industrial ou Marshalliano79

,

ou seja, espaço de cooperação passível de gerar eficiência coletiva80

, através do

aumento da sinergia entre as empresas e os agentes do distrito. Cria-se a possibilidade

de se promover um plano de ação que contemple os seguintes critérios:

Especialização flexível;

Acesso ao crédito;

Capacitação de recursos humanos;

Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) e;

Desburocratização entre as empresas participantes do Arranjo.

Assim, é através da dinâmica econômica singular, aliada à compreensão da

formação socioeconômica do local, que poderão se verificar as possibilidades de se

gerar ação a partir da cooperação dos agentes locais. Acrescenta-se, ainda, a

necessidade da interação entre as diversas esferas do poder público - federal, estadual e

municipal - além dos empresários locais, da população e de órgãos de apoio, tais como:

a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o SEBRAE, o SENAI (Serviço Nacional

de Aprendizagem Industrial), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento

79

Todavia possa haver nos arranjos de empresas avançadas (clustering) a presença de aglomerações de

empresas com cadeia vertical (radial) ou horizontal. Vale frisar que no caso dos arranjos de empresas

verticais a indústria maior age com caráter de articuladora das menores; já no caso das cadeias

horizontais, que são o maior foco das APLs, há uma necessidade de uma maior articulação entre as

empresas para que estas sejam competitivas, embora na atualidade estas aglomerações horizontais de

empresas tendam a adotar características verticalizadas, pois as pequenas e as médias empresas tendem a

se tornar fornecedoras das maiores (VISCONTI, 2001, p. 79). 80

Estas seriam: controle de qualidade, monitoramento de tendências tecnológicas, design de promoção

comercial, entre outros (CNI, 1998).

Econômico e Social), as universidades, entre outros, inclusive no setor comercial e de

serviços.

Prontamente espera-se que os Arranjos Produtivos Locais, por se tratarem

de um modelo de desenvolvimento endógeno, ou seja, elaborado pelos agentes locais,

devam ser realizados de forma sistêmica, não possuindo como foco principal somente o

crescimento econômico, mas também os fatores sócio-ambientais essenciais para a

manutenção da qualidade de vida da população local. Ressalte-se que ―desenvolvimento

local significa economia com mercado e não economia de mercado‖.

Por outro lado, o desenvolvimento local é extremamente utilizado como um

dos importantes atributos da economia de mercado e, por conseguinte, as intervenções

locais geram pouco efeito multiplicador, tanto regionalmente quanto na escala

macroeconômica. A falta, portanto, de um projeto de desenvolvimento nacional é,

inclusive, a causa de muitos dos fracassos dos modelos de desenvolvimento local e de

economia solidária. Assim, vale vislumbrar as idéias de Ignácio Rangel e de outros

grandes pensadores brasileiros para decifrarmos os verdadeiros problemas do baixo

desenvolvimento econômico brasileiro das últimas décadas (ciclos econômicos, pactos

de poder e outros).

A CONFORMAÇÃO DE UM EIXO DE DESENVOLVIMENTO

Busca-se aqui traçar breves considerações a respeito do conceito de eixo de

desenvolvimento, apesar de uma polêmica quanto ao seu conceito, lembrando-se que

tais discussões não são recentes do ponto de vista da evolução científica. Porém, há

poucos teóricos, sobretudo geógrafos, que se dedicam a sua análise. Destacam-se:

François Perroux (1975), J. R. Laussuen (1978), J. Hernández (1998), Andrade (1977),

Matushima e Sposito (2002), Sposito e Bordo (2004), Luís Ablas (2003) e Silveira

(2006).

Pode-se afirmar que o eixo de desenvolvimento é consequência da presença

de pólos de desenvolvimento, isto é, nós, cidades com influência econômica e elevada

polarização, conforme nos traz Andrade (1977, p. 66)

(...) o pólo de desenvolvimento não existe como uma unidade

isolada, mas está ligado a sua região pelos canais por onde se

propagam os preços, os fluxos e as antecipações. (...) esta

propagação feita por um caminho que liga dois pólos da origem

ao que ele (François Perroux) chama de eixo de

desenvolvimento, salientando, porém que o eixo não é apenas

uma estrada, um caminho e que, além disso, ligado à estrada,

deve haver todo um conjunto de atividades complexas que

indicam ―orientações determinadas e duráveis do

desenvolvimento territorial e dependem, sobretudo, da

capacidade de investimento adicional‖.

Assim, ao longo do eixo de desenvolvimento, isto é, uma rede de cidades

com uma vida econômica considerável, há uma cadeia de núcleos urbanos de diversos

tamanhos. Vale lembrar a afirmação de La Blache (1923, p. 293), ou seja, ―a estrada

imprime-se no solo; semeia germes de vida: casas, lugarejos, aldeias, cidades‖ e, na

atualidade, esta se torna uma estimuladora para a localização das atividades produtivas,

comerciais e de serviços, embasada na pretensão de se adotar paradigmas de

desenvolvimento integrado para este recorte espacial81

.

Em síntese, as interações espaciais (ULLMAN, 1972; HAGGETT, 1970),

no contexto do capitalismo, segundo Corrêa (1997), ocorrem através de relações

assimétricas, ou seja, que favorecem um local em detrimento do outro. No entanto, o

eixo de desenvolvimento busca ser um irradiador de desenvolvimento de um

determinado espaço, de modo que se possa homogeneizar ou, ao menos, elevar o

crescimento e o desenvolvimento econômico das cidades que se encontram no eixo.

Tem-se, assim, o eixo de desenvolvimento como possibilitador de interações

espaciais e de polarização das cidades que se encontram sobre o seu traçado. Tal fato

ocorre devido às intensificações de empreendimentos econômicos, com destaque às

empresas de tecnologia de ponta. Na atualidade, o just in time é característica inerente

às indústrias de alta tecnologia, com o intuito de redução da estocagem de mercadorias.

Ademais, estas possuem uma cadeia produtiva fragmentada espacialmente através de

terceirizações de diversas atividades, como, por exemplo, o transporte.

Os eixos de desenvolvimento podem, com o tempo, formar um complexo

industrial. No entanto, tais espaços de considerável importância econômica conseguem

gerar um aumento da mais-valia devido à elevada produtividade e, consecutivamente, à

automatização da produção. Conforme Bordo (2004), o lucro gerado é, em grande

quantidade, absorvido pelo capitalista, anulando-se de fato a possibilidade de geração de

81

Entre as diversas teorias clássicas de localização do século XIX, o transporte e o seu custo foram um

dos principais pontos a serem discutidos para se definir a localização das atividades produtivas, pois ―(...)

la industria del transporte produce valor porque és uma „esfera de producción material‟ que efectúa

cambio material em „el objeto sobre que recae el trabajo, um cambio em el espacio, [um] cambio de

lugar‘‖ (HARVEY, 1990, p. 379).

desenvolvimento social, visto que as vantagens da tecnologia não são repassadas ao

proletariado, transformando-se em utopia as melhorias sociais.

Assim, segundo Silveira (2006), a característica fundamental é a de que os

eixos, caracterizados pela dinâmica produtiva, comercial e de serviços, não geram eixos

de desenvolvimento, mas sim eixos de crescimento (fazendo-se, para tanto, a

diferenciação entre desenvolvimento econômico e crescimento econômico, conforme já

abordou Celso Furtado).

Todavia, na visão keynesiana (―teoria da demanda efetiva‖) mesmo o

crescimento econômico desencadeia desenvolvimento, mas com fugas e escapes de

capitais e de concentração de renda, ou seja, em cascata (SILVEIRA, 2006). Destaca-se,

portanto, um efeito multiplicador em menor quantidade devido à centralização e à

concentração do capital, já que há fugas e escapes de capital no movimento circulatório

deste.

Para a visão de Matushima e Sposito (2002) e Bordo (2004), os eixos de

desenvolvimento representam uma entidade sócio-espacial, na qual se enfatiza a questão

de três elementos: infraestruturas de transporte, atividade industrial e núcleos urbanos.

Tal analogia ocorre devido ao fato de que ambos os autores têm como um dos seus

principais referenciais teóricos José Luis Sánches Hernández (Universidade de

Salamanca), para o qual o eixo desenvolvimento pode ser explicado como ―(...) uma

cadeia de núcleos urbanos de diferentes tamanhos situados ao longo de uma via de

transporte de alta capacidade, que estimula a localização da atividade industrial e

facilita o estabelecimento de relações internas‖ (HERNANDEZ, 1998, p. 33), tornando-

se assim uma expressão material da coesão interna do eixo de desenvolvimento na sua

região.

No entanto, faz-se necessária a contribuição de Ablas (2003), na medida

em que enfatiza a práxis do termo, após este ser incluso no Plano Plurianual (PPA) do

governo federal, no período de 1996-1999. Ele relata que o eixo é um

(...) espaço de influência de uma via de transporte em que a

acessibilidade é privilegiada pela sua presença (base de

polarização geográfica) e a estruturação produtiva existente

nesse mesmo espaço pela presença de um conjunto de setores

interligados (que define a polarização técnica) (...) tendo sua

área de abrangência variável conforme a funcionalidade das

cidades que se localizam próximas às vias (...) de modo que este

se torna uma região de planejamento (...) onde se cria uma

unidade territorial favorável para se propor possibilidades de

integração e desenvolvimento de amplas porções territoriais

(ABLAS, 2003, p. 174).

Conforme Galvão e Brandão (2003), a temática dos eixos de

desenvolvimento destaca-se no governo brasileiro de forma análoga ao Plano Plurianual

(PPA), este apresentado em 1995 enquanto forma de integração das regiões brasileiras

pela ―consolidação da ocupação e abertura de novas fronteiras de desenvolvimento‖. Os

eixos consolidaram-se enquanto política pública através do Programa Brasil em Ação,

no fim do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, através de doze eixos. O

primeiro passo se restringiu a angariar conhecimentos necessários para se complementar

alguns projetos existentes com apoio do governo, através do Consórcio Brasiliana82

.

Apesar de tantas formulações conceituais, acreditamos que o conceito de

eixos de desenvolvimento precisa ser continuamente discutido, levando-se em

consideração alguns aspectos como:

1) Sua existência é viável diante do contexto brasileiro?

2) Se sim, cabem algumas ressalvas como:

a) Somente o agrupamento de três princípios básicos como infraestruturas de

transporte, atividade industrial e núcleos urbanos é suficiente?

b) Será que não há necessidade de se combinar outros elementos como a

intensidade dos fluxos tangíveis/reais (por modo rodoviário, ferroviário e

outros para mobilização de pessoas, de veículos e de insumo-produto) e

intangíveis/nominais (através das transações do sistema financeiro e os

fluxos de informações)?

c) Tendência à conurbação ao longo das infraestruturas, como construção de

fábricas e de habitações – nesse sentido o contato físico é o mais importante

ou somente os fluxos econômicos, inclusive, que podem ser intangíveis?

OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E A SUA ESTREITA RELAÇÃO

COM O PLANEJAMENTO DOS TRANSPORTES

A alocação de atividades produtivas no espaço está estritamente vinculada ao

planejamento dos transportes, pois com a evolução do sistema econômico, ocasionada

82

Este foi realizado através de encomenda do Governo Federal às empresas Booz Allen & Hamilton do

Brasil Consultores e Bechtel International Incorporation e pelo Banco ABN Amro, supervisionados pelo

BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e pelo Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão, sendo utilizado para compor o Plano Plurianual (PPA) de 2000-2003, do qual

resultou o programa Avança Brasil.

pela industrialização do país, ocorre a ampliação dos circuitos espaciais de produção,

isto é, torna-se mais complexa e mais difusa a segmentação das cadeias produtivas e a

sua distribuição pelo espaço. Por sua vez, intensifica-se a necessidade da presença de

um sistema de transporte que possibilite a integração entre estas etapas de produção e,

em seguida, entre as empresas e o mercado consumidor.

De modo que o funcionamento do circuito produtivo que se estabelece com

a industrialização está estritamente ligado tanto à dinâmica dos transportes e à

integração quanto ao desenvolvimento do território, em suas diversas escalas,

justamente por se tratar de uma das condições gerais de produção mais relevantes para a

reprodução do capital. Haja vista que, observando-se a evolução da malha ferroviária,

após a I Revolução Industrial até a segunda metade do século XIX, La Blache (1923, p.

307) já apontava que:

O estado actual das comunicações faz surgir sob luz crua os

efeitos do isolamento; pelo menos, este não parecia anomalia,

uma espécie de infracção às condições gerais. Foram os

progressos do comércio aos serviços de uma indústria exigente

de matérias-primas, ávida de mercados, que aumentaram o

afastamento, abrindo quase um abismo entre as regiões

englobadas na rede mundial e aquelas que lhe escapam.

Devemos ter em mente que com a fixação de sistemas de engenharia no

espaço foi viabilizado o que os economistas denominam de ―fluxo real‖, que é referente

à circulação da mercadoria pelo espaço. Isto é, ocorre a ampliação do ―circuito

produtivo‖ e, concomitantemente, do ―fluxo nominal‖, que é gerado ao se realizar a

venda da mercadoria que foi transportada, ou seja, o fluxo financeiro, que tende a

circular de modo oposto ao fluxo real, pagando os custos que o sistema produtivo gera e

concentrando a mais-valia (circuito cooperativo).

O fenômeno que possibilita essa ampliação gradativa dos ―circuitos produtivos‖

e, por conseguinte, dos ―circuitos de cooperação‖ no espaço, é compreendido através

das ―revoluções logísticas‖ (SILVEIRA, 2009), que possibilitaram às empresas

fragmentarem suas cadeias produtivas em busca de vantagens comparativas às que o

espaço possa oferecer, devido à facilidade existente para se transportar as mercadorias,

além da conquista de novos nichos de mercado consumidor. Sendo assim, o uso do

espaço pelo capital torna-se mais abrangente devido à redução do tempo de circulação,

fruto do emprego da técnica na constituição dos fixos e na gestão dos fluxos que

percorrem o espaço.

Vale ressaltar que os ―sistemas de engenharia‖ referentes às revoluções

logísticas, ao serem inseridos no espaço, geram, enquanto uma nova forma,

(...) novos relacionamentos, uma dependência crescente que, daí

por diante, impelirá uma formação socioeconômica em direção a

uma mudança estrutural, muitas vezes fundamental. Este

momento histórico é um momento crucial em que ocorre uma

mutação produzindo uma mudança qualitativa nas condições

previamente prevalecentes (SANTOS, 2003, p. 2001).

Portanto, essas novas formas servem enquanto impulsionadoras de um

reordenamento das interações espaciais e da dinâmica da sociedade no espaço, que

rompem com a regência do tempo ―natural‖ a favor de um tempo ―rápido‖, do qual o

capitalismo necessita (figura 1).

Figura 1: Lógica da circulação de mercadorias no espaço

Org.: Vitor Hélio P. Souza 2008.

Essa redução no tempo de reprodução do capital ocorre devido a um

aumento da fluidez conquistada com as revoluções logísticas, o que é de grande

interesse do capitalista, pois a circulação, tanto do fluxo real quanto do fluxo nominal,

ocorre através do dispêndio suplementar de capital que provem da indústria, para que

seja efetuada a circulação da mercadoria. Conforme Marx (2005), a circulação de

mercadorias no espaço (mobilidade geográfica do capital) é uma atividade que cria

valor e, por conseguinte, dessa atividade é extraída a mais-valia83

.

83

Logo, quanto maior a viscosidade presente no espaço (dificuldades para se realizar a fluidez como:

engarrafamentos, infraestruturas precárias, entre outros), haverá um maior custo de circulação.

Logo, para a reprodução do capital ser de modo eficiente, o planejamento

das atividades produtivas no espaço deverá ocorrer concomitantemente ao planejamento

dos transportes, pois ―quanto mais se torna o tempo de circulação igual a zero, ou mais

se aproxima de zero, tanto mais funciona o capital, tanto maiores se tornam sua

produtividade e a produção de mais valia‖ (MARX, 2005, p. 140).

Assim, os sistemas de engenharia, devido à evolução das necessidades que a

reprodução do capital demanda, geram uma constante ―substituição de funções já

existentes por outras mais ‗funcionais‘ em termos capitalistas, através da ação direta

sobre antigas formas que são extirpadas e substituídas por novas‖ (SANTOS, 2003,

p.189), como foi o caso da substituição do modal ferroviário pelo rodoviário e a nova

função adquirida pelas estradas de rodagem, que eram apenas utilizadas para transportes

de curtas distâncias.

Sendo assim, com a transição do complexo rural para o complexo industrial,

houve uma modificação nas relações sociais, que se dão neste contexto econômico,

assim como houve a necessidade de novas materializações no espaço, e coube às

infraestruturas de transportes, principalmente à rodovia, em conjunto com os grandes

projetos de desenvolvimento (Complexo Industrial e Pólo de Desenvolvimento),

desempenharem este papel, servindo à formação de um mercado regional e,

consecutivamente, nacional. Através da intensificação das relações entre os núcleos

urbanos, devido à ―circulação mais aberta e integradora‖ (LEISTER, 1980) que foi

possibilitada, ―(...) provocou uma modificação na própria estrutura comercial e na

organização das redes urbanas regionais‖ (BERNARDES apud GRACIANO, p. 84).

Tome-se como exemplo as cidades do Oeste Paulista que tiveram sua função

modificada, deixando de ser apenas espaços de produção de bens primários e tornando-

se também um mercado de bens de consumo em potencial. Tais modificações estão

imbricadas na questão da configuração de uma nova rede física (modal rodoviário), que

possibilitará, por sua vez, uma maior coesão da rede urbana84

, através da intensificação

das interações espaciais. Logo, o que se percebe é uma modificação no padrão dessas

―interações espaciais‖ nas últimas décadas. Poderíamos contextualizar dois principais

períodos:

No primeiro período, de 1940 a 1980, houve a tentativa de se viabilizar as

interações espaciais, em suas diversas escalas, pelo governo federal, através de

84

Pretendemos, nesta reflexão, demonstrar o caráter de complementaridade da malha rodoviária. Não há

pretensão de se atribuir à mesma enquanto única causa da coesão da rede urbana.

uma articulação entre infraestrutura e desenvolvimento da estrutura produtiva,

pois, como sabemos, as interações ocorrem somente quando surgem

complementaridades entre as cadeias produtivas de determinados espaços ou

quando há necessidade de intercâmbio de produtos inexistentes num desses

espaços e que não compense (ou não seja viável) a produção dos mesmos neste

espaço. Vale frisar que, conforme a ―lei de oportunidade mediadora de

Stouffer‖, a ligação entre pontos distantes, como ocorreu no país, não cria fluxos

exclusivamente entre estes pontos mais distantes, mas também entre os pontos

que se encontram distribuídos pelo seu trajeto. Admite-se, assim, uma redução

dos custos de sua instalação, através da realização de ―interações espaciais‖ em

diversas escalas.

No segundo período, a partir de 1980, com os planos pontuais de

desenvolvimento, como é o caso das APLs, há um novo padrão de interações

espaciais que necessitam também de complementaridade, porém esta tende a

ocorrer no nível intra-urbano, entre pequenas unidades produtivas. Logo, é

reduzida a tentativa de integração interurbana e regional, pois os APLs tendem a

direcionar seus produtos para o mercado externo. Já desponta, também, embora

ainda haja poucos estudos, a tendência de concentração de interações espaciais

em eixos, isto é, uma complementaridade que ocorre entre cidades relativamente

próximas, orientadas por um determinado modal rodoviário. Este cria uma

complementaridade que ocorre no âmbito das cadeias produtivas, mas também

em relação ao capital fixo (infraestrutura), que potencializa as interações

espaciais nessas áreas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após este percurso, deve-se destacar a criação de novos trechos de rodovias,

principalmente na década de 1970, além de uma opção, a partir da década de 1980, em

se investir na manutenção e na ampliação (ainda que reduzida) dos estoques de capitais

já existentes. Estes investimentos realizados, nas últimas décadas, não tiveram como

objetivo gerar externalidades positivas para as políticas de desenvolvimento regional,

mas suprir as exigências imediatas, principalmente de áreas com maior relevância

econômica, ou seja, demandas corporativas que buscam espaços cada vez mais fluídos

que ajam em conformidade com os interesses da reprodução cada vez mais eficiente do

capital.

Deve-se salientar que após 1980, com a nova Constituição Brasileira baseada no

―federalismo cooperativo‖, houve o abandono do projeto de desenvolvimento nacional,

planejado de modo global, e passou-se para um planejamento setorial, que ocorre muitas

vezes enquanto medidas paliativas e de curto prazo. Soma-se a este fato a

americanização da administração pública, que passa a atuar utilizando-se de técnicas da

administração privada, como, por exemplo, a opção pela administração gerencial, na

qual o Estado criou as ―Agências Reguladoras‖ (BERCOVICI, 2005).

Essa conjuntura dificulta a atuação do Estado enquanto planejador de um

espaço mais fluído e integrado no âmbito da Nação, pois com o atrelamento do

planejamento ao orçamento (conforme art. 165 da Constituição Federal de 1988), tende-

se a haver uma redução da efetividade do mesmo em detrimento dos moldes

orçamentais, na tentativa de se gerar ativos positivos. Sendo assim, torna-se mais viável

para o Estado realizar a manutenção dos estoques de capitais já existentes, que ocorre

naturalmente, através de tributos como ICMS85

e IPVA86

, os quais estão destinados à

manutenção do sistema rodoviário, além da opção pelas concessões, que criam um novo

tributo direto, qual seja, a taxa de pedágio.

Esta é baseada no pagamento imediato durante a utilização do serviço87

,

possibilitando reverter uma maior parcela de incentivos, por meio da isenção de

impostos a produtos de necessidade básica para as populações menos abastadas

economicamente. Já as áreas com menores fluxos e que se tornam menos atraentes à

iniciativa privada continuam tendo, como fonte de recursos para a manutenção de seus

fixos, os ativos de tributação indireta (ICMS e IPVA), dos quais o Estado continua

sendo o principal investidor.

85

É a principal fonte de receita dos Estados, sendo que 25% do produto arrecadado são distribuídos entre

os municípios, proporcionalmente ao movimento econômico, que é calculado através do Valor Adicional

Fiscal (VAF) do Estado (soma dos Valores Adicionados Fiscais dos municípios) dividido pelo VAF do

município que, por sua vez, é a somatória das receitas menos os custos das mercadorias produzidas pelas

empresas do município, constituindo-se em uma das principais fontes de receitas. 86

Imposto cobrado pelo Estado, sendo que 50% do valor do imposto pertencem ao município onde o

veículo se encontrar registrado, matriculado, emplacado ou licenciado. 87

Porém, ―conforme a Comissão de Monitoramento das Concessões do Estado de São Paulo, cerca de

18% da receita bruta das concessionárias serão devolvidos ao poder público através de impostos, o que

deve atingir, segundo as previsões das propostas, mais de 7 bilhões de Reais no final do período

concessivo. Assim, somando-se estes itens, ainda que numa conta exemplificativa, chegaríamos à

conclusão de que cerca de 36% do valor que se paga de pedágio vão para o Estado, ou seja, não são

usados diretamente para a manutenção das rodovias onde o pedágio foi cobrado, nem são parte do lucro

da concessionária‖ (BARELLA, 2003).

Essa descentralização do planejamento no nível da federação também deu

origem a uma disputa entre os entes federados pela instalação de novos

empreendimentos em seus territórios. Houve, assim, uma banalização da prática do

incentivo fiscal para a incorporação de novas atividades produtivas (guerra fiscal),

enquanto estratégia para o desenvolvimento territorial, de modo que esta se tornou

demasiada a ponto de se caracterizar uma ―renúncia fiscal‖ (incentivos fiscais

oferecidos pelo Estado ao setor privado sem critérios muito definidos). Sendo assim, as

vantagens comparativas (relativas ao espaço) são relativizadas em relação às vantagens

competitivas (economia de conhecimento), reafirmando-se o papel da região

concentrada, da macrometropolitana, da metropolitana e da metrópole enquanto efetiva

polarizadora da economia do país e dos estados federativos.

Destarte, após se percorrer alguns aspectos referentes aos planos de

desenvolvimento nacional e à importância do planejamento dos transportes, foi possível

demonstrar-se a simbiose que há entre ambos, sendo que a interação entre os mesmos

colabora para a integração e para a criação de um mercado doméstico brasileiro,

enquanto efetivação de uma relação de complementaridade (complementarity) entre

diversas áreas do país, embora na atualidade constate-se a opção por uma organização

dos sistemas de engenharia que, muitas vezes, nos remete a denominadas ―vias de

penetração‖. Estas são infraestruturas que têm o objetivo principal de promover

interações espaciais88

entre produção local e mercado consumidor estrangeiro (como foi

o caso do projeto dos Eixos de Desenvolvimento do governo FHC), deixando de lado a

promoção de infraestruturas que possam se configurar enquanto materialização de uma

rede de trocas que favoreça a ampliação do mercado doméstico brasileiro. Ampliam-se,

assim, cada vez mais, as disparidades inter-regionais do país.

Logo, devemos ter a lucidez de que, mesmo em meio à inexistência de uma

gestão descentralizada das unidades federativas, o planejamento dos sistemas de

engenharia não teve e nem nunca terá sua importância reduzida, pois o mesmo

estabelece-se enquanto uma das condições de produção primordial para a manutenção

do capitalismo. Espera-se, assim, maior clareza dos gestores públicos em

compreenderem que o planejamento das questões produtivas é intrínseco ao

ordenamento da fluidez do capital, a fim de que as políticas de governo ocorram com

maior cautela, sem se ceder ao imediatismo do lucro que o capital exige (demandas

88

As interações espaciais seriam um conjunto complexo de deslocamentos de pessoas, bens e

informações (CORRÊA, 1997).

corporativas), mas sim em função de uma gestão do território eficiente, que não seja

pensado enfaticamente pelas partes (unidades federativas), mas através do todo (Nação).

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