Walcemir Medeiros - Análise de Acórdão - Responsabilidade Pré-contratual (1)

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Responsabilidade pré-contratual

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- A,SA proprietria do prdio designado Fbrica Militar, deliberou vend-lo, anunciando a sua inteno a diversas sociedades d

Mestrado em Direito das EmpresasDisciplina: Direito dos Contratos ComerciaisProfessor: Doutor Manuel PitaAluno: Walcemir de Azevedo de Medeiros - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

AVALIAO CONTNUA

ANLISE DE ACRDO

RESPONSABILIDADE PR-CONTRATUAL

Anlise do Acrdo proferido pelo Supremo Tribunal de Justia em 18/11/2004, que teve como relator o Ministro Ferreira Giro, para fins de avaliao contnua da unidade curricular Direito dos Contratos Comerciais, ministrada pelo Professor Doutor Manuel Antnio Pita, no Mestrado em Direito das Empresas do ISCTE - IUL.

Lisboa, maro de 2014

I BREVE SINOPSE

I.1 A escolha do julgamento para anliseDentre os acrdos oferecidos para anlise, escolhi aquele com cuja soluo com a devida vnia no concordei totalmente. Trata-se do Acrdo STJ de 18/11/2004 (Ferreira Giro), que retrata julgamento de recurso de revista, interposto pelo autor da ao ao STJ, em virtude de ter o Tribunal da Relao de Lisboa concedido parcial provimento apelao das rs, reduzindo drasticamente a indenizao qual haviam sido condenadas na sentena de primeira instncia.I.2 Os fatos que geraram o litgioA (autor) e C (pai das rs) haviam celebrado contrato de arrendamento de imvel para habitao de A, o arrendatrio. C, o locador, no era proprietrio do imvel; era mero usufruturio, mas no informou essa condio ao locatrio A.Durante a vigncia do contrato, C veio a falecer. Com base na extino[footnoteRef:1] do usufruto pelo falecimento do usufruturio e na decorrente caducidade[footnoteRef:2] do contrato de arrendamento, RR, que so filhas de C e proprietrias do imvel, obtiveram xito em ao de despejo contra A. [1: Cdigo Civil, artigo 1.476.] [2: Cdigo Civil, artigo 298, 2, c/c 1051, 1, c.]

Para suprir as suas necessidades em matria de habitao, A comprou um imvel, recorrendo para tal a emprstimo bancrio. Foi, com isso, forado a uma despesa muito superior ao pagamento da renda devida pelo contrato que havia celebrado com C.I.3 A busca da tutela jurisdicional e o pedido de APor julgar-se prejudicado, A intentou ao de responsabilidade contra RR, herdeiras de C, na qual pleiteou indenizao patrimonial da ordem de 23 milhes de escudos, mais indenizao no patrimonial em valor de um milho e meio de escudos.

I.4 A contestao de RREm contestao, excepcionaram RR prescrio do direito do autor. Alegaram coisa julgada em decorrente de ao anterior entre as mesmas partes. Impugnaram, alm disso, verificao dos pressupostos do direito de A.I.5 O julgamento em primeira instnciaA primeira instncia considerou procedentes os pleitos de A, condenou RR ao pagamento de indenizao patrimonial e no-patrimonial. Fixou-se a indenizao no-patrimonial em 500 mil escudos, que equivaliam a pouco menos de 2.500 euros. A indenizao patrimonial foi decidida a liquidar, com limite de 24 milhes de escudos, que equivaliam a mais ou menos 120 mil euros, e que, afinal, correspondia ao valor pedido por A.Baseou-se o juzo de primeira instncia na chamada teoria da diferena, para assim determinar o valor da indenizao: (i) calculou-se o valor dos juros remuneratrios pagos e a serem pagos por A em virtude do emprstimo bancrio que fizera para comprar imvel para morada; (ii) calculou-se o valor da renda que teria sido paga por A se o contrato de arrendamento permanecesse eficaz; e (iii) fixou-se a indenizao no patrimonial em valor igual diferena dos dois valores (i) menos (ii).I.6 A apelao de RRDa sentena de primeira instncia apelaram as rs RR, mas no se conhece o contedo da apelao, pois nada trouxe a respeito o acrdo ora em anlise.I.7 O julgamento em segunda instnciaEssa sentena de primeira instncia foi depois revogada pelo Tribunal da Relao de Lisboa que, dando parcial provimento apelao interposta por RR, fixou a indenizao total ao valor das rendas que haviam sido pagas por A a C, que somava em torno de 3.500 Euros. Isso representou uma reduo de cerca de 97% da indenizao anterior. Disse o TRL estar aplicando equidade e proporcionalidade, fundamentando-se nos artigos 18, 2 e 19, 4 da Constituio da Repblica.I.8 O recurso de revistaIrresignado com a drstica reduo da indenizao, recorreu A ao STJ, alegando, em apertada sntese, que no era caso de aplicao de equidade ou proporcionalidade, mas sim da aplicao direta da chamada teoria da diferena, de modo que, segundo seu entender, deveria ser revogada a deciso do TRL e restabelecida a indenizao nos patamares daquilo que fora decidido em primeira instncia.Do acrdo da Relao, apenas A recorreu.I.9 O julgamento pelo STJO STJ concedeu a revista pedida por A e revogou o acrdo da Relao, de modo que subsistiu e tornou-se definitiva a sentena de primeira instncia: condenao de RR, herdeiras de C, ao pagamento de indenizao a A, por dano no patrimonial em 2.500 e indenizao por dano patrimonial a liquidar, com limite em 120.000. Considerou o STJ acertada a adoo, pela primeira instncia, daquilo que foi chamado de teoria da diferena, com o que foram comparadas duas situaes patrimoniais: a real situao presente de A com a situao em que o mesmo A estaria se o contrato de arrendamento no tivesse caducado e ainda estivesse em vigor.

II MINHAS ANOTAESII.1 Anlise do acrdo quanto forma de elaboraoAps enunciao do sumrio, seguiu o acrdo pelo relatrio, em que foram sucintamente enunciadas as questes a decidir. Exps em seguida os fundamentos e concluiu com a deciso, tudo conforme prescreve o artigo 713 do Cdigo de Processo Civil ento em vigor, aprovado pelo Decreto-Lei n. 44.129/1961, de 28 de dezembro.Como a matria de fato no foi impugnada e no era caso de sua alterao, limitou-se o acrdo a remeter para os termos da sentena na qual foi decidida aquela matria, tambm conforme determinava a lei (CPC/1961, 713, 6).

II.2 Anlise do acrdo quanto ao contedoII.2.1 Questo prviaNa contra-alegao ao recurso de revista, RR pediram absolvio ou reduo do valor da condenao imposta pelo tribunal a quo. Acontece que elas nem haviam recorrido daquela deciso, nem requerido ampliao do mbito do recurso (CPC/1961, 684-A), de modo que, esclareceu o STJ, a indenizao resultante da soluo da revista no poderia ser inferior j fixada (CPC/1961, 684, 4).No seguimento, o STJ considerou inconsequente o pedido formulado pelas RR e ordenou o desentranhamento das peas que haviam sido indevidamente inseridas pelas partes aps a contra-alegao, e que faziam meno ao tal pedido de absolvio ou reduo de valor.II.2.2 Obrigao de indenizar: enquadramento e breve referencial terico O cabimento da indenizao pleiteada por A no foi mais objeto do acrdo em anlise, pois j tinha sido definitivamente decidido em instncia a quo. As recorridas no haviam interposto recurso do acrdo do Tribunal da Relao, ento j era definitiva sua condenao ao pagamento de indenizao ao recorrido a ttulo de culpa in contrahendo, nos termos do artigo 227 do Cdigo Civil. Aps tal constatao, logo no comeo da anlise do objeto do recurso, define o acrdo a nica questo a ser dirimida no julgamento como sendo a fixao do montante da indenizao.J que o cabimento da indenizao no objeto do acrdo em anlise, vi necessidade de introduzir este tpico II.2.2 com o objetivo de esclarecer a incidncia da responsabilidade.O artigo 227, nomeadamente em seu n 1, refere-se ao dever de conduta segundo as regras da boa-f durante as negociaes preliminares e formao do contrato. Eventuais danos decorrentes da violao culposa do referido dever implicam reparao ao lesado, consoante mesmo artigo 227.Acontece que no caso em julgamento no mais havia contrato em formao. O contrato j tinha sido firmado. A j residia na casa arrendada por C. No entanto, o direito portugus reconhece que, para alm dos casos dos contratos no-concludos por violao do dever de boa-f, aplica-se tambm a responsabilidade pr-contratual aos casos de contratos j conclusos, vlidos ou no, eficazes ou no, que tragam vcios em sua formao.[footnoteRef:3] [3: ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos. 1. 2.ed. Coimbra, Almedina, 2003, p.175.]

No exerccio de seus direitos de usufruturio, certo que C poderia arrendar o imvel a A.[footnoteRef:4] Deixou, todavia, de informar a A sobre sua condio de mero usufruturio do imvel, quer-se dizer, ocultou uma causa de ineficcia que poderia levar caducidade do contrato, [footnoteRef:5] causa essa que conhecia, ou devia conhecer,[footnoteRef:6] de caducidade do arrendamento acaso cessassem seus direitos sobre o bem locado, como depois acabou ocorrendo. [4: Cdigo Civil, artigo 1446.] [5: Cdigo Civil, artigo 298, 2, c/c 1051, 1, c.] [6: OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Princpios de direito dos contratos. Coimbra, Coimbra, p.224.]

caso, portanto, de aplicao das regras de responsabilidade civil por fato ilcito, por culpa in contrahendo, no contratual, pois, sem presuno de culpa, cujo nus de incumbncia do lesado e que deve ser aferida nos moldes do artigo 487, 2 do Cdigo Civil. Segundo Ferreira de Almeida, No mbito da culpa in contrahendo, salientam-se certamente os deveres de informao, de lealdade e de sigilo.[footnoteRef:7] O dever de informao obriga prestao, pela parte, de toda a informao necessria formao do consenso da outra. Se C tivesse informado a A sua condio de usufruturio, A teria certamente formado opinio diversa sobre o negcio, de modo a recus-lo ou a firmar contrato noutros termos. Com a omisso da informao, C fez com que fosse gerada em A justificada confiana de que o contrato de arrendamento no estava propenso abrupta caducidade. Ao omitir essa informao de maneira a interferir na formao do consenso de A sobre o contrato de arrendamento, C deixou de proceder segundo as regras da boa-f conforme determina a lei. [7: ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos. 1. 2.ed. Coimbra, Almedina, 2003, p.176.]

Embora divirja em relao ao montante da indenizao fixada, o que abordarei mais frente, reputo correta, portanto, a condenao das RR, pelas instncias, a pagamento de indenizao pelos danos causados a A, com base em responsabilidade pr-contratual, nos moldes do artigo 227, 1 do Cdigo Civil, conforme quadro a seguir.ENQUADRAMENTO DA OBRIGAO DE INDENIZARNaturezaResponsabilidade pr-contratual, culpa in contrahendo. Incumprimento do dever de prestar informao relevante ao consenso da contraparte.

Fundamento legalArtigo 227, 1 do Cdigo Civil.

Sujeito ativoA, o locatrio.

Sujeito passivoRR, que so herdeiras de C, o locador.

Fato geradorOcultao por C, a A, de sua condio de usufruturio.

DanoSupresso da morada a A.

Nexo de causalidadeOcultao da informao por C >> justificada confiana em A >> assinatura do contrato de arrendamento >> extino do usufruto pelo falecimento de C >> caducidade do contrato de arrendamento >> supresso da morada a A.

Verificao do ilcitoIncumprimento do dever de informao, com violao ao dever de proceder de boa-f.

Verificao da culpaAo ocultar informao relevante formao do consenso de A, C deixou de agir como um bom pai de famlia. Prova: contrato sem meno a usufruto. [footnoteRef:8] [8: Cdigo Civil, artigo 487, 2.]

Montante da indenizaoFoi objeto do acrdo em anlise e ser apreciado na sequncia deste trabalho.

Embora seja caso de responsabilidade pr-contratual por dano de confiana, o bem tutelado no foi o interesse contratual negativo, como costuma ser nas situaes de responsabilidade pr-contratual, mas sim o positivo [footnoteRef:9], o que no parece ser muito comum na jurisprudncia. [9: A propsito, na mesma obra a seguir citada, j no volume 1, pg. 11, nota de rodap 28, penltima linha, Paulo Mota Pinto cita exatamente o acrdo ora em anlise como raro exemplo de tutela do interesse contratual positivo em casos de responsabilidade pr-contratual pela ineficcia ou invalidade do contrato.]

E tutelou-se o interesse contratual positivo porque o acrdo tencionou conferir ao lesado A condies financeiras para arcar com o arrendamento de morada, isto , o acrdo tendeu a reproduzir os efeitos da relao jurdica rompida pela caducidade do contrato de arrendamento, colocando o lesado, nas palavras de Paulo Mota Pinto, na situao que estaria que esse mesmo negcio (fosse eficaz) e tivesse sido cumprido. [footnoteRef:10] [10: PINTO, Paulo Mota. Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo. 2. Coimbra, Coimbra, 2008, p.1003.]

Acerca do interesse a ser protegido em casos de responsabilidade pr-contratual, tambm no h consenso na doutrina. Nuno Manuel Pinto Oliveira divide os casos de responsabilidade pr-contratual em duas situaes conforme a invalidade ou ineficcia seja atribuda por aquele a quem atribuda a situao de confiana, ou contra ele, para depois concluir que numa ou noutra situao, os danos indenizveis so apenas e s os danos compreendidos no interesse contratual negativo[footnoteRef:11]. Para esse autor, em qualquer das duas situaes, o lesado h-de ser colocado na situao em que estaria se o contrato no tivesse sido concludo. [11: OLIVEIRA, Nuno Manoel Pinto. Princpios de Direito dos Contratos. Coimbra, Coimbra, 2011, p.225.]

Em posio mais conciliadora, Carlos Ferreira de Almeida admite a existncia da outra corrente: Segundo uma outra opinio, minoritria na doutrina, todos os danos causados pelo fato ilcito so indenizveis, incluindo os danos correspondentes ao interesse contratual positivo. [footnoteRef:12] [12: ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos. 2 Ed. Coimbra, Almedina, 2003, p. 191.]

II.2.3 Obrigao de indenizar: determinao do montanteJ se disse, j era definitiva a condenao das RR, pelas instncias, ao pagamento de indenizao pelo dano causado a A. Logo, no litgio cuja soluo se buscava no STJ, no mais se discutia nem o cabimento da responsabilidade pelo dano, nem o cabimento da indenizao.Ainda em pauta, entretanto, a discusso sobre a fixao do montante, que A, com o recurso de revista, pretendia aumentar para os patamares que haviam sido fixados em sentena na primeira instncia, sentena essa que foi depois revogada pelo TRL.Ao fundamentar a soluo adotada, o STJ encampou a primeira deciso prolatada nos autos, fazendo aluso ao que teria sido feliz rigor com o qual o juiz de primeira instncia, baseado na chamada teoria da diferena e aplicado os artigos 562 e 566, 2, do Cdigo Civil, encontrou aquilo que teria sido o montante justo e adequado da indenizao.Considero acertada a revogao, pelo STJ, do acrdo proferido pelo TRL que, embora tenha reconhecido o dano sofrido por A e condenado RR ao pagamento da correspondente indenizao, revogou a sentena de primeira instncia com base em dispositivos constitucionais que no tm qualquer correlao com o caso em julgamento[footnoteRef:13]. Alm disso, o TRL havia fixado a indenizao no valor da totalidade das rendas pagas por A a C, o que tambm no tem qualquer plausibilidade.[footnoteRef:14] [13: Conforme bem destacado no acrdo aqui analisado, proferido pelo STJ, ao se referir ao acrdo da instncia anterior: Por um lado, no se vislumbra qual a conexo existente entre o caso dos autos e as normas constitucionais invocadas - n2 do artigo 18 (restries aos direitos, liberdades e garantias), n4 do artigo 19 (respeito do principio da proporcionalidade na opo pelo estado de stio ou pelo estado de emergncia) e n2 do artigo 26 (garantias contra a utilizao abusiva, ou contrria dignidade humana, de informaes relativas s pessoas e famlias.] [14: Possivelmente tenha tido o TRL a inteno de proteger o interesse contratual negativo, colocando A na posio que teria caso o contrato de arrendamento nunca tivesse existido, de modo que RR tivessem que devolver todo o valor pago por A no vigor do arrendamento. Se fora essa a inteno, teria tambm sido equivocada, porque o contrato de arrendamento firmado entre A e C era vlido e foi eficaz durante todo o tempo que antecedeu ao falecimento de C, quando caducou, de sorte que a renda que foi paga por A durante esse tempo teve sua contrapartida, que foi exatamente o uso do imvel por A, como sua morada.]

Tenho, todavia, entendimento diferente do Egrgio STJ quanto fixao do valor da indenizao, divergncia essa que, com todo o respeito, explanarei a seguir.II.2.4 Determinao do valor da indenizao: meu entendimento diferente quanto aplicao da lei pelo STJUm dos dispositivos legais em que se baseou o acrdo sob anlise o artigo 562 do Cdigo Civil, que traz o enunciado do princpio geral da obrigao de indenizao, segundo o qual Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situao que existiria se no se tivesse verificado o evento que obriga reparao.Essa situao a ser reconstituda, que como se fosse uma realidade virtual construda, que servir de referncia para que, em comparao com a situao do lesado aps o evento, seja fixado o montante da reparao. Encontrando-se a causa em litgio, do Tribunal a incumbncia de construir essa realidade virtual. Em se tratando de obrigao de natureza patrimonial, essa realidade virtual a ser construda pelo Tribunal representa a situao patrimonial X do lesado, acaso no tivesse sofrido a leso. Essa realidade virtual construda servir, pois, de minuendo, em uma operao de subtrao em que a situao patrimonial real Y do lesado (aps ter sofrido a leso) ser o subtraendo, e o resultado Z ser o montante da indenizao a ser paga.Em notao aritmtica: X - Y = ZEntretanto, no foi isso o que aconteceu. O Tribunal no se deu ao trabalho de construir a realidade virtual X. Ao invs de reconstituir a situao que existiria se no tivesse ocorrido o evento, que corresponderia, neste caso, a que A no tivesse sido suprimido de sua morada, e o contrato permanecesse vlido e eficaz,[footnoteRef:15] preferiu o Tribunal adotar a situao patrimonial real correspondente situao escolhida por A. E a situao real trazida por A foi a diminuio de seu patrimnio em decorrncia do pagamento de juros sobre o emprstimo bancrio por ele utilizado para compra de outro imvel para morar. [15: O que corresponde ao interesse contratual positivo, conforme j demonstrado no item IV.2 Enquadramento da obrigao.]

O Tribunal, portanto, ao invs, de construir a realidade virtual de no-leso, o que era de sua incumbncia, realidade virtual essa que no poderia ser diferente de uma situao de restabelecimento de contrato de arrendamento de morada para A, por meio de deciso judicial que obrigasse RR a entregar a A recursos necessrios que lhe proporcionassem residir em uma casa arrendada, compatvel com a anterior, preferiu o tribunal adotar a realidade escolhida pelo lesado, obrigando RR a pagar juros de emprstimo bancrio utilizado por A para compra de um imvel para si. Ento, embora tenha mencionado que estaria aplicando o artigo 562 do Cdigo Civil, o Tribunal, a rigor, no o aplicou.II.2.5 Determinao do valor da indenizao: meu entendimento diferente quanto natureza do bem que serviu de referncia monetria adotada pelo STJEm caso de incerteza sobre o valor exato do dano causado, o Cdigo Civil, no artigo 566, 3, prev o uso de equidade.Paradoxalmente, contudo, embora tenha tambm citado tal artigo como fundamento legal, foi nesse ponto que o STJ mais se afastou da aplicao da equidade.Diz aquele enunciado que se no puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Entendo, todavia, que a meno a dentro dos limites que tiver por provados no autoriza o Tribunal a mensurar o dano com uso de referncia baseada em bem de outra natureza, que no a natureza do bem atingido pelo dano, s porque o lesado trouxe para os autos prova da aquisio desse tal bem outra natureza, que neste caso foi o emprstimo. certo que a indenizao deva ser fixada em dinheiro sempre que a reconstituio natural no seja possvel. Mas o valor em dinheiro deve representar o bem que sofreu o dano e que precisa ser reposto. Explico: no uso da funo jurisdicional, deve o Estado usar de coercibilidade para forar o devedor de um balaio de batatas entregar ao credor, ou um balaio de batatas, ou o dinheiro equivalente a um balaio de batatas. O Estado no pode, s porque o credor do balaio de batatas provar o preo que pagou por um balaio de avels, forar o credor de batatas a pagar o dinheiro equivalente a um balaio de avels. Isso porque o referencial outro. Por tratar-se de outro referencial, o valor em dinheiro do balaio de avels no tem a mesma representatividade para as partes que o valor em dinheiro do balaio de batatas. Ento, sempre que o Estado forar o devedor de um balaio de batatas a entregar ao credor dinheiro correspondente a um balaio de avels, estar se afastando da necessria equidade com a qual deve tratar as partes, ainda que a nica prova apresentada pelo credor tenha sido o comprovativo do preo que pagou pelo balaio de avels.E foi exatamente isto que aconteceu nos autos cujo julgamento se analisa. Ao conformar-se extravagante interpretao que deu s palavras limites que teve por provados, o STJ adotou como referncia monetria valor de bem (emprstimo bancrio) de outra natureza, escolhido pelo credor da obrigao, que no o valor de bem (arrendamento de imvel) da mesma natureza daquele que sofreu o dano. Adotou o Tribunal como referencial monetrio o juro pago A ao banco, pelo emprstimo que fez. Mas, repita-se, o bem que A resolveu adquirir, emprstimo bancrio para compra de imvel, tem natureza completamente distinta daquilo que lhe foi suprimido, que foi uma morada arrendada. E o referencial, a expresso monetria do arrendamento que era pago por A no poderia ser diferente do valor do arrendamento do mesmo imvel ou de um imvel similar.A meu ver, deveria o Tribunal, em conformidade com o artigo 20, 4 da Constituio da Repblica[footnoteRef:16], e mesmo com o artigo 566, 3 do Cdigo Civil, ter efetivamente aplicado a equidade ao caso, e utilizado como referencial monetrio obviamente aps diminuio do valor da renda que era paga por A uma das alternativas a seguir, alguma delas certamente informadas nos autos: [16: Artigo 20. (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva) (. . .) 4. Todos tm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de deciso em prazo razovel e mediante processo equitativo.]

(a) Renda que RR eventualmente estivesse a receber, de outro locatrio, pelo arrendamento do imvel que era arrendado a A;(b) Renda de imvel de mesmo padro, situado na mesma vizinhana;(c) Renda de imvel de mesmo padro, situado em vizinhana de mesmo padro;(d) Atualizao monetria e adequao ao mercado do valor da renda que antes era paga por A a C;(e) Qualquer outro valor informado nos autos que tenha como referencial o valor da renda compatvel com o imvel locado.A inadequao do referencial utilizado pelo Tribunal e o absoluto afastamento da equidade ao julgamento fica bastante evidente simples anlise das informaes contidas nos autos ou de consenso comum, a saber:(i) fato notrio e de conhecimento geral que o valor anual da renda mdia pelos imveis urbanos em Portugal fica em torno de 4% do valor do imvel;(ii) O valor mensal da renda que era paga por A a C em 2000, 2001, 2002 e 2003 era por volta de 30, o que d 360 ao ano;(iii) 360 anuais em rendas indica, a princpio, imvel no valor de 9.000;(iv) Mas digamos que o valor da renda estivesse defasado do mercado, em razo de ser um contrato antigo. Digamos, exagerando, que o valor pago por A representasse apenas um dcimo do valor de mercado da renda para o imvel, de modo que seu valor de venda fosse, na realidade, 90.000.(v) Ainda assim, teria sido absolutamente desproporcional e totalmente afastada da realidade o estabelecimento do montante da indenizao de 120.000, porque representa valor at mesmo maior do que o valor do prprio imvel arrendado.E se o imvel arrendado condizia com o padro de vida de A, o que verossmil, A que descrito pelo prprio Tribunal como sendo pessoa de origem simples, pode-se concluir, com pouca margem de erro que, com o valor da indenizao fixada pelo STJ, seria possvel a A comprar imveis para morada em Portugal de padro comparvel ao que fora objeto do arrendamento.Ento, como resultado do julgamento, A obteve como indenizao patrimonial valor em dinheiro suficiente para comprar um imvel de mesmo padro ao que antes ocupava em arrendamento, o que, a meu ver, implicou enriquecimento indevido, gratuito, de A, conforme ser demonstrado no item seguinte.E esse enriquecimento gratuito aconteceu porque faltou equidade deciso do STJ, equidade essa que poderia ter sido aplicada a partir de elementos presentes nos autos ou facilmente obtidos a partir do poder geral de cautela. Em razo disso, pode-se afirmar que o STJ deixou de observar as normas veiculadas no artigo 20, 4 da Constituio da Repblica e no artigo 566, 3 do Cdigo Civil.II.2.6 Determinao do valor da indenizao: a constatao do enriquecimento gratuito de A como resultado do acrdo em anliseA partir do resultado do acrdo aqui analisado, imaginemos a seguinte situao hipottica:(a) Com o dinheiro da indenizao, A compra um outro imvel que, conforme j demonstrado, teria valor e padro compatvel com o imvel , que antes arrendara de C, e que hoje de propriedade de RR.(b) A arrenda a G esse o imvel .(c) A restabelece as relaes com RR e volta a firmar contrato de arrendamento do mesmo imvel , no qual volta a residir. Como os imveis e so de padro similar, ento de se supor que o valor da renda que A receba de G seja bastante aproximado ao valor da renda que tenha que pagar a RR.(d) Com o dinheiro do arrendamento que recebe de G, A paga RR pelo arrendamento do imvel .Nessa situao hipottica, convenhamos, plausvel, pode-se verificar a anomalia resultante do acrdo analisado: A residindo no imvel , isto , colocado na posio em que estaria se o contrato de arrendamento que firmara com C permanecesse eficaz e ainda, para alm disso, agraciado com o acrscimo patrimonial relativo ao imvel .

III CONCLUSESPor meio do processo cujo acrdo definitivo foi aqui analisado, apreciou-se e decidiu-se litgio referente responsabilidade civil pr-contratual por dano de confiana, com proteo ao interesse contratual positivo, eis que o acrdo definitivo tendeu a colocar o lesado na situao semelhante quela em que o contrato continuasse eficaz e fosse cumprido.Trata-se de entendimento minoritrio: em sua maioria, doutrina e jurisprudncia pregam proteo ao interesse contratual negativo e no ao interesse contratual positivo nos casos de responsabilidade pr-contratual.Na presente anlise, reputou-se acertado o acrdo quanto forma de elaborao.J quanto ao contedo, considerou-se como acertado o acrdo quanto imputao da responsabilidade, porm falho quanto fixao do valor da indenizao, por duas razes: (i) equvoco na aplicao da lei, por ter o STJ adotado como soluo do litgio a colocao do lesado na situao por ele escolhida, em detrimento da situao em que estaria se o contrato continuasse eficaz; e (ii) equvoco na recomposio patrimonial do lesado, por ter o Tribunal usado como referncia monetria o valor de um bem de natureza completamente diferente da natureza do bem que sofrera o dano. Entendemos, assim, que no foram observados tanto o artigo 20, 4 da Constituio da Repblica, como tambm o artigo 566, 3 do Cdigo Civil.Tal inobservncia gerou enriquecimento gratuito do autor. Isso porque, ao final, para alm de ter sido colocado na posio em que estaria se o contrato de arrendamento frustrado por caducidade continuasse eficaz, o autor teve acrscimo gratuito em seu patrimnio de valor bem prximo ao valor de um imvel de padro compatvel com o imvel que havia arrendado por meio do contrato cuja caducidade foi a causa do litgio.

Lisboa, 26 de maro de 2014

Walcemir de Azevedo de Medeiros(MDE7)

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

PITA, Manuel Antnio. Apontamentos sobre direito dos contratos comerciais. (Material oferecido aos alunos da turma MDE7 do curso de Mestrado em Direito das Empresas do ISCTE IUL).ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos. 1. 2.ed. Coimbra, Almedina, 2003, pg.175, 176 e 191.OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Princpios de direito dos contratos. Coimbra, Coimbra, pg. 224 e 225.PINTO, Paulo Mota. Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo. 2. Coimbra, Coimbra, 2008, p.1003.