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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP EDUARDO SILVA ALVES WHEREFORE ART THOU, JÂNIO? PERCEPÇÕES DE TIME MAGAZINE SOBRE O GOVERNO JÂNIO QUADROS 1958-1961 DOUTORADO EM HISTÓRIA SÃO PAULO 2013

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PPOONNTTIIFFÍÍCCIIAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE CCAATTÓÓLLIICCAA DDEE SSÃÃOO PPAAUULLOO

PPUUCC--SSPP

EDUARDO SILVA ALVES

WWHHEERREEFFOORREE AARRTT TTHHOOUU,, JJÂÂNNIIOO?? PERCEPÇÕES DE TIME MAGAZINE SOBRE O

GOVERNO JÂNIO QUADROS 1958-1961

DOUTORADO EM HISTÓRIA

SÃO PAULO

2013

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PPOONNTTIIFFÍÍCCIIAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE CCAATTÓÓLLIICCAA DDEE SSÃÃOO PPAAUULLOO

PPUUCC--SSPP

EDUARDO SILVA ALVES

WWHHEERREEFFOORREE AARRTT TTHHOOUU,, JJÂÂNNIIOO?? PERCEPÇÕES DE TIME MAGAZINE SOBRE O

GOVERNO JÂNIO QUADROS 1958-1961

DOUTORADO EM HISTÓRIA

TESE APRESENTADA À BANCA EXAMINADORA DA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO

PAULO, COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA

OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM HISTÓRIA

SOB A ORIENTAÇÃO DO PROF. DOUTOR ANTONIO

PEDRO TOTA.

SÃO PAULO

2013

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BANCA EXAMINADORA

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Para minha mãe, que me ensinou a ler e a escrever.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço ao meu orientador Profº Drº Antonio Pedro Tota pelas

observações, correções, revisão das minhas traduções e dicas preciosas para a realização desse

trabalho e sem as quais ele não seria possível.

Sou grato pelas orientações advindas das Bancas de Qualificação e Defesa.

Agradeço profundamente à CAPES pelo apoio financeiro.

Agradeço ao Professor Samuel Alves dos Santos, Dirigente Regional de Ensino da

DER-Sul 3, grande apoiador à formação e à continuidade acadêmica dos professores da rede

pública estadual.

A todos os amigos e amigas da Diretoria de Ensino Regional Sul 3 de São Paulo que

estiveram comigo nos últimos anos, em especial aos Diretores e PCNPs do Núcleo

Pedagógico.

Aos amigos Márcio Jean e Fabiana Fonseca pela revisão ortográfica.

Expresso minha profunda gratidão aos amigos e parceiros acadêmicos Anderson

Paiva, Ailton Laurentino, Herodes Cavalcante, Joel Santos de Abreu e Otacílio Marcondes

pelas preciosas conversas que tivemos.

O apoio da minha mãe, Dona Maria, do meu irmão André, da minha cunhada

Larissa e do meu sobrinho Pedrinho foram de suma importância e dispensam comentários.

Finalmente, agradeço a Arlete, terna companheira, esposa, eterna namorada,

intelectual discreta e que também alfabetizou os filhos, foi quem me acompanhou em tudo,

desde o início à conclusão do texto, além de compartilhar comigo a leitura, os anseios,

dilemas e alegrias que cercam trabalhos dessa natureza.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar uma das mais importantes revistas do

século XX: a Time Magazine. As investigações estão concentradas no discurso das

reportagens que realçavam a preocupação da revista com a ameaça comunista que pairava

sobre o Brasil entre os anos de 1958 e 1961, período que abrange a ascensão e a saída do

poder do ex-presidente Jânio Quadros. Defendemos que o ideário da revista, mundialmente

conhecido como “Século Americano” - criado pelo seu proprietário Henry Luce - estava

sendo confrontado na América Latina, em particular no Brasil, pelo avanço do comunismo e

das manifestações antiamericanas promovidas naquele contexto. Desse modo, a Time

Magazine, por meio de suas reportagens sobre o Brasil durante a gestão de Jânio Quadros,

apresentava um discurso analítico a respeito de nossa cultura, política e economia como

“arriscados” aos interesses norte-americanos. Esses riscos foram relacionados pela revista

Time à conturbada administração de Jânio Quadros, segundo a revista: um excêntrico.

O título desta tese “Wherefore Art Thou, Jânio?,” (Por que tu, Jânio?), inspirado em

uma de suas reportagens, ilustra a investigação que a revista Time promoveu em torno da

personalidade de Jânio Quadros. Inúmeros adjetivos, em sua maioria pejorativos, foram

sendo-lhe atribuídos a cada ofensiva que ele realizava contra a presença e a intervenção norte-

americana na America Latina.

Palavras-chave: Jânio Quadros, TIME Magazine, Século Americano.

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ABSTRACT

Our research aims to analyze one of the most important magazines of the twentieth

century: Time Magazine. The investigations focus on the discourse of reports that emphasized

the worry and discomfort of the magazine with the communist threat that hung over Brazil

between the years 1958 and 1961, a moment that covers the path of the rise and output power

of former President Quadros. We argue that the ideology of the magazine, known worldwide

as the "American Century" - created by its owner Henry Luce - was being confronted in Latin

America, particularly in Brazil, by the advance of communism and anti-American

demonstrations promoted that context. Thus, Time Magazine, through their reporting on

Brazil during the administration of Quadros, presented an analytical discourse about our

culture, politics and economy as "risky" to U.S. interests. Such risks were related to Time

Magazine troubled administration Quadros, according TIME: an eccentric.

The title of this thesis "Wherefore Art Thou, Jânio?" (Why thou Jânio?), Inspired

by one of his reports, research illustrates that the TIME Magazine 'organized around the

personality of Quadros. Several terms, mostly pejorative, were being attributed to each

offense he performed against the presence and U.S. intervention in Latin America.

Keywords: Jânio Quadros, TIME Magazine, American Century.

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Sumário

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 3

CAPÍTULO 1 .............................................................................................................................. 20

TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA .................................................................. 20

1.1 - TIME Magazine: uma proposta missionária .................................................................... 22

1.1.1 - Os arredores da Guerra .................................................................................................. 23 1.1.2 - A publicidade ................................................................................................................ 24 1.1.3 - As Missionárias e as Mercadoras .................................................................................. 26 1.1.4 - O amadorismo inicial .................................................................................................... 27 1.1.5 - O estilo e o método ....................................................................................................... 29

1.1.6 - Da morte de Britton Hadden à Fortune ......................................................................... 30 1.1.7 - TIME Inc. - Consolidação empresarial ......................................................................... 35

1.2 - Para além dos entrepostos: as cabeças de ponte ............................................................... 37

1.2.1 - Reorganização interna: TIME pós-1960 ....................................................................... 37 1.2.2 - Revistas versus Televisão ............................................................................................. 39

1.2.3 - As relações com o Kennedy .......................................................................................... 41

1.2.4 - TIME, Kennedy e o Vietnã ........................................................................................... 43

1.2.4 - TIME, Johnson e o Vietnã ............................................................................................ 45 1.2.5 - A morte de Henry Luce ................................................................................................. 47

1.3 - TIME Inc. pós-Henry Luce .............................................................................................. 49 1.3.1 - Donovan, Johnson e o Vietnã. ....................................................................................... 49

1.3.2- O novo cenário da concorrência ..................................................................................... 50

1.3.3 - O Século Americano ..................................................................................................... 51

1.3.4 - Comunicação para as massas ........................................................................................ 66

CAPÍTULO 2 .............................................................................................................................. 69 ESPECTROS DO ANTIAMERICANISMO LATINO-AMERICANO: 1958 – 1960 .............................. 69

2.1 - Nixon na Venezuela (1958).............................................................................................. 71

2.2 - A Operação Pan-americana (1958) .................................................................................. 75 2.3 - A Revolução Cubana (1959) ............................................................................................ 78

2.4 – Benvindo, Eekee! (1960) ................................................................................................. 81 2.5 – Jânio Quadros (1960) – O quinto espectro ...................................................................... 88

CAPÍTULO 3 .............................................................................................................................. 90 A CORRIDA PRESIDENCIAL DE 1960 ......................................................................................... 90

JÂNIO VEM AÍ! ......................................................................................................................... 90

3.1 – Antecedentes (Running Start) .......................................................................................... 91 3.2 – Antecipando a corrida ...................................................................................................... 96

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3.3 – Os candidatos ................................................................................................................. 100

3.4 – Cuba: uma viagem desastrosa........................................................................................ 104 3.5 - Qual Conservador ........................................................................................................... 107 3.6 - O Novo Presidente ......................................................................................................... 110 3.7 - Legado de infortúnios .................................................................................................... 115 Imagens – Capítulo 3 .............................................................................................................. 119

CAPÍTULO 4 ............................................................................................................................ 129 WHEREFORE ART THOU, JÂNIO? ........................................................................................... 129

4.1 - Onde estás tu, Jânio? ...................................................................................................... 130

4.2 - Jack & Jânio ................................................................................................................... 136 4.3 – Girando e Negociando ................................................................................................... 140 4.4 - Do insulto à injúria ......................................................................................................... 143

4.5 –A linha de Quadros ......................................................................................................... 148 4.6 – EUA aposta em Quadros .............................................................................................. 152 4.7 – Decisões temperamentais .............................................................................................. 156 4.8 - Olá, mas nenhuma ajuda ................................................................................................ 159

Imagens – capítulo 4 ............................................................................................................... 164

CAPÍTULO 5 ............................................................................................................................ 173 ONE MAN'S CUP OF COFFEE ................................................................................................. 173

5.1 – One Man’s cup of coffee ............................................................................................... 173

5.1.1 – O Lead introdutório .................................................................................................... 174 5.1.5 - Um jovem já velho ...................................................................................................... 180 5.1.8 - Projeto a projeto .......................................................................................................... 188

5.1.9 - Melindrosa Ameaça .................................................................................................... 190 5.2 - Quadros sai ..................................................................................................................... 193 Imagens do capítulo 5 ............................................................................................................. 201

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 207

REPORTAGENS CONSULTADAS .............................................................................................. 212

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 214

ANEXO: Texto original do Século Americano ..................................................................... 220

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INTRODUÇÃO

O final da década de 1950 foi marcado por eventos políticos e sociais que passaram a

integrar a agenda de preocupações dos norte-americanos. Eisenhower, em 1958, incumbiu

Nixon, seu vice-presidente, uma série de visitas à América Latina com o intuito de averiguar e

ao mesmo tempo apaziguar os ânimos exaltados das populações locais que se opunham a

interferência dos Estados Unidos em seus assuntos internos. Os resultados não foram

satisfatórios e tiveram como clímax os violentos ataques que Nixon sofreu em sua rápida

passagem pela Venezuela em 13 de maio de 1958. Retornando às pressas para Washington,

Nixon acabou sendo bem recebido e apoiado pelos seus compatriotas. No entanto,

Eisenhower e seu Departamento de Estado precisavam repensar a relação com os vizinhos do

Sul.

Pouco tempo depois do incidente com Nixon, em junho de 1958, o presidente

Juscelino Kubitschek lançava a proposta de uma Operação Pan-Americana. Tal proposta

defendia a tese de que a América Latina carecia de amplos recursos para o seu

desenvolvimento e progresso econômico e social. Tratava-se de uma crítica ao baixo

investimento na região que muito contribuía e pouco recebia. Desse modo, as manifestações

antiamericanas serviam como demonstração de que havia a presença ideológica de comunistas

em meio a grande população local. A proposta da Operação Pan-Americana serviu como um

termômetro de alerta para os Estados Unidos sobre as graves consequências que poderiam

advir da falta de investimentos na região.

Seis meses depois, em 01 de janeiro de 1959, Fidel Castro chegava ao poder em

Cuba, às portas dos Estados Unidos e confirmando as teses da Operação Pan-Americana.

Inicialmente tolerado e depois execrado pelos Estados Unidos, Fidel Castro alinhava-se a

URSS e dava início a um dos períodos mais agudos da Guerra Fria. Os olhares dos Estados

Unidos se voltavam para a América Latina.

Em novembro de 1959, tem-se no Brasil o despertar de um corpo estranho1, Jânio

Quadros candidatou-se pela aliança UDN-PTN (União Democrática Nacional e Partido

Trabalhista Nacional). A TIME passou a analisar de perto a sua personalidade, suas

inclinações e práticas políticas. Juscelino, que inicialmente havia sido tratado como uma

grande esperança para o Brasil pós-Getúlio (tido como um ditador pela TIME), começou a ser

muito criticado pela revista devido à sua política econômica inflacionária e pelo excesso de

1 SKIDMORE, Tomas. Brasil: de Getúlio a Castelo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000, p. 231.

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gastos em seu governo. Ainda candidato, Jânio Quadros passou a ser visto pela revista – da

mesma maneira que fora Juscelino no início – como a melhor alternativa para o Brasil.

Atribuindo de maneira amistosa a Jânio o perfil de um político austero e conservador, a TIME

marcou sua posição e não poupou ataques a dupla Lott-Goulart durante a campanha de

sucessão de 1960.

Em março de 1960, Eisenhower fez uma excursão pela América Latina e tinha o

Brasil em seu roteiro. O intuito das visitas era o mesmo de 1958, averiguar os ‘sintomas’ de

antiamericanismo na região e aproveitar a relativa credibilidade do presidente americano para

conter os ânimos locais e tentar estreitar laços de amizade e de ajuda mútua entre os países. A

cobertura que a TIME fez de sua visita ao Brasil foi descrita em termos calorosos, ao contrário

do que ocorreu na Argentina. Dentro desse período, Jânio, em campanha fez uma excursão

semelhante a de Eisenhower e incluiu Cuba em seu roteiro. Nos Estados Unidos, Kennedy

inicia a sua campanha.

Em outubro de 1960, a TIME cobriu as eleições no Brasil e manifestou surpresa

frente ao grande número de eleitores. O resultado histórico da vitória de Jânio com sua

expressiva votação foi registrado pela revista com certa desconfiança. Durante as suas

reportagens ‘investigativas’ a respeito da figura de Jânio, o candidato passava à revista alguns

sinais de interrogação em relação a sua política externa. Em seus discursos de campanha, as

falas de uma possível aproximação econômica com os países do bloco socialista, em

particular a URSS, desconfortavam TIME e, automaticamente, aos EUA.

Jânio foi o tema exclusivo das reportagens sobre o Brasil. Seu repentino

desaparecimento ao fim da eleição e suas misteriosas excursões pela Europa antes da posse,

em fins de janeiro de 1961, chamaram muito a atenção da revista.

Os primeiros seis meses de sua gestão foram suficientes para mudar a postura cética

da TIME em relação ao seu governo e a sua pessoa, a publicação partiu para o ataque. Sob a

luz da ambiguidade política, as ações, os gestos, as decisões e as falas de Jânio confundiam a

opinião da revista. TIME admitia a dificuldade em situar a posição política de Jânio Quadros.

Alguns elementos de comparação entre Kennedy e Jânio chegaram a ser traçados, visto que

ambos assumiam ao mesmo tempo o comando de seus países, além de serem tratados como

figuras jovens e promissoras. No caso de Jânio, a revista o distanciava gradualmente de

Kennedy e o deixava a meio caminho de Castro.

Em julho de 1961, Jânio Quadros foi a edição de capa da revista Time, cuja

reportagem de sete páginas realizava uma radiografia do Brasil e da política econômica de

Quadros. O Brasil, daquele contexto e sob aquela gestão, era apontado no discurso da revista

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como um imenso vácuo de poder. As suspeitas do risco de investimentos em um país cuja

política e economia eram geridas por pessoas ‘excêntricas’ revelavam o desconforto da

revista.

A saída de Jânio foi tratada do mesmo modo que os demais veículos de

comunicação: com imensa surpresa. A cobertura da vacância de Poder preocupavam TIME e

o governo dos EUA a respeito de uma ofensiva de esquerda. Jânio foi responsabilizado pela

revista devido à sua postura dúbia a frente do maior país da América Latina. Os interesses

norte-americanos, durante o período de Quadros no poder, estiveram em constante risco para

TIME. Uma dinâmica de investimentos que pudessem favorecer ao mesmo tempo a economia

do Brasil e a imagem norte-americana na região não pôde ser realizada de forma satisfatória,

graças à figura de Jânio Quadros.

Jânio Quadros e Henry Luce foram contemporâneos. Jânio negava-se a dar

entrevistas ao grupo Time-Life. Luce não demorou a responder-lhe o que realmente pensava a

seu respeito.

Henry Luce, fundador e proprietário da TIME, na edição da revista Life em 17 de

fevereiro de 1941, publicou que os Estados Unidos estariam assumindo uma posição de

liderança sobre as demais nações do mundo. Tal liderança se caracterizaria por meio da

difusão de um ideário de valores (norte-americanos) pautado em três esferas: política,

econômica e cultural. Os Estados Unidos seriam um modelo a ser seguido2. Henry Luce

anunciava aquilo que ficou amplamente conhecido como O Século Americano.

Os meios de comunicação teriam um papel fundamental na difusão desse

empreendimento. A TIME nasceu sob a luz desse propósito3. Seus fundadores, Britton

Hadden e Henry Luce, eram homens surgidos num contexto de projeção, crise e superação da

sociedade norte-americana, ou seja, vivenciaram a vitória dos Estados Unidos na Primeira

Guerra, sentiram as dores da crise de 1929 e acompanharam a superação econômica desse

país através do New Deal. Hadden faleceu de forma prematura no início de 1929. Luce,

sozinho, deu continuidade ao trabalho.

Henry Luce (um filho de missionários) era um porta-voz de um segmento específico

daquela sociedade cujos valores foram protocolados nas páginas de TIME. Conservadorismo,

protecionismo e perspectiva W.A.S.P. (White, Anglo-Saxon and Protestant) eram os signos

2 BAUGHMAN , James L., Henry R. Luce and the rise of the American News Media, Beltimore and London,

The John Hopkins University Press, 2001, p.129. 3 ELSON, Robert T. Time Inc. The intimate history of a Publishing Enterprise (1923-1941), New York,

Atheneum, 1968, p. 6-7.

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principais4. A articulação entre poder político, meios de comunicação e empresa capitalista

serviram de sustentação ao seu ideário.

O anúncio do Século Americano, em meados do século XX, também serviu como um

Outdoor da Guerra Fria. A URSS não anunciou um Século Soviético, porém deixou claro que

havia uma contradição na proposta de Henry Luce: que o seu “Século” estaria restrito aos

países do ocidente capitalista e que ela própria assumiria a explícita condição de ameaça a

esse “Século”.

A partir de 1950, uma nova seção de notícias foi criada dentro de Time Magazine,

separada da Seção World, surgia The Hemisphere. Se a URSS era vista como uma ameaça aos

países do ocidente capitalista, acabaria sendo tratada como um pesadelo quando o assunto

fosse a América Latina. As reportagens dessa seção carregam as tintas daquilo que ficou

conhecido como “paranoia” onde tudo que se via era vermelho, ou seja, comunista.5

Um dos fundamentos do imperialismo – e o dos EUA não foi diferente - se pauta na

expansão de suas fronteiras de forma deliberada. TIME percebeu e publicou de forma

recorrente a ameaça de uma invasão comunista para dentro de suas fronteiras – a revista temia

a possibilidade de ocorrer o processo inverso (haja vista as inúmeras fronteiras que os EUA

atravessaram, ou seja: suas intervenções).

Com exceção de Cuba, nunca houve, dentro do período aqui estudado, outro país

anexado pelo comunismo na América Latina. Todavia, houve formas tanto diretas quanto

indiretas de manifestações e ações que acentuavam tal ameaça. Em alguns países, por

exemplo, Venezuela e Argentina havia um forte antiamericanismo. A rejeição aos valores

americanos difundidos nesses espaços representou uma das mais desagradáveis críticas à

empresa e ao ideário de Henry Luce. Brizola, ao expropriar empresas americanas no Brasil,

personificou um dos mais ácidos críticos aos EUA. Em 1959, ele encampou a Cia de Energia

Rio Grandense (subsidiária da American & Foreign Power – Bond & Share) e em 1962

investiu contra a Companhia Telefônica Nacional (subsidiária da ITT). Time Magazine

execrou tais ações e passou a perseguir Brizola em suas publicações chamando-o de “O anti-

Yankee”.6

Observou-se nas reportagens pesquisadas a partir de 1958 a preocupação política e

4 CLURMAN, Richard M. Até o fim da Time: a sedução e conquista de um império da mídia. Rio de Janeiro,

Civilização Brasileira, 1996, p. 18. 5 TOTA, Antonio Pedro. Os Americanos. São Paulo, Contexto, 175-196.

6 Conforme as reportagens de Time Magazine: Brazil: Leader Wanted, 09-03-1962, (disponível em:

http://www.time.com/time/subscriber/article/0,33009,939955,00.html, último acesso em 02-02-2013); e Brazil:

Brizola Under Attack, de 19-07-1963 (disponível em:

http://www.time.com/time/subscriber/article/0,33009,896872,00.html, último acesso em 02-02-2013).

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econômica dos Estados Unidos em relação à América Latina. O hemisfério precisava ser

protegido e vigiado? TIME executou, ao seu modo, essa função. Por outro lado, o ideário

dessa revista tinha como referência as proposições políticas debatidas e difundidas pelo

Partido Republicano. A revista não promovia uma oposição violenta e irracional aos

democratas. Suas reportagens versavam sob uma crítica rigorosa em relação às políticas

econômicas estabelecidas pelo governo Kennedy. As propostas de ajuda econômica ao Brasil

de Jânio – debatidas pelo Departamento de Estado como necessárias à contenção do

comunismo7 - eram, para TIME, insuficientes.

O governo de Jânio Quadros, compreendido pela revista como problemático do

ponto de vista econômico e político, diminuía ao máximo as esperanças de contenção do

comunismo. Outro dado, anexo ao período aqui estudado, diz respeito à cultura brasileira. De

forma recorrente, TIME publicava reportagens com grande ênfase na violência do país, na sua

religião, nos altos índices de analfabetismo e na política irracional por aqueles que deveriam

representar o povo brasileiro. Tais reportagens ilustravam a crítica executada pela revista aos

investimentos feitos pela Aliança para o Progresso.

Se, de um lado, havia a grande preocupação com essa forma de investimento, do

outro estava a desconfiança com a figura do presidente Jânio Quadros. Excêntrico e

imprevisível foram alguns dos termos que TIME utilizou para representar seu governo e a sua

pessoa. Segundo essa revista, as suas medidas eram completamente arriscadas ao governo de

Washington.

De sua fundação, em 1923, até o início da década de 1960, TIME apresentou uma

dinâmica gradual em favor de seu ideário “messiânico”. O ano de 1941 pode ser considerado

como o ponto de aprofundamento desse ideário. Iniciava-se exatamente naquele ano sua

expansão pelo mundo. Suas edições chegavam aos principais países da América Latina. O

Brasil foi o primeiro país latino-americano a receber as suas revistas. De 1950 a 1970 temos a

etapa da vigilância caracterizada na seção The Hemisphere. Diante dos acontecimentos que

marcaram o contexto do início dos anos 1960, TIME passou a focar seus vizinhos latinos de

modo ainda mais atento. A partir de 1960 passa a ocorrer uma crescente atenção ao Brasil nas

páginas da revista. A partir desse ponto procuramos aprofundar nossa investigação. O

posicionamento de TIME é, além de difusor do ideário imperialista norte-americano, tutelar,

crítico, preocupado e decepcionado com o grande irmão do sul cujos políticos, condutores do

povo, eram personagens desastrosas no diálogo das relações internacionais.

7 SCHOULTS, Lars. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norte-americana em relação

à América Latina; tradução de Raul Fiker, Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 257.

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Não existe jornalismo imparcial. Negamos a existência de um jornalismo

comprometido com a objetividade dos fatos. Editores ditam o texto que deve ser publicado.

Do mesmo modo, tomamos como base a real existência de um vínculo intrínseco entre o

Poder e a Imprensa. O Poder, neste caso, refere-se tanto ao plano da política quanto dos

interesses de classe. Estabelecemos uma leitura crítica dos artigos e das reportagens de TIME

ao mesmo tempo em que discordamos de seus juízos de valor. Nessa perspectiva,

concordamos com Capelato de que a empresa jornalística está profundamente envolvida com

o poder ao ponto de tornar a notícia um objeto de consumo, segundo esta autora:

É preciso considerar, contudo, que a empresa jornalística coloca no mercado um

produto muito específico: a mercadoria política. Nesse tipo de negócio há dois

aspectos a se levar em conta – o público e o privado (o público relaciona-se ao

aspecto político; o privado ao empresarial).8

Os laços que unem a História e a Imprensa são muito fortes e, nesse sentido,

entendemos que é necessária cautela. De acordo com Capelato, a ótica burguesa distingue a

“boa” da “má” imprensa, sendo a primeira “bem comportada” e a segunda “ameaçadora dos

bons costumes”. Juntamente com essa autora, discordamos de uma estrutura e de um método

de análise radicalmente maniqueísta. Entendemos que é necessário considerarmos que

“qualquer tipo de imprensa é importante para o conhecimento de uma época”.9 Desse modo,

se faz necessária uma análise cautelosa em relação ao tipo de informação histórica publicada

pelos grupos dominantes (nos quais se inclui TIME) e cujo conteúdo produzido, muitas vezes,

acaba sendo transmitido no formato de uma história oficial. É do conhecimento acadêmico o

constante diálogo interdisciplinar entre jornalismo e história. A produção jornalística

empreendida por TIME infere na produção de um tipo de informação histórica produzida à

revelia dos personagens e povos citados.

Diante da difusão de opiniões e ideologias oriundas dos meios de comunicação, em

especial TIME, um conceito norteia este trabalho: Imperialismo. O imperialismo ao qual nos

referimos é o Imperialismo Sedutor do Professor Antonio Pedro Tota. Localizado

inicialmente no período da Segunda Guerra e difundido através da “Fábrica de Ideologias” de

Nelson Rockefeller, o Imperialismo Sedutor não desapareceu, mas reduziu discretamente a

sua atuação na América Latina durante a década de 1950 para reaparecer com uma nova

roupagem durante a primeira metade da década de 1960. Diante de um parceiro cotejado pelo

8 CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil, São Paulo, Contexto, 1988, p. 18.

9 Ibid., p. 28.

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comunismo, os Estados Unidos, através da ajuda econômica – a Aliança para o Progresso –,

tentou “conter” o avanço e a penetração comunista na região. A ferramenta não seria mais a

do entretenimento – muito utilizada no período de Guerra -, mas a da ação solidária cuja meta

era ultrapassar as Novas Fronteiras que delimitavam o Wilderness. Tais ações exemplificam a

nova face do Imperialismo Sedutor.

Nosso trabalho é tributário da linha teórica traçada por Peter Burke dentro do debate

da História Cultural. Este autor reconhece a dificuldade de se apresentar uma definição

precisa sobre “O que é História Cultural?”. No entanto, não se pode negar o fato de que se

trata de um método que renova as diversas maneiras de se estudar o passado. Dentro das

nossas limitações, entendemos que uma pesquisa orientada dentro dos pressupostos teórico-

metodológicos da História Cultural poderá dialogar com os conceitos de “Cultura”, “Práticas”

e “Representações” isentos de uma necessidade puramente materialista.

Nosso trabalho não parte de uma análise macro ou microeconômica dos fatos

analisados, muito menos de um debate aprofundado com a Teoria Política Contemporânea.

Das reportagens cujos temas versam sobre economia e política emana um significativo debate

acerca da nossa cultura e da maneira como a revista analisa a nossa cultura. Neste caso, no

lugar de uma análise do discurso político ou econômico de TIME sobre o Brasil, realizaremos

uma análise do discurso e das percepções da revista acerca da nossa cultura quando os

assuntos forem de ordem política e econômica.

Nossa proposta de utilizar as metodologias inspiradas pela História Cultural não tem

a presunção de desconsiderar ou mesmo ignorar as grandes correntes teóricas, em especial o

Marxismo. Acreditamos que é de suma importância um debate com o marxismo tendo em

vista uma produção interdisciplinar entre os dois campos.

Para ilustrar as questões acima - no intuito de justificar a nossa proposta -, tomamos

de empréstimo as observações e Peter Burke em relação ao próprio método marxista

“A própria abordagem marxista levanta problemas complicados. Ser um historiador

marxista da cultura é viver um paradoxo, se não uma contradição. Por que os

marxistas deveriam se preocupar com o que Marx descartou, por considerar uma

mera ‘superestrutura’”.10

O trecho acima ilustra uma crítica voltada para os marxistas de linhagem ortodoxa,

presos aos cânones da economia e que muito contribuiu para dificultar ainda mais a

10

BURKE, Peter. História Cultural, São Paulo, Jorge Zahar Editor, 2005, p 37.

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10

compreensão do marxismo. No entanto, houve historiadores marxistas que se preocuparam

com a superestrutura e favoreceram o debate interdisciplinar. O exemplo é trazido por Burke

ao citar “A Formação da Classe Operária Inglesa” de Thompson, tal obra é tida como “um

marco da História Cultural britânica.” 11

Apesar da grandeza desse empreendimento não lhe

faltaram críticas, ainda mais sendo estas críticas advindas dos próprios colegas marxistas que

chamaram o trabalho de Thompson de “culturalista”, ou seja, “por colocar ênfase nas

experiências e nas ideias, e não nas duras realidades econômicas, sociais e políticas. A reação

do autor foi criticar seus colegas pelo economicismo.” 12

Todavia, o que aqui propomos como um diálogo positivo (interdisciplinar) entre

História Cultural e os conceitos do marxismo foi visto como uma possibilidade de reavaliação

do método marxista feita pelos próprios marxistas, em particular os menos ortodoxos

(Thompson e Raymond Williams). Segundo Peter Burke, “a tensão entre culturalismo e

marxismo foi criativa, pelo menos na ocasião da publicação da “A Formação da Classe

Operária Inglesa”. 13

Houve um encorajamento para uma “crítica interna aos conceitos

marxistas centrais de uma fundação econômica e social, ou ‘base’, e uma ‘superestrutura’

cultural.” 14

Burke, ao citar Raymond Williams, diz que esse autor marxista, na ocasião da

publicação de Thompson, reconheceu que “a fórmula de base e superestrutura era ‘rígida’,

preferindo, deste modo, estudar o que passou a chamar de ‘relações entre elementos no modo

de vida como um todo.’15

Para Burke “um marxismo que dispensa as noções complementares

de base e superestrutura corre o risco de perder suas qualidades distintivas.”16

Conforme nos

ensina Burke, a História Cultural não é monopólio de historiadores, ela é multidisciplinar, ou

seja “...começa em diferentes lugares, diferentes departamentos na universidade – além de ser

praticada fora da academia (...).17

TIME alimentou o povo norte-americano (e o resto do mundo) com uma imagem

pitoresca dos povos do sul. Os fatos publicados são interpretações unilaterais sobre os

acontecimentos no Brasil dentro do período aqui estudado. A contextualização é

imprescindível para a análise do nosso objeto. Desse modo, executamos um intenso debate

11

BURKE, Peter. História Cultural, São Paulo, Jorge Zahar Editor, 2005, p 37. 12

BURKE, op cit., p 37. 13

Idem, Ibidem, p 37. 14

Ibid. 15

Ibid. 16

Ibid. 17

Ibid., p. 170

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entre as fontes por nós analisadas (as reportagens) e a bibliografia do contexto. Durante o

processo de edição, inúmeras informações foram omitidas do corpo das reportagens, e tais

omissões demonstraram o que interessava e o que não interessava à revista. Nessa estratégia

de seleção de fatos e acontecimentos, ora mantendo determinado assunto, ora omitindo, está o

posicionamento ideológico da revista. Sabemos que nem toda bibliografia poderá responder

pela verdade dos acontecimentos, haja vista que um livro que aborda o mesmo assunto

também tem seu posicionamento diante dos fatos analisados. Uma revista é um tipo específico

de arquivo, sempre bem organizado e contendo o acervo de informações selecionadas e

arquivadas em suas páginas ao gosto dos seus editores.

Tomamos como questões norteadoras em nosso estudo: para quem, quando, como, e

por quem foi produzido o material aqui analisado. Diante desse quadro, pudemos constatar a

grande importância que TIME detém frente à política e a economia dos Estados Unidos e, do

mesmo modo, agindo como formadora de opinião dentro de uma sociedade que vivia a

paranoia do comunismo. A maneira como TIME se posicionou é evidenciada ao longo dos

seus textos.

Quais foram os responsáveis pela produção e veiculação daquelas informações?

Henry Luce produziu, gerenciou e encaminhou a revista dentro de uma esfera de

atuação crescente no mundo capitalista. Ele criou, adquiriu e transformou outras revistas e as

foi anexando a partir dos anos 1930. Fortune, Archetetural Forum, Life são algumas dessas

representantes. Luce representava o americano típico: protestante, liberal e anticomunista.

Qual a finalidade de se produzir essas reportagens?

Por meio de suas revistas, em específico TIME, Luce, a partir de 1941, apenas

ratificaria aquilo que já vinha desenvolvendo há vinte anos e que daquele momento em diante

ganharia ainda mais força. A importância que a revista conquistava dentro do mercado

americano e depois para o mundo foi acompanhada por uma imensa gama de anunciantes que

disputavam um precioso espaço em suas páginas. Neste ponto, imprensa e empresa se

articulavam com a esfera política, formando assim um tripé de Poder. Dessa forma confluem

ideias e opiniões advindas dos grupos sociais mais abastados e que, dentro de suas ambições,

difundiam tanto os seus interesses privados quanto o enorme leque de valores culturais e

ideológicos. Tais valores, em sua maioria, advindos do seio do Partido Republicano, eram

ratificados pela empresa de Luce.

Para quem estariam destinadas essas informações?

Inicialmente, a difusão dessas ideias se voltava para o público americano. Logo em

seguida se difundiam pelo mundo. Em 1941, com a consolidação de Time Inc., novos

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entrepostos foram abertos. A revista passou a ser distribuída nos principais países da América

Latina, porém suas edições continuaram no idioma inglês - portanto o alvo não era

especificamente o público local, mas àqueles que dominavam a língua inglesa. O mesmo

aconteceu com as edições que chegavam à Europa logo após a Segunda Guerra mundial. A

revista falava em nome dos Estados Unidos em relação aos outros. Eram “eles” que apareciam

em seus artigos. TIME escrevia na seção The Hemisphere sobre “eles”, os “outros”, para o

público americano em geral como também para o público do mundo de língua inglesa.

Uma pesquisa realizada em 1968 pelo jornalista Louis Harris e encomendada por

TIME com o título de “O julgamento do Quarto Poder”, teve como objetivo saber o que os

americanos pensavam de sua imprensa. No caso de TIME, foi diagnosticado que a revista “era

uma publicação familiar a cinco americanos entre dez; 77% de seus leitores tinham formação

universitária e 42% de seus leitores manifestavam confiança nela.”18

Tratava-se de um

veículo de comunicação muito lido pela maioria dos americanos. O leitor, enquanto

consumidor, também age como difusor de ideias previamente estabelecidas. Esse público foi

nutrido com informações editadas pela revista acerca dos principais fatos que aconteciam no

Brasil. Tais informações foram transmitidas e passaram a integrar o imaginário norte-

americano a partir do momento em que eram lidas e debatidas entre esse público. Outro fator

que contribuiu para a permanência de juízos produzidos acerca do “outro” é o fato que, uma

vez publicada, consumida e difundida, a informação raramente – ou jamais! - voltaria a ser

retificada (erratas não foram encontradas dentro do contexto pesquisado). Aquilo que foi

publicado não seria mais alterado. Por trás dessa questão está o fato de que, por se tratar de

uma publicação frequente, o acúmulo de edições acaba sobrepondo um assunto ao outro não

dando margem à retomada daquilo que foi publicado. O leitor passava a ser constantemente

atualizado não apenas com o fato, mas também com o ideário que era difundido pela revista.

Sob quais condições eram produzidas as reportagens?

A empresa de Henry Luce, após 1940, mudou-se para Nova York. As condições

iniciais para a prensagem da revista não eram das mais apropriadas. Com o tempo, revistas

como TIME ao lado de Life, foram sendo produzidas com equipamentos de última geração.

Os investimentos em tecnologia de ponta sempre foram um vetor nos planos de Luce. As

filiais se espalhavam pelo mundo promovendo não apenas a abertura de novos escritórios,

mas também novas unidades de prensagem. No caso latino-americano, Time Inc. associou-se

a outras empresas de comunicação (Globo, Abril/Civita) e utilizou lado a lado as suas

18

BOURBAGE, R., KASPI A. & CAZEMANJOU, C. Os Meios de Comunicação nos Estados Unidos. Rio de

Janeiro, Agir, 1973, p. 172-173

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13

unidades de prensagem.19

Por quem as reportagens eram redigidas?

Com os seus escritórios espalhados pelo mundo, Time Inc. empregou inúmeros

jornalistas, fotógrafos, equipes de produção para os mais diversos eventos políticos, culturais

e econômicos. Nesse sentido, uma personagem ganha destaque: o correspondente. Todos os

repórteres associados ao redor do mundo encaminhavam seus textos para o escritório central.

Lá estava Henry Luce e sua equipe de rewriters (revisores ou reescrevedores) para dar o

formato final ao texto transmitido. Houve casos de correspondentes da própria TIME que

protestaram contra esse método, por exemplo seu correspondente de guerra no Vietnã, Carlos

Mohr (ver capítulo 1). No caso brasileiro, Jayme Dantas, contratado de TIME e um dos

fundadores do Jornal Nacional, cobriu e transmitiu textos sobre os principais acontecimentos

do país em seu período mais conturbado. Dantas não estava sozinho. Trabalhou em conjunto

com outros repórteres norte-americanos no Rio de Janeiro, local no qual estava alocado o

escritório de TIME no Brasil. Dantas cobriu da janela desse escritório, situado na Avenida Rio

Branco, as manifestações do povo nas ruas no momento do Golpe de 1964.20

As matérias sobre o Brasil, dentro do nosso corte temporal, continham um relativo

acervo de fotos e revelavam aquilo que podemos chamar de o "olho" de TIME em relação ao

Brasil da década de 1960. Dois fotógrafos atuaram nesse período e foram os responsáveis

diretos pelas imagens que apareceram nas reportagens analisadas, foram: Paulo Muniz e

David Drew Zingg. No intuito de contribuir com a área do fotojornalismo, haja vista a

escassez de material a respeito desses fotógrafos, faremos abaixo, um excurso biográfico de

ambos.

Paulo Muniz (1918-1994) foi um dos principais fotógrafos jornalísticos do Brasil

durante quarenta anos. Há pouquíssimos registros biográficos a seu respeito. Na maior parte

de sua carreira, trabalhou como free-lance não apenas para a TIME, Life e Fortune, mas

fotografou também pela Ebony Magazine, New York Times, Womans Wear Daily, Business

Week e ainda para as agências United Press, Black Satar e Associated Press. Segundo

Fabrício Cavalcante21

, “no Brasil, ele foi responsável por várias capas da Radiolândia,

19

CALMON, João. O livro negro da invasão branca. Rio de Janeiro, Edições O Cruzeiro, 1966 20

ALVES, Eduardo Silva. O Adeus a Jango. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, 2008, p. 65 21

Mestrando do PPG em Ciência da Arte (PPGCA/UFF), Especialista em Artes Plásticas e Contemporaneidade

(UEMG) e Bacharel em Artes Plásticas (UEMG). Atua como fotógrafo profissional e produtor cultural desde

1998. Atualmente é professor do Ateliê da Imagem e pesquisador da arqueologia contemporânea no sítio urbano.

(http://www.ateliedaimagem.com.br/index1.php - acessado em 05/06/2011); As informações sobre o fotógrafo

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Cinelândia, Revista da Globo, além de várias fotos de publicidade.”22

Fotografou “Ava

Gardner, Gina Lollobrígida, Brigitte Bardot, Myléne Demongeot e Juliete Greco - musa do

filósofo Jean Paul Sartre e do existencialismo - Luz Del Fuego, Odete Lara, Leila Diniz, entre

outras beldades. Além de Mário Cravo Jr., Gilberto Freire, Jorge Amado, Carybé. Só para

citar algumas expressões da cultura brasileira.”23

Políticos de renome também passaram por

suas lentes, foi o caso de Harry Truman, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, Jânio

Quadros, João Goulart, Castelo Branco e Costa e Silva (...) Conta-se que “Jânio Quadros, um

político controvertido, não gostava, especialmente, da Time Life, tanto que não posou para a

capa da revista por ocasião da sua posse.”24

Um dos seus primeiros grandes trabalhos foi

acompanhar e fotografar o processo de construção da cidade de Brasília. Paulo Muniz “foi

hóspede do Catetinho, e tinha um excelente trânsito com Juscelino Kubitschek e toda sua

equipe. Da inauguração da capital federal, a Time-Life publicou quatro páginas de fotos

coloridas – todas de Paulo Muniz - mais duas de texto, em 25 de abril de 1960”.25

Além da

sua ligação em nível free-lance com a empresa de Henry Luce, Muniz tinha como estilo

fotografar as transformações urbanas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, além “do

retrato do progresso que se dilatava pelo território nacional, também são marcos

determinantes do seu trabalho.”26

As fotos do período aqui estudado trazem essa preocupação

do fotógrafo.

Líder da equipe de fotógrafos free-lancers contratada por TIME, David Drew Zingg

foi uma referência para a maioria dos grandes fotógrafos jornalísticos do mundo e possuía um

currículo invejável com participação nas principais revistas de seu tempo. Nascido na cidade

Montclair, New Jersey, em 1923, estudou na Universidade de “Columbia, na cidade de Nova

York, onde anos mais tarde deu aulas de Jornalismo.”27

Durante a Segunda Guerra foi

voluntário para a Força Aérea Americana e trabalhou na redação da NBC e, após o conflito

tornou-se correspondente de guerra, na França e Alemanha, para a Rádio do Serviço Militar.28

Após esse período, Zingg retorna à Nova York como editor e repórter da Time Inc., atuando

Paulo Muniz foram extraídas por Fabrício Cavalcanti da reportagem de capa do jornal Paparazzi, de julho de

1993, nº 18, e obtidas em conversas informais com a família. 22

http://www.uff.br/gambiarra/dossie/0001_2008/paulomuniz/ (Acessado em 05/06/2011) - Revista Eletrônica

dos alunos da Universidade Federal Fluminense. 23

Ibid 24

Ibid 25

Ibid 26

Ibid 27

Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de

1961 28

Ibid

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diretamente com as revistas Look e Life.

Fernando Arellano/AE

David Drew Zingg (1923-2000)

Na década de 1950 Zingg opta definitivamente pela carreira de free-lance, isto é,

torna-se um profissional autônomo com razão social própria e prestando serviços sob contrato

com grandes empresas. No caso de Zingg, os contratos que estabeleceu com Time Inc. - entre

outras - proporcionou-lhe a segurança financeira necessária para correr o mundo com sua

Nikon.29

Sua produção iconográfica esteve presente nas grandes publicações das revistas

Look, Life, Esquire, Show, Town and Country, CG, Sports Illustrated, Vogue, Interview, El

Paseante, Zoom, Modern Photography, Popular Photography, New York Times, London

Sunday Telegraph e The Observer.30

Dentre as celebridades fotografadas, destacam-se “John

Kennedy, Winston Churchill, Che Guevara, Marcel Duchamp, Lawrence Durrell, Louis

Armstrong, Duke Ellington, Bobby Short e Ella Fitzgerald. Muitos deles se tornaram seus

amigos.”31

Seu primeiro contato com o Brasil foi em 1959 ao desembarcar no Rio de Janeiro

como membro da equipe do Veleiro Ondine para uma corrida oceânica entre o Rio e Buenos

Aires. Sua participação se deu não apenas como corredor, mas também foi um dos

fotojornalistas responsáveis pela cobertura do evento realizado pelas revistas de Henry Luce,

Life e Sports Illustrated.32

Encantado pelo Brasil, decidiu estabelecer uma frequente ponte-

29

Câmera japonesa utilizada pela maioria dos fotógrafos dos anos 1950 e 1960. 30

Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de

1961 31

Ibid 32

Ibid

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aérea entre Nova York e Rio de Janeiro fazendo coberturas dos mais diversos assuntos

nacionais, dentre os quais a construção de Brasília cujo material fotográfico percorreu as

principais publicações periódicas dos Estados Unidos e da Inglaterra.33

Em Dezembro de 1964, primeiro ano da ditadura militar no Brasil, Zingg decidiu vir

morar no país. Após um curto período no Copacabana Palace, mudou-se para uma das casas

de seu amigo, o arquiteto Sérgio Bernardes. Desse momento em diante, com residência fixa

no Rio de Janeiro, passou a trabalhar “para a revista Manchete, além de fotografar vários

filmes do Cinema Novo. Num curto período de tempo, Roberto Civita convidou-o para

tornar-se parte do time que estava produzindo uma revista mensal inovadora: Realidade.”34

Mais adiante também contribui com as revistas Manchete, Playboy, VIP, Veja, Claudia, Elle,

Quatro Rodas, Status, IstoÉ, Fotoptica, Iris e Ícaro. Suas fotos também apareceram em

jornais de grande circulação como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde,

Jornal do Brasil, O Globo e Zero Hora.

Zingg em 1984 publicou um de seus mais importantes livros Mato Grosso –

Fronteiras, com imagens do Pantanal. Um dado biográfico que marca o lado irreverente de

Zingg foi justamente a sua participação na banda Joelho de Porco, que venceu o prêmio de

melhor letra do Festival dos Festivais da TV Globo em (1985), por "A Última Voz do Brasil".

Entre 1987 e janeiro de 2000 na Folha de São Paulo criou o personagem Tio Dave, numa

auto-referência.35

David Drew Zingg faleceu em 28 de julho de 2000 em São Paulo, vítima de

falência múltipla dos órgãos.

Todas as fotos do período analisado nesta tese foram tiradas pela dupla citada.

A pesquisa com TIME Magazine permanece inédita no Brasil e não foram

localizados trabalhos acadêmicos que versem sobre o tema além do que já foi desenvolvido

em nossa dissertação de mestrado. Uma bibliografia em português que trate sobre a história da

TIME inexiste. O que encontramos são rápidas referências em livros que abordam a história

dos meios de comunicação nos Estados Unidos como os clássicos Kaspi & Bourbage (Os

Meios de Comunicação nos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Agir, 1974), John Tabbel (Os

Meios de Comunicação nos Estados Unidos, São Paulo, Cutrix, 1977) e Erwin Emery

(História da Imprensa dos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Lidador, 1964). A situação

33

Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de

1961 34

Ibid 35

http://www.terra.com.br/istoegente/53/tributo/ - acessado em 05/06/2011

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também não muda no caso de uma bibliografia atualizada sobre o mesmo assunto. Um

exemplo específico pode ser encontrado no livro de um ex-editor da Time, Robert Clurman,

em seu Até o Fim da Time (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996). O livro de Clurman

oferece um espaço muito curto acerca da trajetória histórica da revista. Suas análises se

concentram, de maneira romanceada, destacando a fusão com a Warner, da qual resulta a

atual Time-Warner.

Para suprir essa dificuldade foi necessário recorrer às publicações em inglês, cenário

no qual apresenta uma satisfatória bibliografia sobre a história da revista Time. Foram

utilizadas para estruturar o capítulo 1, no qual trabalhamos com a construção histórica e

conceitual de Time, dois autores tidos como referências máximas no assunto: Robert T. Elson,

Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1923-1941), (Nova York,

Atheneum, 1968); Robert T. Elson, Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise

(1941-1960), (Nova York, Atheneum, 1968) e Curtius Prendergast. The World of Time Inc –

The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980), (New York, Athenum,

1986). Os três volumes são reconhecidos pela maioria dos analistas do assunto como

portadores da história oficial da revista. Esses autores foram funcionários da Time Inc., e bem

próximos de Henry Luce. Outro importante livro, e que compõe as análises ditas 'de dentro',

Roosevelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper & Row,

1985) de Hedley Donovan, autor e ex-editor chefe da revista Time e sucessor direto de Luce

após sua morte em 1967. Donovan apresenta um relato pessoal e histórico de sua experiência

como profissional com todos os presidentes dos Estados Unidos desde Roosevelt até Ronald

Reagan.

As visões 'de fora' e com análises imparciais e críticas puderam ser coletadas nos

livros de Theodore Peterson, Magazines in the Twentieth Century, (Urbana: University of

Illinois Press, 1965), considerado um dos mais importantes historiadores dos periódicos

norte-americanos; James L. Baughman, Henry Luce and the Rise of the American News

Media (Baltimore and London. The John Hopkins University Press, 2001), sendo a mais

recente a atualizada biografia de Henry Luce; David Abrahamson, Magazine-Made America:

The Cultural Transfomation of the Postwar Periodical (Cresskill, N. J.: Hampton Press,

1995), importante livro que aborda os efeitos de Time Magazine na cultura e nos norte-

americanos.

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A bibliografia sobre o tema Jânio Quadros é tributária dos trabalhos de fôlego

realizados por Vera Lucia Chaia, Carlos Alberto Leite Barbosa e Maria Vitória Benevides.

Tais autores produziram textos significativos sobre o governo de Jânio e, conforme a

orientação dessa tese, são referências obrigatórias para qualquer trabalho que verse sobre o

assunto. Outros autores, tais como Skidmore, Carone, Holanda, Bandeira, Tota e Junqueira

deram suporte para o assunto aqui tratado.

A fonte primária é a própria revista Time. Não foi necessário consultá-la em arquivos

ou acervos particulares. Graças a uma doação feita pela PUCSP detemos praticamente todos

os números publicados entre os anos de 1950-2002. Do mesmo modo, também fizemos o uso

digital da revista disponível no site www.time.com no qual temos acesso a todas as

reportagens desde 1923, visto que somos assinantes.

No capítulo 1, intitulado, Time Magazine: Uma proposta Missionária, ousamos fazer

a biografia da revista TIME. É inevitável fazer a história da revista separada da história dos

seus fundadores. A história da revista é inerente à história de vida de Henry Luce, um dos

seus fundadores. Serão apresentados os principais fatos que marcaram a trajetória empresarial

da revista de 1923 a 1967. Também anexaremos o texto central que trata do Século

Americano, ideário norteador da proposta ideológica da revista. Por se tratar de um capítulo

descritivo, ressaltamos a importância de se observar o grande nível de envolvimento político

entre TIME, o governo dos Estados Unidos e o Departamento de Estado, principalmente no

período que abrange nossa pesquisa. Defenderemos ao longo desse trabalho que TIME, ao

mesmo tempo em que difundia a ideologia do Século Americano pelo mundo, também tinha

forte presença naquele governo.

No capítulo dois, Espectros do antiamericanismo latino-americano, analisaremos o

contexto histórico latino americano entre os anos de 1958 e 1960. Concentramos a discussão

em cinco manifestações que interpretamos como antiamericanas. Defenderemos que

manifestações daquela natureza eram frontais à ideologia da revista. Nominamos de espectros

do antiamericanismo os protestos contra Nixon na Venezuela, a Operação Pan-americana de

Juscelino, a Revolução de Cuba e a ascensão de Jânio Quadros ao cenário da política nacional

e internacional. A visita de Eisenhower será analisada no intuito de demonstrar como se

davam as ações de vigilância dos Estados Unidos no continente em meio aos espectros anti-

EUA. O texto prepara a abordagem que será feita de Jânio Quadros e seu governo nos demais

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19

capítulos.

No capítulo 3, A corrida presidencial de 1960: Jânio vem aí!, analisaremos as

reportagens que cobrem desde os antecedentes da candidatura de Jânio (1959) até as primeiras

manifestações públicas após a sua histórica vitória nas urnas em 1960. O capítulo se concentra

no discurso que TIME produziu acerca da personalidade enigmática de Quadros. Procuramos

demonstrar que já havia uma preocupação preliminar da revista em relação aos candidatos,

em particular Jânio. Do mesmo modo, apontaremos que também era presente a vigilância

política do Departamento de Estado. Apresentaremos a maneira de como TIME passou a

ocupar-se do perfil pessoal e político de Jânio, principalmente na sua proposta de uma política

externa independente, fato que passaria a incomodar a revista durante o ano seguinte, ou seja,

1961.

O capítulo 4, Wherefore Art Thou, Jânio?, analisa as reportagens publicadas sobre

Jânio Quadros durante os seus primeiros seis meses na presidência. Apresentaremos a

construção gradual e radical do perfil de Jânio dentro dos moldes que TIME articulava. A

proposta de investigar os detalhes sobre a personalidade de Quadros, serviu para que a revista

consolidasse sua opinião sobre aquele político, que ao seu entender era controverso e,

mediante atitudes surpreendentes, apenas reforçava a imagem de ameaça aos interesses norte-

americanos, aliás, ao Século Americano.

No capítulo 5, One Man's Cup Of Coffee, faremos a tradução e uma breve análise

descritiva da matéria de capa da edição de 30 de junho de 1961, na qual Jânio foi o grande

destaque. Reproduziremos a matéria em sua íntegra e intercalaremos comentários pontuais,

haja vista que a reportagem, ao passo que retomou a maioria dos temas já discutidos com mais

ênfase nos capítulos 3 e 4, permite sua fácil compreensão. A matéria reproduziu os principais

assuntos da presidência de Quadros até aquele momento. Por outro lado, a matéria afirmava a

posição da própria revista frente à pessoa e o governo de Jânio, ou seja: ele era um

antiamericano, uma ameaça real aos interesses dos EUA no Brasil. Ainda nesse capítulo

faremos a análise da reportagem que cobriu a renúncia de Quadros, matéria que se ajusta a

gama de conceitos que a própria revista produziu desde o início da campanha de Jânio até a

presidência.

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CAPÍTULO 1

TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA

MISSIONÁRIA

O presente capítulo fará uma síntese da história de TIME Magazine. Antes de tudo

serão necessárias algumas observações. TIME Magazine, TIME Inc., e Henry Luce

representam uma unidade comum dentro deste trabalho. Esses nomes farão referência direta à

revista TIME e a sua cobertura jornalística. TIME Inc. era o nome da corporação

multinacional que congregava, em seu início, as demais revistas: Life, Fortune, Sport

Illustrated e People. TIME Inc. era a proprietária da revista TIME Magazine, esta que, por sua

vez, emprestou o nome à corporação desde a sua fundação em 1923. Como se verá mais

adiante, TIME Inc. adquiriu status internacional no contexto da Segunda Guerra e, juntamente

com as demais revistas que foram sendo fundadas a partir de 1923, representou Henry Luce e

suas ideias expressas no que ele mesmo chamou de O Século Americano.

Henry Luce 'reinou' dentro da TIME Inc. de 1923 a 1967 (ano de sua morte). No final

da década de 1920, com a grande depressão, Henry Luce já detinha forte presença editorial no

cotidiano dos Estados Unidos e, daí para frente, sua participação na política do seu país foi

uma constante.

As reportagens semanais sobre o cotidiano dos Estados Unidos fizeram de TIME

Magazine uma das maiores narradoras históricas do século XX. Após 1967, TIME Inc. passou

a ser administrada pelos principais herdeiros do legado de Henry Luce. Funcionários de

carreira assumiram o alto comando da empresa e fizeram decisivas adaptações na filosofia

administrativa e editorial de suas revistas com o intuito de manter atualizado o poder

midiático de TIME Inc. Atualmente a empresa está integrada ao Grupo TIME Warner em

parceria com a poderosa CNN. O diferencial reside no alcance geográfico e temporal da

empresa, ou seja, graças aos modernos meios de comunicação como a internet, não há

fronteiras para a penetração de suas notícias e de seus pareceres tanto jornalístico como

históricos.

Este trabalho toma como ponto de partida a hipótese de que entre 1923 e 1967 estava

presente em sua proposta editorial um método missionário. O termo é tomado de empréstimo

do historiador Theodore Peterson, um dos maiores pesquisadores sobre as revistas dos

Estados Unidos e uma das principais referências teóricas para esta tese. Esse método pode ser

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explicado como uma via de difusão do Americanismo e do American Way of Life.

Haverá relativa demora na personalidade e na gestão de Henry Luce, pois ele será o

formador e o formatador de TIME Magazine. Além de proprietário, ele era o editor chefe da

revista. Nas páginas de TIME estão sintetizadas todas as opiniões e ideias que Luce e seu

grupo acreditavam. O Século Americano é a síntese de todas as propostas do grupo, ou seja, o

mundo era obrigado a reconhecer o papel dos Estados Unidos como líder mundial, não apenas

no aspecto político e econômico (Americanismo), mas, também nos meios de comunicação e

difusão de valores (American Way Of Life).

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1.1 - TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA

TIME Magazine é uma revista cujas origens estão cravadas no início século XX. Do

mesmo modo que o Readers Digest, não é possível pensar a gênese e o desenvolvimento de

TIME desvinculados do seu contexto territorial e histórico.

Os EUA do início do XX realizavam uma transição de uma fase pessimista para uma

otimista. Conforme Antonio Pedro Tota, naquele momento as máquinas trabalhavam a todo

vapor, o campo já se encontrava num processo cada vez mais evolutivo de mecanização

‘atendendo às demandas das cidades em crescimento’36

. O desemprego que havia marcado o

final do século XIX encontrava-se em declínio e o otimismo citado era compartilhando entre

americanos e os imigrantes que ‘chegavam às levas, em especial ao porto de Nova York’.37

Desse ponto de encontro é possível deduzir um inédito cotidiano norte-americano

caracterizado pela presença de várias nacionalidades atuando juntas num mesmo território.

Um contexto de ‘novidades’ caracterizou aquele momento ‘em que tudo era new no novo

século americano’.38

Em certa medida, o termo ‘new’ também indicava uma acepção

‘pejorativa’ aos imigrantes.39

No espaço de duas décadas (1901-1920) ‘cerca de 15 milhões de

imigrantes’ entraram nos Estados Unidos e trazendo sua cultura marcada pela religião pelo

idioma.40

A TIME pertence ao século XX. Não existe a possibilidade de comparação editorial

com as revistas do século antecedente. Suas primeiras edições obedecem a uma lógica

analítica daquele ‘novo’ homem americano formatado no contexto pré e pós–Primeira Guerra.

A ideia embrionária de TIME Magazine foi gestada ainda na Primeira Guerra Mundial pelos

jovens Henry Luce e Britton Hadden que serviam como tenentes em um acampamento

conhecido como Camp Jackson, na Carolina do Sul.41

Ambos representavam uma geração de

jovens com fervor patriótico antes não visto. Eram ‘homens que marchavam para o

Armagedon tocando, cantando e agitando bandeiras’.42

Luce e Hadden, ambos estudantes de

jornalismo, integraram as forças norte-americanas como voluntários da Universidade de Yale

em 1917, ano no qual os EUA entram definitivamente na Guerra.

36

TOTA, Antonio Pedro. Os Americanos. São Paulo, Contexto, 2009, p.119. 37

Idem, Ibidem, p. 119. 38

Ibidem, p. 120. 39

Ibid., ibidem. 40

Ibid., ibidem. 41

ELSON, Robert T. Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1923-1941). Nova York,

Atheneum, 1968, p. 3-15. 42

Ibid., Ibidem, p. 37.

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1.1.1 - Os arredores da Guerra

A crescente economia dos EUA recebeu um impulso ainda maior com a entrada do

país na Primeira Guerra. As universidades de Yale e Harvard enviavam seus alunos

voluntários em grande número que, em certa medida, caracterizava o exército norte-

americano composto por inúmeros soldados sem experiência os quais ‘deveriam cruzar o

oceano para enfrentarem forças mais experientes na Europa já em luta há quase três anos’.43

O

contingente de cerca de dois milhões de soldados americanos, juntamente com um poderoso

arsenal de armas, conseguiram barrar e forçar o recuo alemão.44

Henry Luce e Briton Hadden ao final da Guerra ficaram desapontados por não terem

cruzado o oceano, ambos ficaram em solo americano aguardando ordens e, quando foi

anunciado o armistício, Luce perguntou a Hadden:

Luce: O que vamos dizer para os nossos netos sobre o que fizemos na guerra?;

Hadden: Limpamos cascos de cavalo em Camp Jackson !45

As palavras acima ilustram o sentimento dos jovens e futuros fundadores de TIME

Magazine. Tais sentimentos não estavam muito distantes da maioria dos jovens daquele

momento.

43

TOTA, op. cit. p. 130. 44

Ibid., ibidem. 45

Luce: What are we going to tell our grandsons that we did in the war? Hadden: Cleaned a horse’s hoof at

Camp Jackson!. ELSON, op. cit. p. 4.

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1.1.2 - A publicidade

Um dos elementos que contribuíram para a entrada dos americanos na guerra foi a

publicidade, elemento capaz de ‘mobilizar importantes setores da cultura para convencer a

população’.46

Houve uma grande e moderna propaganda em favor da causa dos Aliados e

‘milhares de voluntários trabalhavam no Committee distribuindo mais de 75 milhões de

panfletos e pôsteres’.47

Esse exemplo ilustra o poder da propaganda presente não apenas na

economia dos Estados Unidos, mas também na mentalidade de um país que não parava de

crescer nos mais diversos setores, principalmente na Indústria. O final da Primeira Guerra

marca o nascimento de uma nova etapa na história do povo norte-americano a de um país

‘próspero, rico e consumista’.48

A década de 1920 teve o business como síntese do pensamento dos representantes do

mundo.49

O consumo de massa elevado justificava-se pelo nível de propaganda produzida em

torno das ‘novidades’. Um dos espaços favoráveis para a difusão da propaganda das

mercadorias era o dos meios de comunicação. De acordo com Tota, “no começo da década de

1920, os americanos já haviam comprado cem mil primitivos e quase experimentais aparelhos

de rádio; (...) no final da mesma década, mais de 4,5 milhões de rádios transmitiam programas

musicais variados, em especial jazz e blues; (...) A propagada pelo rádio já era ‘velha’ em

1929." 50

As pessoas, aos milhares, frequentavam as salas de cinema nas quais, durante os

intervalos dos filmes ‘vários produtos ajudavam a dinamizar o mercado crescente’.51

Tomando como referência o sucesso editorial dentro dos moldes do “To Keep Men

Well-Informed" 52

(Manter os homens informados), Hadden e Luce conseguiram estabelecer

uma lógica entre jornalismo, cultura e propaganda. TIME é gestada dentro de um universo

econômico regido pela propaganda. A difusão dos valores tanto de elementos culturais como

de produtos de natureza econômica e mercadológica ao longo de suas páginas contribuíram de

forma decisiva para o êxito inicial da revista. Cerca de 15 anos após a fundação de TIME

Magazine, ‘David A. Smart, um antigo publicitário levado pela onda das publicações,

comentou: “Por que ninguém me disse sobre esse negócio das publicações antes? É

46

TOTA, op. cit, p. 130. 47

Ibid., ibidem. 48

Ibid., ibidem. 49

Ibid., ibidem. 50

Ibid., ibidem., p. 138-139. 51

Ibid., ibidem., p. 139. 52

ELSON, op. cit. p. 4.

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fantástico!." 53

Segundo um dos maiores historiadores do seguimento de revistas dos Estados

Unidos, Theodore Peterson, nem todos os grandes editores concordariam com David Smart

acerca das facilidades que o mercado editorial oferecia, as incertezas eram evidentes e os

fracassos eram constantes, além do que, outras grandes revistas não tinham ido além de suas

próprias expectativas.54

Por outro lado, também houve o fenômeno das pequenas editoras que

se formavam com pouco dinheiro e acabavam se tornando grandes empresas, tornando-se as

principais portadoras da publicidade ‘deixando para trás as velhas favoritas do público como

Literary Digest e o North American Review.’55

Com o fim da Primeira Guerra, muitos jovens que haviam sido dispensados do

serviço militar chegavam num bom momento à Nova York ‘com grandes ideias sobre revistas

e pouco dinheiro no bolso’.56

Tais ideias não estavam distantes de uma crítica aos modelos

anteriores, e o cenário econômico dava evidências da importância publicitária.

Naquela sociedade de consumo, o direito de consumir relacionava-se ao direito à

cidadania. Uma nova indústria de Propaganda e Marketing tomava conta do cenário de

consumo efervescente “ajudada pelos jornais e revistas de grande circulação e rádio” cujos

índices de audiência disseminaram uma mentalidade que trazia uma nova noção de liberdade.

O fordismo ia para além do fordismo, ‘a fabricação de inúmeros produtos se adaptava às

técnicas da linha de montagem dos fabricantes de automóveis e colocavam-se a serviço

deles.’57

A figura do vendedor se tornava uma figura onipresente, ‘e o consumidor estava

fazendo uso pesado dos planos de parcelamento58

;(...) os montantes atribuídos à montagem de

publicidade eram simultaneamente uma causa e um efeito parcial das vastas despesas para

bens de consumo.59

Por outro lado, não foi somente no momento de crescimento econômico que as

revistas puderam alavancar seu sucesso, durante os anos de depressão e recessão elas

continuaram fortes, ao contrário das décadas iniciais do ‘século americano’, nas quais era

grande o número de pessoas que migravam do campo para a cidade na condição de

analfabetas e semi-analfabetas – sem esquecer o grande número de imigrantes que precisavam

tomar aulas de inglês durante o processo de ‘americanização’60

- a década de 1930 apresentou

53

PETERSON, Theodore. Magazines in the Twentieth Century. Urbana: University of Illinois Press, 1965, p.

223. 54

Ibid., ibidem., p. 223 55

Ibid., ibidem. 56

PETERSON, op. cit. 223-224. 57

PETERSON, op cit. p. 224. 58

Idem, Ibidem, p. 224 59

Ibid., ibidem. 60

TOTA, op cit. p. 122.

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um número crescente de pessoas que sabia ler e escrever e, portanto, estavam aptas para

comprar os produtos que a publicidade oferecia.61

O avanço tecnológico nas indústrias de

artes gráficas favoreceu a produção em larga escala e em grande velocidade. No entanto um

novo elemento foi agregado, ‘foi o encontro feliz entre o que os editores criavam e que o

público queria ler. Vários editores, com grande precisão, compreenderam o barômetro do

gosto do público de maneira que as revistas que fundaram foram as precursoras de toda uma

nova classe de revistas - as digest magazines, por exemplo, e revistas seguintes.’62

1.1.3 - As Missionárias e as Mercadoras

De acordo com Peterson, após a Primeira Guerra os diversos segmentos de revistas

podem ser agrupados em duas categorias: ‘As Missionárias’ e “As Mercadoras”.63

Os termos

não precisam ser tomados necessariamente em seu sentido literal.

Começando pelas mercadoras, essas revistas representam um grupo mais

preocupado com o lucro do que com a difusão de valores culturais. Tais revistas viam o

segmento como um negócio estritamente empresarial. Segundo Peterson, “a atitude das

mercadoras em relação à publicação de revistas era assumida por elas como perfeitamente

legítima, pois estavam de acordo com a teoria anglo-americana da imprensa. Para essa teoria,

tal como a "mão invisível" de Adam Smith, pressupõe-se que um editor trabalhando em seu

próprio auto-interesse inevitavelmente irá trabalhar pelo interesse da comunidade.”64

As missionárias, por sua vez, não estão associadas à pregação do evangelho cristão,

apesar de seus fundadores serem originários de famílias religiosas. Podem ser dividas em dois

grupos com finalidades missionárias. Aparte o tom religioso que possa sugerir esse termo,

essas revistas realizavam uma espécie de pregação, pregavam uma espécie de fé, na qual um

grupo pregava a fé em uma “América Melhor”, enquanto o outro pregava a fé em um “Século

Americano”.65

Os missionários foram ao mesmo tempo empresários e disseminadores de um

evangelho secular. Alguns deles fundaram e editaram as revistas que estavam entre as mais

bem sucedidas no mercado, sendo que alguns ‘mercadores’ eram liderados pelos missionários,

61

PETERSON, op. cit, Ibid., ibidem. 62

Ibid., ibidem. 63

Ibid., ibidem. 64

PETERSON, op. cit. p. 224-225. 65

Ibidem, p. 225.

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chegando a imitar seus produtos e editorais de sucesso.66

As missionárias são bem

representadas nas figuras de dois personagens históricos do jornalismo norte-americanos:

‘DeWitt Wallace, do Reader's Digest Association, Inc., que pregava o otimismo, a vida

simples, a fé em uma América Melhor e Henry Luce, da TIME Inc., que rapidamente percebeu

as fotografias como veículos de informação e educação e proclamou o Século Americano’.67

Tanto o Digest Reader's Association, Inc., como TIME Inc. foram fundadas por

pessoas sem experiência anterior em revistas.68

As empresas foram erguidas com

investimentos relativamente pequenos, tudo isso foi possível, em parte, porque suas

publicações não copiavam o editorial original, mas apenas condensavam, simplificavam e

davam nova luz ao material que já havia aparecido em outras publicações. Ambas as empresas

estavam entre as maiores empresas de publicação de revistas do mundo no início dos anos

1960.69

1.1.4 - O amadorismo inicial

Do mesmo modo que os fundadores do Reader’s Digest, os jovens Henry Luce e

Briton Hadden não tinham experiência profissional com revistas, na verdade trabalharam

diretamente com jornais diários. Ao realizarem esse empreendimento, que era o de

desenvolver uma revista própria, eles acabaram sendo os próprios editores daquilo que

produziam.70

Segundo Peterson “mesmo depois que a TIME Inc. tinha se tornado uma das

maiores editoras de revistas no mundo e teve muitos excelentes profissionais em seus

quadros, ainda assim era possível detectar traços de amadorismo”.71

Henry Luce era filho de missionários que realizavam trabalhos na China, nas

primeiras décadas do século XX, algo muito parecido com a estória de vida dos Walleces,

fundadores do Reader’s Digest. Ambos os projetos – de perfil missionário – alteraram a

forma e o estilo de se produzir revistas, ‘como o Reader's Digest gerou um novo estilo de

revista, duas publicações de TIME Inc. foram responsáveis por novos estilos - as revistas e as

revistas de fotografia.’72

Briton Hadden e Henry R. Luce eram esses homens com ‘sentido de missão’. Na

66

PETERSON, op. cit, p. 225 67

PETERSON. loc cit . 68

Ibid., ibidem. 69

Ibid., ibidem. 70

PETERSON. op.cit, 234. 71

Ibid., ibidem. 72

Ibid., ibidem.

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época, com 24 anos de idade (1922), deram início aos trabalhos. Briton Hadden era natural do

Brooklyn, sendo filho de uma família culta e próspera. Ele costumava receber as visitas em

sua casa com a leitura de poemas épicos. Do mesmo modo, quando recebia seus amigos, ele

fazia questão de ler trechos do seu próprio e simples jornal, o Daily Glonk.73

Segundo um dos

seus biógrafos, Hadden formou-se “em Hotchkiss e Yale, (...) conseguiu um emprego em

Nova York depois dizer a Herbert Bayard Swope, (que tentava se livrar dele): Sr. Swop, você

está interferindo no meu destino." Seu destino, como ele mesmo explicou, era dar inicio a sua

própria publicação; o emprego no World daria-lhe a experiência necessária para iniciar sua

empresa.74

Luce nasceu em Shantung, na China. Era filho de Dr. Henry Luce Winters, um

missionário presbiteriano que fundou duas universidades norte-americanas na China e que

convocava de cada membro de sua família a passar, pelo menos, uma hora por dia numa causa

útil75

. Logo cedo o jovem Luce foi estudar numa escola da China, em seguida foi para

Hotchkiss e Yale. Depois de um ano em Oxford, ele aceitou um emprego como repórter e

pesquisador de Ben Hecht, e mais tarde como colunista do Chicago News.76

A decisão de levar adiante a ideia de TIME foi tomada na Universidade Yale, local

onde dois amigos já trabalhavam juntos na gestão do jornal da faculdade. A ideia já estava

lançada na época da Primeira Guerra e ganhou mais força ao trabalharem juntos no Baltimore

Frank Munsey News.77

Em 1922 deixaram o Baltimore para darem início ao empreendimento.

Tiveram ainda a proposta de voltarem a trabalhar no jornal, caso o negócio não desse certo,

assim ‘começaram a angariar dinheiro para o seu próprio projeto que eles denominaram

inicialmente como Facts. Este "projeto" tornou-se a TIME. Eles fundaram a empresa com $

86,000 através da ajuda de amigos e conhecidos.’78

Mesmo sem a experiência necessária, ambos lançaram a revista em 3 de março de

1923. Muitos dos que estavam em sua volta sabiam da inexperiência de ambos e ficaram

felizes em poder ajuda-los,79

até mesmo um banqueiro deu assistência na capitalização de

novos recursos para a pequena empresa. Herbert William Eaton, então gerente de circulação

do World’s Work, ensinou-lhes os segredos da elaboração de uma lista de assinaturas por

mala-direta para publicidade, um sistema que a TIME Inc. desenvolveu com sucesso durante

73

PETERSON. op.cit, 234.. 74

PETERSON, apud BUSCH, Noel., Briton Hadden: A Biography of the Co-founder of Time (New York,

1949), pp. 44-45. 75

Peterson, op cit, 235. 76

Idem, Ibidem 77

Ibid., ibidem. 78

Ibid., ibidem. 79

Ibid., ibidem.

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os seus primeiros quarenta anos de vida.80

A equipe que ia se formando em torno de Luce e Hadden tinha uma característica

claramente amadora. Inicialmente os três apoiadores sequer tinham concluído a universidade.

‘O editor de assuntos internacionais, Thomas J. C. Martyn, que mais tarde fundou a revista

Newsweek, fez sua primeira reportagem como profissional em TIME’. Hadden e Luce,

haviam pensado inicialmente nele como um correspondente estrangeiro. Trazido de Roma,

Martyn tinha um salário maior do que deles81

. Roy Larsen, o gerente de circulação que mais

tarde iria integrar o topo do corpo executivo da empresa, estava no primeiro ano da faculdade.

Seus assistentes eram recém-formados trabalhando de forma amadora, eles misturavam as

listas de distribuição de uma forma tão desorganizada que alguns assinantes chegavam a

receber três exemplares da primeira edição e nenhum dos dois seguintes.82

1.1.5 - O estilo e o método

A apresentação estética de TIME prosseguia nos passos do amadorismo. "Suas

normas de impressão,” escreveu um executivo de uma empresa anos depois, eram quase

iguais aqueles jornais provincianos franceses de 1910 e suas fotos, nas palavras do falecido

Robert Benchley, pareciam como se tivessem sido gravadas em pedaços de pão."83

As

primeiras edições de TIME traziam poucas fotografias porque eram muito caras.84

Sua

apresentação foi monocromática (preto-branco-cinza) durante 3 anos. Sua primeira capa em

tom vermelho foi em 1928. O pouco investimento numa capa atraente estava diretamente

relacionado a radical contenção de gastos que a revista precisava realizar frequentemente.

Ambos, Luce e Hadden, concluíram certa vez que “não podiam se dar ao luxo de aumentar

seus próprios salários para 50 dólares por semana." 85

A organização e gestão interna eram revezadas por Hadden e Luce. Num

determinado momento um deles ficava com a parte de negócios, enquanto o outro ficava com

a edição e vice-versa. Segundo Peterson, o material da TIME era extraído de fontes diversas,

na maioria das vezes até inexpressivas. Boa parte do material era advindo das leituras do The

New York TIMEs. Os documentos era juntados, grampeados e depois remetidos para a equipe

80

PETERSON, op cit, 235-236.. 81

Ibid., ibidem. 82

Ibid., ibidem. 83

PETERSON, op cit, p. 236. 84

Idem, Ibidem. 85

Ibid., ibidem.

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encarregada de reescrevê-los. Algumas vezes, Luce e Hadden reescreviam 50 ou 70% de todo

o material da publicação. De taxi, costumavam levar os blocos ao impressor.86

Para conter os gastos que não paravam de aumentar ‘Hadden e Luce mudaram a

TIME Inc. de Nova Iorque, onde dividiam um espaço no sótão do edifício East Side com o

nascente Saturday Review of Literature, para Cleveland, Ohio, onde o aluguel e os custos

administrativos eram mais em conta’87

. Houve algumas baixas estratégicas, pois, com a

mudança acabaram perdendo ‘o suporte de inteligentes e aventureiros jovens que eles podiam

contratar por salários comparativamente baixos em Nova York. Por outro lado, eles perderam

as atualizações do New York TIMEs, indispensáveis a sua cobertura.’88

Não tardou para que os resultados viessem a aparecer. Em 1927, a circulação da

TIME, em torno de 136,000, era cerca de um terço maior do que do ano anterior e as receitas

da publicidade, $ 501,000, eram cerca de 77 % maior.89

A circulação do próximo ano elevou

outros 30% das receitas da publicidade, grosso modo 54 %. Em 1930, quando a empresa

faturou mais de US $ 3.000.000 em publicidade eles pagaram os seus acionistas com os

primeiros dividendos de ações preferenciais.90

O formato, o estilo, a originalidade e a proposta messiânica foram ingredientes que,

juntados a um contexto de euforia econômica dominada pela propaganda, levaram a TIME a

condição de grande empresa antes de completar uma década de vida. Os resultados positivos

que se seguiram foram uma consequência previsível.

1.1.6 - Da morte de Britton Hadden à Fortune

O ano de 1929 foi um ano atípico para TIME. Antes do crack da bolsa ‘TIME Inc.

perdeu um dos homens que ajudaram a fazer dela um sucesso. Em 27 de fevereiro de 1929,

após uma doença de dois meses, Briton Hadden faleceu’91

. Segundo um dos seus biógrafos:

"Time era, antes de tudo, uma invenção pura e simples, e Hadden teve uma grande

participação na concepção dela. Em segundo lugar, Time foi um empreendimento

ousado e bem-organizado e Hadden desempenhou um papel importante (...)

86

PETERSON, op cit 236.. 87

Idem, Ibidem. 88

PETERSON, op cit 237. 89

Idem, Ibidem. 90

Ibid., ibidem. 91

PETERSON apud BUSCH, op. cit., p. 107.

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Finalmente, e talvez o mais importante de tudo, Hadden era um grande editor.” 92

Um ano antes, Henry Luce idealizou sua segunda revista, Fortune, cujo lançamento

se daria em 1929, ano da morte de Hadden e coincidentemente com o drama de Wall Street.

Luce tomou a frente da empresa e acelerou o processo de crescimento de TIME Inc. impondo

a sua marca.

Fortune

Para Henry Luce, a seção de negócios de TIME era pequena demais. Era necessário

um espaço maior tanto para as notícias como para a publicidade que o setor demandava, além

do que, eram inúmeras as notícias que ficavam a cargo de seu pessoal, por isso foi criado um

departamento experimental, em 1929, cuja função básica era delinear planos e táticas de

trabalho com a nova revista. Segundo Luce, a temática de Fortune girava em torno dos

interesses do cidadão comum norte-americano e “o objetivo de Fortune é refletir a Vida

Industrial em papel e tinta, palavras e imagens como o melhor arranha-céu reflete em aço e

arquitetura."93

O lançamento de Fortune estava previsto para o início de 1930, já que Henry Luce e

nenhum cidadão americano imaginaria o que iria ocorrer em Outubro de 1929. Segundo

Peterson, "poucos dias após o crash do mercado, os executivos de TIME Inc. se reuniram para

decidir se os leitores e anunciantes queriam ou não aceitar uma revista exuberante dedicada

aos negócios (...) eles decidiram continuar com a revista."94

"Mas não estávamos tão

otimistas...", disseram, "... nós reconhecemos que esta queda nos negócios pode durar até um

ano inteiro."95

A primeira edição da Fortune, datada de fevereiro de 1930, foi enviada para 30.000

assinantes.96

Apesar da depressão, Fortune ganhou terreno na circulação e na publicidade. As

assinaturas aumentaram de 34,000, em 1930, para 139,000, em 1936. No mesmo período, a

receita bruta de publicidade mais do que triplicou. Eles aumentaram de $ 427,000 em 1930,

para US$ 1.963.000, em 1936. Os ganhos continuaram ao longo dos anos quarenta e

cinquenta. No início dos anos sessenta, a circulação foi de cerca de 383.000. As receitas com

92

“TIME was, first of all, an invention pure and simple; and Hadden had a large part in designing it. Secondly,

TIME was a daring and well-organized business venture; and Hadden played an important part in that… Finally,

and perhaps most important of all, Hadden was a great editor.” PETERSON apud BUSCH, in: BUSCH, Noel.,

Briton Hadden: A Biography of the Co-founder of Time (New York, 1949), p 107. 93

PETERSON, op cit. 238. 94

Ibid., ibidem. 95

Ibid., ibidem. 96

PETERSON apud LYDGATE, William A., in: “Romantic Business,” Scribner’s, 104 (Sept., 1938).

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publicidade em 1962 foram de US$ 11.996.000, a segunda maior da história até aquele

momento.97

O segundo produto de Henry Luce, Fortune, produziu receitas e prejuízos variados

em sua história inicial. Seus lucros representavam uma pequena parte da TIME Inc. Segundo

William Lydgate, “em seus primeiros oito anos Fortune conquistou uma receita líquida de

aproximadamente US $ 1.300.000 - algo em torno de 15 por cento do rendimento da TIME

Inc. a partir de suas publicações no período. Seus números, aproximadamente, mostraram que

a revista perdeu $ 150,000 em 1930, ganhou US$ 30.000 em 1931, perdeu US $ 30.000 em

1932, e quebrou mesmo em 1933. Para os quatro anos posteriores, a revista mostrou lucro:

mais de $ 200,000 em 1934, mais de $ 400,000 em 1935, perto de $400,000 em 1936, e $

498,000 em 1937. Nos anos cinquenta, pelo menos por algum tempo, a revista disse que

estava perdendo dinheiro."98

Na verdade Fortune era uma revista de custo elevado tanto para impressão como

edição - apesar da empresa se orgulhar de sua impressão. Com excelentes ilustrações e

cautelosa seleção de artigos, os editores em 1937 passaram a oferecê-la pelo custo de $5

dólares. Quando decidiram aumentar o valor da revista para $10, isto é, dobrá-lo, os editores

receberam cerca de mil cartas de protesto. Após analisarem os prós e os contras chegaram às

seguintes conclusões: ‘havia dois grandes erros, vinte e três menores erros e quarenta

pequenos erros’; decidiram pagar a diferença das publicações, ou seja, $4000 para ressarcir o

valor anterior.99

A linha editorial da revista Fortune foi elaborada por Henry Luce ao mesmo tempo

em que suas ideias tinham como pano fundo o New Deal. Segundo Peterson “no início dos

anos trinta, Henry Luce leu um livro de A. A. Bearle e G. C. Means, The Modern Corporation

and Private, o qual sustentava que todo negócio, por si só, era investido de interesse público

e, a partir dessa tese, Luce desenvolveu a abordagem editorial de Fortune, e procurou manter

todos os negócios em permanente vigilância pública." 100

Nesse sentido, Fortune tornou-se

pioneira na abordagem pormenorizada de políticas, problemas e análise financeira de

corporações.101

Nessa linha, outras revistas surgiram, como foi o caso da Forbes e Business

Week. Dwight Macdonald, um ex-escritor de Fortune, acreditava que "a revista se inclinara

para a esquerda durante o New Deal por diversas razões, uma delas foi que Luce reconheceu

97

PETERSON apud LYDGATE, William A., in: “Romantic Business,” Scribner’s, 104 (Sept., 1938). 98

PETERSON, idem, ibdem, p. 18 99

PETERSON, op cit. 239 100

Ibid., ibidem. 101

Ibid., ibidem.

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que o New Deal era uma grande notícia (...) Outro fator foi que muitos dos talentosos

escritores de Fortune eram liberais. Por fim, aqueles escritores tornaram-se cada vez mais

liberais, mesmo que não tivessem experiência."102

Com sua edição de janeiro de 1956, Fortune passou por mudanças adicionais. A capa

foi redesenhada, o índice de conteúdo renovado, e o layout das páginas internas alterado.

Architectural Forum

Em abril de 1932 TIME Inc. adquiriu a revista Architectural Forum, a primeira

aquisição de sua pré-fase imperial. Essa revista teve em sua primeira publicação o título de

Bricklayer, em 1892, e foi rebatizada para Architectural Forum em 1917. Tratava-se de uma

revista exclusivamente voltada para arquitetos quando TIME Inc. assumiu o controle. A

inspiração para sua compra chegou até Luce por meio de Marriner Eccles, um financista que

ocupava um cargo no Departamento do Tesouro e do Federal Reserve System sob a

presidência de Franklin D. Roosevelt.103

Eccles, disse que "a principal linha de ataque contra

a depressão seria o investimento em habitação", lembrou Luce anos mais tarde.104

Não apenas

arquitetos como também engenheiros precisavam de um meio de informação naquele

momento do New Deal. Sendo assim, a tese de Luce era de que "a Construção Civil era a

maior e única indústria na América com enorme potencial".105

Para superar a crise de 1929 eram necessários juntar esforços de todas as áreas

inclusive da cultura americana. Segundo Peterson ‘a missão original da Architectural Forum

sob o comando da TIME Inc., e o que os editores expressaram em seus prospectos, era "reunir,

em torno da arte e da ciência central da arquitetura, todas as influências que irão construir a

nova América."106

Em janeiro de 1952, a revista foi dividida em duas publicações distintas:

Architectural Forum, com foco na indústria pesada da construção civil e House and Home,

essa destinada aos construtores de casas residenciais, arquitetos e financiadores de

hipotecas.107

102

PETERSON apud Dwight MACDONALD, “Fortune Magazine”, Nation , 144 (May 8, 1937) p.528. 103

PETERSON, op cit. 240. 104

Idem, ibidem . 105

PETERSON apud STEWART, Kenneth. In: “The Education of Henry Luce”, PM, 5 (Aug. 27, 1944). 106

PETERSON op. cit 240-241.

107 PETERSON op. cit 241.

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Sports Illustrated

Após o empreendimento de Life, a próxima revista do grupo TIME Inc. foi Sports

Illustrated, um semanário sobre "o maravilhoso mundo dos esportes", que apareceu pela

primeira vez em agosto de 1954, após um ano de experimentação.108

A proposta inicial foi se

alterando com o tempo, pois, "originalmente, a revista se destinava a cobrir todo o campo de

recreação".109

TIME Inc. planejou Sports Illustrated como uma revista para um público mais

culto e, naquele momento, para os leitores de alta renda. Foi estabelecida uma meta de

circulação de 450.000 exemplares para os primeiros seis meses. Antes de sua primeira edição

Henry Luce fez uma grande campanha de promoção trazendo 250,000 assinantes, antes

mesmo que a revista tivesse emplacado um nome.110

Para surpresa de todos, as vendas ao

final de seis meses de publicação estavam em torno de 575,000. Segundo Peterson "(...) seu

crescimento foi muito rápido. Em menos de uma década após sua fundação, ela já tinha

atraído mais de um milhão de assinantes e seguidores, (...) nos seis anos posteriores a 1957

suas receitas publicitárias mais do que duplicaram, chegando a US $ 17.985.000."111

Sports Illustrated não apenas atendeu ao espectador de esportes comuns - futebol,

basquetebol, beisebol, boxe -, como também conquistou seus leitores através de textos e

imagens, nas escaladas de montanha, caça a raposa, dentre diversos ensaios. A revista instruía

acerca de esqui, golfe canoagem, natação, mergulho, equitação, e até mesmo bridge. A equipe

havia percebido que o esporte nunca havia tido um tratamento visual adequado, fizeram,

portanto, uso extensivo da fotografia, das cores, chegando a enviar artistas para pintar eventos

desportivos em tela.112

No início os editores tinham pensado que poderiam comprar mais da metade do seu

material de escritores de jornais desportivos, mas os pesquisadores logo descobriram que os

repórteres estavam muito ocupados ou demasiado indisciplinados para o tipo de escrita que

eles queriam. Segundo Peterson, "eles se inclinaram para o seu próprio pessoal, mas também

encomendaram artigos de escritores bem conhecidos como Catherine Drinker Bowen,

William Saroyan e Robert Frost. William Faulkner cobria hóquei, John P. Marquand

contribuiu com uma série satírica sobre clubes de campo, John Steinbeck escreveu sobre

pesca, e o presidente eleito John F. Kennedy criticou o the soft American. A revista

denunciava as ligações entre extorsão e boxe, numa cruzada para uma conduta honesta e

108

PETERSON op. cit 241.. 109

Idem, ibidem, p. 241 110

Ibid., ibidem. 111

Ibid., ibidem. 112

Ibid., p. 243.

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defendeu o conservadorismo. No entanto, algo do zelo missionário que caracterizou o período

inicial TIME e Life parecia ausente".113

1.1.7 - TIME Inc. - Consolidação empresarial

Durante e depois da II Guerra Mundial, TIME Inc., nas palavras de seu pessoal,

passou de "um pequeno grande negócio" para "um grande pequeno negócio". Analisada a

partir de sua receita líquida, a empresa realmente era um pequeno grande negócio durante os

anos 1920 e início dos anos 1930. Seus rendimentos eram de apenas $3,860, em 1927,

passaram para $ 125,787 em 1928, $ 325,412 em 1929 e $ 818,936 em 1930. Em 1933 seus

rendimentos atingiam mais de US $ 1.000.000, e em 1933 dobrava para US $ 2.000.000.114

Antes de 1941, TIME Inc. não tinha correspondentes ou fotógrafos no exterior, como

também nenhum membro externo, exceto alguns da “March Of TIME” (equipe que

comandava uma programação de rádio da TIME Magazine) em Londres e Paris. Um dos

resultados para a ampliação de atividades no exterior durante a Segunda Guerra Mundial foi a

montagem da TIME-Life International, em 1945, como uma divisão para administrar a

cobertura da imprensa estrangeira e distribuir TIME&Life fora dos Estados Unidos. A

empresa passou a publicar cinco edições internacionais de TIME, e quinzenalmente uma

edição de Life en Español.115

Segundo Peterson, vários fatores para o sucesso de Henry Luce e sua empresa podem

ser levados em conta. Primeiramente a chegada da TIME (e do mesmo modo o Readers

Digest) ao mercado foi algo tomado de início como uma novidade, pois se diferenciava dos

formatos tradicionais. O contexto histórico de sua fundação, relacionado à conjuntura

econômica dos Estados Unidos nos anos 1920 - como já foi dito anteriormente -, contribuiu

para alavancar a empresa. Seus pressupostos editoriais foram sutis, o alvo seria o leitor

ocupado e pensativo dos acelerados anos 1920, esse que gostaria de receber uma revista

condensada e simplificada.116

Em segundo lugar, TIME refletia fortemente a personalidade de

seu editor. Mesmo depois que a TIME Inc. tinha se tornado uma grande empresa, suas

publicações, traziam a marca de Henry Luce, o qual esperava que seus empregados

concordassem com ele sobre os fundamentos. Em terceiro lugar, James Linen, um

113

PETERSON op. cit p 241. 114

Ibid., ibidem. 115

PETERSON, op cit. p. 244. 116

PETERSON, op cit. p. 261.

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funcionário-chave, observou, em 1953, que "TIME é hoje completamente diferente de TIME

da década de quarenta. Aquela TIME foi totalmente diferente da TIME da década de trinta."117

Ernest Havemann, um dos colaboradores de Life, disse certa vez: "Não existe nada como a

revista Life."118

Quarto, TIME Inc. sempre teve uma boa gestão empresarial. Se os próprios

fundadores não estavam particularmente interessados no lado comercial da publicação, "eles

se tornaram associados com os homens que eram."119

Por último, as atividades promocionais

desempenharam papéis de importância decisiva no rápido crescimento da empresa.120

Além dos denominadores comuns, outros fatores também contribuíram para as boas

condições da indústria de revistas como um todo. O recrudescimento da educação foi um

deles. A aparição da TIME coincidiu com o aumento do número de matrículas nas faculdades

após a Primeira Guerra Mundial - e muito mais após a Segunda - e, sem dúvida, atraia grande

parte desse contingente. Finalmente, o sucesso gerou o sucesso. Como as publicações

começaram a crescer, anunciantes e leitores foram atraídos a ela pelo aumento do seu

prestígio.121

Em 1963, a TIME Inc., com inúmeras filiais, era a maior editora de revistas dos

Estados Unidos. Além de suas revistas, as quais representavam cerca de três quartos de sua

receita, a empresa também publicou livros e textos em geral. Operava rádios e estações de

televisão nos Estados Unidos e tinha interesses em estações de televisão estrangeiras,

especialmente na América Latina. Realizou grandes negócios relacionados à exportação de

revistas. Liderou a produção de papel e celulose, sendo proprietária de 610,000 hectares no

Texas dentre outros bens imóveis. Life bateu todas as revistas americanas em receitas de

publicidade em 1963 com US $ 143.875.000. TIME foi a terceira com US $ 61.276.000. Sua

receita bruta em 1962 foi de US $ 326 milhões. A empresa empregava 6.700 pessoas.

Após 22 anos instalados no Chrysler Building, Henry Luce e seu grupo mudaram-se

para um novo edifício. Agora de sua propriedade, TIME Inc. se instalou em 1960 no prédio

TIME&Life, dentro do Rockefeller Center em Nova York.

117

PETERSON, op cit. p. 261. 118

Ibid., ibidem. 119

Ibid., ibidem. 120

Ibid., ibidem. 121

Ibid., ibidem.

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1.2 - PARA ALÉM DOS ENTREPOSTOS: AS CABEÇAS DE PONTE

A Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas na estrutura da empresa de

Henry Luce. Antes de 1945, seus empreendimentos estavam voltados para o mercado interno

norte-americano. Com o aumento significativo das receitas da empresa, houve a possibilidade

de alçar voos mais altos. De acordo com Prendergast ‘TIME Inc. foi a primeira empresa

americana a lançar [dentro do seu seguimento] publicações internacionais em grande escala’,

através de suas principais revistas TIME e Life.”122

O próprio Henry Luce admitia a

importância dessa projeção tendo em vista as questões de interesse nacional, neste caso o

Século Americano, e as diversas oportunidades para publicação e publicidade.123

Em 1965,

em comemoração ao aniversário de vinte anos da TIME Inc., Luce fez um discurso quase em

termos missionários:

"Time-Life International teve início em 1945 pelo motivo dos EUA serem naquele

momento, literalmente, o único poder no mundo capaz de restaurar a continuidade

da civilização... É esta alta singularidade de poder e influência [dos EUA] uma

premissa real - premissa necessária para o pressuposto de que a Time Inc. devia

fazer algo ao mundo” 124

Os critérios de informação, no qual todas as pessoas deviam saber o que se passava

no mundo ou em seu país foram as justificativas teóricas de Henry Luce para o seu

empreendimento internacional. Em outras palavras, tratava-se de uma forma mais segura e

eficaz para difusão dos valores norte-americanos por meio das lentes da TIME Inc. O próprio

Luce dizia: ‘todas as pessoas do mundo precisam saber o que está acontecendo no mundo’.125

1.2.1 - Reorganização interna: TIME pós-1960

O final da década de 1950 e início da década de 1960 foi consolidada a presença

internacional do Grupo TIME-Life International. Tratou-se de um momento cujo foco se

mantinha ligado à cruzada do Século Americano. A Guerra Fria prosseguia, no entanto, o

122

PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III

(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 86. 123

PRENDERGAST, loc cit. 124

“TLI was started in 1945 because the U.S. was literally the only power in the world capable of restoring some

of the continuities of civilization… It is this towering uniqueness of power and influence [of the U.S.] that is…

the factual premise – the existential premise for the assumption that TIME INC. should do things in the

international world.” – PRENDERGAST, op cit, p. 86 125

Ibidem.

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Grupo TIME, em 1960, fazia uma reformulação em sua estrutura gerencial. Abaixo de Luce

foram apresentados no formato de um triunvirato os executivos James Linen , Edgar R. Baker

e Andrew Heiskel - este um amigo próximo de Carlos Lacerda. A missão do triunvirato era

ampliar ainda mais as bases internacionais da empresa.

Em 1953, Henry Luce tinha aberto um escritório em Londres que servia como uma

base de comunicação com a Europa. No entanto, o edifício sede na Europa foi inaugurado em

novembro de 1960, ao custo de 6 milhões de dólares no centro de Paris, na esquina da

Avenida Matignon com a Rua Rebelais, cerca de um quarteirão do Palácio Presidencial

Charles de Gaulle. Na cerimônia de inauguração, o já empossado novo presidente, Andrew

Heiskell, fez um discurso bilíngue no qual lançava previsões otimistas para o futuro da TIME

Inc. na Europa e no mundo.126

Se tratava do momento exato para firmarem parcerias com

outros editores cujo intuito era transpor a barreira dos diversos idiomas e consolidar a

presença de revistas como Fortune, TIME e Life no maior número de países. A ambição pelo

mercado mundial pode ser constatado na fala do então vice-presidente da empresa, Edgar R.

Baker:

“Através de uma combinação do crescimento de nossas revistas com a expansão em

novos campos,(...) nossa meta é levar a Time-Life International a um lucro anual de

100 milhões de dólares durante a década de 1960”,127

O aumento almejado por Baker representava cerca de quatro vezes mais do que já

havia sido alcançado na década anterior. Já o presidente da empresa, Heiskell, se mostrou

mais contido e, num pronunciamento aos colegas europeus, preferiu valorizar não apenas os

investimentos em revistas, mas preparar o terreno para expandir o setor de televisão no

exterior e a fixação de novas “cabeças de ponte” em outros países.

De longe, Henry Luce observava a velocidade com que os novos executivos dirigiam

a empresa e, ao lado dos veteranos, pedia um pouco de calma aos mais jovens.128

Por outro

lado, Heiskell continuava sua missão de expansão dos negócios da TLI pelo mundo e, após

uma reunião, em 1961 no Japão, decidiu retomar um antigo projeto de expansão, só que dessa

vez para a America Latina.129

Durante o processo de expansão internacional, a TLI se deparou com alguns

problemas locais que influenciavam direta e indiretamente suas intenções. Dois elementos

126

PRENDERGAST, Op. cit p. 82. 127

“Through a combination of growth of our present magazines and expansion into new fields,” (…), “our

purpose is to turn TLI into a $100 million annual business during the 1960s (…).”PRENDERGAST, op cit. Ibid.,

ibidem. 128

Ibidem. 129

PRENDERGAST, Op.cit. p.83.

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foram decisivos, o câmbio local e a censura de algumas reportagens. O Japão foi o país no

qual esses fatores tiveram maior impacto no expansionismo de TLI.130

O caso latino-

americano foi peculiar, pois a logística de distribuição sofreu com o deslocamento terrestre

precário, o que provocava atrasos na entrega dos números e contribuía para a recepção de um

conteúdo desatualizado ao público.131

Tratava-se de um mercado fragmentado, ‘cuja

publicidade se manteve escassa’ o que levou a perdas significativas.132

O afastamento gradual de Henry Luce favoreceu a indicação de Otto Fuerbringer

como Editor-chefe em março de 1960. Conhecido pelo apelido de "Chanceler de Ferro",

Fuerbringer, ao contrário dos editores anteriores, impôs os valores republicanos defendidos

pela revista. Ao mesmo tempo em que dedicou maiores cuidados à linha editorial da revista

dentro do clima da Guerra Fria - os reflexos dessa linha de trabalho puderam ser percebidos

em suas capas.133

Boa parte do material, que era publicado durante a campanha de Kennedy,

acabava sendo reescrito [aos moldes de Henry Luce] por Fuerbringer.134

Sob a gestão de Fuerbringer, TIME continuou a ser tratada como um veículo que

distorcia a notícia dentro e fora dos Estados Unidos.135

Apesar disso, mesmo após uma

pesquisa realizada em 1961, por diversos correspondentes, em Washington, sobre o papel de

TIME nos EUA e no mundo, constatou-se que ela era a revista mais lida no país.136

Por outro

lado, quando o assunto era 'a confiabilidade no conteúdo' da revista, os números já não eram

muito favoráveis. Por meio de um método de votação, foi apurado o seguinte resultado:

'Newsweek recebeu setenta e cinco votos, U.S. News & World Report sessenta e seis, TIME

nove.'137

1.2.2 - Revistas versus Televisão

Apesar da pouca atenção que Henry Luce dava aos seus críticos, ele não podia deixar

de reparar que há tempos um novo tipo de ameaça cercava sua empresa, tratava-se do avanço

da televisão.

Ao longo das décadas de 1930, 1940 e 1950 foi possível a obtenção de lucros

130

PRENDERGAST, ibidem, p 83. 131

Ibidem, p. 86. 132

Ibidem, p. 87. 133

BAUGHMAN, apud SHAW, David., Los Angeles Times, 3 May 1980. 134

DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York:

Harper & Row, 1985), p. 73. 135

BAUGHMAN, op cit, 184. 136

Ibid., ibidem. 137

Ibid., ibidem.

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significativos para a manutenção e ampliação de todo o seu empreendimento. No entanto, já

na década de 1950, a ascensão da televisão começava a ameaçar o mercado de revistas.138

O

aumento dos aparelhos de TV nos lares americanos acabou deslocando a atenção dos

anunciantes e afetando o mercado editorial como um todo. Até mesmo as grandes rivais

centenárias como o Saturday Evening Post sucumbiram diante do fenômeno.

Incapacitadas de lutar contra a televisão, as batalhas por assinantes e anunciantes

passaram a ser travadas entre as revistas. Com a diminuição do preço das revistas e a

permanência dos encargos com a qualidade do material, inúmeras revistas foram à falência.139

TIME Inc. sobreviveu sem muitos problemas graças a sua grande estrutura. Um caso

específico refere-se à sua revista Sport Illustrated que nada sofreu dentro daquele novo

cenário de concorrência, pelo contrário continuou com os bons resultados de venda.140

Life, nos anos 1960, também sob o impacto da televisão, viu-se obrigada a rever sua

estratégia original. Com vistas à redução de custos oriundos de suas imensas ilustrações e

fotografias, a revista gradualmente migra para o texto. Seus editores acreditavam que, ao

contrário das imagens, a palavra seria a única forma de lutar contra a TV. A Life teve de

assumir uma nova identidade e passou a publicar matérias com perfil de jornalismo

investigativo.141

138

BAUGHMAN, op cit, 184. 139

Idem, Ibidem. 140

Ibid., ibidem.. 141

PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III

(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 51.

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1.2.3 - As relações com o Kennedy

Henry Luce esteve à frente do Office como editor-chefe até 1964, ano no qual se

aposentou, porém continuou a influenciar não apenas a direção de sua empresa como também

os governos americanos que se sucederam até a sua morte em 1967. Nesse mesmo período

muitos políticos americanos nos quais se incluíam ‘respeitados democratas’, aderiram às

diretrizes básicas do Século Americano de Luce.142

Os liberais americanos permaneceram

dedicados à Pax Americana, cujos benefícios para a humanidade pareciam [para eles] pouco

evidentes naquele momento dado ao contexto da Guerra Fria.143

O agressivo Século Americano não rasgaria a cortina de ferro, portanto era o

momento de uma revisão de postura. Muito criticado por liberais como o teólogo Reinhold

Niebuhr – que influenciou diretamente as ideias de alguns nomes tais como Arthur

Schlesinger, Jr. – entre outros, Luce ‘tentou moldar naquele momento o Século Americano

sob um movimento batizado por ele de Peace through law cujo vetor seria a manutenção da

paz internacional’.144

Por incrível que possa parecer, a proposta de Luce não foi aceita e o

Senado dos EUA, apesar das intervenções de Eisenhower, não revogou a emenda Connally,

142

BAUGHMAN, James L., Henry Luce and the Rise of the American News Media. Baltimore and London. The

John Hopkins University Press, 2001. p.180. 143

MATUSOW, Allen J., The Unraveling of America: A History of Liberalism in the 1960s (New York: Harper

& Row, 1984, p 11. 144

BAUGHMAN, op cit. p.180.

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42

que atribuia competência aos Estados Unidos para rejeitar a decisão do Tribunal Mundial.145

Apesar de os ‘diplomatas americanos, no final dos anos 1950 e 1960, respeitarem Luce, eles

não partilhavam do seu entusiasmo por uma política externa de legalismo moral’.146

Luce, um republicano, esteve diretamente envolvido na campanha do democrata

Kennedy. O discurso de Kennedy em relação ao contexto de Guerra Fria não foi o único

elemento de aproximação com Luce. Apesar do carisma e da grande articulação política de

Kennedy, Luce era amigo de seu pai desde a década 1930, momento em que Joseph Kennedy

deu início a uma tradição familiar de conquistar aliados políticos.147

Luce fez diversas

publicações favoráveis ao clã Kennedy, inclusive escrevendo o texto de introdução do

primeiro livro do jovem John. F. Kennedy, Why England Slept.148

O grau de intimidade e contato de Henry Luce com o clã Kennedy era muito grande.

Enquanto JFK fazia seu discurso de aceitação da indicação à presidência na convenção do

partido democrata, seu pai, Joseph, o assistia pela televisão no apartamento de Luce em Nova

York.

A vitória de Kennedy recebeu ampla cobertura da mídia nacional e internacional. No

entanto, a cobertura da posse realizada pelas revistas TIME e Life reforçou ainda mais o brilho

do novo presidente. O ensaio fotográfico de Kennedy e de sua bela esposa nas páginas de Life

foi visto, comprado e apreciado por milhares de leitores dos Estados Unidos e do mundo.149

A

total parcialidade de Luce em relação a Kennedy incomodou de tal forma os republicanos que

até mesmo Richard Nixon publicou protestos contra Luce. O próprio Kennedy, impressionado

com as publicações em TIME Magazine, pediu para que um dos seus assessores checasse se o

empresário estava mudando de posição. William Benton, amigo de muitos anos de Luce como

de Kennedy, deu-lhe a notícia de que Luce não estava deixando o Partido Republicano.150

Apesar de todas as suspeitas em relação à participação do empresário na campanha

vencida por Kennedy, Henry Luce votou no nome indicado pelo seu partido, Richard Nixon.

Mesmo assim, nada disso impediu Luce de participar do baile de posse sentado no camarote

de Joseph Kennedy.151

Kennedy tinha pleno conhecimento do importante papel que a televisão e a imprensa

145

BAUGHMAN apud LUCE, Introduction to Beyond Survival, by Max Ways (New York: Harper & Bros.,

1959), xi-xii. 146

Ibid., ibidem. 147

BAUGHMAN, op cit. p. 181. 148

Ibid., ibidem. 149

PARMET, Herbert S.. Jack: The Struggles of John F. Kernnedy (New York: Dial Press, 1980), p. 438. 150

DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York:

Harper & Row, 1985), p. 70. 151

BAUGHMAN, op cit. p. 183.

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43

exerciam sobre a política. Naquele momento o novo presidente precisava do apoio desses

setores, e o encontrou de forma especial na TIME.152

Em sua primeira visita à Europa como presidente, Kennedy ficou impressionado com

a popularidade da revista TIME no velho continente, o grande número de leitores em diversos

países europeus chamou a sua atenção. Ao regressar aos Estados Unidos, Kennedy fez

questão de receber antecipadamente os números das revistas Newsweek e TIME.153

Henry Luce, em diversas ocasiões, fazia questão de entregar pessoalmente a

Kennedy um exemplar semanal.154

Kennedy, muitas vezes, procurava manter a republicana

TIME ao seu lado, e periodicamente consultava Luce acerca de decisões de peso no cenário

internacional.155

Antes de se posicionar sobre a questão da inclusão da China nas Nações Unidas,

Kennedy pediu para que Henry Luce preparasse um parecer final e cujo resultado não estava

muito distante do esperado, ou seja, Luce mantinha inalterada a posição da política norte-

americana em relação à China, portanto continuava a considerar o exilado Chiang Kai-shek

como o representante legal daquele país, permanecendo o país asiático fora da ONU.156

O descontentamento de Henry Luce em relação a Fidel Castro esteve presente na

maioria dos editoriais de TIME naquele contexto. Kennedy não teve dificuldade de encontrar

apoio à questão do bloqueio a Cuba quando recorreu a Luce. O discurso do presidente,

publicado pela revista, foi considerado pelo empresário como algo 'brilhante'.157

1.2.4 - TIME, Kennedy e o Vietnã

Segundo James Baughman, Kennedy podia sempre contar com a ajuda e com o

endosso de Henry Luce nas questões sobre o Vietnã. A posição de TIME Magazine era clara,

ou seja, favorável aos governos de Ngo Dinh Diem e Chiang Kai-shek.158

Entre os anos de

1962 e 1963, Henry Luce não se opôs às decisões do governo Kennedy sobre a ajuda militar

ao governo de Diem.159

152

BAUGHMAN, op cit, 185. 153

Ibid., ibidem. 154

DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York:

Harper & Row, 1985), p. 70. 155

Ibid., ibidem. 156

BAUGHMAN, op cit, 186. 157

PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III

(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 35-36. 158

BAUGHMAN, op cit, 186-187. 159

Ibid., ibidem.

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44

Ngo Dinh Diem

Todavia, um problema de ordem editorial afetou a credibilidade da TIME junto à

opinião pública dos EUA no que se referia ao Vietnã. O editor-chefe Fuerbringer reescrevia

todas as informações transmitidas pelos seus correspondentes no Vietnã. Tal procedimento

contrariava radicalmente uma metodologia de trabalho e de escrita que havia sido fundada por

Hadden e Luce e, cujo percurso, mantinha-se inalterado desde 1930.160

Uma coisa era

reescrever (condensar, resumir, rewriter) outra era forjar explicitamente a notícia, pois estava

sendo passada aos leitores americanos uma imagem positiva, de progresso, quando na verdade

a situação piorava ainda mais na região.161

Em Washington, um desses correspondentes,

Carlos Mohr, denunciou que as notícias que vinham sendo publicadas na TIME não

correspondiam à realidade e, portanto, apresentavam um conteúdo otimista e evasivo.162

Tal denúncia havia partido de dentro da própria TIME e, portanto, promoveu um

constrangimento público da revista durante o outono de 1963.163

De maneira desesperada,

Fuerbringer contra-atacava dizendo que, devido às péssimas condições de trabalho no Vietnã,

correspondentes como Mohr defendiam posições derrotistas. Por último, e na tentativa de

restaurar a credibilidade da TIME, Fuerbringer ainda cometeria outro erro, disse que a

"imprensa [exceto TIME] estava ajudando a confundir ainda mais a opinião pública nos

Estados Unidos".164

Quando Mohr, inconformado, anunciou a sua demissão, Henry Luce

interviu imediatamente e pediu para que Fuerbringer "acalmasse seu homem de Saigon", este

que era responsável pela Seção World, a mais crítica de TIME naquele momento.165

Após

160

BAUGHMAN, James L., Henry Luce and the Rise of the American News Media. Baltimore and London. The

John Hopkins University Press, 2001. p.187. 161

BAUGHMAN apud John L. Steele, "The News Magazine in Washington," in The Press in Washington, ed.

Ray Eldon Hiebert (New York: Dodd, Mead, & Co., 1966), p. 58-60. 162

Ibid., ibidem. 163

BAUGHMAN, op cit, 187. 164

HALBERSTAM, David. The Power That Be (New York, Knopf, 1979), 464. 165

BAUGHMAN apud John HORENBERG, Between Two Worlds: Policy, Press, and Opinion Public in Asian-

American Ralations (New york: Frederick A. Praeger, 1967), 41-42.

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intensa rodada de acordos, Mohr decidiu permanecer.166

O ceticismo dos correspondentes e jornalistas norte-americanos em relação à Guerra

do Vietnã podia ser convertido em hostilidade ao governo.167

Os repórteres americanos

manifestavam grande insatisfação com a guerra desde 1960. Um dado que agravava ainda

mais a credibilidade dos meios de comunicação podia ser identificado fora dos Estados

Unidos. Tanto os países que apoiavam as ações norte-americanas no Vietnã, como a própria

China, manipulavam a todo custo as informações produzidas na região do conflito,

confundindo a imprensa como um todo.168

Nesse período, Henry Luce foi se afastando gradualmente do corpo gestor enquanto

preparava sua aposentadoria. Em Abril de 1964 ele deixou o posto de editor-chefe. Em 1959

já havia preparado e indicado o seu sucessor, Hadley Donovan.

Donovan era um funcionário de carreira dentro da corporação e, antes de assumir o

novo posto, havia trabalhado como editor chefe em Fortune. Compartilhava de todas as visões

de Henry Luce, porém não possuía as habilidades e as excentricidades do Chefe.169

Como aposentado, Luce visitava periodicamente o escritório em Nova York. Durante

essas visitas, ele fazia muitas críticas e sugestões a toda equipe, mas era Donovan quem

tomava a maioria das decisões.170

1.2.4 - TIME, Johnson e o Vietnã

Com a morte de Kennedy, seu sucessor Johnson pediu o apoio de Luce.171

Em 1966, logo após a sua reeleição, Johnson aprofunda a participação dos Estados

Unidos na Guerra do Vietnã ao ouvir seus principais conselheiros, os quais pediram a todo

custo uma "Americanização" da guerra.172

166

BAUGHMAN apud John HORENBERG, Between Two Worlds: Policy, Press, and Opinion Public in Asian-

American Ralations (New york: Frederick A. Praeger, 1967), 41-42 167

BAUGHMAN, op cit, 188. 168

BAUGHMAN apud MOHR, Charles. "Once Again - Did the Press Lose Vietnam?", Columbia Journalism

Review 22, (Novembver-December 1983), 55; Daniel C. Hallin, The "Uncensored War": The Midia and Vietnam

(New York, Oxford University Press, 1986), p.40-42, 48, 58. 169

BURNS, Joan Simpsom. The Awkward Embrace: The Creative Artist and the Institution in América (New

York: Knpf, 1975), 143-45, 161. 170

BAUGHMAN, op cit, 188. 171

Ibid., ibidem. 172

BAUGHMAN, op cit, 189.

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A TIME aplaudiu173

a decisão de Johnson e em seu editorial declarou:

"Lyndon Johnson não permitirá que os EUA sejam retirados do Vietnã. Caso isso

acontecesse, os americanos só teriam outra chance de lutar contra o comunismo

asiático muito mais tarde" 174

Para Henry Luce o Vietnã era uma das cinco ou seis áreas do mundo que mais

importavam aos interesses americanos.175

Luce deu apoiou incondicional à participação dos

Estados Unidos no Vietnã, pois acreditava piamente na vitória do sul. Desde a Guerra da

Coréia, Henry via essa guerra como "uma importante arena de testes para consolidar a

liderança dos Estados Unidos no mundo.176

Óbvio que para ele a intervenção norte-americana

também era necessária para desencorajar as guerras de libertação sob o signo do

comunismo.177

Na visão de Luce, o Vietnã tinha um valor tanto estratégico como simbólico

para os Estados Unidos, a intervenção norte-americana no sudeste asiático deveria ser

realizada a todo o custo.178

"após vinte anos de esforço e experiência, os EUA são capazes de deixar claro a toda

a humanidade quais são as regras de uma nova ordem internacional que pretendemos

defender e o modo como a preservaremos com força..."179

Em abril de 1965, o Washington Post publicou em seu editorial o artigo The Anguish

Power (O Poder angustiado). Nesse texto estavam contidas as mesmas teses utilizadas em

1941 por Henry Luce em seu Século Americano.180

Os argumentos para a angústia do poder

americano citados no artigo se baseavam no fato de que com o declínio do Império Britânico

no pós-Segunda Guerra, a "América" assumia as responsabilidades com o Poder e os Estados

Unidos não poderiam estar distantes ou desatentos a tudo o que acontecia no mundo.181

173

BAUGHMAN, op cit, 189. Ver também: Time, 14 de maio de 1965; Time, 7 de janeiro de 1966. 174

“Lyndon Johnson will not allow the U.S. to be pushed out of Vietnam. For if that were to happen, Americans

would only have to make another stand against Asian Communism later.” Ibid., ibidem. 175

Ibid., ibidem. 176

BAUGHMAN, op cit, 189. 177

BAUGHMAN, op cit, apud HALBERSTAM, Quagmire, 315, 319. 178

Ibid., ibidem. 179

“after twenty years of effort and experience, the United States will be able to make clear to all mankind what

rules of international order we intend to uphold and in what ways we will preserve purposes with power.”in:

PRENDERGAST, World of Time, 1968. 180

BAUGHMAN, op cit, apud, Washington Post, 26 April 1965. 181

Ibid., ibidem.

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Dentro do contexto de pós-reeleição de Johnson (1965/66) e o aprofundamento da

crítica em torno da ação radical dos Estados Unidos na guerra, outra batalha passou a ser

travada entre a TIME e os demais meios de comunicação dos Estados Unidos. Segundo

Baughman, tal conflito não se deu de forma isolada nos moldes de uma TIME Magazine’s

War (Uma Guerra da TIME Magazine) e uma 'Lucean cause' (Causa Henry Luce), mas num

desencontro de opiniões entre a maioria dos repórteres em torno da guerra.182

Poucos meses antes de sua morte em 1967, Henry Luce publicou comentários menos

'gloriosos' e ufanistas em relação ao Vietnã.183

Esse tipo de visão em relação à guerra passou a

integrar o editorial da TIME dali em diante. Ao lado de outras publicações, a TIME lamentava

a dificuldade de conviver com o 'caos sangrento' da guerra. Mais difícil ainda para a revista

era admitir que eles, os Estados Unidos, a nação mais rica do planeta, ainda teria que pensar

na possibilidade de uma retirada humilhante do campo de batalha.184

1.2.5 - A morte de Henry Luce

Ao se aposentar, Luce se retirou para seu lar em Phoenix e periodicamente se dirigia

ao escritório em Nova York para monitorar a cobertura que suas revistas faziam sobre a

182

BAUGHMAN, op cit, 190. 183

BAUGHMAN, op cit, 190-191. 184

Time, 22 de abril de 1966, 19.

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guerra.185

Hadley Donavam, o editor-chefe realizava periódicas reuniões com as lideranças das

demais revistas. Todavia, novos problemas derivados da cobertura das notícias do Vietnã e

seus impactos na opinião pública dos EUA obrigavam a TIME Inc a se posicionar

radicalmente. Em 1966, com o aumento das baixas americanas, a empresa se convenceu da

necessidade de continuar o processo de 'americanização da guerra'.186

Nesse mesmo ano, o

editor-chefe e substituto de Henry Luce a frente da TIME Inc. publicou no editorial de Life

que sua empresa defendia abertamente a continuidade da intervenção americana no Vietnã e

sinalizava que, em breve os EUA retomariam a ofensiva definitiva para libertação do Vietnã

do Sul.187

Esse pronunciamento 'encantou Henry Luce ao ponto de dizer que o ensaio de

Donovan foi "o que de melhor se pode escrever sobre o Vientã até aquele momento".188

Henry Luce, mesmo aposentado, continuou viajando pelo mundo arriscando

inclusive viagens sem êxito à China completamente fechada aos jornalistas americanos.189

Luce, no final de fevereiro de 1967, sentiu-se mal e passou a ter dificuldades para se

alimentar. Clare, sua esposa o levou às pressas para o hospital. Embora os médicos não

tivessem encontrado nada de errado no primeiro diagnóstico, às 3h da manhã do dia 28 de

fevereiro, Henry Luce veio a falecer.190

185

BAUGHMAN, op cit, 192. 186

Ibid., ibidem. 187

PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III

(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 241-42; editorial Life, 25 February 1966, 27-31. 188

Ibid., ibidem. 189

BAUGHMAN, op cit, 193. 190

Ibid., ibidem.

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1.3 - TIME INC. PÓS-HENRY LUCE

1.3.1 - Donovan, Johnson e o Vietnã.

Em 1968, um ano após a morte de Henry Luce, o então homem forte da TIME Inc.,

Haddley Donovan, rompia com o presidente Jonhson em relação à Guerra do Vietnã.191

Além

da forte pressão da opinião pública americana, os meios de comunicação faziam questão de

publicar os números expressivos de soldados enviados ao Vietnã192

. Segundo Antonio Pedro

Tota, entre 1966 e 1968 o número de soldados enviados à região havia crescido de quinhentos

mil para oitocentos mil193

.

Os editoriais de Life, a partir de outubro de 1967, já indicavam a necessidade de se

iniciar, o quanto antes, uma solução negociada para o conflito.194

A TIME passou a questionar

a capacidade militar dos Estados Unidos no Vietnã fazendo com que o presidente Johnson se

queixasse das publicações de Donovan.195

O início da retirada gradual das tropas americanas, já no começo de 1968, estava de

acordo com as mudanças propostas por Donovan.196

A imprensa já não escondia os ataques

que as forças americanas faziam às áreas urbanas do Vietnã desde 1965, motivo que reforçava

ainda mais a perda de credibilidade tanto da administração de Jonhson como da imagem do

exército.197

191

PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III

(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 248. 192

BAUGHMAN, op cit, 193. 193

MAGNOLI, Demétrio. História das Guerras. São Paulo, contexto, 2006, p.217. 194

BAUGHMAN, op cit, apud editorials, Life 20-10-67, 4 a 15-03-1968. 195

DONOVAN, Hedley. Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper

& Row, 1985), p. 103. 196

Ibid., ibidem. 197

BAUGHMAN, op cit, 193.

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1.3.2- O novo cenário da concorrência

Donovan, ao distanciar a TIME Inc. do centro do governo de Johnson, após uma

persistente associação com a administração da guerra, funda uma nova etapa na história da

empresa. Ele queria trazer a revista para uma posição de 'centro' na política dos Estados

Unidos.198

Um dos primeiros movimentos estratégicos para a revista foi a substituição de

Fuerbringer por Henry Grunwald, em maio de 1968, na função de Editor-Chefe. 199

Grunwald

soube trabalhar a revista dentro de um universo de opiniões divergentes dentro da própria

revista.

Até o final da década de 1960, a TIME Magazine praticamente não tinha

concorrentes. No entanto, em 1961 a Newsweek, sob o comando do The Washington Post,

começou a ganhar 'respeito' e passou a desenvolver uma linha editorial mais afastada da

TIME.200

Ambas as revistas trabalhavam paralelamente em relação as suas fontes, porém

Newsweek se distancia das vozes do Congresso e começa a trabalhar com opiniões e fontes

advindas, muitas vezes, do meio acadêmico e distantes do centro do poder.201

TIME e Newsweek compartilharam dos dilemas da Guerra do Vietnã e da cruzada

anticomunista pelo mundo, no entanto, ao final da década, essa parceria começava e

diminuir.202

Newsweek como 'segunda-via' passou a atrair os anunciantes da TIME, fato que

motivou a equipe de Grunwald e ver a concorrente com muito mais respeito do que antes,

inclusive começaram estudar a linha editorial da Newsweek.203

Segundo Herbert J. Gans,

apesar das duas revistas se esforçarem em manter uma identidade separada, o público leitor de

ambas era praticamente o mesmo, não havia profundas diferenças entre ambas.204

Na outra ponta estava a Life, que mesmo com a "volta às origens" - prioridade às

imagens - não foi suficiente para recuperar o sucesso das décadas anteriores.205

O editor Ralph

Graves (1969-72) se esforçou ao máximo na redução dos custos de produção através da

diminuição do seu quadro de funcionários. Por outro lado, numa espécie de compensação, as

assinaturas da revista eram caras e promoviam a migração dos assinantes e dos anunciantes

198

DONOVAN, Hedley, op cit. p.183 199

BAUGHMAN, op cit, POLLACK, Richard. "Time after Luce", Harper's, July 1969. 200

BAUGHMAN, op cit, 194. 201

Ibid., ibidem. 202

Ibid., ibidem. 203

GANS, Herbert J. Deciding What's News (New York, Pantheon, 1979), 319. 204

Ibid., ibidem. 205

BAUGHMAN, op cit, p. 195.

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para outras revistas.206

As grandes rivais Saturday Evening Post e Look não suportaram a

concorrência. Em 1971, Look encerra suas publicações e, em 1972, foi a vez da Life.207

O

triunfo mundial da Televisão contribuiu para a derrocada de revistas como a Life. Alguns

editores chegaram até mesmo a colocar a culpa pelas falências nos serviços de correio.208

1.3.3 - O SÉCULO AMERICANO

Segundo Baughman, a reputação de Luce foi afetada logo após sua morte.209

O

currículo político do empresário foi marcado pelo seu constante apoio às intervenções

armadas dos EUA no exterior, tendo em vista os ideais norte-americanos dentro do contexto

da Guerra Fria.210

Muitos liberais e moderados entendiam que essas intervenções haviam

chegado ao limite extremo da política externa dos EUA e que se fazia necessário encontrar os

seus vilões.211

O nome de Luce aparecia em todas as listas.

O seu célebre texto sobre o "Século Americano" o tornou, além de 'senhor da

imprensa global americana' (press lord of American globalism)212

, o promotor do Estado

guerreiro.213

Segundo Baughman, apesar do crescente interesse econômico e cultural dos

EUA no exterior, Luce criticava os isolacionistas e a administração de Roosevelt, pois estes

não estavam dispostos a aceitar o que Lippmann já havia chamado de "O Destino

Americano".214

Para Luce, eram os EUA, e não a Grã-Bretanha, que iriam assumir o comando

do capitalismo mundial.215

Por outro lado, Henry Luce nunca questionou ações norte-americanas voltadas para o

bem das pessoas.216

Por exemplo, e segundo ele mesmo, durante o momento em que viveu

com os pais no norte da China, fez questão de assinalar que tanto os ingleses como os alemães

'causaram muitos males à China', enquanto os EUA fizeram exatamente o contrário.217

Sem

relativismos, Luce estava entre os primeiros a reconhecer a necessidade e a emergência da

206

BAUGHMAN, op cit, p. 195.. 207

Ibid., Ibidem. 208

Ibid., ibidem. 209

Ibid., ibidem. p. 196. 210

Ibid., ibidem. 211

Ibid., ibidem. 212

Ibid., ibidem. 213

Ibid 214

Ibid., p. 197. 215

Ibid., ibidem. 216

Ibid., ibidem. 217

BAUGHMAN apud EPSTEIN, Joseph. "Henry Luce and His Time", Commentary, November 1967, p. 379-

381.

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moderna corporação capitalista que, segundo afirma, "era algo para ser celebrado".218

A

exportação do capitalismo empresarial dos Estados Unidos era de fundamental importância à

manutenção d’O Século Americano.219

Reproduzimos na íntegra o texto original do Século Americano, publicado em no

editorial de Life em 1941 pelo próprio Henry Luce.

O Século Americano220

Nós, americanos, estamos tristes. Não estamos contentes com a América. Não

estamos felizes com nós mesmos em relação aos Estados Unidos. Estamos nervosos – senão

pessimistas– senão apáticos.

À medida que olhamos para o resto do mundo, ficamos confusos, não sabemos o que

fazer. “De repente ajudar a Grã-Bretanha na guerra” pode representar um misto de

esperanças e incertezas.

Ao olharmos para o futuro – o nosso próprio futuro e o de outras nações – somos

tomados por maus presságios. O futuro parece não representar nada para nós, exceto

conflito, rupturas e guerra.

Há um forte contraste entre o nosso estado de espírito e o do povo britânico. No dia

três de setembro de 1939, o primeiro dia de guerra na Inglaterra, Winston Churchill teve que

dizer: “As tempestades ao redor dessa guerra podem se espalhar e a terra pode ser flagelada

pela fúria dos seus ventos, mas em nossos corações nesta manhã de domingo existe a paz”.

Após Sr. Churchill pronunciar essas palavras, a Força Aérea Alemã passou a

produzir estragos nas cidades britânicas, levou a população para os subterrâneos, crianças

acordaram assustadas, e todos passaram a viver a maior aflição de sua história. Os leitores

de Life puderam ver esse estado de caos semana após semana.

No entanto, observadores atentos concordam que, quando Mr. Churchill falava de

paz nos corações do povo britânico, ele não estava entregando-se a uma oratória inútil. Os

britânicos são profundamente calmos. Parece haver uma completa ausência de nervosismo.

Parece que todas as neuroses da vida moderna tinham desaparecido da Inglaterra.

No início, o governo britânico preparou-se para o aumento de colapsos nervosos na

população, mas isso, na verdade diminuiu. Houve menos de uma dúzia de casos relatados em

Londres desde o início dos ataques aéreos.

218

BAUGHMAN, op cit, 197. 219

Ibid., ibidem. 220

LUCE, Henry, The American Century (publicado pela primeira vez em LIFE Magazine, edição de 17-02-

1941). Também disponível em Diplomatic History, Vol. 23, No. 2 (Spring 1999). © 1999 The Society for

Historians of American Foreign Relations (SHAFR). Published by Blackwell Publishers, 350 Main Street,

Malden, MA, 02148, USA and 108 Cowley Road, Oxford, OX4 1JF, UK. Credit: Henry Luce, Life Magazine.

Disponível também em http://www.informationclearinghouse.info/article6139.htm (acessado em 14/08/2013).

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Os britânicos são calmos de espírito não porque eles não têm nada com o que se

preocupar, mas pelo fato de estarem lutando por suas vidas. Eles tomaram essa decisão. Eles

não tiveram escolha.

Todos os seus erros cometidos nos últimos vinte anos, todas as tolices e falhas que

compartilharam com o resto do mundo democrático, agora estão no passado. Eles podem

esquecê-los, pois estão diante de uma tarefa suprema – defender, metro a metro, sua ilha

natal.

Conosco a situação é diferente. Nós não temos de enfrentar qualquer ataque amanhã

ou no dia seguinte. No entanto, estamos diante de algo muito difícil. Estamos diante de

grandes decisões.

***

Sabemos o quanto somos afortunados em comparação ao resto do mundo. Pelo

menos dois terços de nós são simplesmente ricos em comparação com o resto da humanidade

– ricos em alimentos, ricos em roupas, ricos em entretenimento e diversão, ricos em lazer,

ricos.

Por outro lado, também sabemos que a doença do mundo é também a nossa doença.

Nós também falhamos miseravelmente na solução dos problemas de nossa época. E em

nenhum lugar do mundo houve tantas falhas indesculpáveis como nos Estados Unidos da

América.

Em nenhum lugar o contraste foi tão grande entre as esperanças possíveis de nossa

época e os fatos reais de fracasso e frustração. E agora todas as nossas falhas e erros pairam

como aves de mau agouro sobre a Casa Branca, sobre a cúpula do Capitólio e sobre esta

página impressa. Naturalmente, não temos paz.

Mas, mesmo para além dessa necessidade de viver com os nossos próprios erros, há

outra razão pela qual não há paz em nossos corações. É porque não temos sido honestos com

nós mesmos.

Especialmente em torno da questão da Guerra ou da Paz, temos sido por diversas

vezes e de várias maneiras falsos com nós mesmos, falsos uns com os outros, falsos com os

fatos da história e falsos em relação ao futuro.

Neste autoengano, nossos líderes políticos, das mais diversas opiniões, estão

profundamente implicados. Contudo, não podemos jogar toda a culpa sobre eles. Se os

nossos líderes nos enganaram, é porque nós mesmos temos insistido nisso.

A falsidade deles é o resultado da nossa própria confusão moral e intelectual. Nesta

confusão, nossos educadores, religiosos e cientistas estão profundamente envolvidos.

Os jornalistas também, é claro, estão envolvidos. Mas se os americanos estão

confusos, não é por falta de informações precisas e pertinentes. O povo americano é, de

longe, o povo mais bem informado na história do mundo.

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O problema não está nos fatos. O problema é que inferências claras e honestas não

foram elaboradas a partir dos fatos. O cotidiano atual é nítido. No entanto, as dúvidas de

amanhã ainda não foram esclarecidas. A América se defronta com uma questão fundamental

jamais enfrentada por outra nação. Trata-se de uma questão peculiar para a América e

agora particular aos EUA no século XX. Trata-se de uma questão tão delicado quanto o

início da Guerra. Se a América souber conduzi-la, então, apesar dos perigos e das

dificuldades, poderemos olhar para frente e avançar para um futuro digno do homem, com a

paz em nossos corações.

Se nos esquivarmos desse assunto, iremos cambalear por dez, vinte ou trinta

amargos anos em erros consecutivos causando uma série de desastres.

O objetivo deste artigo é afirmar que a solução desta questão é plenamente possível.

Mas, antes de tudo, devemos ser sinceros conosco e sabermos de onde estamos e para onde

iremos.

A América está em Guerra

. . . Mas será que estamos nela?

Onde estamos? Estamos em guerra. Toda essa conversa sobre se isto ou aquilo pode

ou não levar-nos à guerra é uma perda de tempo. Estamos, de fato, na guerra.

Se há um lugar que os americanos não queriam estar, era na guerra. Não queremos

estar em nenhum tipo de guerra, mas, se há um tipo de guerra que, acima de tudo, não

queríamos estar, seria infelizmente numa guerra europeia. No entanto, estamos em uma

guerra, numa cruel e maligna guerra, do tipo que sempre impressionou o planeta, e, além de

ser mundial, trata-se de uma guerra europeia.

Claro que não estamos tecnicamente em guerra, muito menos estamos

dramaticamente em guerra, e nós nunca tivemos a experiência completa do inferno de

guerra. No entanto, uma simples afirmação permanece: estamos em guerra.

A ironia é que Hitler sabe disso – e a maioria dos americanos não. Isso pode – ou

não – ser uma vantagem para continuar as relações diplomáticas com a Alemanha. Mas o

fato de que a embaixada alemã em Washington ainda floresce belamente, ilustra toda a

massa de enganos e autoenganos que temos vivido.

Talvez a melhor maneira de provar que estamos em guerra é considerar também a

possibilidade de como sair dela. Praticamente, não há apenas uma maneira de sair dela

mesmo que haja uma vitória alemã sobre a Inglaterra. Se a Inglaterra se render em breve, a

Alemanha e os Estados Unidos não começariam a lutar no dia seguinte. Desse modo,

estaríamos fora da guerra. Por um tempo. O Japão possivelmente poderia atacar os Mares

do Sul e as Filipinas. Nós poderíamos abandonar as Filipinas, abandonar a Austrália e Nova

Zelândia, e nos retirar para o Havaí. E esperar. Gostaríamos de estar fora da guerra.

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Dizemos que não queremos estar na guerra. Também dizemos que queremos que a

Inglaterra vença. Queremos que Hitler pare – mais do que nunca queremos ficar de fora da

guerra. Porém, no momento, estamos nela.

Entramos em via de defesa

. . . Mas o que estamos defendendo?

Agora que estamos nesta guerra, como é que vamos entrar? Temos por base a

defesa. Mesmo que a própria palavra, defesa, esteja cheia de engano e autoengano.

Para o americano médio, é obvio que a palavra defesa está associada à defesa do

território americano. Pode parecer prudente o fato de que atualmente a nossa política

nacional esteja limitada somente à defesa da pátria americana a qualquer custo? Não está.

Nós não estamos em uma guerra para defender o território americano. Estamos em

uma guerra para defender e até mesmo para promover, incentivar e incitar os chamados

princípios democráticos em todo o mundo. O americano médio começa a perceber agora que

esse é o tipo de guerra que ele está dentro. Ele é o elemento que irá intermediar isso.

Ele talvez se pergunte como é que conseguimos chegar a isso, sendo que um ano

atrás sequer pensávamos nessa possibilidade. Com certeza, ele pode ver agora como chegou.

Ele chegou através da “defesa”.

Por trás das dúvidas na mente dos americanos houve e há duas imagens padrão.

Uma delas enfatiza as terríveis consequências da queda da Inglaterra levando-nos a uma

guerra de intervenção. Por uma simples questão de defesa do território norte-americano, tal

imagem é necessariamente real? Não é necessariamente verdade.

A outra imagem é grosseiramente assim: seria melhor para nós se Hitler estivesse

seguramente contido, no entanto, independentemente do que acontece na Europa, seria

perfeitamente possível para nós organizarmos a defesa da parte norte do hemisfério ocidental

para que este país não pudesse ser atacado com sucesso.

Vocês estão familiarizados com essa imagem. É verdadeiro ou falso? Nenhum

homem está qualificado para afirmar categoricamente que ela é falsa. Se todo o resto do

mundo ficou sob a dominação dos tiranos organizados, é bem possível imaginar que este país

poderia tornar-se um osso tão duro de roer que nenhum dos tiranos do mundo ousaria vir

contra nós.

E, claro, haveria sempre outra oportunidade bem melhor, como a grande Rainha

Elizabeth, de jogarmos um tirano contra o outro. Ou, como uma poderosa Suíça, poderíamos

viver discretamente e perigosamente no meio de inimigos.

Ninguém pode dizer que essa imagem da América, semelhante a um campo de

batalha, seja falsa. Ninguém pode dizer honestamente que por uma simples questão de defesa

– defesa de nossa pátria – seja algo necessário para entrar ou estar nesta guerra.

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A questão que se coloca diante de nós não é somente uma questão de necessidade e

sobrevivência. Trata-se de uma questão de escolha e cálculo. As questões reais são: Nós

queremos estar nesta guerra? Preferimos estar nela? E, em caso afirmativo, por quê?

Opomo-nos a estar nela

. . . Nossos medos têm uma causa especial

Nós estamos nesta guerra. Podemos ver como chegamos a ela em termos de defesa.

Agora, por que nos opomos tão fortemente para estar nela?

Há muitas razões. Primeiro, existe a aversão profunda e quase universal por todo

tipo de guerra – ou seja, matar e ser morto. Mas a razão pela qual se faz necessária uma

inspeção mais cuidadosa, trata-se de algo peculiar e que nunca foi percebido em qualquer

guerra anterior, o medo de que se chegar a esta guerra, será o fim da nossa democracia

constitucional.

Estamos todos familiarizados com uma previsão temerosa: que alguma forma de

ditadura é necessária para lutar numa guerra moderna; que nós certamente iremos à

falência; que no processo de guerra e suas consequências, a nossa economia será

amplamente socializada; que os políticos agora de seus escritórios irão tomar o poder por

completo e nunca irão render-se; que com toda essa tendência para o coletivismo, iremos

acabar em um total socialismo nacional, que qualquer semelhança de nossa democracia

constitucional americana estará totalmente descaracterizada.

Partimos para esta guerra com uma enorme dívida pública, uma vasta burocracia e

toda uma geração de jovens treinados para olhar para o Governo como a fonte de toda a

vida. O partido que está no poder é o que por longos anos tem sido mais simpático para

todos os tipos de doutrinas socialistas e tendências coletivistas.

O Presidente dos Estados Unidos tem continuamente conquistado mais e mais poder,

e ele deve a sua permanência no cargo até hoje, em grande parte, graças à vinda da guerra.

Assim, o medo de que os Estados Unidos serão levados a um nacional-socialismo, como

resultado de circunstâncias cataclísmicas e contrárias à vontade do povo americano, é um

medo inteiramente justificável.

Mas nós venceremos

. . . A grande questão é como.

Há uma desorganização – até agora. Muito mais poderia ser dito sobre

amplificação, qualificação e argumentação. De qualquer maneira, podemos indicar a soma

dos fatos sobre nossa posição atual diante do seguinte ponto – que a questão fundamental

deste momento não é se vamos entrar em guerra, mas como é que vamos ganhá-la?

Se estamos em uma guerra, logo não é vantagem apenas estarmos cientes do fato.

Uma vez que admitimos estar em uma guerra, não há sombra de dúvida de que nós,

americanos, estaremos determinados a vencê-la – mesmo que o preço a ser pago seja a nossa

vida ou a nossa fortuna.

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Se vamos ou não declarar guerra, se vamos ou não enviar forças expedicionárias ao

exterior, se devemos ou não ir à falência no processo – todas essas importantes

considerações são questões de estratégia e gestão e são secundárias à decisiva importância

de vencer a guerra.

Pelo que estamos lutando?

. . . E por que precisamos saber

Neste momento é chegada a hora de considerarmos com sinceridade, a nossa

posição para que estejamos seguros dos nossos propósitos e da questão maior que temos

diante de nós. Dito de forma mais simples, e em termos gerais, a questão é: Pelo que estamos

lutando?

Cada um de nós está pronto para dar a própria vida, a própria riqueza e toda

esperança de felicidade pessoal, para certificar-se de que a América não deve perder

nenhuma guerra, ela está completamente envolvida. Mas nós gostaríamos de saber qual

guerra estamos tentando ganhar – o que devemos ganhar e quando ganhar.

Esse questionamento reflete nossos verdadeiros instintos como americanos. Aliás,

mais do que isso,osso desejo urgente de dar a esta guerra o seu próprio nome tem uma

importância prática terrível. Se temos conhecimento daquilo pelo o que estamos lutando,

então podemos seguir com segurança em direção a um desfecho vitorioso e, além disso,

temos pelo menos ainda uma chance de estabelecer uma paz viável.

Além disso – e isto é um fato extraordinário e profundamente histórico que merece

ser examinado em detalhe – os EUA e somente os EUA podem efetivamente declarar a

Guerra de forma objetiva.

Quase todos os especialistas concordam que a Grã-Bretanha não pode ganhar a

Guerra sozinha – nem mesmo que todos tentem juntos “parar Hitler” – sem a ajuda

americana. Portanto, mesmo que a Grã-Bretanha anuncie nesse intervalo os seus objetivos

de guerra, o povo americano está sempre em posição de efetivamente aprovar ou não

aprovar esses objetivos.

Pelo contrário, se fossem os EUA quem anunciassem os objetivos da guerra, a Grã-

Bretanha certamente iria aceitá-los. E o mundo inteiro, incluindo Adolf Hitler iria aceitá-los

como o indicador dessa batalha.

Os americanos têm a sensação de que qualquer colaboração com a Grã-Bretanha

significa jogar o jogo dos britânicos e não o nosso. Toda essa concepção está no passado e

atualmente não passa de uma noção estúpida da situação. Em qualquer tipo de parceria com

o Império Britânico, a Grã-Bretanha está perfeitamente disposta aceitar que os Estados

Unidos da América devam assumir o papel de sócio sênior.

Isto tem sido verdade há muito tempo. Entre os ingleses mais críticos, a principal

queixa contra a América (e, aliás, o melhor álibi para eles) tem sido realmente isso – que os

Estados Unidos recusaram a oportunidade de ascender como liderança do mundo.

Considere esta declaração recente do Economist, de Londres:

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“Se uma aproximação permanente entre a Grã-Bretanha e os EUA é alcançada,

uma ilha com menos de 50 milhões de habitantes não pode esperar em ser o sócio

majoritário. . .”

O centro de gravidade e a decisão final devem cada vez mais estar com os Estados

Unidos. Não podemos nos ressentir deste processo histórico. Podemos, sim, sentir orgulho de

que o ciclo de dependência, inimizade e independência está se tornando o círculo de uma

nova interdependência.”

Nós, americanos, não temos mais o velho álibi de que não podemos ter as coisas do

jeito que queremos tanto quanto a Grã-Bretanha quer. Com o devido respeito para os

variados problemas dos membros da Comunidade Britânica, o que queremos é estar em boas

relações com eles.

Isto é válido também para a inspiradora proposta conhecida como União Now –

uma proposta, feita por um americano, que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos deveriam

criar uma confederação entre seus povos. Talvez isso não seja o caminho certo para o nosso

problema. Mas nenhum americano consciente fez seu dever por parte dos Estados Unidos da

América até ler e ponderar sobre o livro de Clarence Streit ao apresentar essa proposta.

O grande ponto a ser observado até aqui é simplesmente saber que neste momento a

liderança é nossa. Tal como a maioria das oportunidades, esta é uma oportunidade mesclada

em grandes dificuldades e perigos. Se não quisermos, se nos recusarmos em conduzi-la, a

responsabilidade de tal recusa também é nossa, e somente nossa.

Reconhecidamente, o futuro do mundo não pode ser restringindo em um só local. É

estúpido tentar projetar o futuro como se plantássemos um motor ou como redigir uma

constituição para uma irmandade. Mas se o nosso problema é não sabermos pelo o que

estamos lutando, então cabe a nós descobrir isso.

Não podemos esperar que outro país nos conte isso. Pare esta propaganda Nazista

sobre lutar a guerra de outrem. Não lutamos guerras, exceto as nossas guerras. “Arsenal da

Democracia?” Hoje este deve ser o arsenal da América e dos amigos e aliados aos Estados

Unidos.

Amigos e aliados da América? Quem são eles, e para quê? Nós é que deveremos

dizer isso para eles.

Dong Dang ou a democracia

. . . Mas, qual democracia?

Mas como podemos dizer isso a eles? E como podemos dizer a nós mesmos qual a

finalidade de buscarmos aliados e para que fins lutamos? Vamos lutar pelo querido velho

Danzig ou velho e pelo querido Dong Dang? Vamos decidir os limites da Uritânia?

Ou, se não podemos afirmar nossos objetivos de guerra em termos de geografia,

devemos usar algumas belas palavras como democracia e liberdade e justiça? Sim, nós

podemos usar as belas palavras. O presidente já usou. E talvez seria melhor nos

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acostumarmos a usá-las novamente. Talvez elas signifiquem alguma coisa – tanto sobre o

futuro, como sobre o passado.

Alguns entre nós estão dispostos a morrer por essas belas palavras – nos campos e

nos céus da batalha. Até isso, ou as próprias palavras e o que elas significam podem morrer

conosco – em nossos leitos.

Mas não há nada entre o som absurdo de cidades distantes e a estridente trombeta

de palavras majestosas? E se assim for, qual Dong Dang e qual democracia? Não existe algo

tão satisfatório que não possamos agarrar com os dentes? Não há nenhuma espécie de

programa compreensível? Um programa que pode claramente ser muito bom e que faria

muito sentido para os Estados Unidos – e que, ao mesmo tempo, teria a benção da deusa da

democracia e até mesmo ajudaria de alguma forma a ordenar essa questão tediosa de Dong

Dang?

Não existe nada assim? Existe. Desse modo e neste momento conseguimos nos

aproximar mais diretamente da questão que os americanos tanto odeiam e que está diante de

todos. Trata-se daquela velha questão, tal como aqueles velhos e agressivos rótulos: o

isolacionismo contra o internacionalismo.

Detestamos ambas as palavras. Cuspimos em cada uma delas com a fúria de gansos

grasnando. Nós nos abaixamos e nos esquivamos delas.

Vamos enfrentar essa questão agora de frente. Se a encararmos de frente neste

momento – e se nesse enfrentamento levarmos em conta plenamente o destemor da realidades

da nossa época – então vamos abrir o caminho, não necessariamente para a paz em nossas

vidas diárias, mas para a paz em nossos corações.

A vida é feita de alegrias e tristezas, de satisfações e dificuldades. Neste tempo de

angústia, falamos de problemas. Existem muitos problemas. Há problemas no campo da

filosofia, da fé e da moral. Há problemas de casa e da família, da vida pessoal. Todos estão

interligados, mas falamos aqui especialmente dos problemas da política nacional.

No campo da política nacional, o problema fundamental com a América tem sido

que enquanto a nação tornou-se no século XX a nação mais poderosa e mais vital no mundo,

no entanto, os americanos não foram capazes de acomodar-se técnica e espiritualmente a

esse fato.

Portanto, eles não conseguiram fazer a sua parte como uma potência mundial – uma

falha que teve consequências desastrosas para nós e para toda a humanidade. A solução

pode ser esta: aceitar plenamente o nosso dever e a nossa oportunidade como a nação mais

poderosa e vital no mundo e, em consequência, exercer sobre o mundo o pleno impacto da

nossa influência. Para estes fins, nos vemos em forma e assim estamos.

***

“Para esses fins, como nos vemos em forma” deixamos totalmente em aberto a

questão de que os nossos propósitos podem ser alcançados adequadamente. Enfaticamente a

nossa única alternativa ao isolacionismo não é comprometer-se em policiar o mundo inteiro,

nem nos impor às instituições democráticas em toda a humanidade, incluindo o Dalai Lama e

os bons pastores do Tibete.

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A América não pode ser responsável pelo bom comportamento do mundo. Mas a

América é a responsável, por si mesma, bem como a história e o ambiente do mundo em que

vive. Nada pode afetar vitalmente o ambiente americano como sua própria influência, e logo

se esse ambiente é desfavorável para o crescimento da vida americana, então a América não

tem ninguém para culpar tão profundamente como ela mesma se culpa.

Na sua incapacidade de compreender essa relação entre o ambiente americano e a

América encontra-se a falência moral e prática de todas e quaisquer formas de

isolacionismo. É lamentável que este vírus da esterilidade isolacionista tem profundamente

infectado uma influente seção do Partido Republicano.

Pois até o Partido Republicano pode desenvolver uma filosofia vital e um programa

de iniciativa e atividade como um poder mundial dos Estados Unidos, ele vai continuar a se

retirar de qualquer participação útil nesta hora da história. E sua participação é

profundamente necessária para a formação do futuro da América e do mundo.

***

Mas, politicamente falando, é um fato tão grave que há sete anos Franklin Roosevelt

era, para todos os efeitos práticos, um completo isolacionista. Ele era mais isolacionista que

Herbert Hoover ou Calvin Coolidge.

O fato de que Franklin Roosevelt surgiu recentemente como uma líder mundial de

emergência não deve obscurecer o fato de que durante sete anos suas políticas correram

absolutamente contra qualquer possibilidade de liderança americana eficaz na cooperação

internacional. Há, naturalmente, uma justificação que pode ser feita para os dois primeiros

mandatos do Presidente. Pode-se dizer, com razão, que as grandes reformas sociais foram

necessárias para levar e atualizar a democracia a maior das democracias.

Mas o fato é que Franklin Roosevelt falhou em fazer a democracia americana

funcionar com êxito em uma base estreita, materialista e nacionalista. E sob Franklin

Roosevelt, nós mesmos não conseguimos fazer a democracia funcionar com sucesso. Nossa

única chance agora de fazê-la funcionar é em termos de uma economia internacional vital e

de uma ordem moral internacional.

Tal objetivo é a grande oportunidade de Franklin Roosevelt para justificar seus dois

primeiros mandatos e para entrar para a história como o maior dos presidentes americanos.

Nosso trabalho é ajudar de todas as maneiras que pudermos, para nosso bem e de nossos

filhos, garantir que Franklin Roosevelt seja justamente saudado como o grande presidente

dos Estados Unidos.

Sem a nossa ajuda ele não pode ser o nosso grande presidente. Com a nossa ajuda,

ele pode e vai ser. Em baixo ele e com sua liderança, podemos fazer do isolacionismo um

assunto tão morto como a escravidão, e podemos fazer do internacionalismo algo

verdadeiramente americano tão natural para nós em nosso tempo, como o avião ou o rádio.

Em 1919 tivemos uma oportunidade de ouro, uma oportunidade sem precedentes em

toda a história, para assumir a vanguarda mundial – uma oportunidade de ouro entregue a

nós numa proverbial bandeja de prata. Não entendemos essa oportunidade. Wilson rejeitou-

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a. Nós a rejeitamos. A oportunidade persistiu. Nós a estragamos na década de 1920 e, nas

confusões da década de 1930, a matamos.

Liderar o mundo nunca foi uma tarefa fácil. Retomar a esperança na oportunidade

perdida se faz hoje como uma tarefa infinitamente ainda mais difícil do que teria sido antes.

No entanto, com a ajuda de todos nós, Roosevelt pode triunfar onde Wilson falhou.

O século XX é o século americano

. . . Alguns fatos sobre o nosso tempo

Consideremos o século XX. Não é apenas no sentido de que vivemos nele, mas

porque é o primeiro século da América como uma potência dominante no mundo. Até agora,

este nosso século tem sido de um profundo e trágico desapontamento. Em nenhum outro

século foi tão grande a promessa de progresso humano e felicidade. E em nenhum século

tantos homens, mulheres e crianças sofreram tanta dor, angústia e morte.

É um século desconcertante, difícil e paradoxal. Sem dúvida, todos os séculos foram

paradoxais para aqueles que neles viveram. Todavia, os nossos paradoxos de hoje são

maiores e melhores do que nunca. Sim, melhor, bem como maior – inerentemente melhor.

Nós temos pobreza e fome – porém, em meio a abundância. Temos as maiores

guerras em meio ao mais difundido, profundo e mais articulado ódio da guerra de toda a

história. Temos tiranias e ditaduras – exceto quando o idealismo democrático, considerando

a dúbia excentricidade de uma nação colonial, é a fé da grande maioria das pessoas do

mundo.

Nosso século também é um século revolucionário. Os paradoxos o tornam

inevitavelmente revolucionário. Revolucionário, claro, na ciência e na indústria. E também

revolucionário como corolário da política e da estrutura da sociedade.

Mas dizer que uma revolução está em andamento não quer dizer que os homens

comcom as ideias mais loucas, bravias ou plausíveis possam sair vencedores. A Revolução de

1776 foi conquistada e estabelecida pelos homens que em sua maioria pareciam ter sido

cavalheiros e homens de bom senso.

Claramente uma época revolucionária significa uma época de grandes mudanças e

grandes ajustes.

Esta é apenas uma razão pela qual ela é realmente tão insana que as pessoas deixam

de se preocupar com a nossa “democracia constitucional”, sem levar em conta, ou melhor,

sem pensar numa revolução mundial. Talvez, quando soubermos compreender e resolver os

problemas do nosso tempo é que poderemos restabelecer a nossa democracia constitucional

por mais 50 ou 100 anos.

Este século XX é desconcertante, difícil, paradoxal, revolucionário. Mas agora, com

o custo de muita dor e muitas esperanças adiadas, sabemos muito sobre ele. E devemos

acomodar as nossas perspectivas para esta evidência. Por exemplo, qualquer concepção real

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do nosso mundo no século XX certamente deve incluir uma consciência viva de, pelo menos,

quatro proposições:

Primeiro: o nosso mundo de dois bilhões de seres humanos é, pela primeira vez na

história, um mundo, fundamentalmente indivisível. Segundo: o homem moderno odeia a

guerra e sente intuitivamente que, na sua escala e frequência presente, ele pode até mesmo

ser mortal para a própria espécie. Terceiro: o nosso mundo, mais uma vez, pela primeira vez

na história humana, é capaz de produzir todo o tipo material de que precisa a família

humana. Em quarto lugar: o mundo do século XX, para se tornar nobre, saudável e vigoroso,

precisar ser de forma significativa um século americano.

Quanto ao primeiro e segundo: ao postular a indivisibilidade do mundo

contemporâneo, não é necessário imaginar algo como um Estado mundial – um parlamento

de homens – tem que ser conquistado neste século. Nem precisamos assumir que a guerra

possa ser abolida.

Tudo o que é necessário é perceber – perceber profundamente – que as terríveis

forças de atração e repulsão magnéticas funcionarão entre os grandes grupos de seres

humanos neste planeta. Grande parte da família humana pode ser organizada de forma eficaz

em oposição a outra.

Tiranias podem exigir um imenso espaço de vida. Mas a liberdade exige e exigirá

muito mais espaço do que a tirania. Talvez a paz não possa suportar, a menos que ela

prevaleça sobre uma grande parte do mundo. A justiça vai chegar perto de perder todo o

significado na mente dos homens, a menos que Justiça possa ter aproximadamente os mesmos

significados fundamentais em muitos países e em muitos povos.

Quanto ao terceiro ponto – a promessa de produção adequada para toda a

humanidade – e de uma “vida mais abundante” – é caracteristicamente uma promessa

americana. Esta é uma promessa facilmente feita, aqui e em todo lugar, por demagogos e os

que propõem todas as formas de esquemas rápidos e “economias planejadas”.

O que devemos insistir é que a vida abundante seja baseada na liberdade - a

liberdade que criou a sua possibilidade – em uma visão de liberdade sob a lei. Sem liberdade,

não haverá vida abundante. Com liberdade, poderá haver.

E, finalmente, há a crença – compartilhada, nos lembram a maioria dos homens – de

o século XX deve ser, num grau significativo, um século americano. Esse conhecimento nos

chama à ação agora.

Visão do Nosso Mundo De América

. . . Como deve ser criado

O que podemos dizer e prever sobre um século americano? Não faz sentido apenas

dizer que rejeitamos isolacionismo e aceitamos a lógica do internacionalismo. O

internacionalismo? Roma teve um grande internacionalismo. Do mesmo modo o Vaticano,

Genghis Khan, os turcos otomanos, os imperadores chineses e o século XIX inglês.

Após a primeira Guerra Mundial, Lenin tinha algo em mente. Hoje Hitler parece ter

isso em mente – algo que apela fortemente para alguns isolacionistas americanos, de quem a

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opinião da Europa é tão insignificante que eles alegremente a entregam a qualquer um que

der a garantia que destruirá para sempre. Mas que internacionalismo os americanos tem

para oferecer?

O nosso internacionalismo veio da visão de algum homem. Ele tem que ser produto

da imaginação de muitos homens. Ele tem que ser compartilhado com todos os povos na

nossa Carta de Direitos, nossa Declaração de Independência, nossa Constituição, nos nossos

incríveis produtos industriais, nas nossas habilidades técnicas. Tem que ser um

internacionalismo das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas.

Em geral, as questões sobre o povo americano giram em torno de sua determinação

para fazer a sociedade dos homens aptos para a liberdade, ao crescimento e ao aumento da

satisfação de todos os homens livres. Além do que, a determinação, os escárnios, gemidos,

assobios, o ranger de dentes, os silvos e rugidos do Ministério da Propaganda nazista não

passam de um breve momento.

Uma vez que deixemos de nos distrairmos com argumentos sem vida acerca do

isolacionismo, vamos nos surpreender ao descobrir que já existe um imenso

internacionalismo americano. O jazz norte-americano, os filmes de Hollywood, a gíria

americana, as máquinas americanas e os produtos patenteados, são, na verdade, as únicas

coisas que todas as comunidades do mundo, a partir de Zanzibar a Hamburgo, reconhecem

em comum.

Às cegas, sem intenções, acidentalmente e apesar de nós mesmos, já somos uma

potência mundial em todos os sentidos – e de forma absolutamente humana. Mas há muito

mais do que isso. A América já é o capital intelectual, científico e artístico do mundo. Os

norte-americanos, norte-americanos do meio-oeste, são hoje as pessoas menos provincianas

do mundo.

Eles viajaram mais e sabem mais sobre o mundo de que as pessoas de qualquer

outro país. A experiência mundial dos Estados Unidos no comércio também é muito maior do

que a maioria de nós imagina.

O mais importante de tudo, é que precisamos definir, o nosso sinal inequívoco da

liderança: o prestígio. E, ao contrário do prestígio de Roma ou Genghis Khan ou do século

XIX inglês, o prestígio americano em todo o mundo é a fé nas boas intenções, bem como na

inteligência suprema e força final de todo o povo americano. Temos perdido muito desse

prestígio nos últimos anos. Mas a maior parte dele ainda permanece.

***

Nenhuma definição exata pode ser dada ao internacionalismo norte-americano do

século XX. Ele vai tomar forma, como todas as civilizações tomaram forma: por si mesmo,

pelo seu trabalho e esforço, por tentativa e erro, por iniciativa e aventura, e experiência. E

pela imaginação!

Pelo fato de a América entrar dinamicamente na cena mundial, precisamos, acima

de tudo, buscar e trazer uma visão da América como potência mundial que é autenticamente

americana e que pode nos inspirar a viver, trabalhar e lutar com vigor e entusiasmo.

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Chegamos finalmente ao grande teste, podemos revelar que em todas as

experiências e adversidades inspiradoras durante a primeira parte deste século, nós, como

pessoas, temos sido dolorosamente depreendidos do significado da nossa época e agora,

neste momento de testes, pode vir à tona, por fim, a visão que nos guiará para a criação

autêntica do século XX – o nosso século.

***

Consideremos quatro áreas da vida e do pensamento para as quais podemos buscar

e realizar essa visão: Primeira, a econômica. A América sozinha irá determinar um sistema

de livre iniciativa econômica – uma ordem econômica compatível com a liberdade e

progresso – devemos ou não vencer neste século.

Sabemos perfeitamente que não existe a menor possibilidade de qualquer coisa

vagamente parecida com um sistema econômico livre prevalecer neste país se ele não

prevalecer em outro lugar. Então, o que a América tem de decidir?

Algumas poucas decisões são muito simples. Por exemplo: temos de decidir se

queremos ou não ter para nós mesmos e nossos amigos a liberdade dos mares – o direito de

ir com os nossos navios e os aviões no longo curso que queremos, quando queremos e como

queremos.

A visão da América como o principal guardião da liberdade dos mares, a visão da

América [sic] como a líder dinâmica do comércio mundial, tem dentro de si, tanto as

possibilidades desse enorme progresso humano como de aguçar a criatividade. Não vamos

nos assustar por isso.

Vamos ampliar as possibilidades. Nosso pensamento de hoje sobre o comércio

mundial é ridiculamente pequeno. Por exemplo, pensamos na Ásia, como algo que estivesse

centenas de anos de nós.

Na verdade, nas próximas décadas, a Ásia poderá valer para nós exatamente zero –

ou talvez quatro, cinco ou dez bilhões de dólares por ano. Essa é a forma como devemos

pensar, ou, na pior das hipóteses, admitir uma lamentável impotência.

Muito próxima à área puramente econômica e ainda bastante diferente dela, existe a

imagem de uma América que enviará pelo mundo suas habilidades técnicas e artísticas.

Engenheiros, cientistas, médicos, homens de cinema, fabricantes de entretenimento,

engenheiros de companhias aéreas, construtores de estradas, professores, educadores. Em

todo o mundo, essas habilidades, esse treinamento, essa liderança é necessária e será

ansiosamente aguardada se tivermos a imaginação para vislumbrá-la com sinceridade e boa

vontade para criar o mundo do século XX.

Mas agora há uma terceira forma que a nossa mente precisa estar imediatamente

preocupada. Devemos nos encarregar de sermos o Bom Samaritano em todo o mundo. É

nosso dever alimentar todas as pessoas do mundo; o resultado deste colapso mundial da

civilização produziu pessoas famintas e miseráveis – todos eles, isto é, de quem de temos em

tempos possui uma atitude muito rígida contra todos os governos hostis.

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Para cada dólar que gastamos em armamentos, devemos gastar, pelo menos, um

centavo num gigantesco esforço para alimentar o mundo – e todo o mundo deveria saber que

temos nos dedicado a esta tarefa. Cada agricultor na América deveria ser incentivado a

produzir em todas as culturas que pode, e tudo o que não podemos comer – e, talvez, alguns

de nós poderia comer menos – imediatamente devem ser enviados para os quatro cantos do

globo como um presente, administrado por um exército humanitário dos norte-americanos,

para cada homem, mulher e criança na Terra que está realmente com fome.

***

Mas tudo isso não é suficiente. Tudo isso irá falhar e nada disso vai acontecer, a

menos que a nossa visão da América como potência mundial inclua uma devoção apaixonada

pelos grandes ideais americanos. Temos algumas coisas neste país que são infinitamente

preciosas e, especialmente para os americanos – um amor de liberdade, um sentimento pela

igualdade de oportunidades, uma tradição de auto suficiência e independência e também de

cooperação.

Além desses ideais e conceitos que são especialmente americanos, somos os

herdeiros de todos os grandes princípios da civilização ocidental – sobretudo a justiça, o

amor à verdade, o ideal de Caridade. Outro dia, Herbert Hoover disse que os Estados Unidos

estavam se tornando rapidamente o santuário dos ideais de civilização. Neste momento,

podemos ser suficientemente o santuário desses ideais.

Mas não por muito tempo. Chegará a nossa hora de sermos a força motriz desses

ideais que se espalharam por todo o mundo e faremos o trabalho milagroso de erguer a vida

da humanidade a partir do nível dos animais ao nível daquilo que o salmista chamou de

“próximos aos anjos”.

Uma América como o centro dinâmico de esferas empresariais, uma América cada

vez maior como o centro de treinamento dos funcionários hábeis da humanidade. Uma

América como o Bom Samaritano, que realmente crê como a nação mais abençoada, aquela

que doa mais que recebe. Os Estados Unidos como a potência dos ideais de liberdade e

justiça. A partir desses elementos, certamente, pode ser formada uma visão de século XX. O

século ao qual podemos nos dedicar com júbilo, alegria, vigor e entusiasmo.

Outras nações podem sobreviver, mesmo que tenham sofrido tanto tempo – às vezes

com mais e outras com menos importância. Mas esta nação, concebida em aventura e

dedicada ao progresso do homem, pode realmente suportar através de suas veias, do Maine à

Califórnia, o sangue de propósitos e empresas e a alta determinação.

Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, este continente fervilhava com projetos

múltiplos e propósitos magníficos. Acima de tudo, tecemos, juntos, uma bandeira para todo o

mundo e para a história, nosso propósito foi de triunfo e de liberdade.

É com esse espírito que todos nós somos chamados, cada um à sua própria medida e

capacidade, e cada um no mais amplo horizonte de sua visão, para criar a primeiro grande

Século Americano.

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1.3.4 - Comunicação para as massas

Os impulsos missionários de Henry Luce também eram impulsos pedagógicos.221

Segundo Baughman, desde o seu primeiro número a TIME Magazine sempre deu espaço às

artes e ciências em suas páginas.222

Luce colocava a 'notícia' acima da política e da

diplomacia.223

Dentro desse universo pedagógico, Fortune ensinava aos empresários temas

sobre arte e antropologia - Life do mesmo modo.

O jornalismo para Henry Luce tinha o dever de ir a fundo e ver, conhecer, contar e

ensinar224

. Para Luce, o Quarto Poder devia se considerar um instrumento para a educação ao

mesmo tempo em que, citando seu pai, as notícias deviam fazer o homem se sentir em casa no

universo.225

Geralmente o conceito de arte e cultura, elaborados pela TIME Magazine,

levavam muitos críticos do jornalismo norte-americano a considerá-los medianos. Porém,

Luce havia sido o primeiro, e durante muito tempo esteve sozinho dentro desse processo

editorial e pedagógico na imprensa periódica.226

Chegando ao final do século XX, algumas décadas após a morte de Henry Luce, a

União Soviética não existe mais - a grande rival dos EUA - e os americanos se encontram a

frente do mundo dentro de um formato que o fundador da TIME iria saborear com prazer.227

Por outro lado, o fim da Guerra Fria produziu um fenômeno inesperado para o

jornalismo de Luce e um alto preço a ser pago. A saída de cena da ameaça Soviética produziu

uma queda drástica no número de leitores interessados em questões internacionais.228

Os

americanos passaram a se distanciar cada vez mais daquele compromisso globalizante

proposto por Luce em seu Século Americano desde 1941.229

Segundo Baughman, o apetite nacional pelo jornalismo sério caiu de forma

significativa e a agenda do noticiário nacional começou a se parecer com aquela que Luce e

Hadden se depararam nos anos 1920, ou seja, "um jornalismo preocupado com escândalos e

221

BAUGHMAN, op cit, 198. 222

Ibid., ibidem. 223

Ibid., ibidem. 224

"Journalism, to Luce, had “the inner duty to see, to know, to tell, to teach.”, in: BAUGHMAN, ibid . 225

Ibid 226

Ibid., ibidem. 227

BAUGHMAN, op cit, 203. 228

Ibid., ibidem. 229

Ibid., ibidem.

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excentricidades (hunts)".230

Desde 1970, os americanos vinham produzindo um movimento para 'dentro', e uma

nova política de identidade movimentou diversos segmentos - tais como 'as mulheres' e as

'minorias raciais', todos contra os velhos padrões de identidade nacional que marcavam a

história dos Estados Unidos até aquele momento.231

Outros fatores associados ao aumento do

nível de educação, renda e lazer geraram novos consumidores, em particular os mais jovens,

estes que passaram a desenvolver um gosto mais especializado de leitura.232

As grandes

histórias de sucesso não seriam mais aquelas encontradas em grandes veículos de

comunicação de massa como a TIME e a Life, mas naquelas revistas que atendiam interesses

mais específicos.233

Os sucessores de Henry Luce, dentre eles Hadley Donovan, tentaram

acompanhar essa tendência, porém com sucesso limitado.234

Dentro desse novo cenário, um elemento caracterizou a atenção das massas:

tratava-se da cultura das celebridades: desde os astros do cinema até os artistas da televisão e

da música popular.235

Segundo Neal Gabler, "nenhuma sociedade possui e reverencia tantas

celebridades como a nossa de forma tão intensa".236

Uma das alternativas que Hedley

Donovan encontrou para sobreviver nesse mercado foi a publicação da revista People,

fundada em 1974, com o objetivo de fazer a cobertura dessas celebridades.237

O jornalismo de celebridades apresentou um grave problema para as mídias

tradicionais. Durante décadas a TIME Magazine podia abrir uma exceção de capa a uma

estrela de cinema esporadicamente. Em certas ocasiões Rita Hayworth poderia estar em

destaque - com a devida autorização dos familiares - e chamar muito mais a atenção do que se

Trumann fosse o destaque.238

Por outro lado, na década de 1980, o resultado no balanço das vendas foi um

verdadeiro fracasso não deixando de fora nem a principal concorrente Newsweek, cujo editor

anunciou como o seu pior momento.

Na tentativa de justificar e ao mesmo tempo compreender esse fenômeno do

230

BAUGHMAN, James L., Republic of Mas Culture, Jounalism, Filmmaking, and Broadcastng in America,

since 1941, 2 ed. (Baltimore: John Hopkins University Press, 1997), 230-31. 231

BAUGHMAN, Henry Luce..., p.203. 232

BELLAH, Robert N., et al., Habits of the Heart: Individualism and Commitment in American Life, updated

ed. (Berkeley: University of California Press, 1996) 233

ABRAHAMSON, David. Magazine-Made America: The Cultural Transfomation of the Postwar Periodical

(Cresskill, N. J.: Hampton Press, 1995). 234

BAUGHMAN, Henry Luce..., p.203. 235

BAUGHMAN op cit, p. 204. 236

GABLER, Neal. Life de Movie: How Entertainment Conquered Reality (New York: Knof, 1998), p. 7. 237

BAUGHMAN op cit, idem. 238

GAMSON, Joshua. Claims to Fame: Celebrity in Contemporary America (Berkley: University of California

Press, 1994), 40-44, 59-78.

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jornalismo americano, Donovan publicou:

"O novo é melhor do que o velho, o belo é melhor do que o feio, a música é melhor

do que os filmes, os filmes são melhores do que esporte, e qualquer coisa é melhor

do que a política."239

239

“Young is better than old, pretty is better than ugly, music is better than movies, movies are better than sports,

and anything is better than politics.” in: BAUGHMAN, op cit, idem.

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CAPÍTULO 2

ESPECTROS DO ANTIAMERICANISMO LATINO-

AMERICANO: 1958 – 1960

Antes de chegar à presidência, Jânio Quadros já chamava a atenção não apenas da

TIME Magazine, mas também do Departamento de Estado.240

Segundo Carlos Alberto L.

Barbosa, “desde 1950 os órgãos de informação do governo americano vinham rastreando

Quadros, inclusive sua família.”241

Já em 1958, antes mesmo de Quadros se lançar candidato à

presidência, o Departamento de Estado concluía que Jânio tentaria utilizar o partido

comunista a favor de sua eleição, do mesmo modo como fizera anteriormente.242

Numa edição

de 1959243

, a TIME analisou a estratégia de Jânio:

A estratégia de Quadros se enquadrava perfeitamente na posição de seu rival Lott,

que também é apoiado pelos comunistas, ele se manifestou contrário às relações

entre Brasil e URSS a fim de evitar acusações de fazer pactos com os comunistas.

Quadros não teme esse rótulo (...)244

Dentro do período que vai do ano de 1958 à vitória de Jânio em 1960, a TIME

Magazine fez uma cobertura vigilante sobre os eventos políticos, sociais e culturais no Brasil

e em alguns países da América Latina, principalmente no que diz respeito às manifestações

antiamericanas e também àquelas que revelavam nosso posicionamento crítico em relação aos

Estados Unidos.

Neste capítulo, destacamos cinco elementos que vão ao encontro dessa análise.

Primeiro, a visita de Nixon à América Latina, em especial na Venezuela – fato sintomático e

explícito de um agudo protesto antiamericano. Segundo, o lançamento da Operação Pan-

americana por Juscelino. Terceiro, a Revolução Cubana. Quarto: a visita de Ensenhower no

início de 1960 se fez paralela ao início da campanha de Jânio Quadros e representou um dos

esforços do Departamento de Estado em averiguar os ânimos no Brasil e na América Latina

240

Ver: http://history.state.gov/historicaldocuments/frus1958-60v05/comp11; também disponível em

BARBOSA, Carlos Alberto Leite, O Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros, São Paulo,

Atheneu, 2007, p. 87. 241

Ibid., ibidem. 242

Ibid., ibidem. 243

Time Magazine, Brazil: Running Early, 17-08-1959. 244

Quadros' ploy neatly bracketed the position of his rival Lott, who is also backed by the Communists and came

out against Brazilian-Soviet relations to forestall charges of making pacts with the Reds. Quadros fears no such

label (...).Time Magazine, loc cit.

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em relação à imagem americana. Como veremos mais a frente, nesse capítulo, a TIME cobriu

a visita do presidente americano e pode fornecer – ao seu modo – o termômetro do

antiamericanismo na região. Por último, a projeção de Jânio Quadros como candidato à

presidência do Brasil, o maior e mais importante país latino-americano.

Sintomas pontuais de antiamericanismo na América Latina chamavam a atenção não

somente da TIME Magazine (TM), mas de todo o restante do mundo. Tratava-se de uma

manifestação pública que confrontava o ideário d’O Século Americano.

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2.1 - NIXON NA VENEZUELA (1958)

O segundo mandato de Eisenhower (1957-1960) teve a figura do vice-presidente

Nixon como porta voz frequente dos Estados Unidos nas relações internacionais. A bandeira

contra o comunismo era hasteada cada vez mais alto. Os ditadores latino-americanos

amistosos ao governo de Washington e cumpridores da vigilância na região começavam a

cair. Eisenhower incumbiu Nixon com a ação de averiguar os ânimos latino-americanos -

cujos resultados de suas análises serviriam de termômetro e alerta para questões de urgência.

A conturbada passagem de Nixon pela América do Sul levou os Estados Unidos a repensarem

a sua relação com o hemisfério, principalmente em termos de ajuda econômica. Nixon havia

sido bem recebido por estudantes no Uruguai e teve “um pouco de publicidade negativa pelo

atraso de sua chegada à posse do presidente Arturo Frondizi na Argentina.”245

Em Lima,

houve o prenúncio do que estaria por vir. Em Caracas, Nixon teve de enfrentar uma “multidão

raivosa de estudantes.”246

O sentimento antiamericano foi notado em manifestações estudantis

em algumas capitais da América do Sul.247

No caso venezuelano, as manifestações foram

radicais, e tiveram uma atenção especial da TIME:

Por cima dos ombros rígidos de uma linha de soldados venezuelanos no Aeroporto

de Maiquetía, rios de saliva se espalhavam através da luz do sol e respingavam no

delicado paletó cinzento do Vice-Presidente dos EUA e no terno de lã vermelho de

sua esposa. Mas o pior ainda estava por vir: menos de uma hora mais tarde, Dick e

Pat Nixon estiverem bem próximos de serem fortemente agredidos e possivelmente

mortos pela violência das ruas de Caracas, a última parada de uma visita a oito

países da América do Sul.248

O trecho acima se propõe a descrever a barbárie latino-americana, de um lado os

“mal-educados” venezuelanos, do outro, a elegante e bem vestida “civilização” americana.

Nixon, por mais controversa que fosse a sua personalidade, sempre teve o apoio político de

Henry Luce, mesmo contra Kennedy (vide capítulo 1).

As hostilidades tiveram início já na chegada ao aeroporto. O incidente narrado

acima por TIME ocorreu no momento em que Nixon e a sua comitiva pretendiam se dirigir

245

SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão- uma história da política norte-americana em

relação à América Latina, Bauru, SP, EDUSC, 2000, p. 389. 246

Ibidem. 247

WATERS, Vernon. Missões Silenciosas, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1986, p. 287. 248

Over the rigid shoulders of a line of Venezuelan soldiers at Maiquetía Airport, streams of spittle arced

through humid sunlight, splattered on the neatly pressed grey suit of the Vice President of the U.S. and on the red

wool suit of his wife. But worse was in store: less than an hour later Dick and Pat Nixon brushed close to injury

and possibly death in violence-torn streets of Caracas, last stop on their eight-nation visit to South America.

Time Magazine. The Americas: The Guests of Venezuela. 26-05-1958.

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para o túmulo de Simon Bolívar, local onde seriam realizadas algumas homenagens.

Conforme relatórios da embaixada americana em Caracas “uma multidão hostil foi ao

encontro do vice-presidente e sua comitiva no aeroporto. Houve vaias e assobios e nenhum

aplauso amistoso.”249

A embaixada traçou, ao seu modo, o perfil dos manifestantes. Segundo

seu relatório, tratava-se de um “grupo feito de gente desordeira e de má fama, de péssimo

humor.”250

A TIME destacou, no corpo da reportagem, duas fotos da visita de Nixon, ambas

foram tiradas por fotógrafos da Life e tiveram o mesmo direcionamento. Acima, estão os

agitadores na rota da visita de Nixon (Riotes on Nixon’s route). Os manifestantes foram

fotografados num movimento que parte para o confronto com a comitiva de Nixon que tinha

em sua defesa vários soldados armados com baionetas.

Os cartazes destacavam o desconforto da presença de Nixon naquele país que,

segundo a legenda da imagem, “metade da população nunca foi à escola” (...half never went

to school). Neste caso fica uma mensagem de duplo significado: de um lado está a possível

249

SCHOULTZ, loc cit. 250

Cf. Memorando sobre a conversa telefônica, Burrowns (Venezuela) e Robottom e Sanders, 13-05-1958,

FRUS 1958-1960, vol. 5, p. 226-7, in SCHOULTZ, Lars. op. cit. p.389.

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crítica à falta de investimento em educação (por parte dos americanos?); do outro lado, está o

fato de que países com péssimos índices de escolarização são suscetíveis a ações de selvageria

e barbárie como as que foram descritas na reportagem.

Todo o protocolo da visita teve que ser suspenso para possibilitar a fuga de Nixon

com sua esposa. Segundo Schoultz, foram quatorze minutos de agonia em que Nixon e sua

esposa ficaram presos dentro da limusine enquanto a “imprensa registrava uma ocorrência

única na história dos EUA – manifestantes enraivecidos cuspindo no vice-presidente dos

Estados Unidos.”251

Através da reportagem, a TIME deu um tom cinematográfico à fuga

Nixon e sua esposa seguiram viagem em carros separados numa rodovia de 10

milhas pela faixa costeira até a capital, mesmo assim os manifestantes tentaram

cegar os motoristas atirando banners contra os para-brisas. Somente quando a

multidão foi deixada para trás, os Nixons puderam tirar os lenços para limpar a

saliva de seus rostos e roupas.252

251

SCHOULTZ, loc cit. 252

As the Nixons got into separate cars for the ten-mile superhighway trip up the coastal range to the capital,

demonstrators tried to blind the drivers by draping banners over the windshields. Only when the mob was left

behind did the Nixons take out handkerchiefs to wipe the saliva from their faces and clothes. Time Magazine.

THE AMERICAS: The Guests of Venezuela. 26-05-1958.

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Acima, a TIME destacou o ataque às limusines. Os manifestantes foram

fotografados chutando os carros escoltados. O carro de Nixon (number one!) ‘está sob

violento ataque!’ (Nixon’s car under attack). As marcas das salivas podiam ser notadas no

vidro dianteiro e no capô.

Seguindo a análise anterior, a TIME faz outro comentário através do enunciado da

foto: “metade [da população] nunca teve o suficiente para comer”, (...half never had enough

to eat). O duplo sentido reaparece: o primeiro aspecto sugere a falta de investimentos na

estrutura agrária do país; o segundo aspecto, mais conotativo, leva a entender que a população

faminta diante do vice-presidente dos EUA poderia torná-lo presa fácil de um ritual de

antropofagia.

Apesar do grau de violência, Nixon se manteve “frio e calmo, o que chamou a

atenção da mídia, como ele sempre quis.”253

Nixon ao chegar em Washington foi tratado

como herói.254

O presidente Eisenhower e uma multidão de 40 mil pessoas foram recebê-lo.255

Alguns cartazes diziam: “Não deixe esses comunistas desanimarem você, Dick.”256

O alerta

estava dado. Dois anos depois, o próprio Eisenhower faria a sua viagem de inspeção na

região.

253

TOTA, Antonio Pedro. Americanos. São Paulo, Contexto, 2010, p. 209. 254

SCHOULTZ, Ibid., Ibidem. 255

Ibid., ibidem. 256

Ibid., ibidem.

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2.2 - A OPERAÇÃO PAN-AMERICANA (1958)

O sentimento de frustração e insatisfação contra os Estados Unidos se tornava

cada vez mais forte e amplo na América do Sul. O Brasil não ficou de fora desse contexto,

pelo menos em questão de grau, ou seja, não chegou a ser tão violento quanto à Venezuela.

Naquele momento, Juscelino Kubitschek dava início à Operação Pan-americana chamando a

atenção dos EUA para o fato de que os povos latino-americanos ‘cristalizavam’ a ideia de que

“um forte programa de ajuda era necessário.”257

Numa reportagem de 30 de junho de 1958, a

TIME cobriu o lançamento da Operação Pan-americana por Juscelino:

Num grande discurso pelo rádio e pela TV, o presidente do Brasil Juscelino

Kubitschek, na semana passada pediu uma "reunião do mais alto nível político" -

uma conversa de cúpula no hemisfério - "para salvar a América Latina de uma

doença chamada subdesenvolvimento. Ele intitulou de "Operação Pan-Americana" a

tarefa de desenvolver a América Latina apelando para uma espécie de Plano

Marshall para fazer o trabalho.258

A foto acima destaca a visita do casal real japonês ao Brasil,

na mesma ocasião do lançamento da Operação Pan-americana.

A matéria cobriu o tema da imigração japonesa para o Brasil.

257

FICO, Carlos. O Grande Irmão: Da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo, Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 2008, p. 22. 258

In a major radio and TV speech, Brazil's President Juscelino Kubitschek last week called for a "meeting on

the highest political level" — a hemisphere summit talk — to solve Latin America's "disease of

underdevelopment." He dubbed the task of developing Latin America "Operation Pan American," and in effect

appealed for a Marshall Plan to do the job. Time Magazine, The Americas: Operation Pan American, 30-06-

1958.

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Kubtschek trouxe a tese de que a prioridade da Europa em detrimento da ajuda

econômica à America Latina poderia trazer reflexos no alinhamento ocidental, elemento que

obrigava os Estados Unidos a reverem suas ações de ajuda.

Falando de uma sala no Palácio do Catete e com a presença de vinte embaixadores,

Kubitschek elogiou os EUA por sua ajuda na reconstrução imediata das economias

europeias arruinadas pela guerra. Mas, segundo ele, infelizmente, Washington não

demonstrou "o mesmo interesse para os sérios problemas de desenvolvimento dos

países que ainda estão com economia rudimentar." Assim, de acordo com

Kubitschek, a América Latina encontra-se "em uma posição mais precária e aflita do

que as nações devastadas pela guerra, e tornou-se o ponto mais vulnerável dentro da

coalizão ocidental." O presidente alertou: "A causa ocidental inevitavelmente sofrerá

se a ajuda não vier do seu próprio hemisfério. É difícil defender o ideal democrático

com a miséria que pesa sobre tantas vidas.”259

Diante de tal constatação, a de que a imagem norte-americana estava prejudicada

na região, o presidente Eisenhower retomou o projeto do Banco Interamericano, o qual passou

a operar em 1959.260

Desse momento em diante, a postura dos EUA em relação aos seus

vizinhos latinos mudou. A região teria o acompanhamento preventivo contra o comunismo e o

apoio aos governos anticomunistas e também receberia ajuda econômica com vistas ao

desenvolvimento de toda América Latina.

De modo geral, a OPA (Operação Pan-americana) foi o primeiro passo em direção

à tentativa de “proporcionar ao desenvolvimento sócio econômico da região a devida

prioridade para combater a pobreza e dar massa crítica às reivindicações do continente.”261

O

desdobramento foi muito além da ajuda de Eisenhower, pois também resultou na criação do

Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 1959, e inspirou a Aliança para o Progresso.

Para Jânio Quadros, a OPA também serviria como estímulo para implantar “uma

política externa independente que romperia com os moldes clássicos do Itamaraty desde o

final do período de Vargas.”262

Quadros propunha, dessa forma, o fim do alinhamento

automático “com atitudes subsidiárias e o Brasil deixava-se ao direito de estabelecer relações

com todos os povos, conforme as normas do direito internacional público e os princípios da

259

Speaking from a paneled room of Rio's Catete Palace, with 20 hemisphere ambassadors present, Kubitschek

praised the U.S. for its prompt aid in reconstructing war-ruined European economies. But, he said sadly,

Washington did not show "equal interest in the serious problem of development in countries still with

rudimentary economies." Thus, according to Kubitschek, Latin America found itself "in a more precarious and

afflicted position than the nations devastated by war, and has become the most vulnerable point within the

Western coalition." The President warned: "The Western cause will unavoidably suffer if in its own hemisphere

no help comes. It is difficult to defend the democratic ideal with misery weighing on so many lives."Time

Magazine, THE AMERICAS: Operation Pan American, 30-06-1958. 260

FICO, op cit, p. 23. 261

BARBOSA, Carlos Alberto Leite, O Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros, São Paulo,

Atheneu, 2007, p. 23. 262

BARBOSA, Op. cit., p. 25.

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solidariedade internacional.”263

Mais adiante, já na presidência, Jânio, apesar de favorável à OPA, não teve como

operacionalizá-la, pois “faltaram-lhe prazo e instrumentos adequados.”264

O Congresso

Nacional apresentava um quadro adverso diante do cenário político pouco favorável a

qualquer tipo de sustentação política.265

Havia “uma esquerda que apoiava a ação externa e se

opunha a política doméstica; uma direita que lhe dava sustentação internamente, mas

combatia a política externa; e, um centro indeciso e perplexo.”266

Tais elementos serviram

para projeção do espectro ‘Jânio’, dentro de uma política independente tanto interna quanto

externa.

263

Ibid., ibidem. 264

Ibid., ibidem. 265

Ibid., ibidem. 266

Ibid., ibidem.

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2.3 - A REVOLUÇÃO CUBANA (1959)

No caso cubano, não se deve atribuir méritos apenas a derrubada de Fugêncio

Batista por Fidel Castro como espectro central na mudança de foco dos EUA em relação a

AL. A consolidação da proposta socialista em 1961, acompanhada das nacionalizações das

empresas americanas e a “reorientação da venda de açúcar de Cuba para China e URSS” em

troca de equipamentos, foram os fatores mais agudos.267

Nesse contexto, Khrushchev alertava

ao mundo que qualquer agressão contra Cuba seria uma agressão à URSS. Tal fato deixou os

EUA em uma situação delicada, haja vista que na reunião da Costa Rica ficou decidido que

tanto URSS e como EUA não teriam o direito de interferir nos assuntos extracontinentais dos

países latino-americanos.268

A maioria das nações da AL via com simpatia o governo de Fidel

Castro.

Em 26 de janeiro de 1959, a TIME trouxe Fidel Castro em sua capa. O líder

revolucionário aparece entre a bandeira do Movimento 26 de julho e a bandeira cubana, todos

em Sierra Maestra. A principal questão abordada pela reportagem de capa era: Cuba,

Democracia ou Ditadura? Nessa edição foi dado mais destaque à violência do grupo de Fidel

267

FICO, op. cit, p. 23. 268

Ibid., ibidem.

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contra seus opositores do que propriamente aos problemas relacionados ao comunismo. O

título da matéria foi “O visionário vingativo”.269

Os esforços americanos para conter o avanço comunista mediante sanções ao

governo cubano deram a tônica das relações interamericanas no início dos anos 1960. O

primeiro grande esforço resultou em fracasso. A famosa invasão da Baia dos Porcos em abril

de 1961 por exilados cubanos e o falho apoio militar aéreo dos Estados Unidos foram as

marcas da derrota americana. Ainda em 1961, os EUA prosseguiram a cruzada contra Cuba,

dessa vez suspendo todas as importações da ilha, medida interpretada pelas nações latino-

americanas como brutal.270

A questão cubana foi um dos momentos mais críticos da Guerra Fria no espaço

das Américas. A partir dela a postura dos Estados Unidos em relação a toda a América Latina

seria baseada em dois pontos: primeiro, o apoio aos militares na região para conterem o

avanço das ações e propostas comunistas; segundo, o amparo econômico à região com vistas

“a construção de uma imagem mais positiva dos Estados Unidos e para a ampliação de sua

capacidade de influir.”271

Nesse aspecto, e prosseguindo para além da questão militar, essa

capacidade de “influir”, elemento central do “Século Americano”, fazia parte das propostas

do Departamento de Estado.

Segundo Tota, após a Segunda Guerra “os americanos acreditavam que os Estados

Unidos eram superiores não somente política e economicamente, mas também

culturalmente.”272

Nesse sentido, a proposta era a difusão dos valores americanos em larga

escala pela América Latina e, especialmente, para o Brasil.273

Nos moldes de uma excelente

mercadoria “as agências do governo venderam uns Estados Unidos da mesma forma que os

produtos de Hollywood vendiam um filme ou a General Motors vendia um Chevrolet ou a

RCA vendia um aparelho de televisão.”274

O imperialismo sedutor retornava com outras vestes.

O inimigo agora era outro.

O quadro começou a se alterar gradativamente no final dos anos 1950. Passou a

ocorrer um novo redirecionamento logístico na esfera militar latino-americana. Os americanos

ao final do governo Eisenhower se defrontavam com o inevitável balanço de sua imagem para

a America Latina, a eficácia de sua política para o hemisfério deveria ser autoavaliada. Ao

contrário de um grande investimento militar – como fizeram com Cuba na década de 1950, e

269

Time Magazine, CUBA: The Vengeful Visionary, 26-01-1959. 270

FICO, op. cit, p. 24. 271

Ibid., p. 25. 272

TOTA, op cit, p. 203. 273

Ibid., p. 203. 274

Ibid., ibidem.

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mesmo assim o exército local foi derrotado pelos guerrilheiros de Fidel275

-, o ideal seria

impedir o surgimento de “outras Cubas”.276

De que modo isso poderia ser feito? Por meio do

investimento nas áreas sociais dos países latino-americanos, pois as péssimas condições de

vida das populações pobres seriam o elemento motivador de propostas revolucionárias.277

Dentro desse quadro, no qual se situa o final da gestão Eisenhower, surgem as civic actions,

cuja principal característica seria o redirecionamento das forças dos exércitos locais não mais

para a segurança, mas para “projetos (...) como obras de engenharia, serviços públicos,

transportes, comunicação, saúde, saneamento, etc.”278

As civic actions foram aplicadas para além do governo de Eisenhower. O governo

do presidente Kennedy acelerou o aprofundamento dessas ações que passaram a ser

compreendidas como estratégia de contra-insurgência. Mesmo que o foco não fosse a questão

bélico-militar, os exércitos latinos operavam dentro da lógica dos Estados Unidos. Muitos

soldados passaram a receber treinamento direto das forças americanas na “Escola das

Américas, na Zona do Canal do Panamá.”279

Robert McNamara, então secretário de Defesa de Kennedy, reconhecia que o

problema das insurgências se pautava pela questão da pobreza da região, motivando o levante

de críticos aos Estados Unidos, dentre eles os comunistas. Desse modo, o secretário propunha

a união o mais rápido possível da doutrina militar de contra-insurgência com a Aliança para o

Progresso.280

275

FICO, op. cit, p. 25. 276

GIL, Federico G., Latin American-United States Relations, [San Diego], Harcourt Brace Jovanovich, 1971,

p. 217. 277

SHOULTZ, loc. cit. 278

FICO apud LEACOCK, Ruth. Requiem for Revolution: The United States and Brazil, 1961-1969, Kent, The

Kent State University Press, 1990, p. 184. Os governos Castelo Branco e Costa e Silva enviaram e treinaram

soldados para atendimentos sociais em diversas partes do país, principalmente nas regiões norte e centro-oeste. 279

FICO, op cit, p. 26. 280

MCNAMARA, Roberto, a Essência da Segurança... apud (Fico, op. Cit., p 26).

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2.4 – BENVINDO, EEKEE! (1960)

A visita de Eisenhower em alguns países da America Latina foi um fato

emblemático desse contexto. Evitando a Venezuela (vide mapa da TIME), o presidente

americano começou por Porto Rico e, na sequência, visitou três cidades brasileiras, três da

Argentina, Santiago, Montevidéu e, finalmente, retornando a Porto Rico.

Segundo Moniz Bandeira, a visita de Eisenhower à América do Sul ocorreu num

momento em que “o aprofundamento da Revolução Cubana solapava o imperialismo e

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revigorava a luta de classes no âmbito continental.”281

A TIME fez uma matéria exclusiva

sobre a visita de Eisenhower com foco na recepção dada pelo Brasil e pela Argentina. Mas

antes resumiu sua visita pela América Latina da seguinte forma

Milhões de latino-americanos na semana passada cercaram o presidente dos EUA e

de braços abertos o receberam com pétalas de flores que grudavam em seu rosado e

suado couro cabeludo. Um sorriso de satisfação estava em seu rosto. Ele desfilou

pelas imponentes avenidas daquelas cidades exóticas em meio a uma multidão de

pessoas estranhas. 282

Apesar da equivalência, a revista optou por registrar “milhões” de pessoas e não

milhares (thousands). Assim como a TIME, Eisenhower também era republicano. Havia um

interesse comum entre a empresa de Henry Luce e a restauração da imagem dos EUA no

mundo e, especialmente, na América do Sul. A presença do presidente dos EUA em meio a

cidades exóticas e pessoas estranhas sinalizava para uma nova forma de conquista do

Wilderness:

De um jeito ou de outro ele fazia contato com as pessoas, a radiante personalidade

de Dwight Eisenhower tocou os latinos e milhões o aplaudiram. Diante de tão

calorosa recepção para o presidente norte-americano, velhas animosidades e

suspeitas se dissolveram de forma clara.283

Um dos elementos que impulsionaram o sucesso da chegada de Ike ao Brasil se

deu no âmbito da larga publicidade financiada pelas multinacionais, dentre elas “a Esso, a

Atlantic, Bank of Boston, Goodyear, Firestone, Radional (subsisdiária da ITT) e outras

empresas americanas [que] o saudaram veiculando farta publicidade pelos jornais.”284

Desafiando a inteligência de um leitor bem informado, surpreende o fato de que a

existência de animosidades se dissolvesse tão rapidamente diante do “possível” carisma de

uma autoridade estrangeira. Segundo a própria revista, o histórico das relações com a região

nunca foi amistoso:

281

BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976 p.

400. Ver também, BANDEIRA, Moniz. A renúncia de Jânio Quadros e a crise de 1964. São Paulo, Brasiliense,

1979. 282

Millions of Latin Americans last week saw the President of the U.S., arms flung wide in greeting, flower

petals stuck to his pink and sweating scalp, a delighted grin on his face, as he rode down stately boulevards,

through exotic cities, among multitudes of strange people. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! -

07-03-1960. 283

And somehow, whenever he made contact with the people, Dwight Eisenhower's radiant personality touched

the Latinos, and the millions cheered. In the warmth of the uproarious welcome for the norteamericano

President, old animosities and old suspicions melted perceptibly. Time Magazine, The Presidency: Benvindo,

Eekee! - 07-03-1960. 284

BANDEIRA, op cit., p. 400.

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Estes eram os mesmos latinos cuja inveja de seus prósperos primos do norte tem se

inflado por um século, amargamente se recordam de um passado recente dos

Yanquis, e também amargamente acusam os EUA de abandoná-los e deixá-los para

seu próprio destino.285

Não houve protestos como os que ocorreram na Argentina, ao contrário, a única

manifestação de desconforto com a visita foi feita pela UNE que aproveitou a passagem do

presidente em frente ao seu prédio, localizado na Praia do Flamengo, para estender uma faixa

com a seguinte frase: We like Fideo Castro. 286

A mensagem foi notada por Juscelino que o

acompanhava e aproveitou a oportunidade para dizer a Eisenhower que tal manifestação era a

prova de que a democracia realmente funcionava no Brasil. 287

Segundo Moniz Bandeira,

“Eisenhower, contrafeito, comentou: nós também gostamos dele (Fidel Castro). Ele é que não

gosta de nós.”288

A visão de que o Brasil era um país desorganizado e desprevenido ficou registrada

na matéria. Do mesmo modo, o próximo trecho identifica uma postura subserviente de um

país que não media esforços para agradar um dos homens mais poderosos do planeta. A

recepção dada pelo Brasil ao presidente americano foi comparada a uma comédia

A chegada de Eisenhower ao Brasil quase se transformou em uma comédia pastelão

digna dos irmãos Marx. Quando o grande jato presidencial, da Air Force One,

pousou no aeroporto de Brasília - a inacabada capital -, uma equipe no chão

começou a desenrolar um enorme tapete vermelho, calculou mal a distância, o rolo

do tapete chegou à rampa do avião com uma tremenda sobra. Por alguns instantes

parecia que o Presidente dos EUA poderia ter o tapete como um obstáculo antes de

pisar no solo brasileiro, mas lá embaixo um tripulante salvou a situação rapidamente

ao cortar o rolo extra com seu canivete dobrando a borda irregular sob a rampa.289

Segundo a imprensa local, os objetivos da visita de Ike eram “fortalecer a

segurança dos Estados Unidos em seu flanco Sul, no momento em que a União Soviética

procurava infiltrar-se no continente” e “ajudar o desenvolvimento econômico dos países da

285

These were the same Latinos whose envy of their prosperous northern cousins has festered for a century, who

bitterly recall the bygone days of Yanqui imperialism, and who just as bitterly accuse the U.S. of neglecting

them and leaving them to their own destiny. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 286

BANDEIRA, op cit., p. 400. 287

Ibid., ibidem. 288

Ibid., ibidem. 289

Eisenhower's arrival in Brazil almost turned into a slapstick comedy worthy of the Marx brothers. When the

big presidential jet, Air Force One, set down at the airport of the unfinished capital city of Brasilia, a ground

crew began unrolling a huge red carpet, miscalculated the distance and arrived at the ramp of the plane with a

dismaying roll left over. For a moment it looked as though the President of the U.S. might have to hurdle the

carpet before he set foot on Brazilian soil, but an enterprising MATS ground crewman saved the situation by

quickly cutting off the extra roll with his pocketknife, tucking the ragged edge under the ramp. Time Magazine,

The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960.

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América Latina, no interesse deles e no próprio interesse dos Estados Unidos.”290

Para a TIME, o presidente dos Estados Unidos estava sendo tratado como um

deus, fato que lhe chamou a atenção ao admitir que nunca em toda a sua vida havia recebido

tamanha recepção.

Juntos, os dois presidentes desfilaram através de um selvagem e bem humorado

carnaval de boas vindas dos 750.000 cariocas felizes. "Bem-vindo, Eekee! [Bem-

vindo, Ike!]" Foi ouvido em toda parte. O ar quente de verão estava cheio de pétalas

de flores e papel picado (um truque que os brasileiros aprenderam assistindo

noticiários nos EUA), e as figueiras ao longo da Avenida Rio Branco pareciam

mastros recobertos de serpentina e confete. Muita música - desde Deus Salve

America ao coro de "Aleluia" de Handel, com um forte agradecimento por meio das

músicas de carnaval e sambas - ecoava em cada esquina. O Rio palpitava de

emoção. Ike disse: "É a recepção mais impressionante que eu já tive em uma

cidade."291

A foto acima foi tirada da janela do escritório da TIME na Avenida Rio Branco,

290

BANDEIRA, op cit., p. 400 apud Diário de Notícias, RJ, 23-02-1960. 291

Together the two Presidents rode through a wild, carnival-mood welcome by 750,000 happy cariocas.

"Benvindo, Eekee! [Welcome, Ike!]" was heard everywhere. The warm summer air was filled with flower petals

and ticker tape (a trick the Brazilians learned from watching U.S. newsreels), and the Ficus trees along Rio

Branco Avenue looked like maypoles under their drapery of serpentine and confetti. Music — from God Bless

America to Handel's "Hallelujah" chorus, with a strong obbligato of carnival songs and sambas — rang out at

every corner. Rio throbbed with happy emotion. Said Ike: "The most impressive entrance to a city I've ever had."

Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960.

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no Rio de Janeiro. Desse ponto, foram também registradas fotos como as passeatas da Família

e o dia da ‘vitoriosa’ Revolução de 1964. Em ambas as ocasiões, o contingente de pessoas

presentes foi calculado pela revista em 500.000 pessoas. Finalmente, após toda a recepção,

Ike reconheceu, segundo a TIME, a importância da Operação Pan-americana e reforçou a

ajuda dos EUA.

O plano do Brasil de assistência mútua para o desenvolvimento latino-americano -

Operação Pan-Americana - tem o seu apoio caloroso e um lembrete de que os EUA

estão fazendo sua parte.292

Kubitschek era o grande representante da Operação Pan-americana e, assim como

todos os parceiros do cone sul, tinha conhecimento do receio norte-americano de que a

Revolução Cubana se alastrasse pelo continente. O Departamento de Estado se via na

obrigação de rever vários pontos da doutrina econômica.293

Para que o diálogo pudesse fluir

entre os dois países na esfera econômica, uma das partes teria que ceder. Os Estados Unidos

insistiam com o Brasil de que a estabilização monetária “era uma condição sine qua non a

concessão de empréstimos aos países da América Latina e rechaçava a estabilização dos

preços das matérias-primas, por eles exportadas.” 294

Segundo Moniz Bandeira, “sob o pano

de fundo da Revolução Cubana, o encontro dos Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos

permitiu-lhes o reajuste de algumas posições.”295

O encontro entre ambos foi produtivo e favorável a Kubitschek que indagado por

Eisenhower se estaria disposto a uma retomada do diálogo com o FMI, respondeu-lhe que

sim. Tal resposta motivou o presidente americano que ao retornar aos EUA sua primeira ação

seria conversar com Per Jacobson, Presidente do FMI. Na sequência dos eventos, o

embaixador brasileiro, Walther Moreira Sales era convidado para uma reunião de negociações

e um empréstimo de US$47.700.000 dólares era liberado em maio de 1960.296

Sua passagem por São Paulo não foi menos calorosa do que no Rio de Janeiro

Do Rio, o Presidente voou para São Paulo onde, apesar de uma garoa constante,

500.000 pessoas nas ruas lhe acenavam com seus guarda-chuvas e jogavam papel

292

Brazil's mutual-assistance plan for Latin American development — Operation Pan America — got his warm

endorsement and a reminder that the U.S. is doing its part. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! -

07-03-1960. 293

SCHLESINGER, Arthur, Mil Dias, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, vol. I, p 177. 294

BANDEIRA, op cit., p. 400. 295

Ibid., ibidem. 296

BANDEIRA, op cit, apud Diário de Notícias, RJ, 21-05-1960.

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picado encharcado em seu carro.297

Segundo dados do IBGE, a população da cidade de São Paulo, em 1960, estava

registrada em torno de 3.781.446298

, ou seja, cerca de 13% dos habitantes estava na avenida

pela qual desfilou o presidente dos Estados Unidos, o suficiente para lotar dez estádios de

Futebol como o do Morumbi. Os números da TIME além de expressivos se juntavam a uma

festa que parecia contar com poucos convidados.

Na visita do presidente norte-americano à Argentina, houve uma inversão

completa das boas-vindas recebidas no Brasil, tanto que um incidente ocorrido em diferente

ocasião, com o presidente do México, foi lembrado:

Sua recepção em Buenos Aires contrastou com a simpatia do Brasil. Três semanas

antes, o presidente do México, Adolfo López Mateos havia sido vaiado e apedrejado

pelos comunistas e peronistas durante uma visita oficial, fato que preocupou o

presidente da Argentina, Arturo Frondizi, obrigando-o a tomar medidas drásticas

para evitar que se repetisse tamanha violência ou descortesia.299

A situação da visita na Argentina por pouco não se assemelhou a visita de Nixon à

Venezuela pouco tempo antes, na ocasião, Ike precisou ser retirado às pressas do aeroporto

antes que o pior viesse a acontecer.

Assim que ele chegou ao aeroporto Ezeiza de Buenos Aires, Ike estava cercado por

um cordão de soldados com baionetas. O desfile agendado na cidade foi cancelado e

Ike precisou ser levado para a embaixada dos EUA em um helicóptero da Marinha

dos EUA. Na manhã de sua chegada, cinco bombas explodiram em Buenos Aires, e

em uma rua escura um bando de comunistas queimaram um boneco de palha

envolvido numa bandeira americana, e gritavam: "Viva Fidel" e "Morte a Ike!"300

Na próxima imagem os destaques foram a falta de papel picado, uma comitiva

reduzida e uma forte escolta da cavalaria. O título da foto ilustra bem a passagem de Ike pela

297

From Rio the President made a flying trip to booming São Paulo, where, in spite of a steady drizzle, 500,000

cheered him in the streets, waving their umbrellas and throwing soggy ticker tape on his car. Time Magazine,

The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 298

Ver Censo de 1960 disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-

%20RJ/CD1960/CD_1960_SP.pdf (acessado em 08/2012). 299

His welcome in Buenos Aires was in some contrast to Brazil's let-out friendliness. Three weeks earlier,

Mexico's President Adolfo López Mateos had been booed and stoned by Communists and resurgent Peronistas

during an official visit, and worried Argentine President Arturo Frondizi took drastic steps to avoid a repetition

of violence or discourtesy. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 300

As soon as he arrived at Buenos Aires' Ezeiza airport, Ike was surrounded by a cordon of soldiers with fixed

bayonets. The scheduled parade into the city was canceled, and instead Ike was whisked to the U.S. embassy in a

U.S. Marine helicopter. The morning of his arrival five bombs were exploded in Buenos Aires, and on a dark

street a mob of Communists burned a straw puppet wrapped in an American flag, and shouted: "Viva Castro!"

and "Death to Ike!" Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960.

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capital argentina: Cortejo de Eisenhower em Buenos Aires: Um protesto, um largo sorriso e

um rugido.

Ao final e já nos EUA, Eisenhower fez um balanço positivo de sua viagem e

tomou o Brasil como referência:

(...) a maioria dos latino-americanos pareceram concordar com o acórdão de

Kubitschek do Brasil: "Estou plenamente convencido de que estamos prontos agora

para entrar numa nova fase de entendimento e cooperação com os nossos amigos e

aliados da nação norte-americana. "301

As concessões que foram sendo feitas aos países latino-americanos tinham como

objetivo acalmar os ânimos locais. Eisenhower, já nos Estados Unidos, pediu a CIA que desse

início ao treinamento dos exilados cubanos e “aceitou o plano de Douglas Dillon para a

criação de Fundo de Progresso Social (500 milhões de dólares), que os Estados Unidos

apresentariam a reunião do Comitê dos 21 em Bogotá (agosto).”302

O objetivo do Plano era

claro: isolar Cuba.303

301

(…) most Latin Americans seemed to agree with the judgment of Brazil's Kubitschek: "I am fully convinced

we are now entering a new phase of understanding and cooperation with our friends and allies, the North

American nation." Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 302

SCHLESINGER, Arthur. Mil Dias, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, vol. I, p 225-229. 303

BANDEIRA, op cit, idem.

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2.5 – JÂNIO QUADROS (1960) – O QUINTO ESPECTRO

Como já citado, Jânio Quadros vinha sendo observado pelos órgãos de informação

dos EUA desde 1950, sua campanha, durante a corrida presidencial, inquietava o

Departamento de Estado. 304

O governo dos EUA tinha conhecimento das propostas de Jânio

e, do mesmo modo, a maneira como ele iria se relacionar com os EUA, caso fosse eleito em

1960, ou seja, capaz “de manter boas relações com os EUA se ele as considerasse boas para o

Brasil”305

Em muitas reportagens da TIME Magazine, Jânio mencionou que seu modo de

fazer política era inspirado em Abraham Lincoln, comparação rechaçada pelos analistas

americanos, haja vista, “considerá-los distantes dos pendores democráticos do grande líder

americano.”306

Jânio era reticente com os americanos, para ele “Abraham Lincoln foi um dos

maiores nomes da história, mas os americanos não são como ele, era uma exceção

solitária.”307

Jânio antes de se tornar presidente havia visitado os EUA apenas uma vez.

Além de também dominar o idioma inglês, era conhecedor da política e dos

políticos norte-americanos, “considerava todos os presidentes norte-americanos

intervencionistas, salvo Lincoln e Franklin D. Roosevelt.”308

Portanto, seria lógico que Jânio

discordasse de ações como a Doutrina Monroe. Para ele, esse tipo de política “por não reunir

os elementos para constituir-se numa verdadeira doutrina, representava apenas uma diretriz

internacional exposta pelo presidente Monroe em mensagem ao Congresso em 1823, seria

ingenuidade acreditar ser ela um instrumento para autodeterminação dos povos latino-

americanos.”309

Outro dado muito observado pelos analistas das agências americanas era a

oposição feita por Jânio à OEA, para ele “tratava-se de uma entidade ultrapassada com um

enorme vício de origem: a participação norte-americana.”310

Dentro da OEA “confrontava-se

um hemisfério desunido com os EUA hegemônicos”, dizia Jânio. Os fundamentos de sua

política de independência externa podem ser demonstrados nas palavras abaixo, nas quais

304

BARBOSA, op cit, p 87. 305

Ibid., p. 88. 306

Ibid., ibidem. 307

Ibid., p. 90. 308

Ibid., ibidem. 309

Ibid., ibidem. 310

BARBOSA, op cit, p 90.

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defende de forma rigorosa a vulnerabilidade e, ao seu modo de entender, a inutilidade da

OEA:

“Ao estudamos a OEA – dizia – verificaremos que a despeito da posição viril

assumida por alguns Estados membros, cujos conceitos nacionalistas não

suportavam a penetração do vizinho do norte, essa entidade falhou, especialmente

porque um dos seus membros do qual se originavam os maiores temores, dada a sua

inconfundível força político-econômica, passou a exercer tal influência sobre a

criatura, que a converteu, afinal, em simples instrumento de suas conveniências.”311

De acordo com Edgard Carone, Jânio não escondia sua antipatia pelos Estados

Unidos.312

A frente do maior país latino-americano, as atenções norte-americanas sobre ele

redobraram-se. Tratava-se de um forte espectro antiamericano. Ao mesmo tempo era um

problema para a política externa norte-americana e, por consequência, uma perturbação ao

Século Americano. A TIME Magazine demonstrou isso em suas páginas, nas quais

passaremos a tratar nos próximos capítulos.

311

Ibid., ibidem. 312

CARONE, Edgard. A República Liberal, II – Evolução Política (1945-1964), São Paulo, Difel, 1985, p. 154.

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CAPÍTULO 3

A CORRIDA PRESIDENCIAL DE 1960

JÂNIO VEM AÍ!

Apesar das investigações do Departamento de Estado realizadas durante os anos

1950, a TIME acompanhou de perto os passos iniciais de Jânio rumo à presidência. Um

primeiro movimento de análise se orientou pelo aspecto físico de Jânio Quadros. Sua forma

de se vestir e seus trejeitos tinham destaque nas reportagens que cobriram o início da corrida

presidencial. Aos poucos a revista vai se atentando ao discurso de campanha e a partir dele

investiga e, muitas vezes, ironiza as propostas de Jânio.

Ao mesmo tempo, as inúmeras contradições advindas das atitudes pessoais de Jânio

Quadros continuaram a dificultar o mapeamento de sua personalidade. Saber quem de fato ele

era seria de suma importância para que a revista pudesse informar aos seus leitores se o Brasil

estaria ou não alinhado aos Estados Unidos e, numa escala próxima, ao Século Americano.

Esse capítulo irá apresentar o percurso inicial que a TIME fez na “procura” por Jânio

Quadros. O slogan “Jânio vem aí” era provocador, e a TIME não queria esperar pela chegada

de Jânio, ela mesma resolveu partir ao seu encontro antes que ele chegasse.

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3.1 – ANTECEDENTES (RUNNING START)

Há cerca de um mês antes do lançamento oficial da candidatura de Jânio Quadros à

presidência da República pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), a TIME publicou a

primeira matéria cobrindo a corrida eleitoral para 1960, ou seja, um ano e meio antes do

pleito. Para Skidmore, Jânio era um corpo estranho que despertara para a política em fins dos

anos 1940 e início dos anos 1950. Sua personalidade carismática confundia a opinião pública

“por não estar definitivamente identificado como um líder anti-Vargas (embora ninguém o

considerasse jamais um getulista).”313

Se, de um lado esse corpo estranho era visto pela ótica

da política, do outro lado, a TIME iniciava sua “busca” por Jânio lançando seu olhar no

aspecto físico e estético de Quadros:

Enérgico, magro com um espesso bigode e um óculos de armação grossa - um

homem que as colunas sociais brincam como “a pessoa mais mal vestida do Brasil

em 1958” - na semana passada se tornaria o candidato preferido para presidente em

1960. Seu nome: Jânio Quadros.314

A revista apresentava aos seus leitores um candidato caricato, estranho, feio e mal

vestido. No entanto, era esse candidato que detinha a grande preferência do eleitorado e,

portanto, merecia certa atenção não apenas da revista, mas dos EUA. Segundo Skidmore “a

atração que poderia exercer sobre os eleitores da classe trabalhadora sustentava-se mais no

desafio aos padrões de vestiário da classe média (ele costumava usar camisa esporte e

aparecia frequentemente despenteado).”315

Jânio Quadros foi sucedido por Carvalho Pinto no governo do Estado de São Paulo

em 31 de janeiro de 1959. Apresentado como reformista pela TIME, seu poder político foi

comprovado ao indicar o seu sucessor ao governo do Estado de São Paulo

O reformista Quadros, nominalmente um membro do Partido Trabalhista Brasileiro

mas, na verdade, um solitário político, construiu rapidamente uma imagem agressiva

(hound's tooth record) como governador de São Paulo, cujo mandato se encerrou em

31 de janeiro. Com essa característica, nas eleições de outubro passado ele ganhou

um assento de deputado federal e, ao mesmo tempo elegeu o seu próprio candidato

para governador de São Paulo em meio a uma dura oposição.316

313

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000.12ª edição, p. 231 314

An intense, rail-thin man with a bush of a mustache and thick-framed spectacles — a man society columnists

joshed as Brazil's "worst dressed of 1958” - last week became front runner for the presidency in 1960. His name

Janio Quadros. Time Magazine: Brazil: Running Start, 09-03-1959. 315

SKIDMORE, op cit. p. 233 316

Reformer Quadros, nominally a member of the Brazilian Labor Party but actually a political loner, built a

hound's tooth record as Sao Paulo's Governor in a term that ended Jan. 31. On that record, in last October's

elections, he won a federal Deputy's seat and at the same time pushed his own candidate into Sao Paulo's

governorship over stiff opposition. Time Magazine, loc. cit.

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A TIME ainda identificava Jânio dentro dos moldes do PTB, pois foi por esse partido

que ele venceu as eleições para deputado federal pelo Paraná. Segundo Mario Victor, o apoio

do PTB à candidatura e a vitória de Carvalho Pinto causara intenso protesto de um dos líderes

udenista, Juracy Magalhães (aspirante à candidatura). Mesmo assim, seus protestos de nada

adiantaram, pois “em princípios de janeiro de 1959, Juracy Magalhães sofreu a sua primeira

derrota. Jânio Quadros foi considerado candidato pelo Diretório Nacional da UDN, nessa

ocasião, Carlos Lacerda dissera ser preferível o nome de Jânio Quadros a fazer barganha com

qualquer partido. Claro que o líder udenista se referia ao PTB. Para Juracy Magalhães,

todavia, a advertência de Carlos Lacerda era um paradoxo de causar inveja ao próprio Oscar

Wilde. Jânio era um candidato trabalhista!”317

Do mesmo modo, todos os partidos políticos desde meados de 1959 vinham

trabalhando nomes nesse cenário. A UDN saiu na frente anunciando o candidato de sua

preferência, Jânio Quadros que, segundo o articulador Carlos Lacerda, caberia ao próprio

Jânio aceitar ou não a indicação. No trecho seguinte, a TIME expõe seu conhecimento sobre a

trajetória política da UDN. A expressiva vitória desse partido nas eleições de 1958 foi digna

de nota para a revista:

Durante o mês político de Outubro outro fato pareceu digno de nota, a conservadora

União Democrática Nacional (UDN) deixou de ocupar aquilo que parecia ser um

perpétuo segundo lugar para fazer sete governadores vencedores, sete senadores e 74

deputados, com a maior votação de sua história - cerca 3.000.000.318

Carlos Lacerda era amigo pessoal de um dos editores da TIME, Andrew Heiskell –

que inclusive lhe hospedou quando esteve no exílio em 1954, na cidade de NovaYork. Em seu

livro de memórias, Lacerda narrou o contato que teve com os inúmeros eletrodomésticos que

encontrou no apartamento do amigo. Dos EUA, Lacerda acompanhou os fatos do Brasil pós-

Getúlio e manteve intenso contato com outros editores de TIME.319

Lacerda e a UDN formavam uma unidade comum na concepção da revista. O projeto

político ideológico de ambos alinhava-se aos interesses norte-americanos, do mesmo modo, o

combate que travavam contra o comunismo. Durante o período que cobre a corrida

presidencial, Lacerda foi muito citado nas reportagens que analisamos. Logo após a vitória de

317

VICTOR, Mario. Cinco Anos que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 40. 318

In the other October political development of note, the conservative National Democratic Union (U.D.N.)

broke out of perpetual second place to back seven winning Governors, seven Senators and 74 Deputies with the

highest vote in its history—some 3,000,000. Time Magazine, loc. cit.. 319

LACERDA, Carlos. Depoimentos, Rio de Janeiro, Guabanara, 1977.

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Jânio, o olhar da revista se afastaria de Lacerda para ser retomado nos arredores da renúncia.

Os olhos da revista também acompanhavam os passos da UDN, conforme trecho seguinte:

Na semana passada, a maior parte do U.D.N. marchou em campanha com Jânio,

mesmo ele não tendo ligações com o partido. A marcha foi liderada pelo jornalista

Carlos Lacerda, líder dos deputados da UDN na Câmara e ardoroso inimigo de longa

data de Quadros (certa vez ele chamou Quadros de "sujo por dentro e por fora”). 320

Apesar das relações estarem rompidas desde a época em que Jânio era governador,

Lacerda “considerava inevitável a vitória de Quadros nessas eleições e acreditava que a única

maneira para UDN alcançar o poder seria apoiar a candidatura de Jânio para presidência.321

Dentro da UDN houve algumas críticas a indicação de Jânio, em especial do líder bahiano

Juracy Magalhães, que logo em seguida acabou consentindo.

As relações entre Jânio e Lacerda serviram como baliza para as opiniões que a

revista emitia. O perfil de Lacerda, muitas vezes, mesclava o lado temperamental com o lado

ardiloso. Seus desafetos também foram expostos no corpo das reportagens, Juscelino era um

deles:

Por mais que ele não gostasse de Quadros, Lacerda também não gostava do

Presidente Juscelino Kubitschek e do seu Partido Social Democrata (PSD). Quando

soube que o presidente da U.D.N. Juracy Magalhães estava negociando uma aliança

com o PSD de Kubitschek e que lançaria o próprio Magalhães candidato a

presidente em 1960, Lacerda conversou com Quadros e estampou a manchete em

sua Tribuna da Imprensa: Jânio – da UDN322

No subitem da matéria intitulado “Candidatos e a escolha do povo” tem-se, de forma

subliminar e com outro termo, uma breve sugestão ao Populismo. Além da mobilização

nacional em torno do nome de Jânio Quadros, a introdução do ‘povo’ no corpo da reportagem

foi inevitável. Para a TIME, Jânio apresentava inúmeras contradições. No trecho seguinte,

demagogia e populismo se fundem, Jânio aparece como “arrogante”, mas quando se dirige ao

povo, ele é “simples”, se parece e é aceito pelos humildes:

A U.D.N. de São Paulo por sua vez prometeu o apoio a Jânio Quadros. Em todo o

país os membros da UDN tais como Senadores, deputados, chefes de partido,

320

Last week most of the U.D.N. marched into Janio's camp, even though he has no links to the party. Leading

was Publisher Carlos Lacerda, U.D.N.'s fiery Chamber of Deputies floor leader and long an enemy of Quadros

(he once called Quadros "dirty inside and out"). Time Magazine, loc. cit. 321

CHAIA, Vera. A liderança política de Jânio Quadros (1947-1990). Ibitinga – SP, Humanidades, 1991, p.

155. 322

As much as he once disliked Quadros, Lacerda dislikes President Juscelino Ku-bitschek and his Social

Democratic Party (P.S.D.) more. When he learned that U.D.N. President Juracy Magalhaes was negotiating an

alliance with Kubitschek's P.S.D. that would make Magalhaes President in 1960, Lacerda conferred with

Quadros, bannerlined the news in his Tribuna da Imprensa: JANIO — U.D.N.'S. Time Magazine, loc. cit.

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intelectuais e jornais se alinharam. Quadros arrogantemente aceitou: "Vou precisar

de apoio do partido para a campanha, e ainda mais para governar o Brasil depois."323

Uma vez nomeado, Quadros partiu para o Rio de comboio. Já pela manhã, as

pessoas que o viam passando saudavam “Viva ao nosso próximo presidente", ele

acenava para todos e com uma timidez encantadora, coçava a cabeça de vez em

quando.

Jânio Quadros poderia ser considerado um populista? Segundo Skidmore, a própria

dificuldade para responder essa questão revela muito sobre o conflito político da época, no

qual o próprio Quadros era a peça principal. Segundo Skidmore “(...) até 1959, em sua

carreira paulista, Quadros demonstrou certas características de estilo populista, apresentava-se

como um candidato dinâmico de grande presença, que estimulava o público levando-o a

confiar nêle. Oferecia, assim, ao cidadão comum do eleitorado urbano a esperança de uma

transformação radical através da força redentora de uma única personalidade lider (...) Mas o

conteúdo da mensagem de Quadros, antes de 1959, não o classificaria como um populista.

Dirigia seu apelo aos eleitores das classes média e média-baixa, para as quais sua capacidade

de administrador honesto e eficiente em São Paulo parecia quase miraculosa.”324

O debate com o outro candidato e com o ex-presidente foi apresentado. A crítica de

Quadros a sucessão presidencial incluía a não indicação do nome Juscelino, o qual acenava

para a possibilidade de uma reeleição, algo tido como inconstitucional para a época.

Ele conversou com políticos de todos os partidos, inclusive com325

Kubitschek, de

quem ele discordou por causa da busca de um segundo mandato inconstitucional. O

Ministro da Guerra e Marechal, Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, era apenas

outro candidato na disputa. 326

Logo após as movimentações em torno do seu nome, Jânio viajou para o exterior e

ficou ausente do Brasil durante seis meses. Em sua ausência incumbiu um grupo de políticos

amigos para articular o lançamento de sua candidatura à presidência ainda naquele ano

(1959). Segundo Chaia, “a ausência de Jânio do cenário político brasileiro era uma estratégia

política, afim de que as instruções fossem feitas pelo staff administrativo. Com essa atitude,

Jânio procurava preservar a sua imagem de um político que não transigia e não negociava (...)

323

Candidate And The People's Choice. Sao Paulo's U.D.N. at once pledged its support to Quadros. Across the

nation U.D.N. Senators, Deputies, party chiefs, intellectuals and newspapers swung into line. Quadros loftily

accepted: "I will need party support for the campaign, and even more to govern Brazil afterwards." Time

Magaizne, loc. cit. 324

SKIDMORE, op cit, p. 232. 325

Thus nominated, Quadros went to Rio by train. When morning commuters cheered Viva our next President!"

he started to wave, then, with charming sheepishness, scratched his head instead. He conferred with politicians

of all parties, including (...)Time Magaizne, loc. cit. 326

Kubitschek, whom he warned against seeking an unconstitutional second term; 2) War Minister and Field

Marshal Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, only other visible candidate. Time Magaizne, loc. cit.

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Porém, era Jânio Quadros quem os orientava em suas ações.”327

No trecho abaixo, a TIME

cita que Jânio faria uma viagem de três meses (e não de seis):

Nesta semana, com uma típica astúcia política, Quadros planejou embarcar em um

cargueiro para o Japão (54 dias em torno do Cabo da Boa Esperança), em uma

viagem que vai mantê-lo afastado por três meses, o suficiente para evitar a

exposição excessiva pré-eleitoral, o suficiente para garantir-lhe uma recepção

triunfal ao retornar328

Durante esta pré-candidatura, portanto, esta pré-campanha, Jânio não deixou de

expressar sua opinião sobre o cenário internacional, para ele era “vital a ajuda financeira e

técnica dos Estados Unidos, porém afirmava que não era nem contra e nem a favor dos

Estados Unidos, mas a favor do Brasil e das nações do centro e sul americanas.”329

327

CHAIA, op cit, p.154. 328

This week, with typical political canniness, Quadros planned to board a freighter to Japan (54 days around the

Cape of Good Hope) on a trip that will keep him away for three months—enough to avoid excessive pre-election

exposure, enough to guarantee him a triumphal welcome when he returns. Time Magazine, loc cit. 329

CHAIA, loc cit.

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3.2 – ANTECIPANDO A CORRIDA

Mesmo estando no exterior, Jânio manteve-se atento às movimentações no Brasil e,

do exterior, tudo articulava. Sua viagem de seis meses não passou despercebida das críticas.

Foi acusado de enriquecimento ilícito e de ter “se vendido aos empresários de campanha.”330

Para ampará-lo em sua defesa, seu ex-secretário de justiça, Oscar Pedroso D’Horta concedeu

uma entrevista defendendo Jânio, dizia ele que a viagem estava sendo feita com recursos

próprios e convites oficiais.”331

Segundo Chaia, “na realidade, um dos empresários que

financiaram a viagem foi Roberto Selmi Dei, ligado ao empresariado paulista”.332

Em 17 de agosto de 1959, a TIME publicava a matéria Antecipando a corrida, nela a

revista cobriu parte da enigmática viagem de Jânio e deu destaque a sua ida para Moscou.

Estando a milhares de quilômetros de casa, seu sucesso no exterior chegava ao conhecimento

do público em geral:

(...) o homem que mais brilhou nos holofotes não estava perto do Rio na semana

passada. Ele estava a 7.000 quilômetros de distância, era Jânio Quadros, de 42 anos,

o simples e popular ex-governador do estado de São Paulo e candidato da

conservadora União Democrática Nacional (UDN).333

Naquele ano (1959), Jânio havia sido convidado para visitar a URSS na condição de

candidato à presidência, ele entendeu o convite como algo positivo dizendo: “vou a URSS

atendendo a um convite de seu governo. Parto sem preconceitos, sem partidarismos. Quero

conhecer o formidável progresso cultural e econômico dos soviéticos e visitar seus centros

culturais e fabris. No mundo cada vez menor em que vivemos, não pode a civilização

brasileira ignorar o aparecimento de novas fórmulas político-sociais, assim como a obra que

realizam.”334

No trecho abaixo a TIME destacou as primeiras manifestações de Jânio em prol

do diálogo com os países do bloco socialista, em particular com a URSS:

(...) Quadros, logo após a ida de Richard Nixon a Moscou, conseguiu 45 minutos de

conversa com o jovial Nikita Khrushchev para pedir "o mais rápido possível" a

retomada das relações diplomáticas com a Rússia. Jânio acrescentou: "A União

330

CHAIA, op cit., p. 170. 331

Ibid., ibidem. 332

Ibid., p. 170-171. 333

Moscow Coup. But the man who held the brightest spotlight was nowhere near Rio last week. He was 7,000

miles away in the person of Janio Quadros, 42, the homespun, popular ex-governor of Sao Paulo state and front-

running candidate of the conservative National Democratic Union (U.D.N.). Time Magazine: Running Early, 17-

08-1959. 334

O Estado de São Paulo, 29 de julho de 1959.

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Soviética obtém seu café da África e, levando em conta o sabor do nosso café, seria

de grande interesse para o comércio brasileiro".335

Esse trecho retoma as contradições de Jânio, chamando a atenção dos editores da

TIME. Jânio, do mesmo modo que defendia o reatamento com a URSS e com os países do

bloco socialista, também era contra os comunistas, dizia ele “o comunismo não exerce grande

atuação sobre os brasileiros, pois é contra o seu caráter. Os brasileiros são cristãos e amam a

liberdade.”336

A TIME tinha conhecimento do apoio dos comunistas à candidatura de Jânio, porém

ele mesmo negava esse apoio por “considerá-los mercadores internacionais da ignorância e da

miséria que afligiam muitos dos nossos patrícios.”337

Segundo Chaia, “a partir dessas

declarações é possível afirmar que existia uma diferença básica entre o discurso de Jânio

Quadros com relação a política externa de aproximação ao bloco socialista e sua versão

interna, de condenação dos comunistas, considerando-os mercadores da miséria do povo.”338

No caso do comunismo dentro do Brasil, Jânio disse; “Não tenho nenhum interesse na

posição do Sr. Luis Carlos Prestes, que considero um defunto.”339

A TIME orientava a sua

observação em relação Jânio Quadros dentro das relações internacionais. A revista publicava

a posição crítica de Jânio ao comunismo endógeno, mas era o exógeno que mais preocupava a

TIME.

O posicionamento de Jânio frente à política e à economia do país foi o tema de

discussão de uma entrevista que dera a Carlos Castelo Branco e publicada na revista O

Cruzeiro, de 11 de junho de 1959. Assuntos como a reforma agrária foram pontuados, Jânio

dizia: “cabe a nós, democratas, promovê-la ao longo da lei para que outros não a promovam

acima da lei.”340

A questão do petróleo também foi pontuada, para ele “petróleo é

soberania”.341

A fama e a excentricidade de Quadros pareceram ultrapassar as fronteiras do Brasil.

No trecho abaixo, a TIME ilustra alguns detalhes da descontraída excursão eleitoral de

Quadro pelo mundo:

335

(...) Quadros followed Richard Nixon into Moscow, got himself a full 45 minutes with the jovial Nikita

Khrushchev, came out to urge "the most rapid possible" resumption of diplomatic relations with Russia. Cockily,

Janio added: "The Soviet Union gets its coffee from Africa and, judging from the taste, would greatly benefit by

Brazilian trade." Time Magazine, loc. cit. 336

O Estado de São Paulo, 14-06-1959 337

O Estado de São Paulo, 22-04-1959 338

CHAIA, op. Cit. p 171. 339

O Globo, 30-06-1959 340

O Cruzeiro, 11-06-1959. 341

O Cruzeiro, 11-06-1959.

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Essa estratégia manteve Quadros nas primeiras páginas desde que ele foi para o

Japão em março passado. Jornais brasileiros enviaram seus melhores homens para

seguir Quadros no Japão, Turquia, Israel, Europa. Quadros não deixou de brindar

em seu percurso, tinha algo a cada parada para agradar grupos minoritários de

brasileiros.342

Para a TIME, além de uma controvertida “campanha” internacional, o pré-candidato

Jânio parecia dispor de um forte eleitorado internacional e nas principais cidades do mundo:

Disse um político do Rio: "Jânio ganhou o voto japonês do Brasil em Tóquio, o voto

italiano em Roma, o voto judeu em Tel Aviv." Em toda parte, Jânio apresentou sua

plataforma: o mesmo tipo de governo honesto que trouxe grande sucesso quando era

governador.343

O personagem messiânico de Jânio apareceu pela primeira vez na revista. O seu

retorno, velejando, era aguardado pelos ansiosos políticos.

Quadros irá velejar de volta para casa em setembro para uma recepção triunfal na

convenção da UDN. Logo mudará a roupa desleixada e fará a barba de dois dias (...).

Disse ele: "O Marechal Lott é um patriota distinto, mas para se tornar presidente,

também é necessário ser popular." Uma recente pesquisa em 20 capitais brasileiras

revelou 72% para Quadros, de 18% para Lott.344

Ao citar novamente a aparência de Jânio (desleixada), a revista sugeriu que o

candidato estava complemente a vontade durante a viagem. Sendo assim, Quadros somente

voltaria a se vestir de forma descente quando chegasse ao Brasil.

Passados seis meses, Jânio retornou ao país em 21 de setembro de 1959, dando inicio

definitivo a sua campanha. Em 8 de novembro daquele ano foi realizada a convenção da UDN

para indicação do candidato. Na disputa estavam Jânio e Juraci Magalhães. Segundo Chaia

“o clima local era bastante tenso, tendo de um lado os lacerdistas e, do outro, os adeptos de

Juraci.”345

Tomando ciência daquele conturbado momento, Jânio comunicou a Afonso Arinos

e Carlos Lacerda que não era mais candidato. Lacerda contornou a situação deixando Quadros

342

Something for All. Such coups have kept Quadros on the front pages ever since he left for Japan last March.

Brazil's newspapers sent their top men to catch Quadros in Japan, Turkey, Israel, Europe. Quadros missed not a

beat on the toast-quaffing circuit, had something at every stop to tickle Brazil's minority groups. Time Magazine,

loc cit. 343

Said a Rio politician: "Janio won Brazil's Japanese vote in Tokyo, its Italian vote in Rome, the Jewish vote in

Tel Aviv." Everywhere, Janio outlined his platform: the same kind of honest government that brought a boom

when he was governor. Time Magazine, loc cit. 344

Quadros will sail home in September for a hero's welcome at the U.D.N. convention, then change to sloppy

clothes and two-day beard (...). Said he: "Marshal Lott is a distinguished patriot, but to become President it is

also necessary to be popular." A recent poll in Brazil's 20 state capitals showed 72% for Quadros, 18% for Lott.

Time Magazine, loc cit. 345

CHAIA, op cit, p 162.

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seguro em relação a indicação da vice-presidência – esta que tanto incomodava Jânio, pois o

candidato não queria um vice-presidente imposto pela UDN.346

Concordando com Lacerda,

Jânio voltou atrás.

Mesmo assim os problemas com a escolha do vice continuaram desagradando Jânio

Quadros que, finalmente, em 25 de novembro de 1959, entregou uma carta ao presidente da

UDN renunciando a sua candidatura. Segundo Chaia: “Carlos Lacerda considerou a renúncia

de Jânio Quadros um protesto contra a política de conchavos e de barganhas (...) disse ainda

que Jânio nunca seria um presidente caricato.”347

Após várias exigências feitas a Lacerda,

Jânio retomou a candidatura em 5 de dezembro de 1959.348

Foi homologada em maio de 1960

com uma coligação composta pela UDN (União Democrática Nacional), PTN (Partido

Trabalhista Nacional), PDC (Partido Democrata Cristão) , PL (Partido Liberal) e PR (Partido

Republicano).

346

Ibid., ibidem. 347

Ibid., p. 165. 348

Ibid., p. 166.

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3.3 – OS CANDIDATOS

Havia um olhar preocupado do Departamento de Estado para as eleições de outubro

de 1960, temiam pela vitória de Jânio.349

Desde o início, o Departamento era simpático a

candidatura de Lott, apesar de sua impregnada defesa do nacionalismo e de ser considerado

um candidato conservador apoiado por forças de esquerda.350

Nesse sentido, a embaixada dos Estados Unidos acreditava que poderia haver a

transferência do prestígio de Juscelino para Lott, este que, sendo um militar, ainda poderia

contar com o apoio das Forças Armadas.351

A expectativa norte-americana era que Lott

“manteria acordos com os Estados Unidos e provavelmente não reataria relações com a URSS

nem reconheceria a República Popular da China.”352

Apesar dessa postura em relação à

política externa, o Departamento de Estado se mantinha reticente em relação à política

interna. Considerado de perfil político ingênuo, “possuidor de um caráter retilíneo e avesso a

negociações, ele, no entanto, poderia gerar dificuldades com o Congresso. Favorável à

limitação de remessas de lucros pelo capital estrangeiro, o general mostrava tendências a

prestigiar empresas estatais e apoiar uma maior participação no controle da economia pelo

Estado”.353

A matéria “Os candidatos” trouxe uma prévia do confronto Quadros-Lott. O General

representava os herdeiros do nacionalismo. Para a TIME o programa de Lott era “Vermelho,

de esquerda”, não cabia os eufemismos do Departamento de Estado. A reportagem alertava

para o perigo que esse candidato representava aos investimentos capitalistas, ou seja, ao

capital estrangeiro.

Da varanda do edifício onde está localizado o Comitê Nacionalista de Lott, ele,

imediatamente, fez do capital estrangeiro seu alvo principal. Disse ele, com sua voz

aguda: "Não desejamos mais que o suor dos trabalhadores brasileiros sirva para

produzir riquezas para os estrangeiros”. Em seu segundo dia de comício, ele chamou

a atenção para o progresso da siderúrgica estatal de Volta Redonda, e mais garantias

à intocável Petrobrás, o monopólio estatal do petróleo.354

349

BARBOSA. Op cit, p.87. 350

Ibid., ibidem. 351

Ibid., ibidem. 352

Ibid., p. 88. 353

Ibid., ibidem. 354

Workers' Sweat. From the balcony of a building housing a Nationalist Committee for Lott, he promptly made

foreign capital his prime target. Said he in a small, high-pitched voice: "We no longer desire that the sweat of

Brazilian workers serve to build riches for those abroad." At his second rally of the day, he called for

improvement of the government steel mill, Volta Redonda, and "more guarantees for untouchable Petrobras," the

state oil monopoly. Time Magazine, Brazil: The Candidates, 29-02-1960.

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Nada mais frontal aos interesses americanos do que uma postura nacionalista, ainda

mais preocupante quando se tem a possibilidade de haver um chefe de Estado hasteando tal

bandeira. A constante preocupação da revista em relação aos políticos que colocam os

trabalhadores como protagonistas e oprimidos alude ao conceito de proletariado. O suor dos

trabalhadores sugeria a ideia de expropriação e extração de mais valia.

Teixeira Lott foi acompanhado de perto pela TIME. Durante a corrida eleitoral de

1960, parecia só existir dois candidatos pela presidência nas páginas da revista. Lott foi

homologado pela coligação PSD/PTB “após vários nomes vetados pelo presidente

Juscelino.”355

Segundo a revista, o manto de Lott era o mesmo manto de Vargas, portanto, ele

vestia a túnica dos inimigos do capital estrangeiro:

O manto que o Marechal Lott aspira é o de Getúlio Vargas, o demagogo ditador-

presidente que se matou em 1954, deixando uma carta pondo a culpa do seu suicídio

nos "grupos financeiros internacionais". Na semana passada, três dias depois de

deixar o Ministério da Guerra, Lott foi festejado numa barulhenta convenção do

PTB, o partido de Vargas, ao aceitar sua indicação. (PTB). "Eu sou um

nacionalista", disse ele. "O nacionalismo está relacionado ao patriotismo, o caminho

da caridade é a fé.."356

Compondo chapa com Goulart, os atritos entre o PSD e o PTB não tardaram. Lott

assumiu abertamente sua postura política dizendo que era “nacionalista, desenvolvimentista e

(...) anticomunista, apesar do apoio do PCB”.357

A TIME sabia que Lott não estava sozinho,

para a revista o incômodo só aumenta, pois o candidato a vice é Goulart, o explícito

nacionalista e esquerdista. Aliado de Vargas e parente de Brizola, as ações de Goulart junto

aos trabalhadores (proletariado) chamavam a atenção da revista e, como candidato a vice-

presidente pelo PTB, ele preparava uma plataforma agressiva ao capitalismo

Para obter a nomeação, Lott aceitou como seu companheiro de chapa o atual vice-

presidente do Brasil, o provocador chefe do PTB João ("Jango") Goulart. De Goulart

veio uma plataforma que inclui uma lei para o direito de greve-geral para os

trabalhadores brasileiros, restringe e freia as remessas de lucros ao exterior, uma

reforma agrária e a participação dos empregados nos lucros das empresas. Esta

355

HIPPOLITO, Lucia. PSD de raposas e reformistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 203. 356

The mantle that Marshal Lott aspires to is that of Getulio Vargas, the demagogic dictator-President who shot

himself in 1954, leaving a note blaming his suicide on the pressure of "international financial groups." Last

week, three days after leaving the War Ministry, Lott greeted a noisy convention to accept the nomination of

Vargas' old Brazilian Labor Party (P.T.B.). "I am a nationalist," he said. "Nationalism is related to patriotism the

way charity is to faith." Time Magazine, loc. cit. 357

CHAIA, op. cit, p. 168.

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plataforma trouxe apoio automático dos comunistas, cerca de 200 mil votos.358

Divisões internas do PSD e do PTB apoiavam a candidatura de Jânio. As propostas

de anticomunismo de Lott desagradavam setores do PTB, Lott se opunha a aproximação com

o bloco socialista, ao contrário de Jânio “que defendia posturas mais avançadas na área da

política externa.”359

Lott contava com o apoio tímido de Juscelino, este que pouco se

empenhava em apoiar o seu próprio candidato.360

Segundo Chaia “para o PSD, Lott era

considerado um elemento estranho ao partido e, na avaliação de Lacerda, Lott incumbiu-se de

se derrotar vertiginosamente. Cada vez que Lott falava, era um desastre.”361

Lott também é o candidato do presidente Juscelino Kubitschek do PSD, um partido

de burocratas e proprietários de grandes terras e ele, desse modo, herda a política de

Kubitschek, a do desenvolvimentismo através da inflação. Lott, portanto, tem o

apoio maciço que elegeu Kubitschek..362

A trajetória de Quadros volta a ser destacada no trecho abaixo e dentro de uma

espécie de comparação com Lott novos detalhes estéticos foram apontados. Como um

personagem surpresa, que saiu das sombras, ele continuava sendo tratado como excêntrico,

adjetivo que apareceu repetidas vezes em suas reportagens, talvez por ser o único que pudesse

ser atribuído de forma segura, haja vista que outros traços de Jânio continuariam a confundir a

revista por um bom tempo.

Lott está contra o ex-professor primário Jânio Quadros, que em poucos anos, saiu da

obscuridade para se tornar o novo governador-vassoura de São Paulo, centelha do

estrondo industrial do Brasil. Quadros laça seus sapatos no ar, derrama caspas em

sua camisa e leva o povo ao delírio. Seu programa é de um governo honesto, de

redução da burocracia, da construção de estradas e de usinas de energia, e de recolar

a empresa privada no caminho do progresso. Ele descreve seu próprio nacionalismo

como "adulto, vacinado e com idade suficiente para votar."O principal obstáculo de

Jânio Quadros: o seu perfil excêntrico, este que o levou a sair da corrida presidencial

uma semana antes e voltar quase que imediatamente.363

358

To get the nomination, Lott accepted as his running mate Brazil's current Vice President, rabble-rousing

P.T.B. Boss Joao ("Jango") Goulart. With Goulart came a platform that includes a broad right-to-strike law for

Brazilian workers, strict curbs on the remittance of profits abroad, land reform, profit sharing for industrial

employees. This platform brought automatic Communist backing, an estimated 200,000 votes. Time Magazine,

loc. cit. 359

Time Magazine, loc. cit.. 360

CHAIA, op. cit. p. 169. 361

Ibid., ibidem. 362

Inflation Program. Lott is also the candidate of President Juscelino Kubi-tschek's Social Democrats, a party of

bureaucrats and big landholders, and he thereby inherits Kubitschek's policy of forced-draft development

through inflation. Lott thus has all the massive backing that elected Kubitschek. Time Magazine, loc. cit. 363

Lott is up against ex-Schoolteacher Janio Quadros, who in a few years rose from obscurity to become the

new-broom governor of Sao Paulo, spark of Brazil's industrial boom. Quadros kicks off his shoes on the stump,

spills ashes on his shirt and works the crowd to frenzy. His program is honest government, slashing bureaucracy,

building roads and power plants, and turning private enterprise loose for progress. He describes his own

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Nesse contexto, o vice, Goulart, se aproveitou da fraca campanha de Lott e passou a

promover a formação dos comitês que apoiavam a sua aliança com Jânio. Segundo Chaia,

“Dante Pellacani, presidente do PTB paulista e presidente da Federação Nacional dos

Gráficos, idealizou a criação do “movimento Jan-Jan, que se expandiu no seio do movimento

sindical.”364

O próprio Jânio mostrou-se simpático a esses comitês, pois sabia que poderia

tirar proveito dessa aliança.

Ao final das contas, Jânio saiu fortalecido para a campanha de 1960. Estava apoiado

por cinco partidos políticos e ainda contava com os movimentos Jan-Jan e o movimento de

renovação sindical. Além dessas agremiações, Jânio ainda contou com “a adesão dos

empresários nacionais e representantes do capital estrangeiro, dos militares ligados a ESG

(Escola Superior de Guerra), de membros do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação

Democrática), bem como do apoio popular.”365

Nesta matéria, a TIME deixou de fora Adhemar de Barros (PSP). Conhecido como

“eterno candidato”, o PSD de Juscelino tentou convencê-lo a retirar sua candidatura em pró de

Teixeira Lott. Por outro lado, Adhemar não se deixando por menos, fez proposta inversa ao

PSD. No meio dessas disputas surgiram movimentos como “Ade-Jan” propondo uma chapa

composta por Adhemar e Jango. Adhemar adotou o slogan “Homem da terra”, se

aproveitando do fato de ter nascido no interior. Seu programa se pautou numa proposta

tradicional defendendo a “valorização do campo, o desenvolvimento e a modernização da

agricultura e a reforma agrária”.366

A campanha de Jânio tinha como estratégia “parecer pobre”, todavia estavam por trás

“os grandes financiadores de campanha, empresários nacionais e empresas multinacionais.”367

O dirigente das Ligas Camponesas, Francisco Julião, foi um dos seus apoiadores. Julião,

apesar do seu vínculo com o PSB “não se empenhou na candidatura do Marechal Lott.”368

nationalism as "grownup, vaccinated and old enough to vote." Quadros' main handicap: the streak of eccentricity

that led him to pull out of the race one week and jump back in almost immediately. Time Magazine, loc. cit. 364

Ibid., ibidem. 365

Ibid., ibidem. 366

CHAIA, op cit, p. 168. 367

Ibid., p. 174. 368

Ibid., p. 175.

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3.4 – CUBA: UMA VIAGEM DESASTROSA

Em Março de 1960, Fidel Castro convidou Quadros para uma visita à Cuba, na

condição de provável futuro presidente do Brasil, por causa desse convite, a UDN criticou de

forma severa essa viagem. Para eles o novo governo cubano havia suprimido a liberdade e

imposto à ditadura. Por outro lado, no plano estratégico da campanha, era importante que

Quadros visitasse a ilha, pois naquele momento a campanha já se encontrava polarizada,

“Jânio era acusado de entreguista, enquanto a candidatura do Marechal Lott era identificada

com o nacionalismo.”369

Segundo Castilho “era necessário desfazer a imagem de Jânio como

“lacaio dos trustes, mostrando uma faceta de independência em relação a política

internacional.”370

A TIME publicou uma matéria tratando essa visita como breve e passageira. Além

dos adjetivos já conhecidos, a posição política de Jânio como ‘candidato próximo à direita’ foi

utilizada pela revista. TIME observou que a visita também era uma estratégia de Jânio para

dividir os votos de Lott. Para ela, tratou-se de uma “viagem desastrosa”, título da própria

matéria, haja vista o impacto que causou aos meios de comunicação do Brasil

Jânio Quadros, conservador, excêntrico, mas um bem sucedido governador do rico

Estado de São Paulo, é o candidato mais próximo da direita na próxima eleição

presidencial em Outubro. Por conseguinte, um dos seus motivos principais para

visitar Cuba na semana passada foi roubar alguns votos da esquerda e que pertencem

ao seu principal rival, o candidato Henrique Teixeira Lott.371

Segundo Chaia, Jânio foi muito bem recebido em Cuba e a imprensa brasileira fez

forte cobertura. Recebido por Fidel com honras de chefe de Estado, Jânio elogiou muito o

governo cubano, classificando-o de “honesto e operoso.”372

O Departamento de Estado não

deixaria passar despercebida essa visita, era crescente a atenção em Jânio, “algo mudaria caso

ele, como se prenunciava, vencesse o pleito de 3 de outubro e a sua presença em Havana seria

o ponto de partida para revigorar a desconfiança que começava a caracterizar a atitude de

369

CHAIA, op cit, p. 176. 370

Ibid., ibidem. 371

BRAZIL: Slipped Trip, Monday, Apr. 11, 1960; Janio Quadros, the conservative, eccentric but successful

former Governor of wealthy São Paulo State, is the closest thing to a candidate of the right in next October's

Brazilian presidential election. Thus his clear motive in visiting Castro's Cuba last week was to grab a few leftist

votes from his chief rival. Government Candidate Henrique Teixeira Lott. Time Magazine, loc. cit. 372

Time Magazine, loc. cit..

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Washington para o candidato oposicionista.”373

A viagem foi um fracasso? Para a TIME sim. No trecho abaixo, foi atribuída essa

conclusão. A figura de um presidente que precisou ‘sair correndo’ da Ilha de Cuba, devido a

forte crítica que recebera da imprensa de seu país, sugere a representação de um político

atento à opinião pública e a grande influência que essa mesma opinião possa impactar em sua

imagem.

A viagem foi um fracasso. Quadros deveria ficar na Cuba de Fidel Castro por seis

dias. Mas quando os jornais de seu país começaram a chamá-lo de "irresponsável" e

suas declarações de elogio a Castro foram entendidas como um verdadeiro "pacto

com o diabo", ele aparentemente se deu conta de que os brasileiros não estão muito

ansiosos em seguir os passos de um governo irresponsável de uma ilha que

corresponde a um décimo do seu próprio país.

Fidel Castro havia tomando muita cautela ao convidar Jânio Quadros, na verdade, ele

não tinha interesse em interferir diretamente nas eleições do Brasil. Muitos setores da mídia

carioca apoiavam a ida de Jânio à Cuba. Todavia, eram os setores da UDN que mais

criticavam essa atitude, pois consideravam a visita, além de polêmica, muito perigosa para os

resultados das eleições. O convite foi feito também para Lott, que recusou devido a questões

de agenda e por considerar desnecessária.

As críticas da imprensa que a TIME apontou podem ser localizadas nas publicações

de jornais como O Estado de São Paulo “que classificava a viagem como demagógica (...) O

Estado de São Paulo aborda a possibilidade de essa visita acentuar a divisão do sistema

interamericano e demonstrar solidariedade a Fidel no momento em que ele começava a

alinhar-se abertamente como Moscou. O Editorial da Folha de São Paulo considerou a

viagem inútil, apenas mais uma manobra para desmentir a pecha de ‘entreguismo’ e de

simpatias pró-americanas do candidato”.374

A visita obedeceu ao protocolo estabelecido, ou seja, Quadros visitou o túmulo de

heróis da independência cubana, como o de José Julian Martí y Perez. Nessa ocasião

“pronunciou um pequeno discurso improvisado (...)”, em seguida “participou de um almoço

na sede do governo (...) visitou granjas, a fábrica de charutos H. Upman e esteve com Che

Guevara ainda presidente do Banco Nacional de Cuba (...)”.375

A TIME não deu detalhes da visita de Jânio, apenas restringiu seu discurso à

estratégia política do candidato. Sem dar muito espaços para outros assuntos, a matéria

373

BARBOSA, op cit. p. 56. 374

Ibid., p. 60. 375

Ibid., p. 64.

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apresentou uma imagem caricata de Jânio ‘em rota de fuga’ e rumo a um lugar mais seguro

Dois dias antes do final de sua visita terminar, ele saiu correndo com um pão com

manteiga acenando para seus anfitriões, subiu a bordo de um avião e partiu para um

terreno mais seguro, a Venezuela..376

A imprensa local cubana, representada por jornais como o Diário de La Mariana e o

Prensa Libre cobriram a visita com matérias favoráveis, mas, por outro lado surgiram boatos

de que Jânio estaria fazendo uso desses veículos para dirigir críticas aos Estados Unidos, tal

fato não agradou Jânio.377

Alguns observadores interpretaram o desagrado de Jânio como um

dos motivos principais para antecipar a sua saída de Cuba, todavia, apesar dos comentários

veiculados pela imprensa brasileira, não houve nenhum incidente com Fidel.

Em certo momento, Quadros considerou que a repercussão da viagem não estava

correspondendo à sua expectativa, decidindo então partir antecipadamente para Caracas,

inclusive por nada mais haver de interessante para fazer em Cuba durante os dois últimos dias

restantes.378

Após Cuba, Quadros fez uma rápida passagem à Venezuela e “declarou-se a favor da

criação de um mercado comum latino-americano, manifestou o desejo de vitalizar as

democracias latino-americanas e repudiou todos os regimes de força dos governos totalitários,

entretanto, teve o cuidado de não incluir Cuba em suas críticas.”379

376

The trip was a flop. Quadros was supposed to stay in Castro's Cuba six days. But when papers back home

began calling him "irresponsible" and his statements of praise for Castro a "pact with the devil," it apparently

dawned on him that Brazilians have no vast yearning to take their cues from a reckless government on a chaotic

island that is only one-tenth as populous as their own country. Two days before his visit was supposed to end, he

dashed off bread-and-butter messages to his hosts, climbed aboard a plane for safer terrain in Venezuela. Time

Magazine, loc. cit. 377

BARBOSA, op cit, p. 64. 378

Ibid, p. 65. 379

CHAIA, op. cit., p. 178.

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3.5 - QUAL CONSERVADOR

Em 3 de outubro de 1960, exatamente no dia da eleição para presidente do Brasil, a

TIME publicou a matéria “Qual Conservador?” e analisou o perfil dos candidatos e enquadro-

os dentro de um estilo controverso. Ora, Quadros e Lott aparecem como conservadores, ora

como simpatizantes da esquerda. No caso de Jânio, as contradições poderiam ser consideradas

ainda maiores, quer com discurso de esquerda, quer com discurso de direita. As ambiguidades

de Jânio chamaram, logo de início, a atenção:

Em seu próprio nome, Jânio Quadros passou dos limites confundindo gestos apenas

para promover imagens de si mesmo para agradar a todos.

Mesmo ambíguo, o perfil de Jânio era objeto constante de análise e vigilância por

parte do Departamento do Estado. Dias antes da eleição “a CIA ainda confiava na vitória de

Lott, nos termos do boletim de 28 de setembro de 1960, preparado para uma reunião do

Comitê Nacional com o Assessor de Assuntos Interamericanos, em Washington.”380

Acompanhando as estratégias de Jânio Quadros, a revista retomou, como transcrito

no trecho abaixo, a linha biográfica do candidato cujo perfil parecia se alinhar a de um

conservador. A análise de sua postura pessoal e até mesmo caricata já se afirmava como um

método investigativo da revista:

Ele também trocou o xingamento por um estilo de campanha altamente pessoal, fato

este que o levou, em sete anos, de uma sala de aula do ensino médio (onde ensinou

geografia, história e literatura) para o governo de São Paulo, o mais rico e poderoso

Estado do Brasil. Como governador, ele investiu em obras públicas que agora

suportam o mais movimentado complexo industrial da nação (aço, automóveis,

eletrodomésticos), mas também se livrou de cerca de 15.000 funcionários

públicos..381

Qual seria o limite que poderia separar o caricato do carismático? A TIME optou pela

análise caricata de Jânio, e no lugar de ‘carisma’ ela utilizou ‘demagógico’. No trecho

seguinte a estratégia das aparências prosseguiu, porém, as alterações que Jânio executou no

380

BARBOSA, op cit, p. 87. 381

Switch Talker. On his own behalf, Jânio Quadros has gone to extreme and confusing lengths to promote

images of himself calculated to please everyone. He has also switched from the name-calling, highly personal

campaign style that carried him in seven years from a high school classroom (where he taught history, geography

and Portuguese literature) to the governorship of São Paulo, Brazil's richest, most powerful state. As Governor,

he spent liberally on public works that now support the nation's most bustling industrial complex (steel,

automobiles, appliances)—but also got rid of some 15,000 featherbedding state workers. Time Magazine, Brazil:

Which Conservative?, 03-10-1960.

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seu visual ocorreram como algo provisório e, portanto, apenas como marketing de campanha:

No caminho para a presidência, Jânio Quadros pôs de lado os velhos golpes baixos

que ele usou na política estadual. Ele penteou o cabelo, apertou a gravata, limpou a

caspa de seus ombros, e não tirou mais o sanduíche do bolso no meio de um

discurso. Ele evitou ataques pessoais contra Lott, recusou-se a fazer acusações de

corrupção sem fundamento.382

A desconfiança em torno de uma plataforma voltada para a esquerda chamou a

atenção da revista. Atitudes e as palavras de Jânio deixavam a TIME em dúvida,

principalmente quando se referia a Cuba e a URSS. O camaleão apareceu como uma metáfora

ao perfil controverso de Jânio. De qual lado ele poderia estar? Se Jânio vem aí? De qual local

ele poderia advir?

Mas, como um camaleão, ele mudou sua coloração para se adequar ao seu público.

Perante os industriais ele prometeu uma economia conservadora, diante dos

planejadores ele elogiou o investimento estrangeiro, junto aos camponeses, lembrou

sua visita a Cuba de Fidel Castro e admiração professada pelo barbudo Líder

Máximo. Perante os comunistas, ele lembrou de sua viagem a Moscou no ano

passado e insinuou um possível reconhecimento da Rússia e da China Vermelha,

perante os nacionalistas ele esfolou os sanguessugas exploradores estrangeiros.

Como presidente, ele provavelmente iria executar o mesmo tipo eficiente,

econômico, um governo com o espírito voltado para o tipo de desenvolvimento que

ele utilizou em São Paulo..383

Esquerda ou direita? Liberal ou não liberal? Na verdade o liberalismo de Jânio era

contraditório, por vezes a favor da privatização de algumas estatais, por outras propunha a

nacionalização de empresas que atuavam em áreas estratégicas.

Algumas ideias de cunho liberal ficaram claras, num discurso que fez na Escola

Superior de Agricultura de Piracicaba: “não sou e, só, o liberal que procuro ser, e sei que o

sou.”384

Dessa forma ele próprio demonstrava o seu apoio à iniciativa privada, considerava

que o Estado era um mal patrão e não podia estar incumbido de certas tarefas.385

Sua face nacionalista não era tão estranha, para ele energia elétrica controlada por

382

Stumping for President, Quadros put aside the undignified platform gimmicks he used in state politics. He

combed his hair, tightened his tie, brushed the dandruff off his shoulders, and never once pulled a sandwich from

his pocket in mid-harangue. He avoided personal attacks on Lott, refused to sling corruption charges

indiscriminately. Time Magazine, loc. cit. 383

But, chameleonlike, he switched his coloration to suit his audience. Before industrialists he promised

conservative economics; before planners he praised foreign investment; before peasants he recalled his visit to

Castro's Cuba and professed admiration for the bearded Maximum Leader. Before Communists he pointed to his

trip last year to Moscow and hinted at possible recognition of Russia and Red China; before nationalists he

flayed bloodsucking foreign exploiters. As President, he would probably run the same kind of businesslike,

economical, development-minded government that he built in São Paulo. Time Magazine, loc. cit. 384

O Estado de São Paulo, 25 de junho de 1960. 385

CHAIA,op. cit p. 177.

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empresas estrangeiras deveriam passar para o controle do Estado, para ele a energia elétrica

era “tão indispensável como o pão nosso de cada dia e considerava que como medida de

segurança nacional era vital sua nacionalização”.386

O caso da Petrobrás era ainda mais delicado, pois, para Jânio, essa empresa era um

patrimônio da soberania nacional. Segundo Chaia, “no seu programa de governo a Petrobrás e

seu patrimônio seriam intocáveis.”387

Ao final da reportagem, a TIME lançou seu olhar ao candidato Lott. Do mesmo

modo que analisava Quadros, a revista não deixou de atentar para a cor dos olhos e

principalmente à voz de Lott. Além disso, o discurso desse candidato servia de suporte as

próprias análises que a revista já vinha realizando sobre Quadros.

O principal problema de Lott na campanha inicial foi sua apatia. Impassível e rígido,

com frios olhos azuis e uma voz estridente que o fez soar um pouco ridículo, ele

deixou seu público impressionado. No meio da campanha, no entanto, ele mudou de

tática. Ele lutou para baixar a voz algumas notas, assumiu o papel de um pai sábio, e

ao mesmo tempo começou a animar a sua campanha com viciosos ataques pessoais

a Quadros. Ele chamou Quadros de uma série de coisas, desde a loucura de uma

ditadura, disse que a eleição de Jânio Quadros levaria o país a uma sangrenta guerra

civil, acusou Quadros de estar tentando comprar a eleição com os imundos recursos

advindos dos trusts estrangeiros.388

Chamar Quadros de possível ditador representava uma estratégia desesperada de seu

oponente, no entanto, informar que Jânio era financiado pelos trustes estrangeiros servia

apenas para dificultar ainda mais a identificação exata dessa personagem chamada Jânio

Quadros. As multinacionais, sustentáculos do Século Americano, estavam por trás ajudando

um candidato que flertava com Moscou?

386

Ibid, ibidem. 387

Ibid, p. 178. 388

New Image. Lott's main problem in early campaigning was his dullness. Stolid and rigid, with cold blue eyes

and a piping voice that made him sound slightly ridiculous, he left his audiences unimpressed. In midcampaign,

however, he switched tactics. He struggled to lower his voice a few notes, assumed the role of a wise parent, and

at the same time began pepping up his campaign with vicious personal attacks on Quadros. He called Quadros

everything from insane to dictatorial, said that Quadros' election would lead to bloody civil war, charged that

Quadros was trying to buy the election with a slush fund provided by foreign trusts. Time Magazine, loc. cit.

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3.6 - O NOVO PRESIDENTE

Na edição de 17 de outubro de 1960, a TIME publicou a reportagem que cobriu os

resultados das eleições.

A embaixada americana “considerava que o pleito, com prognósticos incertos, seria

disputado voto a voto, não desprezando fraude eleitoral e manipulação de resultados das

urnas, manobras suscetíveis de serem empregadas por ambos candidatos.”389

A eleição foi

acompanhada de perto pelo Departamento de Estado e “a eventualidade de uma intervenção

militar no processo sucessório também constava com certa frequência nesses boletins”.390

A vitória de Jânio ficou conhecida como “revolução pelo voto”. Em 3 de outubro de

1960 Jânio atingia a maior marca que um candidato conseguira, 48% dos votos nominais. A

vitória não veio somente das massas populares, adveio também de setores da classe média e

alta identificados com a UDN e com as propostas mobilizadoras.

Ao tomar conhecimento da vitória, Jânio, como de costume, viajou, para retornar

somente em 13 de outubro para a sua primeira entrevista coletiva. Ao ser indagado sobre qual

seria a composição do seu governo, Jânio deixou claro que contaria com todos, inclusive com

os grupos que não o apoiaram. Jânio afirmou que desejava governar bem e “para governar

bem devo ter junto de mim os homens mais idôneos e mais capazes, com ou sem filiação

partidária.”391

Segundo Chaia, “mais uma vez Jânio Quadros reafirmava sua independência

em face dos partidos políticos e dos grupos que o apoiaram, pois considerava que havia sido

eleito pelo povo e somente a ele poderia prestar contas.”

O número de eleitores foi de 12.586.354.392

Jânio conseguiu 78% dos votos nos

estados da Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, ou seja, nos principais

estados da União. O eleitorado foi estimado pela revista em 12,5 milhões de pessoas – na

edição de 3 de outubro a TIME estimou em 12 milhões, ou seja, 500 mil pessoas a menos.

Surpresa ou desconfiança? Ao informar seus leitores, sobre a impressionante vitória de Jânio

sobre Lott, a TIME não deixava de destacar também que a participação popular no pleito,

além de significativa, identificava a existência de uma forte democracia.

Conforme os 12,5 milhões de brasileiros iam às urnas na semana passada para eleger

389

BARBOSA, op cit, p. 87-88. 390

Ibid, ibidem. 391

O Estado de São Paulo, 14 de outubro de 1960. 392

CHAIA, op cit., apud TRESP, p. 182.

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um novo Presidente, a tão aguardada e apertada corrida não aconteceu da forma

como esperavam. Com mais da metade dos votos contados, o candidato da oposição

Jânio da Silva Quadros, 43 anos, tinha uma vantagem de 1,6 milhões de votos sobre

o marechal Henrique Teixeira Lott, e parecia certa a maior vitória da história.393

Em São Paulo, Jânio conseguiu 55% dos votos nominais derrotando Adhemar de

Barros em todas as zonas eleitorais.394

Quadros não apenas ganhou em seu estado natal, São Paulo, ele também venceu no

próprio estado de Lott, Minas Gerais, e nas demais regiões do Brasil. Em sua

mensagem ao país, Quadros disse: "Sem reservas ou de ódio, apelo a todos os

brasileiros a trabalhar para o bem comum."395

Paralela a eleição presidencial, ocorreram eleições para governador em 11 estados. A

UDN venceu em seis estados. Lacerda ganhou na Guanabara e, quando indagado sobre Jânio,

demonstrou ter perfeito noção da complexidade daquele resultado, disse ele: “quem tiver

dúvidas basta perguntar a quem será atribuída a responsabilidade se o governo do presidente

Jânio Quadros não tiver êxito. Quem será o principal responsável? Com razão ou sem razão,

será a UDN.”396

O dado que chamou a atenção de muitos estudiosos do fenômeno Jânio, diz respeito

ao nível de escolaridade de seus eleitores, segundo Glaucio Soares, “quanto maior o nível de

escolaridade mais elevada a tendência de o eleitorado votar em Jânio Quadros.”397

Bolivar

Lamounier, realizando pesquisa em Minas Gerais, constatou o mesmo fenômeno, ou seja,

“Jânio Quadros também recebeu a maior votação nos setores mais escolarizados e em posição

sócio-econômica superior das cidades de Belo Horizonte e Salvador, localidades onde a UDN

tinha maior penetração.”398

No trecho seguinte é dado destaque a influência de Lincoln e Jefferson no

pensamento de Quadros, este toma como inspiradores o senso de dever público, a polidez

393

As 12.5 million Brazilians went to the polls last week to elect a new President, the expected tight race turned

into no contest at all. With better than half the vote counted, Opposition Candidate Jânio da Silva Quadros, 43,

held a huge 1,600,000-vote lead over the incumbent administration's man, Field Marshal Henrique Teixeira Lott,

and seemed certain to roll up the greatest plurality in history. Time Magazine, loc. cit. 394

CHAIA, op. cit., p. 182. 395

Quadros not only won his home state of São Paulo, he also jumped ahead in Lott's own state of Minas Gerais

and won the no man's land in between. Said Quadros in a message to his nation: "Without reservations or hate, I

call on all Brazilians to labor for the common welfare." Time Magazine, loc. cit. 396

LACERDA, Carlos, O poder das ideias. Rio de Janeiro, Record, 1964, p. 137. 397

SOARES, Glaucio A. D.. “Classes sociais, strata sociais e as eleições presidenciais de 1960”. Sociologia. s.l.

s.ed., v. XXIII, nº 03, 1961. 398

LAMOUNIER, Bolivar e CAMPELLO, Maria do Carmo. “Três momentos da vida de um Político”. Revista

Isto é. São Paulo, agosto 1976.

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necessária a um servidor exemplar. Por outro lado, a faceta histriônica volta à tona, ora

extrovertido, ora introvertido, para a TIME, tratava-se de um político repleto de surtos de

humor.

Em Jânio Quadros, o Brasil tem uma curiosa mistura de introversão e extroversão,

um homem culto, cujo pensamento político toma emprestado de Lincoln e Jefferson,

trabalhador, servo de uma mentalidade conservadora e pública em seu cargo, no

entanto, em campanha com sua ambiciosa coligação política apelou para o voto das

massas, prometendo uma série de coisas para todos. Ele é um homem cuja vida foi

repleta de lampejos de surtos de brilho e temperamento. 399

Notamos no próximo trecho, que a TIME não deixa de fazer uso de uma linha de

análise histórico-biográfica. Não conformada em saber apenas quem era o ‘Jânio Quadros

daquele momento’, também é importante saber como ‘foi Jânio Quadros no passado’.

O futuro presidente do Brasil foi criado pela mãe, o pai falecera quando Jânio ainda

era muito jovem. De sua mãe veio a honestidade e o caráter como ensinamentos

fundamentais. A inclinação religiosa para o catolicismo foi um traço que chamou a atenção da

protestante TIME. O futuro líder do Brasil era leitor de Ovídio e Horácio. A caricatura

continua na reportagem ao destacar a fala da futura esposa de Jânio, dizendo que ele era “O

homem mais feio do mundo.”

O filho de um ginecologista do interior com técnicas não muito convencionais,

fatalmente acabou sendo morto a tiros aos 68 anos pelo marido irado de uma

mulher de 26 anos de idade, Jânio recebeu os primeiros ensinamentos, em sua maior

parte, de sua mãe, uma mulher sábia e gentil, que lhe ensinou que "nenhum homem

poderia ser um pouco sem honra ou parcialmente honesto”. No colégio interno

(Quadros é um católico praticante), o jovem alto de olhos estranhamente arregalados

era muito rebelde, mas ele leu apaixonadamente grandes trechos de Ovídio e

Horácio de coração como lição de casa.400

Depois de um início instável na faculdade

de Direito da USP, ele obteve em seus últimos anos as melhores notas, se casou com

uma bela moça que, à primeira vista o achou "o homem mais feio que eu já

conheci", e assim começou a sua carreira.401

399

In Jânio Quadros, Brazil got a curious blend of introvert and extravert, a man of wide learning whose political

thought borrows from Lincoln and Jefferson, who is a hardworking, conservative-minded public servant in

office, yet who campaigns with a ward politician's gallus-snapping appeal for the mass vote, promising all things

to all men. He is a man whose life has been studded with flaring spurts of brilliance and temperament. Time

Magazine, loc. cit. 400

The son of an upcountry gynecologist with roving ways who was finally shot dead at 68 by the irate husband

of a 26-year-old woman, Quadros got his early training mostly from his mother, a wise and gentle woman, who

taught him that "no man could be slightly dishonorable or partly honest." At parochial prep school (Quadros is a

practicing Catholic), the tall youth with the oddly staring eyes* was so rebellious that he learned large chunks of

Ovid and Horace by heart in after-school punishment time. Time Magazine, loc. cit. 401

After a shaky start in law school at São Paulo's state university, he went through his final years with top

marks, married a beautiful girl who at first glance thought him "the ugliest man I ever met," and started off on

his career. Time Magazine, loc. cit.

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Como Quadros chegou à política? A São Paulo de Quadros foi comparada como a

Chicago do Brasil, a cidade foi apresentada como o berço político de Jânio. Seus alunos foram

os motivadores de sua chegada à política mesmo com a barba sem ser feita durante três dias:

Enérgico, de cabelos emaranhados, Quadros mergulhou na política em 1946 a

pedido de seus alunos do ensino médio, para os quais ele estava ensinando literatura

portuguesa, foi quando conquistou uma cadeira na Câmara de Vereadores da cidade

de São Paulo. Ele saiu à frente em todas as eleições desde então - deputado estadual,

prefeito da cidade de São Paulo (a Chicago do Brasil), governador do Estado de São

Paulo. No palanque, ele enfatizou o fato de que trabalhou o tempo todo ao ponto de

deixar a barba ficar três dias sem fazer. Uma vez no cargo, ele construiu uma

reputação de honestidade e eficiência. "Liberdade", como ele mesmo disse, "não é

uma concessão permanente, mas uma batalha diária."402

Como Quadros administrava a economia de São Paulo? O perfil de um bom pagador

ajustava-se a do bom governador e a boa liderança política. TIME, deixando de lado a ironia,

destacou os números positivos da gestão de Quadros durante a prefeitura e do governo do

Estado de São Paulo:

Em seu primeiro ano como prefeito de São Paulo, Jânio pagou o déficit anterior de

US $ 12,5 milhões e equilibrou o orçamento de US$ 55 milhões; no seu primeiro

ano como governador de São Paulo, pagou um empréstimo de 30 milhões dólares

em atraso do Banco do Brasil, e ainda conseguiu traçar um eficiente plano de obras

públicas para o que é hoje o maior complexo industrial no Brasil. 403

Segundo a matéria, Quadros pretendia, pelo menos até aquele momento, dar

continuidade ao projeto de Juscelino. A reportagem ainda estava dentro do ano de 1960. No

entanto há inúmeras interpretações acerca das relações entre Jânio e Juscelino. Uma das

bandeiras eleitorais de Jânio foi justamente a forte crítica feita ao governo anterior.

Jânio continuava a escorregar das mãos da TIME. Segundo ela própria, Jânio era um

político que oscilava entre a esquerda e a direita, mas sem nunca se identificar com uma delas.

Por outro lado, foi identificado novamente com as correntes do conservadorismo nacional.

Embora o tom da campanha de Quadros bambeasse ora para a esquerda e ora para a

direita para agradar a maioria, se pode esperar dele que siga a sua própria linha de

402

Intense, shock-haired and magnetic, Quadros plunged into politics in 1946 at the urging of high school pupils

to whom he was teaching Portuguese literature, won a seat on São Paulo's city council. He has come out ahead in

every election since — state deputy, mayor of São Paulo city (the Chicago of Brazil), governor of São Paulo

state. On the stump, he emphasized the fact that he worked around the clock by letting his beard go three days

without a shave. Once in office, he built a reputation for honesty and efficiency. "Liberty," as he put it, "is not a

permanent concession but a daily battle." Time Magazine, loc. cit. 403

In his first year as São Paulo mayor, Quadros paid off the old deficit of $12.5 million and balanced the budget

at $55 million; in his first year as São Paulo governor, he paid off an overdue $30 million loan from the Bank of

Brazil, and still managed to chart an efficient public works foundation for what is now the biggest industrial

complex in Brazil. Time Magazine, loc. cit.

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administrar o Brasil dentro de um estilo conservador. Ele está empenhado em

continuar o atual programa de obras do presidente Juscelino Kubitschek, mas ele

pretende conter a inflação. "Se a inflação poderia criar riqueza, não haveria mais

problemas econômicos", diz ele. 404

Segundo Chaia, a vitória de Jânio se dá em meio ao repúdio à situação econômica e

política do país ao mesmo tempo em que Jânio era identificado com a esperança.405

A

campanha de Jânio “foi marcada pelo seu distanciamento em relação aos partidos políticos e

aos grupos que o apoiavam. Com essa maneira de atuar, conseguiu transmitir aos eleitores a

imagem de um elemento que se diferenciava dos outros políticos e que puderam mudar o país

mediante uma moralização administrativa.”406

A questão é se ele pode impor sua vontade sobre o Brasil, que se acostumou com os

grandes gastos de Kubitschek e a sua maneira de emitir moeda. A cidade e o Estado

de São eram pequenos o suficiente para que Jânio Quadros pudesse exercer a sua

supervisão pessoal e necessária para manter os funcionários trabalhando de forma

correta. Mas administrar um país é algo completamente diferente.407

A TIME, no trecho acima, revelou sua dúvida em relação a capacidade administrativa

de Jânio Quadros numa larga escala, ou seja, administrar um Estado da União seria muito

mais fácil do que administrar um país. O fato de a revista destacar a necessidade de uma

vigilância sobre o funcionalismo público brasileiro revela muito do que ela própria

interpretava sobre a estrutura burocrática e administrativa do Brasil. Jânio, no início dessa

reportagem, foi lembrado por ter demitido 15000 funcionários, faria o mesmo quando

chegasse a presidência? Em certa medida, a redução não apenas da interferência, mas da

estrutura burocrático-estatal caminhava na direção de um Estado Liberal de Direito, algo que

agradava os olhos da revista, mas ainda não bastava para definir Quadros como um efetivo

inimigo do Século Americano.

404

Though Quadros' campaign pitch curved left and right to suit his audience, he can be expected to follow his

own straight line of Brazil-style conservatism. He is committed to continue outgoing President Juscelino

Kubitschek's building program, but he intends to hobble inflation. "If inflation could create wealth, there would

be no more economic problems." he says. Time Magazine, loc. cit. 405

CHAIA, op. cit., p. 185. 406

Ibid, p. 186. 407

The question is whether he can impose his strong will on Brazil, which has become accustomed to

Kubitschek's free-spending, money-printing ways. São Paulo city and São Paulo state were both small enough so

that Quadros could exercise the in-person supervision needed to keep officials at work and honest. But the entire,

sprawling nation is something else. Time Magazine, loc. cit.

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3.7 - LEGADO DE INFORTÚNIOS

Antes tido como um presidente progressista, o qual extraia da TIME grande alívio

por não se identificar com os comunistas e nacionalistas, Kubitschek acabou recebendo uma

dura crítica da revista. Para a TIME, ele era o principal responsável pelo difícil momento

econômico pela qual passava o Brasil e deixando para o seu sucessor, o eleito Jânio Quadros,

um legado de infortúnios, título da matéria publicada em dezembro de 1960.

Segundo TIME, os últimos cinco anos do governo de Juscelino foram marcados pelos

gastos e principalmente pela construção de Brasília, um empreendimento ousado devido a sua

edificação em pleno interior do país. Esse tipo de investimento foi duramente criticado pela

revista como a verdadeira marca da ingerência e do desperdício. Quadros vencera, e Lott

estava afastado. O espectro de Goulart causava incômodo à revista.

A TIME passou a levantar dúvidas em relação às condições de Jânio para governar,

foram destacados, nessa matéria, os números negativos da gestão Kubitschek conforme trecho

abaixo:

Cinco anos atrás, o presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, abriu as fechaduras

dos cofres do tesouro nacional e arrancou de lá um punhado de cruzeiros limpando-o

completamente. Ele construiu a nova capital Brasília; desenvolveu uma indústria

automobilística produzindo cerca 140.000 veículos por ano; aumentou o produto

interno bruto para uma média de 6% ao ano; aumentou a produção de aço e a

produção de energia. Tal jornada lhe custou muito caro: como Kubitschek se prepara

para deixar o Palácio da Alvorada em Brasília, no cofre do tesouro ele deixa uma

verdadeira caixa de Pandora de problemas fiscais para o novo Presidente Jânio

Quadros.408

Durante a campanha, Jânio não poupou o governo anterior com suas críticas. Atacou

a corrupção do governo Kubitschek, a inflação que seria herdada pelo seu sucessor, o alto

custo de vida, o desperdício com a construção de Brasília e a “futilidade da imagem do

presidente voador.”409

Quadros não se opunha ao projeto da construção de Brasília, na

verdade suas críticas se preocupavam “com o critério adotado na aplicação dos recursos da

nova capital considerando que: a primeira necessidade do Estado é que o governo aplique

408

Five years ago Brazil's President Juscelino Kubitschek unlocked Brazil's treasure chest, hauled out fistfuls of

cruzeiros and headed west, into the empty interior. He covered a lot of ground — establishing the new capital of

Brasilia, creating an auto industry turning out 140,000 vehicles a year, increasing the gross national product an

average of 6% a year, increasing steel production and power output. The trip was expensive: as Kubitschek

prepares to clear out of Brasilia's Palace of the Dawn, the chest he leaves is a Pandora's box of fiscal troubles for

incoming President Janio Quadros. Time Magazine, loc. cit. 409

BENEVIDES, Maria Vitória. A UDN e o Udenismo – ambiguidades do liberalismo brasileiro. Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1981, p. 110.

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com honestidade o seu dinheiro.”410

A TIME ao criticar Juscelino e ao apresentar um legado

de infortúnios para Jânio, expõe uma visão de que a situação tanto política e econômica do

Brasil não mudaria muito nos anos seguintes. Nesse sentido, Jânio Quadros poderia ser um

presidente intermediário.

No trecho seguinte, a revista não poupou Kubitschek, o ex-presidente era

responsabilizado pela forte emissão de moeda para cobrir as despesas de final de ano. A

inversão de créditos da balança comercial brasileira chamou a atenção da revista, haja vista

que o gasto em dólares praticamente dobrou jogando o país numa indigesta dívida externa:

No mês passado, Kubitschek emitiu cerca de 4,4 bilhões de cruzeiros e

provavelmente irá adicionar mais 10 bilhões este mês para atender as despesas de

final de ano. O total de dinheiro em circulação: 194 bilhões de cruzeiros - quase três

vezes a quantidade quando Kubitschek assumiu o cargo. Os gastos do Brasil em

empreendimentos aumentaram a dívida interna mais do que cinco vezes e mais que

o dobro da dívida externa. Como resultado, a balança comercial despencou de um

superávit de US $ 194 milhões em 1956 para déficit de até $ 283 milhões nos anos

seguintes.411

Kubitschek deixava não apenas um legado de inflação, mas um legado de dívidas. A

revista TIME destacou o pedido de socorro do Brasil ao FMI no qual incluía o pedido de

moratória e a venda de títulos do Banco do Brasil, cujo resgate seria feito no início do

governo Quadros.

Para conter a inflação e livrar a economia do colapso, Kubitschek precisa equilibrar

contas o mais rápido possível. Com as reservas curtas há dois meses e confrontado

com um prazo de seis meses para amortizar 87,7 milhões dólares tomados de

empréstimos do Export-Import Bank e do FMI, o Brasil pediu uma moratória de seis

meses – no entanto, o próximo governo terá de retomar os pagamentos.412

Para

atender a demanda interna por dólares, o Banco do Brasil iniciou recentemente a

venda (com desconto) de certificados em dólares para entregar no prazo de 90 dias.

O primeiro lote de US $ 80 milhões deve ser resgatado em dólares a partir 01 de

fevereiro, um dia depois da posse de Jânio Quadros.413

410

CHAIA, op. cit., p. 177. 411

Last month Kubitschek's money presses clanked out 4.4 billion cruzeiros worth ½¢ U.S. each, will probably

add another 10 billion this month to meet year-end expenses. Total money in circulation: 194 billion cruzeiros —

nearly three times the amount when Kubitschek took office. Brazil's builder-spender increased the internal debt

more than five times, more than doubled the foreign debt. As a result, the balance of trade has slumped from a

$194 million surplus in 1956 to deficits as high as $283 million in the succeeding years. Time Magazine, loc. cit. 412

To keep the inflation-ridden economy from collapsing, Kubitschek must juggle his debts faster and faster.

Caught short of dollars two months ago and faced with a six-month, $87.7 million repayment installment to the

Export-Import Bank and the International Monetary Fund, Brazil arranged a six-month payments moratorium —

but the next Brazilian administration will have to resume payments. Time Magazine, loc. cit. 413

To meet the internal demand for dollars, the Bank of Brazil recently started selling (at a discount) certificates

for dollars deliverable within 90 days. The first batch of $80 million must be redeemed in dollars beginning Feb.

1, the day after Quadros' inauguration. Time Magazine, loc. cit.

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Kubitschek também projetou números fictícios para o orçamento do ano seguinte. A

TIME denomina como “imaginária” tal projeção. Dentro dessa perspectiva, a imagem que se

passa ao público leitor da revista é a de que o Brasil, pelo menos com o governo de Juscelino,

prosseguiu a linha do improviso, do jeitinho brasileiro.

O mais grotesco legado que Quadros recebe de Kubitschek é o orçamento para 1961,

apresentado na semana passada. Subestimando em demasia as despesas e

conjurando uma renda imaginária, a equipe de assistentes (mágicos) que preparam o

orçamento de Kubitschek, criaram um superávit fictício e estimado em 520 milhões

de cruzeiros. 414

Esse "excedente" durou apenas até o momento em que Congresso se

reuniu para considerar o assunto e acrescentar mais de 1.000 emendas (entre elas: os

deputados dobraram seus salários, votaram neles mesmos para o direito de terem

quatro viagens de ida e volta ao Rio por mês e com todas as despesas pagas). 415

Na

jovial administração que virá, Quadro terá que reduzir gradualmente o monstruoso

orçamento para baixo com medidas impopulares (...).416

O trecho acima encerra uma reportagem de cunho pessimista em relação futuro do

Brasil daquele momento, não havia nada de positivo a se esperar. O presidente Quadros já

estava eleito e dele as poucas referências advinham de suas administrações anteriores. Ao

longo de 1960, a revista TIME acompanhou a movimentação eleitoral no Brasil sem esconder

sua preocupação em relação aos dois principais candidatos que traziam consigo os espectros

do antiamericanismo.

A proposta de ultrapassar as fronteiras levando o Século Americano aos demais

países do mundo não se caracterizava apenas pela difusão de valores. Era necessária também

a penetração do capital, seja através da instalação de novas empresas (investimentos) ou pela

ajuda financeira (empréstimos). Tais ações, caso sofressem algum tipo de ameaça, deveriam

ser protegidas. A TIME, por meio de suas publicações realizou esse empreendimento.

Jânio Quadros foi um espectro muito observado. Suas ambiguidades e contradições

dificultavam não apenas as interpretações da TIME, mas de todos aqueles que o cercavam,

fossem inimigos dele ou não – Lacerda foi um exemplo disso. O slogan “Jânio vem aí” ainda

não havia concluído sua função, era necessária a posse do presidente e o efetivo exercício de

suas funções. A TIME estava segura do legado que Jânio herdaria, os infortúnios de Juscelino

seria debitados nos anos seguintes. As contas que deveriam ser pagas dependeriam de

414

Quadros' most grotesque legacy from Kubitschek is the outgoing President's 1961 budget, presented last

week. By vastly underestimating expenses and conjuring up imaginary income, Kubitschek's budget wizards

produced a fictitious surplus, estimated at 520 million cruzeiros. Time Magazine, loc. cit. 415

Even that "surplus" lasted only until Congress met to consider the matter and added more than 1,000

amendments (among them: deputies doubled their living allowances, voted themselves four all-expense round

trips to Rio every month). Time Magazine, loc. cit. 416

In the blithe realization that it will be Quadros who will have to whittle the monster budget down to

unpopular reality (…)Time Magazine, loc. cit.

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recursos internos e, principalmente, externos. Kennedy, que também estava chegando, havia

prometido apoio. Do outro lado, estava a Nova Fronteira e nela Jânio Quadros. As reportagens

de 1960 tiveram uma preocupação teórica, abstrata e ansiosa com a figura de Jânio Quadros.

Durante os primeiro seis meses de 1961, a teoria e a expectativa geradas nos anos anteriores

pareceram se confirmar na prática, é o que veremos no próximo capítulo.

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IMAGENS – CAPÍTULO 3

Imagem 01: Quadros & Lacerda (09-03-1959)

New look at a dirty old enemy.

Um novo olhar naquele velho e sujo inimigo.

Imagem 2: War Minister Lott (06-04-1959)

The conditions permitted him to go.

O atual momento lhe dá condições para prosseguir.

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Imagem 3: Sukarno & Kubitschek at Brasília (01-06-1959)

“I feel like imitating you”

Me sinto igual a você.

Imagem 4: Quadros & Israel’s Bem-Gurion (17-08-1959)

Ticklers at every stop.

Cumprimentos em cada parada

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Imagem 5: Candidate Lott (17-08-1959)

Medals on every stump.

Medalhas em cada braço

Imagem 6: Candidate Quadros (14-12-1959)

Derailed by a weight lifter.

Desabando sob o peso da fadiga

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Imagem 7: Marshal Lott (21-12-1959)

An image of a fair, judicius man.

A imagem de um homem sensato e justo.

Imagem 8: Founder Julião with Peasant Leaguers (11-01-1960)

He walked 20 miles and took a left turn.

Ele andou 20 milhas e deu uma guinada à esquerda.

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Imagem 9: Candidates Lott & Goulart (29-02-1960)

Old enough to vote.

Com idade suficiente para votar.

Imagem 10: Candidate Quadros (28-03-1960)

The addball ralled left.

Rajada de balas à esquerda.

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Imagem 11: The Candidate Lott (28-03-1960)

The chilly one got hot.

O frio ficou quente.

Imagem 12: Candidate Lott’s Daughter (11-07-1960)

Yankee-baiting with a smile.

A que atormenta os Yankees com um sorriso.

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Imagem 14: Commuting to Rio (25-07-1960)

Pendulares do Rio de Janeiro

With a pistol at the engineer’s head.

Com uma pistola na cabeça do engenheiro.

Imagem 15 – Goulart, Campos e Ferrari. (29-08-1960)

Everybody wants to play piggyback.

Todos querem jogar pelas costas.

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Imagem 16 – Adhemar de Barros (12-09-1960)

“All I’ve got is the city treasury.”

"Tudo que eu tenho é o tesouro da cidade."

Imagem 17 – Candidate Lott (03-10-1960)

Catching chameleons.

Pegando camaleões.

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Imagem 18 – Candidate Quadros

Brushing the dandruff.

Escovando a caspa.

Imagem 19 – (17-10-1960)

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Imagem 20 – Vice President-elect Goulart

Humble pie in the sky

(Demonstrando humildade)

Imagem 21 – (19-12-1960)

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CAPÍTULO 4

WHEREFORE ART THOU, JÂNIO?

O capítulo anterior investigou a construção do perfil de Jânio Quadros feita pela

revista. Ao final do ano de 1960, a TIME ainda não tinha definido um traço completo da

personalidade de Jânio – esforços não faltaram. Por outro lado, os primeiros sintomas de

preocupação surgiram devido às suspeitas daquilo que seria a sua política externa

independente. O desconforto em relação à amizade que Jânio começava com o bloco

socialista obrigava a revista a introduzir no corpo de suas matérias a necessidade de uma

vigilância redobrada. Neste caso, para a revista, os investimentos norte-americanos deveriam

ser racionalizados e, do mesmo modo, a necessidade de um diálogo com o presidente

brasileiro não ficou descartada.

O título deste capítulo encaminha duas abordagens. A primeira se pauta numa

questão de localização: Por que tu, Jânio? A revista publicou reportagens que cobriram o

desaparecimento estratégico de Jânio após a vitória - algo semelhante ao que já analisamos no

capítulo anterior, quando ele, após dar posse ao seu sucessor em São Paulo, embarcou para a

Europa numa estadia de seis meses. A segunda abordagem propõe-se a defender que a revista

não apenas executava uma busca espacial, mas uma busca pelo perfil exato dessa figura

controversa. Por que tu, Jânio? Quem seria a pessoa que se escondia por trás de um

personagem tão misterioso?

Neste capítulo, trabalharemos com as reportagens que cobriram os primeiros seis

meses do governo de Jânio. Até junho de 1961, não faltaram esforços para que a TIME

prosseguisse na construção desse personagem, de representá-lo ao seu modo – de acordo com

o delicado momento da Guerra Fria.

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4.1 - ONDE ESTÁS TU, JÂNIO?

Logo após as entrevistas coletivas da vitória, Jânio partiu para a Europa com a sua

família. De início, foi para a Inglaterra, a fim de realizar um tratamento médico e depois

prosseguiu viagem ao lado do seu amigo, o empresário Roberto Selmi Dei. Entretanto, antes

de desembarcar, deixou seus assessores incumbidos de fazer um levantamento sigiloso sobre a

situação de cada órgão da administração pública. Com isso, desejava obter um conhecimento

da real situação do serviço público federal, pois queria saber em que ponto se encontrava a

administração.417

Tais viagens sempre ocorriam com um fundo estratégico, o objetivo de Jânio,

segundo Chaia, era o de “se afastar das pressões políticas para poder escolher livremente os

nomes que comporiam o ministério”.418

Jânio retornou no dia 20 de janeiro de 1961, onze dias

antes da posse.

Jânio Quadros foi o tema da primeira reportagem da TIME sobre o Brasil em 1961. O

assunto girou em torno do enigmático desaparecimento do candidato vencedor das últimas

eleições. O título da matéria foi bem sugestivo: Por que tu, Jânio? Nas reportagens anteriores,

em que Jânio foi assunto, a TIME destacou o perfil caricato, extrovertido e exótico daquele

que seria o presidente do mais importante país latino-americano. Seguindo as pistas do novo

presidente, a revista voltava a ironizar o perfil de Jânio, assim como o comportamento dos

eleitores brasileiros

"Jânio vem aí!", exclamava o slogan da campanha do presidente Quadros. Porém, na

última semana, os brasileiros se perguntavam se o slogan não poderia ser lido

melhor, por exemplo: "Lá se foi Jânio." Pouco depois de sua eleição em outubro

passado.419

O lead dá o tom de toda a matéria. Uma mistura de senso de responsabilidade e

desespero nacional chamaram a atenção da revista – tudo por causa da ausência do novo

presidente. Jânio viajou para realizar uma cirurgia no olho esquerdo. A atitude de Jânio

acabou sendo tratada como uma brincadeira de esconde-esconde. A TIME passou a especular

a vida privada do futuro presidente. Nas entrelinhas estava a ideia de que Jânio se

417

CHAIA, op. cit., p. 177. 418

Ibid., ibidem. 419

"Here Comes Jânio," cried the campaign slogan of President-elect Jânio Quadros. Last week Brazilians

wondered if the slogan might better read: "There Went Jânio." Time Magazine, Brazil: Wherefore Art Thou,

Jânio – 06-01-1961.

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assemelhava a um herói que abandonou a pátria e arrogava-se de aguardar o clamor popular

de sua volta.

Pouco tempo depois das eleições de outubro, o presidente Quadros voou para a

Europa para uma operação a fim de corrigir os músculos danificados em seu olho

esquerdo. Com a operação concluída com êxito há algum tempo, Quadros continua

por lá - em algum lugar. O Presidente eleito da quinta maior nação do mundo vem

fazendo um jogo de esconde-esconde na Europa, e com a sua posse prevista para 31

de janeiro, a menos de um mês, o Brasil está clamando para que ele volte para

casa.420

A TIME ao introduzir a possibilidade de um “clamor popular” pela volta de Jânio,

propôs-se a sugerir que havia um senso de dependência e desamparo emanando do povo, a

pergunta que não queria calar era: onde estás tu, Jânio?

Quadros, no exterior, estaria jogando com as expectativas do povo para que, de

forma messiânica, finalmente retornasse ao país e ao povo que o elegeu de forma gloriosa?

Num futuro próximo ela arriscaria essa atitude. Mas, o momento parecia antever o que viria

pela frente em breve. Getúlio voltou nos braços do povo, Jânio estaria querendo retornar do

mesmo modo?

A reportagem persiste na ideia de que havia uma brincadeira de esconder. Seguindo o

rastro do presidente, a impressão que se passou foi a de um filme de espionagem. Jânio

conseguia driblar tanto a imprensa como as embaixadas dos países pelos quais passava.

Na Itália ou no Japão? O jogo começou em Londres, quando, depois de sua operação

em 22 de novembro, ele se hospedou em três hotéis de uma só vez, almoçou com o

primeiro-ministro Harold Macmillan, e mudou-se para Europa. Até mesmo os

jornalistas brasileiros que tentaram segui-lo perderam seu rastro. No início de

dezembro, seu passaporte diplomático foi rastreado através de uma linha aduaneira

em Barajas, no aeroporto de Madrid, mas ninguém parece ter visto. Ele foi

localizado em Roma pela embaixada do Brasil em Madrid e em Madri pela

embaixada brasileira em Roma.421

O limite entre a ficção e a realidade parecia dar a tônica desse jogo. A TIME comprou

a ideia do esconde-esconde, evitou, desse modo, uma interpretação mais racional. A imagem

420

Shortly after his election last October.Quadros flew off to Europe for an operation to correct damaged muscles

in his left eye. With the operation long since successfully completed, Quadros is still over there — somewhere.

The President elect of the world's fifth largest nation has been playing a game of hide-and-seek in Europe, and

with his Jan. 31 inauguration date less than a month away, Brazil is clamoring for him to come home. Time

Magazine, loc. cit. 421

In Italy or Japan? The game started in London, when after his operation on Nov. 22, he registered in three

hotels at once, stood up Prime Minister Harold Macmillan for lunch, and moved on to the Continent. Even

Brazilian newsmen trying to follow him lost the trail. Early in December, his diplomatic passport was checked

through a customs line at Madrid's Barajas Airport, but no one seems to have seen him. He was reported in

Rome by Brazil's Madrid embassy and in Madrid by the Rome embassy. Time Magazine, loc. cit.

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de presidente que brincava de esconder era difundida pela revista. O fato de ter se registrado

em três hotéis, sugeria a existência de uma estratégia para driblar não apenas a imprensa, mas

qualquer um. Ao registrar que houve um rastreamento do passaporte de Jânio, a revista

acabou mesclando o seu jornalismo político com o método peculiar jornalismo investigativo.

O limite entre o público e o privado parecia não interessar a revista nesse caso.

Num formato cinematográfico, Jânio Quadros passou a ser visto como um

aventureiro, ou seja, um homem que, a sós, com a sua esposa, dirigia pela Europa sem a

necessidade de um motorista particular. O fato de ter tomado um Fiat de empréstimo

representou a ideia de que o presidente eleito do Brasil era um profundo conhecedor do

interior da Europa, em particular da Itália.

Finalmente, em tom suspeito, a reportagem pareceu descobrir o que Jânio estaria

fazendo ou tentando fazer no Velho Mundo. Ele iria visitar um velho amigo no final de

semana, ou seja, a próxima parada de Quadros era em Belgrado para um encontro com o

comunista Tito.

A França estava em seu caminho para a Suíça. Então, num Fiat emprestado em

Viena, ele pode ter dirigido até Veneza, onde ele teria se hospedado no Hotelâ Bauer

Grunwald como Renato Stafani. Em Milão, ele pode ter se hospedado no Grand

Hotel Duomo usando o nome de solteira de sua esposa, da Silva. Houve ainda

rumores de que ele teria visitado uma galeria de arte de Florença, de lá ele dirigiu

para Roma rumo a uma pequena vila onde morava um amigo não identificado (...)

No fim da semana, ele provavelmente dirigiu para Belgrado a fim de ver o Marechal

Tito.422

Ao passo em que realizava uma investigação, a TIME também construía uma

personalidade. O presidente eleito, e ainda não empossado, demonstrava através de pequenos

gestos, tais como dirigir sozinho com a esposa, que ele era uma figura independente. Era

desse modo que Jânio queria que o Brasil fosse em sua política exterior, que o país conduzisse

suas ações sem interferência dos EUA. Por fim, a TIME começava a deixar claro na

reportagem que já tinha conhecimento do flerte de Jânio com os socialistas da Europa.

Um grupo de pessoas não identificadas apareceu no corpo da matéria dando

informações não-oficiais, não mais sobre o paradeiro de Quadros, mas quais seriam as suas

futuras ideias em relação a administração do Brasil. Sem dar os nomes, a matéria sugeriu uma

espécie de comitiva informal que pudesse ter acompanhado o presidente até certa altura. As

422

France, on his way to Switzerland. Then, in a Fiat borrowed in Vienna, he may have driven to Venice, where

he reportedly registered at Hotelâ Bauer Grunwald as Renato Stafani. In Milan, he is supposed to have registered

at the Grand Hotel Duomo using his wife's maiden name of Silva. He was rumored to have visited a Florence art

gallery, from there reportedly drove on to Rome and an unidentified friend's villa (…) At week's end, he was

supposedly headed for Belgrade to see Marshal Tito. Time Magazine, loc. cit.

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informações eram do mais claro interesse da revista. As relações com os países comunistas e

demais países do Oriente Médio deram o termômetro das expectativas. Ironicamente,

comunicaram que Quadros transmitia um abraço aos trabalhadores brasileiros e que, segundo

a revista, a retribuição não havia sido tão calorosa assim:

Jânio manteve pouco contato com o seu país. Um pequeno grupo de brasileiros que

estivera na Europa voltou com declarações não-oficiais. Disseram que "Quadros vai

seguir uma política independente nas relações internacionais", arriscou um

informante. "Ele vai tentar manter boas relações com todos os países que querem

fazer negócios conosco". Outros informaram que Quadros estava ansioso por um

comércio com a China comunista, que ele queria se encontrar com Nasser e Nehru

(...)423

Os informantes que aparecem no trecho acima eram pessoas que emitiam opiniões a

partir do Brasil, provavelmente políticos da oposição Era do conhecimento do Departamento

de Estado esse encontro. Tomas Mann manifestou apreensão diante desse fato, para ele

“ainda não havia indícios claros de que ele [Jânio] adotaria uma linha neutra em termos de

política internacional. Mann acreditava que Quadros iria procurar o auxílio financeiro

americano, calculado em torno de 200 a 300 milhões de dólares anuais, para que o Brasil

continuasse a apoiar os Estados Unidos na Guerra Fria. Era uma crítica a situação

orçamentária e do balanço de pagamentos deixados por Kubitschek.”424

No trecho seguinte ficou uma questão: por que a demora e a resistência em devolver

o abraço ao seu presidente? Estaria a TIME sugerindo a ideia de existir uma “carência afetiva”

por parte do povo? O mesmo povo que, inconformado, reclamava de verdade pelo retorno de

Jânio?.

(...) que ele não iria abandonar (como alguns temiam) o projeto de Brasília como a

nova capital; que ele estava estudando a administração da Europa; ele também

estava estudando os problemas brasileiros, e que iria voltar em meados de janeiro,

ele não retornaria no final de janeiro, que enviou um caloroso abraço a todos os

trabalhadores brasileiros”. Um país sem seu líder? Os brasileiros não foram tão

rápidos em devolver o abraço.425

O trecho abaixo apresentou um quadro social e político de apreensão. Mesmo sem ter

423

Jânio did manage to keep in hazy contact with his country. A chosen few Brazilians went to Europe and

returned bearing unofficial statements. "Quadros will follow an independent policy in international relations,"

ventured one such in formant. "He will try to maintain good relations with all countries that want to do business

with us." Others reported that Quadros was anxious to trade with Red China, that he wanted to meet with Nas ser

and Nehru, (…)Time Magazine, loc. cit. 424

BARBOSA, op cit, p. 101-102. 425

(…) that he was not (as some feared) going to scrap Brasilia as the capital, that he was studying the

administration of Europe, that he was studying Brazilian problems, that he would return in mid-January, that he

would not return until late January, that he sent a “warm to all Brazilian workers." Country Without a Man?

Brazilians were not quick to return the embrace. Time Magazine, loc. cit.

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sentado-se ainda na poltrona presidencial, os problemas já estavam batendo à porta. Sem

poupar ironias, inclusive aquelas destacadas por outros meios, a TIME, citando o Jornal do

Brasil, disse que Quadros era o homem esperado pela Providência. Os políticos e empresários

estavam perplexos com a misteriosa viagem dele a Europa:

"Os políticos estão perplexos, as pessoas responsáveis estão confusas, os

trabalhadores estão inquietos e temerosos estão os funcionários - todos à espera do

homem ordenado pela Providência", disse o Jornal do Brasil. Além disso, os

produtores de cacau queriam mudar as políticas de exportação, os empresários do

ramo hoteleiro reclamam (sem citar nomes) que os brasileiros gastam mais em

hotéis estrangeiros do que em seu próprio país; os políticos de São Paulo queriam a

presença de Quadros para indicar um candidato a prefeito.426

Citando outro trecho do Jornal do Brasil, a revista destacou o temor de vários setores

com o retorno de Jânio. O povo queria a sua volta “gloriosa” o quanto antes, mas os políticos

e os funcionários públicos, não. Se Jânio era a encarnação da Providência Divina, seu retorno

representava o apocalipse dos políticos corruptos e dos maus funcionários públicos. A

varredura começaria em breve, Jânio em sua campanha não apenas projetou a esperança, mas

difundiu o medo.

Os dois setores, citados acima exprimiam as primeiras críticas à figura controversa

de Jânio, ou seja: os exportadores precisavam de uma ajuda cambial que desfavorecesse as

importações, do mesmo modo, os empresários do ramo de hotelaria se viam em apuros devido

ao mal exemplo do presidente, pois ele preferia ficar no exterior do que em seu pais! Onde

estava o grande ufanismo do candidato que ajudaram a eleger? A TIME utilizou uma lógica

que tornava Jânio ora excêntrico, ora enigmático. Seu poder político equivalia de fato a uma

intervenção divina, haja vista, que somente a sua presença era o bastante para indicar um

candidato a prefeito, principalmente se este fosse do seu reduto eleitoral.

O tom pessimista da revista não poupou a herança deixada por Juscelino. Inflação

galopante e uma dívida crescente seriam os primeiros problemas que Jânio teria pela frente já

no seu primeiro dia de trabalho como presidente:

Acima de tudo, ainda havia a caixa de Pandora que pressionava ainda mais os

problemas econômicos deixados pelo ex-Presidente Juscelino Kubitschek: um

pagamento de 80 milhões de dólares, devido à investidores privados em 1º de

fevereiro (primeiro dia de Jânio como presidente), uma inflação galopante, os

426

"Politicians are perplexed, responsible people are confused, workers are restless and officials fearful — all

waiting for the man ordained by Providence," said the Jornal do Brasil. Besides, cacao shippers wanted to

change export policies, hotelmen complained (naming no names) that Brazilians spend more in foreign hotels

than in their own, São Paulo politicians wanted Quadros to name a candidate for mayor. Time Magazine, loc. cit.

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déficits crescentes no orçamento e comércio exterior.427

A caixa de Pandora, representada como um baú de problemas econômicos, foi uma

metáfora capaz de assustar os leitores desavisados. Segundo a mitologia, todos os problemas

do mundo começaram com a abertura da caixa. A ingenuidade não cabe nesse contexto, pois

era sabido por parte de todos os candidatos sobre os problemas que iriam herdar. Por outro

lado, para a TIME, o grande problema da caixa de Pandora estava relacionado aos

empréstimos fornecidos pelos investidores estrangeiros. A revista tinha conhecimento desses

números e, portanto, tinha conhecimento do conteúdo da caixinha.

Recorrendo novamente à imprensa local, a TIME destacou um trecho de uma

reportagem do Correio da Manhã ironizando a viagem de Quadros. O futuro presidente,

perdido em sua embriaguez, sequer teria noção de que encontraria os cofres públicos vazios

assim que chegasse ao poder

"Jânio Quadros não terá que ocupar-se com um tesouro de obras de arte, mas com

um tesouro vazio", comentou acidamente o jornal Correio da Manhã. "As pessoas

queriam o ex-governador de São Paulo, como presidente, não um diletante

florentino". O Brasil está ficando preocupado, ele não quer ser um país sem um

líder.428

Não seriam duas caixas de Pandora que Jânio estava por encontrar? A segunda

caixinha de surpresas não seria a ‘arca’ do Tesouro Nacional? Também vazia?!

A informação provinha do jornal Correio da Manhã e era referendada pela revista.

Informando sobre o inconformismo dos brasileiros diante de um presidente aventureiro, a

TIME sugeriu que o Brasil (em tom generalizante) precisava de um líder. Neste ponto ficou

notória a crítica da revista à postura e às atitudes de Jânio. Um presidente evasivo,

enigmático, de política exterior dúbia e messiânico não poderia cuidar de um país com

grandes problemas econômicos, políticos e sociais, muito menos gerir as contas públicas que

dependiam de recursos do exterior para serem saneadas.

427

Above all, there was the Pandora's box of pressing economic problems left by out going President Juscelino

Kubitschek: an $80 million payment due to private investors on Feb. 1 (Quadros' first full day as President),

rampant inflation, soaring deficits in the budget and foreign trade. Time Magazine, loc. cit. 428

"Jânio Quadros will not have to busy himself with an art treasury but with an empty treasury," commented

Correio da Manhã acidly. "The people wanted Sao Paulo's former governor as President, not a Florentine

dilettante." Brazil is getting worried; it does not want to be a country without a man. Time Magazine, loc. cit.

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4.2 - JACK & JÂNIO

Além da TIME, o Departamento de Estado também investigava o perfil de Jânio.

Segundo Barbosa, o Departamento emitia juízos sobre a personalidade do político brasileiro,

Jânio “era possuidor de habilidades administrativas definidas e uma inteligência que beirava a

genialidade. (...) A instabilidade e a alegada imprevisibilidade de Quadros têm levado amigos

e inimigos a questionar sua sanidade. Em muitos de seus aparentes atos políticos erráticos,

entretanto, Quadros poderia ser descrito como ‘louco como uma raposa’(...)”429

A chegada de Kennedy à presidência foi bem diferente da chegada de Jânio.

Kennedy ganhou por pouca diferença, houve quase um empate técnico com Nixon. Jânio

obteve a maior e mais expressiva vitória eleitoral da história do Brasil até aquele momento.

Jânio Quadros nunca escondeu sua admiração por Abraham Lincoln, inclusive tinha uma foto

dele em seu gabinete no Palácio do Planalto que lhe fora presenteada por Nelson Rockefeller,

mas mostrava-se “arredio” em relação à Kennedy, disse ele uma vez: “Ainda não sei bem o

que ele quer. É uma figura controversa.”430

Pouco mais de dez dias após a posse, a TIME publicou uma curiosa reportagem cujo

título aproximava os nomes de Kennedy e Jânio. Seria uma comparação? Ou uma

provocação? Entre Jack e Jânio havia uma quase coincidência de idade. Os dois eram

católicos, jovens, tinham assumido quase que simultaneamente os mandatos presidenciais. No

lead da matéria, uma comparação gestual foi realizada: enquanto um apenas erguia a mão, o

outro se curvava para receber a faixa:

Onze dias após, John Kennedy, de 43 anos, levantar a mão direita na gelada

Washington, Jânio Quadros, de 44 anos, se curvou diante da faixa verde e amarela

do Brasil no gabinete presidencial da inacabada capital Brasília. A coincidência da

idade e do tempo, obviamente, atingiram Quadros. "As mudanças neste mês na

administração dos Estados Unidos e do Brasil", disse ele, "dão uma nova esperança

de cooperação hemisférica".431

Dentro da fala de Quadros, a TIME destacou a cooperação hemisférica embutida em

um tom de “esperança” - a esperança foi a única que permaneceu dentro da caixa de Pandora.

429

BARBOSA, loc. cit 430

BARBOSA, op cit., p. 99. 431

Eleven days after John Kennedy, 43, raised his right hand in snow-chilled Washington, Jânio Quadros, 44,

ducked his head through Brazil's green-and-yellow sash of presidential office in Brazil's unfinished new capital

of Brasilia. The coincidence of age and time obviously struck Quadros. "This month's changes of administration

in the United States and Brazil," he said, "give new hope of hemisphere-wide cooperation." Time Magazine:

Brasil: Jack & Jânio – 10-02-1961.

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Neste ponto, arriscamos uma questão: não havia cooperação hemisférica? Segundo a matéria,

houve uma convocação, um apelo de salvação nacional que os dois jovens políticos iriam

executar.

Não menos surpreendente foi a semelhança dos pontos de vista, Quadros também,

obviamente, compreendeu o seu trabalho como o de um jovem convocado para

resolver uma grave crise nacional. Em seu discurso de posse, o novo chefe do Brasil

não escondeu a sua certeza de que a saída do presidente Juscelino Kubitschek trouxe

o Brasil à beira do colapso econômico. A nação enfrentou uma "terrível situação

financeira", disse Quadros. Apesar das grandes represas, estradas e fábricas, o

governo Kubitschek contribuiu para uma dívida externa de US$ 3,8 bilhões, sendo

que US$ 600 milhões se deram neste ano. 432

O destaque dado à crítica de Jânio ao governo anterior indicava a posição da revista

em relação a existência de uma forte corrupção no país. Não bastou que Juscelino construísse

“grandes represas”, “estradas” e “fábricas” no wilderness brasileiro, ou seja, Brasília. A

herança de US$ 3,8 bilhões era absurda para o contexto. Tratava-se de um valor exorbitante,

oriundo dos impostos pagos pelos contribuintes americanos para construção de inúteis

elefantes brancos.

O problema das contas públicas brasileiras estava na pauta do Departamento de

Estado. Tomas Mann, então Subsecretário para Assuntos latino-americanos, por meio de um

memorando confidencial, datado em 6 de dezembro de 1960, trocou informações com o

Secretário de Estado, J. Foster Dulles que havia “sugerido a assessores do presidente

brasileiro que fosse indicado um seu representante para analisar, com o Departamento de

Estado, os vários aspectos das reformas fiscal e monetária a serem adotados pelo novo

governo e as características da assistência norte-americana para os planos de estabilização

financeira do país”.433

Todavia, a proposta de Mann acabou não sendo aceita, mas no mesmo

documento havia impressões sobre a figura de Jânio Quadros, considerado por Mann como

“um enigma, embora reconhecendo seus méritos como governador de São Paulo.”434

A política externa já começava a incomodar a revista. As relações com o comunismo

apareceram com mais frequência nas reportagens. Nesse ponto, não havia convergência ou

similaridade com Kennedy

432

No less striking was the similarity of viewpoint, for Quadros also obviously viewed his job as that of a young

man called in to solve a grave national crisis. In his inaugural speech, Brazil's new chief made no bones about his

belief that outgoing President Juscelino Kubitschek had brought Brazil to the brink of economic collapse. The

nation faced a "terrible financial situation," said Quadros. For all the great dams, roads and factories,

Kubitschek's government had run the foreign debt to $3.8 billion, with $600 million due this year. Time

Magazine, loc. cit. 433

BARBOSA, op cit p. 101 434

Ibid., ibidem.

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Em sua campanha, o candidato Quadros prometeu uma infinidade de coisas para

todos os eleitores, tanto de direita, de esquerda ou de centro. Agora os brasileiros

sabem o rumo que Quadros irá tomar na guerra fria. Nas relações exteriores,

Quadros denunciou o comunismo como "novo imperialismo". Ao mesmo tempo, ele

abriu os braços do Brasil, “sem prejuízo, para todas as nações do novo mundo, bem

como as comunidades antigas da Europa e na Ásia". O anúncio deixou margem de

manobra para o desejo - expresso por Quadros durante uma viagem pré-eleitoral a

Moscou – de manter relações com a Rússia a qual pôde ajudar na compra de 40

milhões de sacas de café em excesso do Brasil.435

As promessas estavam atreladas ao jogo político que unia todas as alas. Mas o rumo

de Jânio estaria claro? Denunciar o comunismo como ‘novo imperialismo’ seria uma forma de

agradar os EUA. Ora, abrir os braços às nações do leste é o mesmo que flertar e agradar os

comunistas. A revista notificou que Jânio, do mesmo modo como agiu na política eleitoral,

agradou e desagradou todos os lados, e portanto faria o mesmo com a política externa. O jogo

duplo de Jânio distanciava a compreensão de seu governo. As relações comerciais com a

URSS fizeram parte dos discursos de campanha.436

Na matéria anterior, publicada em 6 de janeiro de 1961, o retorno de Jânio era temido

por muitos, principalmente pelos funcionários públicos. Um fato irônico chamou a atenção da

revista que destacou a surpresa de Jânio em seu primeiro dia de trabalho: uma imensa fila de

mesas vazias!

Internamente, Quadros prometeu "impor a mais rigorosa moralidade em seu

governo." Ele compareceu ao prédio presidencial às 7:30 da manhã no primeiro dia

após sua posse só para se deparar como uma imensa fila de escrivaninhas vazias.

Furioso, friamente ordenou uma nova jornada de trabalho de dez horas, das sete

horas da manhã até às 20h com um intervalo de três horas. Naquela mesma noite, os

funcionários que voltavam para casa, ao entrarem no ônibus às 18h foram obrigados

a sair e voltar ao trabalho escoltados pelos guardas do palácio. Quadros também

ordenou uma investigação de corrupção em cinco agências federais (...)437

A ideia de ‘moralidade’ proposta por Jânio também pôde ser compreendida como

‘medida de força’. A forma como coordenou as ações punitivas também refletiam a

435

In his campaign, Candidate Quadros promised all things to all voters, right, left and center. Now Brazilians

wondered what tack he would take in the cold war. In foreign affairs, Quadros denounced Communism as "the

new imperialism." At the same time, he opened Brazil's arms "without prejudice, to all nations of the new world

as well as to the ancient communities of Europe and Asia." The announcement left leeway for the wish —

expressed by Quadros during a pre-election trip to Moscow — for relations with Russia that might help dispose

of Brazil's 40 million bags of surplus coffee. Time Magazine, loc. cit. 436

BARBOSA,op cit p. 100 437

Domestically, Quadros promised "to impose the most rigorous government morality." He appeared at the

presidential office building at 7:30 a.m. the day after inauguration only to find long lines of offices standing

empty. With cold anger he ordered a new ten-hour workday, from 7 a.m. to 8 p.m., with a three-hour break. That

very evening, homeward-bound functionaries, slipping into buses at 6 p.m., were ordered out and back to work

by palace guards. Quadros also ordered an investigation of corruption in five federal agencies (…).Time

Magazine, loc. cit.

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capacidade psicológica que Jânio exercia sobre o funcionalismo público. Noticiar uma série

de mesas vazias significa mostrar ao seu leitor a falta de seriedade que tinham esses

trabalhadores para com o serviço público. Por outro lado, Jânio ao não exonerar, impunha

uma ditadura do relógio, utilizando a segurança local como instrumento de repressão aos

“funcionários fantasmas”.

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4.3 – GIRANDO E NEGOCIANDO

As propostas de Jânio para estabelecer relações com os países do bloco socialista

durante sua campanha presidencial enquadravam-se num campo hipotético, senão teórico. Ao

assumir a presidência e entrar em exercício, a teoria tentava a todo o custo se transformar em

prática. Para a TIME, a política independente de Jânio parecia se basear em dois pontos. O

primeiro, numa independência na tomada de decisões no plano diplomático e comercial em

relação aos Estados Unidos. O segundo, derivado do primeiro, a aproximação significativa

com os países socialistas. Neste último ponto, havia um tripé: Cuba, URSS e China. O tema

cubano se relacionava diretamente a questão da autodeterminação dos povos, ponto

nevrálgico das contradições dos EUA. A relação com a URSS se pautava numa independência

tanto econômica como política. Por último, a China significava a mais frontal das ofensivas. A

defesa contumaz de sua admissão na ONU deixava Jânio cada vez mais “vermelho” nas

páginas da TIME. Ele próprio “esposava a tese de que a República Popular da China tornar-

se-ia, no limiar do ano 2000, a maior potência capitalista mundial, ultrapassando a posição de

liderança dos Estados Unidos. Sou o Marco Polo da política externa, dizia, pois abrirei a

China ao Brasil.”438

Em março de 1961, a política externa de Jânio já era do conhecimento da TIME, e

em relação a ela passou a se posicionar de forma crítica, irônica e, às vezes, severa. Jânio

passou ser tratado como um presidente que operava um jogo muito perigoso “jogava o leste

contra o oeste”. O anúncio de que apoiaria a admissão da China na ONU representou a

primeira cartada de Jânio. Isso significava que havia uma espécie de discordância com as

propostas norte-americanas.

Obviamente jogando o Leste contra o Oeste, o Presidente Jânio Quadros

dramaticamente anunciou na semana passada que na próxima Assembleia Geral da

ONU o Brasil vai votar a favor da admissão da China Vermelha.

Caracteristicamente, Jânio guardou sua carta na manga - caso realmente favoreça a

admissão de Pequim na ONU. Todavia, o seu aval no debate desse turbulento

assunto, acabou fazendo do Brasil o primeiro país do hemisfério, além da Cuba de

Fidel Castro, a sobrepor a política dos EUA em relação à China. Tendo contrapartida

do Brasil, a maior nação da América Latina, o movimento de Jânio pode tornar ainda

mais difícil para os Estados Unidos a sua maneira de manter as demais repúblicas na

linha.439

438

BARBOSA, op cit., p. 253 439

Obviously playing East against West, President Jânio Quadros dramatically announced last week that in the

next U.N. General Assembly, Brazil will vote in favor of debating the admission of Red China.

Characteristically, Jânio held back his hole card — whether he actually favors Peking's admission to the U.N.

But even his endorsement of debate on the stormy issue makes Brazil the first hemisphere country outside

Castro's Cuba to buck U.S. policy on China. Coming from Latin America's biggest nation Jânio's move might

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O debate que se pautava sobre a admissão da China tinha como pano de fundo a

evidente emergência de uma segunda liderança latino-americana, Jânio, neste caso, se juntou

a Fidel. Sempre preocupada com a dimensão geográfica do Brasil, a TIME reconhecia o

tamanho do país e, de forma análoga, o tamanho dos problemas que poderia causar aos EUA,

principalmente no que dizia respeito a influência em relação ao restante do continente.

Naquele mês, Jânio passou a apoiar abertamente a inclusão na agenda da XVª

Assembleia-geral da ONU o debate acerca do credenciamento da República Popular da China,

“que há mais de dez anos estava sendo bloqueada pelos Estados Unidos e que a imprensa

americana considerou como mais uma prova do distanciamento do Brasil de sua política

ocidental tradicional.”440

A TIME sugeriu que, em protesto a um pequeno empréstimo feito ao Brasil –

entendido como uma esmola –, Jânio acabou revelando a sua posição em relação a China. Ao

modo de Jânio, sua recusa ao empréstimo tinha também como propósito dar publicidade

positiva a ele mesmo

O estratagema chinês de Jânio veio apenas cinco dias após o embaixador dos EUA,

John Moors Cabot ter repassado a oferta de créditos paliativos do presidente

Kennedy - aproximadamente US$ 100 milhões - para ajudar o Brasil durante este

momento de crise econômica. (...) Apesar da necessidade urgente de seu país, não

apenas Jânio recusou publicamente a oferta de Kennedy, como também passou a ter

relações diplomáticas com os governos de satélites como a Hungria, Romênia e

Bulgária e insinuando que ele está planejando fazer o mesmo com a União

Soviética.441

A retomada das negociações com os países da “cortina de ferro” corroboraram as

ideias propagadas pela TIME, as relações com a URSS foram tratadas como insinuantes, ou

seja, além de tudo, o governo Quadros era um governo provocador. Tais ações continuaram

intrigando a revista. A opinião de analistas de Washington e do Brasil (cujos nomes não foram

citados) indicava para uma interpretação de que tais ações não mereciam tanta atenção assim.

Entre os velhos observadores das ideias de Quadros, tanto em Washington como em

Brasília, as ações de Jânio produziram mais descaso do que alarme. As razões de

well make it more difficult for the U.S. to hold the other republics in line. Time Magazine: Brazil: Wheeling &

Dealing – 03-03-1961. 440

BARBOSA, loc. cit. 441

Jânio's China ploy came only five days after U.S. Ambassador John Moors Cabot had relayed President

Kennedy's offer of stopgap credits — reportedly $100 million — to help tide Brazil over its economic crisis. (…)

Despite his nation's urgent need, Jânio not only failed to acknowledge Kennedy's aid offer publicly, but went on

negotiating diplomatic ties with the satellite governments of Hungary, Rumania and Bulgaria and hinting that he

planned to do the same with the Soviet Union. Time Magazine, loc. cit.

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Jânio, segundo o que acreditam os especialistas, são três: 1) um sincero desejo de

tornar o Brasil mais "independente" em nível internacional, 2) a convicção de que

para manter a confiança dos eleitores da esquerda ele precise demonstrar

neutralidade, 3 ) uma profunda suspeita de que mesmo nestes dias de "desinteresse"

pelos programas de ajuda externa (...) Praticamente é certeza que Jânio tire proveito

de algum resultado positivo desse seu flerte com os países do bloco comunista, fato

que favorecerá ainda mais os pedidos de ajuda à Kennedy para o Brasil.442

Não duvidando de algum fruto que pudesse ser gerado das relações com os países

socialistas, a TIME atribuía a essa estratégia algo muito ingênuo e desnecessário. Para a

revista, tais provocações, que tinham como pano de fundo, pedidos de ajuda econômica a

Kennedy revelavam uma ingenuidade ainda maior de Jânio, a menos que Kennedy

concordasse com elas.

Por outro lado, em maio de 1961, os chineses decidiram estreitar os laços com o

Brasil e enviaram uma missão comercial para visitar algumas das principais cidades

brasileiras, dentre elas São Paulo, Recife e Porto Alegre. A empresa comunista parecia

afrontar a capitalista no próprio território do capitalismo. Nada mais desconfortável para os

ideólogos do Século Americano. O interesse chinês com essa visita foi, num primeiro

momento, a indústria de couros – uma espécie de reconhecimento do território. Além do que

também estavam muito interessados “no potencial agrícola do Rio Grande do Sul, que em

pouco tempo se transformaria em grande produtor de soja.”443

442

Among veteran observers of the Quadros mind, both in Washington and Brasilia, Jânio's actions produced

more resigned shoulder shrugging than alarm. Jânio's motives, the experts believe, are threefold: 1) a sincere

desire to make Brazil more "independent" internationally, 2) the belief that to hold the allegiance of Brazil's left-

wing voters he must make a show of "neutralism," 3) a profound suspicion that even in these days of

"disinterested" foreign aid programs (…) Almost certainly Jânio hopes that at least an incidental result of his

diplomatic flirtation with Communist nations will be whopping increases in Kennedy's proposed aid to Brazil.

Time Magazine, loc. Cit. 443

BARBOSA, loc cit.

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4.4 - DO INSULTO À INJÚRIA

Diante de uma proposta de política externa cada vez mais aguda e ‘ameaçadora’ aos

EUA, era necessário tomar algumas providências em relação ao novo governo do Brasil.

Como sempre, o diálogo era a primeira alternativa. Um nome surgiu nesse ínterim para tal

missão, o de Adolf Augustus Berle Jr.

Kennedy, durante sua campanha, havia formalizado um grupo-tarefa para tratar de

assuntos latino-americanos, todos eram funcionários do Departamento de Estado e eram

liderados pelo Embaixador Berle Jr. O grupo contava com nomes expressivos, tais como

Lincoln Gordon, da Harvard Business School, Tomas Mann, Secretário Assistente para

Assuntos Interamericanos, entre outros como Theodore Achilles, Arturo Gonzales Carrion e

William Bundy, do Departamento de Defesa.444

Aos 66 anos de idade, o ex-embaixador norte-americano no Brasil entre 1944 e 1945,

Berle retornava ao país no qual tinha estado pela última vez em 1956 para a cerimônia de

posse de Kubitschek. A visão política de Berle, segundo Barbosa (2007), “...ainda era baseada

em uma América Latina dócil e conformada com o alinhamento automático com os Estados

Unidos, no espírito da política da boa vizinhança de Franklin D. Rooselvelt, iniciada na

década de 1930 e que se alongara durante os anos 1950”.445

Ele não sabia que em 1961 “a

realidade e os personagens, entretanto, eram outros.”446

A imagem de Quadros como um presidente arrogante apareceu nas reportagens sobre

o Brasil em março de 1961. As propostas de ajuda eram oferecidas de forma generosa pelo

presidente Kennedy, no entanto Jânio desdenhava a ajuda ao mesmo tempo em que precisava

dela: “As propostas de Kennedy para ajudar a América Latina receberam do novo presidente

do Brasil, Jânio Quadros, um breve aceno”.447

Qual era o conteúdo da proposta da visita de Berle? O enviado de Kennedy tinha

como meta formal conhecer Jânio pessoalmente, além de “manifestar-lhe o interesse do seu

governo pelas diretrizes da política externa e pelos esforços de saneamento econômico

suscetíveis a aceitarem o apoio dos Estados Unidos.”448

Todavia, segundo Barbosa, outras

intenções estavam por trás da visita, uma delas era a política brasileira com Cuba, ou seja,

444

BARBOSA, op cit, p. 113 445

BARBOSA, op cit, p. 113 446

Ibid., ibidem. 447

Kennedy's Latin America troubleshooter, got a small hello from Brazil's new President Jânio Quadros. Time

Magazine, Brazil: Insult To Injury – 17-03-1961 448

BARBOSA, loc cit.

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Berle “tencionava averiguar quais as possibilidades de modificá-la, à luz dos planos de

invasão programada para o início do mês de abril.”449

Era de suma importância convencer o

Brasil de sua participação “numa eventual força multinacional de paz para evitar a explosão

comunista na América Central.”450

Neste caso, tratava-se de uma visita muito delicada, sem

margem para muitas falhas, segundo Barbosa, “ensaiava-se diluir a responsabilidade norte-

americana nos planos de intervenção armada em Cuba com participação dos efetivos militares

de países da América Latina. Berle, evidentemente, tinha conhecimento do projeto de invasão

e de suas nefastas consequências se o mesmo viesse a falhar.”451

Se de um lado Jânio era visto

como “excêntrico”, “egocêntrico”, “messiânico”, “autoritário”, no caso da visita de Berle ao

Brasil, um novo adjetivo era somado à lista - e que para a revista se encaixava perfeitamente

na figura de Jânio -, o de mal-educado. O constrangimento gerou impactos até mesmo no

chanceler Afonso Arinos

Mas, de acordo com a história que vazou na semana passada por fontes

diplomáticas, ele foi ainda mais rude do que se esperava. Berle não foi capaz de

obter o apoio do Brasil para uma frente unida da América Latina contra a Cuba de

Castro. Ao final da inútil discussão, Berle estendeu a mão para dizer adeus. Quadros

se recusou a apertá-la. O chanceler Afonso Arinos não conseguiu esconder o ar

consternado, Quadros nitidamente virou as costas para o porta voz especial do

presidente dos EUA.452

Em torno desse constrangedor momento, houve rumores nos quais Jânio teria

“reagido com veemência às ideias de Berle, que Moors Cabot, ao sair do Gabinete

presidencial, visivelmente constrangido, confundiu-se e teria adentrado num armário,

pensando ser a porta de saída.”453

Segundo Barbosa:

“A Time Magazine chegou a publicar que lhe teria sido recusado um aperto de mão

no momento da despedida. Tais rumores foram prontamente desmentidos por porta-

vozes do Palácio do Planalto e do Itamaraty, sem alcançar os resultados desejados.

Pelo seu lado, Quadros afirmou que a reunião tinha sido cordial, seguindo regras da

cortesia internacional. “Repeli-o” – disse Jânio – “com polidez, mas com firmeza.”

Ao chegar em Nova York, Adolf Berle negou qualquer incidente, reforçando as

notas do Itamaraty e da embaixada americana sobre a entrevista. Ambos os governos

procuravam evitar que a vinda do enviado especial de Kennedy contribuísse para

449

Ibid., ibidem. 450

Ibid., ibidem. 451

Ibid., ibidem. 452

But, according to the story as leaked out last week by diplomatic sources, it was even ruder than that. Berle

was unable to get Brazil's backing for a united Latin American front against Castro's Cuba. As the futile talk

ended, Berle stuck out his hand to say goodbye. Quadros refused to shake it. Then, to the undisguised dismay of

Brazilian Foreign Minister Afonso Arinos, Quadros pointedly turned his back on the special envoy of the

President of the U.S. Time Magazine, loc. Cit. 453

BARBOSA, loc cit.

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adensar as discordâncias já existentes no relacionamento dos dois países.”454

Na verdade, em meio ao protocolo da visita e das conversações entre as autoridades

presentes no encontro, coube a Berle a introdução do tema de Cuba e, segundo Barbosa

(2007), “a tentativa de vincular empréstimos financeiros dos Estados Unidos em troca de

abandono dos princípios de não-intervenção irritou o seu interlocutor, levando a um

constrangedor diálogo”.455

Os jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil reaparecem e

sempre em tom de crítica a Jânio, além de favoráveis às relações com os EUA. Esses jornais

serviram de suporte para outras reportagens e funcionaram como uma extensão da revista.

O saldo desse incidente se espalhou pelo Brasil fazendo surgir um coro de protestos.

O jornal carioca, Correio da Manhã, publicou: "A forma como Jânio Quadros

recebeu, ou melhor, destratou, o enviado especial do presidente Kennedy, merece

fortes críticas de todos os brasileiros." A crítica se espalhou pelo país e acabou

incluindo a precipitada ideia de neutralidade de Quadros nas últimas seis semanas

em que está no cargo. O Jornal do Brasil, um dos mais influentes defensores de

Jânio, publicou: “"Quadros, que em sua campanha salientou a impossibilidade de

ignorar a importância e a existência da China Vermelha, agora parece ignorar a

importância e a existência dos EUA. Qual é a sua ideia?’’456

Jânio havia concordado em alguns pontos com Berle, no entanto não admitiu nenhum

tipo de intervenção contra Fidel. Reconhecia que havia uma forte influência comunista no

regime cubano, mas não via motivo para uma intervenção político-militar naquele país. Por

fim, Jânio “admitiu que Brasil e Estados Unidos concordariam em discordar sobre Cuba,

expressão também utilizada na nota da embaixada americana sobre o encontro.”457

Após a audiência com Jânio, Berle ainda almoçou em Brasília em companhia do

Embaixador Cabot e de alguns funcionários da missão. Segundo Barbosa não restava dúvidas

de que a acolhida em Brasília havia deixado muito a desejar, além do que

“...a ausência de uma autoridade brasileira no embarque de Berle no Galeão para

Nova York reforçaria as insistentes versões que circulavam na imprensa local e

norte-americana sobre o suposto desentendimento pessoal entre Jânio e o enviado de

Washington, embora tal fato se devesse a uma inesperada mudança de horário do

454

Ibid., ibidem. 455

Ibid., p.120 456

As accounts of the incident spread across Brazil, a chorus of protest arose. Editorialized Rio's Correio da

Manhâ: "The way Jânio Quadros received, or rather dismissed, President Kennedy's special envoy deserves

sharp criticism from all Brazilians." The criticism spread to include the whole subject of Quadros' headlong rush

to "neutralism" during his six weeks in office. Wrote the influential Jornal do Brasil, heretofore one of Quadros'

staunchest supporters: "Quadros, who in his campaign stressed the impossibility of ignoring the importance and

existence of Red China, now appears to ignore the importance and existence of the U.S. What is the idea?" Time

Magazine, loc. Cit. 457

BARBOSA, op cit., p 120

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Clipper da Pan-Am que o levaria de retorno a Nova York.”458

A política independente de Quadros representava para a TIME uma política favorável

ao diálogo e aproximação com os países socialistas. A revista não mencionou um discurso

sequer de Jânio favorável aos EUA. O persistente gesto de Jânio em favor da admissão da

China soou para a revista como uma forte provocação.

A ideia pareceu ser que Jânio foi teimoso em tentar alcançar uma posição totalmente

independente estando no meio do caminho entre os EUA e o bloco comunista, e não

permitindo contra-argumentos. 459

Um dia antes da chegada de Berle, foi publicada uma carta de Nikita Kruschev

“agradecendo as felicitações por mais um êxito espacial russo, e o primeiro ministro soviético

nela afirmava que o povo brasileiro pode contar, como outros da América Latina, com o

apoio da União Soviética na sua aspiração de se libertar da dependência estrangeira.”460

Concordar com Kruschev era reconhecer a incapacidade de se auto-organizar da

ONU que, segundo a TIME, Jânio também a considerava ‘inoperante’. A revista destacou ao

final da reportagem uma fala incômoda de Jânio, a de que somente através de um golpe de

Estado ele deixaria o poder.

No final da semana, ele anunciou que o Brasil poderia votar tanto pela admissão

Vermelha da China à Organização das Nações Unidas como pelo plano de Kruschev

para "reorganizar" a ONU que se encontro em completa inoperância. Quanto aos

rumores que tudo isso despertou entre alguns políticos e militares, Quadros jurou:

"Existem apenas duas maneiras de bloquear o meu curso: Me depôr ou me

assassinar.461

O perfil autocrático começava a dialogar com o autoritário, algo que para a TIME

remete à ditadura. A fala alude ao ato de Vargas, este que para a revista sempre foi um ditador.

Naquele momento um fato não passou despercebido pelos analistas e jornalistas, a visita do

Marechal Tito foi anunciada poucas horas após a partida de Berle, “atitude interpretada como

mais um gesto pouco amistoso com os Estados Unidos para balizar a independência do país

458

Ibid., p. 121 459

The idea seemed to be that Jânio was hell-bent to achieve a totally independent position halfway between the

U.S. and the Communist bloc, and would brook no argument. Time Magazine, loc. Cit. 460

BARBOSA, loc cit. 461

Late in the week, he announced that Brazil might well vote both for Red China's admission to the United

Nations and the Khrushchev plan to "reorganize" the U.N. into complete impotence. As for the rumbling all this

aroused among some politicians and military men, Quadros vowed, "There are only two ways to block my

course: to depose me or assassinate me." Time Magazine, loc. cit.

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no seu relacionamento externo.”462

Um dia antes da chegada de Berle e sua missão ao Brasil,

Jânio Quadros concedia uma entrevista ao jornal cubano Prensa Latina revigorando seu apoio

à revolução castrista, ao mesmo tempo em que se negava a receber jornalistas americanos que

cobriam a chegada de Berle.463

462

BARBOSA, op cit., p. 122 463

Ibid., ibidem.

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4.5 –A LINHA DE QUADROS

O reatamento das relações econômicas e políticas com a Rússia era uma das medidas

inovadoras de Jânio.464

A ruptura com os russos se deu no governo Dutra e, na sequência, o

Brasil seguia “servilmente a política americana da guerra fria.465

Nos anos posteriores

algumas tentativas de reaproximação ocorreram, mas de forma tímida, os motivos giravam em

torno da necessidade de o Brasil ampliar o seu mercado externo. Porém, o momento era de

caça às bruxas, o anticomunismo recrudescia e de nada adiantavam “os esforços das

esquerdas – PCB, PSB – e dos grupos nacionalistas. A situação se modificou radicalmente em

1961.”466

Em fevereiro de 1961, Jânio Quadros telegrafou para Kruschev:

“...igualmente estou convencido ser do mais alto interesse para a paz e prosperidade

mundiais o estreitamento das relações nos vários setores da atividade humana entre

o povo brasileiro e os povos da União Soviética.”467

O recado de Jânio estava dado. No final de março, uma reportagem sobre a sua

política exterior era publicada. A TIME retomava a investigação da complexa personalidade

de Jânio Quadros. O perfil complexo de Quadros foi visto de formas diferentes. A política de

Jânio era dúbia, evasiva, misteriosa.

Desde que o presidente Jânio Quadros assumiu o poder no Brasil há sete semanas,

ninguém exceto o próprio Quadros estava inteiramente certo sobre qual seria a

política externa do Brasil. Alguns dos compatriotas de Jânio Quadros o acusaram de

planejar entregar o Brasil ao grupo dos neutralistas; outros, apesar das negativas do

ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, pensaram que a maior ambição de

Jânio era simplesmente puxar um pouco para fora as penas da cauda da águia dos

EUA. Na semana passada, em seu primeiro discurso como chefe de Estado no

Congresso Nacional, Jânio procurou esclarecer as questões acima.468

A TIME reproduziu uma fala de Jânio que explicava de maneira conceitual a essência

464

CARONE, Edgard. A Republica Liberal. II. Evolução Política (1945 – 1964). Rio de Janeiro. Difel, 1985, p.

148 465

Ibid., ibidem. 466

Ibid., ibidem. 467

Correio de Manhã, 8 de fevereiro de 1961 468

Since President Jânio Quadros took power in Brazil seven weeks ago, no one save Quadros himself has been

entirely sure where Brazil's foreign policy was heading. Some of Quadros' countrymen accused him of planning

to deliver Brazil into the neutralist camp; others, despite denials from Foreign Minister Afonso Arinos, thought

Jânio's overriding ambition was simply to pull a few tail feathers out of the U.S. eagle. Last week, in his first

State of the Nation address to Brazil's Congress, Jânio sought to clear matters up. Time Magazine: Brazil: The

Quadros Line – 24-03-1961.

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de sua política externa: ‘neutralidade’ é diferente de ‘independência’. Jânio não era neutro,

pois aludia a uma postura ‘indecisa’ e, portanto, alvo ou vítima de uma força inimiga. Jânio se

assumia como independente, ou seja, era responsável e senhor dos seus atos em nome do

Brasil.

Jânio negou que ele seja um neutralista. Disse ele: "Inspirado pelos ideais da

democracia, nascemos membros do mundo livre... a posição ideológica do Brasil é

ocidental e não vai mudar." 469

Por mais simples e bela que fosse a palavra ‘amizade’, ela não soava bem aos

ouvidos da TIME quando tal amizade dizia respeito aos comunistas. Jânio colocou o Brasil

como importante porta-voz na afirmação dessa amizade entre todos, mas principalmente, com

os comunistas

O que ele faz questão de esclarecer é que o Brasil é uma voz independente nos

assuntos mundiais e que aumentou sua amizade com as nações comunistas. "O

conflito Leste-Oeste", disse ele, "tende cada vez mais a limitar-se a atitudes

ideológicas. Temos fé na nossa, e nós não desejamos mal às pessoas que são

diferentes."470

Em abril de 1961, o ministro Afonso Arinos trazia a público duas propostas para a

política externa de reaproximação do Brasil com a URSS. A primeira era “procurar ampliar o

volume, o valor e as listas de produtos, no intercâmbio entre os dois países.”471

A segunda

ponto girava em torno do “interesse especial, ainda, pelo trigo, fertilizantes, metais, máquinas

e equipamentos.”472

A análise sobre a admiração de Jânio pelos comunistas era comprovada

para a revista através de adjetivos que o próprio Jânio atribuía aos soviéticos

A convivência, como Jânio a vê, significa que "o Brasil não pode ignorar a

realidade, vitalidade e dinamismo dos estados Soviéticos". Mais uma vez, ele

proclamou seu desejo de manter relações diplomáticas e comerciais com o bloco

comunista, e do mesmo modo mantém a sua intenção de voto nas Nações Unidas

para readmitir a delegação Comunista Húngara e debater a admissão da China

Vermelha. 473

469

Jânio denied that he is a neutralist. Said he: "Inspired by the ideals of democracy, we are born members of the

free world . . . Brazil's ideological position is Western and will not change." Time Magazine, loc. cit. 470

What he does favor, Jânio emphasized, is an independent Brazilian voice in world affairs and increased

friendship with Communist nations. "The East-West conflict," he said, "tends increasingly to restrict itself to

ideological attitudes. We have faith in ours, and we wish no ill to people who differ." Time Magazine, loc. cit. 471

ARINOS, Afonso. Planalto, p. 58 472

Ibid, p. 141 473

Coexistence, as Jânio sees it, means that "Brazil cannot ignore the reality, vitality and dynamism of the Soviet

states." Again he proclaimed his desire for diplomatic and trade relations with the Communist bloc and his

intention of voting in the U.N. to readmit the Hungarian Communist delegation and to debate Red China's

admission. Time Magazine, loc. cit.

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Ao mencionar a amizade com os EUA, a TIME interpretou que Jânio era muito

cauteloso. Para a revista, tal cautela com a amizade estava mais próxima de um pedido de

ajuda do que a uma fértil relação entre amigos. De forma subliminar, a TIME atribuiu certo

cinismo à amizade de Jânio, pois ele preferia muito mais a ajuda (financeira) dos Estados

Unidos para sanear o legado de infortúnios de Juscelino do que um caloroso e verdadeiro

aperto de mãos.

Mas Jânio também teve o cuidado de acrescentar que "Esperamos colocar as nossas

relações com os nossos amigos tradicionais do norte em uma base bilateral fértil e

verdadeira. Esperamos dos EUA a compreensão e o apoio." A má notícia. A

esperança de Jânio Quadros de ganhar o apoio dos EUA repousa principalmente

sobre suas políticas domésticas. Ele herdou de seu extravagante antecessor,

Juscelino Kubitschek, um déficit orçamentário acumulado em $ 1 bilhão, as

perspectivas de um déficit de 700 milhões de dólares na balança de pagamentos e

uma inflação galopante.474

As medidas que Quadros iria tomar para sanear a economia do Brasil seriam bem

vistas pelo FMI, mas para a TIME – uma revista semanal representante do conservadorismo

americano -, o ato de Jânio projetar legislações para controlar a ação de multinacionais no

Brasil não era visto com bons olhos pelos EUA. Reforma agrária significava a possibilidade

de mobilização política no campo, aludindo à revolução pelo campesinato. Finalmente, o

envio de técnicos para negociar dívidas e pedir mais dinheiro era a forma de a revista expor

ainda mais o seu mal-estar por um governo que muito lhe já incomodava.

Quadros está perfeitamente consciente que o seu programa de austeridade

econômica provavelmente prejudique a sua popularidade política. Mas as reformas

que ele promete - legislação antitruste, a reforma agrária, uma reforma tributária

geral - deve manter o Brasil em uma boa situação tanto no exterior como em casa.

Na semana passada, quando o presidente Kennedy declarou que tais reformas podem

ser algumas das condições da ajuda dos EUA aos países latino-americanos, Quadros

mandou enviados especiais tanto para os EUA como para a Europa a fim de

encontrarem soluções para as dívidas antigas - e averiguar as possibilidades de

novos empréstimos .475

474

But Jânio was also careful to add that "We hope to place our relations with our traditional friends of the north

on a fertile and realistic bilateral basis. We hope for U.S. understanding and support." The Bad News. Quadros'

hope of winning U.S. support rests chiefly on his domestic policies. He inherited from his flamboyant

predecessor, Juscelino Kubitschek, a cumulative $1 billion budget deficit, prospects of a $700 million balance-

of-payments deficit, and rampant inflation. Time Magazine, loc. cit. 475

As Quadros is keenly aware, his economic austerity program is likely to jeopardize his political popularity.

But the reforms he promises — antitrust legislation, land reform, a general tax overhaul — should stand Brazil in

good stead abroad as well as at home. Last week, as President Kennedy declared such reforms to be one of the

conditions of U.S. aid to Latin American nations, Quadros sent special envoys to both the U.S. and Europe to

arrange stretch-outs of old debts — and to investigate the chances for new loans. Time Magazine, loc. cit.

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Esses enviados eram Roberto Campos e Walther Moreira Salles, que passaremos a

tratar mais adiante.

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4.6 – EUA APOSTA EM QUADROS

Nos Estados Unidos, diversos setores da economia e da política erguiam suas vozes

contra o governo de Jânio Quadros, a TIME era um deles. No entanto, apesar dessas

discordâncias, inclusive muitas delas advindas do próprio Departamento de Estado, o qual

propunha um “endurecimento com Jânio pelas suas atitudes desafiantes, havia uma

concordância entre a maioria dos assessores de Kennedy de que não se poderia deixar de

apoiar as medidas saneadoras do novo governo brasileiro, sob o risco de incorrer em grave

erro político.”476

Nesse sentido podemos dizer que havia a possibilidade de se apostar em

Quadros.

A TIME voltou a comparar Jânio e Kennedy em abril de 1961. De forma irônica

atribuiu a esta comparação uma espécie de esporte. O exercício consistia em ‘assistir’ e depois

‘comparar’. Apesar do olho republicano da revista, o papel de Kennedy era tão claro como o

de Jânio, ou seja, absorver a América Latina nos limites do seu programa de governo, as

Novas Fronteiras.

Um dos esportes mais intrigantes da América Latina nas últimas semanas foi assistir

aos Presidentes mais novos e mais jovens do Hemisfério Ocidental, presidindo as

duas nações mais populosas e como dimensionar um e o outro. O Presidente

Kennedy, estava claramente ansioso para encurralar a América Latina para dentro de

sua Nova Fronteira. 477

Ironizando Kennedy, a TIME também sugeriu que Jânio já tinha uma fronteira

traçada, englobando os próprios EUA! Por fim, a política independente, um dos alvos da

revista, parecia significar um distanciamento em relação aos EUA e uma real aproximação

com os comunistas.

O presidente do Brasil, Jânio Quadros, de 44 anos de idade, estava muito ansioso

para mapear sua própria Nova Fronteira – na qual a presença dos Estados Unidos

seria ainda maior. Embora declarando-se irrevogavelmente pró-ocidente, Quadros

distanciou-se bruscamente dos EUA em relação a China Vermelha na ONU, ele

também deixou de lado todos os convites para cooperar contra Fidel Castro, e flertou

476

BARBOSA, op cit, p. 123-124 477

One of Latin America's most intriguing spectator sports over the past weeks has been watching the Western

hemisphere's newest and youngest Presidents, presiding over its two most populous nations, as they size each

other up. President Kennedy, was plainly anxious to corral Latin American support for his New Frontier. jTime

Magazine: Brazil: U.S. Bet On Quadros – 14-04-1961.

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com o bloco soviético.478

TIME se voltou, por um momento, para o presidente Kennedy. Com o título da

reportagem EUA aposta em Quadros, ela deu a atender que não concordava com essa aposta.

O impasse de Kennedy, segundo a revista, seria se os EUA consideravam Jânio Quadros

inimigo ou não. Até que ponto Kennedy poderia confiar na neutralidade de Jânio?

A questão era se Quadros podia ser considerado um adversário ou dar-lhe a chance,

apesar de toda sua neutralidade, de que ele estava do lado certo. 479

Naquele mês (abril de 1961), Jânio se encontrou com o secretário do Tesouro

americano, Clarence Douglas Dillon, que viajava para o Brasil para uma segunda reunião do

Conselho de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Dillon, juntamente

com MacNamara, eram os dois republicanos no gabinete de Kennedy, sendo que o primeiro

“tinha sido subsecretário de Estado de Eisenhower, o que lhe tinha proporcionado certa

vivência dos problemas latino-americanos.”480

Ao contrário do que acontecera com Berle,

Dillon foi muito bem recebido. O secretário “discorreu sobre a disposição americana em

ajudar nas negociações para a rolagem da dívida brasileira e que sua política corajosa de

estabilização monetária era admirada em Washington.”481

Nesse sentido, os Estados Unidos,

segundo o secretário, iriam se empenhar junto aos credores europeus para ajudar o Brasil.

Segundo Barbosa, os europeus consideravam importante conhecer a posição dos Estados

Unidos para tomá-la como referência em suas decisões.482

Kennedy optou por apostar em Quadros e, de acordo com a TIME, os EUA

depositariam novos recursos num país cujo presidente era dotado de uma grande

excentricidade. A revista não poupou adjetivos e mencionou que o empréstimo de Kennedy

foi, até aquele momento, o maior da história feito a uma nação latino-americana. Neste caso, a

crítica subjacente da revista se pautou na maior aposta que os EUA já fizeram no Brasil.

Talvez a revista ainda se perguntasse: por que naquele momento?

478

Brazil's Jânio Quadros, 44, was just as eager to map out his own new frontier — in which U.S. influence

would loom less large. While declaring himself irrevocably pro-West, Quadros veered sharply away from the

U.S. stand on Red China in the U.N., brushed aside all invitations to cooperate against Fidel Castro, and flirted

with the Soviet bloc. Time Magazine, loc. cit.. 479

The question was whether to regard Quadros as an adversary or to take a chance that, for all his neutralism,

Quadros was on the right side. Time Magazine, loc. cit.. 480

BARBOSA, op cit, p. 125 481

Ibid., p. 126 482

Ibid., ibidem.

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Na semana passada, Kennedy fez a sua escolha: colocar seu dinheiro no novo líder

do Brasil. Na convicção de que Quadros, apesar de toda a sua excentricidade nos

assuntos externos, favorece um Brasil economicamente viável e, portanto, saudável,

Kennedy aprovou a participação dos EUA em um programa de ajuda internacional

para o Brasil, que classifica como o maior pacote de empréstimo de concessão

jamais dado a uma nação latino-americana. A soma em discussão: US$ 500

milhões, com mais ainda para vir. 483

A aposta, segundo a revista, era para ajudar na solução da dívida brasileira. A ida do

secretário Douglas Dillon ao Rio de Janeiro referendava a ajuda.

O único anúncio formal de Washington foi uma breve declaração do secretário do

Tesouro C. Douglas Dillon observando que o Brasil precisa de novos fundos para o

desenvolvimento e consolidar a sua esmagadora dívida. Esta semana, o secretário irá

ao Rio para uma reunião do conselho do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Com os planejadores brasileiros, ele vai começar a trabalhar os detalhes do

programa de ajuda.484

No trecho seguinte, a revista apresentou uma breve trégua a Jânio. Ao contrário de

Juscelino que, segundo a TIME, levou o Brasil à dívida e negava-se a aceitar propostas do

FMI, Jânio fez o caminho inverso, mesmo sofrendo ‘chiados’.

As despesas do Brasil, numa crescente espiral, sem uma considerável ajuda externa

desde 1959, se deram devido à recusa do presidente Juscelino Kubitschek em dar um

fim em suas agressivas despesas e de não aceitar as recomendações do Fundo

Monetário Internacional por austeridade deflacionária. Quadros está preparado para

aceitar os termos do FMI. Ele já introduziu reformas monetárias drásticas, as quais

tem como efeito a elevação dos preços através do fim dos subsídios às commodities

tais como pão (77%) e da gasolina (até 80%). Ele demitiu 35.000 funcionários do

governo, e reduziu em 30% o salário dos funcionários do alto escalão público. O

resultado foi um barulhento chiado ameaçando as determinações de Quadros para

estabilizar a economia.485

Para a TIME, a excentricidade era uma das grandes marcas de Jânio. O leitor da

483

Last week Kennedy made his choice: to put his money on the new man in Brazil. In the conviction that

Quadros, for all his eccentricity in foreign affairs, favors an economically sound and therefore healthy Brazil,

Kennedy approved U.S. participation in an international aid program for Brazil that ranks as the biggest loan-

grant package ever given a Latin American nation. The sum under discussion: $ 500 million, with more to come.

Time Magazine, loc. cit. 484

Washington's only formal announcement was a brief statement by Treasury Secretary C. Douglas Dillon

noting that Brazil needs new funds for development and to consolidate its crushing debt. This week the secretary

goes to Rio for a board meeting of the Inter-American Development Bank. With Brazilian planners, he will start

working out the details of the aid program. Time Magazine, loc. cit. 485

Brazil, its costs spiraling higher and higher, has been without substantial foreign aid since 1959, when ex-

President Juscelino Kubitschek refused to end his wild spending and to accept International Monetary Fund

recommendations of deflationary austerity. Quadros is prepared to accept IMF terms. He has already introduced

drastic currency reforms that have, in effect, raised prices by ending subsidies on the retail price of such

commodities as bread (up 77%) and gasoline (up 80%). He has fired 35,000 government employees, and slashed

the salaries of upper-rank government employees 30%. The result has been noisy grumbling that threatens

Quadros' determined drive to stabilize the economy. Time Magazine, loc. cit.

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revista estava diante do presidente de um país importante e que, na frente de uma TV,

executava as mais incríveis encenações teatrais. Para a TIME, tudo isso era feito apenas para

não perder a admiração do povo ao mesmo tempo em que o fazia sofrer.

Naquela mesma noite, durante 100 minutos na televisão, Quadros usou toda sua

habilidade política para expor o seu ponto de vista. Ele gritou, sussurrou, sacudiu

seu cabelo. Enfatizando os pontos principais da sua a vitória eleitoral, a maior da

história do Brasil no ano passado - sua honestidade inquestionável - ele lembrou os

brasileiros que ele não tinha prometido milagres. "Eu prometi um governo honesto,

um governo justo, um governo forte, um governo de sacrifícios". 486

Qual seria o sentido de tratar a inflação como um vetor para a ditadura? Tal fato nos

parece antecipar 1964. Jânio Quadros, segundo a reportagem, executava essa possibilidade.

Ao mesmo tempo, não poupava o fato de que ditaduras não escolhem cor partidária ou

ideológica.

Ele prometeu reformas fiscais - um excessivo imposto sobre os lucros, uma lei

antitruste e limites para remessa de lucros de empresas estrangeiras. Mas ele

guardou o seu mais pesado ataque para o assunto da inflação que segundo ele “é a

razão pela qual muitas democracias desapareceram. Elas se tornaram ditaduras de

direita ou de esquerda, estados comunistas. Enquanto eu viver, isso não vai

acontecer com esta república, não comigo no governo’’.487

486

That same evening, for 100 minutes on television, Quadros used every trick in the Brazilian political book to

get his point across. He shouted, whispered, tossed his hair. Emphasizing one of the major points that won him

the greatest electoral majority in Brazilian history last year — his undoubted honesty — he reminded Brazilians

that he had not promised miracles. "I promised an honest government, a just government, a hard government, a

government of sacrifices." Time Magazine, loc. cit. 487

He promised reforms — an excess-profits tax, an antitrust law, limits on profit remittances of foreign

companies. But he saved his heaviest thunder for his theme that inflation is the reason "many democracies have

disappeared. They became dictatorships of the right or of the left, Communist states. As long as I live, that will

not happen to this republic, not with me in the government." Time Magazine, loc. cit.

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4.7 – DECISÕES TEMPERAMENTAIS

Em junho de 1961, a Time publicou novas impressões sobre Quadros, e acrescentou

um dado inédito e irônico: “reformador de mentalidades econômicas”.

A confusa, e algumas vezes contraditória personalidade do presidente do Brasil,

Jânio Quadros, torna-se cada vez mais nítida a cada nova série de explosões que

ecoam a partir do Palácio do Planalto. Em uma explosiva decisão no executivo na

última semana, Quadros mostrou-se decidido a ser um reformador da mentalidade

econômica. Ele também provou ser impulsivo, melindroso, autocrático.488

Era essa a imagem de Jânio difundida para os leitores da TIME. Uma personalidade

que fundia confusão e contradição estava sendo evidenciada para a revista. A imagem de um

líder louco no hemisfério sul parecia se acentuar. Tratado como uma bomba, cujos ecos

chegavam a Brasília, seu temperamento variava de acordo com cada nova explosão. Para a

revista, bastava o assunto pesar no campo econômico para que a personalidade de Jânio

apresentasse novas formas. Impulsivo, messiânico e autocrático são características que para a

revista, não podiam pertencer a um líder democrático. A TIME não confiava e muito menos

acreditava na posição política de Jânio, tão propalada durante a campanha. Atribuir o perfil de

autocrático, confirma a nossa premissa.

O reformador da mentalidade econômica do Brasil em 1961, Sr. Jânio Quadros, era

visto como uma pessoa impiedosa para com o futuro. O governo de Juscelino era o da ficção,

já o de Quadros era o da realidade, aliás, uma realidade que expunha a demagogia, dali em

diante agiria sem misericórdia com os cálculos para o ano seguinte (1962).

Para separar a realidade da ficção de uma renda superestimada e controle de

despesas que aludiu um orçamento nacional sob o ex-presidente Juscelino

Kubitschek, Quadros emitiu seus impiedosos cálculos para o próximo ano. 489

A “herança maldita” era o déficit orçamentário deixado por Juscelino. Jânio, cujas

críticas ao governo anterior beiravam a redundância, lamentava ser herdeiro de Juscelino.

Nesse sentido, quais seriam as previsões futuras para um país endividado e dirigido por Jânio?

488

The confusing, sometimes contradictory personality of Brazil's Jânio Quadros becomes more sharply defined

with each new series of explosions echoing from Planalto Palace. In a burst of executive action last week,

Quadros showed himself to be a determined, conservative-minded economic reformer. He also proved himself

impulsive, thin-skinned, autocratic. Time Magazine, Brazil: Sharpening Definitions 02-06-1961. 489

To restore reality to the meaningless fiction of overstated income and understated outgo that passed for a

national budget under ex-President Juscelino Kubitschek, Quadros issued his own flinty figures for next year.

Time Magazine, loc. cit..

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Somando-se os fundos necessários para apoiar a imensa burocracia e o programa de

obras públicas herdado de Kubitschek, Jânio Quadros previu um déficit de $ 513

milhões - tão grande, disse Quadros, que "um potencial déficit dessas proporções

nunca foi admitido por um chefe de estado."490

As relações com Goulart não deixaram de ser citadas pela revista. Quadros não

cancelou a investigação sobre Jango. Para a TIME o intuito era separar-se do vice. Neste

ponto, tal separação vai de encontro à personalidade independente e autossuficiente de Jânio

Quadros. A separação de Jango representava a possibilidade, ou até mesmo a confirmação da

autocracia mencionada pela revista.

Para separar-se de seu próprio vice-presidente, João ("Jango") Goulart, um

adversário político eleito por meio de um truque eleitoral que permite dividir a

votação, Quadros recusou-se a cancelar as investigações de corrupção, que têm

implicado Goulart em vários escândalos, ou para neutralizar os seus relatórios. Em

uma carta de protesto, Quadros escreveu: "Respondo que isso não está escrito em

termos adequados e não representa a verdade."491

Se por um lado Jânio se propunha a eliminar os obstáculos internos, que muito

atrapalhavam a sua administração, ao voltar-se contra as agências de notícias estrangeiras, a

TIME não deixaria de se posicionar.

No entanto, com tais reformas, muitos delas bem atrasadas, Quadros encaminhou ao

ministro da Justiça um pedindo de "investigação da conduta das agências de notícias

estrangeiras em funcionamento no nosso país, tendo em vista a divulgação por estas

agências de histórias sem fundamento de caráter sensacionalista ou alarmante”.

Ordenou "medidas enérgicas de repressão definitiva" caso as acusações sejam

verdadeiras. 492

O trecho acima demonstrou o quanto a TIME defendia a ideia de que havia de fato

um presidente autocrata no Brasil com vistas a uma possível ditadura. Coagir as agências

internacionais foi, para a TIME, um ato repressivo e inoportuno, o governo Jânio Quadros

estava atacando os órgãos de comunicação dos países para os quais ele era devedor.

490

Adding up the funds needed to support the immense bureaucracy and public works program inherited from

Kubitschek, Quadros predicted a deficit of $513 million — so great, said Quadros, that "a potential deficit of this

size has never before been confessed by a chief of state." Time Magazine, loc. cit.. 491

To separate himself from his own Vice President, Joāo ("Jango") Goulart, a political opponent elected by

means of an electoral quirk that permits ballot splitting, Quadros refused to call off corruption investigators, who

have implicated Goulart in several scandals, or to blunt their reports. On a protesting letter, Quadros scribbled:

"Return, for not being written in adequate terms and not representing the truth." Time Magazine, loc. cit.. 492

Yet, with such reforms, many of them long overdue, Quadros order to the Justice Minister calling for

"investigation of the conduct of foreign news agencies functioning in our country, in view of the dissemination

by these agencies of baseless stories of sensationalist or alarming character." The order called for "energetic

steps for definitive repression" if the charges were true. Time Magazine, loc. cit.

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A revista destacou dois pontos de vista diferentes e do mesmo meio, um jornal

cubano e um brasileiro. Por questões óbvias, o jornal cubano de Fidel Castro dava total apoio

à atitude de Jânio, dessa forma, para a TIME, tal exemplo torna evidente não apenas a

simpatia de Castro pelo governo de Quadros, mas a real amizade que havia entre ambos.

A agência de notícias de Fidel Castro, a Prensa Latina, saudou a ordem. Mas o

independente Jornal do Brasil viu-o como uma clara ameaça à liberdade de

imprensa: "Se o presidente acha que ele vai censurar a imprensa, investigando tanto

a direita como a esquerda, silenciando jornais sem resistência, ele está muito

enganado."493

Fazendo frente ao Prensa Latina, o Jornal do Brasil, em uníssono com a TIME,

repudiou a atitude de Jânio. Apesar de a revista citar o Jornal do Brasil com frequência em

suas páginas, a revista atribui-lhe o ‘elogio’ de “independente” e praticamente finalizou a

matéria com uma indireta declaração de Guerra a Jânio, como ficou demonstrado no último

trecho.

493

Fidel Castro's news agency, Prensa Latina, cheered the order. But the independent Jornal do Brasil saw it as a

clear threat to a free press: "If the President thinks he is going to take the press by the throat, order investigations

right and left, silence newspapers without resistance, he is very much mistaken." Time Magazine, loc. cit.

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4.8 - OLÁ, MAS NENHUMA AJUDA

O episódio da Baia dos Porcos obrigou os Estados Unidos, em especial o presidente

Kennedy, a rever toda a sua estratégia de vigilância sobre a América Latina. Houve a

necessidade de se enviar aos países da América do Sul outro tipo de emissário e foi na pessoa

do chefe da Delegação dos Estados Unidos na ONU, Adlei Ewing Stevenson, que Kennedy

atribuiu a missão de averiguar os ânimos latino-americanos e arrefecer pontos de vista

‘antiamericanos’. Stevenson era uma personalidade mundialmente conhecida e respeitada.

Tratava-se de um homem culto e moderado em suas atitudes e “equilibrado na análise dos

problemas continentais”, naquele momento, ele “receberia como tarefa auscultar dez governos

sobre o projeto da Aliança para o Progresso, ao longo da próxima reunião extraordinária do

Conselho Interamericano Econômico em Punta del Leste, em agosto.”494

Em junho de 1961, a TIME trouxe uma reportagem tratando das relações entre EUA

e América Latina e tendo como pano de fundo o antiamericanismo. Defendemos, em capítulos

anteriores, que sintomas, ou ações, de repulsa aos EUA significavam uma afronta ideológica

ao Século Americano, conhecido ideário da revista e de Henry Luce. No capítulo 2,

discorremos sobre duas visitas ocorridas por lideranças norte-americanas no hemisfério sul

cujos efeitos chamaram a atenção da revista, dentre eles, o mais agudo foi o ataque que Nixon

sofreu na Venezuela. Dois anos depois, nem mesmo o austero e simpático Eisenhower

escapou de protestos na Argentina.

O método que intercalava visitas (Boa Vizinhança?), averiguação e reconhecimento

de área parecia estar esgotado naquele contexto. Para além da fronteira estava o wilderness, a

constante necessidade por dominá-lo inquietava os ideólogos do Século Americano. Uma das

cartas que Kennedy ainda tinha na manga era a dos seus “homens de fronteira”, tais homens

tinham, além de outros países, o Brasil como foco:

Um após o outro, o Presidente Kennedy enviou seus Novos Homens da Fronteira

voando para o sul para testar o temperamento da opinião da América Latina,

particularmente no Brasil, onde o novo e enigmático Presidente Jânio Quadros e os

protetores de Castro podiam criar problemas para os EUA.495

Em 5 de junho de 1961, Stevenson partia rumo à América do Sul numa viagem que

494

BARBOSA, op cit, p. 201 495

One after another, President Kennedy has sent his New Frontiersmen winging south to test the temper of

Latin American opinion, particularly in Brazil, where new President Jánio Quadros' enigmatic ways and hands-

off-Castro attitude create problems for the U.S. Time Magazine: The Americas: Hello, But No Help, 23-06-1961.

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tinha duração prevista para 18 dias e tinha no roteiro a seguinte ordem de visita: Brasil,

Venezuela, Uruguai e Argentina.

Havia uma guerra psicológica. Era necessário averiguar comportamentos,

sentimentos, “temperamentos”. Quadros já não era mais um enigma e, no Brasil, os

simpatizantes de Castro incomodavam os EUA, incomodavam TIME!

A vinda de Stevenson pode ser considerada como uma missão exploratória, “sem

qualquer proposta objetiva para apreciação das chancelarias; visto que, na realidade, o seu

escopo era avaliar a extensão do dano político causado pela tentativa de invasão de Cuba e as

possibilidades de recuperação a curto prazo da imagem de Kennedy e do governo norte-

americano.”496

Para TIME, o temperamento do presidente Quadros não parava de chamar a atenção

dos EUA. Quadros sempre alterava sua voz quando o assunto a ser tratado era Cuba. Seu

temperamento foi testado duas vezes no primeiro semestre (com Berle e com Dillon) e foi o

suficiente para provar a sua hostilidade, a sua ‘falta de educação’ e, por fim, a sua arrogância

e ingratidão:

Em março passado, o chefe da força-tarefa para a América Latina, Adolf A. Berle,

se deparou com uma recepção tão gélida que beirava à hostilidade. Há dois meses, o

secretário do Tesouro C. Douglas Dillon, no Brasil, ofereceu a Jânio Quadros uma

ajuda de quase US $ 1 bilhão, tendo como resposta algo pouco maior do que um

simples “olá”, além de ter sido empurrado de dentro para fora do Palácio do Planalto

de Brasília, por meio da garagem subterrânea.497

Se não fosse cômico, seria trágico. Um embaixador mal recebido alude à

possibilidade de uma nota de reparo. Um Secretário do Tesouro sendo desprezado como se a

sua ajuda não fosse necessária e quase sendo “empurrado para fora”, escadarias abaixo,

ofereciam, no mínimo, condições para um impasse diplomático. Todas essas situações, em

tom teatral, fundiam o real e o fictício para o leitor da revista.

O Itamaraty aceitou receber a missão de Stevenson, mas alertou de antemão que

considerava a Operação Pan-americana “um instrumento válido nas relações intra-americanas

e Stevenson deveria ter tal propósito em mente nas entrevistas com os presidentes latino-

americanos.”498

Segundo a TIME, Adlai Stevenson desfrutou de certo prestígio junto aos brasileiros

496

BARBOSA, op cit. Idem 497

Last March, Latin America Task Force Chief Adolf A. Berle met an icy reserve that bordered on hostility.

Two months ago, Treasury Secretary C. Douglas Dillon, in Brazil to present Quadros with aid of nearly $1

billion, got a somewhat bigger hello, but was still hustled in and out of Brasilia's Planalto Palace via the

underground garage. Time Magazine, loc. cit. 498

BARBOSA, op cit, p. 202

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e, ao contrário de outras autoridades americanas, ele foi bem recebido. A revista apresentou os

motivos da sua visita à América Latina:

Na semana passada, o embaixador da ONU, Adlai Stevenson, por quem os latino-

americanos têm um grande respeito, recebeu a mais calorosa recepção no Brasil até

agora. Em uma turnê pelas 10 nações para discutir a Aliança para o Progresso de

Kennedy – e, incidentalmente, para ver se alguém tinha mudado de ideia sobre a

ação conjunta com Castro – ele encontrou expressões de amizade e conversas

entusiasmadas a respeito do desenvolvimento. Mas ainda nenhuma oferta para

Castro.499

Novamente, o Brasil não deu ouvidos às propostas para isolar Castro. Do mesmo

modo, a simples confirmação de amizade entre as nações não oferecia peso algum, sugeria

apenas que a proposta e o conceito de amizade são meros instrumentos. Havia a necessidade

de se ajustar meios e fins. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, Stevenson foi recebido por

Afonso Arinos que durante o almoço enfatizou diplomaticamente “a fidelidade do governo e

da imensa maioria do povo deste país à tradicional e sincera amizade do Brasil para com os

Estados Unidos e à nossa inquebrantável solidariedade para com os ideais que unem a

América.”500

Arinos informou Stevenson de que a política externa brasileira não estava em

contradição com a sua política interna, na verdade, elas eram complementares. O encontro

com Arinos fazia parte de uma estratégia para antecipar os principais pontos que seriam

discutidos na reunião com Quadros. O encontro entre as duas autoridades, Quadros-

-Stevenson, era uma “temida incógnita”501

. Havia uma grande preocupação, de ambas as

partes, para que ‘incidentes’ tais como os que aconteceram com Berle não se repetissem. No

entanto, o contexto parecia favorável às discussões diplomáticas. Segundo Barbosa, Jânio se

mostrou mais tranquilo com os resultados da negociação e dos compromissos financeiros

internacionais.502

Os motivos desse ‘bem-estar’ podiam ser identificados nas “perspectivas

positivas criadas pela Aliança para o Progresso e que colaboravam para um ambiente mais

desnuviado (...)”503

O encontro foi registrado na matéria. Porém, a postura de Quadros

permanecia inalterada:

Quadros se sentiu muito a vontade, muito mais do que com qualquer outro

diplomata dos EUA. Ele conversou com o "seu caro amigo" Stevenson por duas

499

Last week U.N. Ambassador Adlai Stevenson, for whom Latin Americans have a great regard, got the

warmest welcome in Brazil yet. On a ten-nation tour to discuss Kennedy's Alliance for Progress — and

incidentally to see if anyone had changed his mind about joint action on Castro — he found expressions of

friendship and enthusiastic talk about development. But it was still no sale on Castro. Time Magazine, loc. cit. 500

BARBOSA, op cit, p 203 501

Ibid., p 205 502

Ibid., p 205 503

Ibid., ibidem.

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horas, disse à imprensa: "Acredito firmemente que as relações entre esta democracia

e a grande democracia da América do Norte se tornará constantemente mais e mais

estreita" Sobre Castro, a quem Stevenson diplomaticamente se esqueceu de trazer à

tona, Quadros simplesmente reiterou sua posição anterior: o ditador era um

problema para Cuba resolver, e não para os EUA ou para o hemisfério.504

A fala de Jânio denunciava uma contradição histórica e política, que TIME parecia

fazer vistas grossas. Dizer que os assuntos cubanos deviam ser tratados pelos próprios

cubanos serviam para retomar o argumento da autodeterminação dos povos, da América para

os americanos. TIME, a todo o momento, parece se esquecer desse ideário.

Ao final do encontro da missão com as autoridades brasileiras, Stevenson assegurava

que os EUA não alimentavam nenhuma intenção de intervir em Cuba.

Os Estados Unidos aceitariam uma mediação para reintegrar a família continental?

Em resposta a Arinos, Stevenson “respondeu afirmativamente, desde que Havana se afastasse

da União Soviética e da China, condição requerida para que se restabelecesse o diálogo com

Washington.”505

Depois do Brasil, nos demais países da escala, os espectros antiamericanos pareciam

aguardá-lo. A presença do Frontierman foi quase um flashback de Nixon em 1958.

A mensagem – de não intervenção – foi a mesma em todos os lugares que Stevenson

passou. Ele não precisa ir longe para buscar razões. Na Venezuela, na semana

passada, os comunistas e castristas, que ameaçam todos os governos do hemisfério

democrático, queimaram o carro do embaixador dos EUA, Teodoro Moscoso. 506

No

Chile, onde a fome gera as mesmas ligas “vermelhas” camponesas que já

empesteiam o Brasil, manifestantes quebraram janelas em protesto contra a visita de

Stevenson. Na infeliz Bolívia, ele assistiu a uma disputa permanente entre o governo

e os mineiros de estanho, que terminou com cinco mortos. E, no Peru, os estudantes

de esquerda que haviam declarado Stevenson como persona non grata foram

dispersados pela polícia com gás lacrimogêneo.507

Sua presença foi contestada em Lima, La Paz e Montevidéu, segundo Barbosa, houve

“ruidosas manifestações de rua, lembrando as agitações que em 1958 marcaram a passagem

de Nixon pelo continente. Mas essas agitações, na maioria de origem estudantil, refletiam da

504

Brazil's aloof Quadros unbent farther than he has for any other U.S. diplomat. He chatted with "my dear

friend" Stevenson for two hours, told the press: "I firmly believe that relations between this democracy and the

great democracy of North America will become constantly closer and more intimate." On Castro, whom

Stevenson tactfully refrained from bringing up first, Quadros simply reiterated his previous stand: the dictator

was a problem for Cuba, not the U.S. or the hemisphere, to solve. Time Magazine, loc. cit.. 505

Barbosa, loc cit. 506

The message — nonintervention — was the same most everywhere Stevenson went. He did not have far to

look for reasons. In Venezuela last week, the Communists and Castroites, who threaten every hemispheric

democratic government, burned U.S. Ambassador Teodoro Moscoso's car. Time Magazine, loc. cit. 507

In Chile, where famine breeds the same Red-led peasant leagues that already plague Brazil, rioters smashed

windows to protest Stevenson's visit. In hapless Bolivia, he witnessed a continuing feud between the government

and tin miners that ended in five dead. And in Peru, leftist students who had declared Stevenson persona non

grata were dispersed by police with tear gas. Time Magazine, loc. cit.

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mesma forma o clima de insatisfação com a política norte-americana.”508

Em Buenos Aires,

os manifestantes protestaram contra Stevenson, este acabou ouvindo de Frondizi que “os

Estados Unidos estavam sobestimando o poder de influência de Fidel em detrimento de outros

pontos da agenda interamericana de maior relevo para o hemisfério.”509

O perfil contraditório de 1960 deu espaço gradual ao perfil perigoso de 1961.

Enquanto foi candidato, Jânio soube confundir as expectativas da revista em relação a sua

política externa. No entanto, durante o primeiro semestre de 1961 e com o poder em mãos,

Jânio explicitava sua política independente. Os desgastes com a UDN foram marcantes, ao

ponto de promover o distanciamento claro entre o candidato e o partido. Por meio de suas

reportagens sobre Jânio, a revista compreendia que a política externa independente era

análoga a aproximação com o bloco socialista. Tal política não favorecia o dialogo amistoso

com os Estados Unidos. As contradições estavam vencidas e a TIME, finalmente, tinha o

perfil definitivo de Quadros.

Era necessário naquele momento realizar uma biografia não-oficial de Jânio. Foi o

que a revista fez em sua próxima publicação e que analisaremos no capítulo 5.

508

BARBOSA, op cit., p. 209 509

Ibid., ibidem.

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IMAGENS – CAPÍTULO 4

Imagem 22 – President-elect Quadros (06-01-1961)

Over there – somewhere.

Lá - em algum lugar.

Imagem 23 – Quadros debarking in Santos (03-02-1961)

About to pull himself out of a hat?

Praticamente tirando a si mesmo da cartola

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Imagem 24 – Jânio Quadros (Center wearing sash) taking over as President of Brazil? (10-02-1961)

Winning with faults, governing with qualities?

Ganhando com falhas, governando com qualidades?

Imagem 25 – President Quadros (17-02-1961)

Small spread in the palace.

Pequena propaganda no palácio.

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Imagem 26 – Brazil’s Quadros & U.S. Ambassador Cabot (03-03-1961)

What fidelity didn’t get, angling might.

O que a fidelidade não conseguiu, um outro ponto de vista pode.

Imagem 27 – Task Force Chief Berle at Rio Luncheon (10-03-1961)

Respect, affection – and limitations.

Respeito, carinho - e limitações.

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Imagem 28

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Imagem 29

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Imagem 30 – U.S. Spokesman Dillon (10-03-1961)

$500 million, with more to come.

$ 500 milhões, e ainda mais por vir.

Imagem 31 – Niemeyer’s Cathedral in Brasília (06-05-1961)

The frontier days were ending.

Os dias como fronteira estavam terminando.

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Imagem 32 – Belém-Brasília Highway (12-05-1961)

Underneath: “a blanket of rotteness.”

Embaixo: "um manto de podridão."

Imagem 33 – Navy Minister Heck, War Minister Denys, Admiral Penna Botto, Air Minister Moss. (12-05-1961)

Presidential mutes for the sounding brass.

Silêncio presidencial diante do alarme

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Imagem 34 – Quadros & Goulart (02-06-1961)

Quite for the quirk.

Muitas peculiaridades

Imagem 35 – Quadros at Press Conference. (09-06-1961)

Stopped by notorius modesty.

Imóvel diante de uma notória modestia.

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Imagem 36 – Ex-Diplomat Leitão da Cunha (16-06-1961)

Nobody speaks for Jânio.

Ninguém fala por Jânio.

Imagem 37 – Stevenson & Quadros (23-06-1961)

How much were friends willing to do for a friend?

Quanto que os amigos estão dispostos a fazer pelos amigos?

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CAPÍTULO 5

ONE MAN'S CUP OF COFFEE

5.1 – ONE MAN’S CUP OF COFFEE

TIME, em sua edição de 30 de junho de 1961, trouxe Jânio em sua matéria de capa.

O próprio Jânio se recusou meses antes em conceder entrevistas ou posar para a essa revista.

Sua capa foi encomendada a Candido Portinari. Nela encontramos a figura de um homem

magro, sisudo, sério, com topete e olhar fixo. O terno está ‘meio’ surrado, mas pode estar

‘meio’ arrumado. O fundo que lhe aparece às costas na capa estava dotado de pouca luz,

sugeria um anoitecer, nublado ao fundo e com a constelação do Cruzeiro do Sul, lembrando a

condecoração de Che Guevara. O céu negro, no qual adentrava sua cabeça, poderia significar

o obscurantismo de suas ideias, de suas intenções, de suas propostas. O mar é vermelho, da

cor do comunismo com o qual Jânio flertava, ao mesmo tempo em que pode aludir à cor do

sangue. O horizonte mescla o verde e o amarelo com o nascer do sol (ou o pôr do sol!),

esperança?

Neste capítulo analisaremos essa reportagem que congrega o maior esforço em saber

“Quem é Jânio?”, “Onde está Jânio?” ou “Para onde vai Jânio?”. Seja quem fosse, onde

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estivesse e para onde se dirigisse, os interesses americanos estariam à sua espreita. Jânio era

um espectro antiamericano, Antisséculo Americano. A maioria dos elementos que iremos

encontrar nessa reportagem foram debatidos nos capítulos anteriores. Não iremos realizar um

debate bibliográfico com os trechos, pois a maioria dos argumentos já foi tratada. No intuito

de contribuir com pesquisas futuras, realizaremos uma tradução comentada dessa reportagem.

O subtítulos que aparecem neste capítulo correspondem aos mesmos que foram utilizados no

corpo da própria reportagem e resumem o assunto.

5.1.1 – O LEAD INTRODUTÓRIO

O lead desta reportagem expõe de forma clara a preocupação da revista em torno dos

efeitos pós-Baía dos Porcos. Os líderes latino-americanos estavam em choque com a “vitória”

de Castro. Algo parecia ter mudado no hemisfério. Cuba parecia ter aumentado de tamanho.

As ligações entre Cuba e a URSS eram a grande preocupação da TIME.

No início da semana, passada após uma turnê por dez nações da América Latina, o

enviado presidencial, Adlai Stevenson, foi o portador de notícias preocupantes. Os

líderes de governos democráticos da América Latina ainda estavam em um estado de

"choque mental" sobre o desastre de Cuba; o prestígio dos EUA estava em declínio

acentuado. 510

Embora todos reconhecessem o perigo do comunista Fidel Castro, em

Cuba, o barbudo ditador agigantou-se por todo o Caribe e agora ninguém está

disposto a juntar-se numa forte ação contra ele. A única esperança imediata,

informou Stevenson, que estava num aeroplano rumo à Colombia, seria fazer Castro

renunciar à sua ligação com a Rússia. Se ele se recusar, a Organização dos Estados

Americanos poderá riscá-lo da família de nações do hemisfério.511

Quais seriam os aliados dos Estados Unidos? Quais seriam seus adversários numa

eventual polarização? Quadros apareceu, finalmente, como a grande interrogação.

A Venezuela provavelmente se juntaria a um movimento Anticastro. Na América

Central, Guatemala, Nicarágua e Honduras também não teriam problemas.

Argentina e Peru provavelmente também poderiam somar. 512

Mas a enorme nação,

o cada vez mais poderoso Brasil – o Brasil de Jânio Quadros – era, mais do que

nunca, um grande ponto de interrogação. Para o presidente Quadros, de 44 anos de

510

Home last week after a ten-nation tour of Latin America, Presidential Envoy Adlai Stevenson was the bearer

of uneasy tidings. The leaders of Latin America's democratic governments were still in a state of "mental shock"

over the Cuban disaster; U.S. prestige was in sharp decline. Time Magazine, loc cit. 511

Though everyone recognized the danger of Castro's Communist Cuba, the bearded dictator loomed so large

across the Caribbean that no one was willing to join in strong, concerted action against him. The one immediate

hope, reported Stevenson, was a mild plan, advanced by Colombia, for a call to Castro to renounce his ties to

Soviet Russia. If he refuses, the Organization of American States might then read him out of the hemisphere's

family of nations. Time Magazine, loc cit. 512

Venezuela would probably join an anti-Castro move. In Central America, Guatemala, Nicaragua and

Honduras would prove no problem. Argentina and Peru most likely could be counted on. Time Magazine, loc cit.

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idade, e depois do agitado período de cinco meses no cargo, ele provou que não é

amigo de ninguém, exceto, talvez, do Brasil.513

5.1.2 - Rebelião invencível

Independência externa agressiva

Ao mencionar que Jânio havia “surgido do nada”, podemos retomar a ideia de

Skidmore, ou seja, que Jânio era um corpo estranho que despertara para a política brasileira e

para o mundo em um curto período. Para a revista, Jânio operava por meio de gestos e outras

atitudes temperamentais. A revista, ao longo de todas as reportagens, nunca deixou de

apresentar um novo traço à personalidade de Jânio. Para TIME, esse brasileiro queria

desenvolver seu país superando o complexo de inferioridade que ele mesmo acreditava existir

em nós:

Surgido do nada e tomando o poder por meio da maior votação popular da história,

Jânio Quadros estourou no mundo como o próprio Brasil – temperamental, eriçado

de independência, explodindo de ambição, assombrado pela pobreza, lutando para

aprender e ávido de grandeza. 514

Quadros, aos gritos, diz que o Brasil é uma grande

potência, se não for hoje, então será amanhã. Ele diz em voz alta que está liderando

uma revolução, uma revolta contra a ineficiência governamental, contra o atraso

econômico e social, contra o incômodo sentimento de inferioridade dos latino-

americanos perante ao mundo. 515

"Essa rebelião é invencível", diz Quadros. "É um

estado de espírito, um espírito coletivo, um fato da vida que já encheu a consciência

da nação e que ninguém irá comprometer ou paralisar – Eu não vou ser interrompido

a não ser por assassinato.”516

Perfil analisado

Novos traços da personalidade de Jânio apareceram nesta matéria, do mesmo modo,

características também lhe foram atribuídas pelos seus críticos, dentre eles, Lacerda.

Ouvindo o homem e assistindo às suas travessuras, alguns ao redor do mundo

deram-lhe uma espalhafatosa framboesa. O Paris' tart-tongued France-Soir compara-

513

But the huge, increasingly powerful nation of Brazil — the Brazil of Janio Quadros — was a bigger question

mark than ever. For 44-year-old President Quadros, after a whirlwind five months in office, has proved that he is

nobody's cup of coffee except, possibly, Brazil's. Time Magazine, loc cit. 514

Rebellion Invincible. Rising from nowhere to take command by the greatest popular vote in history, Jânio

Quadros has burst on the world like Brazil itself — temperamental, bristling with independence, bursting with

ambition, haunted by poverty, fighting to learn, greedy for greatness. Time Magazine, loc cit. 515

Quadros cries that Brazil is a great power, if not today, then tomorrow. He shouts that he is leading a

revolution, a revolt against graft and governmental inefficiency, against social and economic backwardness,

against nagging Latin American feelings of inferiority before the world. Time Magazine, loc cit. 516

"This rebellion is invincible," says Quadros. "It is a state of mind, a collective spirit, a fact of life that has

already filled the nation's conscience and that no one will compromise or paralyze — I will not be stopped unless

by assassination." Time Magazine, loc cit.

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o a "Marx -. não Karl, mas Harpo." Porém, o homem simples do Brasil o chama de

"messias", "o salvador", "o curador de todos os nossos males." 517

Embora Quadros

castigue (flog) sua nação ao longo do caminho que escolheu, outras vozes podem ser

ouvidas chamando-o de "paranoico", "autocrata", "ditador". O governador do Rio de

Janeiro, Carlos Lacerda, um ex-defensor de Quadros, agora é um crítico amargo,

chamado-o recentemente de "o mais mutável, o mais mercurial, o mais pérfido de

todos os homens que já surgiram nos assuntos públicos do Brasil".518

Uma avaliação

mais sólida é a do independente jornal carioca O Globo, que escreveu no dia da

posse de Jânio Quadros: "Ele não será facilmente controlado por qualquer um. Ele

poderia ser um grande presidente. Ele certamente não será uma pessoa fácil."519

5.1.3 - Independência e ajuda

Uma parceria ameaçada

A revista expõe sua opinião acerca de uma velha parceria que estava sendo posta em

risco. Com Quadros à frente do país, a impressão que a TIME passou foi a de que estava

perdendo um aliado de guerra. Jânio, segundo TIME, é objetivo em relação às condições e à

liberdade de o Brasil decidir sozinho sobre as decisões relativas ao hemisfério.

A maneira como Quadros afeta os EUA é lutando para salvar o hemisfério do

comunismo, neste caso, há o choque de um velho aliado confiável que de repente

quer ir sozinho. Sob líderes do passado – Getúlio Vargas, Café Filho, Juscelino

Kubitschek –, o Brasil poderia ser aguardado para se alinhar firmemente com os

EUA sobre qualquer problema do hemisfério.520

As tropas expedicionárias

brasileiras lutaram na Segunda Guerra Mundial, foram os únicos latino-americanos

que dispararam uma arma. Mas uma fiel aliança não está sendo assegurada de forma

alguma por Quadros.521

Disse ele: "eu anuncio uma política de independência no

exercício pleno da soberania nacional. Nenhum acordo assinado – nenhum, seja qual

for – permanecerá válido ou será mantido, tão logo prove estar contrário aos

interesses brasileiros.522

517

Listening to the man and watching his antics, some in the world gave him a loud raspberry. Paris' tart-tongued

France-Soir compares him to "Marx — not Karl, but Harpo. " Yet Brazil's common man calls him "messiah,"

"the savior," "the healer of our ills." Time Magazine, loc cit. 518

As Quadros flogs his nation along his chosen path, other voices can be heard calling him "paranoiac,"

"autocrat," "dictator." Rio's Governor Carlos Lacerda, formerly a Quadros supporter, now a bitter critic, once

termed him "the most changeable, the most mercurial, the most perfidious of all men ever to emerge in Brazil's

public affairs." Time Magazine, loc cit. 519

A sounder assessment is that of Rio's independent O Globo, which wrote on Quadros' inauguration: "He will

not be easily managed by anyone. He could be a great President. He certainly will not be an easy one." Idem 520

Independence & Aid. As Quadros affects the U.S., struggling to save the hemisphere from Communism, there

is the shock of an old and trusted ally suddenly going it alone. Under past leaders — Getúlio Vargas, Café Filho,

Juscelino Kubitschek — Brazil could be expected to line up firmly with the U.S. on any hemisphere problem.

Time Magazine, loc cit. 521

Brazilian expeditionary troops fought in World War II, the only Latin Americans to fire a gun. But such

faithful alliance is by no means assured under Quadros. Time Magazine, loc cit. 522

Said he: "I announce a policy of independence in full exercise of national sovereignty. No signed agreement

— none whatever — will remain valid or be maintained as soon as it should prove contrary to Brazilian interests

and convenience." Time Magazine, loc cit.

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Berle

A visita de Berle foi relembrada, assim como o gesto insolente de Jânio, o qual

procurava evitar aproximações calorosas com os representantes americanos:

O presidente Jânio Quadros declarou essa "independência" logo depois que ele

assumiu o cargo. Demarcando sua própria Nova Fronteira, ele cumprimentou Adolf

A. Berle, chefe da força tarefa Latino-Americana do Presidente Kennedy, com

reserva e frieza. 523

Berle tinha voado para Brasília buscando a cooperação de Jânio

Quadros, ou pelo menos a tolerância, nas tentativas dos EUA para depor Castro. "O

Brasil", exclamou Quadros, "repugna intervenções em qualquer país e de qualquer

forma: seja a intervenção política, a intervenção econômica ou a intervenção

militar."524

Ajuda a Quadros, tentativa de aproximação amistosa

TIME voltou a informar a qualidade de recursos destinados ao Brasil e os valores que

em breve seriam remetidos. Ficou clara a articulação entre ajuda financeira e compra de

amizade:

Os EUA procuraram superar toda a frieza. Bem consciente de que o Brasil estava

com US $ 176 milhões atrasados em seus pagamentos da dívida externa (uma dívida

herdada da irresponsável construção inflacionária do predecessor Kubitschek), os

EUA ofereceram de imediato um empréstimo de 100 milhões dólares para ajudar

Quadros pelos seus primeiros 90 dias. 525

Ele recusou e enviou delegações para atrás

da Cortina de Ferro em busca de comércio. Ele estabeleceu relações diplomáticas

com as ‘vermelhas’ Romênia, Bulgária, Albânia e Hungria, falou sobre o fim da

proibição por 14 anos das relações com a Rússia.526

Ele nomeou uma comissão para

considerar o fechamento da embaixada da China Nacionalista ("a ilha") em favor da

China ("Como pode a realidade de 600 milhões de chineses ser ignorada?"), E

anunciou que o Brasil vai votar na discussão sobre a admissão da China Vermelha

para a ONU em setembro. 527

No final, os EUA conseguiram o apoio de Quadros

com a maior efusão de ajuda já derramada sobre uma nação latino-americana.

Engolindo a ruidosa explosão de “independência, os EUA enviaram o secretário do

Tesouro C. Douglas Dillon que voou para o sul de Brasília para apresentar a

Quadros a solícita ajuda dos EUA de 943 milhões dólares de um pacote de ajuda de

1,3 bilhões dólares para o mundo livre. Empréstimos antigos foram prorrogados,

523

President Quadros asserted this "independence" soon after he took office. Staking out his own New Frontier,

he greeted Adolf A. Berle, chief of President Kennedy's Latin American task force, with icy reserve. Time

Magazine, loc cit. 524

Berle had flown to Brasilia seeking Quadros' cooperation, or at least forbearance, in U.S. attempts to depose

Castro. "Brazil," snapped Quadros, "repugns intervention in any nation and in any form: political intervention,

economic intervention, military intervention." Time Magazine, loc cit. 525

The U.S. sought to thaw some of the ice. Well aware that Brazil was $176 million in arrears on its foreign-

debt payments (a debt inherited from the inflationary building spree of Predecessor Kubitschek), the U.S. offered

an immediate $100 million loan to help Quadros through his first 90 days. Time Magazine, loc cit. 526

He turned it down and sent delegations behind the Iron Curtain in search of trade. He established diplomatic

relations with Red Rumania, Bulgaria, Albania and Hungary, talked of ending the 14-year ban on relations with

Russia. Time Magazine, loc cit. 527

He named a commission to consider closing the embassy of Nationalist China ("that island") in favor of one

from Red China ("How can the reality of 600 million Chinese be ignored?"), and announced that Brazil will vote

for debate on admission of Red China to the U.N. this September. Time Magazine, loc cit.

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novos empréstimos foram concedidos. “Isto não passa”, diz um funcionário do

Departamento de Estado, “de uma aposta maldita."528

5.1.4 - Instinct & Record

O outro lado do poder

Nem todas as críticas eram destrutivas, mas também não eram muitos os elogios.

Neste trecho, alguns dados que agradavam TIME foram publicados. Na verdade, a revista

ressaltou alguns elementos da qualidade de Jânio como gestor:

Para assegurar o seu dinheiro, os Estados Unidos estão atentos às afirmações do

presidente Quadros, ou seja, de que “nós no Ocidente estamos comprometidos com a

formação do nosso instinto cristão e democrático”. 529

Em seu brilhante currículo,

ele também é tido como o campeão da liberdade individual e da livre iniciativa,

primeiro como o homem que ajudou a tornar a cidade de São Paulo um dos grandes

complexos industriais do mundo, mais tarde, como governador que colocou todo o

estado de São Paulo em franca expansão.530

A força do Brasil e o interesse americano

O reconhecimento da importância estratégica econômica e política do Brasil diante

do continente e, principalmente, dos EUA foi lembrado. O interesse norte-americano pelo

Brasil era claro.

Em qualquer situação, não há muita escolha. Com o objetivo de reconstruir o

prestígio e a influência dos EUA depois de caso de Cuba, um lugar óbvio para

começar é o Brasil, que a maioria dos especialistas consideram como a nação-chave

na América Latina. 531

Um forte e saudável Brasil não garante a democracia na

América Latina, mas é certo que se o Brasil não fizer isso, poucas nações o farão.

Diz Hernane Tavares de Sá532

, ex-editor de uma das mais importantes revistas do

Brasil, que agora serve como chefe de Informação das Nações Unidas. "Se os EUA

perderem a Guatemala, a Costa Rica e a ilha de Cuba, nada de tão importante

acontecerá, mas se vocês perderem o Brasil, vocês perdem o equilíbrio do poder na

528

In the end, the U.S. found itself supporting Quadros with the greatest outpouring of aid ever lavished on a

Latin American nation. Swallowing the noisily "independent" outbursts, the U.S. sent Treasury Secretary C.

Douglas Dillon winging south to Brasilia to present a willing Quadros with the U.S. Government's $943 million

share of a $1.3 billion free-world aid package. Old loans were stretched out, new loans were granted. It is, says

one top State Department official, "a damned good bet." Time Magazine, loc cit. 529

Instinct & Record. To back its money, the U.S. has Quadros' oft-repeated statement that basically "we are

bound to the West by Christian formation and democratic instinct." Time Magazine, loc cit. 530

It also has his bright record as a champion of individual liberty and free enterprise, first as the man who

helped build the city of São Paulo into one of the world's great industrial complexes, later as governor of the

entire booming São Paulo state. Time Magazine, loc cit. 531

In any event, there is little choice. In the drive to rebuild U.S. prestige and influence after Cuba, an obvious

place to start is Brazil, which most experts regard as the key nation in Latin America. Time Magazine, loc cit. 532

Ex-Diretor da Revista Visão

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América Latina.''533

O problema do campo:as Ligas Camponesas

No próximo trecho, a TIME fez referência às Ligas Camponesas. As manifestações

no campo chamavam muito a atenção da revista, pois para ela tratava-se de reflexos do

comunismo, algo que fugia ao controle dos líderes nacionais. O exemplo cubano era a

referência.

Jânio Quadros compreende isso muito bem. "Senão fizermos reformas

revolucionárias'', alertou seus ministros, “algum dia – em alguma serra desconhecida

– alguns desconhecidos, tais como Fidel Castro, alcançarão o Brasil." O fogo já está

ardendo na maldita região seca do nordeste onde as Ligas Camponesas de Fidel

Castro e seu discípulo, Francisco Julião, atacam fazendas e causam motins pelas

cidades onde passam. 534

O elemento central para que as Ligas se multipliquem ou

desapareçam depende se Jânio saberá fazer uso dos fantásticos recursos naturais do

Brasil para acabar com a miséria que aflige sua explosiva população. Metade dos 67

milhões de brasileiros (que serão 200 milhões até o ano 2000) ainda sofre de

desnutrição crônica, metade está descalça e mais da metade é formada por

analfabetos. 535

Diagnóstico

TIME traçou um breve diagnóstico do Brasil daquele contexto e ficou clara a ideia de

que o desenvolvimento social andava paralelo às manifestações comunistas:

Apenas uma em cada três crianças vai à escola, uma em cada seis chega ao

colégio536

. A falta de iodo na dieta provoca bócio537

, em um a cada seis brasileiros;

um em cada três hospedam ancilostomídeos intestinais. Em algumas áreas do sertão,

533

A strong, healthy Brazil does not guarantee democracy in Latin America, but it is certain that if Brazil does

not make it, few other nations will. Says Hernane Tavares de Sá, ex-editor of Brazil's leading news magazine,

who now serves as U.N. Public Information chief: "If the U.S. loses Guatemala, Costa Rica and the island of

Cuba, nothing very much happens. But if you lose Brazil, you lose the balance of power in Latin America.'' Time

Magazine, loc cit. 534

Jânio Quadros understands this well. "Unless we make revolutionary reforms,'' he warned his Cabinet

ministers, ''some day — in some unknown serra — some unknown Fidel Castro will rise up in Brazil." The fires

already burn in the drought-blasted northeastern states where the Peasant Leagues of Castro Disciple Francisco

Julião attack plantations and riot in the cities. Time Magazine, loc cit. 535

Whether the leagues spread or die out depends on whether Quadros can use Brazil's fantastic natural

resources (see box) to end the misery that afflicts its exploding population. Half of Brazil's 67 million people (to

be 200 million by the year 2000) still suffer from chronic malnutrition; half are barefoot; more than half are

illiterate. Time Magazine, loc cit. 536

Hoje Ensino Médio 537

Bócio é o termo que caracteriza o aumento de volume da glândula tireoidea. Por tal motivo, verifica-se um

inchamento característico ou a formação de nódulos na região do pescoço de seus portadores. Tal fato faz com

que o indivíduo tenha dificuldades para respirar e deglutir, além de tossir mais frequentemente (...) O bócio

decorrente da falta de iodo é registrado desde os tempos mais antigos, antes de Cristo, principalmente em regiões

montanhosas e mais afastadas do mar. Atualmente, ocorre com menor frequência em razão da obrigatoriedade da

adição de iodo no sal de cozinha. (conforme site: http://www.brasilescola.com/doencas/bocio.htm acessado em

03/02/2013)

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muitos bebês morrem antes de completar um ano de idade. A média de vida no

Brasil é de 46 anos, contra 69,4 nos EUA.538

A esperança de uma vida melhor está

nos passos bem-sucedidos que o Brasil já fez em direção ao desenvolvimento. Na

última década, o crescimento industrial do Brasil tem sido impressionante. 539

Cinco

anos atrás, o Brasil não tinha indústria automobilística, agora produz 180 mil

veículos por ano – além de 110 mil máquinas de lavar, 150.000 aparelhos de

televisão, 500.000 rádios, 350.000 máquinas de costura, 300.000 geladeiras, 120.000

condicionadores de ar.540

Parte dessas conquistas pertence ao ex-presidente

Kubitschek, que à custa de uma furiosa inflação voltou seus olhos para o interior do

Brasil e construiu uma nova capital a 600 milhas da costa. Mas o coração do Brasil

bate mais rápido em São Paulo, onde os EUA investiram sozinhos $ 1 bilhão.541

5.1.5 - UM JOVEM JÁ VELHO

Com esse subtítulo no corpo da reportagem, TIME realizou uma biografia não

autorizada de Jânio Quadros. Abaixo apresentamos na íntegra sua tradução:

Infância. Quando Quadros diz: "Eu não sou plutocrata", ele está certo de seu

significado. Ele nasceu e foi criado dentro dos costumes católicos na pequena cidade

de Campo Grande, no Mato Grosso, que era então a fronteira selvagem do oeste

brasileiro. 542

Sua casa era um quarto alugado em uma barbearia, onde sua mãe,

Leonor da Silva Quadros, filha de um pequeno pecuarista imigrante argentino,

tentou sustentar a casa, e onde seu pai, um farmacêutico chamado Gabriel, deu uma

vida miserável para os dois. 543

Gabriel, diz um dos amigos próximos de Jânio

Quadros, era anormal – um verdadeiro vilão com uma mania por mulheres,

mostrando uma agressividade constante contra o seu filho e sua esposa. Perseguida

por cobradores, a família passou rapidamente de cidade em cidade, até que aos 16

anos Jânio foi finalmente autorizado a se estabelecer em São Paulo. 544

Juventude estudantil. Ele fez o curso de um ano em educação, dava aulas na outra

parte do tempo (ganhava 12 centavos de dólar por hora), e estava matriculado em

538

Only one out of three children goes to school at all; one out of six gets to high school. Lack of iodine in diet

causes goiter in every sixth Brazilian; one out of three hosts intestinal hookworms. In some backland areas,

every other baby dies before it is one year old. Brazil's average life span: 46, v. 69.4 in the U.S. Time Magazine,

loc cit. 539

The hope for a better life lies in the successful strides that Brazil has already made toward development. In the

past decade, Brazil's industrial growth has been staggering. Time Magazine, loc cit. 540

Five years ago, Brazil had no auto industry; now it produces 180,000 vehicles a year — plus 110,000 washing

machines, 150,000 television sets, 500,000 radios, 350,000 sewing machines, 300,000 refrigerators, 120,000 air

conditioners. Time Magazine, loc cit. 541

Much credit belongs to ex-President Kubitschek, who at the cost of raging inflation turned Brazilian eyes

inland by building the new capital 600 miles from the coast. But the heart of Brazil beats fastest in São Paulo,

where U.S. investment alone tops $1 billion. Time Magazine, loc cit. 542

"A Youth Already Old." When Quadros says, "I am no plutocrat," he means it. He was born and raised a

Roman Catholic in the tiny Mato Grosso town of Campo Grande on what was then the woolly fringe of Brazil's

wild western frontier. Time Magazine, loc cit. 543

His home was a rented room over a barbershop, where his mother, Leonor da Silva Quadros, the daughter of a

small-time immigrant Argentine cattleman, tried to keep house, and where his pharmacist father, Gabriel, made

life miserable for them both. Time Magazine, loc cit. 544

Gabriel, says one of Quadros' close friends, "was abnormal — a real villain with a mania for women,

displaying constant aggressiveness toward his son and wife." Pursued by bill collectors, the family flitted from

town to town, until at 16 Jânio was finally allowed to settle in São Paulo. Idem

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Direito na altamente respeitada USP.545

Os anos na faculdade Direito não foram

marcados por nenhuma grande distinção, muito menos uma grande popularidade,

mas por um acidente. Enquanto brincava no pré-desfile de carnaval, Quadros ficou

quase cego por um frasco colorido de éter que explodiu e que os felizes brasileiros

lançavam a sua volta como parte da diversão. 546

Quando o curativo saiu, seu olho

esquerdo estava enviesado em cerca de 20°. Ele meditou por meses, escrevendo uma

amarga e apaixonada poesia sobre o destino do Brasil, segundo ele mesmo:547

Não me falam de sofrimento!

Eu sinto isso no meu peito.

Quando o sol se põe longe

Murmuro em silêncio o coração partido.

Eu sou um jovem já velho.548

Carreira de Advogado. Quadros se formou em total obscuridade. Ele alugou metade

de um escritório de 3m x 4m no centro, e iniciou sua carreira inspirado na vida de

Abraham Lincoln, atendendo lojistas ocasionais e vigaristas mesquinhos que

procuravam seus serviços. 549

Casamento. Ele começou a compartilhar seus sonhos de um dia tornar-se alguém

com a linda Eloá do Valle, filha de um dos amigos de seu pai farmacêutico, casou-se

com ela em 1941, após dois anos de namoro. "Ele era", relata ela, "o homem mais

feio que eu já conheci."550

Início da carreira política. O tribunal não deu muito crédito para um sujeito magro,

com um olhar engraçado. Em 1945, quando o ditador Getúlio Vargas caiu, outro

caminho lhe foi apresentado: a política, onde a aparência excêntrica, por vezes, pode

ser uma vantagem. 551

"Quando ele teve a ideia, eu fiquei muito hesitante", diz Eloá.

Em sua primeira eleição, em 1947, ele foi o 47º na lista de candidatos para os 45

assentos da assembleia da cidade de São Paulo. Só quando o Partido Comunista foi

declarado ilegal e 14 dos vencedores foram eliminados, Quadros tinha conseguido

um lugar.552

Comícios."Deixe-os assistir." De repente suas raivas e frustrações reprimidas

pareciam explodir. Como um galo de briga, Quadros voou sobre a máquina do

545

He took a year's course in education, started teaching part time (for 12¢ per hour), and enrolled in São Paulo's

highly respected School of Law. 546

The law-school years were marked by neither great distinction nor great popularity, but by an accident. While

whooping it up at a pre-Lenten carnival parade, Quadros was nearly blinded by an exploding bottle of colored

ether that Brazilians happily spray around as part of the fun. Idem 547

When the bandage came off, his left eye was canted out about 20°. He brooded for months, turning out

tortured poetry about love, Brazil's destiny, himself: idem 548

Don't speak to me of suffering!

I feel it in my breast.

When the sun sinks away

I murmur in brokenhearted silence.

I am a youth already old. 549

Quadros graduated into total obscurity. He took half of a 12-ft. by 15-ft. downtown office, read his way

through the life of Abraham Lincoln between the occasional shopkeepers and petty crooks who sought his

services. Idem 550

He began sharing his dreams of someday becoming somebody with pretty Eloá do Valle, the daughter of one

of his father's druggist friends, married her in 1941 after two years of courtship. "He was," she reports, "the

ugliest man I ever met." Idem 551

The courtroom did not hold much future for a scrawny fellow with a funny eye. In 1945, when Dictator

Getúlio Vargas fell, another way presented itself: politics, where offbeat appearance can sometimes be an

advantage. Idem 552

"When he first got the idea, I was very dubious," Eloá says. In his first race, in 1947, he fetched up 47th on

the list of candidates for 45 São Paulo city council seats. Only when the Communist Party was outlawed and 14

of the winners were eliminated did Quadros get a seat. Idem

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governador de São Paulo. Quadros correu ao redor da cidade para ouvir os protestos

dos cidadãos em comícios, um amarrotado reformador com a barba por fazer, que

chupava laranjas nos palanques e prometendo prender os ratos.553

Num primeiro

momento, o povo saudou-o como "o Lincoln louco do Mato Grosso." Neste meio

tempo, um louco partiu em sua direção e deu-lhe um soco na boca, no exato

momento em que Jânio estava falando contra um projeto de lei. 554

Em meio ao

tumulto, o orador ordenou que a tribuna fosse examinada. "Não, não!", gritou

Quadros, com o sangue escorrendo de seus lábios. "Deixem o povo ficar! Deixe-os

ver!". Em 1950, Quadros ganhou a maioria dos votos de todos os 900 candidatos

para a assembleia estadual. 555

Relações com os comunistas. Em sua corrida desenfreada, Quadros não aceitou

ajuda de ninguém, principalmente dos comunistas, que o consideravam um

"inocente útil". Mas Quadros se vangloria, "Eles não estão me usando – Sou eu

quem está usando-os". A aliança acabou em 1952, quando os Vermelhos exigiram o

controle de departamentos-chave como o seu preço para o apoio na eleição para

prefeito de São Paulo. 556

Quadros recusou. Em sua ira, os comunistas tentaram fixar

epítetos capitalistas em Quadros, tais como "Wall Street fantoche" e "o candidato

Esso", fizeram o que puderam – como eles sempre fazem em todas as eleições,

desde então – para derrotá-lo. 557

Trajes e trejeitos. Quadros tomou as ruas, ostentando o que possuía, apenas um par

de sapatos ("Por que alguém com apenas um par de pés precisa mais do que um par

de sapatos?"). Defendeu uma plataforma de honestidade e diligência, venceu com a

mais expressiva maioria na história de São Paulo.558

Perfil do gestor público. Como prefeito, Jânio Quadros herdou uma cidade com

exatamente 2.212 dólares no banco, $ 12,5 milhões em contas não pagas, e um

déficit orçamentário de $ 6.000.000 para 1952. Ele demitiu 10% de todos os

funcionários, cortou gastos desnecessários, concluiu processos políticos, iniciou 200

investigações de corrupção.559

Do lado de fora de seu escritório, ele pendurou uma

placa: "Sr. Jânio Quadros não oferece empregos na cidade. Por favor, não perca seu

tempo e não insista." Ele vendeu a frota da cidade composta de 40 limusines (que

foram adquiridas por agentes funerários de São Paulo), pausas para o café foram

553

"Let Them Watch." All at once his pent-up rages and frustrations seemed to burst out. Like a banty rooster,

Quadros flew at the graft-feathered machine of São Paulo's Governor. Quadros raced around the city listening to

citizens' protests and holding rallies, a rumpled, stubble-chinned reformer who sucked oranges on the platform

and waved a caged rat. Idem 554

At first, the machine kissed him off as "the mad Lincoln from Mato Grosso." But soon he had everybody so

mad that one politico rushed up and punched him in the mouth while he was speaking against a giveaway bill.

Idem 555

Amid the uproar, the speaker ordered the galleries cleared. "No! No!" shouted Quadros, blood streaming from

his lips. "Let the people stay! Let them watch!" By 1950, Quadros won the most votes of all 900 candidates for

the state assembly. Idem 556

In his headlong rush, Quadros accepted help from anyone, including the Communists, who considered him a

"useful innocent." But Quadros bragged, "They're not using me — I'm using them." The alliance ended in 1952

when the Reds demanded control of key departments as their price for support in São Paulo's mayoralty election.

Idem 557

Quadros turned them down. In their wrath, the Communists tried to tie a capitalist can to Quadros with such

epithets as "Wall Street stooge" and "the Esso candidate," did their best — as they have in every election since

— to defeat him. Idem 558

Quadros took to the streets, boasting that he owned only one pair of shoes ("Why should any man with only

one pair of feet need more than one pair of shoes?"), ran on a platform of honesty and industry, won by the

greatest majority in the history of São Paulo. Idem 559

As mayor, Quadros inherited a city with exactly $2,212 in the bank, $12.5 million in unpaid bills, and a

budget deficit of $6,000,000 for 1952. He fired 10% of all functionaries, cut nonessential spending, ended

political payoffs, started 200 corruption investigations. Time Magazine, loc.cit.

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proibidas – na capital mundial do café. 560

"Se eu der um dedo", disse ele, "eu perco

um braço." Dentro de um ano ele havia equilibrado o orçamento de US$ 55 milhões

e iniciou uma série de obras públicas – estradas, adutoras, linhas elétricas, clínicas.

Conforme a indústria fluía, Jânio marchou para o Palácio do governador 21 meses

mais tarde.561

Lincoln & os americanos. Antes de assumir o cargo de governador, em 1955,

Quadros fez sua primeira viagem para fora da América Latina, um passeio de férias

para a Europa e para os EUA, com Eloá e sua filha Tutu. 562

Na Europa, ele se

apaixonou por Londres ("cidade do homem"). Os EUA não foram tão cativantes. No

Aeroporto Idlewild de Nova York teve uma discussão de duas horas sobre um

certificado de vacinação perdido; detestou o amargo frio de Manhattan, em janeiro,

apesar de todos os amigos americanos, dentre eles Nelson Rockefeller, fizeram o

possível para descongelá-lo.563

Ele foi a Washington para prestar homenagens ao

Memorial de Lincoln, foi ignorado pela burocracia norte-americana. "Lincoln", disse

Quadros mais tarde, "foi um dos maiores homens da história, mas os americanos não

são como ele. Ele era uma exceção solitária."564

O governo do Estado de São Paulo. De volta para casa, Quadros aplicou sua

incendiária fórmula de cortes com tal vigor que, em 1958, São Paulo estava limpo,

ou quase isso. "Alguns ratos ainda podem mordiscar em volta, mas eu já preparei

armadilhas para eles", disse ele.565

Em seguida, começou o programa de

desenvolvimento mais sólido da história do Brasil. Quadros praticamente triplicou

as rodovias pavimentadas de São Paulo. Ele instalou 1.710 milhas de linhas de

transmissão de alta tensão, lançou um programa de alimentação de energia que

incluiu um projeto de hidrelétrica maior do que Dam Egito Aswan – 4.900.000 KW.

Inicialmente, igual à capacidade total do Brasil no ano passado. 566

O crescimento –

a maior propaganda pessoal de Jânio Quadros – se provou tão atraente para o capital

estrangeiro que o Estado atraiu 75% de todos os novos investimentos destinados ao

Brasil. Pouco antes de seu mandato terminar, em 1959, ele quase de improviso

ganhou um assento de deputado federal e ficou pronto para disputar a presidência.567

560

In his outer office he hung a sign: "Sr. Jânio Quadros does not provide city jobs. Please don't waste your time

and his insisting." He sold off the city fleet of 40 limousines (São Paulo's morticians snapped them up), even

banned coffee breaks — in the coffee capital of the world. Time Magazine, loc.cit. 561

"If I give a finger," he said, "I lose an arm." Within a year he had balanced the $55 million budget and started

building — highways, water mains, electric lines, clinics. As industry flowed in, Jânio stepped up to the

governor's mansion 21 months later. Time Magazine, loc.cit. 562

Lincoln & the Americans. Before taking over the governorship in 1955, Quadros made his first trip outside

Latin America, a holiday jaunt to Europe and the U.S. with Eloá and his daughter Tutu. Time Magazine, loc.cit. 563

In Europe, he fell in love with London ("a man's town"). The U.S. was not so endearing. At New York's

Idlewild Airport he had a raging two-hour argument over a lost vaccination certificate; he detested Manhattan's

bitter January cold, despite all that U.S. friends such as Nelson Rockefeller could do to thaw him out. Time

Magazine, loc.cit. 564

He went to Washington to pay homage at the Lincoln Memorial, was ignored by U.S. officialdom. "Lincoln,"

said Quadros later, "was one of history's greatest men, but Americans are not like him. He was a lonely

exception." Time Magazine, loc.cit. 565

Back home, Quadros applied his fire-and-cut formula for reform with such vigor that by 1958, São Paulo state

was clean, or nearly so. "Some rats might still be nibbling around, but I've set out traps for them," he said. Time

Magazine, loc.cit. 566

Then began the soundest development program in Brazil's history. Quadros nearly tripled São Paulo's paved

highway network. He put up 1,710 miles of high-tension transmission lines, launched a power program that

includes a hydroelectric project bigger than Egypt's Aswan Dam — 4,900,000 kw. initially, equal to Brazil's

entire capacity last year. Time Magazine, loc.cit. 567

The growth — plus Quadros' personal salesmanship — proved so attractive to foreign capital that the state

drew 75% of all the new investment coming into Brazil. Just before his term ended in 1959, he almost

offhandedly won a federal Deputy's seat and got ready to run for the presidency. Time Magazine, loc. cit.

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5.1.6 - Slow Boat to Brasília

Kubitschek

Apesar do curto tempo no governo, as críticas ao antecessor reapareciam de forma

periódica nas reportagens. Não foi diferente nesta edição. Um dos elementos que mais teve

destaque no embate Quadros-Kubitschek se refere ao fato de Jânio combater a tentativa de

reeleição de Juscelino:

A campanha de Jânio Quadros foi uma obra-prima da política não ortodoxa.

Viajando para o Rio, ele primeiro transmitiu a Kubitschek um aviso cara a cara para

não tentar os truques para se perpetuar no poder.568

"Não mude as regras do jogo",

disse Quadros. "Ouça o clamor do povo por eleições limpas, justas e honestas."

Depois ele desapareceu em um tranquilo barco rumo ao Japão, adicionando novos

pontos de leste a oeste, para transformar o Jânio reformador doméstico em Jânio

figura-mundo.569

Enquanto Kubitschek lutou com uma inflação zunindo e credores

estrangeiros reclamando, Quadros posava lado a lado com Hirohito, com Nehru,

com Ben-Gurion, com o Papa João XXIII, com Tito, com Khrushchev, com

praticamente todo mundo, exceto o presidente Eisenhower. Jânio disse sabiamente

em seu retorno: "De longe, eu fiquei convencido mais do que nunca de que Deus

Todo-Poderoso nos destinou para nos tornarmos um grande povo."570

A técnica

política de Jânio Quadros foi magistral. Por trás do slogan "Jânio vem aí", ele correu

contra o candidato que Kubitschek escolheu a dedo, o Marechal da voz estridente,

Henrique Teixeira Lott.571

Independência

TIME fazia referência ao antiamericanismo de Jânio ao citar o desconforto que sentia

ao ser tratado como “fantoche dos yankees”. A viagem a Cuba foi relembrada. Do mesmo

modo, ao mesmo tempo em que odiava os Estados Unidos, ele era odiado pelos comunistas.

Essa intrigante ambiguidade chamou a atenção de revista na maioria das reportagens sobre

Jânio.

Para provar aos brasileiros que ele não era um fantoche dos yankees, ele fez uma

568

Slow Boat to Brasília. Quadros' campaign was a masterpiece of unorthodox politics. Traveling to Rio, he first

handed Kubitschek a face-to-face warning not to pull any tricks to perpetuate himself in office.* Time Magazine,

loc. cit 569

"Do not change the rules of the game," said Quadros. "Listen to the people's cry for clean, just and honest

elections." Then he vanished on a slow boat to Japan, plus points east and west, to transform Jânio the domestic

reformer into Jânio the world figure. Time Magazine, loc. cit 570

While Kubitschek struggled with zooming inflation and dunning foreign creditors, there was Quadros posing

head to head with Hirohito, with Nehru, with Ben-Gurion, with Pope John XXIII, with Tito, with Khrushchev,

with just about everyone, in fact, but President Eisenhower. Said Jânio sagely on his return: "From a distance I

became more convinced than ever that Almighty God destined us to become a great people." Time Magazine,

loc. cit 571

Quadros' political technique was masterful. Behind the slogan "Here Comes Jânio" he ran against

Kubitschek's hand-picked candidate, piping-voiced Field Marshal Henrique Teixeira Lott. Time Magazine, loc.

cit

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viagem em meio a sua campanha para Cuba e, de lá, voltou com uma declaração

deslavada, disse que “acusar o governo de Castro, que exibe absoluto respeito à lei e

à propriedade, de comunismo é revelar ignorância e má-fé'' 572

Jânio já tinha provas

de que ele não era um fantoche comunista: os comunistas brasileiros vomitaram seu

ódio por ele e apoiaram abertamente Lott. Todos se lembraram das velhas

extravagâncias de Quadros, mas ele entendeu que os brasileiros exigiam uma

dignidade de seu Presidente que prefeitos e governadores não precisavam ter – e

estabeleceu que manterá seu cabelo penteado, seus ternos bem passados e seus

discursos sem ataques pessoais a Lott.573

UDN

As articulações e estratégias políticas foram tratadas no trecho seguinte. A UDN está

presente. O resultado das eleições foi relembrado e, do mesmo modo, o famoso

desaparecimento de Jânio antes da posse em 1961.

Logo no início da campanha, Jânio encenou uma manobra espetacular. Para obter a

nomeação da poderosa União Democrática Nacional (UDN), ele já havia

concordado em aceitar o candidato a vice da UDN como seu companheiro de chapa. 574

De repente, ele rejeitou o candidato da UDN e retirou-se da corrida. A confusão

reinou: alguns oficiais do exército e da força aérea tentaram um golpe de Estado

como forma de forçá-lo a reconsiderar.575

O candidato à vice-presidência recuou e a

U.D.N. concordou em compartilhar Quadros com outros partidos e, finalmente,

Quadros anunciou: "Vocês me convenceram a voltar". Ele voltou – livre de todos os

compromissos do partido.576

Os resultados fizeram a história política. Quadros

acumulou 5.500.000 votos, 1.700.000 a mais que Lott, e bem próximo de uma

maioria absoluta (48%) na multipartidária história do Brasil. Em seguida, ele viajou

para Londres para fazer uma cirurgia de correção no olho e que teria sido

denunciado como uma tola vaidade durante a campanha, mas foi reconhecido como

necessária ao presidente de uma nação orgulhosa.577

Ele ficou afastado 12 semanas,

foi tanto tempo que os brasileiros acabaram criando seu próprio slogan: "Onde está

o Jânio?". Mas quando ele voltou, apenas 11 dias antes da posse, ele estava pronto

para a ação, com um imponente gabinete formado pelos melhores administradores

572

To prove to Brazilians that he was no Yankee stooge, he made a mid-campaign trip to Cuba; from there he

returned with the bald-faced statement that "to accuse Castro's government, which displays absolute respect for

law and propriety, of Communism is to reveal ignorance and bad faith.'' Time Magazine, loc. cit. 573

He already had proof that he was no Communist puppet: the Brazilian Reds spewed out their hatred of him

and openly supported Lott. Everyone remembered Quadros' oldtime flamboyance, but he understood that

Brazilians demand a dignity in their President that mayors and governors need not have — and he established

that by keeping his hair combed, his suits pressed, his speeches free of personal attacks on Lott. Time Magazine,

loc. cit. 574

Early in the campaign, Quadros staged a spectacular maneuver. To get the nomination of the powerful

National Democratic Union (U.D.N.), he had earlier agreed to accept the U.D.N. vice presidential candidate as

his running mate. Time Magazine, loc. cit. 575

Suddenly he rejected the U.D.N.'s man and withdrew from the race. Confusion reigned: a few hair-trigger

army and air force officers tried to stage a coup as a means of forcing him to reconsider. Time Magazine, loc. cit. 576

The Veep candidate resigned, the U.D.N. agreed to share Quadros with other parties, and finally Quadros

announced: "You have defeated me. I return." Return he did — free of all party commitments. Time Magazine,

loc. cit. 577

The results made political history. Quadros piled up 5,500,000 votes. 1,700,000 more than Lott, closest to an

absolute majority (48%) in Brazil's multipartied history. Then he traveled to London for the eye-straightening

operation that would have been denounced as silly vanity during the campaign, but was accepted as necessary

for the President of a proud nation. Time Magazine, loc. cit.

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do Brasil.578

5.1.7 - Economia começa em casa

Arrumando a casa

O moralizador era outro traço que chamou a atenção de TIME. A operação limpeza,

que faria com sua vassoura, ficou clara para TIME, como demonstra o trecho seguinte:

"Eu estou indo empunhar a vassoura", prometeu na noite de sua posse, "pela alça."

Do modo como Kubitschek fez do palácio uma casa aberta, Quadros fez dele um

quartel da Marinha.579

Ele jogou o mobiliário de luxo Kubitschek para fora dos

escritórios executivos, despediu o extraordinário chefe de cozinha (ele prefere arroz,

carne e feijão), devolveu o piano de $ 8.000 de Kubitschek. "Economia", disse ele,

"começa em casa"580

. Os assessores já não andavam, eles corriam. Cadeados

lacravam as portas presidenciais, e sinais luminosos vermelhos e verdes informavam

quando os ministros podiam bater, e quando podiam aguardar. Nas salas, os guardas

apareceram carregando suas metralhadoras. "Este lugar me dá arrepios agora",

queixou-se um repórter do palácio. "É como Kafka."581

Nepotismos ou favorecimentos foram registrados, todavia, com esses exemplos,

ficava muito claro para o leitor americano que o Brasil estava em péssimas mãos, o fator

meritocrático parecia inexistir:

Foi também parecido em São Paulo – numa escala ainda maior. Amigos que

buscavam autopromoção logo perceberam o erro que estavam cometendo. "Mas

afinal de contas, senhor presidente", disse um político antigo, "onde está o meu lugar

no seu governo?". 582

Quadros respondeu, colocando a mão sobre o peito: "Seu lugar

é aqui, no meu coração". Quadros encontrou um lugar estratégico para Carlos

Castello Branco, um repórter político que ele atormentou por mais de duas horas

especulando sobre as fragilidades de 30 importantes políticos. "Castello, você tem

uma língua suja", disse Jânio após o desabafo. No dia seguinte, ele o contratou como

578

He stayed away twelve weeks, so long that Brazilians coined their own slogan: "Where's Jânio?" But when he

returned, only eleven days before inauguration, he was ready for action, complete with an imposing Cabinet of

Brazil's best planners. Time Magazine, loc. cit. 579

Economy Begins at Home. "I am going to wield the broom," he promised on inauguration night, "by the

handle." Where Kubitschek ran his palace like an open house. Quadros ran it like a Marine barracks. Time

Magazine, loc. cit. 580

He tossed Kubitschek's luxurious furnishings out of the executive offices, fired the fancy chef (he prefers

beef, rice and beans), returned Kubitschek's $8,000 grand piano. "Economy," he said, "begins at home." Time

Magazine, loc. cit. 581

Aides no longer walked; they ran. Locks barred the presidential doors, and red and green traffic lights

informed ministers when to knock, when to wait. In the halls, guards appeared, toting their submachine guns.

"This place gives me the creeps now," complained a palace reporter. "It's like Kafka." Time Magazine, loc. cit. 582

It was also like São Paulo — on a giant scale. Loyal supporters seeking patronage soon discovered their

mistake. "But after all, Mr. President," said one old politico, "where is my place in your government?" Replied

Quadros, placing his hand on his breast: "Your place is here, in my heart." Time Magazine, loc. cit.

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seu chefe de imprensa.583

Administrando as finanças

O lado liberal de Jânio apareceu ao lado do bom gestor de recursos. Por um lado, o

risco com a empresa capitalista instalada no país estava contido, do mesmo modo havia uma

esperança de segurança com o recurso investido, pois Jânio iria saber geri-los. Mas as suas

qualidades também podem ser colocadas contra os EUA, pois, do mesmo modo que pôde

administrar recursos capitalistas, ela também pôde gerir recursos do mundo comunista.

Os familiares cortes salariais e as investigações de corrupção postas sob a mesa de

Jânio Quadros se juntaram com algumas medidas drásticas para libertar o Brasil de

uma economia inflacionária. Ele praticamente eliminou as taxas de câmbio

manipuladas pelo governo que subsidiavam as importações de trigo, petróleo e papel

– uma dolorosa e longa reforma aconselhada pelo Fundo Monetário Internacional. 584

Ele recebeu o capital estrangeiro de braços abertos, cedeu à Western Union um

contrato (sob os protestos nacionalistas) para a criação de um novo sistema de

comunicações para o Brasil, permitiu à Ford que seguisse em frente com sua nova

fábrica de tratores, enquanto recusou um acordo com uma empresa tcheca de

tratores.585

Ele também gasta, mas com cautela. Quando um governador de um

estado lhe pediu US$ 400.000 para um projeto de pesca, Quadros prometeu US$

80.000. "Eu fui um autogovernador, Sua Excelência, e eu compreendo. Mas eu não

quero sair daqui com a minha carteira vazia."586

Sozinho

Um novo traço se junta ao perfil do gestor, a do “administrador solitário”. Antes

sozinho do que mal acompanhado, a citação parece se encaixar ao presidente. Tal atitude traz

novas evidências quanto à problemática característica dos parlamentares brasileiros. Não era

possível trabalhar em conjunto. Outro gesto de Jânio, destacado abaixo, diz respeito ao perfil

autoritário, seria uma brecha para o surgimento de um ditador?

Administrando o país praticamente sozinho ("Eu sou um homem sozinho"), ele

583

Quadros found a more practical place for Carlos Castello Branco, a political reporter whom he grilled for

more than two hours on the frailties of 30 top politicians. "Castello, you have a dirty tongue," said Jânio after the

grilling. Next day, he hired him as his press chief. Time Magazine, loc. cit. 584

The familiar pay cuts and graft investigations poured from Quadros' desk along with some sharp measures to

free Brazil's inflation-tied economy. He virtually eliminated the government-rigged exchange rates that

subsidized imports of oil, wheat and paper — a painful reform long advised by the International Monetary Fund.

Time Magazine, loc. cit. 585

He welcomed foreign capital with open arms, gave Western Union a contract (over nationalist protests) to set

up a new communications system for Brazil, gave Ford the go-ahead for a new tractor plant, while turning down

a Czech tractor deal. Time Magazine, loc. cit. 586

He spent, too, with caution. When a state governor begged $400,000 for a fisheries project, Quadros promised

$80,000. "I was a governor myself, your excellency, and I sympathize. But I don't want to leave here with my

wallet emptied." Time Magazine, loc. cit.

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instalou um sistema de comunicação Telex ao lado de sua mesa.587

Uma vez, bem no

início do mandato, ele transmitiu um telex para a sala de um ministro: "O Presidente

está esperando por você desde às 7h00 da manhã. Eu gostaria de saber quando

pretende chegar." 588

Um dos assessores desse ministro digitou-lhe: "Colega, o

ministro vai chegar quando ele chegar." O chefe do Executivo rebate-lhe: "Este

colega aqui é o Presidente. Diga ao ministro que eu quero vê-lo imediatamente. J.

Quadros..."589

Diariamente, um fluxo constante de delegações conseguiu o sinal

verde para se reunir com o Presidente e ouvir os seus planos para o Brasil. 590

Uma audiência com Quadros

Um fato curioso chamou a atenção da revista, a maneira como Jânio realizava suas

audiências, neste caso, o trecho seguinte ilustra a maneira como Quadros recepcionava as

lideranças:

Um grupo de líderes agrícolas ficou esperando em seu escritório durante uma

eternidade, enquanto Quadros rabiscava alguma mensagem. O velho relógio de

bolso de ouro de Jânio, um Patek Philippe, trabalhava sobre a mesa, as cortinas de

cor bege cobriam toda a visão, o retrato sempre presente de Abraham Lincoln

mirava da parede.591

"Então,", disse um dos agricultores, "ele olhou para cima e

começou a falar sem nos cumprimentar ou nos pedir para sentar. Ficamos em

silêncio por 48 minutos enquanto ele falava intensamente sobre seus planos para a

agricultura e suas exigências.592

De repente, uma queda de energia apagou as luzes,

mas ele continuou a conversa, sem a menor hesitação. Era estranho, estávamos

parados ali na escuridão ouvindo a voz desencarnada do presidente do outro lado da

mesa."593

5.1.8 - PROJETO A PROJETO

Passados seis meses de governo, quais ainda seriam os projetos de Jânio? A matéria

587

Running the country almost single-handed ("I am one man alone"), he installed a Telex communications

system beside his desk, with two fingers banged out a steady stream of bilhetinhos to government offices around

the nation. Time Magazine, loc. cit. 588

Once, very early in the game, he Telexed a Cabinet minister's office: "The President has been waiting for you

since 7 a.m. I would like to know when you plan to arrive." Time Magazine, loc. cit. 589

Answered the minister's man at the keyboard: "Colleague, the minister will arrive when he arrives." Brazil's

chief executive tapped back: "This colleague here is the President. Tell the minister I want him immediately. J.

Quadros." Time Magazine, loc. cit. 590

All day, every day, a steady stream of delegations got the green light to line up before the President and listen

to his plans for Brazil. Time Magazine, loc. cit. 591

One group of farm leaders stood waiting in his office for what seemed an eternity while Quadros finished

scribbling some message. Quadros' old gold Patek Philippe pocket watch ticked on the desk, beige curtains

closed out the view, the ever-present portrait of Abraham Lincoln stared down from the wall. Time Magazine,

loc. cit. 592

"Then," says one of the farmers, "he looked up and started talking without greeting us or asking us to sit

down. We stood silently for 48 minutes while he talked intensely about his farm plans and requirements. Time

Magazine, loc. cit. 593

Suddenly a power failure put out the lights, but he kept right on talking without the slightest hesitation. It was

uncanny, standing there in pitch darkness listening to the President's disembodied voice from across the desk."

Time Magazine, loc. cit.

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pontuou áreas estratégicas da economia brasileira e discorreu rápidas análises sobre cada

setor. Listamos abaixo os projetos que a matéria destacou sobre a administração de Jânio:

Desde o início, os brasileiros não poderiam deixar de admirar a franqueza de

Quadros, seu humor, sua resistência ao compromisso, seu talento não brasileiro para

cortar a burocracia. Mas ele parecia não ter metas globais. Editorialistas

questionaram sua “não planejada e impetuosa” administração. “Quadros desconfia

de planos abstratos", respondeu um assessor próximo."Ele prefere construir um

programa projeto a projeto". Os projetos estão começando a tomar forma:594

RODOVIAS. Gastos de US $ 1 bilhão nos próximos cinco anos para aumentar a

rede total de 19.000 para 27.000 milhas e pavimentar de 4.800 para 13.200

milhas.595

ENERGIA. Aumentar a capacidade instalada de 5.000.000 KW. para

mais de 9.000.000 KW em 1965 e 15 milhões de quilowatts em 1970. Custo: US $ 1

bilhão, metade vindo de investimentos estrangeiros e a outra metade com recursos

do próprio Brasil.596

EDUCAÇÃO. Reverter o projeto de Kubitschek de enfatizar as

universidades em detrimento das escolas básicas. Objetivo: aumentar o número de

alfabetizados de 48% para 70% em cinco anos.597

SAÚDE. Eliminar a corrupção

que sabotou o plano de Kubitschek para área da saúde com a finalidade de iodar sal

(para evitar o bócio), e usar medidas preventivas para o controle da malária,

tracoma, bouba, filariose.598

REFORMA DO NORDESTE. Combater a influência

comunista infiltrada e espalhada pelas Ligas Camponesas com intenso

desenvolvimento de reforma agrária, Montante investido até o momento: $ 160

milhões.599

INDÚSTRIA. Fornecer toda a ajuda do governo necessária para dobrar a

produção de aço para 6.000.000 de toneladas anuais em 1965, criando forças- -

tarefa para ajudar a desenvolver as indústrias específicas: fertilizantes, produtos

petroquímicos, tratores, máquinas-ferramentas, equipamentos pesados. Diz Quadros,

em uma declaração política digna de Dwight Eisenhower: "A indústria é a principal

incumbência da iniciativa privada, mas o governo deve prover as condições

necessárias para o seu crescimento."600

Cada item apresentado demonstrava de um lado a precária estrutura do país, do outro

a ambiciosa tentativa de por em prática ações para o desenvolvimento do Brasil. Esse era o

quadro que estava para além das fronteiras de Kennedy, era esse o panorama do wilderness

que apresentava ao distante leitor de TIME. Henry Luce e seu Século Americano executavam

594

Project by Project. From the beginning, Brazilians could not help admiring Quadros' directness, his humor,

his resistance to compromise, his un-Brazilian talent for chopping red tape. But he seemed to have no overall

goals. Editorial writers questioned his ''unplanned and impetuous" administration. "Quadros distrusts abstract

planning," answered a close adviser. "He prefers to build up a program project by project." The projects are

beginning to take form: Time Magazine, loc. cit. 595

HIGHWAYS. Expenditures of $1 billion over the next five years to raise the total network from 19,000 to

27,000 miles, and paved mileage from 4,800 to 13,200. Time Magazine, loc. cit. 596

POWER. Increase installed capacity from 5,000,000 kw. to more than 9,000,000 kw. by 1965 and 15 million

kw. by 1970. Cost: $1 billion, half Brazilian, half foreign. Time Magazine, loc. cit. 597

EDUCATION. Reverse the Kubitschek practice of emphasizing universities and ignoring grammar schools.

Goal: to increase literacy from 48% to 70% in five years. Time Magazine, loc. cit. 598

HEALTH. Eliminate the corruption that swallowed Kubitschek's health plan to iodize salt (to prevent goiter),

use preventive measures to control malaria, trachoma, yaws, filariasis. Time Magazine, loc. cit. 599

NORTHEAST REFORM. Combat the spreading influence of Communist-infiltrated Peasant Leagues with

intensive land reform. Amount allocated to date: $160 million. Time Magazine, loc. cit. 600

INDUSTRY. Provide all government help necessary to double steel production to 6,000,000 tons yearly by

1965, set up task forces to help develop specific industries: fertilizers, petrochemicals, tractors, machine tools,

heavy equipment. Says Quadros, in a policy statement worthy of Dwight Eisenhower: "Industry is primarily the

task of private enterprise, but government must provide the necessary conditions for growth." Time Magazine,

loc. cit.

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uma espécie de geopolítica.

5.1.9 - MELINDROSA AMEAÇA

Nesta subseção da matéria, TIME colocou algumas questões subliminares.

Quem estava com Jânio?

Eleito praticamente sem filiação partidária, e sem o apoio habitual de um bloco de

nacionalistas, esquerdistas, direitistas, militares ou de trabalho, Quadros ganhou

muitos inimigos com sua maneira de pisotear.601

Aos críticos, ele responde apenas

que "as pessoas estão comigo" e deixa claro que ele considera sua esmagadora

votação um mandato para exercer a forte autoridade executiva investida na

constituição do Brasil, ao estilo americano. "Inimigos da democracia acreditam que

a autoridade democrática é frouxa, insegura e tímida, acomodada e complacente",

diz Quadros. 602

"Eles estão enganados. Autoridade democrática com base na

vontade da maioria deve ser apenas uma empresa, mas, audaciosa e decisiva, sempre

pronta a corrigir os seus próprios erros, mas sempre jurando moralidade, disciplina e

o bem-estar geral".603

Outra ditadura comunista seria possível na região, ainda mais tendo Quadros como

protagonista?

O único perigo é que Jânio pode confundir sua própria vontade de ferro pelo Brasil

e, de democrata, se converter em um ditador.604

Para todas as suas ações, existem

sinais de alerta e sutis ameaças, tais como prender o adversário Lott, que após a

eleição, passou a criticar seu governo; há também a possibilidade de demissão de um

funcionário da embaixada pelo simples fato de discordar dele, e finalmente o último:

de três dias para o desligamento de uma estação de rádio pertencente a um jornal de

oposição.605

Até agora, pelo menos, "a autoridade democrática" de Jânio Quadros

tem sido muito dura com os castristas e comunistas que procuram subverter o Brasil.

Quando os estudantes de esquerda protestaram em Recife contra a recusa da

universidade em permitir que a mãe do argentino Che Guevara, Célia, fizesse um

discurso castrista, Quadros enviou a Marinha do Brasil e seus fuzileiros navais.606

601

Thin-Skinned Threat. Elected virtually without party affiliation, and lacking the usual bloc support of

nationalists, leftists, rightists, military or labor, Quadros has earned many enemies with his foot-trampling ways.

Time Magazine, loc. cit. 602

To criticism, he answers only that "the people are with me" and makes it clear that he considers his landslide

vote a mandate to exercise the powerful executive authority vested in Brazil's U.S.-style constitution.

"Democracy's enemies believe that democratic authority is loose, insecure and timid, accommodating and

yielding," says Quadros. Time Magazine, loc. cit. 603

"They are mistaken. Democratic authority based on the majority's will must be just but firm, bold and

decisive, always ready to correct its own mistakes but always sworn to discipline, morality and the general

welfare." Time Magazine, loc. cit. 604

One danger is that Quadros may mistake his own iron will for that of Brazil and turn from democrat to

dictator. Time Magazine, loc. cit. 605

For all his reforms, there are warning signals in his thin-skinned threat to arrest opponent Lott for a post-

election article critical of his regime, in his dismissal of a top foreign-office official for disagreeing with him, in

his three-day shutdown of a radio station belonging to an opposition newspaper. Time Magazine, loc. cit. 606

So far, at least, Quadros' "democratic authority" has come down just as hard on the Castroites and

Communists who seek to subvert Brazil. When leftist students rioted in Recife over the university's refusal to let

Che Guevara's Argentine mother, Celia. deliver a Castroite harangue, Quadros sent in the Brazilian navy and

marines. Time Magazine, loc. cit.

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Soprando em direção ao inflamado nordeste, eles invadiram os redutos ao redor das

Ligas Camponesas para apreender a propaganda clandestina sobre a Cuba de Fidel

Castro e suas ramificações. Por ocasião dos movimentos de reivindicação trabalhista

no Brasil, detectou-se a forte presença de comunistas infiltrados. Os homens de

Jânio Quadros estão trabalhando para colocar os comunistas (vermelhos) “de

joelhos”.607

Os sindicatos, outro empecilho à empresa capitalista (e do Século Americano), foram

lembrados, mas onde estaria Goulart?

Os sindicatos costumavam ser hábeis em conseguir esmolas do governo Kubitschek.

"Não mais." O Ministro do Trabalho de Quadros, Francisco de Castro Neves, disse:

"Eu não estou brincando com eles. Eu lido apenas com as lideranças dos sindicatos

pró-democracia, e com mais ninguém.608

Despedaçamos com nossos punhos o

controle comunista de muitos sindicatos." Para o próprio Quadros: "Os comunistas

tiram proveito apenas da ignorância e da aflição de muitos dos meus compatriotas.

Eles não têm interesse algum em um Brasil democrático e próspero. Eles buscam

apenas explorar a miséria..."609

URSS

O grande pesadelo era a relação econômica e política com o Bloco Socialista. A fala

de Arinos parece contradizer os fundamentos de uma política externa independente, ao

mesmo tempo em que sugere certa distância do enérgico Quadros. Estaria o trecho editado?

Os brasileiros desprezam qualquer resultado duradouro dos flertes de Quadros por

trás da Cortina de Ferro. Eles argumentam que Quadros insiste em primeiro lugar no

comércio, antes de qualquer conversa séria de intercâmbios diplomáticos.610

Dos US

$ 2 bilhões em negócios com o leste, os brasileiros aguardam apenas uma fração.

Um diplomata veterano dos EUA, no Rio, disse: "Se Khrushchev acha que pode

fazer Quadros de bobo, ele está redondamente enganado." 611

O chanceler Afonso

Arinos acrescentou: "O Brasil não vai reconhecer a União Soviética imediatamente,

e não reconhecerá a China Vermelha pelo menos nos próximos dois ou três anos –

certamente não até que seja aceito na ONU. Estamos empenhados em votar para o

debate sobre a questão da China Vermelha, mas não vai votar a favor do ingresso da

China Vermelha ".612

607

Fanning out into the inflamed northeast, they raided Peasant League strongholds to round up propaganda

smuggled in from Castro's Cuba, and arms. In Brazil's labor movement, once heavily Communist-infiltrated.

Quadros' men are working to cut the Reds "off at the knees." Time Magazine, loc. cit. 608

The unions used to be able to get handouts from the Kubitschek government. "Not any more." says Quadros'

Labor Minister Francisco de Castro Neves. "I'm not playing games with them. I deal directly with democratic

union leaders, and with nobody else. Time Magazine, loc. cit. 609

Already we have torn open the clenched fist of Communist control of many unions." Says Quadros himself:

"Communists only profit from the ignorance that afflicts many of my countrymen. They have no interest

whatsoever in a democratic and prosperous Brazil. They seek only to exploit misery." Time Magazine, loc. cit. 610

Brazilians pooh-pooh any lasting effect from Quadros' flirtations behind the Iron Curtain. They argue that

Quadros insists on trade first, before any serious talk of diplomatic exchanges. Time Magazine, loc. cit. 611

Of the $2 billion in paper deals drummed up in the East, realistic Brazilians expect only a fraction. Says a

senior U.S. diplomat in Rio: "If Khrushchev thinks he can make a sucker out of Quadros, he's badly mistaken."

Time Magazine, loc. cit. 612

Adds Foreign Minister Afonso Arinos: "Brazil will not recognize the Soviet Union offhand, and will not

recognize Red China for two or three years — certainly not until it is accepted at the U.N. We are committed to

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5.1.10 - A quarta força

O último trecho da reportagem resume o ponto de vista central de TIME em relação a

Jânio e ao Brasil de sua administração.

O que de fato Quadros leva realmente a sério sobre o Brasil é que seu país será uma

grande e independente potência – uma "quarta força" sem sombra de dúvidas. "Em

cinco anos", diz ele, ''o Brasil será uma grande potência.613

E eu serei livre". Tal

percurso naturalmente engrandece o Brasil – e Jânio Quadros – e a compreensão de

sua importância. Os brasileiros argumentam que os EUA também se beneficiam com

isso, assim como o hemisfério. No país, a influência comunista sobre os brasileiros

vem sendo enfraquecida, cujo ressentimento natural pelo poder de riqueza dos EUA

acabava conduzindo-os para a esquerda.614

No hemisfério, o Brasil pode ser um

grande aliado dos EUA, e como uma democracia forte e independente poderá lidar

em igualdade de condições. "Os americanos tendem a ser uma superpotência", disse

Quadros. "Tenho a intenção de tratá-los como uma amante. Uma amante apache".615

Um importante diplomata brasileiro acrescentou: "não podemos aceitar o

comunismo em Cuba permanentemente. Mas se tomarmos partido cedo demais,

perderemos toda a influência. “Nós não seremos mais capazes de agir de forma

eficaz para alcançar o nosso objetivo principal que é o mesmo que o seu: restaurar

Cuba para a comunidade americana".616

Embora Quadros tenha discordado de seus

partidários muitas vezes, o grande especialista americano em assuntos do Brasil, o

ex-embaixador John Moors Cabot, concorda que os EUA devem incentivar Quadros

a seguir o seu próprio caminho.617

"O nosso problema", diz ele, "é ver o Brasil

através do atual e conturbado período de transição. Podemos não gostar do fato de

que o Brasil adotou o que o presidente Jânio Quadros descreve como uma política

externa independente e que poderíamos descrever como neutralista.618

Jânio

Quadros coloca isso em termos brasileiros: "Com seu imenso tamanho, suas riquezas

naturais, e os esforços dedicados de seus 70 milhões de habitantes, o Brasil está

agora afirmando-se como uma grande nação.619

Estamos desenvolvendo, sem

sombra de dúvidas, a mais bem sucedida civilização de humanos nos trópicos. Tudo

vote for debate on the Red China issue, but will not vote in favor of Red China's admission." Time Magazine,

loc. cit. 613

The Fourth Force. What Quadros apparently is serious about is Brazil's emergence as a great and independent

power — a "fourth force" taking cues from no one. "In five years." he says. ''Brazil will be a great power. Time

Magazine, loc. cit. 614

And I will be free." Such a course naturally gratifies Brazil's — and Quadros' — sense of importance.

Brazilians argue that it also benefits the U.S. and the hemisphere. At home it undercuts Red influence over

Brazilians, whose natural resentment at U.S. wealth leads them left. Time Magazine, loc. cit. 615

In the hemisphere, Brazil can be a better ally of the U.S. as a strong and independent democracy dealing on

equal terms. "The Americans tend to be overpowering," says Quadros. "I intend to treat them like a lover — an

apache lover." 616

Adds a ranking Brazilian diplomat: "We cannot accept Communism in Cuba permanently. But if we take

sides too soon, we lose all influence. We will no longer be able to act effectively to achieve our main objective,

which is the same as yours: to restore Cuba to the American community." Time Magazine, loc. cit. 617

Although Quadros has contradicted his supporters many times before, the leading U.S. expert on Brazil,

former Ambassador John Moors Cabot, agrees that the U.S. must encourage Quadros to travel his own road.

Time Magazine, loc. cit. 618

"Our problem," he says, "is to see Brazil through the present troubled period of transition. We may not like

the fact that Brazil has adopted what President Quadros describes as an independent foreign policy and what we

might describe as a neutralist one. Time Magazine, loc. cit. 619

Jânio Quadros puts it in Brazilian terms: "Through its immense size, its natural riches, and the dedicated

efforts of its 70 million people. Brazil is now asserting itself as a great nation. Idem

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o que o meu governo procura é disciplinar o nosso desenvolvimento nacional.620

Em

vez disso, queremos ser uma força positiva, capaz de contribuir para uma paz real,

com base na justiça e no respeito pelos direitos humanos”.621

Para TIME Magazine, ‘aquele’ Brasil era tratado como um objeto nas mãos de Jânio

Quadros que, com um discurso que pregava a independência política, ameaçava deliberar

ações de enfrentamento interno e externo ao país.

Como podemos perceber na tradução dos trechos, a reportagem fala por si mesma, as

percepções de TIME são nítidas. Após essa extensa matéria de capa, TIME publicaria em

agosto a última reportagem de Jânio como presidente: Quadros quits. Com a análise da

próxima reportagem, encerramos nossa investigação em torno das percepções da revista em

relação a Quadros.

5.2 - QUADROS SAI

620

We have created, without any doubt, man's most successful civilization in the tropics. All that my government

seeks is to discipline our national development. Idem 621

We don't want to become merely another power involved in the world struggle. Instead we want to be a

positive force, capable of contributing toward a real peace based on justice and respect for human rights." Idem

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O debate acerca da renúncia de Jânio está presente em inúmeros textos que versam

sobre esse período tão conturbado da história do Brasil. Trazer outra visão dos fatos, narrados

inclusive por um veículo internacional, pode contribuir para enriquecer esse assunto sempre

muito acalorado. Na verdade, a revista TIME cobriu os mesmos fatos, mas atribuiu o seu

parecer ideológico sobre o tema. Nossa pesquisa indentificou que o tema da renúncia apenas

concluía a busca de uma personagem que foi construída e reconstruída diversas vezes ao

longo da cobertura de seu governo. Se de um lado ficava um enigma, do outro estava o juízo

acerca do(s) político(s) brasileiro(s), uma constante incógnita aos interesses estrangeiros, um

eminente risco aos investimentos norte-americanos, uma contradição ao Século Americano.

Exatamente uma semana após a renúncia de Jânio, TIME publicou a matéria que

tratou do assunto. Não foi um texto muito extenso. Foi objetivo e concentrou seu foco no

perfil de Jânio e das personagens que cercaram sua renúncia. O conceito sobre a pessoa de

Jânio estava definido para a revista: Jânio era emocional e errático. O gesto da renúncia foi

tratado como um apelo emocional do histriônico presidente. O líder político, eleito

massivamente pelo povo brasileiro, simplesmente tomava seu avião rumo à sua residência em

São Paulo e deixava o vice, Mazzilli, que assumia pela primeira vez a presidência do Brasil:

O sempre emocional e às vezes errático presidente do Brasil, Jânio Quadros, se

superou na semana passada. "Eu tenho sido castigado por forças que se colocam

contra mim, e por isso deixo o governo", lamentou. Ele renunciou à presidência e

voou de volta para sua terra natal, São Paulo. Ele deixou o presidente da Câmara dos

Deputados, um político pouco conhecido, chamado Pascoal Ranieri Mazzilli, para

presidir esse país em seu lugar.622

As forças estranhas servem de referência para esse famoso episódio, o gesto de Jânio

carregava uma denúncia contra os Estados Unidos, ele queria o Brasil para os brasileiros,

destacou a revista:

"Todos os meus esforços", disse Quadros num comunicado de despedida "foram em

vão para liderar esta nação na direção de sua verdadeira liberdade econômica e

política. Queria o Brasil para os brasileiros. Tive que enfrentar e combater a

corrupção, mentiras e covardia. No entanto, sinto-me esmagado, forças terríveis se

apresentaram para lutar contra mim e para difamar-me...".623

622

Ever emotional and sometimes erratic President Jânio Quadros outdid himself last week. "I have been beaten

by forces against me, and so I leave the government," he cried. He resigned the presidency, and flew off back to

his native Sao Paulo. He left the president of the Chamber of Deputies, a little-known politician named Pascoal

Ranieri Mazzilli, to preside as caretaker in his stead. Time Magazine: Brazil: Quadros Quits, 01-02-1961. 623

"All my efforts," said Quadros in a farewell statement, "were in vain to lead this nation in the direction of its

true economic and political freedom. I wanted Brazil for Brazilians. I had to face and fight corruption, lies and

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TIME considerou que o gesto havia sido tomado de impulso, ainda mais para um

político cuja pouca idade e a breve permanência no governo pareciam não justificar tal

atitude. Por outro lado, a revista mencionou que a origem dos problemas se deu por conta da

condecoração de Guevara, ironicamente tratado como Czar de Cuba:

Foi um ato impulsivo para um político de 44 anos de idade, que assumiu o cargo há

sete meses com a maior votação da história brasileira. Tudo isso aconteceu após uma

semana de intensa agitação desencadeada – sem nenhuma surpresa – pela calorosa

recepção que Jânio deu ao czar da economia cubana, Che Guevara.624

Segundo Barbosa (2007), foi a partir da condecoração de Che Guevara que o

governo Quadros começou a cair.625

O evento serviu para fortalecer os protestos direcionados

à política externa de Jânio. O Congresso reagiu de forma exacerbada e em conjunto com

diversos setores da mídia. Além de Guevara, outros representantes de Cuba já haviam sido

agraciados com a mesma honraria no governo de Kubitschek pouco tempo antes, em junho de

1960, o fato foi tratado como corriqueiro no Brasil. Por outro lado, era evidente que “não se

poderia atribuir a um gesto da prática diplomática a responsabilidade pela crise em fervente

evolução e que culminaria na renúncia de Jânio cinco dias após o discutido ato. Era a primeira

vez na história política brasileira que a concessão de uma honraria seria evocada para

justificar uma ruidosa campanha contra seu outorgante.”626

A movimentação anterior à condecoração não passaria despercebida pela imprensa.

O atraso de Guevara foi registrado na matéria. Uma espécie de deboche ao líder cubano que,

para TIME, não tinha respeito e nem controle de horário e agenda. Talvez a revista se

perguntasse: o que se esperar de alguém assim?

Jânio, ao que parece, pensava e agia diferente de TIME. Ele se arrumou

decentemente para receber o líder cubano. Vestir-se bem era algo raro no entender da revista,

haja vista ter sido considerado em 1958 como a personalidade mais mal vestida do Brasil,

conforme publicação da própria revista. Finalmente, o momento crucial: a condecoração da

Ordem do Cruzeiro do Sul.

cowardliness. However, I feel crushed. Terrible forces came forward to fight me and to defame me . . ." Time

Magazine, loc. cit. 624

Bickering Prelude. It was a characteristically headlong performance by the 44-year-old politico, who took

office seven months ago with the biggest popular majority in Brazilian history. It came after a week of feuding

and fussing, touched off — not surprisingly — by the warmth of Quadros' welcome for Cuba's homeward-bound

economic czar, Che Guevara. Time Magazine, loc. cit. 625

BARBOSA, op cit., p. 317 626

Ibid., p. 319

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O cubano não havia chegado no horário. Filas de funcionários foram deixados à

espera no aeroporto de Brasília. Finalmente, no dia seguinte, quando Che chegou

sem avisar, apenas alguns operadores estavam à disposição. Quadros, logo após,

vestiu sua melhor sarja azul para dar-lhe uma recepção ardente e condecorá-lo com a

mais alta honraria do Brasil para estrangeiros, a Ordem do Cruzeiro do Sul.627

Antes da condecoração, houve uma conversa entre Quadros e Guevara, o brasileiro

em seu gabinete agradeceu ao revolucionário pelo documentário sobre a invasão da Baía dos

Porcos.

As criticas de O Globo foram destacadas na matéria. Tratou-se de um crítica

inteligente e sutil. Na verdade, Guevara não era cubano e, por ser um autêntico comunista,

não poderia deixar de ser um autêntico ateu que foi condecorado com um emblema cristão.

A medalha foi demais. O jornal carioca O Globo protestou dizendo que "pendurado

no peito de um falso cubano e autêntico comunista, o emblema da Cruz de Cristo foi

totalmente desvalorizado."628

A melhor tradução que encontramos para o adjetivo de TIME à Lacerda foi ‘língua

de enxofre’. Como pudemos observar, Lacerda apareceu muito pouco ao longo das

reportagens que TIME cobriu sobre o governo Quadros. No entanto, Lacerda ressurgiu com

força nesta matéria. Foi lembrado como o articulador da vitória de Jânio, mas, ao que tudo

indica, ele se sentiu traído, pois o presidente passou a flertar com os inimigos de sua família.

Mais sorrateira ainda foi a explosão do língua de enxofre Carlos Lacerda,

governador da Guanabara (que inclui o Rio de Janeiro). No início, foi articulador da

campanha presidencial de Quadros e, desde então, mudou sua posição após o flerte

de Jânio Quadros com os comunistas ("futuros carrascos de seus pais, espiões de

seus irmãos ").629

O antigesto de Lacerda, condecorando os opositores de Quadros, foi entendido como

retaliador a Jânio. Ao mesmo tempo soou como um gesto pueril. O fato foi narrado num breve

trecho muito curto. Pouco tempo depois, Lacerda partia para Brasília, a fim de acertar as

contas com Jânio. A matéria construía a representação de uma eventual briga entre os dois

627

The Cuban did not arrive on schedule. Row on row of officials were left waiting at the Brasilia airport. When

Che finally arrived without warning the next day, only a few mechanics were on hand. Quadros later put on his

best blue serge to greet him, and give him an ardent reception, along with Brazil's highest award for foreigners,

the order of the Cruzeiro do Sul. Time Magazine, loc. cit. 628

The medal was too much. Rio's O Globo complained that "hung on the chest of a false Cuban and authentic

Communist, the emblem of Christ's Cross has been completely devalued." Time Magazine, loc. cit. 629

Sharper still was the blast from sulphur-tongued Carlos Lacerda, governor of Guanabara state (which includes

Rio de Janeiro), whose original election-campaign support for Quadros has since changed to dismay at Quadros'

flirtation with Communists ("future hangmen of their fathers, spies of their brothers"). Time Magazine, loc. cit.

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políticos:

Numa reação rápida, Lacerda cercou-se de um grupo de cubanos anticastro liderado

por Manuel Antonio ("Tony") Varona e entregou-lhes as chaves do Rio. Então,

depois de se passar por Quadros e sendo convidado por ele para jantar, Lacerda

arrumou as malas e embarcou num jato da força aérea para Brasília, a fim de realizar

pessoalmente seu protesto ao presidente. 630

Segundo a matéria, Lacerda ao chegar em Brasília encontrou Jânio comendo um

sanduiche. O leitor da revista, neste momento, teve a informação de que existia no Brasil um

presidente que após condecorar um comunista vai fazer um lanche! No trecho abaixo,

podemos ainda inferir que o sanduíche estava mais interessante do que a fala de Lacerda, este

parecia não amedrontar o presidente:

Ele encontrou Quadros assistindo a um filme em sua sala de projeção particular, foi

oferecido um sanduíche e disse para começar a falar. Antes que ele mal começasse,

Quadros desculpou-se e calmamente telefonou para o ministro da Justiça Pedroso

Horta. 631

O trecho seguinte, Lacerda foi rapidamente despachado por Quadros para ter uma

conversa com o ministro da justiça. O ‘língua de enxofre’ apareceu na matéria como um

joguete, uma bola de pingue-pongue. Um dos traços de Jânio, muito debatido em reportagens

anteriores, reapareceu: sua falta de educação. Lacerda foi deixado do lado de fora do Palácio e

com sua mala abandonada. Onde estava Jânio?

"Chame Carlos à sua casa e veja o que ele quer", disse Quadros para a Horta.

Quando Lacerda terminou de falar com o ministro da Justiça, e voltou, ele encontrou

sua mala abandonada do lado de fora da porta do palácio presidencial. Jânio estava

dormindo, disse um assessor.632

Uma declaração de guerra foi anunciada contra Quadros, porém no formato de uma

denúncia que muito interessava à TIME. Desde o início das nossas investigações nesta

pesquisa, pudemos constatar as dúvidas que a revista detinha quanto aos futuros objetivos do

630

Outside the Door. In a quick reaction, Lacerda rounded up a group of anti-Castro Cubans headed by Manuel

Antonio ("Tony") Varona and handed them the keys to Rio. Then, after calling up Quadros and being invited by

him to dinner, Lacerda packed an overnight bag and rode an air force jet to Brasilia to carry his protest to the

President in person. Time Magazine, loc. cit. 631

He found Quadros watching a movie in his private projection room, was offered a sandwich and told to start

talking. He had hardly begun before Quadros excused himself and quietly phoned Justice Minister Pedroso

Horta. Time Magazine, loc. cit. 632

"Call Carlos over to your house and see what he wants," said Quadros to Horta. When Lacerda finished

talking to the Justice Minister and returned, he found his overnight bag sitting forlornly outside the presidential

palace door. Jânio was asleep, said an aide. Time Magazine, loc. cit.

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‘errático’ Quadros. A denúncia de Lacerda parece ir nessa direção. Segundo a matéria,

Lacerda denunciava a existência de um golpe de estado:

A partir de então, foi declarada a guerra, e Lacerda tornou-se um formidável

antagonista. Ele voltou para o Rio e anunciou que o ministro da Justiça Horta o

havia convidado para participar de uma trama junto com Quadros para ampliar seus

poderes presidenciais e conseguir mais autoridade para si e colocar o Congresso em

recesso permanente. 633

Por meio do seu jornal, Tribuna de Imprensa, Lacerda começava seus disparos.

Segundo Barbosa, “Lacerda não poupou virulentas críticas ao que interpretava como

maquinações, visando levar o país a um governo de exceção com coloração comunista.”634

Para Lacerda, Guevara “era considerado como um vil assassino sanguinário de Moscou e

outras comparações do gênero.”635

Por outro lado, um aspecto contraditório pode ser destacado nesse ínterim. Lacerda

ao convocar em 18 de agosto de 1961 uma entrevista de imprensa chegou “a expressar o seu

descontentamento com a evolução dos acontecimentos em Brasília. Indo do sarcástico ao

patético, declarou não ser contra o reatamento com a URSS, mas contra a infiltração

comunista no país, abertamente favorecida pelas atitudes do governo, segundo ele.”636

Lacerda passou a ser o protagonista, TIME retoma fatos antigos da trajetória desse

político. No trecho abaixo, TIME informou que os motivos da renúncia de Jânio se deram

mediante as acusações de Lacerda. O poder do governador da Guanabara passou a ser

considerado como decisivo para outros eventos, tais como o da morte de Vargas.

No momento em que as acusações de Lacerda começaram e repercutir, Quadros

renunciou de forma dramática. Havia se passado sete anos e um dia a contar da

renúncia e suicídio do poderoso Getúlio Vargas, outro presidente que tinha sofrido a

ira de Lacerda.637

Após a declaração de guerra, a imprensa passou a representar o campo de batalha.

Lacerda, nos editoriais de seu jornal, panfleta contra Jânio seguidamente nos dias 22, 23, 24 e

25 de agosto. Lacerda insistiu na acusação de que Jânio havia “traído suas promessas

633

From then on it was undeclared war, and Lacerda is a formidable antagonist. He returned to Rio and

announced that Justice Minister Horta had invited him to join a Quadros plot to grab more authority for himself

by sending Brazil's holdover Congress into permanent recess. Time Magazine, loc. cit. 634

BARBOSA, op cit, p. 328 635

Ibid., ibidem. 636

Ibid., ibidem. 637

As Lacerda's charges began to stir a fuss, Quadros dramatically resigned. It was seven years and a day from

the resignation and suicide of Brazilian Strongman Getúlio Vargas, another President who had incurred

Lacerda's wrath. Time Magazine, loc. cit.

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eleitorais, precisamente ele que era tachado de entreguista e ‘lacaio’ de Wall Street.”638

Por

fim, Lacerda “acusava Quadros de, tendo já implantado uma ditadura na política exterior,

tentar criar condições para outra interna, lançando o país na ‘órbita da Rússia’”.639

De início, TIME atribui à renúncia de Jânio a ideia de que foi um gesto impulsivo,

um ato que foi tomado por um homem jovem, confuso e com muitos erros a serem corrigidos.

Mas, por outro lado, surge na matéria a possibilidade de Jânio Quadros estar fazendo um jogo

político, utilizando seu vice-presidente como bode expiatório. Outra personagem adentra o

corpo da revista, João Goulart. Se as relações de Jânio com os comunistas eram muito

temidas, Goulart, ao que tudo indica, era mais temível ainda.

A renúncia de Jânio Quadros foi impulsiva – mas não totalmente precipitada. Ele

sabia que se os críticos temiam seu flerte com os próprios comunistas, eles temiam o

seu sucessor ainda mais. 640

O foco de TIME passou a mudar gradualmente de Jânio para Goulart. O vice-

-presidente do Brasil estava na China numa missão comercial. Os adjetivos não tardaram a

aparecer: ambicioso e demagogo de esquerda são alguns deles.

Em Cingapura, liderando uma missão comercial à China Vermelha, o ambicioso

vice-presidente João ("Jango") Goulart, 43, um demagogo de esquerda que se escora

nos trabalhadores, desceu do avião como se descesse em sua própria casa. 641

Segundo Barbosa, no momento em que Guevara era condecorado, Goulart externava

em Pequim “sua admiração pelo povo chinês que havia demonstrado como se libertar do jugo

de seus exploradores.”642

A forma como “Jango” passou a ser representado na reportagem parece indicar a

posição da revista tanto em relação a ele como em relação a Quadros, ou seja, Quadros

aceitou um opositor como vice-presidente, ao mesmo tempo em que esse opositor tem apoio

aberto dos comunistas. O formato das candidaturas à vice-presidência do Brasil chamou a

atenção de TIME, haja vista que este formato difere do norte-americano. Ainda nesse trecho,

TIME observou que o ato de renunciar já fazia parte do script de Jânio Quadros, a revista

lembrou de passagem o episódio de 1959:

638

BARBOSA, op cit, p. 328-329 639

Ibid., ibidem. 640

Quadros' resignation was impulsive — but not altogether rash. He knew that if critics feared his own flirtation

with Communists, they would fear his successor even more. Time Magazine, loc. cit. 641

In Singapore, having just led a trade mission to Red China, ambitious Vice President João ("Jango") Goulart,

43, a labor-wooing leftist demagogue, hopped a plane for home. Time Magazine, loc. cit. 642

BARBOSA, op cit., p 327

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Opositor de Quadros – porém eleito (com o apoio comunista), é do costume

brasileiro permitir votações separadas para presidente e vice-presidente –, João

Goulart automaticamente se torna obrigado a assumir a presidência do Brasil no

momento em que tocar o solo brasileiro. 643

Pouco tempo antes do início da sua

campanha presidencial, Jânio Quadros renunciou dramaticamente sua candidatura

em protesto contra as exigências que estavam sendo feitas pelos partidos que o

apoiavam. 644

Na época, o resultado causou impactos em setores do exército e dos

oficiais da Força Aérea, houve pedidos em todo o país pelo seu retorno e finalmente

Quadros se rendeu aos apelos populares – logo após, os partidos o liberaram de

todos os compromissos.645

A matéria passou a informar sobre os incidentes que derivaram da renúncia. O ataque

à embaixada americana foi lembrado. Afonso Arinos surge como uma voz isolada e pró-

Quadros, o chanceler funcionava como uma eminência parda de Jânio nos assuntos da política

externa independente. Por outro lado, o povo reaparece, a voz do povo chamava pela volta de

Quadros:

O ritmo e a execução do pedido de renúncia na semana passada apresentou

semelhante e calculada imprudência. Houve algumas manifestações turbulentas,

incluindo o apedrejamento da embaixada dos EUA no Rio* por 200 alunos.

(*Atualmente entre os embaixadores, o Presidente Kennedy anunciou a nomeação

do economista de Harvard e do especialista em Brasil, Lincoln Gordon, para o cargo

na semana passada.646

)647

O Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, pediu

ao Congresso que "recusem a renúncia, senão haverá caos e guerra civil." E em todo

o Brasil, os protestos começaram a pedir o retorno de Quadros – presumivelmente

em seus próprios termos novamente.648

Um asterisco apareceu no trecho anterior e anunciou a chegada de Lincoln Gordon à

embaixada brasileira. TIME fez questão de frisar que o novo embaixador era um perito em

Brasil.

Essa reportagem foi publicada sete dias após a renúncia, tinha uma noção

aproximada das movimentações tanto em torno da renúncia, como das atitudes posteriores de

643

Opposed by Quadros but elected (with Communist support) under the Brazilian custom of permitting separate

votes for President and Vice President, Goulart automatically would become President of Brazil the moment he

touches Brazilian soil. Time Magazine, loc. cit. 644

Once before, early in the presidential campaigning, Quadros dramatically resigned his candidacy in protest

over the demands being made by parties supporting him. Time Magazine, loc. cit. 645

At that time, the result was a hair-trigger revolt by a few army and air force officers, pleas from across the

nation for his return, and Quadros' final surrender to the popular will — after the parties released him from all

commitments. Time Magazine, loc. cit. 646

* Currently between ambassadors; President Kennedy announced the appointment of Harvard Economist (and

Brazil Expert) Lincoln Gordon for the post last week. Time Magazine, loc. cit. 647

The timing and execution of last week's resignation showed similar calculated recklessness. There were a few

riotous demonstrations, including the stoning of the U.S. embassy in Rio* by 200 students. Time Magazine, loc.

cit. 648

Foreign Minister Afonso Arinos urged Congress to "refuse the resignation, or else there will be chaos and

civil war." And across Brazil, the pleading began for Quadros to return — presumably on his own terms again.

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Quadros. O tom de despedida sugeriu não esconder a intenção messiânica. Quadros,

novamente parte para uma viagem com a pretensão de que as coisas se ajustem em seu favor.

Suas viagens eram longevas, tanto no espaço como no tempo. Três meses no exterior.

Sua renúncia não seria julgada até que fosse publicada no Diário Oficial. Mas, nas

últimas semanas, Quadros disse: "Eu não voltarei, a minha decisão é definitiva."Ele

planeja viajar para o exterior por três meses”, disse ele, "para evitar embaraços ao

próximo presidente do Brasil, Sr. Goulart."649

Até aquele momento, poderia ser dúbia a fala de Jânio permitindo que seu vice

assumisse sem os embaraços de sua presença no Brasil. A renúncia ainda precisava de um

dispositivo legal, ou seja, uma publicação no Diário Oficial da União, do contrário,

continuaria presidente.

Por se tratar da última matéria observando Jânio como presidente do Brasil, podemos

defender que a revista desde o início da cobertura da corrida presidencial de 1960 perseguiu

um personagem enigmático. Representou-o de diversas formas e sempre amparando-se em

seus gestos impulsivos.

Jânio vem aí! A revista o aguardou.

Onde estás tu, Jânio? A revista o procurou.

Por que tu, Jânio? A revistou tentou compreender essa questão durante os primeiros

seis meses de 1961.

Agora, Quadros Quit, a revista pareceu não se importar com o seu destino. Nas

reportagens seguintes, o messianismo de Jânio apareceu, reapareceu e desapareceu dentro do

governo seguinte. Uma grande ameaça ao Século Americano estaria definitivamente afastada?

IMAGENS DO CAPÍTULO 5

649

His resignation would not become final until it is published in the official government gazette. But at week's

end Quadros said: "I will not turn back. My decision is definite." He plans to travel abroad for three months, he

said, "to avoid embarrassing the next President of Brazil. Senhor Goulart." Time Magazine, loc. cit.

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Imagem 38 – 30-06-1961

Imagem 39 – Quadros & Fans (30-06-1961)

“God destined us to become a great people.”

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"Deus nos destinou para sermos um grande povo."

Imagem 40 – 30-06-1961

Imagem 41 – 30-06-1961

Deixe o povo ficar! Deixe o povo assistir!

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Imagem 42 – Castro & Quadros (30-06-1961)

“Some Day, in some unknown serra...”

"Algum dia, de alguma serra desconhecido ..."

Imagem 43 – Eloá, Quadros & Tutu. (30-06-1961)

“The ugliest man I ever met”

"O homem mais feio que eu já conheci"

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Imagem 44 – The Capital that Kubitschek built: Brasília. (30-06-1961)

“This place gives me the creebs.”

Esse lugar me dá arrepios

Imagem 45 – Grandpa Quadros in Brasília. (04-08-1961)

Tacking Between the poles.

Alinhavando entre os pólos.

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Imagem 46 – Quadros decorating Che. (01-09-1961)

“Hung on an authentic Communist.” Condecorando um autêntico comunista

Imagem 47 – Critic Lacerda (01-09-1961)

Invited to the plot.

Convidados para a trama.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Defendemos a tese de que Jânio Quadros, desde o início de sua campanha até sua

renúncia, afrontou os interesses norte-americanos no Brasil e, do mesmo modo, incomodou o

ideário de TIME.

Até que ponto a ideologia de Henry Luce teria condições de chegar, dentro dos seus

próprios moldes, aos povos do Terceiro Mundo? Aliás, que lugar ocupavam os povos latino-

americanos nos ideais de TIME? Havia alguma diferença entre Europa e América Latina no

messianismo de Luce? As respostas para essas questões podem ser resumidas nas reportagens

pessimistas, irônicas e jocosas em relação aos latinos-americanos.

Além da fronteira americana, havia um mundo cuja política, a cultura e a economia

eram estranhos e confusos aos olhos da TIME. A região precisava ser observada dentro de

uma seção específica (The Hemisphere). Cada país era observado dentro de um relativo grau

de atenção, cuidado e vigilância. Desse método deriva uma proposta tutelar avessa a

alteridade. Os países latinos americanos eram analisados dentro de um formato que

dispensava uma análise mais imparcial. As vicissitudes desses povos eram observadas e

recebiam um tipo de interpretação que negava qualquer réplica defensiva.

A chegada de Kennedy ao poder em 1961 foi bem recebida por TIME. Enquanto

político, jovem e entusiasta, Kennedy lançou luzes a uma nova fase na política norte-

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americana. Por outro lado, tratou-se de um contexto conturbado. A América Latina

encontrava-se em estado de “ebulição”, por exemplo: a Revolução Cubana, as hostilidades a

Nixon, a Operação Pan-americana de JK, o mal-estar argentino diante do imperialismo dos

EUA, as questões em torno do Panamá, Jânio Quadros, dentre outros. Todos esses eventos

foram cobertos por TIME em tom de crítica, surpresa, curiosidade e apreensão.

Kennedy estabeleceu uma linha de trabalho que, de certo modo, contrariava as

análises e as interpretações de TIME. O Departamento de Estado defendia a tese de que a

ajuda econômica a esses povos seria uma forma de combater ao comunismo. Por se tratar de

uma dimensão econômica, tal ajuda iria desagradar aos interesses da empresa republicana na

qual se encaixava a revista. As reportagens que cobriram a Aliança para o Progresso eram de

cunho crítico e discordavam frontalmente das decisões que foram tomadas em favor dos

latinos americanos. Neste ponto articulam-se duas proposições. A primeira diz respeito à falta

de perspectiva de TIME em difundir os valores do Século Americano no espaço Latino

Americano. Segundo, diante de um espaço conturbado como o aquele, a aplicação de recursos

seria inviável.

Durante as reuniões com os países da América Latina para tratar dos investimentos

da Aliança para o Progresso, TIME deu ênfase a constante insatisfação dos latino-americanos

ao receberem o recurso. A perspectiva da ingratidão pode estar bem alinhada à ideia de

repulsa aos yankees e a crítica contra o imperialismo executada pelos esquerdistas latino

americanos. Se de um lado o formato dos recursos se caracterizava em empréstimos, esses

mesmos empréstimos iriam compor um círculo vicioso no qual se tornaria inevitável a tomada

de novos empréstimos, alargando ainda mais o fosso da dívida externa dos países

dependentes.

A gestão dos recursos recebidos corrobora a primeira afirmação. Os políticos, vistos

como demagogos e lideranças cegas pelo poder, não teriam a mínima condição racional para

conduzir qualquer processo de reerguimento de suas economias. A América Latina foi tratada

como um espaço onde a política era interpretada como espaço aberto das disputas partidárias

pelo poder (o poder pelo poder). Tais perfis políticos podiam facilmente ser estendidos para

além dos partidos, dentre eles: os sindicatos, os gestores de empresas públicas, os militares, as

classes média a alta, todos participavam de uma ciranda insana na disputa pelo poder.

Havia a perspectiva que dizia respeito ao tipo de região no qual ‘aqueles’ povos

estavam inseridos. A América Latina ainda, sob a ótica da TIME pertencia ao Wilderness,

uma imensa floresta com caudalosos e misteriosos rios. Sobre esse imenso espaço se

assentava uma população pobre, iletrada, sem as luzes do século americano. Não haveria

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recurso algum no mundo que pudesse ajudar tamanha pobreza e subdesenvolvimento.

Investimentos pontuais eram estudados, mas não havia garantia de solução num curto prazo.

Para TIME essas teses seriam suficientes para derrubar as propostas do Departamento

de Estado para contenção do comunismo na região.

História, Cultura e Imprensa. Os meios de comunicação “imperialistas” impõem, ao

seu modo, sentido aos fatos independentemente se há alguém para recepcioná-los ou

corroborá-los. A difusão endógena das informações – ou seja: dentro do seu próprio país –

feita através de um poderoso veículo de imprensa na maioria das vezes torna-se eficaz. A

difusão exógena (publicações em outros países tratando dos mesmos assuntos) depende de

outras variáveis, sendo a principal delas a cultura de um povo.

Enquanto Jânio era apresentado aos EUA como uma ameaça, o grande público

brasileiro tinha a impressão inversa. A UDN tinha como plataforma o alinhamento com os

Estados Unidos. Nesse sentido, a figura de Jânio desfrutava de certo prestígio frente à

população que o elegeu. Sua expressiva e histórica vitória atesta esse argumento. TIME sabia

disso.

As reportagens de TIME são históricas e revelam historicidade, no entanto

direcionam seu discurso para um determinado público. Arroga-se de publicar a verdade,

subterfúgio ideológico – história direcionada. TIME tinha o poder de direcionar uma

informação e produzir, a revelia do tema ou do assunto, uma particular versão da história.

Prática não muito diferente daquilo que os meios de comunicação já fazem corriqueiramente.

A revista TIME se apropriou dos fatos, dialogou com fontes parceiras e sintetizou sua

opinião dentro dos moldes do seu ideário: O Século Americano. A história realizada pelos

editores de TIME é unilateral. Tal ideário permeia boa parte dos setores conservadores norte-

americanos. Até mesmo sua coluna de cartas era filtrada, os missivistas eram completamente

parciais.

A Guerra Fria, por outro lado, e tendo o duelo EUA/URSS ao fundo, não era um

momento de acertos dialéticos. Havia um explícito e delicado dualismo. Nesse sentido, talvez

fosse normal que veículos como TIME se ocupassem mais em produzir do gabinete do que

sair a campo. O Departamento de Estado e a CIA saíram à caça para localizar e prender,

jamais para analisar, dialogar e procurar sínteses amistosas. Numa estrutura de trabalho

dualista não havia espaço para o outro.

Século Americano versus Jânio. Dentro de TIME, Jânio existia como seus editores o

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viam. Para os que estavam de fora, ele era outra pessoa. A empresa capitalista americana

esbarrava-se em Quadros. Tratava-se de uma personalidade difícil, senão a mais difícil que

tivesse cruzado o caminho dos Estados Unidos no Brasil. Como lidar com uma personalidade

tão ambígua? O comportamento de Jânio era de fácil compreensão para os brasileiros que o

elegeram: anticomunista e antiamericano. Mas, para um americano, tal ponto de vista era

muito complicado. Jânio está ou não está conosco? Talvez um americano se perguntasse:

Como pode estar conosco e contra nós ao mesmo tempo? Como ele consegue se opor aos

Estados Unidos se ele também é anticomunista? A revista mesmo estando diante de um

complicado problema de interpretação, conduziu as reportagens numa perspectiva anti-Jânio.

A revista se incomodava com os investimentos no governo Jânio Quadros. Os

números eram significativos. Eram proporcionalmente tão grandes como o país para os quais

eram direcionados. O nacionalismo e a expropriação andavam juntos naquela administração,

pelo menos foram as pautas de campanha durante aquela gestão.

Jânio, na maior parte do tempo de seu governo, flertou com os países comunistas. A

URSS tinha interesse não apenas em remeter recursos saneadores à economia brasileira, ela

queria introduzir seu maquinário, suas fábricas, sua ideologia, ou seja, os mesmos três

elementos de que dispõe o Século Americano. O século soviético batia à porta do Brasil com

os EUA espreitando pela janela. Jânio não deixaria nunca a porta fechada.

O Século Americano não contabilizava ou até mesmo imaginava manifestações de

independência tão fortes. A difusão de objetos e valores norte-americanos não podia encontrar

nenhum tipo de resistência, exceção para Cuba. Jânio não bloqueou nenhuma entrada de

investidores norte-americanos, porém alterou o critério de acesso e influência, ou seja, antes

de entrar, seria necessária a autorização do anfitrião.

Fronteira e Wilderness. A fronteira já havia sido vencida há muito tempo, o

wilderness não. Despachavam-se correspondentes e repórteres. TIME não enviava

antropólogos, aliás, encaminhava para além das fronteiras os mais hábeis espiões. Uma forma

peculiar de se produzir história era feita por esses espiões. Por outro lado, das terras distantes

a informação era transmitida para o Office. A espera da mensagem estava Henry Luce que

fazia o filtro necessário, atribuías aos fatos recebidos o significado que julgava pertinente e de

acordo com a sua própria interpretação. TIME continuava a tratar o wilderness como tal.

Brasília estava, segundo a revista, assentada nele. Jânio Quadros passou a morar em Brasília,

no interior do Brasil, ele era natural do Mato Grosso, região indômita, ao lado de Goiás, outra

região a ser desbravada. O Rio de Janeiro, com Lacerda, insistia em centralizar e reter o poder

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executivo, o duelo entre a bela ex-capital – a Cidade Maravilhosa – e Brasília promovia essa

intensa dialética: campo versus cidade, wilderness versus cultura. Ao contrário do vice-

presidente João Goulart, que optava por permanecer no Palácio das Laranjeiras, Jânio ficava

em Brasília. Os gastos com o deslocamento dos parlamentares eram exorbitantes. TIME

notificou essas demandas e, ao seu modo, denunciou a forma como os recursos públicos

foram drenados na gestão daquele governo.

Jânio fixou uma fronteira visível. Kennedy um fronteira mais amistosa. O contexto

mundial estabelecia o desenho e o redesenho da geografia mundial, de um lado eram as

fronteiras, do outro eram os Muros. De que maneira o Século Americano poderia vencer essas

fronteiras que Jânio fixava? Os empréstimos nada mais eram que armadilhas ingênuas e que

muitas vezes não convenciam Quadros. A fronteira pan-americana nada mais era do que uma

enorme cerca que guardava em seu enorme interior um imenso wilderness. A principal

estratégia para que o Século Americano adentrasse a fronteira do Brasil seria inibir ou até

mesmo anular personagens que utilizassem o seu forte poder de persuasão contra a empresa

americana. Quadros durante sete meses foi esse personagem.

Quem era o povo brasileiro que aparecia nas reportagens que traziam Jânio como

tema? Questões de ordem estrutural tais como saúde, educação e moradia foram amplamente

abordadas. Mas o povo brasileiro não aparecia de forma direta na maioria das vezes. O povo

estava no campo, ameaçado de cooptação pelas Ligas Camponesas, tidas como instrumento

do comunismo no Brasil. O povo estava por trás dos empréstimos e dos investimentos. O

povo também era parte do wilderness. TIME tratou o povo como povo, massivo, e facilmente

manipulável.

O número de eleitores de Jânio e dos demais candidatos não representou apenas uma

parcela do povo, mas a sua carência por um líder político que pudesse aplacar os numerosos

problemas nacionais. Havia uma população ávida por um redentor e um líder não apenas

político, mas messiânico. TIME é uma revista ‘missionária’ e encontrou um forte adversário

em outra estrutura messiânica, Jânio, uma espécie de “Providência Divina”, um “Salvador da

Pátria”.

A revista analisou o perfil de Jânio por meio de uma ousada lógica: Líder +

Independente + Autoritário = Ditador. A fórmula revela muito dos temores da revista diante da

possibilidade de surgir outro Fidel Castro (outras Cubas). Para TIME, ditadura e comunismo

andavam juntos. Jânio Quadros, declarado antiamericano e desafeto da própria revista, era um

perigo evidente. A liderança de Quadros ficou clara com a sua força política diante dos

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partidos nas eleições que participou. A postura independente sempre o acompanhou,

estendendo-se ao grau máximo no contexto das relações internacionais. O perfil autoritário

estava ligado ao uso político da máquina pública, de forma carismática ele agraciava o povo

com atitudes decisivas e enérgicas.

Um mês após ter sido a matéria de capa de uma das revistas mais famosas do mundo,

Jânio renunciava e partiu, como sempre, para longe. Tratava-se de um momento em que o

Século Americano não poderia mais emitir suspiros de alívio em relação ao Brasil e aos países

latino-americanos. Jânio Quadros, ao deixar o poder, motivou a TIME a produzir um número

ainda maior de reportagens e informações sobre o Brasil dentro de um contexto de

preocupação, crítica e desconforto.

REPORTAGENS CONSULTADAS

Seção Hemisphere: País, Título, Data.

The Americas: The Guests Of Venezuela. 26-05-1958

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Brazil: The Candidates, 29-02-1960

Brazil: Which Conservative?, 03-10-1960

Brazil: Slipped Trip, 11-04-1960

Brazil: The New President, 17-10-1960

Brazil: Journey To The East, 05-12-1960

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Brazil: Wherefore Art Thou, Jânio, 06-01-1961

Brazil: Jack & Janio, 10-02-1961

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The Americas: Silent Disenchantment, 10-03-1961

Brazil: Insult To Injury, 17-03-1961

The Americas: Two Views South, 17-03-1961

The Hemisphere: Investment Going Down, 17-03-1961

The Americas: Progreso, Si!, 24-03-1961

Brazil: The Quadros Line, 24-03-1961

Brazil: U.S. Bet On Quadros, 14-04-1961

Brazil: Sharpening Definitions, 02-06-1961

The Americas: A New Political Force, 02-06-1961

The Americas: Who's Intervening Where?, 16-06-1961

The Americas: Hello, But No Help, 23-06-1961

Brazil: One Man's Cup Of Coffee, 30-06-1961

Brazil: Plan For The Serra, 21-07-1961

Brazil: Quadros Quits, 01-09-1961

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ANEXO: TEXTO ORIGINAL DO SÉCULO AMERICANO

THE AMERICAN CENTURY

HENRY R. LUCE

First published in LIFE magazine 17 February 1941

We Americans are unhappy. We are not happy about America. We are not happy about

ourselves in relation to America. We are nervous - or gloomy - or apathetic.

As we look out at the rest of the world we are confused; we don't know what to do. "Aid to

Britain short of war" is typical of halfway hopes and halfway measures.

As we look toward the future - our own future and the future of other nations - we are filled

with foreboding. The future doesn't seem to hold anything for us except conflict, disruption,

war.

There is a striking contrast between our state of mind and that of the British people. On Sept.

3, 1939, the first day of the war in England, Winston Churchill had this to say: "Outside the

storms of war may blow and the land may be lashed with the fury of its gales, but in our

hearts this Sunday morning there is Peace." Since Mr. Churchill spoke those words the

German Luftwaffe has made havoc of British cities, driven the population underground,

frightened children from their sleep, and imposed upon everyone a nervous strain as great as

any that people have ever endured. Readers of LIFE have seen this havoc unfolded week by

week.

Yet close observers agree that when Mr. Churchill spoke of peace in the hearts of the British

people he was not indulging in idle oratory. The British people are profoundly calm. There

seems to be a complete absence of nervousness. It seems as if all the neuroses of modern life

had vanished from England.

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In the beginning the British Government made elaborate preparations for an increase in

mental breakdowns. But these have actually declined. There have been fewer than a dozen

breakdowns reported in London since the air raids began.

The British are calm in their spirit not because they have nothing to worry about but because

they are fighting for their lives. They have made that decision. And they have no further

choice. All their mistakes of the past 20 years, all the stupidities and failures that they have

shared with the rest of the democratic world, are now of the past. They can forget them

because they are faced with a supreme task - defending, yard by yard, their island home.

With us it is different. We do not have to face any attack tomorrow or the next day. Yet we

are faced with something almost as difficult. We are faced with great decisions.

* * *

We know how lucky we are compared to all the rest of mankind. At least two-thirds of us are

just plain rich compared to all the rest of the human family - rich in food, rich in clothes, rich

in entertainment and amusement, rich in leisure, rich.

And yet we also know that the sickness of the world is also our sickness. We, too, have

miserably failed to solve the problems of our epoch. And nowhere in the world have man's

failures been so little excusable as in the United States of America. Nowhere has the contrast

been so great between the reasonable hopes of our age and the actual facts of failure and

frustration. And so now all our failures and mistakes hover like birds of ill omen over the

White House, over the Capitol dome and over this printed page. Naturally, we have no peace.

But, even beyond this necessity for living with our own misdeeds, there is another reason why

there is no peace in our hearts. It is that we have not been honest with ourselves.

In this whole matter of War and Peace especially, we have been at various times and in

various ways false to ourselves, false to each other, false to the facts of history and false to the

future.

In this self-deceit our political leaders of all shades of opinion are deeply implicated. Yet we

cannot shove the blame off on them. If our leaders have deceived us it is mainly because we

ourselves have insisted on being deceived. Their deceitfulness has resulted from our own

moral and intellectual confusion. In this confusion, our educators and churchmen and

scientists are deeply implicated.

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Journalists, too, of course, are implicated. But if Americans are confused it is not for lack of

accurate and pertinent information. The American people are by far the best informed people

in the history of the world. The trouble is not with the facts. The trouble is that clear and

honest inferences have not been drawn from the facts. The day-to-day present is clear. The

issues of tomorrow are befogged.

There is one fundamental issue which faces America as it faces no other nation. It is an issue

peculiar to America and peculiar to America in the 20th Century - now. It is deeper even than

the immediate issue of War. If America meets it correctly, then, despite hosts of dangers and

difficulties, we can look forward and move forward to a future worthy of men, with peace in

our hearts. If we dodge the issue, we shall flounder for ten or 20 or 30 bitter years in a

chartless and meaningless series of disasters.

The purpose of this article is to state that issue, and its solution, as candidly and as completely

as possible. But first of all let us be completely candid about where we are and how we got

there.

AMERICA IS IN THE WAR

. . . But are we in it?

Where are we? We are in the war. All this talk about whether this or that might or might not

get us into the war is wasted effort. We are, for a fact, in the war.

If there's one place we Americans did not want to be, it was in the war. We didn't want much

to be in any kind of war but, if there was one kind of war we most of all didn't want to be in, it

was a European war. Yet, we're in a war, as vicious and bad a war as ever struck this planet,

and, along with being worldwide, a European war.

Of course, we are not technically at war, we are not painfully at war, and we may never have

to experience the full hell that war can be. Nevertheless the simple statement stands: we are in

the war. The irony is that Hitler knows it -and most Americans don't. It may or may not be an

advantage to continue diplomatic relations with Germany. But the fact that a German embassy

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still flourishes in Washington beautifully illustrates the whole mass of deceits and self-deceits

in which we have been living.

Perhaps the best way to show ourselves that we are in the war is to consider how we can get

out of it. Practically, there's only one way to get out of it and that is by a German victory over

England. If England should surrender soon, Germany and America would not start fighting

the next day. So we would be out of the war. For a while. Except that Japan might then attack

the South Seas and the Philippines. We could abandon the Philippines, abandon Australia and

New Zealand, withdraw to Hawaii. And wait. We would be out of the war. We say we don't

want to be in the war. We also say we want England to win. We want Hitler stopped - more

than we want to stay out of the war. So, at the moment, we're in.

WE GOT IN VIA DEFENSE

. . . But what are we defending?

Now that we are in this war, how did we get in? We got in on the basis of defense. Even that

very word, defense, has been full of deceit and self-deceit. To the average American the plain

meaning of the word defense is defense of the American territory. Is our national policy today

limited to the defense of the American homeland by whatever means may seem wise? It is

not. We are not in a war to defend American territory. We are in a war to defend and even to

promote, encourage and incite so-called democratic principles throughout the world. The

average American begins to realize now that that's the kind of war he's in. And he's halfway

for it. But he wonders how he ever got there, since a year ago he had not the slightest

intention of getting into any such thing. Well, he can see now how he got there. He got there

via "defense."

Behind the doubts in the American mind there were and are two different picture-patterns.

One of them stressing the appalling consequences of the fall of England leads us to a war of

intervention. As a plain matter of the defense of American territory is that picture necessarily

true? It is not necessarily true.

For the other picture is roughly this: while it would be much better for us if Hitler were

severely checked, nevertheless regardless of what happens in Europe it would be entirely

possible for us to organize a defense of the northern part of the Western Hemisphere so that

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this country could not be successfully attacked. You are familiar with that picture. Is it true or

false? No man is qualified to state categorically that it is false. If the entire rest of the world

came under the organized domination of evil tyrants, it is quite possible to imagine that this

country could make itself such a tough nut to crack that not all the tyrants in the world would

care to come against us. And of course there would always be a better than even chance that,

like the great Queen Elizabeth, we could play one tyrant off against another. Or, like an

infinitely mightier Switzerland, we could live discreetly and dangerously in the midst of

enemies. No man can say that that picture of America as an impregnable armed camp is false.

No man can honestly say that as a pure matter of defense - defense of our homeland - it is

necessary to get into or be in this war. The question before us then is not primarily one of

necessity and survival. It is a question of choice and calculation. The true questions are: Do

we want to be in this war? Do we prefer to be in it? And, if so, for what?

WE OBJECT TO BEING IN IT

. . . Our fears have a special cause

We are in this war. We can see how we got into it in terms of defense. Now why do we object

so strongly to being in it?

There are lots of reasons. First, there is the profound and almost universal aversion to all war -

to killing and being killed. But the reason which needs closest inspection, since it is one

peculiar to this war and never felt about any previous war, is the fear that if we get into this

war, it will be the end of our constitutional democracy. We are all acquainted with the fearful

forecast - that some form of dictatorship is required to fight a modern war, that we will

certainly go bankrupt, that in the process of war and its aftermath our economy will be largely

socialized, that the politicians now in office will seize complete power and never yield it up,

and that what with the whole trend toward collectivism, we shall end up in such a total

national socialism that any faint semblances of our constitutional American democracy will

be totally unrecognizable. We start into this war with huge Government debt, a vast

bureaucracy and a whole generation of young people trained to look to the Government as the

source of all life. The Party in power is the one which for long years has been most

sympathetic to all manner of socialist doctrines and collectivist trends.

The President of the United States has continually reached for more and more

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power, and he owes his continuation in office today largely to the coming of the war. Thus,

the fear that the United States will be driven to a national socialism, as a result of cataclysmic

circumstances and contrary to the free will of the American people, is an entirely justifiable

fear.

BUT WE WILL WIN IT

. . . The big question is how

So there's the mess - to date. Much more could be said in amplification, in qualification, and

in argument. But, however elaborately they might be stated, the sum of the facts about our

present position brings us to this point - that the paramount question of this immediate

moment is not whether we get into war but how do we win it?

If we are in a war, then it is no little advantage to be aware of the fact. And once we admit to

ourselves we are in a war, there is no shadow of doubt that we Americans will be determined

to win it - cost what it may in life or treasure. Whether or not we declare war, whether or not

we send expeditionary forces abroad, whether or not we go bankrupt in the process - all these

tremendous considerations are matters of strategy and management and are secondary to the

overwhelming importance of winning the war.

WHAT ARE WE FIGHTING FOR?

. . . And why we need to know

Having now, with candor, examined our position, it is time to consider, to better purpose than

would have been possible before, the larger issue which confronts us. Stated most simply, and

in general terms, that issue is: What are we fighting for?

Each of us stands ready to give our life, our wealth, and all our hope of personal happiness, to

make sure that America shall not lose any war she is engaged in. But we would like to know

what war we are trying to win - and what we are supposed to win when we win it.

This questioning reflects our truest instincts as Americans. But more than that. Our urgent

desire to give this war its proper name has a desperate practical importance. If we know what

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we are fighting for, then we can drive confidently toward a victorious conclusion and, what's

more, have at least an even chance of establishing a workable Peace.

Furthermore - and this is an extraordinary and profoundly historical fact which deserves to be

examined in detail - America and only America can effectively state the war aims of this war.

Almost every expert will agree that Britain cannot win complete victory -cannot even, in the

common saying, "stop Hitler" - without American help. Therefore, even if Britain should

from time to time announce war aims, the American people are continually in the position of

effectively approving or not approving those aims. On the contrary, if America were to

announce war aims, Great Britain would almost certainly accept them. And the entire world

including Adolf Hitler would accept them as the gauge of this battle.

Americans have a feeling that in any collaboration with Great Britain we are somehow

playing Britain's game and not our own. Whatever sense there may have been in this notion in

the past, today it is an ignorant and foolish conception of the situation. In any sort of

partnership with the British Empire, Great Britain is perfectly willing that the United States of

America should assume the role of senior partner. This has been true for a long time. Among

serious Englishmen, the chief complaint against America (and incidentally their best alibi for

themselves) has really amounted to this - that America has refused to rise to the opportunities

of leadership in the world.

Consider this recent statement of the London Economist :

"If any permanent closer association of Britain and the United States is achieved, an island

people of less than 50 millions cannot expect to be the senior partner. . . . The center of

gravity and the ultimate decision must increasingly lie in America. We cannot resent this

historical development. We may rather feel proud that the cycle of dependence, enmity and

independence is coming full circle into a new interdependence." We Americans no longer

have the alibi that we cannot have things the way we want them so far as Great Britain is

concerned. With due regard for the varying problems of the members of the British

Commonwealth, what we want will be okay with them. This holds true even for that inspiring

proposal called Union Now - a proposal, made by an American, that Britain and the United

States should create a new and larger federal union of peoples. That may not be the right

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approach to our problem. But no thoughtful American has done his duty by the United States

of America until he has read and pondered Clarence Streit's book presenting that proposal.

The big, important point to be made here is simply that the complete opportunity of leadership

is ours. Like most great creative opportunities, it is an opportunity enveloped in stupendous

difficulties and dangers. If we don't want it, if we refuse to take it, the responsibility of refusal

is also ours, and ours alone. Admittedly, the future of the world cannot be settled all in one

piece. It is stupid to try to blueprint the future as you blueprint an engine or as you draw up a

constitution for a sorority. But if our trouble is that we don't know what we are fighting for,

then it's up to us to figure it out. Don't expect some other country to tell us. Stop this Nazi

propaganda about fighting somebody else's war. We fight no wars except our wars. "Arsenal

of Democracy?" We may prove to be that. But today we must be the arsenal of America and

of the friends and allies of America.

Friends and allies of America? Who are they, and for what? This is for us to tell them.

DONG DANG OR DEMOCRACY

. . . But whose Dong Dang, whose Democracy?

But how can we tell them? And how can we tell ourselves for what purposes we seek allies

and for what purposes we fight? Are we going to fight for dear old Danzig or dear old Dong

Dang? Are we going to decide the boundaries of Uritania? Or, if we cannot state war aims in

terms of vastly distant geography, shall we use some big words like Democracy and Freedom

and Justice? Yes, we can use the big words. The President has already used them. And

perhaps we had better get used to using them again. Maybe they do mean something -about

the future as well as the past.

Some amongst us are likely to be dying for them - on the fields and in the skies of battle.

Either that, or the words themselves and what they mean die with us - in our beds.

But is there nothing between the absurd sound of distant cities and the brassy trumpeting of

majestic words? And if so, whose Dong Dang and whose Democracy? Is there not something

a little more practically satisfying that we can get our teeth into? Is there no sort of

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understandable program? A program which would be clearly good for America, which would

make sense for America - and which at the same time might have the blessing of the Goddess

of Democracy and even help somehow to fix up this bothersome matter of Dong Dang? Is

there none such? There is. And so we now come squarely and closely face to face with the

issue which Americans hate most to face. It is that old, old issue with those old, old battered

labels -the issue of Isolationism versus Internationalism. We detest both words. We spit them

at each other with the fury of hissing geese. We duck and dodge them.

Let us face that issue squarely now. If we face it squarely now - and if in facing it we take full

and fearless account of the realities of our age - then we shall open the way, not necessarily to

peace in our daily lives but to peace in our hearts.

Life is made up of joy and sorrow, of satisfactions and difficulties. In this time of trouble, we

speak of troubles. There are many troubles. There are troubles in the field of philosophy, in

faith and morals. There are troubles of home and family, of personal life. All are interrelated

but we speak here especially of the troubles of national policy.

In the field of national policy, the fundamental trouble with America has been, and is, that

whereas their nation became in the 20th Century the most powerful and the most vital nation

in the world, nevertheless Americans were unable to accommodate themselves spiritually and

practically to that fact. Hence they have failed to play their part as a world power - a failure

which has had disastrous consequences for themselves and for all mankind. And the cure is

this: to accept wholeheartedly our duty and our opportunity as the most powerful and vital

nation in the world and in consequence to exert upon the world the full impact of our

influence, for such purposes as we see fit and by such means as we see fit.

* * *

"For such purposes as we see fit" leaves entirely open the question of what our purposes may

be or how we may appropriately achieve them. Emphatically our only alternative to

isolationism is not to undertake to police the whole world nor to impose democratic

institutions on all mankind including the Dalai Lama and the good shepherds of Tibet.

America cannot be responsible for the good behavior of the entire world. But America is

responsible, to herself as well as to history, for the world environment in which she lives.

Nothing can so vitally affect America's environment as America's own influence upon it, and

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therefore if America's environment is unfavorable to the growth of American life, then

America has nobody to blame so deeply as she must blame herself. In its failure to grasp this

relationship between America and America's environment lies the moral and practical

bankruptcy of any and all forms of isolationism. It is most unfortunate that this virus of

isolationist sterility has so deeply infected an influential section of the Republican Party. For

until the Republican Party can develop a vital philosophy and program for America's initiative

and activity as a world power, it will continue to cut itself off from any useful participation in

this hour of history. And its participation is deeply needed for the shaping of the future of

America and of the world.

* * *

But politically speaking, it is an equally serious fact that for seven years Franklin Roosevelt

was, for all practical purposes, a complete isolationist. He was more of an isolationist than

Herbert Hoover or Calvin Coolidge. The fact that Franklin Roosevelt has recently emerged as

an emergency world leader should not obscure the fact that for seven years his policies ran

absolutely counter to any possibility of effective American leadership in international co-

operation. There is of course a justification which can be made for the President's first two

terms. It can be said, with reason, that great social reforms were necessary in order to bring

democracy up-to-date in the greatest of democracies. But the fact is that Franklin Roosevelt

failed to make American democracy work successfully on a narrow, materialistic and

nationalistic basis. And under Franklin Roosevelt we ourselves have failed to make

democracy work successfully. Our only chance now to make it work is in terms of a vital

international economy and in terms of an international moral order. This objective is Franklin

Roosevelt's great opportunity to justify his first two terms and to go down in history as the

greatest rather than the last of American Presidents. Our job is to help in every way we can,

for our sakes and our children's sakes, to ensure that Franklin Roosevelt shall be justly hailed

as America's greatest President.

Without our help he cannot be our greatest President. With our help he can and will be. Under

him and with his leadership we can make isolationism as dead an issue as slavery, and we can

make a truly American internationalism something as natural to us in our time as the airplane

or the radio. In 1919 we had a golden opportunity, an opportunity unprecedented in all

history, to assume the leadership of the world - a golden opportunity handed to us on the

proverbial silver platter. We did not understand that opportunity.

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Wilson mishandled it. We rejected it. The opportunity persisted. We bungled it in the 1920's

and in the confusions of the 1930's we killed it. To lead the world would never have been an

easy task. To revive the hope of that lost opportunity makes the task now infinitely harder

than it would have been before. Nevertheless, with the help of all of us, Roosevelt must

succeed where Wilson failed.

THE 20TH CENTURY IS THE AMERICAN CENTURY

. . . Some facts about our time

Consider the 20th Century. It is not only in the sense that we happen to live in it but ours also

because it is America's first century as a dominant power in the world. So far, this century of

ours has been a profound and tragic disappointment. No other century has been so big with

promise for human progress and happiness. And in no one century have so many men and

women and children suffered such pain and anguish and bitter death. It is a baffling and

difficult and paradoxical century. No doubt all centuries were paradoxical to those who had to

cope with them. But, like everything else, our paradoxes today are bigger and better than ever.

Yes, better as well as bigger - inherently better. We have poverty and starvation - but only in

the midst of plenty. We have the biggest wars in the midst of the most widespread, the

deepest and the most articulate hatred of war in all history. We have tyrannies and

dictatorships - but only when democratic idealism, once regarded as the dubious eccentricity

of a colonial nation, is the faith of a huge majority of the people of the world.

And ours is also a revolutionary century. The paradoxes make it inevitably revolutionary.

Revolutionary, of course, in science and in industry. And also revolutionary, as a corollary in

politics and the structure of society. But to say that a revolution is in progress is not to say that

the men with either the craziest ideas or the angriest ideas or the most plausible ideas are

going to come out on top. The Revolution of 1776 was won and established by men most of

whom appear to have been both gentlemen and men of common sense. Clearly a

revolutionary epoch signifies great changes, great adjustments. And this is only one reason

why it is really so foolish for people to worry about our "constitutional democracy" without

worrying or, better, thinking hard about the world revolution. For only as we go out to meet

and solve for our time the problems of the world revolution, can we know how to re-establish

our constitutional democracy for another 50 or 100 years. This 20th Century is baffling,

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difficult, paradoxical, revolutionary. But by now, at the cost of much pain and many hopes

deferred, we know a good deal about it. And we ought to accommodate our outlook to this

knowledge so dearly bought. For example, any true conception of our world of the 20th

Century must surely include a vivid awareness of at least these four propositions.

First: our world of 2,000,000,000 human beings is for the first time in history one world,

fundamentally indivisible.

Second: modern man hates war and feels intuitively that, in its present scale and frequency, it

may even be fatal to his species. Third: our world, again for the first time in human history, is

capable of producing all the material needs of the entire human family. Fourth: the world of

the 20th Century, if it is to come to life in any nobility of health and vigor, must be to a

significant degree an American Century. As to the first and second: in postulating the

indivisibility of the contemporary world, one does not necessarily imagine that anything like a

world state -a parliament of men - must be brought about in this century. Nor need we assume

that war can be abolished. All that it is necessary to feel - and to feel deeply - is that terrific

forces of magnetic attraction and repulsion will operate as between every large group of

human beings on this planet. Large sections of the human family may be effectively organized

into opposition to each other. Tyrannies may require a large amount of living space. But

Freedom requires and will require far greater living space than Tyranny. Peace cannot endure

unless it prevails over a very large part of the world. Justice will come near to losing all

meaning in the minds of men unless Justice can have approximately the same fundamental

meanings in many lands and among many peoples. As to the third point - the promise of

adequate production for all mankind, the "more abundant life" - be it noted that this is

characteristically an American promise. It is a promise easily made, here and elsewhere, by

demagogues and proponents of all manner of slick schemes and "planned economies." What

we must insist on is that the abundant life is predicated on Freedom - on the Freedom which

has created its possibility - on a vision of Freedom under Law. Without Freedom, there will

be no abundant life. With Freedom, there can be. And finally there is the belief - shared let us

remember by most men living -that the 20th Century must be to a significant degree an

American Century. This knowledge calls us to action now.

AMERICA'S VISION OF OUR WORLD

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. . . How it shall be created

What can we say and foresee about an American Century? It is meaningless merely to say that

we reject isolationism and accept the logic of internationalism. What internationalism? Rome

had a great internationalism. So had the Vatican and Genghis Khan and the Ottoman Turks

and the Chinese Emperors and 19th Century England. After the first World War, Lenin had

one in mind. Today Hitler seems to have one in mind - one which appeals strongly to some

American isolationists whose opinion of Europe is so low that they would gladly hand it over

to anyone who would guarantee to destroy it forever. But what internationalism have we

Americans to offer?

Ours cannot come out of the vision of any one man. It must be the product of the imaginations

of many men. It must be a sharing with all peoples of our Bill of Rights, our Declaration of

Independence, our Constitution, our magnificent industrial products, our technical skills. It

must be an internationalism of the people, by the people and for the people.

In general, the issues which the American people champion revolve around their

determination to make the society of men safe for the freedom, growth and increasing

satisfaction of all individual men. Beside that resolve, the sneers, groans, catcalls, teeth-

grinding, hisses and roars of the Nazi Propaganda Ministry are of small moment.

Once we cease to distract ourselves with lifeless arguments about isolationism, we shall be

amazed to discover that there is already an immense American internationalism. American

jazz, Hollywood movies, American slang, American machines and patented products, are in

fact the only things that every community in the world, from Zanzibar to Hamburg,

recognizes in common. Blindly, unintentionally, accidentally and really in spite of ourselves,

we are already a world power in all the trivial ways - in very human ways. But there is a great

deal more than that. America is already the intellectual, scientific and artistic capital of the

world.

Americans -Midwestern Americans - are today the least provincial people in the world. They

have traveled the most and they know more about the world than the people of any other

country. America's worldwide experience in commerce is also far greater than most of us

realize. Most important of all, we have that indefinable, unmistakable sign of leadership:

prestige. And unlike the prestige of Rome or Genghis Khan or 19th Century England,

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American prestige throughout the world is faith in the good intentions as well as in the

ultimate intelligence and ultimate strength of the whole American people. We have lost some

of that prestige in the last few years. But most of it is still there.

* * *

No narrow definition can be given to the American internationalism of the 20th Century. It

will take shape, as all civilizations take shape, by the living of it, by work and effort, by trial

and error, by enterprise and adventure and experience.

And by imagination!

As America enters dynamically upon the world scene, we need most of all to seek and to

bring forth a vision of America as a world power which is authentically American and which

can inspire us to live and work and fight with vigor and enthusiasm. And as we come now to

the great test, it may yet turn out that in all our trials and tribulations of spirit during the first

part of this century we as a people have been painfully apprehending the meaning of our time

and now in this moment of testing there may come clear at last the vision which will guide us

to the authentic creation of the 20th Century - our Century.

* * *

Consider four areas of life and thought in which we may seek to realize such a vision:

First, the economic. It is for America and for America alone to determine whether a system of

free economic enterprise - an economic order compatible with freedom and progress - shall or

shall not prevail in this century. We know perfectly well that there is not the slightest chance

of anything faintly resembling a free economic system prevailing in this country if it prevails

nowhere else. What then does America have to decide?

Some few decisions are quite simple. For example: we have to decide whether or not we shall

have for ourselves and our friends freedom of the seas - the right to go with our ships and our

ocean-going airplanes where we wish, when we wish and as we wish. The vision of America

as the principal guarantor of the freedom of the seas, the vision of Americas [sic] as the

dynamic leader of world trade, has within it the possibilities of such enormous human

progress as to stagger the imagination. Let us not be staggered by it. Let us rise to its

tremendous possibilities.

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Our thinking of world trade today is on ridiculously small terms. For example, we think of

Asia as being worth only a few hundred millions a year to us. Actually, in the decades to

come Asia will be worth to us exactly zero - or else it will be worth to us four, five, ten

billions of dollars a year. And the latter are the terms we must think in, or else confess a

pitiful impotence. Closely akin to the purely economic area and yet quite different from it,

there is the picture of an America which will send out through the world its technical and

artistic skills. Engineers, scientists, doctors, movie men, makers of entertainment, developers

of airlines, builders of roads, teachers, educators.

Throughout the world, these skills, this training, this leadership is needed and will be eagerly

welcomed, if only we have the imagination to see it and the sincerity and good will to create

the world of the 20th Century. But now there is a third thing which our vision must

immediately be concerned with. We must undertake now to be the Good Samaritan of the

entire world. It is the manifest duty of this country to undertake to feed all the people of the

world who as a result of this worldwide collapse of civilization are hungry and destitute - all

of them, that is, whom we can from time to time reach consistently with a very tough attitude

toward all hostile governments.

For every dollar we spend on armaments, we should spend at least a dime in a gigantic effort

to feed the world - and all the world should know that we have dedicated ourselves to this

task. Every farmer in America should be encouraged to produce all the crops he can, and all

that we cannot eat - and perhaps some of us could eat less - should forthwith be dispatched to

the four quarters of the globe as a free gift, administered by a humanitarian army of

Americans, to every man, woman and child on this earth who is really hungry.

* * *

But all this is not enough. All this will fail and none of it will happen unless our vision of

America as a world power includes a passionate devotion to great American ideals. We have

some things in this country which are infinitely precious and especially American - a love of

freedom, a feeling for the equality of opportunity, a tradition of self-reliance and

independence and also of co-operation. In addition to ideals and notions which are especially

American, we are the inheritors of all the great principles of Western civilization - above all

Justice, the love of Truth, the ideal of Charity. The other day Herbert Hoover said that

America was fast becoming the sanctuary of the ideals of civilization.

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For the moment it may be enough to be the sanctuary of these ideals. But not for long. It now

becomes our time to be the powerhouse from which the ideals spread throughout the world

and do their mysterious work of lifting the life of mankind from the level of the beasts to what

the Psalmist called a little lower than the angels.

America as the dynamic center of ever-widening spheres of enterprise, America as the

training center of the skillful servants of mankind, America as the Good Samaritan, really

believing again that it is more blessed to give than to receive, and America as the powerhouse

of the ideals of Freedom and Justice - out of these elements surely can be fashioned a vision

of the 20th Century to which we can and will devote ourselves in joy and gladness and vigor

and enthusiasm.

Other nations can survive simply because they have endured so long -sometimes with more

and sometimes with less significance. But this nation, conceived in adventure and dedicated to

the progress of man - this nation cannot truly endure unless there courses strongly through its

veins from Maine to California the blood of purposes and enterprise and high resolve.

Throughout the 17th Century and the 18th Century and the 19th Century, this continent

teemed with manifold projects and magnificent purposes. Above them all and weaving them

all together into the most exciting flag of all the world and of all history was the triumphal

purpose of freedom. It is in this spirit that all of us are called, each to his own measure of

capacity, and each in the widest horizon of his vision, to create the first great American

Century.

DIPLOMATIC HISTORY, Vol. 23, No. 2 (Spring 1999). © 1999 The Society for Historians of American Foreign

Relations (SHAFR). Published by Blackwell Publishers, 350 Main Street, Malden, MA, 02148, USA and 108

Cowley Road, Oxford, OX4 1JF, UK. CREDIT: HENRY LUCE, LIFE MAGAZINE.