WHE ER REFFOORE O AA TT ,, JJ - sapientia.pucsp.br Silva... · semelhante a de Eisenhower e incluiu...
Transcript of WHE ER REFFOORE O AA TT ,, JJ - sapientia.pucsp.br Silva... · semelhante a de Eisenhower e incluiu...
PPOONNTTIIFFÍÍCCIIAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE CCAATTÓÓLLIICCAA DDEE SSÃÃOO PPAAUULLOO
PPUUCC--SSPP
EDUARDO SILVA ALVES
WWHHEERREEFFOORREE AARRTT TTHHOOUU,, JJÂÂNNIIOO?? PERCEPÇÕES DE TIME MAGAZINE SOBRE O
GOVERNO JÂNIO QUADROS 1958-1961
DOUTORADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2013
PPOONNTTIIFFÍÍCCIIAA UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE CCAATTÓÓLLIICCAA DDEE SSÃÃOO PPAAUULLOO
PPUUCC--SSPP
EDUARDO SILVA ALVES
WWHHEERREEFFOORREE AARRTT TTHHOOUU,, JJÂÂNNIIOO?? PERCEPÇÕES DE TIME MAGAZINE SOBRE O
GOVERNO JÂNIO QUADROS 1958-1961
DOUTORADO EM HISTÓRIA
TESE APRESENTADA À BANCA EXAMINADORA DA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO, COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM HISTÓRIA
SOB A ORIENTAÇÃO DO PROF. DOUTOR ANTONIO
PEDRO TOTA.
SÃO PAULO
2013
BANCA EXAMINADORA
_______________________
_______________________
_______________________
_______________________
_______________________
Para minha mãe, que me ensinou a ler e a escrever.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço ao meu orientador Profº Drº Antonio Pedro Tota pelas
observações, correções, revisão das minhas traduções e dicas preciosas para a realização desse
trabalho e sem as quais ele não seria possível.
Sou grato pelas orientações advindas das Bancas de Qualificação e Defesa.
Agradeço profundamente à CAPES pelo apoio financeiro.
Agradeço ao Professor Samuel Alves dos Santos, Dirigente Regional de Ensino da
DER-Sul 3, grande apoiador à formação e à continuidade acadêmica dos professores da rede
pública estadual.
A todos os amigos e amigas da Diretoria de Ensino Regional Sul 3 de São Paulo que
estiveram comigo nos últimos anos, em especial aos Diretores e PCNPs do Núcleo
Pedagógico.
Aos amigos Márcio Jean e Fabiana Fonseca pela revisão ortográfica.
Expresso minha profunda gratidão aos amigos e parceiros acadêmicos Anderson
Paiva, Ailton Laurentino, Herodes Cavalcante, Joel Santos de Abreu e Otacílio Marcondes
pelas preciosas conversas que tivemos.
O apoio da minha mãe, Dona Maria, do meu irmão André, da minha cunhada
Larissa e do meu sobrinho Pedrinho foram de suma importância e dispensam comentários.
Finalmente, agradeço a Arlete, terna companheira, esposa, eterna namorada,
intelectual discreta e que também alfabetizou os filhos, foi quem me acompanhou em tudo,
desde o início à conclusão do texto, além de compartilhar comigo a leitura, os anseios,
dilemas e alegrias que cercam trabalhos dessa natureza.
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo analisar uma das mais importantes revistas do
século XX: a Time Magazine. As investigações estão concentradas no discurso das
reportagens que realçavam a preocupação da revista com a ameaça comunista que pairava
sobre o Brasil entre os anos de 1958 e 1961, período que abrange a ascensão e a saída do
poder do ex-presidente Jânio Quadros. Defendemos que o ideário da revista, mundialmente
conhecido como “Século Americano” - criado pelo seu proprietário Henry Luce - estava
sendo confrontado na América Latina, em particular no Brasil, pelo avanço do comunismo e
das manifestações antiamericanas promovidas naquele contexto. Desse modo, a Time
Magazine, por meio de suas reportagens sobre o Brasil durante a gestão de Jânio Quadros,
apresentava um discurso analítico a respeito de nossa cultura, política e economia como
“arriscados” aos interesses norte-americanos. Esses riscos foram relacionados pela revista
Time à conturbada administração de Jânio Quadros, segundo a revista: um excêntrico.
O título desta tese “Wherefore Art Thou, Jânio?,” (Por que tu, Jânio?), inspirado em
uma de suas reportagens, ilustra a investigação que a revista Time promoveu em torno da
personalidade de Jânio Quadros. Inúmeros adjetivos, em sua maioria pejorativos, foram
sendo-lhe atribuídos a cada ofensiva que ele realizava contra a presença e a intervenção norte-
americana na America Latina.
Palavras-chave: Jânio Quadros, TIME Magazine, Século Americano.
ABSTRACT
Our research aims to analyze one of the most important magazines of the twentieth
century: Time Magazine. The investigations focus on the discourse of reports that emphasized
the worry and discomfort of the magazine with the communist threat that hung over Brazil
between the years 1958 and 1961, a moment that covers the path of the rise and output power
of former President Quadros. We argue that the ideology of the magazine, known worldwide
as the "American Century" - created by its owner Henry Luce - was being confronted in Latin
America, particularly in Brazil, by the advance of communism and anti-American
demonstrations promoted that context. Thus, Time Magazine, through their reporting on
Brazil during the administration of Quadros, presented an analytical discourse about our
culture, politics and economy as "risky" to U.S. interests. Such risks were related to Time
Magazine troubled administration Quadros, according TIME: an eccentric.
The title of this thesis "Wherefore Art Thou, Jânio?" (Why thou Jânio?), Inspired
by one of his reports, research illustrates that the TIME Magazine 'organized around the
personality of Quadros. Several terms, mostly pejorative, were being attributed to each
offense he performed against the presence and U.S. intervention in Latin America.
Keywords: Jânio Quadros, TIME Magazine, American Century.
1
Sumário
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 3
CAPÍTULO 1 .............................................................................................................................. 20
TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA .................................................................. 20
1.1 - TIME Magazine: uma proposta missionária .................................................................... 22
1.1.1 - Os arredores da Guerra .................................................................................................. 23 1.1.2 - A publicidade ................................................................................................................ 24 1.1.3 - As Missionárias e as Mercadoras .................................................................................. 26 1.1.4 - O amadorismo inicial .................................................................................................... 27 1.1.5 - O estilo e o método ....................................................................................................... 29
1.1.6 - Da morte de Britton Hadden à Fortune ......................................................................... 30 1.1.7 - TIME Inc. - Consolidação empresarial ......................................................................... 35
1.2 - Para além dos entrepostos: as cabeças de ponte ............................................................... 37
1.2.1 - Reorganização interna: TIME pós-1960 ....................................................................... 37 1.2.2 - Revistas versus Televisão ............................................................................................. 39
1.2.3 - As relações com o Kennedy .......................................................................................... 41
1.2.4 - TIME, Kennedy e o Vietnã ........................................................................................... 43
1.2.4 - TIME, Johnson e o Vietnã ............................................................................................ 45 1.2.5 - A morte de Henry Luce ................................................................................................. 47
1.3 - TIME Inc. pós-Henry Luce .............................................................................................. 49 1.3.1 - Donovan, Johnson e o Vietnã. ....................................................................................... 49
1.3.2- O novo cenário da concorrência ..................................................................................... 50
1.3.3 - O Século Americano ..................................................................................................... 51
1.3.4 - Comunicação para as massas ........................................................................................ 66
CAPÍTULO 2 .............................................................................................................................. 69 ESPECTROS DO ANTIAMERICANISMO LATINO-AMERICANO: 1958 – 1960 .............................. 69
2.1 - Nixon na Venezuela (1958).............................................................................................. 71
2.2 - A Operação Pan-americana (1958) .................................................................................. 75 2.3 - A Revolução Cubana (1959) ............................................................................................ 78
2.4 – Benvindo, Eekee! (1960) ................................................................................................. 81 2.5 – Jânio Quadros (1960) – O quinto espectro ...................................................................... 88
CAPÍTULO 3 .............................................................................................................................. 90 A CORRIDA PRESIDENCIAL DE 1960 ......................................................................................... 90
JÂNIO VEM AÍ! ......................................................................................................................... 90
3.1 – Antecedentes (Running Start) .......................................................................................... 91 3.2 – Antecipando a corrida ...................................................................................................... 96
2
3.3 – Os candidatos ................................................................................................................. 100
3.4 – Cuba: uma viagem desastrosa........................................................................................ 104 3.5 - Qual Conservador ........................................................................................................... 107 3.6 - O Novo Presidente ......................................................................................................... 110 3.7 - Legado de infortúnios .................................................................................................... 115 Imagens – Capítulo 3 .............................................................................................................. 119
CAPÍTULO 4 ............................................................................................................................ 129 WHEREFORE ART THOU, JÂNIO? ........................................................................................... 129
4.1 - Onde estás tu, Jânio? ...................................................................................................... 130
4.2 - Jack & Jânio ................................................................................................................... 136 4.3 – Girando e Negociando ................................................................................................... 140 4.4 - Do insulto à injúria ......................................................................................................... 143
4.5 –A linha de Quadros ......................................................................................................... 148 4.6 – EUA aposta em Quadros .............................................................................................. 152 4.7 – Decisões temperamentais .............................................................................................. 156 4.8 - Olá, mas nenhuma ajuda ................................................................................................ 159
Imagens – capítulo 4 ............................................................................................................... 164
CAPÍTULO 5 ............................................................................................................................ 173 ONE MAN'S CUP OF COFFEE ................................................................................................. 173
5.1 – One Man’s cup of coffee ............................................................................................... 173
5.1.1 – O Lead introdutório .................................................................................................... 174 5.1.5 - Um jovem já velho ...................................................................................................... 180 5.1.8 - Projeto a projeto .......................................................................................................... 188
5.1.9 - Melindrosa Ameaça .................................................................................................... 190 5.2 - Quadros sai ..................................................................................................................... 193 Imagens do capítulo 5 ............................................................................................................. 201
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 207
REPORTAGENS CONSULTADAS .............................................................................................. 212
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 214
ANEXO: Texto original do Século Americano ..................................................................... 220
3
INTRODUÇÃO
O final da década de 1950 foi marcado por eventos políticos e sociais que passaram a
integrar a agenda de preocupações dos norte-americanos. Eisenhower, em 1958, incumbiu
Nixon, seu vice-presidente, uma série de visitas à América Latina com o intuito de averiguar e
ao mesmo tempo apaziguar os ânimos exaltados das populações locais que se opunham a
interferência dos Estados Unidos em seus assuntos internos. Os resultados não foram
satisfatórios e tiveram como clímax os violentos ataques que Nixon sofreu em sua rápida
passagem pela Venezuela em 13 de maio de 1958. Retornando às pressas para Washington,
Nixon acabou sendo bem recebido e apoiado pelos seus compatriotas. No entanto,
Eisenhower e seu Departamento de Estado precisavam repensar a relação com os vizinhos do
Sul.
Pouco tempo depois do incidente com Nixon, em junho de 1958, o presidente
Juscelino Kubitschek lançava a proposta de uma Operação Pan-Americana. Tal proposta
defendia a tese de que a América Latina carecia de amplos recursos para o seu
desenvolvimento e progresso econômico e social. Tratava-se de uma crítica ao baixo
investimento na região que muito contribuía e pouco recebia. Desse modo, as manifestações
antiamericanas serviam como demonstração de que havia a presença ideológica de comunistas
em meio a grande população local. A proposta da Operação Pan-Americana serviu como um
termômetro de alerta para os Estados Unidos sobre as graves consequências que poderiam
advir da falta de investimentos na região.
Seis meses depois, em 01 de janeiro de 1959, Fidel Castro chegava ao poder em
Cuba, às portas dos Estados Unidos e confirmando as teses da Operação Pan-Americana.
Inicialmente tolerado e depois execrado pelos Estados Unidos, Fidel Castro alinhava-se a
URSS e dava início a um dos períodos mais agudos da Guerra Fria. Os olhares dos Estados
Unidos se voltavam para a América Latina.
Em novembro de 1959, tem-se no Brasil o despertar de um corpo estranho1, Jânio
Quadros candidatou-se pela aliança UDN-PTN (União Democrática Nacional e Partido
Trabalhista Nacional). A TIME passou a analisar de perto a sua personalidade, suas
inclinações e práticas políticas. Juscelino, que inicialmente havia sido tratado como uma
grande esperança para o Brasil pós-Getúlio (tido como um ditador pela TIME), começou a ser
muito criticado pela revista devido à sua política econômica inflacionária e pelo excesso de
1 SKIDMORE, Tomas. Brasil: de Getúlio a Castelo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000, p. 231.
4
gastos em seu governo. Ainda candidato, Jânio Quadros passou a ser visto pela revista – da
mesma maneira que fora Juscelino no início – como a melhor alternativa para o Brasil.
Atribuindo de maneira amistosa a Jânio o perfil de um político austero e conservador, a TIME
marcou sua posição e não poupou ataques a dupla Lott-Goulart durante a campanha de
sucessão de 1960.
Em março de 1960, Eisenhower fez uma excursão pela América Latina e tinha o
Brasil em seu roteiro. O intuito das visitas era o mesmo de 1958, averiguar os ‘sintomas’ de
antiamericanismo na região e aproveitar a relativa credibilidade do presidente americano para
conter os ânimos locais e tentar estreitar laços de amizade e de ajuda mútua entre os países. A
cobertura que a TIME fez de sua visita ao Brasil foi descrita em termos calorosos, ao contrário
do que ocorreu na Argentina. Dentro desse período, Jânio, em campanha fez uma excursão
semelhante a de Eisenhower e incluiu Cuba em seu roteiro. Nos Estados Unidos, Kennedy
inicia a sua campanha.
Em outubro de 1960, a TIME cobriu as eleições no Brasil e manifestou surpresa
frente ao grande número de eleitores. O resultado histórico da vitória de Jânio com sua
expressiva votação foi registrado pela revista com certa desconfiança. Durante as suas
reportagens ‘investigativas’ a respeito da figura de Jânio, o candidato passava à revista alguns
sinais de interrogação em relação a sua política externa. Em seus discursos de campanha, as
falas de uma possível aproximação econômica com os países do bloco socialista, em
particular a URSS, desconfortavam TIME e, automaticamente, aos EUA.
Jânio foi o tema exclusivo das reportagens sobre o Brasil. Seu repentino
desaparecimento ao fim da eleição e suas misteriosas excursões pela Europa antes da posse,
em fins de janeiro de 1961, chamaram muito a atenção da revista.
Os primeiros seis meses de sua gestão foram suficientes para mudar a postura cética
da TIME em relação ao seu governo e a sua pessoa, a publicação partiu para o ataque. Sob a
luz da ambiguidade política, as ações, os gestos, as decisões e as falas de Jânio confundiam a
opinião da revista. TIME admitia a dificuldade em situar a posição política de Jânio Quadros.
Alguns elementos de comparação entre Kennedy e Jânio chegaram a ser traçados, visto que
ambos assumiam ao mesmo tempo o comando de seus países, além de serem tratados como
figuras jovens e promissoras. No caso de Jânio, a revista o distanciava gradualmente de
Kennedy e o deixava a meio caminho de Castro.
Em julho de 1961, Jânio Quadros foi a edição de capa da revista Time, cuja
reportagem de sete páginas realizava uma radiografia do Brasil e da política econômica de
Quadros. O Brasil, daquele contexto e sob aquela gestão, era apontado no discurso da revista
5
como um imenso vácuo de poder. As suspeitas do risco de investimentos em um país cuja
política e economia eram geridas por pessoas ‘excêntricas’ revelavam o desconforto da
revista.
A saída de Jânio foi tratada do mesmo modo que os demais veículos de
comunicação: com imensa surpresa. A cobertura da vacância de Poder preocupavam TIME e
o governo dos EUA a respeito de uma ofensiva de esquerda. Jânio foi responsabilizado pela
revista devido à sua postura dúbia a frente do maior país da América Latina. Os interesses
norte-americanos, durante o período de Quadros no poder, estiveram em constante risco para
TIME. Uma dinâmica de investimentos que pudessem favorecer ao mesmo tempo a economia
do Brasil e a imagem norte-americana na região não pôde ser realizada de forma satisfatória,
graças à figura de Jânio Quadros.
Jânio Quadros e Henry Luce foram contemporâneos. Jânio negava-se a dar
entrevistas ao grupo Time-Life. Luce não demorou a responder-lhe o que realmente pensava a
seu respeito.
Henry Luce, fundador e proprietário da TIME, na edição da revista Life em 17 de
fevereiro de 1941, publicou que os Estados Unidos estariam assumindo uma posição de
liderança sobre as demais nações do mundo. Tal liderança se caracterizaria por meio da
difusão de um ideário de valores (norte-americanos) pautado em três esferas: política,
econômica e cultural. Os Estados Unidos seriam um modelo a ser seguido2. Henry Luce
anunciava aquilo que ficou amplamente conhecido como O Século Americano.
Os meios de comunicação teriam um papel fundamental na difusão desse
empreendimento. A TIME nasceu sob a luz desse propósito3. Seus fundadores, Britton
Hadden e Henry Luce, eram homens surgidos num contexto de projeção, crise e superação da
sociedade norte-americana, ou seja, vivenciaram a vitória dos Estados Unidos na Primeira
Guerra, sentiram as dores da crise de 1929 e acompanharam a superação econômica desse
país através do New Deal. Hadden faleceu de forma prematura no início de 1929. Luce,
sozinho, deu continuidade ao trabalho.
Henry Luce (um filho de missionários) era um porta-voz de um segmento específico
daquela sociedade cujos valores foram protocolados nas páginas de TIME. Conservadorismo,
protecionismo e perspectiva W.A.S.P. (White, Anglo-Saxon and Protestant) eram os signos
2 BAUGHMAN , James L., Henry R. Luce and the rise of the American News Media, Beltimore and London,
The John Hopkins University Press, 2001, p.129. 3 ELSON, Robert T. Time Inc. The intimate history of a Publishing Enterprise (1923-1941), New York,
Atheneum, 1968, p. 6-7.
6
principais4. A articulação entre poder político, meios de comunicação e empresa capitalista
serviram de sustentação ao seu ideário.
O anúncio do Século Americano, em meados do século XX, também serviu como um
Outdoor da Guerra Fria. A URSS não anunciou um Século Soviético, porém deixou claro que
havia uma contradição na proposta de Henry Luce: que o seu “Século” estaria restrito aos
países do ocidente capitalista e que ela própria assumiria a explícita condição de ameaça a
esse “Século”.
A partir de 1950, uma nova seção de notícias foi criada dentro de Time Magazine,
separada da Seção World, surgia The Hemisphere. Se a URSS era vista como uma ameaça aos
países do ocidente capitalista, acabaria sendo tratada como um pesadelo quando o assunto
fosse a América Latina. As reportagens dessa seção carregam as tintas daquilo que ficou
conhecido como “paranoia” onde tudo que se via era vermelho, ou seja, comunista.5
Um dos fundamentos do imperialismo – e o dos EUA não foi diferente - se pauta na
expansão de suas fronteiras de forma deliberada. TIME percebeu e publicou de forma
recorrente a ameaça de uma invasão comunista para dentro de suas fronteiras – a revista temia
a possibilidade de ocorrer o processo inverso (haja vista as inúmeras fronteiras que os EUA
atravessaram, ou seja: suas intervenções).
Com exceção de Cuba, nunca houve, dentro do período aqui estudado, outro país
anexado pelo comunismo na América Latina. Todavia, houve formas tanto diretas quanto
indiretas de manifestações e ações que acentuavam tal ameaça. Em alguns países, por
exemplo, Venezuela e Argentina havia um forte antiamericanismo. A rejeição aos valores
americanos difundidos nesses espaços representou uma das mais desagradáveis críticas à
empresa e ao ideário de Henry Luce. Brizola, ao expropriar empresas americanas no Brasil,
personificou um dos mais ácidos críticos aos EUA. Em 1959, ele encampou a Cia de Energia
Rio Grandense (subsidiária da American & Foreign Power – Bond & Share) e em 1962
investiu contra a Companhia Telefônica Nacional (subsidiária da ITT). Time Magazine
execrou tais ações e passou a perseguir Brizola em suas publicações chamando-o de “O anti-
Yankee”.6
Observou-se nas reportagens pesquisadas a partir de 1958 a preocupação política e
4 CLURMAN, Richard M. Até o fim da Time: a sedução e conquista de um império da mídia. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1996, p. 18. 5 TOTA, Antonio Pedro. Os Americanos. São Paulo, Contexto, 175-196.
6 Conforme as reportagens de Time Magazine: Brazil: Leader Wanted, 09-03-1962, (disponível em:
http://www.time.com/time/subscriber/article/0,33009,939955,00.html, último acesso em 02-02-2013); e Brazil:
Brizola Under Attack, de 19-07-1963 (disponível em:
http://www.time.com/time/subscriber/article/0,33009,896872,00.html, último acesso em 02-02-2013).
7
econômica dos Estados Unidos em relação à América Latina. O hemisfério precisava ser
protegido e vigiado? TIME executou, ao seu modo, essa função. Por outro lado, o ideário
dessa revista tinha como referência as proposições políticas debatidas e difundidas pelo
Partido Republicano. A revista não promovia uma oposição violenta e irracional aos
democratas. Suas reportagens versavam sob uma crítica rigorosa em relação às políticas
econômicas estabelecidas pelo governo Kennedy. As propostas de ajuda econômica ao Brasil
de Jânio – debatidas pelo Departamento de Estado como necessárias à contenção do
comunismo7 - eram, para TIME, insuficientes.
O governo de Jânio Quadros, compreendido pela revista como problemático do
ponto de vista econômico e político, diminuía ao máximo as esperanças de contenção do
comunismo. Outro dado, anexo ao período aqui estudado, diz respeito à cultura brasileira. De
forma recorrente, TIME publicava reportagens com grande ênfase na violência do país, na sua
religião, nos altos índices de analfabetismo e na política irracional por aqueles que deveriam
representar o povo brasileiro. Tais reportagens ilustravam a crítica executada pela revista aos
investimentos feitos pela Aliança para o Progresso.
Se, de um lado, havia a grande preocupação com essa forma de investimento, do
outro estava a desconfiança com a figura do presidente Jânio Quadros. Excêntrico e
imprevisível foram alguns dos termos que TIME utilizou para representar seu governo e a sua
pessoa. Segundo essa revista, as suas medidas eram completamente arriscadas ao governo de
Washington.
De sua fundação, em 1923, até o início da década de 1960, TIME apresentou uma
dinâmica gradual em favor de seu ideário “messiânico”. O ano de 1941 pode ser considerado
como o ponto de aprofundamento desse ideário. Iniciava-se exatamente naquele ano sua
expansão pelo mundo. Suas edições chegavam aos principais países da América Latina. O
Brasil foi o primeiro país latino-americano a receber as suas revistas. De 1950 a 1970 temos a
etapa da vigilância caracterizada na seção The Hemisphere. Diante dos acontecimentos que
marcaram o contexto do início dos anos 1960, TIME passou a focar seus vizinhos latinos de
modo ainda mais atento. A partir de 1960 passa a ocorrer uma crescente atenção ao Brasil nas
páginas da revista. A partir desse ponto procuramos aprofundar nossa investigação. O
posicionamento de TIME é, além de difusor do ideário imperialista norte-americano, tutelar,
crítico, preocupado e decepcionado com o grande irmão do sul cujos políticos, condutores do
povo, eram personagens desastrosas no diálogo das relações internacionais.
7 SCHOULTS, Lars. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norte-americana em relação
à América Latina; tradução de Raul Fiker, Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 257.
8
Não existe jornalismo imparcial. Negamos a existência de um jornalismo
comprometido com a objetividade dos fatos. Editores ditam o texto que deve ser publicado.
Do mesmo modo, tomamos como base a real existência de um vínculo intrínseco entre o
Poder e a Imprensa. O Poder, neste caso, refere-se tanto ao plano da política quanto dos
interesses de classe. Estabelecemos uma leitura crítica dos artigos e das reportagens de TIME
ao mesmo tempo em que discordamos de seus juízos de valor. Nessa perspectiva,
concordamos com Capelato de que a empresa jornalística está profundamente envolvida com
o poder ao ponto de tornar a notícia um objeto de consumo, segundo esta autora:
É preciso considerar, contudo, que a empresa jornalística coloca no mercado um
produto muito específico: a mercadoria política. Nesse tipo de negócio há dois
aspectos a se levar em conta – o público e o privado (o público relaciona-se ao
aspecto político; o privado ao empresarial).8
Os laços que unem a História e a Imprensa são muito fortes e, nesse sentido,
entendemos que é necessária cautela. De acordo com Capelato, a ótica burguesa distingue a
“boa” da “má” imprensa, sendo a primeira “bem comportada” e a segunda “ameaçadora dos
bons costumes”. Juntamente com essa autora, discordamos de uma estrutura e de um método
de análise radicalmente maniqueísta. Entendemos que é necessário considerarmos que
“qualquer tipo de imprensa é importante para o conhecimento de uma época”.9 Desse modo,
se faz necessária uma análise cautelosa em relação ao tipo de informação histórica publicada
pelos grupos dominantes (nos quais se inclui TIME) e cujo conteúdo produzido, muitas vezes,
acaba sendo transmitido no formato de uma história oficial. É do conhecimento acadêmico o
constante diálogo interdisciplinar entre jornalismo e história. A produção jornalística
empreendida por TIME infere na produção de um tipo de informação histórica produzida à
revelia dos personagens e povos citados.
Diante da difusão de opiniões e ideologias oriundas dos meios de comunicação, em
especial TIME, um conceito norteia este trabalho: Imperialismo. O imperialismo ao qual nos
referimos é o Imperialismo Sedutor do Professor Antonio Pedro Tota. Localizado
inicialmente no período da Segunda Guerra e difundido através da “Fábrica de Ideologias” de
Nelson Rockefeller, o Imperialismo Sedutor não desapareceu, mas reduziu discretamente a
sua atuação na América Latina durante a década de 1950 para reaparecer com uma nova
roupagem durante a primeira metade da década de 1960. Diante de um parceiro cotejado pelo
8 CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil, São Paulo, Contexto, 1988, p. 18.
9 Ibid., p. 28.
9
comunismo, os Estados Unidos, através da ajuda econômica – a Aliança para o Progresso –,
tentou “conter” o avanço e a penetração comunista na região. A ferramenta não seria mais a
do entretenimento – muito utilizada no período de Guerra -, mas a da ação solidária cuja meta
era ultrapassar as Novas Fronteiras que delimitavam o Wilderness. Tais ações exemplificam a
nova face do Imperialismo Sedutor.
Nosso trabalho é tributário da linha teórica traçada por Peter Burke dentro do debate
da História Cultural. Este autor reconhece a dificuldade de se apresentar uma definição
precisa sobre “O que é História Cultural?”. No entanto, não se pode negar o fato de que se
trata de um método que renova as diversas maneiras de se estudar o passado. Dentro das
nossas limitações, entendemos que uma pesquisa orientada dentro dos pressupostos teórico-
metodológicos da História Cultural poderá dialogar com os conceitos de “Cultura”, “Práticas”
e “Representações” isentos de uma necessidade puramente materialista.
Nosso trabalho não parte de uma análise macro ou microeconômica dos fatos
analisados, muito menos de um debate aprofundado com a Teoria Política Contemporânea.
Das reportagens cujos temas versam sobre economia e política emana um significativo debate
acerca da nossa cultura e da maneira como a revista analisa a nossa cultura. Neste caso, no
lugar de uma análise do discurso político ou econômico de TIME sobre o Brasil, realizaremos
uma análise do discurso e das percepções da revista acerca da nossa cultura quando os
assuntos forem de ordem política e econômica.
Nossa proposta de utilizar as metodologias inspiradas pela História Cultural não tem
a presunção de desconsiderar ou mesmo ignorar as grandes correntes teóricas, em especial o
Marxismo. Acreditamos que é de suma importância um debate com o marxismo tendo em
vista uma produção interdisciplinar entre os dois campos.
Para ilustrar as questões acima - no intuito de justificar a nossa proposta -, tomamos
de empréstimo as observações e Peter Burke em relação ao próprio método marxista
“A própria abordagem marxista levanta problemas complicados. Ser um historiador
marxista da cultura é viver um paradoxo, se não uma contradição. Por que os
marxistas deveriam se preocupar com o que Marx descartou, por considerar uma
mera ‘superestrutura’”.10
O trecho acima ilustra uma crítica voltada para os marxistas de linhagem ortodoxa,
presos aos cânones da economia e que muito contribuiu para dificultar ainda mais a
10
BURKE, Peter. História Cultural, São Paulo, Jorge Zahar Editor, 2005, p 37.
10
compreensão do marxismo. No entanto, houve historiadores marxistas que se preocuparam
com a superestrutura e favoreceram o debate interdisciplinar. O exemplo é trazido por Burke
ao citar “A Formação da Classe Operária Inglesa” de Thompson, tal obra é tida como “um
marco da História Cultural britânica.” 11
Apesar da grandeza desse empreendimento não lhe
faltaram críticas, ainda mais sendo estas críticas advindas dos próprios colegas marxistas que
chamaram o trabalho de Thompson de “culturalista”, ou seja, “por colocar ênfase nas
experiências e nas ideias, e não nas duras realidades econômicas, sociais e políticas. A reação
do autor foi criticar seus colegas pelo economicismo.” 12
Todavia, o que aqui propomos como um diálogo positivo (interdisciplinar) entre
História Cultural e os conceitos do marxismo foi visto como uma possibilidade de reavaliação
do método marxista feita pelos próprios marxistas, em particular os menos ortodoxos
(Thompson e Raymond Williams). Segundo Peter Burke, “a tensão entre culturalismo e
marxismo foi criativa, pelo menos na ocasião da publicação da “A Formação da Classe
Operária Inglesa”. 13
Houve um encorajamento para uma “crítica interna aos conceitos
marxistas centrais de uma fundação econômica e social, ou ‘base’, e uma ‘superestrutura’
cultural.” 14
Burke, ao citar Raymond Williams, diz que esse autor marxista, na ocasião da
publicação de Thompson, reconheceu que “a fórmula de base e superestrutura era ‘rígida’,
preferindo, deste modo, estudar o que passou a chamar de ‘relações entre elementos no modo
de vida como um todo.’15
Para Burke “um marxismo que dispensa as noções complementares
de base e superestrutura corre o risco de perder suas qualidades distintivas.”16
Conforme nos
ensina Burke, a História Cultural não é monopólio de historiadores, ela é multidisciplinar, ou
seja “...começa em diferentes lugares, diferentes departamentos na universidade – além de ser
praticada fora da academia (...).17
TIME alimentou o povo norte-americano (e o resto do mundo) com uma imagem
pitoresca dos povos do sul. Os fatos publicados são interpretações unilaterais sobre os
acontecimentos no Brasil dentro do período aqui estudado. A contextualização é
imprescindível para a análise do nosso objeto. Desse modo, executamos um intenso debate
11
BURKE, Peter. História Cultural, São Paulo, Jorge Zahar Editor, 2005, p 37. 12
BURKE, op cit., p 37. 13
Idem, Ibidem, p 37. 14
Ibid. 15
Ibid. 16
Ibid. 17
Ibid., p. 170
11
entre as fontes por nós analisadas (as reportagens) e a bibliografia do contexto. Durante o
processo de edição, inúmeras informações foram omitidas do corpo das reportagens, e tais
omissões demonstraram o que interessava e o que não interessava à revista. Nessa estratégia
de seleção de fatos e acontecimentos, ora mantendo determinado assunto, ora omitindo, está o
posicionamento ideológico da revista. Sabemos que nem toda bibliografia poderá responder
pela verdade dos acontecimentos, haja vista que um livro que aborda o mesmo assunto
também tem seu posicionamento diante dos fatos analisados. Uma revista é um tipo específico
de arquivo, sempre bem organizado e contendo o acervo de informações selecionadas e
arquivadas em suas páginas ao gosto dos seus editores.
Tomamos como questões norteadoras em nosso estudo: para quem, quando, como, e
por quem foi produzido o material aqui analisado. Diante desse quadro, pudemos constatar a
grande importância que TIME detém frente à política e a economia dos Estados Unidos e, do
mesmo modo, agindo como formadora de opinião dentro de uma sociedade que vivia a
paranoia do comunismo. A maneira como TIME se posicionou é evidenciada ao longo dos
seus textos.
Quais foram os responsáveis pela produção e veiculação daquelas informações?
Henry Luce produziu, gerenciou e encaminhou a revista dentro de uma esfera de
atuação crescente no mundo capitalista. Ele criou, adquiriu e transformou outras revistas e as
foi anexando a partir dos anos 1930. Fortune, Archetetural Forum, Life são algumas dessas
representantes. Luce representava o americano típico: protestante, liberal e anticomunista.
Qual a finalidade de se produzir essas reportagens?
Por meio de suas revistas, em específico TIME, Luce, a partir de 1941, apenas
ratificaria aquilo que já vinha desenvolvendo há vinte anos e que daquele momento em diante
ganharia ainda mais força. A importância que a revista conquistava dentro do mercado
americano e depois para o mundo foi acompanhada por uma imensa gama de anunciantes que
disputavam um precioso espaço em suas páginas. Neste ponto, imprensa e empresa se
articulavam com a esfera política, formando assim um tripé de Poder. Dessa forma confluem
ideias e opiniões advindas dos grupos sociais mais abastados e que, dentro de suas ambições,
difundiam tanto os seus interesses privados quanto o enorme leque de valores culturais e
ideológicos. Tais valores, em sua maioria, advindos do seio do Partido Republicano, eram
ratificados pela empresa de Luce.
Para quem estariam destinadas essas informações?
Inicialmente, a difusão dessas ideias se voltava para o público americano. Logo em
seguida se difundiam pelo mundo. Em 1941, com a consolidação de Time Inc., novos
12
entrepostos foram abertos. A revista passou a ser distribuída nos principais países da América
Latina, porém suas edições continuaram no idioma inglês - portanto o alvo não era
especificamente o público local, mas àqueles que dominavam a língua inglesa. O mesmo
aconteceu com as edições que chegavam à Europa logo após a Segunda Guerra mundial. A
revista falava em nome dos Estados Unidos em relação aos outros. Eram “eles” que apareciam
em seus artigos. TIME escrevia na seção The Hemisphere sobre “eles”, os “outros”, para o
público americano em geral como também para o público do mundo de língua inglesa.
Uma pesquisa realizada em 1968 pelo jornalista Louis Harris e encomendada por
TIME com o título de “O julgamento do Quarto Poder”, teve como objetivo saber o que os
americanos pensavam de sua imprensa. No caso de TIME, foi diagnosticado que a revista “era
uma publicação familiar a cinco americanos entre dez; 77% de seus leitores tinham formação
universitária e 42% de seus leitores manifestavam confiança nela.”18
Tratava-se de um
veículo de comunicação muito lido pela maioria dos americanos. O leitor, enquanto
consumidor, também age como difusor de ideias previamente estabelecidas. Esse público foi
nutrido com informações editadas pela revista acerca dos principais fatos que aconteciam no
Brasil. Tais informações foram transmitidas e passaram a integrar o imaginário norte-
americano a partir do momento em que eram lidas e debatidas entre esse público. Outro fator
que contribuiu para a permanência de juízos produzidos acerca do “outro” é o fato que, uma
vez publicada, consumida e difundida, a informação raramente – ou jamais! - voltaria a ser
retificada (erratas não foram encontradas dentro do contexto pesquisado). Aquilo que foi
publicado não seria mais alterado. Por trás dessa questão está o fato de que, por se tratar de
uma publicação frequente, o acúmulo de edições acaba sobrepondo um assunto ao outro não
dando margem à retomada daquilo que foi publicado. O leitor passava a ser constantemente
atualizado não apenas com o fato, mas também com o ideário que era difundido pela revista.
Sob quais condições eram produzidas as reportagens?
A empresa de Henry Luce, após 1940, mudou-se para Nova York. As condições
iniciais para a prensagem da revista não eram das mais apropriadas. Com o tempo, revistas
como TIME ao lado de Life, foram sendo produzidas com equipamentos de última geração.
Os investimentos em tecnologia de ponta sempre foram um vetor nos planos de Luce. As
filiais se espalhavam pelo mundo promovendo não apenas a abertura de novos escritórios,
mas também novas unidades de prensagem. No caso latino-americano, Time Inc. associou-se
a outras empresas de comunicação (Globo, Abril/Civita) e utilizou lado a lado as suas
18
BOURBAGE, R., KASPI A. & CAZEMANJOU, C. Os Meios de Comunicação nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro, Agir, 1973, p. 172-173
13
unidades de prensagem.19
Por quem as reportagens eram redigidas?
Com os seus escritórios espalhados pelo mundo, Time Inc. empregou inúmeros
jornalistas, fotógrafos, equipes de produção para os mais diversos eventos políticos, culturais
e econômicos. Nesse sentido, uma personagem ganha destaque: o correspondente. Todos os
repórteres associados ao redor do mundo encaminhavam seus textos para o escritório central.
Lá estava Henry Luce e sua equipe de rewriters (revisores ou reescrevedores) para dar o
formato final ao texto transmitido. Houve casos de correspondentes da própria TIME que
protestaram contra esse método, por exemplo seu correspondente de guerra no Vietnã, Carlos
Mohr (ver capítulo 1). No caso brasileiro, Jayme Dantas, contratado de TIME e um dos
fundadores do Jornal Nacional, cobriu e transmitiu textos sobre os principais acontecimentos
do país em seu período mais conturbado. Dantas não estava sozinho. Trabalhou em conjunto
com outros repórteres norte-americanos no Rio de Janeiro, local no qual estava alocado o
escritório de TIME no Brasil. Dantas cobriu da janela desse escritório, situado na Avenida Rio
Branco, as manifestações do povo nas ruas no momento do Golpe de 1964.20
As matérias sobre o Brasil, dentro do nosso corte temporal, continham um relativo
acervo de fotos e revelavam aquilo que podemos chamar de o "olho" de TIME em relação ao
Brasil da década de 1960. Dois fotógrafos atuaram nesse período e foram os responsáveis
diretos pelas imagens que apareceram nas reportagens analisadas, foram: Paulo Muniz e
David Drew Zingg. No intuito de contribuir com a área do fotojornalismo, haja vista a
escassez de material a respeito desses fotógrafos, faremos abaixo, um excurso biográfico de
ambos.
Paulo Muniz (1918-1994) foi um dos principais fotógrafos jornalísticos do Brasil
durante quarenta anos. Há pouquíssimos registros biográficos a seu respeito. Na maior parte
de sua carreira, trabalhou como free-lance não apenas para a TIME, Life e Fortune, mas
fotografou também pela Ebony Magazine, New York Times, Womans Wear Daily, Business
Week e ainda para as agências United Press, Black Satar e Associated Press. Segundo
Fabrício Cavalcante21
, “no Brasil, ele foi responsável por várias capas da Radiolândia,
19
CALMON, João. O livro negro da invasão branca. Rio de Janeiro, Edições O Cruzeiro, 1966 20
ALVES, Eduardo Silva. O Adeus a Jango. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2008, p. 65 21
Mestrando do PPG em Ciência da Arte (PPGCA/UFF), Especialista em Artes Plásticas e Contemporaneidade
(UEMG) e Bacharel em Artes Plásticas (UEMG). Atua como fotógrafo profissional e produtor cultural desde
1998. Atualmente é professor do Ateliê da Imagem e pesquisador da arqueologia contemporânea no sítio urbano.
(http://www.ateliedaimagem.com.br/index1.php - acessado em 05/06/2011); As informações sobre o fotógrafo
14
Cinelândia, Revista da Globo, além de várias fotos de publicidade.”22
Fotografou “Ava
Gardner, Gina Lollobrígida, Brigitte Bardot, Myléne Demongeot e Juliete Greco - musa do
filósofo Jean Paul Sartre e do existencialismo - Luz Del Fuego, Odete Lara, Leila Diniz, entre
outras beldades. Além de Mário Cravo Jr., Gilberto Freire, Jorge Amado, Carybé. Só para
citar algumas expressões da cultura brasileira.”23
Políticos de renome também passaram por
suas lentes, foi o caso de Harry Truman, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, Jânio
Quadros, João Goulart, Castelo Branco e Costa e Silva (...) Conta-se que “Jânio Quadros, um
político controvertido, não gostava, especialmente, da Time Life, tanto que não posou para a
capa da revista por ocasião da sua posse.”24
Um dos seus primeiros grandes trabalhos foi
acompanhar e fotografar o processo de construção da cidade de Brasília. Paulo Muniz “foi
hóspede do Catetinho, e tinha um excelente trânsito com Juscelino Kubitschek e toda sua
equipe. Da inauguração da capital federal, a Time-Life publicou quatro páginas de fotos
coloridas – todas de Paulo Muniz - mais duas de texto, em 25 de abril de 1960”.25
Além da
sua ligação em nível free-lance com a empresa de Henry Luce, Muniz tinha como estilo
fotografar as transformações urbanas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, além “do
retrato do progresso que se dilatava pelo território nacional, também são marcos
determinantes do seu trabalho.”26
As fotos do período aqui estudado trazem essa preocupação
do fotógrafo.
Líder da equipe de fotógrafos free-lancers contratada por TIME, David Drew Zingg
foi uma referência para a maioria dos grandes fotógrafos jornalísticos do mundo e possuía um
currículo invejável com participação nas principais revistas de seu tempo. Nascido na cidade
Montclair, New Jersey, em 1923, estudou na Universidade de “Columbia, na cidade de Nova
York, onde anos mais tarde deu aulas de Jornalismo.”27
Durante a Segunda Guerra foi
voluntário para a Força Aérea Americana e trabalhou na redação da NBC e, após o conflito
tornou-se correspondente de guerra, na França e Alemanha, para a Rádio do Serviço Militar.28
Após esse período, Zingg retorna à Nova York como editor e repórter da Time Inc., atuando
Paulo Muniz foram extraídas por Fabrício Cavalcanti da reportagem de capa do jornal Paparazzi, de julho de
1993, nº 18, e obtidas em conversas informais com a família. 22
http://www.uff.br/gambiarra/dossie/0001_2008/paulomuniz/ (Acessado em 05/06/2011) - Revista Eletrônica
dos alunos da Universidade Federal Fluminense. 23
Ibid 24
Ibid 25
Ibid 26
Ibid 27
Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de
1961 28
Ibid
15
diretamente com as revistas Look e Life.
Fernando Arellano/AE
David Drew Zingg (1923-2000)
Na década de 1950 Zingg opta definitivamente pela carreira de free-lance, isto é,
torna-se um profissional autônomo com razão social própria e prestando serviços sob contrato
com grandes empresas. No caso de Zingg, os contratos que estabeleceu com Time Inc. - entre
outras - proporcionou-lhe a segurança financeira necessária para correr o mundo com sua
Nikon.29
Sua produção iconográfica esteve presente nas grandes publicações das revistas
Look, Life, Esquire, Show, Town and Country, CG, Sports Illustrated, Vogue, Interview, El
Paseante, Zoom, Modern Photography, Popular Photography, New York Times, London
Sunday Telegraph e The Observer.30
Dentre as celebridades fotografadas, destacam-se “John
Kennedy, Winston Churchill, Che Guevara, Marcel Duchamp, Lawrence Durrell, Louis
Armstrong, Duke Ellington, Bobby Short e Ella Fitzgerald. Muitos deles se tornaram seus
amigos.”31
Seu primeiro contato com o Brasil foi em 1959 ao desembarcar no Rio de Janeiro
como membro da equipe do Veleiro Ondine para uma corrida oceânica entre o Rio e Buenos
Aires. Sua participação se deu não apenas como corredor, mas também foi um dos
fotojornalistas responsáveis pela cobertura do evento realizado pelas revistas de Henry Luce,
Life e Sports Illustrated.32
Encantado pelo Brasil, decidiu estabelecer uma frequente ponte-
29
Câmera japonesa utilizada pela maioria dos fotógrafos dos anos 1950 e 1960. 30
Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de
1961 31
Ibid 32
Ibid
16
aérea entre Nova York e Rio de Janeiro fazendo coberturas dos mais diversos assuntos
nacionais, dentre os quais a construção de Brasília cujo material fotográfico percorreu as
principais publicações periódicas dos Estados Unidos e da Inglaterra.33
Em Dezembro de 1964, primeiro ano da ditadura militar no Brasil, Zingg decidiu vir
morar no país. Após um curto período no Copacabana Palace, mudou-se para uma das casas
de seu amigo, o arquiteto Sérgio Bernardes. Desse momento em diante, com residência fixa
no Rio de Janeiro, passou a trabalhar “para a revista Manchete, além de fotografar vários
filmes do Cinema Novo. Num curto período de tempo, Roberto Civita convidou-o para
tornar-se parte do time que estava produzindo uma revista mensal inovadora: Realidade.”34
Mais adiante também contribui com as revistas Manchete, Playboy, VIP, Veja, Claudia, Elle,
Quatro Rodas, Status, IstoÉ, Fotoptica, Iris e Ícaro. Suas fotos também apareceram em
jornais de grande circulação como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde,
Jornal do Brasil, O Globo e Zero Hora.
Zingg em 1984 publicou um de seus mais importantes livros Mato Grosso –
Fronteiras, com imagens do Pantanal. Um dado biográfico que marca o lado irreverente de
Zingg foi justamente a sua participação na banda Joelho de Porco, que venceu o prêmio de
melhor letra do Festival dos Festivais da TV Globo em (1985), por "A Última Voz do Brasil".
Entre 1987 e janeiro de 2000 na Folha de São Paulo criou o personagem Tio Dave, numa
auto-referência.35
David Drew Zingg faleceu em 28 de julho de 2000 em São Paulo, vítima de
falência múltipla dos órgãos.
Todas as fotos do período analisado nesta tese foram tiradas pela dupla citada.
A pesquisa com TIME Magazine permanece inédita no Brasil e não foram
localizados trabalhos acadêmicos que versem sobre o tema além do que já foi desenvolvido
em nossa dissertação de mestrado. Uma bibliografia em português que trate sobre a história da
TIME inexiste. O que encontramos são rápidas referências em livros que abordam a história
dos meios de comunicação nos Estados Unidos como os clássicos Kaspi & Bourbage (Os
Meios de Comunicação nos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Agir, 1974), John Tabbel (Os
Meios de Comunicação nos Estados Unidos, São Paulo, Cutrix, 1977) e Erwin Emery
(História da Imprensa dos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Lidador, 1964). A situação
33
Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de
1961 34
Ibid 35
http://www.terra.com.br/istoegente/53/tributo/ - acessado em 05/06/2011
17
também não muda no caso de uma bibliografia atualizada sobre o mesmo assunto. Um
exemplo específico pode ser encontrado no livro de um ex-editor da Time, Robert Clurman,
em seu Até o Fim da Time (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996). O livro de Clurman
oferece um espaço muito curto acerca da trajetória histórica da revista. Suas análises se
concentram, de maneira romanceada, destacando a fusão com a Warner, da qual resulta a
atual Time-Warner.
Para suprir essa dificuldade foi necessário recorrer às publicações em inglês, cenário
no qual apresenta uma satisfatória bibliografia sobre a história da revista Time. Foram
utilizadas para estruturar o capítulo 1, no qual trabalhamos com a construção histórica e
conceitual de Time, dois autores tidos como referências máximas no assunto: Robert T. Elson,
Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1923-1941), (Nova York,
Atheneum, 1968); Robert T. Elson, Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise
(1941-1960), (Nova York, Atheneum, 1968) e Curtius Prendergast. The World of Time Inc –
The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980), (New York, Athenum,
1986). Os três volumes são reconhecidos pela maioria dos analistas do assunto como
portadores da história oficial da revista. Esses autores foram funcionários da Time Inc., e bem
próximos de Henry Luce. Outro importante livro, e que compõe as análises ditas 'de dentro',
Roosevelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper & Row,
1985) de Hedley Donovan, autor e ex-editor chefe da revista Time e sucessor direto de Luce
após sua morte em 1967. Donovan apresenta um relato pessoal e histórico de sua experiência
como profissional com todos os presidentes dos Estados Unidos desde Roosevelt até Ronald
Reagan.
As visões 'de fora' e com análises imparciais e críticas puderam ser coletadas nos
livros de Theodore Peterson, Magazines in the Twentieth Century, (Urbana: University of
Illinois Press, 1965), considerado um dos mais importantes historiadores dos periódicos
norte-americanos; James L. Baughman, Henry Luce and the Rise of the American News
Media (Baltimore and London. The John Hopkins University Press, 2001), sendo a mais
recente a atualizada biografia de Henry Luce; David Abrahamson, Magazine-Made America:
The Cultural Transfomation of the Postwar Periodical (Cresskill, N. J.: Hampton Press,
1995), importante livro que aborda os efeitos de Time Magazine na cultura e nos norte-
americanos.
18
A bibliografia sobre o tema Jânio Quadros é tributária dos trabalhos de fôlego
realizados por Vera Lucia Chaia, Carlos Alberto Leite Barbosa e Maria Vitória Benevides.
Tais autores produziram textos significativos sobre o governo de Jânio e, conforme a
orientação dessa tese, são referências obrigatórias para qualquer trabalho que verse sobre o
assunto. Outros autores, tais como Skidmore, Carone, Holanda, Bandeira, Tota e Junqueira
deram suporte para o assunto aqui tratado.
A fonte primária é a própria revista Time. Não foi necessário consultá-la em arquivos
ou acervos particulares. Graças a uma doação feita pela PUCSP detemos praticamente todos
os números publicados entre os anos de 1950-2002. Do mesmo modo, também fizemos o uso
digital da revista disponível no site www.time.com no qual temos acesso a todas as
reportagens desde 1923, visto que somos assinantes.
No capítulo 1, intitulado, Time Magazine: Uma proposta Missionária, ousamos fazer
a biografia da revista TIME. É inevitável fazer a história da revista separada da história dos
seus fundadores. A história da revista é inerente à história de vida de Henry Luce, um dos
seus fundadores. Serão apresentados os principais fatos que marcaram a trajetória empresarial
da revista de 1923 a 1967. Também anexaremos o texto central que trata do Século
Americano, ideário norteador da proposta ideológica da revista. Por se tratar de um capítulo
descritivo, ressaltamos a importância de se observar o grande nível de envolvimento político
entre TIME, o governo dos Estados Unidos e o Departamento de Estado, principalmente no
período que abrange nossa pesquisa. Defenderemos ao longo desse trabalho que TIME, ao
mesmo tempo em que difundia a ideologia do Século Americano pelo mundo, também tinha
forte presença naquele governo.
No capítulo dois, Espectros do antiamericanismo latino-americano, analisaremos o
contexto histórico latino americano entre os anos de 1958 e 1960. Concentramos a discussão
em cinco manifestações que interpretamos como antiamericanas. Defenderemos que
manifestações daquela natureza eram frontais à ideologia da revista. Nominamos de espectros
do antiamericanismo os protestos contra Nixon na Venezuela, a Operação Pan-americana de
Juscelino, a Revolução de Cuba e a ascensão de Jânio Quadros ao cenário da política nacional
e internacional. A visita de Eisenhower será analisada no intuito de demonstrar como se
davam as ações de vigilância dos Estados Unidos no continente em meio aos espectros anti-
EUA. O texto prepara a abordagem que será feita de Jânio Quadros e seu governo nos demais
19
capítulos.
No capítulo 3, A corrida presidencial de 1960: Jânio vem aí!, analisaremos as
reportagens que cobrem desde os antecedentes da candidatura de Jânio (1959) até as primeiras
manifestações públicas após a sua histórica vitória nas urnas em 1960. O capítulo se concentra
no discurso que TIME produziu acerca da personalidade enigmática de Quadros. Procuramos
demonstrar que já havia uma preocupação preliminar da revista em relação aos candidatos,
em particular Jânio. Do mesmo modo, apontaremos que também era presente a vigilância
política do Departamento de Estado. Apresentaremos a maneira de como TIME passou a
ocupar-se do perfil pessoal e político de Jânio, principalmente na sua proposta de uma política
externa independente, fato que passaria a incomodar a revista durante o ano seguinte, ou seja,
1961.
O capítulo 4, Wherefore Art Thou, Jânio?, analisa as reportagens publicadas sobre
Jânio Quadros durante os seus primeiros seis meses na presidência. Apresentaremos a
construção gradual e radical do perfil de Jânio dentro dos moldes que TIME articulava. A
proposta de investigar os detalhes sobre a personalidade de Quadros, serviu para que a revista
consolidasse sua opinião sobre aquele político, que ao seu entender era controverso e,
mediante atitudes surpreendentes, apenas reforçava a imagem de ameaça aos interesses norte-
americanos, aliás, ao Século Americano.
No capítulo 5, One Man's Cup Of Coffee, faremos a tradução e uma breve análise
descritiva da matéria de capa da edição de 30 de junho de 1961, na qual Jânio foi o grande
destaque. Reproduziremos a matéria em sua íntegra e intercalaremos comentários pontuais,
haja vista que a reportagem, ao passo que retomou a maioria dos temas já discutidos com mais
ênfase nos capítulos 3 e 4, permite sua fácil compreensão. A matéria reproduziu os principais
assuntos da presidência de Quadros até aquele momento. Por outro lado, a matéria afirmava a
posição da própria revista frente à pessoa e o governo de Jânio, ou seja: ele era um
antiamericano, uma ameaça real aos interesses dos EUA no Brasil. Ainda nesse capítulo
faremos a análise da reportagem que cobriu a renúncia de Quadros, matéria que se ajusta a
gama de conceitos que a própria revista produziu desde o início da campanha de Jânio até a
presidência.
20
CAPÍTULO 1
TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA
MISSIONÁRIA
O presente capítulo fará uma síntese da história de TIME Magazine. Antes de tudo
serão necessárias algumas observações. TIME Magazine, TIME Inc., e Henry Luce
representam uma unidade comum dentro deste trabalho. Esses nomes farão referência direta à
revista TIME e a sua cobertura jornalística. TIME Inc. era o nome da corporação
multinacional que congregava, em seu início, as demais revistas: Life, Fortune, Sport
Illustrated e People. TIME Inc. era a proprietária da revista TIME Magazine, esta que, por sua
vez, emprestou o nome à corporação desde a sua fundação em 1923. Como se verá mais
adiante, TIME Inc. adquiriu status internacional no contexto da Segunda Guerra e, juntamente
com as demais revistas que foram sendo fundadas a partir de 1923, representou Henry Luce e
suas ideias expressas no que ele mesmo chamou de O Século Americano.
Henry Luce 'reinou' dentro da TIME Inc. de 1923 a 1967 (ano de sua morte). No final
da década de 1920, com a grande depressão, Henry Luce já detinha forte presença editorial no
cotidiano dos Estados Unidos e, daí para frente, sua participação na política do seu país foi
uma constante.
As reportagens semanais sobre o cotidiano dos Estados Unidos fizeram de TIME
Magazine uma das maiores narradoras históricas do século XX. Após 1967, TIME Inc. passou
a ser administrada pelos principais herdeiros do legado de Henry Luce. Funcionários de
carreira assumiram o alto comando da empresa e fizeram decisivas adaptações na filosofia
administrativa e editorial de suas revistas com o intuito de manter atualizado o poder
midiático de TIME Inc. Atualmente a empresa está integrada ao Grupo TIME Warner em
parceria com a poderosa CNN. O diferencial reside no alcance geográfico e temporal da
empresa, ou seja, graças aos modernos meios de comunicação como a internet, não há
fronteiras para a penetração de suas notícias e de seus pareceres tanto jornalístico como
históricos.
Este trabalho toma como ponto de partida a hipótese de que entre 1923 e 1967 estava
presente em sua proposta editorial um método missionário. O termo é tomado de empréstimo
do historiador Theodore Peterson, um dos maiores pesquisadores sobre as revistas dos
Estados Unidos e uma das principais referências teóricas para esta tese. Esse método pode ser
21
explicado como uma via de difusão do Americanismo e do American Way of Life.
Haverá relativa demora na personalidade e na gestão de Henry Luce, pois ele será o
formador e o formatador de TIME Magazine. Além de proprietário, ele era o editor chefe da
revista. Nas páginas de TIME estão sintetizadas todas as opiniões e ideias que Luce e seu
grupo acreditavam. O Século Americano é a síntese de todas as propostas do grupo, ou seja, o
mundo era obrigado a reconhecer o papel dos Estados Unidos como líder mundial, não apenas
no aspecto político e econômico (Americanismo), mas, também nos meios de comunicação e
difusão de valores (American Way Of Life).
22
1.1 - TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA
TIME Magazine é uma revista cujas origens estão cravadas no início século XX. Do
mesmo modo que o Readers Digest, não é possível pensar a gênese e o desenvolvimento de
TIME desvinculados do seu contexto territorial e histórico.
Os EUA do início do XX realizavam uma transição de uma fase pessimista para uma
otimista. Conforme Antonio Pedro Tota, naquele momento as máquinas trabalhavam a todo
vapor, o campo já se encontrava num processo cada vez mais evolutivo de mecanização
‘atendendo às demandas das cidades em crescimento’36
. O desemprego que havia marcado o
final do século XIX encontrava-se em declínio e o otimismo citado era compartilhando entre
americanos e os imigrantes que ‘chegavam às levas, em especial ao porto de Nova York’.37
Desse ponto de encontro é possível deduzir um inédito cotidiano norte-americano
caracterizado pela presença de várias nacionalidades atuando juntas num mesmo território.
Um contexto de ‘novidades’ caracterizou aquele momento ‘em que tudo era new no novo
século americano’.38
Em certa medida, o termo ‘new’ também indicava uma acepção
‘pejorativa’ aos imigrantes.39
No espaço de duas décadas (1901-1920) ‘cerca de 15 milhões de
imigrantes’ entraram nos Estados Unidos e trazendo sua cultura marcada pela religião pelo
idioma.40
A TIME pertence ao século XX. Não existe a possibilidade de comparação editorial
com as revistas do século antecedente. Suas primeiras edições obedecem a uma lógica
analítica daquele ‘novo’ homem americano formatado no contexto pré e pós–Primeira Guerra.
A ideia embrionária de TIME Magazine foi gestada ainda na Primeira Guerra Mundial pelos
jovens Henry Luce e Britton Hadden que serviam como tenentes em um acampamento
conhecido como Camp Jackson, na Carolina do Sul.41
Ambos representavam uma geração de
jovens com fervor patriótico antes não visto. Eram ‘homens que marchavam para o
Armagedon tocando, cantando e agitando bandeiras’.42
Luce e Hadden, ambos estudantes de
jornalismo, integraram as forças norte-americanas como voluntários da Universidade de Yale
em 1917, ano no qual os EUA entram definitivamente na Guerra.
36
TOTA, Antonio Pedro. Os Americanos. São Paulo, Contexto, 2009, p.119. 37
Idem, Ibidem, p. 119. 38
Ibidem, p. 120. 39
Ibid., ibidem. 40
Ibid., ibidem. 41
ELSON, Robert T. Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1923-1941). Nova York,
Atheneum, 1968, p. 3-15. 42
Ibid., Ibidem, p. 37.
23
1.1.1 - Os arredores da Guerra
A crescente economia dos EUA recebeu um impulso ainda maior com a entrada do
país na Primeira Guerra. As universidades de Yale e Harvard enviavam seus alunos
voluntários em grande número que, em certa medida, caracterizava o exército norte-
americano composto por inúmeros soldados sem experiência os quais ‘deveriam cruzar o
oceano para enfrentarem forças mais experientes na Europa já em luta há quase três anos’.43
O
contingente de cerca de dois milhões de soldados americanos, juntamente com um poderoso
arsenal de armas, conseguiram barrar e forçar o recuo alemão.44
Henry Luce e Briton Hadden ao final da Guerra ficaram desapontados por não terem
cruzado o oceano, ambos ficaram em solo americano aguardando ordens e, quando foi
anunciado o armistício, Luce perguntou a Hadden:
Luce: O que vamos dizer para os nossos netos sobre o que fizemos na guerra?;
Hadden: Limpamos cascos de cavalo em Camp Jackson !45
As palavras acima ilustram o sentimento dos jovens e futuros fundadores de TIME
Magazine. Tais sentimentos não estavam muito distantes da maioria dos jovens daquele
momento.
43
TOTA, op. cit. p. 130. 44
Ibid., ibidem. 45
Luce: What are we going to tell our grandsons that we did in the war? Hadden: Cleaned a horse’s hoof at
Camp Jackson!. ELSON, op. cit. p. 4.
24
1.1.2 - A publicidade
Um dos elementos que contribuíram para a entrada dos americanos na guerra foi a
publicidade, elemento capaz de ‘mobilizar importantes setores da cultura para convencer a
população’.46
Houve uma grande e moderna propaganda em favor da causa dos Aliados e
‘milhares de voluntários trabalhavam no Committee distribuindo mais de 75 milhões de
panfletos e pôsteres’.47
Esse exemplo ilustra o poder da propaganda presente não apenas na
economia dos Estados Unidos, mas também na mentalidade de um país que não parava de
crescer nos mais diversos setores, principalmente na Indústria. O final da Primeira Guerra
marca o nascimento de uma nova etapa na história do povo norte-americano a de um país
‘próspero, rico e consumista’.48
A década de 1920 teve o business como síntese do pensamento dos representantes do
mundo.49
O consumo de massa elevado justificava-se pelo nível de propaganda produzida em
torno das ‘novidades’. Um dos espaços favoráveis para a difusão da propaganda das
mercadorias era o dos meios de comunicação. De acordo com Tota, “no começo da década de
1920, os americanos já haviam comprado cem mil primitivos e quase experimentais aparelhos
de rádio; (...) no final da mesma década, mais de 4,5 milhões de rádios transmitiam programas
musicais variados, em especial jazz e blues; (...) A propagada pelo rádio já era ‘velha’ em
1929." 50
As pessoas, aos milhares, frequentavam as salas de cinema nas quais, durante os
intervalos dos filmes ‘vários produtos ajudavam a dinamizar o mercado crescente’.51
Tomando como referência o sucesso editorial dentro dos moldes do “To Keep Men
Well-Informed" 52
(Manter os homens informados), Hadden e Luce conseguiram estabelecer
uma lógica entre jornalismo, cultura e propaganda. TIME é gestada dentro de um universo
econômico regido pela propaganda. A difusão dos valores tanto de elementos culturais como
de produtos de natureza econômica e mercadológica ao longo de suas páginas contribuíram de
forma decisiva para o êxito inicial da revista. Cerca de 15 anos após a fundação de TIME
Magazine, ‘David A. Smart, um antigo publicitário levado pela onda das publicações,
comentou: “Por que ninguém me disse sobre esse negócio das publicações antes? É
46
TOTA, op. cit, p. 130. 47
Ibid., ibidem. 48
Ibid., ibidem. 49
Ibid., ibidem. 50
Ibid., ibidem., p. 138-139. 51
Ibid., ibidem., p. 139. 52
ELSON, op. cit. p. 4.
25
fantástico!." 53
Segundo um dos maiores historiadores do seguimento de revistas dos Estados
Unidos, Theodore Peterson, nem todos os grandes editores concordariam com David Smart
acerca das facilidades que o mercado editorial oferecia, as incertezas eram evidentes e os
fracassos eram constantes, além do que, outras grandes revistas não tinham ido além de suas
próprias expectativas.54
Por outro lado, também houve o fenômeno das pequenas editoras que
se formavam com pouco dinheiro e acabavam se tornando grandes empresas, tornando-se as
principais portadoras da publicidade ‘deixando para trás as velhas favoritas do público como
Literary Digest e o North American Review.’55
Com o fim da Primeira Guerra, muitos jovens que haviam sido dispensados do
serviço militar chegavam num bom momento à Nova York ‘com grandes ideias sobre revistas
e pouco dinheiro no bolso’.56
Tais ideias não estavam distantes de uma crítica aos modelos
anteriores, e o cenário econômico dava evidências da importância publicitária.
Naquela sociedade de consumo, o direito de consumir relacionava-se ao direito à
cidadania. Uma nova indústria de Propaganda e Marketing tomava conta do cenário de
consumo efervescente “ajudada pelos jornais e revistas de grande circulação e rádio” cujos
índices de audiência disseminaram uma mentalidade que trazia uma nova noção de liberdade.
O fordismo ia para além do fordismo, ‘a fabricação de inúmeros produtos se adaptava às
técnicas da linha de montagem dos fabricantes de automóveis e colocavam-se a serviço
deles.’57
A figura do vendedor se tornava uma figura onipresente, ‘e o consumidor estava
fazendo uso pesado dos planos de parcelamento58
;(...) os montantes atribuídos à montagem de
publicidade eram simultaneamente uma causa e um efeito parcial das vastas despesas para
bens de consumo.59
Por outro lado, não foi somente no momento de crescimento econômico que as
revistas puderam alavancar seu sucesso, durante os anos de depressão e recessão elas
continuaram fortes, ao contrário das décadas iniciais do ‘século americano’, nas quais era
grande o número de pessoas que migravam do campo para a cidade na condição de
analfabetas e semi-analfabetas – sem esquecer o grande número de imigrantes que precisavam
tomar aulas de inglês durante o processo de ‘americanização’60
- a década de 1930 apresentou
53
PETERSON, Theodore. Magazines in the Twentieth Century. Urbana: University of Illinois Press, 1965, p.
223. 54
Ibid., ibidem., p. 223 55
Ibid., ibidem. 56
PETERSON, op. cit. 223-224. 57
PETERSON, op cit. p. 224. 58
Idem, Ibidem, p. 224 59
Ibid., ibidem. 60
TOTA, op cit. p. 122.
26
um número crescente de pessoas que sabia ler e escrever e, portanto, estavam aptas para
comprar os produtos que a publicidade oferecia.61
O avanço tecnológico nas indústrias de
artes gráficas favoreceu a produção em larga escala e em grande velocidade. No entanto um
novo elemento foi agregado, ‘foi o encontro feliz entre o que os editores criavam e que o
público queria ler. Vários editores, com grande precisão, compreenderam o barômetro do
gosto do público de maneira que as revistas que fundaram foram as precursoras de toda uma
nova classe de revistas - as digest magazines, por exemplo, e revistas seguintes.’62
1.1.3 - As Missionárias e as Mercadoras
De acordo com Peterson, após a Primeira Guerra os diversos segmentos de revistas
podem ser agrupados em duas categorias: ‘As Missionárias’ e “As Mercadoras”.63
Os termos
não precisam ser tomados necessariamente em seu sentido literal.
Começando pelas mercadoras, essas revistas representam um grupo mais
preocupado com o lucro do que com a difusão de valores culturais. Tais revistas viam o
segmento como um negócio estritamente empresarial. Segundo Peterson, “a atitude das
mercadoras em relação à publicação de revistas era assumida por elas como perfeitamente
legítima, pois estavam de acordo com a teoria anglo-americana da imprensa. Para essa teoria,
tal como a "mão invisível" de Adam Smith, pressupõe-se que um editor trabalhando em seu
próprio auto-interesse inevitavelmente irá trabalhar pelo interesse da comunidade.”64
As missionárias, por sua vez, não estão associadas à pregação do evangelho cristão,
apesar de seus fundadores serem originários de famílias religiosas. Podem ser dividas em dois
grupos com finalidades missionárias. Aparte o tom religioso que possa sugerir esse termo,
essas revistas realizavam uma espécie de pregação, pregavam uma espécie de fé, na qual um
grupo pregava a fé em uma “América Melhor”, enquanto o outro pregava a fé em um “Século
Americano”.65
Os missionários foram ao mesmo tempo empresários e disseminadores de um
evangelho secular. Alguns deles fundaram e editaram as revistas que estavam entre as mais
bem sucedidas no mercado, sendo que alguns ‘mercadores’ eram liderados pelos missionários,
61
PETERSON, op. cit, Ibid., ibidem. 62
Ibid., ibidem. 63
Ibid., ibidem. 64
PETERSON, op. cit. p. 224-225. 65
Ibidem, p. 225.
27
chegando a imitar seus produtos e editorais de sucesso.66
As missionárias são bem
representadas nas figuras de dois personagens históricos do jornalismo norte-americanos:
‘DeWitt Wallace, do Reader's Digest Association, Inc., que pregava o otimismo, a vida
simples, a fé em uma América Melhor e Henry Luce, da TIME Inc., que rapidamente percebeu
as fotografias como veículos de informação e educação e proclamou o Século Americano’.67
Tanto o Digest Reader's Association, Inc., como TIME Inc. foram fundadas por
pessoas sem experiência anterior em revistas.68
As empresas foram erguidas com
investimentos relativamente pequenos, tudo isso foi possível, em parte, porque suas
publicações não copiavam o editorial original, mas apenas condensavam, simplificavam e
davam nova luz ao material que já havia aparecido em outras publicações. Ambas as empresas
estavam entre as maiores empresas de publicação de revistas do mundo no início dos anos
1960.69
1.1.4 - O amadorismo inicial
Do mesmo modo que os fundadores do Reader’s Digest, os jovens Henry Luce e
Briton Hadden não tinham experiência profissional com revistas, na verdade trabalharam
diretamente com jornais diários. Ao realizarem esse empreendimento, que era o de
desenvolver uma revista própria, eles acabaram sendo os próprios editores daquilo que
produziam.70
Segundo Peterson “mesmo depois que a TIME Inc. tinha se tornado uma das
maiores editoras de revistas no mundo e teve muitos excelentes profissionais em seus
quadros, ainda assim era possível detectar traços de amadorismo”.71
Henry Luce era filho de missionários que realizavam trabalhos na China, nas
primeiras décadas do século XX, algo muito parecido com a estória de vida dos Walleces,
fundadores do Reader’s Digest. Ambos os projetos – de perfil missionário – alteraram a
forma e o estilo de se produzir revistas, ‘como o Reader's Digest gerou um novo estilo de
revista, duas publicações de TIME Inc. foram responsáveis por novos estilos - as revistas e as
revistas de fotografia.’72
Briton Hadden e Henry R. Luce eram esses homens com ‘sentido de missão’. Na
66
PETERSON, op. cit, p. 225 67
PETERSON. loc cit . 68
Ibid., ibidem. 69
Ibid., ibidem. 70
PETERSON. op.cit, 234. 71
Ibid., ibidem. 72
Ibid., ibidem.
28
época, com 24 anos de idade (1922), deram início aos trabalhos. Briton Hadden era natural do
Brooklyn, sendo filho de uma família culta e próspera. Ele costumava receber as visitas em
sua casa com a leitura de poemas épicos. Do mesmo modo, quando recebia seus amigos, ele
fazia questão de ler trechos do seu próprio e simples jornal, o Daily Glonk.73
Segundo um dos
seus biógrafos, Hadden formou-se “em Hotchkiss e Yale, (...) conseguiu um emprego em
Nova York depois dizer a Herbert Bayard Swope, (que tentava se livrar dele): Sr. Swop, você
está interferindo no meu destino." Seu destino, como ele mesmo explicou, era dar inicio a sua
própria publicação; o emprego no World daria-lhe a experiência necessária para iniciar sua
empresa.74
Luce nasceu em Shantung, na China. Era filho de Dr. Henry Luce Winters, um
missionário presbiteriano que fundou duas universidades norte-americanas na China e que
convocava de cada membro de sua família a passar, pelo menos, uma hora por dia numa causa
útil75
. Logo cedo o jovem Luce foi estudar numa escola da China, em seguida foi para
Hotchkiss e Yale. Depois de um ano em Oxford, ele aceitou um emprego como repórter e
pesquisador de Ben Hecht, e mais tarde como colunista do Chicago News.76
A decisão de levar adiante a ideia de TIME foi tomada na Universidade Yale, local
onde dois amigos já trabalhavam juntos na gestão do jornal da faculdade. A ideia já estava
lançada na época da Primeira Guerra e ganhou mais força ao trabalharem juntos no Baltimore
Frank Munsey News.77
Em 1922 deixaram o Baltimore para darem início ao empreendimento.
Tiveram ainda a proposta de voltarem a trabalhar no jornal, caso o negócio não desse certo,
assim ‘começaram a angariar dinheiro para o seu próprio projeto que eles denominaram
inicialmente como Facts. Este "projeto" tornou-se a TIME. Eles fundaram a empresa com $
86,000 através da ajuda de amigos e conhecidos.’78
Mesmo sem a experiência necessária, ambos lançaram a revista em 3 de março de
1923. Muitos dos que estavam em sua volta sabiam da inexperiência de ambos e ficaram
felizes em poder ajuda-los,79
até mesmo um banqueiro deu assistência na capitalização de
novos recursos para a pequena empresa. Herbert William Eaton, então gerente de circulação
do World’s Work, ensinou-lhes os segredos da elaboração de uma lista de assinaturas por
mala-direta para publicidade, um sistema que a TIME Inc. desenvolveu com sucesso durante
73
PETERSON. op.cit, 234.. 74
PETERSON, apud BUSCH, Noel., Briton Hadden: A Biography of the Co-founder of Time (New York,
1949), pp. 44-45. 75
Peterson, op cit, 235. 76
Idem, Ibidem 77
Ibid., ibidem. 78
Ibid., ibidem. 79
Ibid., ibidem.
29
os seus primeiros quarenta anos de vida.80
A equipe que ia se formando em torno de Luce e Hadden tinha uma característica
claramente amadora. Inicialmente os três apoiadores sequer tinham concluído a universidade.
‘O editor de assuntos internacionais, Thomas J. C. Martyn, que mais tarde fundou a revista
Newsweek, fez sua primeira reportagem como profissional em TIME’. Hadden e Luce,
haviam pensado inicialmente nele como um correspondente estrangeiro. Trazido de Roma,
Martyn tinha um salário maior do que deles81
. Roy Larsen, o gerente de circulação que mais
tarde iria integrar o topo do corpo executivo da empresa, estava no primeiro ano da faculdade.
Seus assistentes eram recém-formados trabalhando de forma amadora, eles misturavam as
listas de distribuição de uma forma tão desorganizada que alguns assinantes chegavam a
receber três exemplares da primeira edição e nenhum dos dois seguintes.82
1.1.5 - O estilo e o método
A apresentação estética de TIME prosseguia nos passos do amadorismo. "Suas
normas de impressão,” escreveu um executivo de uma empresa anos depois, eram quase
iguais aqueles jornais provincianos franceses de 1910 e suas fotos, nas palavras do falecido
Robert Benchley, pareciam como se tivessem sido gravadas em pedaços de pão."83
As
primeiras edições de TIME traziam poucas fotografias porque eram muito caras.84
Sua
apresentação foi monocromática (preto-branco-cinza) durante 3 anos. Sua primeira capa em
tom vermelho foi em 1928. O pouco investimento numa capa atraente estava diretamente
relacionado a radical contenção de gastos que a revista precisava realizar frequentemente.
Ambos, Luce e Hadden, concluíram certa vez que “não podiam se dar ao luxo de aumentar
seus próprios salários para 50 dólares por semana." 85
A organização e gestão interna eram revezadas por Hadden e Luce. Num
determinado momento um deles ficava com a parte de negócios, enquanto o outro ficava com
a edição e vice-versa. Segundo Peterson, o material da TIME era extraído de fontes diversas,
na maioria das vezes até inexpressivas. Boa parte do material era advindo das leituras do The
New York TIMEs. Os documentos era juntados, grampeados e depois remetidos para a equipe
80
PETERSON, op cit, 235-236.. 81
Ibid., ibidem. 82
Ibid., ibidem. 83
PETERSON, op cit, p. 236. 84
Idem, Ibidem. 85
Ibid., ibidem.
30
encarregada de reescrevê-los. Algumas vezes, Luce e Hadden reescreviam 50 ou 70% de todo
o material da publicação. De taxi, costumavam levar os blocos ao impressor.86
Para conter os gastos que não paravam de aumentar ‘Hadden e Luce mudaram a
TIME Inc. de Nova Iorque, onde dividiam um espaço no sótão do edifício East Side com o
nascente Saturday Review of Literature, para Cleveland, Ohio, onde o aluguel e os custos
administrativos eram mais em conta’87
. Houve algumas baixas estratégicas, pois, com a
mudança acabaram perdendo ‘o suporte de inteligentes e aventureiros jovens que eles podiam
contratar por salários comparativamente baixos em Nova York. Por outro lado, eles perderam
as atualizações do New York TIMEs, indispensáveis a sua cobertura.’88
Não tardou para que os resultados viessem a aparecer. Em 1927, a circulação da
TIME, em torno de 136,000, era cerca de um terço maior do que do ano anterior e as receitas
da publicidade, $ 501,000, eram cerca de 77 % maior.89
A circulação do próximo ano elevou
outros 30% das receitas da publicidade, grosso modo 54 %. Em 1930, quando a empresa
faturou mais de US $ 3.000.000 em publicidade eles pagaram os seus acionistas com os
primeiros dividendos de ações preferenciais.90
O formato, o estilo, a originalidade e a proposta messiânica foram ingredientes que,
juntados a um contexto de euforia econômica dominada pela propaganda, levaram a TIME a
condição de grande empresa antes de completar uma década de vida. Os resultados positivos
que se seguiram foram uma consequência previsível.
1.1.6 - Da morte de Britton Hadden à Fortune
O ano de 1929 foi um ano atípico para TIME. Antes do crack da bolsa ‘TIME Inc.
perdeu um dos homens que ajudaram a fazer dela um sucesso. Em 27 de fevereiro de 1929,
após uma doença de dois meses, Briton Hadden faleceu’91
. Segundo um dos seus biógrafos:
"Time era, antes de tudo, uma invenção pura e simples, e Hadden teve uma grande
participação na concepção dela. Em segundo lugar, Time foi um empreendimento
ousado e bem-organizado e Hadden desempenhou um papel importante (...)
86
PETERSON, op cit 236.. 87
Idem, Ibidem. 88
PETERSON, op cit 237. 89
Idem, Ibidem. 90
Ibid., ibidem. 91
PETERSON apud BUSCH, op. cit., p. 107.
31
Finalmente, e talvez o mais importante de tudo, Hadden era um grande editor.” 92
Um ano antes, Henry Luce idealizou sua segunda revista, Fortune, cujo lançamento
se daria em 1929, ano da morte de Hadden e coincidentemente com o drama de Wall Street.
Luce tomou a frente da empresa e acelerou o processo de crescimento de TIME Inc. impondo
a sua marca.
Fortune
Para Henry Luce, a seção de negócios de TIME era pequena demais. Era necessário
um espaço maior tanto para as notícias como para a publicidade que o setor demandava, além
do que, eram inúmeras as notícias que ficavam a cargo de seu pessoal, por isso foi criado um
departamento experimental, em 1929, cuja função básica era delinear planos e táticas de
trabalho com a nova revista. Segundo Luce, a temática de Fortune girava em torno dos
interesses do cidadão comum norte-americano e “o objetivo de Fortune é refletir a Vida
Industrial em papel e tinta, palavras e imagens como o melhor arranha-céu reflete em aço e
arquitetura."93
O lançamento de Fortune estava previsto para o início de 1930, já que Henry Luce e
nenhum cidadão americano imaginaria o que iria ocorrer em Outubro de 1929. Segundo
Peterson, "poucos dias após o crash do mercado, os executivos de TIME Inc. se reuniram para
decidir se os leitores e anunciantes queriam ou não aceitar uma revista exuberante dedicada
aos negócios (...) eles decidiram continuar com a revista."94
"Mas não estávamos tão
otimistas...", disseram, "... nós reconhecemos que esta queda nos negócios pode durar até um
ano inteiro."95
A primeira edição da Fortune, datada de fevereiro de 1930, foi enviada para 30.000
assinantes.96
Apesar da depressão, Fortune ganhou terreno na circulação e na publicidade. As
assinaturas aumentaram de 34,000, em 1930, para 139,000, em 1936. No mesmo período, a
receita bruta de publicidade mais do que triplicou. Eles aumentaram de $ 427,000 em 1930,
para US$ 1.963.000, em 1936. Os ganhos continuaram ao longo dos anos quarenta e
cinquenta. No início dos anos sessenta, a circulação foi de cerca de 383.000. As receitas com
92
“TIME was, first of all, an invention pure and simple; and Hadden had a large part in designing it. Secondly,
TIME was a daring and well-organized business venture; and Hadden played an important part in that… Finally,
and perhaps most important of all, Hadden was a great editor.” PETERSON apud BUSCH, in: BUSCH, Noel.,
Briton Hadden: A Biography of the Co-founder of Time (New York, 1949), p 107. 93
PETERSON, op cit. 238. 94
Ibid., ibidem. 95
Ibid., ibidem. 96
PETERSON apud LYDGATE, William A., in: “Romantic Business,” Scribner’s, 104 (Sept., 1938).
32
publicidade em 1962 foram de US$ 11.996.000, a segunda maior da história até aquele
momento.97
O segundo produto de Henry Luce, Fortune, produziu receitas e prejuízos variados
em sua história inicial. Seus lucros representavam uma pequena parte da TIME Inc. Segundo
William Lydgate, “em seus primeiros oito anos Fortune conquistou uma receita líquida de
aproximadamente US $ 1.300.000 - algo em torno de 15 por cento do rendimento da TIME
Inc. a partir de suas publicações no período. Seus números, aproximadamente, mostraram que
a revista perdeu $ 150,000 em 1930, ganhou US$ 30.000 em 1931, perdeu US $ 30.000 em
1932, e quebrou mesmo em 1933. Para os quatro anos posteriores, a revista mostrou lucro:
mais de $ 200,000 em 1934, mais de $ 400,000 em 1935, perto de $400,000 em 1936, e $
498,000 em 1937. Nos anos cinquenta, pelo menos por algum tempo, a revista disse que
estava perdendo dinheiro."98
Na verdade Fortune era uma revista de custo elevado tanto para impressão como
edição - apesar da empresa se orgulhar de sua impressão. Com excelentes ilustrações e
cautelosa seleção de artigos, os editores em 1937 passaram a oferecê-la pelo custo de $5
dólares. Quando decidiram aumentar o valor da revista para $10, isto é, dobrá-lo, os editores
receberam cerca de mil cartas de protesto. Após analisarem os prós e os contras chegaram às
seguintes conclusões: ‘havia dois grandes erros, vinte e três menores erros e quarenta
pequenos erros’; decidiram pagar a diferença das publicações, ou seja, $4000 para ressarcir o
valor anterior.99
A linha editorial da revista Fortune foi elaborada por Henry Luce ao mesmo tempo
em que suas ideias tinham como pano fundo o New Deal. Segundo Peterson “no início dos
anos trinta, Henry Luce leu um livro de A. A. Bearle e G. C. Means, The Modern Corporation
and Private, o qual sustentava que todo negócio, por si só, era investido de interesse público
e, a partir dessa tese, Luce desenvolveu a abordagem editorial de Fortune, e procurou manter
todos os negócios em permanente vigilância pública." 100
Nesse sentido, Fortune tornou-se
pioneira na abordagem pormenorizada de políticas, problemas e análise financeira de
corporações.101
Nessa linha, outras revistas surgiram, como foi o caso da Forbes e Business
Week. Dwight Macdonald, um ex-escritor de Fortune, acreditava que "a revista se inclinara
para a esquerda durante o New Deal por diversas razões, uma delas foi que Luce reconheceu
97
PETERSON apud LYDGATE, William A., in: “Romantic Business,” Scribner’s, 104 (Sept., 1938). 98
PETERSON, idem, ibdem, p. 18 99
PETERSON, op cit. 239 100
Ibid., ibidem. 101
Ibid., ibidem.
33
que o New Deal era uma grande notícia (...) Outro fator foi que muitos dos talentosos
escritores de Fortune eram liberais. Por fim, aqueles escritores tornaram-se cada vez mais
liberais, mesmo que não tivessem experiência."102
Com sua edição de janeiro de 1956, Fortune passou por mudanças adicionais. A capa
foi redesenhada, o índice de conteúdo renovado, e o layout das páginas internas alterado.
Architectural Forum
Em abril de 1932 TIME Inc. adquiriu a revista Architectural Forum, a primeira
aquisição de sua pré-fase imperial. Essa revista teve em sua primeira publicação o título de
Bricklayer, em 1892, e foi rebatizada para Architectural Forum em 1917. Tratava-se de uma
revista exclusivamente voltada para arquitetos quando TIME Inc. assumiu o controle. A
inspiração para sua compra chegou até Luce por meio de Marriner Eccles, um financista que
ocupava um cargo no Departamento do Tesouro e do Federal Reserve System sob a
presidência de Franklin D. Roosevelt.103
Eccles, disse que "a principal linha de ataque contra
a depressão seria o investimento em habitação", lembrou Luce anos mais tarde.104
Não apenas
arquitetos como também engenheiros precisavam de um meio de informação naquele
momento do New Deal. Sendo assim, a tese de Luce era de que "a Construção Civil era a
maior e única indústria na América com enorme potencial".105
Para superar a crise de 1929 eram necessários juntar esforços de todas as áreas
inclusive da cultura americana. Segundo Peterson ‘a missão original da Architectural Forum
sob o comando da TIME Inc., e o que os editores expressaram em seus prospectos, era "reunir,
em torno da arte e da ciência central da arquitetura, todas as influências que irão construir a
nova América."106
Em janeiro de 1952, a revista foi dividida em duas publicações distintas:
Architectural Forum, com foco na indústria pesada da construção civil e House and Home,
essa destinada aos construtores de casas residenciais, arquitetos e financiadores de
hipotecas.107
102
PETERSON apud Dwight MACDONALD, “Fortune Magazine”, Nation , 144 (May 8, 1937) p.528. 103
PETERSON, op cit. 240. 104
Idem, ibidem . 105
PETERSON apud STEWART, Kenneth. In: “The Education of Henry Luce”, PM, 5 (Aug. 27, 1944). 106
PETERSON op. cit 240-241.
107 PETERSON op. cit 241.
34
Sports Illustrated
Após o empreendimento de Life, a próxima revista do grupo TIME Inc. foi Sports
Illustrated, um semanário sobre "o maravilhoso mundo dos esportes", que apareceu pela
primeira vez em agosto de 1954, após um ano de experimentação.108
A proposta inicial foi se
alterando com o tempo, pois, "originalmente, a revista se destinava a cobrir todo o campo de
recreação".109
TIME Inc. planejou Sports Illustrated como uma revista para um público mais
culto e, naquele momento, para os leitores de alta renda. Foi estabelecida uma meta de
circulação de 450.000 exemplares para os primeiros seis meses. Antes de sua primeira edição
Henry Luce fez uma grande campanha de promoção trazendo 250,000 assinantes, antes
mesmo que a revista tivesse emplacado um nome.110
Para surpresa de todos, as vendas ao
final de seis meses de publicação estavam em torno de 575,000. Segundo Peterson "(...) seu
crescimento foi muito rápido. Em menos de uma década após sua fundação, ela já tinha
atraído mais de um milhão de assinantes e seguidores, (...) nos seis anos posteriores a 1957
suas receitas publicitárias mais do que duplicaram, chegando a US $ 17.985.000."111
Sports Illustrated não apenas atendeu ao espectador de esportes comuns - futebol,
basquetebol, beisebol, boxe -, como também conquistou seus leitores através de textos e
imagens, nas escaladas de montanha, caça a raposa, dentre diversos ensaios. A revista instruía
acerca de esqui, golfe canoagem, natação, mergulho, equitação, e até mesmo bridge. A equipe
havia percebido que o esporte nunca havia tido um tratamento visual adequado, fizeram,
portanto, uso extensivo da fotografia, das cores, chegando a enviar artistas para pintar eventos
desportivos em tela.112
No início os editores tinham pensado que poderiam comprar mais da metade do seu
material de escritores de jornais desportivos, mas os pesquisadores logo descobriram que os
repórteres estavam muito ocupados ou demasiado indisciplinados para o tipo de escrita que
eles queriam. Segundo Peterson, "eles se inclinaram para o seu próprio pessoal, mas também
encomendaram artigos de escritores bem conhecidos como Catherine Drinker Bowen,
William Saroyan e Robert Frost. William Faulkner cobria hóquei, John P. Marquand
contribuiu com uma série satírica sobre clubes de campo, John Steinbeck escreveu sobre
pesca, e o presidente eleito John F. Kennedy criticou o the soft American. A revista
denunciava as ligações entre extorsão e boxe, numa cruzada para uma conduta honesta e
108
PETERSON op. cit 241.. 109
Idem, ibidem, p. 241 110
Ibid., ibidem. 111
Ibid., ibidem. 112
Ibid., p. 243.
35
defendeu o conservadorismo. No entanto, algo do zelo missionário que caracterizou o período
inicial TIME e Life parecia ausente".113
1.1.7 - TIME Inc. - Consolidação empresarial
Durante e depois da II Guerra Mundial, TIME Inc., nas palavras de seu pessoal,
passou de "um pequeno grande negócio" para "um grande pequeno negócio". Analisada a
partir de sua receita líquida, a empresa realmente era um pequeno grande negócio durante os
anos 1920 e início dos anos 1930. Seus rendimentos eram de apenas $3,860, em 1927,
passaram para $ 125,787 em 1928, $ 325,412 em 1929 e $ 818,936 em 1930. Em 1933 seus
rendimentos atingiam mais de US $ 1.000.000, e em 1933 dobrava para US $ 2.000.000.114
Antes de 1941, TIME Inc. não tinha correspondentes ou fotógrafos no exterior, como
também nenhum membro externo, exceto alguns da “March Of TIME” (equipe que
comandava uma programação de rádio da TIME Magazine) em Londres e Paris. Um dos
resultados para a ampliação de atividades no exterior durante a Segunda Guerra Mundial foi a
montagem da TIME-Life International, em 1945, como uma divisão para administrar a
cobertura da imprensa estrangeira e distribuir TIME&Life fora dos Estados Unidos. A
empresa passou a publicar cinco edições internacionais de TIME, e quinzenalmente uma
edição de Life en Español.115
Segundo Peterson, vários fatores para o sucesso de Henry Luce e sua empresa podem
ser levados em conta. Primeiramente a chegada da TIME (e do mesmo modo o Readers
Digest) ao mercado foi algo tomado de início como uma novidade, pois se diferenciava dos
formatos tradicionais. O contexto histórico de sua fundação, relacionado à conjuntura
econômica dos Estados Unidos nos anos 1920 - como já foi dito anteriormente -, contribuiu
para alavancar a empresa. Seus pressupostos editoriais foram sutis, o alvo seria o leitor
ocupado e pensativo dos acelerados anos 1920, esse que gostaria de receber uma revista
condensada e simplificada.116
Em segundo lugar, TIME refletia fortemente a personalidade de
seu editor. Mesmo depois que a TIME Inc. tinha se tornado uma grande empresa, suas
publicações, traziam a marca de Henry Luce, o qual esperava que seus empregados
concordassem com ele sobre os fundamentos. Em terceiro lugar, James Linen, um
113
PETERSON op. cit p 241. 114
Ibid., ibidem. 115
PETERSON, op cit. p. 244. 116
PETERSON, op cit. p. 261.
36
funcionário-chave, observou, em 1953, que "TIME é hoje completamente diferente de TIME
da década de quarenta. Aquela TIME foi totalmente diferente da TIME da década de trinta."117
Ernest Havemann, um dos colaboradores de Life, disse certa vez: "Não existe nada como a
revista Life."118
Quarto, TIME Inc. sempre teve uma boa gestão empresarial. Se os próprios
fundadores não estavam particularmente interessados no lado comercial da publicação, "eles
se tornaram associados com os homens que eram."119
Por último, as atividades promocionais
desempenharam papéis de importância decisiva no rápido crescimento da empresa.120
Além dos denominadores comuns, outros fatores também contribuíram para as boas
condições da indústria de revistas como um todo. O recrudescimento da educação foi um
deles. A aparição da TIME coincidiu com o aumento do número de matrículas nas faculdades
após a Primeira Guerra Mundial - e muito mais após a Segunda - e, sem dúvida, atraia grande
parte desse contingente. Finalmente, o sucesso gerou o sucesso. Como as publicações
começaram a crescer, anunciantes e leitores foram atraídos a ela pelo aumento do seu
prestígio.121
Em 1963, a TIME Inc., com inúmeras filiais, era a maior editora de revistas dos
Estados Unidos. Além de suas revistas, as quais representavam cerca de três quartos de sua
receita, a empresa também publicou livros e textos em geral. Operava rádios e estações de
televisão nos Estados Unidos e tinha interesses em estações de televisão estrangeiras,
especialmente na América Latina. Realizou grandes negócios relacionados à exportação de
revistas. Liderou a produção de papel e celulose, sendo proprietária de 610,000 hectares no
Texas dentre outros bens imóveis. Life bateu todas as revistas americanas em receitas de
publicidade em 1963 com US $ 143.875.000. TIME foi a terceira com US $ 61.276.000. Sua
receita bruta em 1962 foi de US $ 326 milhões. A empresa empregava 6.700 pessoas.
Após 22 anos instalados no Chrysler Building, Henry Luce e seu grupo mudaram-se
para um novo edifício. Agora de sua propriedade, TIME Inc. se instalou em 1960 no prédio
TIME&Life, dentro do Rockefeller Center em Nova York.
117
PETERSON, op cit. p. 261. 118
Ibid., ibidem. 119
Ibid., ibidem. 120
Ibid., ibidem. 121
Ibid., ibidem.
37
1.2 - PARA ALÉM DOS ENTREPOSTOS: AS CABEÇAS DE PONTE
A Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas na estrutura da empresa de
Henry Luce. Antes de 1945, seus empreendimentos estavam voltados para o mercado interno
norte-americano. Com o aumento significativo das receitas da empresa, houve a possibilidade
de alçar voos mais altos. De acordo com Prendergast ‘TIME Inc. foi a primeira empresa
americana a lançar [dentro do seu seguimento] publicações internacionais em grande escala’,
através de suas principais revistas TIME e Life.”122
O próprio Henry Luce admitia a
importância dessa projeção tendo em vista as questões de interesse nacional, neste caso o
Século Americano, e as diversas oportunidades para publicação e publicidade.123
Em 1965,
em comemoração ao aniversário de vinte anos da TIME Inc., Luce fez um discurso quase em
termos missionários:
"Time-Life International teve início em 1945 pelo motivo dos EUA serem naquele
momento, literalmente, o único poder no mundo capaz de restaurar a continuidade
da civilização... É esta alta singularidade de poder e influência [dos EUA] uma
premissa real - premissa necessária para o pressuposto de que a Time Inc. devia
fazer algo ao mundo” 124
Os critérios de informação, no qual todas as pessoas deviam saber o que se passava
no mundo ou em seu país foram as justificativas teóricas de Henry Luce para o seu
empreendimento internacional. Em outras palavras, tratava-se de uma forma mais segura e
eficaz para difusão dos valores norte-americanos por meio das lentes da TIME Inc. O próprio
Luce dizia: ‘todas as pessoas do mundo precisam saber o que está acontecendo no mundo’.125
1.2.1 - Reorganização interna: TIME pós-1960
O final da década de 1950 e início da década de 1960 foi consolidada a presença
internacional do Grupo TIME-Life International. Tratou-se de um momento cujo foco se
mantinha ligado à cruzada do Século Americano. A Guerra Fria prosseguia, no entanto, o
122
PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III
(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 86. 123
PRENDERGAST, loc cit. 124
“TLI was started in 1945 because the U.S. was literally the only power in the world capable of restoring some
of the continuities of civilization… It is this towering uniqueness of power and influence [of the U.S.] that is…
the factual premise – the existential premise for the assumption that TIME INC. should do things in the
international world.” – PRENDERGAST, op cit, p. 86 125
Ibidem.
38
Grupo TIME, em 1960, fazia uma reformulação em sua estrutura gerencial. Abaixo de Luce
foram apresentados no formato de um triunvirato os executivos James Linen , Edgar R. Baker
e Andrew Heiskel - este um amigo próximo de Carlos Lacerda. A missão do triunvirato era
ampliar ainda mais as bases internacionais da empresa.
Em 1953, Henry Luce tinha aberto um escritório em Londres que servia como uma
base de comunicação com a Europa. No entanto, o edifício sede na Europa foi inaugurado em
novembro de 1960, ao custo de 6 milhões de dólares no centro de Paris, na esquina da
Avenida Matignon com a Rua Rebelais, cerca de um quarteirão do Palácio Presidencial
Charles de Gaulle. Na cerimônia de inauguração, o já empossado novo presidente, Andrew
Heiskell, fez um discurso bilíngue no qual lançava previsões otimistas para o futuro da TIME
Inc. na Europa e no mundo.126
Se tratava do momento exato para firmarem parcerias com
outros editores cujo intuito era transpor a barreira dos diversos idiomas e consolidar a
presença de revistas como Fortune, TIME e Life no maior número de países. A ambição pelo
mercado mundial pode ser constatado na fala do então vice-presidente da empresa, Edgar R.
Baker:
“Através de uma combinação do crescimento de nossas revistas com a expansão em
novos campos,(...) nossa meta é levar a Time-Life International a um lucro anual de
100 milhões de dólares durante a década de 1960”,127
O aumento almejado por Baker representava cerca de quatro vezes mais do que já
havia sido alcançado na década anterior. Já o presidente da empresa, Heiskell, se mostrou
mais contido e, num pronunciamento aos colegas europeus, preferiu valorizar não apenas os
investimentos em revistas, mas preparar o terreno para expandir o setor de televisão no
exterior e a fixação de novas “cabeças de ponte” em outros países.
De longe, Henry Luce observava a velocidade com que os novos executivos dirigiam
a empresa e, ao lado dos veteranos, pedia um pouco de calma aos mais jovens.128
Por outro
lado, Heiskell continuava sua missão de expansão dos negócios da TLI pelo mundo e, após
uma reunião, em 1961 no Japão, decidiu retomar um antigo projeto de expansão, só que dessa
vez para a America Latina.129
Durante o processo de expansão internacional, a TLI se deparou com alguns
problemas locais que influenciavam direta e indiretamente suas intenções. Dois elementos
126
PRENDERGAST, Op. cit p. 82. 127
“Through a combination of growth of our present magazines and expansion into new fields,” (…), “our
purpose is to turn TLI into a $100 million annual business during the 1960s (…).”PRENDERGAST, op cit. Ibid.,
ibidem. 128
Ibidem. 129
PRENDERGAST, Op.cit. p.83.
39
foram decisivos, o câmbio local e a censura de algumas reportagens. O Japão foi o país no
qual esses fatores tiveram maior impacto no expansionismo de TLI.130
O caso latino-
americano foi peculiar, pois a logística de distribuição sofreu com o deslocamento terrestre
precário, o que provocava atrasos na entrega dos números e contribuía para a recepção de um
conteúdo desatualizado ao público.131
Tratava-se de um mercado fragmentado, ‘cuja
publicidade se manteve escassa’ o que levou a perdas significativas.132
O afastamento gradual de Henry Luce favoreceu a indicação de Otto Fuerbringer
como Editor-chefe em março de 1960. Conhecido pelo apelido de "Chanceler de Ferro",
Fuerbringer, ao contrário dos editores anteriores, impôs os valores republicanos defendidos
pela revista. Ao mesmo tempo em que dedicou maiores cuidados à linha editorial da revista
dentro do clima da Guerra Fria - os reflexos dessa linha de trabalho puderam ser percebidos
em suas capas.133
Boa parte do material, que era publicado durante a campanha de Kennedy,
acabava sendo reescrito [aos moldes de Henry Luce] por Fuerbringer.134
Sob a gestão de Fuerbringer, TIME continuou a ser tratada como um veículo que
distorcia a notícia dentro e fora dos Estados Unidos.135
Apesar disso, mesmo após uma
pesquisa realizada em 1961, por diversos correspondentes, em Washington, sobre o papel de
TIME nos EUA e no mundo, constatou-se que ela era a revista mais lida no país.136
Por outro
lado, quando o assunto era 'a confiabilidade no conteúdo' da revista, os números já não eram
muito favoráveis. Por meio de um método de votação, foi apurado o seguinte resultado:
'Newsweek recebeu setenta e cinco votos, U.S. News & World Report sessenta e seis, TIME
nove.'137
1.2.2 - Revistas versus Televisão
Apesar da pouca atenção que Henry Luce dava aos seus críticos, ele não podia deixar
de reparar que há tempos um novo tipo de ameaça cercava sua empresa, tratava-se do avanço
da televisão.
Ao longo das décadas de 1930, 1940 e 1950 foi possível a obtenção de lucros
130
PRENDERGAST, ibidem, p 83. 131
Ibidem, p. 86. 132
Ibidem, p. 87. 133
BAUGHMAN, apud SHAW, David., Los Angeles Times, 3 May 1980. 134
DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York:
Harper & Row, 1985), p. 73. 135
BAUGHMAN, op cit, 184. 136
Ibid., ibidem. 137
Ibid., ibidem.
40
significativos para a manutenção e ampliação de todo o seu empreendimento. No entanto, já
na década de 1950, a ascensão da televisão começava a ameaçar o mercado de revistas.138
O
aumento dos aparelhos de TV nos lares americanos acabou deslocando a atenção dos
anunciantes e afetando o mercado editorial como um todo. Até mesmo as grandes rivais
centenárias como o Saturday Evening Post sucumbiram diante do fenômeno.
Incapacitadas de lutar contra a televisão, as batalhas por assinantes e anunciantes
passaram a ser travadas entre as revistas. Com a diminuição do preço das revistas e a
permanência dos encargos com a qualidade do material, inúmeras revistas foram à falência.139
TIME Inc. sobreviveu sem muitos problemas graças a sua grande estrutura. Um caso
específico refere-se à sua revista Sport Illustrated que nada sofreu dentro daquele novo
cenário de concorrência, pelo contrário continuou com os bons resultados de venda.140
Life, nos anos 1960, também sob o impacto da televisão, viu-se obrigada a rever sua
estratégia original. Com vistas à redução de custos oriundos de suas imensas ilustrações e
fotografias, a revista gradualmente migra para o texto. Seus editores acreditavam que, ao
contrário das imagens, a palavra seria a única forma de lutar contra a TV. A Life teve de
assumir uma nova identidade e passou a publicar matérias com perfil de jornalismo
investigativo.141
138
BAUGHMAN, op cit, 184. 139
Idem, Ibidem. 140
Ibid., ibidem.. 141
PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III
(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 51.
41
1.2.3 - As relações com o Kennedy
Henry Luce esteve à frente do Office como editor-chefe até 1964, ano no qual se
aposentou, porém continuou a influenciar não apenas a direção de sua empresa como também
os governos americanos que se sucederam até a sua morte em 1967. Nesse mesmo período
muitos políticos americanos nos quais se incluíam ‘respeitados democratas’, aderiram às
diretrizes básicas do Século Americano de Luce.142
Os liberais americanos permaneceram
dedicados à Pax Americana, cujos benefícios para a humanidade pareciam [para eles] pouco
evidentes naquele momento dado ao contexto da Guerra Fria.143
O agressivo Século Americano não rasgaria a cortina de ferro, portanto era o
momento de uma revisão de postura. Muito criticado por liberais como o teólogo Reinhold
Niebuhr – que influenciou diretamente as ideias de alguns nomes tais como Arthur
Schlesinger, Jr. – entre outros, Luce ‘tentou moldar naquele momento o Século Americano
sob um movimento batizado por ele de Peace through law cujo vetor seria a manutenção da
paz internacional’.144
Por incrível que possa parecer, a proposta de Luce não foi aceita e o
Senado dos EUA, apesar das intervenções de Eisenhower, não revogou a emenda Connally,
142
BAUGHMAN, James L., Henry Luce and the Rise of the American News Media. Baltimore and London. The
John Hopkins University Press, 2001. p.180. 143
MATUSOW, Allen J., The Unraveling of America: A History of Liberalism in the 1960s (New York: Harper
& Row, 1984, p 11. 144
BAUGHMAN, op cit. p.180.
42
que atribuia competência aos Estados Unidos para rejeitar a decisão do Tribunal Mundial.145
Apesar de os ‘diplomatas americanos, no final dos anos 1950 e 1960, respeitarem Luce, eles
não partilhavam do seu entusiasmo por uma política externa de legalismo moral’.146
Luce, um republicano, esteve diretamente envolvido na campanha do democrata
Kennedy. O discurso de Kennedy em relação ao contexto de Guerra Fria não foi o único
elemento de aproximação com Luce. Apesar do carisma e da grande articulação política de
Kennedy, Luce era amigo de seu pai desde a década 1930, momento em que Joseph Kennedy
deu início a uma tradição familiar de conquistar aliados políticos.147
Luce fez diversas
publicações favoráveis ao clã Kennedy, inclusive escrevendo o texto de introdução do
primeiro livro do jovem John. F. Kennedy, Why England Slept.148
O grau de intimidade e contato de Henry Luce com o clã Kennedy era muito grande.
Enquanto JFK fazia seu discurso de aceitação da indicação à presidência na convenção do
partido democrata, seu pai, Joseph, o assistia pela televisão no apartamento de Luce em Nova
York.
A vitória de Kennedy recebeu ampla cobertura da mídia nacional e internacional. No
entanto, a cobertura da posse realizada pelas revistas TIME e Life reforçou ainda mais o brilho
do novo presidente. O ensaio fotográfico de Kennedy e de sua bela esposa nas páginas de Life
foi visto, comprado e apreciado por milhares de leitores dos Estados Unidos e do mundo.149
A
total parcialidade de Luce em relação a Kennedy incomodou de tal forma os republicanos que
até mesmo Richard Nixon publicou protestos contra Luce. O próprio Kennedy, impressionado
com as publicações em TIME Magazine, pediu para que um dos seus assessores checasse se o
empresário estava mudando de posição. William Benton, amigo de muitos anos de Luce como
de Kennedy, deu-lhe a notícia de que Luce não estava deixando o Partido Republicano.150
Apesar de todas as suspeitas em relação à participação do empresário na campanha
vencida por Kennedy, Henry Luce votou no nome indicado pelo seu partido, Richard Nixon.
Mesmo assim, nada disso impediu Luce de participar do baile de posse sentado no camarote
de Joseph Kennedy.151
Kennedy tinha pleno conhecimento do importante papel que a televisão e a imprensa
145
BAUGHMAN apud LUCE, Introduction to Beyond Survival, by Max Ways (New York: Harper & Bros.,
1959), xi-xii. 146
Ibid., ibidem. 147
BAUGHMAN, op cit. p. 181. 148
Ibid., ibidem. 149
PARMET, Herbert S.. Jack: The Struggles of John F. Kernnedy (New York: Dial Press, 1980), p. 438. 150
DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York:
Harper & Row, 1985), p. 70. 151
BAUGHMAN, op cit. p. 183.
43
exerciam sobre a política. Naquele momento o novo presidente precisava do apoio desses
setores, e o encontrou de forma especial na TIME.152
Em sua primeira visita à Europa como presidente, Kennedy ficou impressionado com
a popularidade da revista TIME no velho continente, o grande número de leitores em diversos
países europeus chamou a sua atenção. Ao regressar aos Estados Unidos, Kennedy fez
questão de receber antecipadamente os números das revistas Newsweek e TIME.153
Henry Luce, em diversas ocasiões, fazia questão de entregar pessoalmente a
Kennedy um exemplar semanal.154
Kennedy, muitas vezes, procurava manter a republicana
TIME ao seu lado, e periodicamente consultava Luce acerca de decisões de peso no cenário
internacional.155
Antes de se posicionar sobre a questão da inclusão da China nas Nações Unidas,
Kennedy pediu para que Henry Luce preparasse um parecer final e cujo resultado não estava
muito distante do esperado, ou seja, Luce mantinha inalterada a posição da política norte-
americana em relação à China, portanto continuava a considerar o exilado Chiang Kai-shek
como o representante legal daquele país, permanecendo o país asiático fora da ONU.156
O descontentamento de Henry Luce em relação a Fidel Castro esteve presente na
maioria dos editoriais de TIME naquele contexto. Kennedy não teve dificuldade de encontrar
apoio à questão do bloqueio a Cuba quando recorreu a Luce. O discurso do presidente,
publicado pela revista, foi considerado pelo empresário como algo 'brilhante'.157
1.2.4 - TIME, Kennedy e o Vietnã
Segundo James Baughman, Kennedy podia sempre contar com a ajuda e com o
endosso de Henry Luce nas questões sobre o Vietnã. A posição de TIME Magazine era clara,
ou seja, favorável aos governos de Ngo Dinh Diem e Chiang Kai-shek.158
Entre os anos de
1962 e 1963, Henry Luce não se opôs às decisões do governo Kennedy sobre a ajuda militar
ao governo de Diem.159
152
BAUGHMAN, op cit, 185. 153
Ibid., ibidem. 154
DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York:
Harper & Row, 1985), p. 70. 155
Ibid., ibidem. 156
BAUGHMAN, op cit, 186. 157
PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III
(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 35-36. 158
BAUGHMAN, op cit, 186-187. 159
Ibid., ibidem.
44
Ngo Dinh Diem
Todavia, um problema de ordem editorial afetou a credibilidade da TIME junto à
opinião pública dos EUA no que se referia ao Vietnã. O editor-chefe Fuerbringer reescrevia
todas as informações transmitidas pelos seus correspondentes no Vietnã. Tal procedimento
contrariava radicalmente uma metodologia de trabalho e de escrita que havia sido fundada por
Hadden e Luce e, cujo percurso, mantinha-se inalterado desde 1930.160
Uma coisa era
reescrever (condensar, resumir, rewriter) outra era forjar explicitamente a notícia, pois estava
sendo passada aos leitores americanos uma imagem positiva, de progresso, quando na verdade
a situação piorava ainda mais na região.161
Em Washington, um desses correspondentes,
Carlos Mohr, denunciou que as notícias que vinham sendo publicadas na TIME não
correspondiam à realidade e, portanto, apresentavam um conteúdo otimista e evasivo.162
Tal denúncia havia partido de dentro da própria TIME e, portanto, promoveu um
constrangimento público da revista durante o outono de 1963.163
De maneira desesperada,
Fuerbringer contra-atacava dizendo que, devido às péssimas condições de trabalho no Vietnã,
correspondentes como Mohr defendiam posições derrotistas. Por último, e na tentativa de
restaurar a credibilidade da TIME, Fuerbringer ainda cometeria outro erro, disse que a
"imprensa [exceto TIME] estava ajudando a confundir ainda mais a opinião pública nos
Estados Unidos".164
Quando Mohr, inconformado, anunciou a sua demissão, Henry Luce
interviu imediatamente e pediu para que Fuerbringer "acalmasse seu homem de Saigon", este
que era responsável pela Seção World, a mais crítica de TIME naquele momento.165
Após
160
BAUGHMAN, James L., Henry Luce and the Rise of the American News Media. Baltimore and London. The
John Hopkins University Press, 2001. p.187. 161
BAUGHMAN apud John L. Steele, "The News Magazine in Washington," in The Press in Washington, ed.
Ray Eldon Hiebert (New York: Dodd, Mead, & Co., 1966), p. 58-60. 162
Ibid., ibidem. 163
BAUGHMAN, op cit, 187. 164
HALBERSTAM, David. The Power That Be (New York, Knopf, 1979), 464. 165
BAUGHMAN apud John HORENBERG, Between Two Worlds: Policy, Press, and Opinion Public in Asian-
American Ralations (New york: Frederick A. Praeger, 1967), 41-42.
45
intensa rodada de acordos, Mohr decidiu permanecer.166
O ceticismo dos correspondentes e jornalistas norte-americanos em relação à Guerra
do Vietnã podia ser convertido em hostilidade ao governo.167
Os repórteres americanos
manifestavam grande insatisfação com a guerra desde 1960. Um dado que agravava ainda
mais a credibilidade dos meios de comunicação podia ser identificado fora dos Estados
Unidos. Tanto os países que apoiavam as ações norte-americanas no Vietnã, como a própria
China, manipulavam a todo custo as informações produzidas na região do conflito,
confundindo a imprensa como um todo.168
Nesse período, Henry Luce foi se afastando gradualmente do corpo gestor enquanto
preparava sua aposentadoria. Em Abril de 1964 ele deixou o posto de editor-chefe. Em 1959
já havia preparado e indicado o seu sucessor, Hadley Donovan.
Donovan era um funcionário de carreira dentro da corporação e, antes de assumir o
novo posto, havia trabalhado como editor chefe em Fortune. Compartilhava de todas as visões
de Henry Luce, porém não possuía as habilidades e as excentricidades do Chefe.169
Como aposentado, Luce visitava periodicamente o escritório em Nova York. Durante
essas visitas, ele fazia muitas críticas e sugestões a toda equipe, mas era Donovan quem
tomava a maioria das decisões.170
1.2.4 - TIME, Johnson e o Vietnã
Com a morte de Kennedy, seu sucessor Johnson pediu o apoio de Luce.171
Em 1966, logo após a sua reeleição, Johnson aprofunda a participação dos Estados
Unidos na Guerra do Vietnã ao ouvir seus principais conselheiros, os quais pediram a todo
custo uma "Americanização" da guerra.172
166
BAUGHMAN apud John HORENBERG, Between Two Worlds: Policy, Press, and Opinion Public in Asian-
American Ralations (New york: Frederick A. Praeger, 1967), 41-42 167
BAUGHMAN, op cit, 188. 168
BAUGHMAN apud MOHR, Charles. "Once Again - Did the Press Lose Vietnam?", Columbia Journalism
Review 22, (Novembver-December 1983), 55; Daniel C. Hallin, The "Uncensored War": The Midia and Vietnam
(New York, Oxford University Press, 1986), p.40-42, 48, 58. 169
BURNS, Joan Simpsom. The Awkward Embrace: The Creative Artist and the Institution in América (New
York: Knpf, 1975), 143-45, 161. 170
BAUGHMAN, op cit, 188. 171
Ibid., ibidem. 172
BAUGHMAN, op cit, 189.
46
A TIME aplaudiu173
a decisão de Johnson e em seu editorial declarou:
"Lyndon Johnson não permitirá que os EUA sejam retirados do Vietnã. Caso isso
acontecesse, os americanos só teriam outra chance de lutar contra o comunismo
asiático muito mais tarde" 174
Para Henry Luce o Vietnã era uma das cinco ou seis áreas do mundo que mais
importavam aos interesses americanos.175
Luce deu apoiou incondicional à participação dos
Estados Unidos no Vietnã, pois acreditava piamente na vitória do sul. Desde a Guerra da
Coréia, Henry via essa guerra como "uma importante arena de testes para consolidar a
liderança dos Estados Unidos no mundo.176
Óbvio que para ele a intervenção norte-americana
também era necessária para desencorajar as guerras de libertação sob o signo do
comunismo.177
Na visão de Luce, o Vietnã tinha um valor tanto estratégico como simbólico
para os Estados Unidos, a intervenção norte-americana no sudeste asiático deveria ser
realizada a todo o custo.178
"após vinte anos de esforço e experiência, os EUA são capazes de deixar claro a toda
a humanidade quais são as regras de uma nova ordem internacional que pretendemos
defender e o modo como a preservaremos com força..."179
Em abril de 1965, o Washington Post publicou em seu editorial o artigo The Anguish
Power (O Poder angustiado). Nesse texto estavam contidas as mesmas teses utilizadas em
1941 por Henry Luce em seu Século Americano.180
Os argumentos para a angústia do poder
americano citados no artigo se baseavam no fato de que com o declínio do Império Britânico
no pós-Segunda Guerra, a "América" assumia as responsabilidades com o Poder e os Estados
Unidos não poderiam estar distantes ou desatentos a tudo o que acontecia no mundo.181
173
BAUGHMAN, op cit, 189. Ver também: Time, 14 de maio de 1965; Time, 7 de janeiro de 1966. 174
“Lyndon Johnson will not allow the U.S. to be pushed out of Vietnam. For if that were to happen, Americans
would only have to make another stand against Asian Communism later.” Ibid., ibidem. 175
Ibid., ibidem. 176
BAUGHMAN, op cit, 189. 177
BAUGHMAN, op cit, apud HALBERSTAM, Quagmire, 315, 319. 178
Ibid., ibidem. 179
“after twenty years of effort and experience, the United States will be able to make clear to all mankind what
rules of international order we intend to uphold and in what ways we will preserve purposes with power.”in:
PRENDERGAST, World of Time, 1968. 180
BAUGHMAN, op cit, apud, Washington Post, 26 April 1965. 181
Ibid., ibidem.
47
Dentro do contexto de pós-reeleição de Johnson (1965/66) e o aprofundamento da
crítica em torno da ação radical dos Estados Unidos na guerra, outra batalha passou a ser
travada entre a TIME e os demais meios de comunicação dos Estados Unidos. Segundo
Baughman, tal conflito não se deu de forma isolada nos moldes de uma TIME Magazine’s
War (Uma Guerra da TIME Magazine) e uma 'Lucean cause' (Causa Henry Luce), mas num
desencontro de opiniões entre a maioria dos repórteres em torno da guerra.182
Poucos meses antes de sua morte em 1967, Henry Luce publicou comentários menos
'gloriosos' e ufanistas em relação ao Vietnã.183
Esse tipo de visão em relação à guerra passou a
integrar o editorial da TIME dali em diante. Ao lado de outras publicações, a TIME lamentava
a dificuldade de conviver com o 'caos sangrento' da guerra. Mais difícil ainda para a revista
era admitir que eles, os Estados Unidos, a nação mais rica do planeta, ainda teria que pensar
na possibilidade de uma retirada humilhante do campo de batalha.184
1.2.5 - A morte de Henry Luce
Ao se aposentar, Luce se retirou para seu lar em Phoenix e periodicamente se dirigia
ao escritório em Nova York para monitorar a cobertura que suas revistas faziam sobre a
182
BAUGHMAN, op cit, 190. 183
BAUGHMAN, op cit, 190-191. 184
Time, 22 de abril de 1966, 19.
48
guerra.185
Hadley Donavam, o editor-chefe realizava periódicas reuniões com as lideranças das
demais revistas. Todavia, novos problemas derivados da cobertura das notícias do Vietnã e
seus impactos na opinião pública dos EUA obrigavam a TIME Inc a se posicionar
radicalmente. Em 1966, com o aumento das baixas americanas, a empresa se convenceu da
necessidade de continuar o processo de 'americanização da guerra'.186
Nesse mesmo ano, o
editor-chefe e substituto de Henry Luce a frente da TIME Inc. publicou no editorial de Life
que sua empresa defendia abertamente a continuidade da intervenção americana no Vietnã e
sinalizava que, em breve os EUA retomariam a ofensiva definitiva para libertação do Vietnã
do Sul.187
Esse pronunciamento 'encantou Henry Luce ao ponto de dizer que o ensaio de
Donovan foi "o que de melhor se pode escrever sobre o Vientã até aquele momento".188
Henry Luce, mesmo aposentado, continuou viajando pelo mundo arriscando
inclusive viagens sem êxito à China completamente fechada aos jornalistas americanos.189
Luce, no final de fevereiro de 1967, sentiu-se mal e passou a ter dificuldades para se
alimentar. Clare, sua esposa o levou às pressas para o hospital. Embora os médicos não
tivessem encontrado nada de errado no primeiro diagnóstico, às 3h da manhã do dia 28 de
fevereiro, Henry Luce veio a falecer.190
185
BAUGHMAN, op cit, 192. 186
Ibid., ibidem. 187
PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III
(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 241-42; editorial Life, 25 February 1966, 27-31. 188
Ibid., ibidem. 189
BAUGHMAN, op cit, 193. 190
Ibid., ibidem.
49
1.3 - TIME INC. PÓS-HENRY LUCE
1.3.1 - Donovan, Johnson e o Vietnã.
Em 1968, um ano após a morte de Henry Luce, o então homem forte da TIME Inc.,
Haddley Donovan, rompia com o presidente Jonhson em relação à Guerra do Vietnã.191
Além
da forte pressão da opinião pública americana, os meios de comunicação faziam questão de
publicar os números expressivos de soldados enviados ao Vietnã192
. Segundo Antonio Pedro
Tota, entre 1966 e 1968 o número de soldados enviados à região havia crescido de quinhentos
mil para oitocentos mil193
.
Os editoriais de Life, a partir de outubro de 1967, já indicavam a necessidade de se
iniciar, o quanto antes, uma solução negociada para o conflito.194
A TIME passou a questionar
a capacidade militar dos Estados Unidos no Vietnã fazendo com que o presidente Johnson se
queixasse das publicações de Donovan.195
O início da retirada gradual das tropas americanas, já no começo de 1968, estava de
acordo com as mudanças propostas por Donovan.196
A imprensa já não escondia os ataques
que as forças americanas faziam às áreas urbanas do Vietnã desde 1965, motivo que reforçava
ainda mais a perda de credibilidade tanto da administração de Jonhson como da imagem do
exército.197
191
PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III
(1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 248. 192
BAUGHMAN, op cit, 193. 193
MAGNOLI, Demétrio. História das Guerras. São Paulo, contexto, 2006, p.217. 194
BAUGHMAN, op cit, apud editorials, Life 20-10-67, 4 a 15-03-1968. 195
DONOVAN, Hedley. Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper
& Row, 1985), p. 103. 196
Ibid., ibidem. 197
BAUGHMAN, op cit, 193.
50
1.3.2- O novo cenário da concorrência
Donovan, ao distanciar a TIME Inc. do centro do governo de Johnson, após uma
persistente associação com a administração da guerra, funda uma nova etapa na história da
empresa. Ele queria trazer a revista para uma posição de 'centro' na política dos Estados
Unidos.198
Um dos primeiros movimentos estratégicos para a revista foi a substituição de
Fuerbringer por Henry Grunwald, em maio de 1968, na função de Editor-Chefe. 199
Grunwald
soube trabalhar a revista dentro de um universo de opiniões divergentes dentro da própria
revista.
Até o final da década de 1960, a TIME Magazine praticamente não tinha
concorrentes. No entanto, em 1961 a Newsweek, sob o comando do The Washington Post,
começou a ganhar 'respeito' e passou a desenvolver uma linha editorial mais afastada da
TIME.200
Ambas as revistas trabalhavam paralelamente em relação as suas fontes, porém
Newsweek se distancia das vozes do Congresso e começa a trabalhar com opiniões e fontes
advindas, muitas vezes, do meio acadêmico e distantes do centro do poder.201
TIME e Newsweek compartilharam dos dilemas da Guerra do Vietnã e da cruzada
anticomunista pelo mundo, no entanto, ao final da década, essa parceria começava e
diminuir.202
Newsweek como 'segunda-via' passou a atrair os anunciantes da TIME, fato que
motivou a equipe de Grunwald e ver a concorrente com muito mais respeito do que antes,
inclusive começaram estudar a linha editorial da Newsweek.203
Segundo Herbert J. Gans,
apesar das duas revistas se esforçarem em manter uma identidade separada, o público leitor de
ambas era praticamente o mesmo, não havia profundas diferenças entre ambas.204
Na outra ponta estava a Life, que mesmo com a "volta às origens" - prioridade às
imagens - não foi suficiente para recuperar o sucesso das décadas anteriores.205
O editor Ralph
Graves (1969-72) se esforçou ao máximo na redução dos custos de produção através da
diminuição do seu quadro de funcionários. Por outro lado, numa espécie de compensação, as
assinaturas da revista eram caras e promoviam a migração dos assinantes e dos anunciantes
198
DONOVAN, Hedley, op cit. p.183 199
BAUGHMAN, op cit, POLLACK, Richard. "Time after Luce", Harper's, July 1969. 200
BAUGHMAN, op cit, 194. 201
Ibid., ibidem. 202
Ibid., ibidem. 203
GANS, Herbert J. Deciding What's News (New York, Pantheon, 1979), 319. 204
Ibid., ibidem. 205
BAUGHMAN, op cit, p. 195.
51
para outras revistas.206
As grandes rivais Saturday Evening Post e Look não suportaram a
concorrência. Em 1971, Look encerra suas publicações e, em 1972, foi a vez da Life.207
O
triunfo mundial da Televisão contribuiu para a derrocada de revistas como a Life. Alguns
editores chegaram até mesmo a colocar a culpa pelas falências nos serviços de correio.208
1.3.3 - O SÉCULO AMERICANO
Segundo Baughman, a reputação de Luce foi afetada logo após sua morte.209
O
currículo político do empresário foi marcado pelo seu constante apoio às intervenções
armadas dos EUA no exterior, tendo em vista os ideais norte-americanos dentro do contexto
da Guerra Fria.210
Muitos liberais e moderados entendiam que essas intervenções haviam
chegado ao limite extremo da política externa dos EUA e que se fazia necessário encontrar os
seus vilões.211
O nome de Luce aparecia em todas as listas.
O seu célebre texto sobre o "Século Americano" o tornou, além de 'senhor da
imprensa global americana' (press lord of American globalism)212
, o promotor do Estado
guerreiro.213
Segundo Baughman, apesar do crescente interesse econômico e cultural dos
EUA no exterior, Luce criticava os isolacionistas e a administração de Roosevelt, pois estes
não estavam dispostos a aceitar o que Lippmann já havia chamado de "O Destino
Americano".214
Para Luce, eram os EUA, e não a Grã-Bretanha, que iriam assumir o comando
do capitalismo mundial.215
Por outro lado, Henry Luce nunca questionou ações norte-americanas voltadas para o
bem das pessoas.216
Por exemplo, e segundo ele mesmo, durante o momento em que viveu
com os pais no norte da China, fez questão de assinalar que tanto os ingleses como os alemães
'causaram muitos males à China', enquanto os EUA fizeram exatamente o contrário.217
Sem
relativismos, Luce estava entre os primeiros a reconhecer a necessidade e a emergência da
206
BAUGHMAN, op cit, p. 195.. 207
Ibid., Ibidem. 208
Ibid., ibidem. 209
Ibid., ibidem. p. 196. 210
Ibid., ibidem. 211
Ibid., ibidem. 212
Ibid., ibidem. 213
Ibid 214
Ibid., p. 197. 215
Ibid., ibidem. 216
Ibid., ibidem. 217
BAUGHMAN apud EPSTEIN, Joseph. "Henry Luce and His Time", Commentary, November 1967, p. 379-
381.
52
moderna corporação capitalista que, segundo afirma, "era algo para ser celebrado".218
A
exportação do capitalismo empresarial dos Estados Unidos era de fundamental importância à
manutenção d’O Século Americano.219
Reproduzimos na íntegra o texto original do Século Americano, publicado em no
editorial de Life em 1941 pelo próprio Henry Luce.
O Século Americano220
Nós, americanos, estamos tristes. Não estamos contentes com a América. Não
estamos felizes com nós mesmos em relação aos Estados Unidos. Estamos nervosos – senão
pessimistas– senão apáticos.
À medida que olhamos para o resto do mundo, ficamos confusos, não sabemos o que
fazer. “De repente ajudar a Grã-Bretanha na guerra” pode representar um misto de
esperanças e incertezas.
Ao olharmos para o futuro – o nosso próprio futuro e o de outras nações – somos
tomados por maus presságios. O futuro parece não representar nada para nós, exceto
conflito, rupturas e guerra.
Há um forte contraste entre o nosso estado de espírito e o do povo britânico. No dia
três de setembro de 1939, o primeiro dia de guerra na Inglaterra, Winston Churchill teve que
dizer: “As tempestades ao redor dessa guerra podem se espalhar e a terra pode ser flagelada
pela fúria dos seus ventos, mas em nossos corações nesta manhã de domingo existe a paz”.
Após Sr. Churchill pronunciar essas palavras, a Força Aérea Alemã passou a
produzir estragos nas cidades britânicas, levou a população para os subterrâneos, crianças
acordaram assustadas, e todos passaram a viver a maior aflição de sua história. Os leitores
de Life puderam ver esse estado de caos semana após semana.
No entanto, observadores atentos concordam que, quando Mr. Churchill falava de
paz nos corações do povo britânico, ele não estava entregando-se a uma oratória inútil. Os
britânicos são profundamente calmos. Parece haver uma completa ausência de nervosismo.
Parece que todas as neuroses da vida moderna tinham desaparecido da Inglaterra.
No início, o governo britânico preparou-se para o aumento de colapsos nervosos na
população, mas isso, na verdade diminuiu. Houve menos de uma dúzia de casos relatados em
Londres desde o início dos ataques aéreos.
218
BAUGHMAN, op cit, 197. 219
Ibid., ibidem. 220
LUCE, Henry, The American Century (publicado pela primeira vez em LIFE Magazine, edição de 17-02-
1941). Também disponível em Diplomatic History, Vol. 23, No. 2 (Spring 1999). © 1999 The Society for
Historians of American Foreign Relations (SHAFR). Published by Blackwell Publishers, 350 Main Street,
Malden, MA, 02148, USA and 108 Cowley Road, Oxford, OX4 1JF, UK. Credit: Henry Luce, Life Magazine.
Disponível também em http://www.informationclearinghouse.info/article6139.htm (acessado em 14/08/2013).
53
Os britânicos são calmos de espírito não porque eles não têm nada com o que se
preocupar, mas pelo fato de estarem lutando por suas vidas. Eles tomaram essa decisão. Eles
não tiveram escolha.
Todos os seus erros cometidos nos últimos vinte anos, todas as tolices e falhas que
compartilharam com o resto do mundo democrático, agora estão no passado. Eles podem
esquecê-los, pois estão diante de uma tarefa suprema – defender, metro a metro, sua ilha
natal.
Conosco a situação é diferente. Nós não temos de enfrentar qualquer ataque amanhã
ou no dia seguinte. No entanto, estamos diante de algo muito difícil. Estamos diante de
grandes decisões.
***
Sabemos o quanto somos afortunados em comparação ao resto do mundo. Pelo
menos dois terços de nós são simplesmente ricos em comparação com o resto da humanidade
– ricos em alimentos, ricos em roupas, ricos em entretenimento e diversão, ricos em lazer,
ricos.
Por outro lado, também sabemos que a doença do mundo é também a nossa doença.
Nós também falhamos miseravelmente na solução dos problemas de nossa época. E em
nenhum lugar do mundo houve tantas falhas indesculpáveis como nos Estados Unidos da
América.
Em nenhum lugar o contraste foi tão grande entre as esperanças possíveis de nossa
época e os fatos reais de fracasso e frustração. E agora todas as nossas falhas e erros pairam
como aves de mau agouro sobre a Casa Branca, sobre a cúpula do Capitólio e sobre esta
página impressa. Naturalmente, não temos paz.
Mas, mesmo para além dessa necessidade de viver com os nossos próprios erros, há
outra razão pela qual não há paz em nossos corações. É porque não temos sido honestos com
nós mesmos.
Especialmente em torno da questão da Guerra ou da Paz, temos sido por diversas
vezes e de várias maneiras falsos com nós mesmos, falsos uns com os outros, falsos com os
fatos da história e falsos em relação ao futuro.
Neste autoengano, nossos líderes políticos, das mais diversas opiniões, estão
profundamente implicados. Contudo, não podemos jogar toda a culpa sobre eles. Se os
nossos líderes nos enganaram, é porque nós mesmos temos insistido nisso.
A falsidade deles é o resultado da nossa própria confusão moral e intelectual. Nesta
confusão, nossos educadores, religiosos e cientistas estão profundamente envolvidos.
Os jornalistas também, é claro, estão envolvidos. Mas se os americanos estão
confusos, não é por falta de informações precisas e pertinentes. O povo americano é, de
longe, o povo mais bem informado na história do mundo.
54
O problema não está nos fatos. O problema é que inferências claras e honestas não
foram elaboradas a partir dos fatos. O cotidiano atual é nítido. No entanto, as dúvidas de
amanhã ainda não foram esclarecidas. A América se defronta com uma questão fundamental
jamais enfrentada por outra nação. Trata-se de uma questão peculiar para a América e
agora particular aos EUA no século XX. Trata-se de uma questão tão delicado quanto o
início da Guerra. Se a América souber conduzi-la, então, apesar dos perigos e das
dificuldades, poderemos olhar para frente e avançar para um futuro digno do homem, com a
paz em nossos corações.
Se nos esquivarmos desse assunto, iremos cambalear por dez, vinte ou trinta
amargos anos em erros consecutivos causando uma série de desastres.
O objetivo deste artigo é afirmar que a solução desta questão é plenamente possível.
Mas, antes de tudo, devemos ser sinceros conosco e sabermos de onde estamos e para onde
iremos.
A América está em Guerra
. . . Mas será que estamos nela?
Onde estamos? Estamos em guerra. Toda essa conversa sobre se isto ou aquilo pode
ou não levar-nos à guerra é uma perda de tempo. Estamos, de fato, na guerra.
Se há um lugar que os americanos não queriam estar, era na guerra. Não queremos
estar em nenhum tipo de guerra, mas, se há um tipo de guerra que, acima de tudo, não
queríamos estar, seria infelizmente numa guerra europeia. No entanto, estamos em uma
guerra, numa cruel e maligna guerra, do tipo que sempre impressionou o planeta, e, além de
ser mundial, trata-se de uma guerra europeia.
Claro que não estamos tecnicamente em guerra, muito menos estamos
dramaticamente em guerra, e nós nunca tivemos a experiência completa do inferno de
guerra. No entanto, uma simples afirmação permanece: estamos em guerra.
A ironia é que Hitler sabe disso – e a maioria dos americanos não. Isso pode – ou
não – ser uma vantagem para continuar as relações diplomáticas com a Alemanha. Mas o
fato de que a embaixada alemã em Washington ainda floresce belamente, ilustra toda a
massa de enganos e autoenganos que temos vivido.
Talvez a melhor maneira de provar que estamos em guerra é considerar também a
possibilidade de como sair dela. Praticamente, não há apenas uma maneira de sair dela
mesmo que haja uma vitória alemã sobre a Inglaterra. Se a Inglaterra se render em breve, a
Alemanha e os Estados Unidos não começariam a lutar no dia seguinte. Desse modo,
estaríamos fora da guerra. Por um tempo. O Japão possivelmente poderia atacar os Mares
do Sul e as Filipinas. Nós poderíamos abandonar as Filipinas, abandonar a Austrália e Nova
Zelândia, e nos retirar para o Havaí. E esperar. Gostaríamos de estar fora da guerra.
55
Dizemos que não queremos estar na guerra. Também dizemos que queremos que a
Inglaterra vença. Queremos que Hitler pare – mais do que nunca queremos ficar de fora da
guerra. Porém, no momento, estamos nela.
Entramos em via de defesa
. . . Mas o que estamos defendendo?
Agora que estamos nesta guerra, como é que vamos entrar? Temos por base a
defesa. Mesmo que a própria palavra, defesa, esteja cheia de engano e autoengano.
Para o americano médio, é obvio que a palavra defesa está associada à defesa do
território americano. Pode parecer prudente o fato de que atualmente a nossa política
nacional esteja limitada somente à defesa da pátria americana a qualquer custo? Não está.
Nós não estamos em uma guerra para defender o território americano. Estamos em
uma guerra para defender e até mesmo para promover, incentivar e incitar os chamados
princípios democráticos em todo o mundo. O americano médio começa a perceber agora que
esse é o tipo de guerra que ele está dentro. Ele é o elemento que irá intermediar isso.
Ele talvez se pergunte como é que conseguimos chegar a isso, sendo que um ano
atrás sequer pensávamos nessa possibilidade. Com certeza, ele pode ver agora como chegou.
Ele chegou através da “defesa”.
Por trás das dúvidas na mente dos americanos houve e há duas imagens padrão.
Uma delas enfatiza as terríveis consequências da queda da Inglaterra levando-nos a uma
guerra de intervenção. Por uma simples questão de defesa do território norte-americano, tal
imagem é necessariamente real? Não é necessariamente verdade.
A outra imagem é grosseiramente assim: seria melhor para nós se Hitler estivesse
seguramente contido, no entanto, independentemente do que acontece na Europa, seria
perfeitamente possível para nós organizarmos a defesa da parte norte do hemisfério ocidental
para que este país não pudesse ser atacado com sucesso.
Vocês estão familiarizados com essa imagem. É verdadeiro ou falso? Nenhum
homem está qualificado para afirmar categoricamente que ela é falsa. Se todo o resto do
mundo ficou sob a dominação dos tiranos organizados, é bem possível imaginar que este país
poderia tornar-se um osso tão duro de roer que nenhum dos tiranos do mundo ousaria vir
contra nós.
E, claro, haveria sempre outra oportunidade bem melhor, como a grande Rainha
Elizabeth, de jogarmos um tirano contra o outro. Ou, como uma poderosa Suíça, poderíamos
viver discretamente e perigosamente no meio de inimigos.
Ninguém pode dizer que essa imagem da América, semelhante a um campo de
batalha, seja falsa. Ninguém pode dizer honestamente que por uma simples questão de defesa
– defesa de nossa pátria – seja algo necessário para entrar ou estar nesta guerra.
56
A questão que se coloca diante de nós não é somente uma questão de necessidade e
sobrevivência. Trata-se de uma questão de escolha e cálculo. As questões reais são: Nós
queremos estar nesta guerra? Preferimos estar nela? E, em caso afirmativo, por quê?
Opomo-nos a estar nela
. . . Nossos medos têm uma causa especial
Nós estamos nesta guerra. Podemos ver como chegamos a ela em termos de defesa.
Agora, por que nos opomos tão fortemente para estar nela?
Há muitas razões. Primeiro, existe a aversão profunda e quase universal por todo
tipo de guerra – ou seja, matar e ser morto. Mas a razão pela qual se faz necessária uma
inspeção mais cuidadosa, trata-se de algo peculiar e que nunca foi percebido em qualquer
guerra anterior, o medo de que se chegar a esta guerra, será o fim da nossa democracia
constitucional.
Estamos todos familiarizados com uma previsão temerosa: que alguma forma de
ditadura é necessária para lutar numa guerra moderna; que nós certamente iremos à
falência; que no processo de guerra e suas consequências, a nossa economia será
amplamente socializada; que os políticos agora de seus escritórios irão tomar o poder por
completo e nunca irão render-se; que com toda essa tendência para o coletivismo, iremos
acabar em um total socialismo nacional, que qualquer semelhança de nossa democracia
constitucional americana estará totalmente descaracterizada.
Partimos para esta guerra com uma enorme dívida pública, uma vasta burocracia e
toda uma geração de jovens treinados para olhar para o Governo como a fonte de toda a
vida. O partido que está no poder é o que por longos anos tem sido mais simpático para
todos os tipos de doutrinas socialistas e tendências coletivistas.
O Presidente dos Estados Unidos tem continuamente conquistado mais e mais poder,
e ele deve a sua permanência no cargo até hoje, em grande parte, graças à vinda da guerra.
Assim, o medo de que os Estados Unidos serão levados a um nacional-socialismo, como
resultado de circunstâncias cataclísmicas e contrárias à vontade do povo americano, é um
medo inteiramente justificável.
Mas nós venceremos
. . . A grande questão é como.
Há uma desorganização – até agora. Muito mais poderia ser dito sobre
amplificação, qualificação e argumentação. De qualquer maneira, podemos indicar a soma
dos fatos sobre nossa posição atual diante do seguinte ponto – que a questão fundamental
deste momento não é se vamos entrar em guerra, mas como é que vamos ganhá-la?
Se estamos em uma guerra, logo não é vantagem apenas estarmos cientes do fato.
Uma vez que admitimos estar em uma guerra, não há sombra de dúvida de que nós,
americanos, estaremos determinados a vencê-la – mesmo que o preço a ser pago seja a nossa
vida ou a nossa fortuna.
57
Se vamos ou não declarar guerra, se vamos ou não enviar forças expedicionárias ao
exterior, se devemos ou não ir à falência no processo – todas essas importantes
considerações são questões de estratégia e gestão e são secundárias à decisiva importância
de vencer a guerra.
Pelo que estamos lutando?
. . . E por que precisamos saber
Neste momento é chegada a hora de considerarmos com sinceridade, a nossa
posição para que estejamos seguros dos nossos propósitos e da questão maior que temos
diante de nós. Dito de forma mais simples, e em termos gerais, a questão é: Pelo que estamos
lutando?
Cada um de nós está pronto para dar a própria vida, a própria riqueza e toda
esperança de felicidade pessoal, para certificar-se de que a América não deve perder
nenhuma guerra, ela está completamente envolvida. Mas nós gostaríamos de saber qual
guerra estamos tentando ganhar – o que devemos ganhar e quando ganhar.
Esse questionamento reflete nossos verdadeiros instintos como americanos. Aliás,
mais do que isso,osso desejo urgente de dar a esta guerra o seu próprio nome tem uma
importância prática terrível. Se temos conhecimento daquilo pelo o que estamos lutando,
então podemos seguir com segurança em direção a um desfecho vitorioso e, além disso,
temos pelo menos ainda uma chance de estabelecer uma paz viável.
Além disso – e isto é um fato extraordinário e profundamente histórico que merece
ser examinado em detalhe – os EUA e somente os EUA podem efetivamente declarar a
Guerra de forma objetiva.
Quase todos os especialistas concordam que a Grã-Bretanha não pode ganhar a
Guerra sozinha – nem mesmo que todos tentem juntos “parar Hitler” – sem a ajuda
americana. Portanto, mesmo que a Grã-Bretanha anuncie nesse intervalo os seus objetivos
de guerra, o povo americano está sempre em posição de efetivamente aprovar ou não
aprovar esses objetivos.
Pelo contrário, se fossem os EUA quem anunciassem os objetivos da guerra, a Grã-
Bretanha certamente iria aceitá-los. E o mundo inteiro, incluindo Adolf Hitler iria aceitá-los
como o indicador dessa batalha.
Os americanos têm a sensação de que qualquer colaboração com a Grã-Bretanha
significa jogar o jogo dos britânicos e não o nosso. Toda essa concepção está no passado e
atualmente não passa de uma noção estúpida da situação. Em qualquer tipo de parceria com
o Império Britânico, a Grã-Bretanha está perfeitamente disposta aceitar que os Estados
Unidos da América devam assumir o papel de sócio sênior.
Isto tem sido verdade há muito tempo. Entre os ingleses mais críticos, a principal
queixa contra a América (e, aliás, o melhor álibi para eles) tem sido realmente isso – que os
Estados Unidos recusaram a oportunidade de ascender como liderança do mundo.
Considere esta declaração recente do Economist, de Londres:
58
“Se uma aproximação permanente entre a Grã-Bretanha e os EUA é alcançada,
uma ilha com menos de 50 milhões de habitantes não pode esperar em ser o sócio
majoritário. . .”
O centro de gravidade e a decisão final devem cada vez mais estar com os Estados
Unidos. Não podemos nos ressentir deste processo histórico. Podemos, sim, sentir orgulho de
que o ciclo de dependência, inimizade e independência está se tornando o círculo de uma
nova interdependência.”
Nós, americanos, não temos mais o velho álibi de que não podemos ter as coisas do
jeito que queremos tanto quanto a Grã-Bretanha quer. Com o devido respeito para os
variados problemas dos membros da Comunidade Britânica, o que queremos é estar em boas
relações com eles.
Isto é válido também para a inspiradora proposta conhecida como União Now –
uma proposta, feita por um americano, que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos deveriam
criar uma confederação entre seus povos. Talvez isso não seja o caminho certo para o nosso
problema. Mas nenhum americano consciente fez seu dever por parte dos Estados Unidos da
América até ler e ponderar sobre o livro de Clarence Streit ao apresentar essa proposta.
O grande ponto a ser observado até aqui é simplesmente saber que neste momento a
liderança é nossa. Tal como a maioria das oportunidades, esta é uma oportunidade mesclada
em grandes dificuldades e perigos. Se não quisermos, se nos recusarmos em conduzi-la, a
responsabilidade de tal recusa também é nossa, e somente nossa.
Reconhecidamente, o futuro do mundo não pode ser restringindo em um só local. É
estúpido tentar projetar o futuro como se plantássemos um motor ou como redigir uma
constituição para uma irmandade. Mas se o nosso problema é não sabermos pelo o que
estamos lutando, então cabe a nós descobrir isso.
Não podemos esperar que outro país nos conte isso. Pare esta propaganda Nazista
sobre lutar a guerra de outrem. Não lutamos guerras, exceto as nossas guerras. “Arsenal da
Democracia?” Hoje este deve ser o arsenal da América e dos amigos e aliados aos Estados
Unidos.
Amigos e aliados da América? Quem são eles, e para quê? Nós é que deveremos
dizer isso para eles.
Dong Dang ou a democracia
. . . Mas, qual democracia?
Mas como podemos dizer isso a eles? E como podemos dizer a nós mesmos qual a
finalidade de buscarmos aliados e para que fins lutamos? Vamos lutar pelo querido velho
Danzig ou velho e pelo querido Dong Dang? Vamos decidir os limites da Uritânia?
Ou, se não podemos afirmar nossos objetivos de guerra em termos de geografia,
devemos usar algumas belas palavras como democracia e liberdade e justiça? Sim, nós
podemos usar as belas palavras. O presidente já usou. E talvez seria melhor nos
59
acostumarmos a usá-las novamente. Talvez elas signifiquem alguma coisa – tanto sobre o
futuro, como sobre o passado.
Alguns entre nós estão dispostos a morrer por essas belas palavras – nos campos e
nos céus da batalha. Até isso, ou as próprias palavras e o que elas significam podem morrer
conosco – em nossos leitos.
Mas não há nada entre o som absurdo de cidades distantes e a estridente trombeta
de palavras majestosas? E se assim for, qual Dong Dang e qual democracia? Não existe algo
tão satisfatório que não possamos agarrar com os dentes? Não há nenhuma espécie de
programa compreensível? Um programa que pode claramente ser muito bom e que faria
muito sentido para os Estados Unidos – e que, ao mesmo tempo, teria a benção da deusa da
democracia e até mesmo ajudaria de alguma forma a ordenar essa questão tediosa de Dong
Dang?
Não existe nada assim? Existe. Desse modo e neste momento conseguimos nos
aproximar mais diretamente da questão que os americanos tanto odeiam e que está diante de
todos. Trata-se daquela velha questão, tal como aqueles velhos e agressivos rótulos: o
isolacionismo contra o internacionalismo.
Detestamos ambas as palavras. Cuspimos em cada uma delas com a fúria de gansos
grasnando. Nós nos abaixamos e nos esquivamos delas.
Vamos enfrentar essa questão agora de frente. Se a encararmos de frente neste
momento – e se nesse enfrentamento levarmos em conta plenamente o destemor da realidades
da nossa época – então vamos abrir o caminho, não necessariamente para a paz em nossas
vidas diárias, mas para a paz em nossos corações.
A vida é feita de alegrias e tristezas, de satisfações e dificuldades. Neste tempo de
angústia, falamos de problemas. Existem muitos problemas. Há problemas no campo da
filosofia, da fé e da moral. Há problemas de casa e da família, da vida pessoal. Todos estão
interligados, mas falamos aqui especialmente dos problemas da política nacional.
No campo da política nacional, o problema fundamental com a América tem sido
que enquanto a nação tornou-se no século XX a nação mais poderosa e mais vital no mundo,
no entanto, os americanos não foram capazes de acomodar-se técnica e espiritualmente a
esse fato.
Portanto, eles não conseguiram fazer a sua parte como uma potência mundial – uma
falha que teve consequências desastrosas para nós e para toda a humanidade. A solução
pode ser esta: aceitar plenamente o nosso dever e a nossa oportunidade como a nação mais
poderosa e vital no mundo e, em consequência, exercer sobre o mundo o pleno impacto da
nossa influência. Para estes fins, nos vemos em forma e assim estamos.
***
“Para esses fins, como nos vemos em forma” deixamos totalmente em aberto a
questão de que os nossos propósitos podem ser alcançados adequadamente. Enfaticamente a
nossa única alternativa ao isolacionismo não é comprometer-se em policiar o mundo inteiro,
nem nos impor às instituições democráticas em toda a humanidade, incluindo o Dalai Lama e
os bons pastores do Tibete.
60
A América não pode ser responsável pelo bom comportamento do mundo. Mas a
América é a responsável, por si mesma, bem como a história e o ambiente do mundo em que
vive. Nada pode afetar vitalmente o ambiente americano como sua própria influência, e logo
se esse ambiente é desfavorável para o crescimento da vida americana, então a América não
tem ninguém para culpar tão profundamente como ela mesma se culpa.
Na sua incapacidade de compreender essa relação entre o ambiente americano e a
América encontra-se a falência moral e prática de todas e quaisquer formas de
isolacionismo. É lamentável que este vírus da esterilidade isolacionista tem profundamente
infectado uma influente seção do Partido Republicano.
Pois até o Partido Republicano pode desenvolver uma filosofia vital e um programa
de iniciativa e atividade como um poder mundial dos Estados Unidos, ele vai continuar a se
retirar de qualquer participação útil nesta hora da história. E sua participação é
profundamente necessária para a formação do futuro da América e do mundo.
***
Mas, politicamente falando, é um fato tão grave que há sete anos Franklin Roosevelt
era, para todos os efeitos práticos, um completo isolacionista. Ele era mais isolacionista que
Herbert Hoover ou Calvin Coolidge.
O fato de que Franklin Roosevelt surgiu recentemente como uma líder mundial de
emergência não deve obscurecer o fato de que durante sete anos suas políticas correram
absolutamente contra qualquer possibilidade de liderança americana eficaz na cooperação
internacional. Há, naturalmente, uma justificação que pode ser feita para os dois primeiros
mandatos do Presidente. Pode-se dizer, com razão, que as grandes reformas sociais foram
necessárias para levar e atualizar a democracia a maior das democracias.
Mas o fato é que Franklin Roosevelt falhou em fazer a democracia americana
funcionar com êxito em uma base estreita, materialista e nacionalista. E sob Franklin
Roosevelt, nós mesmos não conseguimos fazer a democracia funcionar com sucesso. Nossa
única chance agora de fazê-la funcionar é em termos de uma economia internacional vital e
de uma ordem moral internacional.
Tal objetivo é a grande oportunidade de Franklin Roosevelt para justificar seus dois
primeiros mandatos e para entrar para a história como o maior dos presidentes americanos.
Nosso trabalho é ajudar de todas as maneiras que pudermos, para nosso bem e de nossos
filhos, garantir que Franklin Roosevelt seja justamente saudado como o grande presidente
dos Estados Unidos.
Sem a nossa ajuda ele não pode ser o nosso grande presidente. Com a nossa ajuda,
ele pode e vai ser. Em baixo ele e com sua liderança, podemos fazer do isolacionismo um
assunto tão morto como a escravidão, e podemos fazer do internacionalismo algo
verdadeiramente americano tão natural para nós em nosso tempo, como o avião ou o rádio.
Em 1919 tivemos uma oportunidade de ouro, uma oportunidade sem precedentes em
toda a história, para assumir a vanguarda mundial – uma oportunidade de ouro entregue a
nós numa proverbial bandeja de prata. Não entendemos essa oportunidade. Wilson rejeitou-
61
a. Nós a rejeitamos. A oportunidade persistiu. Nós a estragamos na década de 1920 e, nas
confusões da década de 1930, a matamos.
Liderar o mundo nunca foi uma tarefa fácil. Retomar a esperança na oportunidade
perdida se faz hoje como uma tarefa infinitamente ainda mais difícil do que teria sido antes.
No entanto, com a ajuda de todos nós, Roosevelt pode triunfar onde Wilson falhou.
O século XX é o século americano
. . . Alguns fatos sobre o nosso tempo
Consideremos o século XX. Não é apenas no sentido de que vivemos nele, mas
porque é o primeiro século da América como uma potência dominante no mundo. Até agora,
este nosso século tem sido de um profundo e trágico desapontamento. Em nenhum outro
século foi tão grande a promessa de progresso humano e felicidade. E em nenhum século
tantos homens, mulheres e crianças sofreram tanta dor, angústia e morte.
É um século desconcertante, difícil e paradoxal. Sem dúvida, todos os séculos foram
paradoxais para aqueles que neles viveram. Todavia, os nossos paradoxos de hoje são
maiores e melhores do que nunca. Sim, melhor, bem como maior – inerentemente melhor.
Nós temos pobreza e fome – porém, em meio a abundância. Temos as maiores
guerras em meio ao mais difundido, profundo e mais articulado ódio da guerra de toda a
história. Temos tiranias e ditaduras – exceto quando o idealismo democrático, considerando
a dúbia excentricidade de uma nação colonial, é a fé da grande maioria das pessoas do
mundo.
Nosso século também é um século revolucionário. Os paradoxos o tornam
inevitavelmente revolucionário. Revolucionário, claro, na ciência e na indústria. E também
revolucionário como corolário da política e da estrutura da sociedade.
Mas dizer que uma revolução está em andamento não quer dizer que os homens
comcom as ideias mais loucas, bravias ou plausíveis possam sair vencedores. A Revolução de
1776 foi conquistada e estabelecida pelos homens que em sua maioria pareciam ter sido
cavalheiros e homens de bom senso.
Claramente uma época revolucionária significa uma época de grandes mudanças e
grandes ajustes.
Esta é apenas uma razão pela qual ela é realmente tão insana que as pessoas deixam
de se preocupar com a nossa “democracia constitucional”, sem levar em conta, ou melhor,
sem pensar numa revolução mundial. Talvez, quando soubermos compreender e resolver os
problemas do nosso tempo é que poderemos restabelecer a nossa democracia constitucional
por mais 50 ou 100 anos.
Este século XX é desconcertante, difícil, paradoxal, revolucionário. Mas agora, com
o custo de muita dor e muitas esperanças adiadas, sabemos muito sobre ele. E devemos
acomodar as nossas perspectivas para esta evidência. Por exemplo, qualquer concepção real
62
do nosso mundo no século XX certamente deve incluir uma consciência viva de, pelo menos,
quatro proposições:
Primeiro: o nosso mundo de dois bilhões de seres humanos é, pela primeira vez na
história, um mundo, fundamentalmente indivisível. Segundo: o homem moderno odeia a
guerra e sente intuitivamente que, na sua escala e frequência presente, ele pode até mesmo
ser mortal para a própria espécie. Terceiro: o nosso mundo, mais uma vez, pela primeira vez
na história humana, é capaz de produzir todo o tipo material de que precisa a família
humana. Em quarto lugar: o mundo do século XX, para se tornar nobre, saudável e vigoroso,
precisar ser de forma significativa um século americano.
Quanto ao primeiro e segundo: ao postular a indivisibilidade do mundo
contemporâneo, não é necessário imaginar algo como um Estado mundial – um parlamento
de homens – tem que ser conquistado neste século. Nem precisamos assumir que a guerra
possa ser abolida.
Tudo o que é necessário é perceber – perceber profundamente – que as terríveis
forças de atração e repulsão magnéticas funcionarão entre os grandes grupos de seres
humanos neste planeta. Grande parte da família humana pode ser organizada de forma eficaz
em oposição a outra.
Tiranias podem exigir um imenso espaço de vida. Mas a liberdade exige e exigirá
muito mais espaço do que a tirania. Talvez a paz não possa suportar, a menos que ela
prevaleça sobre uma grande parte do mundo. A justiça vai chegar perto de perder todo o
significado na mente dos homens, a menos que Justiça possa ter aproximadamente os mesmos
significados fundamentais em muitos países e em muitos povos.
Quanto ao terceiro ponto – a promessa de produção adequada para toda a
humanidade – e de uma “vida mais abundante” – é caracteristicamente uma promessa
americana. Esta é uma promessa facilmente feita, aqui e em todo lugar, por demagogos e os
que propõem todas as formas de esquemas rápidos e “economias planejadas”.
O que devemos insistir é que a vida abundante seja baseada na liberdade - a
liberdade que criou a sua possibilidade – em uma visão de liberdade sob a lei. Sem liberdade,
não haverá vida abundante. Com liberdade, poderá haver.
E, finalmente, há a crença – compartilhada, nos lembram a maioria dos homens – de
o século XX deve ser, num grau significativo, um século americano. Esse conhecimento nos
chama à ação agora.
Visão do Nosso Mundo De América
. . . Como deve ser criado
O que podemos dizer e prever sobre um século americano? Não faz sentido apenas
dizer que rejeitamos isolacionismo e aceitamos a lógica do internacionalismo. O
internacionalismo? Roma teve um grande internacionalismo. Do mesmo modo o Vaticano,
Genghis Khan, os turcos otomanos, os imperadores chineses e o século XIX inglês.
Após a primeira Guerra Mundial, Lenin tinha algo em mente. Hoje Hitler parece ter
isso em mente – algo que apela fortemente para alguns isolacionistas americanos, de quem a
63
opinião da Europa é tão insignificante que eles alegremente a entregam a qualquer um que
der a garantia que destruirá para sempre. Mas que internacionalismo os americanos tem
para oferecer?
O nosso internacionalismo veio da visão de algum homem. Ele tem que ser produto
da imaginação de muitos homens. Ele tem que ser compartilhado com todos os povos na
nossa Carta de Direitos, nossa Declaração de Independência, nossa Constituição, nos nossos
incríveis produtos industriais, nas nossas habilidades técnicas. Tem que ser um
internacionalismo das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas.
Em geral, as questões sobre o povo americano giram em torno de sua determinação
para fazer a sociedade dos homens aptos para a liberdade, ao crescimento e ao aumento da
satisfação de todos os homens livres. Além do que, a determinação, os escárnios, gemidos,
assobios, o ranger de dentes, os silvos e rugidos do Ministério da Propaganda nazista não
passam de um breve momento.
Uma vez que deixemos de nos distrairmos com argumentos sem vida acerca do
isolacionismo, vamos nos surpreender ao descobrir que já existe um imenso
internacionalismo americano. O jazz norte-americano, os filmes de Hollywood, a gíria
americana, as máquinas americanas e os produtos patenteados, são, na verdade, as únicas
coisas que todas as comunidades do mundo, a partir de Zanzibar a Hamburgo, reconhecem
em comum.
Às cegas, sem intenções, acidentalmente e apesar de nós mesmos, já somos uma
potência mundial em todos os sentidos – e de forma absolutamente humana. Mas há muito
mais do que isso. A América já é o capital intelectual, científico e artístico do mundo. Os
norte-americanos, norte-americanos do meio-oeste, são hoje as pessoas menos provincianas
do mundo.
Eles viajaram mais e sabem mais sobre o mundo de que as pessoas de qualquer
outro país. A experiência mundial dos Estados Unidos no comércio também é muito maior do
que a maioria de nós imagina.
O mais importante de tudo, é que precisamos definir, o nosso sinal inequívoco da
liderança: o prestígio. E, ao contrário do prestígio de Roma ou Genghis Khan ou do século
XIX inglês, o prestígio americano em todo o mundo é a fé nas boas intenções, bem como na
inteligência suprema e força final de todo o povo americano. Temos perdido muito desse
prestígio nos últimos anos. Mas a maior parte dele ainda permanece.
***
Nenhuma definição exata pode ser dada ao internacionalismo norte-americano do
século XX. Ele vai tomar forma, como todas as civilizações tomaram forma: por si mesmo,
pelo seu trabalho e esforço, por tentativa e erro, por iniciativa e aventura, e experiência. E
pela imaginação!
Pelo fato de a América entrar dinamicamente na cena mundial, precisamos, acima
de tudo, buscar e trazer uma visão da América como potência mundial que é autenticamente
americana e que pode nos inspirar a viver, trabalhar e lutar com vigor e entusiasmo.
64
Chegamos finalmente ao grande teste, podemos revelar que em todas as
experiências e adversidades inspiradoras durante a primeira parte deste século, nós, como
pessoas, temos sido dolorosamente depreendidos do significado da nossa época e agora,
neste momento de testes, pode vir à tona, por fim, a visão que nos guiará para a criação
autêntica do século XX – o nosso século.
***
Consideremos quatro áreas da vida e do pensamento para as quais podemos buscar
e realizar essa visão: Primeira, a econômica. A América sozinha irá determinar um sistema
de livre iniciativa econômica – uma ordem econômica compatível com a liberdade e
progresso – devemos ou não vencer neste século.
Sabemos perfeitamente que não existe a menor possibilidade de qualquer coisa
vagamente parecida com um sistema econômico livre prevalecer neste país se ele não
prevalecer em outro lugar. Então, o que a América tem de decidir?
Algumas poucas decisões são muito simples. Por exemplo: temos de decidir se
queremos ou não ter para nós mesmos e nossos amigos a liberdade dos mares – o direito de
ir com os nossos navios e os aviões no longo curso que queremos, quando queremos e como
queremos.
A visão da América como o principal guardião da liberdade dos mares, a visão da
América [sic] como a líder dinâmica do comércio mundial, tem dentro de si, tanto as
possibilidades desse enorme progresso humano como de aguçar a criatividade. Não vamos
nos assustar por isso.
Vamos ampliar as possibilidades. Nosso pensamento de hoje sobre o comércio
mundial é ridiculamente pequeno. Por exemplo, pensamos na Ásia, como algo que estivesse
centenas de anos de nós.
Na verdade, nas próximas décadas, a Ásia poderá valer para nós exatamente zero –
ou talvez quatro, cinco ou dez bilhões de dólares por ano. Essa é a forma como devemos
pensar, ou, na pior das hipóteses, admitir uma lamentável impotência.
Muito próxima à área puramente econômica e ainda bastante diferente dela, existe a
imagem de uma América que enviará pelo mundo suas habilidades técnicas e artísticas.
Engenheiros, cientistas, médicos, homens de cinema, fabricantes de entretenimento,
engenheiros de companhias aéreas, construtores de estradas, professores, educadores. Em
todo o mundo, essas habilidades, esse treinamento, essa liderança é necessária e será
ansiosamente aguardada se tivermos a imaginação para vislumbrá-la com sinceridade e boa
vontade para criar o mundo do século XX.
Mas agora há uma terceira forma que a nossa mente precisa estar imediatamente
preocupada. Devemos nos encarregar de sermos o Bom Samaritano em todo o mundo. É
nosso dever alimentar todas as pessoas do mundo; o resultado deste colapso mundial da
civilização produziu pessoas famintas e miseráveis – todos eles, isto é, de quem de temos em
tempos possui uma atitude muito rígida contra todos os governos hostis.
65
Para cada dólar que gastamos em armamentos, devemos gastar, pelo menos, um
centavo num gigantesco esforço para alimentar o mundo – e todo o mundo deveria saber que
temos nos dedicado a esta tarefa. Cada agricultor na América deveria ser incentivado a
produzir em todas as culturas que pode, e tudo o que não podemos comer – e, talvez, alguns
de nós poderia comer menos – imediatamente devem ser enviados para os quatro cantos do
globo como um presente, administrado por um exército humanitário dos norte-americanos,
para cada homem, mulher e criança na Terra que está realmente com fome.
***
Mas tudo isso não é suficiente. Tudo isso irá falhar e nada disso vai acontecer, a
menos que a nossa visão da América como potência mundial inclua uma devoção apaixonada
pelos grandes ideais americanos. Temos algumas coisas neste país que são infinitamente
preciosas e, especialmente para os americanos – um amor de liberdade, um sentimento pela
igualdade de oportunidades, uma tradição de auto suficiência e independência e também de
cooperação.
Além desses ideais e conceitos que são especialmente americanos, somos os
herdeiros de todos os grandes princípios da civilização ocidental – sobretudo a justiça, o
amor à verdade, o ideal de Caridade. Outro dia, Herbert Hoover disse que os Estados Unidos
estavam se tornando rapidamente o santuário dos ideais de civilização. Neste momento,
podemos ser suficientemente o santuário desses ideais.
Mas não por muito tempo. Chegará a nossa hora de sermos a força motriz desses
ideais que se espalharam por todo o mundo e faremos o trabalho milagroso de erguer a vida
da humanidade a partir do nível dos animais ao nível daquilo que o salmista chamou de
“próximos aos anjos”.
Uma América como o centro dinâmico de esferas empresariais, uma América cada
vez maior como o centro de treinamento dos funcionários hábeis da humanidade. Uma
América como o Bom Samaritano, que realmente crê como a nação mais abençoada, aquela
que doa mais que recebe. Os Estados Unidos como a potência dos ideais de liberdade e
justiça. A partir desses elementos, certamente, pode ser formada uma visão de século XX. O
século ao qual podemos nos dedicar com júbilo, alegria, vigor e entusiasmo.
Outras nações podem sobreviver, mesmo que tenham sofrido tanto tempo – às vezes
com mais e outras com menos importância. Mas esta nação, concebida em aventura e
dedicada ao progresso do homem, pode realmente suportar através de suas veias, do Maine à
Califórnia, o sangue de propósitos e empresas e a alta determinação.
Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, este continente fervilhava com projetos
múltiplos e propósitos magníficos. Acima de tudo, tecemos, juntos, uma bandeira para todo o
mundo e para a história, nosso propósito foi de triunfo e de liberdade.
É com esse espírito que todos nós somos chamados, cada um à sua própria medida e
capacidade, e cada um no mais amplo horizonte de sua visão, para criar a primeiro grande
Século Americano.
66
1.3.4 - Comunicação para as massas
Os impulsos missionários de Henry Luce também eram impulsos pedagógicos.221
Segundo Baughman, desde o seu primeiro número a TIME Magazine sempre deu espaço às
artes e ciências em suas páginas.222
Luce colocava a 'notícia' acima da política e da
diplomacia.223
Dentro desse universo pedagógico, Fortune ensinava aos empresários temas
sobre arte e antropologia - Life do mesmo modo.
O jornalismo para Henry Luce tinha o dever de ir a fundo e ver, conhecer, contar e
ensinar224
. Para Luce, o Quarto Poder devia se considerar um instrumento para a educação ao
mesmo tempo em que, citando seu pai, as notícias deviam fazer o homem se sentir em casa no
universo.225
Geralmente o conceito de arte e cultura, elaborados pela TIME Magazine,
levavam muitos críticos do jornalismo norte-americano a considerá-los medianos. Porém,
Luce havia sido o primeiro, e durante muito tempo esteve sozinho dentro desse processo
editorial e pedagógico na imprensa periódica.226
Chegando ao final do século XX, algumas décadas após a morte de Henry Luce, a
União Soviética não existe mais - a grande rival dos EUA - e os americanos se encontram a
frente do mundo dentro de um formato que o fundador da TIME iria saborear com prazer.227
Por outro lado, o fim da Guerra Fria produziu um fenômeno inesperado para o
jornalismo de Luce e um alto preço a ser pago. A saída de cena da ameaça Soviética produziu
uma queda drástica no número de leitores interessados em questões internacionais.228
Os
americanos passaram a se distanciar cada vez mais daquele compromisso globalizante
proposto por Luce em seu Século Americano desde 1941.229
Segundo Baughman, o apetite nacional pelo jornalismo sério caiu de forma
significativa e a agenda do noticiário nacional começou a se parecer com aquela que Luce e
Hadden se depararam nos anos 1920, ou seja, "um jornalismo preocupado com escândalos e
221
BAUGHMAN, op cit, 198. 222
Ibid., ibidem. 223
Ibid., ibidem. 224
"Journalism, to Luce, had “the inner duty to see, to know, to tell, to teach.”, in: BAUGHMAN, ibid . 225
Ibid 226
Ibid., ibidem. 227
BAUGHMAN, op cit, 203. 228
Ibid., ibidem. 229
Ibid., ibidem.
67
excentricidades (hunts)".230
Desde 1970, os americanos vinham produzindo um movimento para 'dentro', e uma
nova política de identidade movimentou diversos segmentos - tais como 'as mulheres' e as
'minorias raciais', todos contra os velhos padrões de identidade nacional que marcavam a
história dos Estados Unidos até aquele momento.231
Outros fatores associados ao aumento do
nível de educação, renda e lazer geraram novos consumidores, em particular os mais jovens,
estes que passaram a desenvolver um gosto mais especializado de leitura.232
As grandes
histórias de sucesso não seriam mais aquelas encontradas em grandes veículos de
comunicação de massa como a TIME e a Life, mas naquelas revistas que atendiam interesses
mais específicos.233
Os sucessores de Henry Luce, dentre eles Hadley Donovan, tentaram
acompanhar essa tendência, porém com sucesso limitado.234
Dentro desse novo cenário, um elemento caracterizou a atenção das massas:
tratava-se da cultura das celebridades: desde os astros do cinema até os artistas da televisão e
da música popular.235
Segundo Neal Gabler, "nenhuma sociedade possui e reverencia tantas
celebridades como a nossa de forma tão intensa".236
Uma das alternativas que Hedley
Donovan encontrou para sobreviver nesse mercado foi a publicação da revista People,
fundada em 1974, com o objetivo de fazer a cobertura dessas celebridades.237
O jornalismo de celebridades apresentou um grave problema para as mídias
tradicionais. Durante décadas a TIME Magazine podia abrir uma exceção de capa a uma
estrela de cinema esporadicamente. Em certas ocasiões Rita Hayworth poderia estar em
destaque - com a devida autorização dos familiares - e chamar muito mais a atenção do que se
Trumann fosse o destaque.238
Por outro lado, na década de 1980, o resultado no balanço das vendas foi um
verdadeiro fracasso não deixando de fora nem a principal concorrente Newsweek, cujo editor
anunciou como o seu pior momento.
Na tentativa de justificar e ao mesmo tempo compreender esse fenômeno do
230
BAUGHMAN, James L., Republic of Mas Culture, Jounalism, Filmmaking, and Broadcastng in America,
since 1941, 2 ed. (Baltimore: John Hopkins University Press, 1997), 230-31. 231
BAUGHMAN, Henry Luce..., p.203. 232
BELLAH, Robert N., et al., Habits of the Heart: Individualism and Commitment in American Life, updated
ed. (Berkeley: University of California Press, 1996) 233
ABRAHAMSON, David. Magazine-Made America: The Cultural Transfomation of the Postwar Periodical
(Cresskill, N. J.: Hampton Press, 1995). 234
BAUGHMAN, Henry Luce..., p.203. 235
BAUGHMAN op cit, p. 204. 236
GABLER, Neal. Life de Movie: How Entertainment Conquered Reality (New York: Knof, 1998), p. 7. 237
BAUGHMAN op cit, idem. 238
GAMSON, Joshua. Claims to Fame: Celebrity in Contemporary America (Berkley: University of California
Press, 1994), 40-44, 59-78.
68
jornalismo americano, Donovan publicou:
"O novo é melhor do que o velho, o belo é melhor do que o feio, a música é melhor
do que os filmes, os filmes são melhores do que esporte, e qualquer coisa é melhor
do que a política."239
239
“Young is better than old, pretty is better than ugly, music is better than movies, movies are better than sports,
and anything is better than politics.” in: BAUGHMAN, op cit, idem.
69
CAPÍTULO 2
ESPECTROS DO ANTIAMERICANISMO LATINO-
AMERICANO: 1958 – 1960
Antes de chegar à presidência, Jânio Quadros já chamava a atenção não apenas da
TIME Magazine, mas também do Departamento de Estado.240
Segundo Carlos Alberto L.
Barbosa, “desde 1950 os órgãos de informação do governo americano vinham rastreando
Quadros, inclusive sua família.”241
Já em 1958, antes mesmo de Quadros se lançar candidato à
presidência, o Departamento de Estado concluía que Jânio tentaria utilizar o partido
comunista a favor de sua eleição, do mesmo modo como fizera anteriormente.242
Numa edição
de 1959243
, a TIME analisou a estratégia de Jânio:
A estratégia de Quadros se enquadrava perfeitamente na posição de seu rival Lott,
que também é apoiado pelos comunistas, ele se manifestou contrário às relações
entre Brasil e URSS a fim de evitar acusações de fazer pactos com os comunistas.
Quadros não teme esse rótulo (...)244
Dentro do período que vai do ano de 1958 à vitória de Jânio em 1960, a TIME
Magazine fez uma cobertura vigilante sobre os eventos políticos, sociais e culturais no Brasil
e em alguns países da América Latina, principalmente no que diz respeito às manifestações
antiamericanas e também àquelas que revelavam nosso posicionamento crítico em relação aos
Estados Unidos.
Neste capítulo, destacamos cinco elementos que vão ao encontro dessa análise.
Primeiro, a visita de Nixon à América Latina, em especial na Venezuela – fato sintomático e
explícito de um agudo protesto antiamericano. Segundo, o lançamento da Operação Pan-
americana por Juscelino. Terceiro, a Revolução Cubana. Quarto: a visita de Ensenhower no
início de 1960 se fez paralela ao início da campanha de Jânio Quadros e representou um dos
esforços do Departamento de Estado em averiguar os ânimos no Brasil e na América Latina
240
Ver: http://history.state.gov/historicaldocuments/frus1958-60v05/comp11; também disponível em
BARBOSA, Carlos Alberto Leite, O Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros, São Paulo,
Atheneu, 2007, p. 87. 241
Ibid., ibidem. 242
Ibid., ibidem. 243
Time Magazine, Brazil: Running Early, 17-08-1959. 244
Quadros' ploy neatly bracketed the position of his rival Lott, who is also backed by the Communists and came
out against Brazilian-Soviet relations to forestall charges of making pacts with the Reds. Quadros fears no such
label (...).Time Magazine, loc cit.
70
em relação à imagem americana. Como veremos mais a frente, nesse capítulo, a TIME cobriu
a visita do presidente americano e pode fornecer – ao seu modo – o termômetro do
antiamericanismo na região. Por último, a projeção de Jânio Quadros como candidato à
presidência do Brasil, o maior e mais importante país latino-americano.
Sintomas pontuais de antiamericanismo na América Latina chamavam a atenção não
somente da TIME Magazine (TM), mas de todo o restante do mundo. Tratava-se de uma
manifestação pública que confrontava o ideário d’O Século Americano.
71
2.1 - NIXON NA VENEZUELA (1958)
O segundo mandato de Eisenhower (1957-1960) teve a figura do vice-presidente
Nixon como porta voz frequente dos Estados Unidos nas relações internacionais. A bandeira
contra o comunismo era hasteada cada vez mais alto. Os ditadores latino-americanos
amistosos ao governo de Washington e cumpridores da vigilância na região começavam a
cair. Eisenhower incumbiu Nixon com a ação de averiguar os ânimos latino-americanos -
cujos resultados de suas análises serviriam de termômetro e alerta para questões de urgência.
A conturbada passagem de Nixon pela América do Sul levou os Estados Unidos a repensarem
a sua relação com o hemisfério, principalmente em termos de ajuda econômica. Nixon havia
sido bem recebido por estudantes no Uruguai e teve “um pouco de publicidade negativa pelo
atraso de sua chegada à posse do presidente Arturo Frondizi na Argentina.”245
Em Lima,
houve o prenúncio do que estaria por vir. Em Caracas, Nixon teve de enfrentar uma “multidão
raivosa de estudantes.”246
O sentimento antiamericano foi notado em manifestações estudantis
em algumas capitais da América do Sul.247
No caso venezuelano, as manifestações foram
radicais, e tiveram uma atenção especial da TIME:
Por cima dos ombros rígidos de uma linha de soldados venezuelanos no Aeroporto
de Maiquetía, rios de saliva se espalhavam através da luz do sol e respingavam no
delicado paletó cinzento do Vice-Presidente dos EUA e no terno de lã vermelho de
sua esposa. Mas o pior ainda estava por vir: menos de uma hora mais tarde, Dick e
Pat Nixon estiverem bem próximos de serem fortemente agredidos e possivelmente
mortos pela violência das ruas de Caracas, a última parada de uma visita a oito
países da América do Sul.248
O trecho acima se propõe a descrever a barbárie latino-americana, de um lado os
“mal-educados” venezuelanos, do outro, a elegante e bem vestida “civilização” americana.
Nixon, por mais controversa que fosse a sua personalidade, sempre teve o apoio político de
Henry Luce, mesmo contra Kennedy (vide capítulo 1).
As hostilidades tiveram início já na chegada ao aeroporto. O incidente narrado
acima por TIME ocorreu no momento em que Nixon e a sua comitiva pretendiam se dirigir
245
SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão- uma história da política norte-americana em
relação à América Latina, Bauru, SP, EDUSC, 2000, p. 389. 246
Ibidem. 247
WATERS, Vernon. Missões Silenciosas, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1986, p. 287. 248
Over the rigid shoulders of a line of Venezuelan soldiers at Maiquetía Airport, streams of spittle arced
through humid sunlight, splattered on the neatly pressed grey suit of the Vice President of the U.S. and on the red
wool suit of his wife. But worse was in store: less than an hour later Dick and Pat Nixon brushed close to injury
and possibly death in violence-torn streets of Caracas, last stop on their eight-nation visit to South America.
Time Magazine. The Americas: The Guests of Venezuela. 26-05-1958.
72
para o túmulo de Simon Bolívar, local onde seriam realizadas algumas homenagens.
Conforme relatórios da embaixada americana em Caracas “uma multidão hostil foi ao
encontro do vice-presidente e sua comitiva no aeroporto. Houve vaias e assobios e nenhum
aplauso amistoso.”249
A embaixada traçou, ao seu modo, o perfil dos manifestantes. Segundo
seu relatório, tratava-se de um “grupo feito de gente desordeira e de má fama, de péssimo
humor.”250
A TIME destacou, no corpo da reportagem, duas fotos da visita de Nixon, ambas
foram tiradas por fotógrafos da Life e tiveram o mesmo direcionamento. Acima, estão os
agitadores na rota da visita de Nixon (Riotes on Nixon’s route). Os manifestantes foram
fotografados num movimento que parte para o confronto com a comitiva de Nixon que tinha
em sua defesa vários soldados armados com baionetas.
Os cartazes destacavam o desconforto da presença de Nixon naquele país que,
segundo a legenda da imagem, “metade da população nunca foi à escola” (...half never went
to school). Neste caso fica uma mensagem de duplo significado: de um lado está a possível
249
SCHOULTZ, loc cit. 250
Cf. Memorando sobre a conversa telefônica, Burrowns (Venezuela) e Robottom e Sanders, 13-05-1958,
FRUS 1958-1960, vol. 5, p. 226-7, in SCHOULTZ, Lars. op. cit. p.389.
73
crítica à falta de investimento em educação (por parte dos americanos?); do outro lado, está o
fato de que países com péssimos índices de escolarização são suscetíveis a ações de selvageria
e barbárie como as que foram descritas na reportagem.
Todo o protocolo da visita teve que ser suspenso para possibilitar a fuga de Nixon
com sua esposa. Segundo Schoultz, foram quatorze minutos de agonia em que Nixon e sua
esposa ficaram presos dentro da limusine enquanto a “imprensa registrava uma ocorrência
única na história dos EUA – manifestantes enraivecidos cuspindo no vice-presidente dos
Estados Unidos.”251
Através da reportagem, a TIME deu um tom cinematográfico à fuga
Nixon e sua esposa seguiram viagem em carros separados numa rodovia de 10
milhas pela faixa costeira até a capital, mesmo assim os manifestantes tentaram
cegar os motoristas atirando banners contra os para-brisas. Somente quando a
multidão foi deixada para trás, os Nixons puderam tirar os lenços para limpar a
saliva de seus rostos e roupas.252
251
SCHOULTZ, loc cit. 252
As the Nixons got into separate cars for the ten-mile superhighway trip up the coastal range to the capital,
demonstrators tried to blind the drivers by draping banners over the windshields. Only when the mob was left
behind did the Nixons take out handkerchiefs to wipe the saliva from their faces and clothes. Time Magazine.
THE AMERICAS: The Guests of Venezuela. 26-05-1958.
74
Acima, a TIME destacou o ataque às limusines. Os manifestantes foram
fotografados chutando os carros escoltados. O carro de Nixon (number one!) ‘está sob
violento ataque!’ (Nixon’s car under attack). As marcas das salivas podiam ser notadas no
vidro dianteiro e no capô.
Seguindo a análise anterior, a TIME faz outro comentário através do enunciado da
foto: “metade [da população] nunca teve o suficiente para comer”, (...half never had enough
to eat). O duplo sentido reaparece: o primeiro aspecto sugere a falta de investimentos na
estrutura agrária do país; o segundo aspecto, mais conotativo, leva a entender que a população
faminta diante do vice-presidente dos EUA poderia torná-lo presa fácil de um ritual de
antropofagia.
Apesar do grau de violência, Nixon se manteve “frio e calmo, o que chamou a
atenção da mídia, como ele sempre quis.”253
Nixon ao chegar em Washington foi tratado
como herói.254
O presidente Eisenhower e uma multidão de 40 mil pessoas foram recebê-lo.255
Alguns cartazes diziam: “Não deixe esses comunistas desanimarem você, Dick.”256
O alerta
estava dado. Dois anos depois, o próprio Eisenhower faria a sua viagem de inspeção na
região.
253
TOTA, Antonio Pedro. Americanos. São Paulo, Contexto, 2010, p. 209. 254
SCHOULTZ, Ibid., Ibidem. 255
Ibid., ibidem. 256
Ibid., ibidem.
75
2.2 - A OPERAÇÃO PAN-AMERICANA (1958)
O sentimento de frustração e insatisfação contra os Estados Unidos se tornava
cada vez mais forte e amplo na América do Sul. O Brasil não ficou de fora desse contexto,
pelo menos em questão de grau, ou seja, não chegou a ser tão violento quanto à Venezuela.
Naquele momento, Juscelino Kubitschek dava início à Operação Pan-americana chamando a
atenção dos EUA para o fato de que os povos latino-americanos ‘cristalizavam’ a ideia de que
“um forte programa de ajuda era necessário.”257
Numa reportagem de 30 de junho de 1958, a
TIME cobriu o lançamento da Operação Pan-americana por Juscelino:
Num grande discurso pelo rádio e pela TV, o presidente do Brasil Juscelino
Kubitschek, na semana passada pediu uma "reunião do mais alto nível político" -
uma conversa de cúpula no hemisfério - "para salvar a América Latina de uma
doença chamada subdesenvolvimento. Ele intitulou de "Operação Pan-Americana" a
tarefa de desenvolver a América Latina apelando para uma espécie de Plano
Marshall para fazer o trabalho.258
A foto acima destaca a visita do casal real japonês ao Brasil,
na mesma ocasião do lançamento da Operação Pan-americana.
A matéria cobriu o tema da imigração japonesa para o Brasil.
257
FICO, Carlos. O Grande Irmão: Da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2008, p. 22. 258
In a major radio and TV speech, Brazil's President Juscelino Kubitschek last week called for a "meeting on
the highest political level" — a hemisphere summit talk — to solve Latin America's "disease of
underdevelopment." He dubbed the task of developing Latin America "Operation Pan American," and in effect
appealed for a Marshall Plan to do the job. Time Magazine, The Americas: Operation Pan American, 30-06-
1958.
76
Kubtschek trouxe a tese de que a prioridade da Europa em detrimento da ajuda
econômica à America Latina poderia trazer reflexos no alinhamento ocidental, elemento que
obrigava os Estados Unidos a reverem suas ações de ajuda.
Falando de uma sala no Palácio do Catete e com a presença de vinte embaixadores,
Kubitschek elogiou os EUA por sua ajuda na reconstrução imediata das economias
europeias arruinadas pela guerra. Mas, segundo ele, infelizmente, Washington não
demonstrou "o mesmo interesse para os sérios problemas de desenvolvimento dos
países que ainda estão com economia rudimentar." Assim, de acordo com
Kubitschek, a América Latina encontra-se "em uma posição mais precária e aflita do
que as nações devastadas pela guerra, e tornou-se o ponto mais vulnerável dentro da
coalizão ocidental." O presidente alertou: "A causa ocidental inevitavelmente sofrerá
se a ajuda não vier do seu próprio hemisfério. É difícil defender o ideal democrático
com a miséria que pesa sobre tantas vidas.”259
Diante de tal constatação, a de que a imagem norte-americana estava prejudicada
na região, o presidente Eisenhower retomou o projeto do Banco Interamericano, o qual passou
a operar em 1959.260
Desse momento em diante, a postura dos EUA em relação aos seus
vizinhos latinos mudou. A região teria o acompanhamento preventivo contra o comunismo e o
apoio aos governos anticomunistas e também receberia ajuda econômica com vistas ao
desenvolvimento de toda América Latina.
De modo geral, a OPA (Operação Pan-americana) foi o primeiro passo em direção
à tentativa de “proporcionar ao desenvolvimento sócio econômico da região a devida
prioridade para combater a pobreza e dar massa crítica às reivindicações do continente.”261
O
desdobramento foi muito além da ajuda de Eisenhower, pois também resultou na criação do
Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 1959, e inspirou a Aliança para o Progresso.
Para Jânio Quadros, a OPA também serviria como estímulo para implantar “uma
política externa independente que romperia com os moldes clássicos do Itamaraty desde o
final do período de Vargas.”262
Quadros propunha, dessa forma, o fim do alinhamento
automático “com atitudes subsidiárias e o Brasil deixava-se ao direito de estabelecer relações
com todos os povos, conforme as normas do direito internacional público e os princípios da
259
Speaking from a paneled room of Rio's Catete Palace, with 20 hemisphere ambassadors present, Kubitschek
praised the U.S. for its prompt aid in reconstructing war-ruined European economies. But, he said sadly,
Washington did not show "equal interest in the serious problem of development in countries still with
rudimentary economies." Thus, according to Kubitschek, Latin America found itself "in a more precarious and
afflicted position than the nations devastated by war, and has become the most vulnerable point within the
Western coalition." The President warned: "The Western cause will unavoidably suffer if in its own hemisphere
no help comes. It is difficult to defend the democratic ideal with misery weighing on so many lives."Time
Magazine, THE AMERICAS: Operation Pan American, 30-06-1958. 260
FICO, op cit, p. 23. 261
BARBOSA, Carlos Alberto Leite, O Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros, São Paulo,
Atheneu, 2007, p. 23. 262
BARBOSA, Op. cit., p. 25.
77
solidariedade internacional.”263
Mais adiante, já na presidência, Jânio, apesar de favorável à OPA, não teve como
operacionalizá-la, pois “faltaram-lhe prazo e instrumentos adequados.”264
O Congresso
Nacional apresentava um quadro adverso diante do cenário político pouco favorável a
qualquer tipo de sustentação política.265
Havia “uma esquerda que apoiava a ação externa e se
opunha a política doméstica; uma direita que lhe dava sustentação internamente, mas
combatia a política externa; e, um centro indeciso e perplexo.”266
Tais elementos serviram
para projeção do espectro ‘Jânio’, dentro de uma política independente tanto interna quanto
externa.
263
Ibid., ibidem. 264
Ibid., ibidem. 265
Ibid., ibidem. 266
Ibid., ibidem.
78
2.3 - A REVOLUÇÃO CUBANA (1959)
No caso cubano, não se deve atribuir méritos apenas a derrubada de Fugêncio
Batista por Fidel Castro como espectro central na mudança de foco dos EUA em relação a
AL. A consolidação da proposta socialista em 1961, acompanhada das nacionalizações das
empresas americanas e a “reorientação da venda de açúcar de Cuba para China e URSS” em
troca de equipamentos, foram os fatores mais agudos.267
Nesse contexto, Khrushchev alertava
ao mundo que qualquer agressão contra Cuba seria uma agressão à URSS. Tal fato deixou os
EUA em uma situação delicada, haja vista que na reunião da Costa Rica ficou decidido que
tanto URSS e como EUA não teriam o direito de interferir nos assuntos extracontinentais dos
países latino-americanos.268
A maioria das nações da AL via com simpatia o governo de Fidel
Castro.
Em 26 de janeiro de 1959, a TIME trouxe Fidel Castro em sua capa. O líder
revolucionário aparece entre a bandeira do Movimento 26 de julho e a bandeira cubana, todos
em Sierra Maestra. A principal questão abordada pela reportagem de capa era: Cuba,
Democracia ou Ditadura? Nessa edição foi dado mais destaque à violência do grupo de Fidel
267
FICO, op. cit, p. 23. 268
Ibid., ibidem.
79
contra seus opositores do que propriamente aos problemas relacionados ao comunismo. O
título da matéria foi “O visionário vingativo”.269
Os esforços americanos para conter o avanço comunista mediante sanções ao
governo cubano deram a tônica das relações interamericanas no início dos anos 1960. O
primeiro grande esforço resultou em fracasso. A famosa invasão da Baia dos Porcos em abril
de 1961 por exilados cubanos e o falho apoio militar aéreo dos Estados Unidos foram as
marcas da derrota americana. Ainda em 1961, os EUA prosseguiram a cruzada contra Cuba,
dessa vez suspendo todas as importações da ilha, medida interpretada pelas nações latino-
americanas como brutal.270
A questão cubana foi um dos momentos mais críticos da Guerra Fria no espaço
das Américas. A partir dela a postura dos Estados Unidos em relação a toda a América Latina
seria baseada em dois pontos: primeiro, o apoio aos militares na região para conterem o
avanço das ações e propostas comunistas; segundo, o amparo econômico à região com vistas
“a construção de uma imagem mais positiva dos Estados Unidos e para a ampliação de sua
capacidade de influir.”271
Nesse aspecto, e prosseguindo para além da questão militar, essa
capacidade de “influir”, elemento central do “Século Americano”, fazia parte das propostas
do Departamento de Estado.
Segundo Tota, após a Segunda Guerra “os americanos acreditavam que os Estados
Unidos eram superiores não somente política e economicamente, mas também
culturalmente.”272
Nesse sentido, a proposta era a difusão dos valores americanos em larga
escala pela América Latina e, especialmente, para o Brasil.273
Nos moldes de uma excelente
mercadoria “as agências do governo venderam uns Estados Unidos da mesma forma que os
produtos de Hollywood vendiam um filme ou a General Motors vendia um Chevrolet ou a
RCA vendia um aparelho de televisão.”274
O imperialismo sedutor retornava com outras vestes.
O inimigo agora era outro.
O quadro começou a se alterar gradativamente no final dos anos 1950. Passou a
ocorrer um novo redirecionamento logístico na esfera militar latino-americana. Os americanos
ao final do governo Eisenhower se defrontavam com o inevitável balanço de sua imagem para
a America Latina, a eficácia de sua política para o hemisfério deveria ser autoavaliada. Ao
contrário de um grande investimento militar – como fizeram com Cuba na década de 1950, e
269
Time Magazine, CUBA: The Vengeful Visionary, 26-01-1959. 270
FICO, op. cit, p. 24. 271
Ibid., p. 25. 272
TOTA, op cit, p. 203. 273
Ibid., p. 203. 274
Ibid., ibidem.
80
mesmo assim o exército local foi derrotado pelos guerrilheiros de Fidel275
-, o ideal seria
impedir o surgimento de “outras Cubas”.276
De que modo isso poderia ser feito? Por meio do
investimento nas áreas sociais dos países latino-americanos, pois as péssimas condições de
vida das populações pobres seriam o elemento motivador de propostas revolucionárias.277
Dentro desse quadro, no qual se situa o final da gestão Eisenhower, surgem as civic actions,
cuja principal característica seria o redirecionamento das forças dos exércitos locais não mais
para a segurança, mas para “projetos (...) como obras de engenharia, serviços públicos,
transportes, comunicação, saúde, saneamento, etc.”278
As civic actions foram aplicadas para além do governo de Eisenhower. O governo
do presidente Kennedy acelerou o aprofundamento dessas ações que passaram a ser
compreendidas como estratégia de contra-insurgência. Mesmo que o foco não fosse a questão
bélico-militar, os exércitos latinos operavam dentro da lógica dos Estados Unidos. Muitos
soldados passaram a receber treinamento direto das forças americanas na “Escola das
Américas, na Zona do Canal do Panamá.”279
Robert McNamara, então secretário de Defesa de Kennedy, reconhecia que o
problema das insurgências se pautava pela questão da pobreza da região, motivando o levante
de críticos aos Estados Unidos, dentre eles os comunistas. Desse modo, o secretário propunha
a união o mais rápido possível da doutrina militar de contra-insurgência com a Aliança para o
Progresso.280
275
FICO, op. cit, p. 25. 276
GIL, Federico G., Latin American-United States Relations, [San Diego], Harcourt Brace Jovanovich, 1971,
p. 217. 277
SHOULTZ, loc. cit. 278
FICO apud LEACOCK, Ruth. Requiem for Revolution: The United States and Brazil, 1961-1969, Kent, The
Kent State University Press, 1990, p. 184. Os governos Castelo Branco e Costa e Silva enviaram e treinaram
soldados para atendimentos sociais em diversas partes do país, principalmente nas regiões norte e centro-oeste. 279
FICO, op cit, p. 26. 280
MCNAMARA, Roberto, a Essência da Segurança... apud (Fico, op. Cit., p 26).
81
2.4 – BENVINDO, EEKEE! (1960)
A visita de Eisenhower em alguns países da America Latina foi um fato
emblemático desse contexto. Evitando a Venezuela (vide mapa da TIME), o presidente
americano começou por Porto Rico e, na sequência, visitou três cidades brasileiras, três da
Argentina, Santiago, Montevidéu e, finalmente, retornando a Porto Rico.
Segundo Moniz Bandeira, a visita de Eisenhower à América do Sul ocorreu num
momento em que “o aprofundamento da Revolução Cubana solapava o imperialismo e
82
revigorava a luta de classes no âmbito continental.”281
A TIME fez uma matéria exclusiva
sobre a visita de Eisenhower com foco na recepção dada pelo Brasil e pela Argentina. Mas
antes resumiu sua visita pela América Latina da seguinte forma
Milhões de latino-americanos na semana passada cercaram o presidente dos EUA e
de braços abertos o receberam com pétalas de flores que grudavam em seu rosado e
suado couro cabeludo. Um sorriso de satisfação estava em seu rosto. Ele desfilou
pelas imponentes avenidas daquelas cidades exóticas em meio a uma multidão de
pessoas estranhas. 282
Apesar da equivalência, a revista optou por registrar “milhões” de pessoas e não
milhares (thousands). Assim como a TIME, Eisenhower também era republicano. Havia um
interesse comum entre a empresa de Henry Luce e a restauração da imagem dos EUA no
mundo e, especialmente, na América do Sul. A presença do presidente dos EUA em meio a
cidades exóticas e pessoas estranhas sinalizava para uma nova forma de conquista do
Wilderness:
De um jeito ou de outro ele fazia contato com as pessoas, a radiante personalidade
de Dwight Eisenhower tocou os latinos e milhões o aplaudiram. Diante de tão
calorosa recepção para o presidente norte-americano, velhas animosidades e
suspeitas se dissolveram de forma clara.283
Um dos elementos que impulsionaram o sucesso da chegada de Ike ao Brasil se
deu no âmbito da larga publicidade financiada pelas multinacionais, dentre elas “a Esso, a
Atlantic, Bank of Boston, Goodyear, Firestone, Radional (subsisdiária da ITT) e outras
empresas americanas [que] o saudaram veiculando farta publicidade pelos jornais.”284
Desafiando a inteligência de um leitor bem informado, surpreende o fato de que a
existência de animosidades se dissolvesse tão rapidamente diante do “possível” carisma de
uma autoridade estrangeira. Segundo a própria revista, o histórico das relações com a região
nunca foi amistoso:
281
BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976 p.
400. Ver também, BANDEIRA, Moniz. A renúncia de Jânio Quadros e a crise de 1964. São Paulo, Brasiliense,
1979. 282
Millions of Latin Americans last week saw the President of the U.S., arms flung wide in greeting, flower
petals stuck to his pink and sweating scalp, a delighted grin on his face, as he rode down stately boulevards,
through exotic cities, among multitudes of strange people. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! -
07-03-1960. 283
And somehow, whenever he made contact with the people, Dwight Eisenhower's radiant personality touched
the Latinos, and the millions cheered. In the warmth of the uproarious welcome for the norteamericano
President, old animosities and old suspicions melted perceptibly. Time Magazine, The Presidency: Benvindo,
Eekee! - 07-03-1960. 284
BANDEIRA, op cit., p. 400.
83
Estes eram os mesmos latinos cuja inveja de seus prósperos primos do norte tem se
inflado por um século, amargamente se recordam de um passado recente dos
Yanquis, e também amargamente acusam os EUA de abandoná-los e deixá-los para
seu próprio destino.285
Não houve protestos como os que ocorreram na Argentina, ao contrário, a única
manifestação de desconforto com a visita foi feita pela UNE que aproveitou a passagem do
presidente em frente ao seu prédio, localizado na Praia do Flamengo, para estender uma faixa
com a seguinte frase: We like Fideo Castro. 286
A mensagem foi notada por Juscelino que o
acompanhava e aproveitou a oportunidade para dizer a Eisenhower que tal manifestação era a
prova de que a democracia realmente funcionava no Brasil. 287
Segundo Moniz Bandeira,
“Eisenhower, contrafeito, comentou: nós também gostamos dele (Fidel Castro). Ele é que não
gosta de nós.”288
A visão de que o Brasil era um país desorganizado e desprevenido ficou registrada
na matéria. Do mesmo modo, o próximo trecho identifica uma postura subserviente de um
país que não media esforços para agradar um dos homens mais poderosos do planeta. A
recepção dada pelo Brasil ao presidente americano foi comparada a uma comédia
A chegada de Eisenhower ao Brasil quase se transformou em uma comédia pastelão
digna dos irmãos Marx. Quando o grande jato presidencial, da Air Force One,
pousou no aeroporto de Brasília - a inacabada capital -, uma equipe no chão
começou a desenrolar um enorme tapete vermelho, calculou mal a distância, o rolo
do tapete chegou à rampa do avião com uma tremenda sobra. Por alguns instantes
parecia que o Presidente dos EUA poderia ter o tapete como um obstáculo antes de
pisar no solo brasileiro, mas lá embaixo um tripulante salvou a situação rapidamente
ao cortar o rolo extra com seu canivete dobrando a borda irregular sob a rampa.289
Segundo a imprensa local, os objetivos da visita de Ike eram “fortalecer a
segurança dos Estados Unidos em seu flanco Sul, no momento em que a União Soviética
procurava infiltrar-se no continente” e “ajudar o desenvolvimento econômico dos países da
285
These were the same Latinos whose envy of their prosperous northern cousins has festered for a century, who
bitterly recall the bygone days of Yanqui imperialism, and who just as bitterly accuse the U.S. of neglecting
them and leaving them to their own destiny. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 286
BANDEIRA, op cit., p. 400. 287
Ibid., ibidem. 288
Ibid., ibidem. 289
Eisenhower's arrival in Brazil almost turned into a slapstick comedy worthy of the Marx brothers. When the
big presidential jet, Air Force One, set down at the airport of the unfinished capital city of Brasilia, a ground
crew began unrolling a huge red carpet, miscalculated the distance and arrived at the ramp of the plane with a
dismaying roll left over. For a moment it looked as though the President of the U.S. might have to hurdle the
carpet before he set foot on Brazilian soil, but an enterprising MATS ground crewman saved the situation by
quickly cutting off the extra roll with his pocketknife, tucking the ragged edge under the ramp. Time Magazine,
The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960.
84
América Latina, no interesse deles e no próprio interesse dos Estados Unidos.”290
Para a TIME, o presidente dos Estados Unidos estava sendo tratado como um
deus, fato que lhe chamou a atenção ao admitir que nunca em toda a sua vida havia recebido
tamanha recepção.
Juntos, os dois presidentes desfilaram através de um selvagem e bem humorado
carnaval de boas vindas dos 750.000 cariocas felizes. "Bem-vindo, Eekee! [Bem-
vindo, Ike!]" Foi ouvido em toda parte. O ar quente de verão estava cheio de pétalas
de flores e papel picado (um truque que os brasileiros aprenderam assistindo
noticiários nos EUA), e as figueiras ao longo da Avenida Rio Branco pareciam
mastros recobertos de serpentina e confete. Muita música - desde Deus Salve
America ao coro de "Aleluia" de Handel, com um forte agradecimento por meio das
músicas de carnaval e sambas - ecoava em cada esquina. O Rio palpitava de
emoção. Ike disse: "É a recepção mais impressionante que eu já tive em uma
cidade."291
A foto acima foi tirada da janela do escritório da TIME na Avenida Rio Branco,
290
BANDEIRA, op cit., p. 400 apud Diário de Notícias, RJ, 23-02-1960. 291
Together the two Presidents rode through a wild, carnival-mood welcome by 750,000 happy cariocas.
"Benvindo, Eekee! [Welcome, Ike!]" was heard everywhere. The warm summer air was filled with flower petals
and ticker tape (a trick the Brazilians learned from watching U.S. newsreels), and the Ficus trees along Rio
Branco Avenue looked like maypoles under their drapery of serpentine and confetti. Music — from God Bless
America to Handel's "Hallelujah" chorus, with a strong obbligato of carnival songs and sambas — rang out at
every corner. Rio throbbed with happy emotion. Said Ike: "The most impressive entrance to a city I've ever had."
Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960.
85
no Rio de Janeiro. Desse ponto, foram também registradas fotos como as passeatas da Família
e o dia da ‘vitoriosa’ Revolução de 1964. Em ambas as ocasiões, o contingente de pessoas
presentes foi calculado pela revista em 500.000 pessoas. Finalmente, após toda a recepção,
Ike reconheceu, segundo a TIME, a importância da Operação Pan-americana e reforçou a
ajuda dos EUA.
O plano do Brasil de assistência mútua para o desenvolvimento latino-americano -
Operação Pan-Americana - tem o seu apoio caloroso e um lembrete de que os EUA
estão fazendo sua parte.292
Kubitschek era o grande representante da Operação Pan-americana e, assim como
todos os parceiros do cone sul, tinha conhecimento do receio norte-americano de que a
Revolução Cubana se alastrasse pelo continente. O Departamento de Estado se via na
obrigação de rever vários pontos da doutrina econômica.293
Para que o diálogo pudesse fluir
entre os dois países na esfera econômica, uma das partes teria que ceder. Os Estados Unidos
insistiam com o Brasil de que a estabilização monetária “era uma condição sine qua non a
concessão de empréstimos aos países da América Latina e rechaçava a estabilização dos
preços das matérias-primas, por eles exportadas.” 294
Segundo Moniz Bandeira, “sob o pano
de fundo da Revolução Cubana, o encontro dos Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos
permitiu-lhes o reajuste de algumas posições.”295
O encontro entre ambos foi produtivo e favorável a Kubitschek que indagado por
Eisenhower se estaria disposto a uma retomada do diálogo com o FMI, respondeu-lhe que
sim. Tal resposta motivou o presidente americano que ao retornar aos EUA sua primeira ação
seria conversar com Per Jacobson, Presidente do FMI. Na sequência dos eventos, o
embaixador brasileiro, Walther Moreira Sales era convidado para uma reunião de negociações
e um empréstimo de US$47.700.000 dólares era liberado em maio de 1960.296
Sua passagem por São Paulo não foi menos calorosa do que no Rio de Janeiro
Do Rio, o Presidente voou para São Paulo onde, apesar de uma garoa constante,
500.000 pessoas nas ruas lhe acenavam com seus guarda-chuvas e jogavam papel
292
Brazil's mutual-assistance plan for Latin American development — Operation Pan America — got his warm
endorsement and a reminder that the U.S. is doing its part. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! -
07-03-1960. 293
SCHLESINGER, Arthur, Mil Dias, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, vol. I, p 177. 294
BANDEIRA, op cit., p. 400. 295
Ibid., ibidem. 296
BANDEIRA, op cit, apud Diário de Notícias, RJ, 21-05-1960.
86
picado encharcado em seu carro.297
Segundo dados do IBGE, a população da cidade de São Paulo, em 1960, estava
registrada em torno de 3.781.446298
, ou seja, cerca de 13% dos habitantes estava na avenida
pela qual desfilou o presidente dos Estados Unidos, o suficiente para lotar dez estádios de
Futebol como o do Morumbi. Os números da TIME além de expressivos se juntavam a uma
festa que parecia contar com poucos convidados.
Na visita do presidente norte-americano à Argentina, houve uma inversão
completa das boas-vindas recebidas no Brasil, tanto que um incidente ocorrido em diferente
ocasião, com o presidente do México, foi lembrado:
Sua recepção em Buenos Aires contrastou com a simpatia do Brasil. Três semanas
antes, o presidente do México, Adolfo López Mateos havia sido vaiado e apedrejado
pelos comunistas e peronistas durante uma visita oficial, fato que preocupou o
presidente da Argentina, Arturo Frondizi, obrigando-o a tomar medidas drásticas
para evitar que se repetisse tamanha violência ou descortesia.299
A situação da visita na Argentina por pouco não se assemelhou a visita de Nixon à
Venezuela pouco tempo antes, na ocasião, Ike precisou ser retirado às pressas do aeroporto
antes que o pior viesse a acontecer.
Assim que ele chegou ao aeroporto Ezeiza de Buenos Aires, Ike estava cercado por
um cordão de soldados com baionetas. O desfile agendado na cidade foi cancelado e
Ike precisou ser levado para a embaixada dos EUA em um helicóptero da Marinha
dos EUA. Na manhã de sua chegada, cinco bombas explodiram em Buenos Aires, e
em uma rua escura um bando de comunistas queimaram um boneco de palha
envolvido numa bandeira americana, e gritavam: "Viva Fidel" e "Morte a Ike!"300
Na próxima imagem os destaques foram a falta de papel picado, uma comitiva
reduzida e uma forte escolta da cavalaria. O título da foto ilustra bem a passagem de Ike pela
297
From Rio the President made a flying trip to booming São Paulo, where, in spite of a steady drizzle, 500,000
cheered him in the streets, waving their umbrellas and throwing soggy ticker tape on his car. Time Magazine,
The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 298
Ver Censo de 1960 disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1960/CD_1960_SP.pdf (acessado em 08/2012). 299
His welcome in Buenos Aires was in some contrast to Brazil's let-out friendliness. Three weeks earlier,
Mexico's President Adolfo López Mateos had been booed and stoned by Communists and resurgent Peronistas
during an official visit, and worried Argentine President Arturo Frondizi took drastic steps to avoid a repetition
of violence or discourtesy. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 300
As soon as he arrived at Buenos Aires' Ezeiza airport, Ike was surrounded by a cordon of soldiers with fixed
bayonets. The scheduled parade into the city was canceled, and instead Ike was whisked to the U.S. embassy in a
U.S. Marine helicopter. The morning of his arrival five bombs were exploded in Buenos Aires, and on a dark
street a mob of Communists burned a straw puppet wrapped in an American flag, and shouted: "Viva Castro!"
and "Death to Ike!" Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960.
87
capital argentina: Cortejo de Eisenhower em Buenos Aires: Um protesto, um largo sorriso e
um rugido.
Ao final e já nos EUA, Eisenhower fez um balanço positivo de sua viagem e
tomou o Brasil como referência:
(...) a maioria dos latino-americanos pareceram concordar com o acórdão de
Kubitschek do Brasil: "Estou plenamente convencido de que estamos prontos agora
para entrar numa nova fase de entendimento e cooperação com os nossos amigos e
aliados da nação norte-americana. "301
As concessões que foram sendo feitas aos países latino-americanos tinham como
objetivo acalmar os ânimos locais. Eisenhower, já nos Estados Unidos, pediu a CIA que desse
início ao treinamento dos exilados cubanos e “aceitou o plano de Douglas Dillon para a
criação de Fundo de Progresso Social (500 milhões de dólares), que os Estados Unidos
apresentariam a reunião do Comitê dos 21 em Bogotá (agosto).”302
O objetivo do Plano era
claro: isolar Cuba.303
301
(…) most Latin Americans seemed to agree with the judgment of Brazil's Kubitschek: "I am fully convinced
we are now entering a new phase of understanding and cooperation with our friends and allies, the North
American nation." Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 302
SCHLESINGER, Arthur. Mil Dias, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, vol. I, p 225-229. 303
BANDEIRA, op cit, idem.
88
2.5 – JÂNIO QUADROS (1960) – O QUINTO ESPECTRO
Como já citado, Jânio Quadros vinha sendo observado pelos órgãos de informação
dos EUA desde 1950, sua campanha, durante a corrida presidencial, inquietava o
Departamento de Estado. 304
O governo dos EUA tinha conhecimento das propostas de Jânio
e, do mesmo modo, a maneira como ele iria se relacionar com os EUA, caso fosse eleito em
1960, ou seja, capaz “de manter boas relações com os EUA se ele as considerasse boas para o
Brasil”305
Em muitas reportagens da TIME Magazine, Jânio mencionou que seu modo de
fazer política era inspirado em Abraham Lincoln, comparação rechaçada pelos analistas
americanos, haja vista, “considerá-los distantes dos pendores democráticos do grande líder
americano.”306
Jânio era reticente com os americanos, para ele “Abraham Lincoln foi um dos
maiores nomes da história, mas os americanos não são como ele, era uma exceção
solitária.”307
Jânio antes de se tornar presidente havia visitado os EUA apenas uma vez.
Além de também dominar o idioma inglês, era conhecedor da política e dos
políticos norte-americanos, “considerava todos os presidentes norte-americanos
intervencionistas, salvo Lincoln e Franklin D. Roosevelt.”308
Portanto, seria lógico que Jânio
discordasse de ações como a Doutrina Monroe. Para ele, esse tipo de política “por não reunir
os elementos para constituir-se numa verdadeira doutrina, representava apenas uma diretriz
internacional exposta pelo presidente Monroe em mensagem ao Congresso em 1823, seria
ingenuidade acreditar ser ela um instrumento para autodeterminação dos povos latino-
americanos.”309
Outro dado muito observado pelos analistas das agências americanas era a
oposição feita por Jânio à OEA, para ele “tratava-se de uma entidade ultrapassada com um
enorme vício de origem: a participação norte-americana.”310
Dentro da OEA “confrontava-se
um hemisfério desunido com os EUA hegemônicos”, dizia Jânio. Os fundamentos de sua
política de independência externa podem ser demonstrados nas palavras abaixo, nas quais
304
BARBOSA, op cit, p 87. 305
Ibid., p. 88. 306
Ibid., ibidem. 307
Ibid., p. 90. 308
Ibid., ibidem. 309
Ibid., ibidem. 310
BARBOSA, op cit, p 90.
89
defende de forma rigorosa a vulnerabilidade e, ao seu modo de entender, a inutilidade da
OEA:
“Ao estudamos a OEA – dizia – verificaremos que a despeito da posição viril
assumida por alguns Estados membros, cujos conceitos nacionalistas não
suportavam a penetração do vizinho do norte, essa entidade falhou, especialmente
porque um dos seus membros do qual se originavam os maiores temores, dada a sua
inconfundível força político-econômica, passou a exercer tal influência sobre a
criatura, que a converteu, afinal, em simples instrumento de suas conveniências.”311
De acordo com Edgard Carone, Jânio não escondia sua antipatia pelos Estados
Unidos.312
A frente do maior país latino-americano, as atenções norte-americanas sobre ele
redobraram-se. Tratava-se de um forte espectro antiamericano. Ao mesmo tempo era um
problema para a política externa norte-americana e, por consequência, uma perturbação ao
Século Americano. A TIME Magazine demonstrou isso em suas páginas, nas quais
passaremos a tratar nos próximos capítulos.
311
Ibid., ibidem. 312
CARONE, Edgard. A República Liberal, II – Evolução Política (1945-1964), São Paulo, Difel, 1985, p. 154.
90
CAPÍTULO 3
A CORRIDA PRESIDENCIAL DE 1960
JÂNIO VEM AÍ!
Apesar das investigações do Departamento de Estado realizadas durante os anos
1950, a TIME acompanhou de perto os passos iniciais de Jânio rumo à presidência. Um
primeiro movimento de análise se orientou pelo aspecto físico de Jânio Quadros. Sua forma
de se vestir e seus trejeitos tinham destaque nas reportagens que cobriram o início da corrida
presidencial. Aos poucos a revista vai se atentando ao discurso de campanha e a partir dele
investiga e, muitas vezes, ironiza as propostas de Jânio.
Ao mesmo tempo, as inúmeras contradições advindas das atitudes pessoais de Jânio
Quadros continuaram a dificultar o mapeamento de sua personalidade. Saber quem de fato ele
era seria de suma importância para que a revista pudesse informar aos seus leitores se o Brasil
estaria ou não alinhado aos Estados Unidos e, numa escala próxima, ao Século Americano.
Esse capítulo irá apresentar o percurso inicial que a TIME fez na “procura” por Jânio
Quadros. O slogan “Jânio vem aí” era provocador, e a TIME não queria esperar pela chegada
de Jânio, ela mesma resolveu partir ao seu encontro antes que ele chegasse.
91
3.1 – ANTECEDENTES (RUNNING START)
Há cerca de um mês antes do lançamento oficial da candidatura de Jânio Quadros à
presidência da República pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), a TIME publicou a
primeira matéria cobrindo a corrida eleitoral para 1960, ou seja, um ano e meio antes do
pleito. Para Skidmore, Jânio era um corpo estranho que despertara para a política em fins dos
anos 1940 e início dos anos 1950. Sua personalidade carismática confundia a opinião pública
“por não estar definitivamente identificado como um líder anti-Vargas (embora ninguém o
considerasse jamais um getulista).”313
Se, de um lado esse corpo estranho era visto pela ótica
da política, do outro lado, a TIME iniciava sua “busca” por Jânio lançando seu olhar no
aspecto físico e estético de Quadros:
Enérgico, magro com um espesso bigode e um óculos de armação grossa - um
homem que as colunas sociais brincam como “a pessoa mais mal vestida do Brasil
em 1958” - na semana passada se tornaria o candidato preferido para presidente em
1960. Seu nome: Jânio Quadros.314
A revista apresentava aos seus leitores um candidato caricato, estranho, feio e mal
vestido. No entanto, era esse candidato que detinha a grande preferência do eleitorado e,
portanto, merecia certa atenção não apenas da revista, mas dos EUA. Segundo Skidmore “a
atração que poderia exercer sobre os eleitores da classe trabalhadora sustentava-se mais no
desafio aos padrões de vestiário da classe média (ele costumava usar camisa esporte e
aparecia frequentemente despenteado).”315
Jânio Quadros foi sucedido por Carvalho Pinto no governo do Estado de São Paulo
em 31 de janeiro de 1959. Apresentado como reformista pela TIME, seu poder político foi
comprovado ao indicar o seu sucessor ao governo do Estado de São Paulo
O reformista Quadros, nominalmente um membro do Partido Trabalhista Brasileiro
mas, na verdade, um solitário político, construiu rapidamente uma imagem agressiva
(hound's tooth record) como governador de São Paulo, cujo mandato se encerrou em
31 de janeiro. Com essa característica, nas eleições de outubro passado ele ganhou
um assento de deputado federal e, ao mesmo tempo elegeu o seu próprio candidato
para governador de São Paulo em meio a uma dura oposição.316
313
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000.12ª edição, p. 231 314
An intense, rail-thin man with a bush of a mustache and thick-framed spectacles — a man society columnists
joshed as Brazil's "worst dressed of 1958” - last week became front runner for the presidency in 1960. His name
Janio Quadros. Time Magazine: Brazil: Running Start, 09-03-1959. 315
SKIDMORE, op cit. p. 233 316
Reformer Quadros, nominally a member of the Brazilian Labor Party but actually a political loner, built a
hound's tooth record as Sao Paulo's Governor in a term that ended Jan. 31. On that record, in last October's
elections, he won a federal Deputy's seat and at the same time pushed his own candidate into Sao Paulo's
governorship over stiff opposition. Time Magazine, loc. cit.
92
A TIME ainda identificava Jânio dentro dos moldes do PTB, pois foi por esse partido
que ele venceu as eleições para deputado federal pelo Paraná. Segundo Mario Victor, o apoio
do PTB à candidatura e a vitória de Carvalho Pinto causara intenso protesto de um dos líderes
udenista, Juracy Magalhães (aspirante à candidatura). Mesmo assim, seus protestos de nada
adiantaram, pois “em princípios de janeiro de 1959, Juracy Magalhães sofreu a sua primeira
derrota. Jânio Quadros foi considerado candidato pelo Diretório Nacional da UDN, nessa
ocasião, Carlos Lacerda dissera ser preferível o nome de Jânio Quadros a fazer barganha com
qualquer partido. Claro que o líder udenista se referia ao PTB. Para Juracy Magalhães,
todavia, a advertência de Carlos Lacerda era um paradoxo de causar inveja ao próprio Oscar
Wilde. Jânio era um candidato trabalhista!”317
Do mesmo modo, todos os partidos políticos desde meados de 1959 vinham
trabalhando nomes nesse cenário. A UDN saiu na frente anunciando o candidato de sua
preferência, Jânio Quadros que, segundo o articulador Carlos Lacerda, caberia ao próprio
Jânio aceitar ou não a indicação. No trecho seguinte, a TIME expõe seu conhecimento sobre a
trajetória política da UDN. A expressiva vitória desse partido nas eleições de 1958 foi digna
de nota para a revista:
Durante o mês político de Outubro outro fato pareceu digno de nota, a conservadora
União Democrática Nacional (UDN) deixou de ocupar aquilo que parecia ser um
perpétuo segundo lugar para fazer sete governadores vencedores, sete senadores e 74
deputados, com a maior votação de sua história - cerca 3.000.000.318
Carlos Lacerda era amigo pessoal de um dos editores da TIME, Andrew Heiskell –
que inclusive lhe hospedou quando esteve no exílio em 1954, na cidade de NovaYork. Em seu
livro de memórias, Lacerda narrou o contato que teve com os inúmeros eletrodomésticos que
encontrou no apartamento do amigo. Dos EUA, Lacerda acompanhou os fatos do Brasil pós-
Getúlio e manteve intenso contato com outros editores de TIME.319
Lacerda e a UDN formavam uma unidade comum na concepção da revista. O projeto
político ideológico de ambos alinhava-se aos interesses norte-americanos, do mesmo modo, o
combate que travavam contra o comunismo. Durante o período que cobre a corrida
presidencial, Lacerda foi muito citado nas reportagens que analisamos. Logo após a vitória de
317
VICTOR, Mario. Cinco Anos que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 40. 318
In the other October political development of note, the conservative National Democratic Union (U.D.N.)
broke out of perpetual second place to back seven winning Governors, seven Senators and 74 Deputies with the
highest vote in its history—some 3,000,000. Time Magazine, loc. cit.. 319
LACERDA, Carlos. Depoimentos, Rio de Janeiro, Guabanara, 1977.
93
Jânio, o olhar da revista se afastaria de Lacerda para ser retomado nos arredores da renúncia.
Os olhos da revista também acompanhavam os passos da UDN, conforme trecho seguinte:
Na semana passada, a maior parte do U.D.N. marchou em campanha com Jânio,
mesmo ele não tendo ligações com o partido. A marcha foi liderada pelo jornalista
Carlos Lacerda, líder dos deputados da UDN na Câmara e ardoroso inimigo de longa
data de Quadros (certa vez ele chamou Quadros de "sujo por dentro e por fora”). 320
Apesar das relações estarem rompidas desde a época em que Jânio era governador,
Lacerda “considerava inevitável a vitória de Quadros nessas eleições e acreditava que a única
maneira para UDN alcançar o poder seria apoiar a candidatura de Jânio para presidência.321
Dentro da UDN houve algumas críticas a indicação de Jânio, em especial do líder bahiano
Juracy Magalhães, que logo em seguida acabou consentindo.
As relações entre Jânio e Lacerda serviram como baliza para as opiniões que a
revista emitia. O perfil de Lacerda, muitas vezes, mesclava o lado temperamental com o lado
ardiloso. Seus desafetos também foram expostos no corpo das reportagens, Juscelino era um
deles:
Por mais que ele não gostasse de Quadros, Lacerda também não gostava do
Presidente Juscelino Kubitschek e do seu Partido Social Democrata (PSD). Quando
soube que o presidente da U.D.N. Juracy Magalhães estava negociando uma aliança
com o PSD de Kubitschek e que lançaria o próprio Magalhães candidato a
presidente em 1960, Lacerda conversou com Quadros e estampou a manchete em
sua Tribuna da Imprensa: Jânio – da UDN322
No subitem da matéria intitulado “Candidatos e a escolha do povo” tem-se, de forma
subliminar e com outro termo, uma breve sugestão ao Populismo. Além da mobilização
nacional em torno do nome de Jânio Quadros, a introdução do ‘povo’ no corpo da reportagem
foi inevitável. Para a TIME, Jânio apresentava inúmeras contradições. No trecho seguinte,
demagogia e populismo se fundem, Jânio aparece como “arrogante”, mas quando se dirige ao
povo, ele é “simples”, se parece e é aceito pelos humildes:
A U.D.N. de São Paulo por sua vez prometeu o apoio a Jânio Quadros. Em todo o
país os membros da UDN tais como Senadores, deputados, chefes de partido,
320
Last week most of the U.D.N. marched into Janio's camp, even though he has no links to the party. Leading
was Publisher Carlos Lacerda, U.D.N.'s fiery Chamber of Deputies floor leader and long an enemy of Quadros
(he once called Quadros "dirty inside and out"). Time Magazine, loc. cit. 321
CHAIA, Vera. A liderança política de Jânio Quadros (1947-1990). Ibitinga – SP, Humanidades, 1991, p.
155. 322
As much as he once disliked Quadros, Lacerda dislikes President Juscelino Ku-bitschek and his Social
Democratic Party (P.S.D.) more. When he learned that U.D.N. President Juracy Magalhaes was negotiating an
alliance with Kubitschek's P.S.D. that would make Magalhaes President in 1960, Lacerda conferred with
Quadros, bannerlined the news in his Tribuna da Imprensa: JANIO — U.D.N.'S. Time Magazine, loc. cit.
94
intelectuais e jornais se alinharam. Quadros arrogantemente aceitou: "Vou precisar
de apoio do partido para a campanha, e ainda mais para governar o Brasil depois."323
Uma vez nomeado, Quadros partiu para o Rio de comboio. Já pela manhã, as
pessoas que o viam passando saudavam “Viva ao nosso próximo presidente", ele
acenava para todos e com uma timidez encantadora, coçava a cabeça de vez em
quando.
Jânio Quadros poderia ser considerado um populista? Segundo Skidmore, a própria
dificuldade para responder essa questão revela muito sobre o conflito político da época, no
qual o próprio Quadros era a peça principal. Segundo Skidmore “(...) até 1959, em sua
carreira paulista, Quadros demonstrou certas características de estilo populista, apresentava-se
como um candidato dinâmico de grande presença, que estimulava o público levando-o a
confiar nêle. Oferecia, assim, ao cidadão comum do eleitorado urbano a esperança de uma
transformação radical através da força redentora de uma única personalidade lider (...) Mas o
conteúdo da mensagem de Quadros, antes de 1959, não o classificaria como um populista.
Dirigia seu apelo aos eleitores das classes média e média-baixa, para as quais sua capacidade
de administrador honesto e eficiente em São Paulo parecia quase miraculosa.”324
O debate com o outro candidato e com o ex-presidente foi apresentado. A crítica de
Quadros a sucessão presidencial incluía a não indicação do nome Juscelino, o qual acenava
para a possibilidade de uma reeleição, algo tido como inconstitucional para a época.
Ele conversou com políticos de todos os partidos, inclusive com325
Kubitschek, de
quem ele discordou por causa da busca de um segundo mandato inconstitucional. O
Ministro da Guerra e Marechal, Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, era apenas
outro candidato na disputa. 326
Logo após as movimentações em torno do seu nome, Jânio viajou para o exterior e
ficou ausente do Brasil durante seis meses. Em sua ausência incumbiu um grupo de políticos
amigos para articular o lançamento de sua candidatura à presidência ainda naquele ano
(1959). Segundo Chaia, “a ausência de Jânio do cenário político brasileiro era uma estratégia
política, afim de que as instruções fossem feitas pelo staff administrativo. Com essa atitude,
Jânio procurava preservar a sua imagem de um político que não transigia e não negociava (...)
323
Candidate And The People's Choice. Sao Paulo's U.D.N. at once pledged its support to Quadros. Across the
nation U.D.N. Senators, Deputies, party chiefs, intellectuals and newspapers swung into line. Quadros loftily
accepted: "I will need party support for the campaign, and even more to govern Brazil afterwards." Time
Magaizne, loc. cit. 324
SKIDMORE, op cit, p. 232. 325
Thus nominated, Quadros went to Rio by train. When morning commuters cheered Viva our next President!"
he started to wave, then, with charming sheepishness, scratched his head instead. He conferred with politicians
of all parties, including (...)Time Magaizne, loc. cit. 326
Kubitschek, whom he warned against seeking an unconstitutional second term; 2) War Minister and Field
Marshal Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, only other visible candidate. Time Magaizne, loc. cit.
95
Porém, era Jânio Quadros quem os orientava em suas ações.”327
No trecho abaixo, a TIME
cita que Jânio faria uma viagem de três meses (e não de seis):
Nesta semana, com uma típica astúcia política, Quadros planejou embarcar em um
cargueiro para o Japão (54 dias em torno do Cabo da Boa Esperança), em uma
viagem que vai mantê-lo afastado por três meses, o suficiente para evitar a
exposição excessiva pré-eleitoral, o suficiente para garantir-lhe uma recepção
triunfal ao retornar328
Durante esta pré-candidatura, portanto, esta pré-campanha, Jânio não deixou de
expressar sua opinião sobre o cenário internacional, para ele era “vital a ajuda financeira e
técnica dos Estados Unidos, porém afirmava que não era nem contra e nem a favor dos
Estados Unidos, mas a favor do Brasil e das nações do centro e sul americanas.”329
327
CHAIA, op cit, p.154. 328
This week, with typical political canniness, Quadros planned to board a freighter to Japan (54 days around the
Cape of Good Hope) on a trip that will keep him away for three months—enough to avoid excessive pre-election
exposure, enough to guarantee him a triumphal welcome when he returns. Time Magazine, loc cit. 329
CHAIA, loc cit.
96
3.2 – ANTECIPANDO A CORRIDA
Mesmo estando no exterior, Jânio manteve-se atento às movimentações no Brasil e,
do exterior, tudo articulava. Sua viagem de seis meses não passou despercebida das críticas.
Foi acusado de enriquecimento ilícito e de ter “se vendido aos empresários de campanha.”330
Para ampará-lo em sua defesa, seu ex-secretário de justiça, Oscar Pedroso D’Horta concedeu
uma entrevista defendendo Jânio, dizia ele que a viagem estava sendo feita com recursos
próprios e convites oficiais.”331
Segundo Chaia, “na realidade, um dos empresários que
financiaram a viagem foi Roberto Selmi Dei, ligado ao empresariado paulista”.332
Em 17 de agosto de 1959, a TIME publicava a matéria Antecipando a corrida, nela a
revista cobriu parte da enigmática viagem de Jânio e deu destaque a sua ida para Moscou.
Estando a milhares de quilômetros de casa, seu sucesso no exterior chegava ao conhecimento
do público em geral:
(...) o homem que mais brilhou nos holofotes não estava perto do Rio na semana
passada. Ele estava a 7.000 quilômetros de distância, era Jânio Quadros, de 42 anos,
o simples e popular ex-governador do estado de São Paulo e candidato da
conservadora União Democrática Nacional (UDN).333
Naquele ano (1959), Jânio havia sido convidado para visitar a URSS na condição de
candidato à presidência, ele entendeu o convite como algo positivo dizendo: “vou a URSS
atendendo a um convite de seu governo. Parto sem preconceitos, sem partidarismos. Quero
conhecer o formidável progresso cultural e econômico dos soviéticos e visitar seus centros
culturais e fabris. No mundo cada vez menor em que vivemos, não pode a civilização
brasileira ignorar o aparecimento de novas fórmulas político-sociais, assim como a obra que
realizam.”334
No trecho abaixo a TIME destacou as primeiras manifestações de Jânio em prol
do diálogo com os países do bloco socialista, em particular com a URSS:
(...) Quadros, logo após a ida de Richard Nixon a Moscou, conseguiu 45 minutos de
conversa com o jovial Nikita Khrushchev para pedir "o mais rápido possível" a
retomada das relações diplomáticas com a Rússia. Jânio acrescentou: "A União
330
CHAIA, op cit., p. 170. 331
Ibid., ibidem. 332
Ibid., p. 170-171. 333
Moscow Coup. But the man who held the brightest spotlight was nowhere near Rio last week. He was 7,000
miles away in the person of Janio Quadros, 42, the homespun, popular ex-governor of Sao Paulo state and front-
running candidate of the conservative National Democratic Union (U.D.N.). Time Magazine: Running Early, 17-
08-1959. 334
O Estado de São Paulo, 29 de julho de 1959.
97
Soviética obtém seu café da África e, levando em conta o sabor do nosso café, seria
de grande interesse para o comércio brasileiro".335
Esse trecho retoma as contradições de Jânio, chamando a atenção dos editores da
TIME. Jânio, do mesmo modo que defendia o reatamento com a URSS e com os países do
bloco socialista, também era contra os comunistas, dizia ele “o comunismo não exerce grande
atuação sobre os brasileiros, pois é contra o seu caráter. Os brasileiros são cristãos e amam a
liberdade.”336
A TIME tinha conhecimento do apoio dos comunistas à candidatura de Jânio, porém
ele mesmo negava esse apoio por “considerá-los mercadores internacionais da ignorância e da
miséria que afligiam muitos dos nossos patrícios.”337
Segundo Chaia, “a partir dessas
declarações é possível afirmar que existia uma diferença básica entre o discurso de Jânio
Quadros com relação a política externa de aproximação ao bloco socialista e sua versão
interna, de condenação dos comunistas, considerando-os mercadores da miséria do povo.”338
No caso do comunismo dentro do Brasil, Jânio disse; “Não tenho nenhum interesse na
posição do Sr. Luis Carlos Prestes, que considero um defunto.”339
A TIME orientava a sua
observação em relação Jânio Quadros dentro das relações internacionais. A revista publicava
a posição crítica de Jânio ao comunismo endógeno, mas era o exógeno que mais preocupava a
TIME.
O posicionamento de Jânio frente à política e à economia do país foi o tema de
discussão de uma entrevista que dera a Carlos Castelo Branco e publicada na revista O
Cruzeiro, de 11 de junho de 1959. Assuntos como a reforma agrária foram pontuados, Jânio
dizia: “cabe a nós, democratas, promovê-la ao longo da lei para que outros não a promovam
acima da lei.”340
A questão do petróleo também foi pontuada, para ele “petróleo é
soberania”.341
A fama e a excentricidade de Quadros pareceram ultrapassar as fronteiras do Brasil.
No trecho abaixo, a TIME ilustra alguns detalhes da descontraída excursão eleitoral de
Quadro pelo mundo:
335
(...) Quadros followed Richard Nixon into Moscow, got himself a full 45 minutes with the jovial Nikita
Khrushchev, came out to urge "the most rapid possible" resumption of diplomatic relations with Russia. Cockily,
Janio added: "The Soviet Union gets its coffee from Africa and, judging from the taste, would greatly benefit by
Brazilian trade." Time Magazine, loc. cit. 336
O Estado de São Paulo, 14-06-1959 337
O Estado de São Paulo, 22-04-1959 338
CHAIA, op. Cit. p 171. 339
O Globo, 30-06-1959 340
O Cruzeiro, 11-06-1959. 341
O Cruzeiro, 11-06-1959.
98
Essa estratégia manteve Quadros nas primeiras páginas desde que ele foi para o
Japão em março passado. Jornais brasileiros enviaram seus melhores homens para
seguir Quadros no Japão, Turquia, Israel, Europa. Quadros não deixou de brindar
em seu percurso, tinha algo a cada parada para agradar grupos minoritários de
brasileiros.342
Para a TIME, além de uma controvertida “campanha” internacional, o pré-candidato
Jânio parecia dispor de um forte eleitorado internacional e nas principais cidades do mundo:
Disse um político do Rio: "Jânio ganhou o voto japonês do Brasil em Tóquio, o voto
italiano em Roma, o voto judeu em Tel Aviv." Em toda parte, Jânio apresentou sua
plataforma: o mesmo tipo de governo honesto que trouxe grande sucesso quando era
governador.343
O personagem messiânico de Jânio apareceu pela primeira vez na revista. O seu
retorno, velejando, era aguardado pelos ansiosos políticos.
Quadros irá velejar de volta para casa em setembro para uma recepção triunfal na
convenção da UDN. Logo mudará a roupa desleixada e fará a barba de dois dias (...).
Disse ele: "O Marechal Lott é um patriota distinto, mas para se tornar presidente,
também é necessário ser popular." Uma recente pesquisa em 20 capitais brasileiras
revelou 72% para Quadros, de 18% para Lott.344
Ao citar novamente a aparência de Jânio (desleixada), a revista sugeriu que o
candidato estava complemente a vontade durante a viagem. Sendo assim, Quadros somente
voltaria a se vestir de forma descente quando chegasse ao Brasil.
Passados seis meses, Jânio retornou ao país em 21 de setembro de 1959, dando inicio
definitivo a sua campanha. Em 8 de novembro daquele ano foi realizada a convenção da UDN
para indicação do candidato. Na disputa estavam Jânio e Juraci Magalhães. Segundo Chaia
“o clima local era bastante tenso, tendo de um lado os lacerdistas e, do outro, os adeptos de
Juraci.”345
Tomando ciência daquele conturbado momento, Jânio comunicou a Afonso Arinos
e Carlos Lacerda que não era mais candidato. Lacerda contornou a situação deixando Quadros
342
Something for All. Such coups have kept Quadros on the front pages ever since he left for Japan last March.
Brazil's newspapers sent their top men to catch Quadros in Japan, Turkey, Israel, Europe. Quadros missed not a
beat on the toast-quaffing circuit, had something at every stop to tickle Brazil's minority groups. Time Magazine,
loc cit. 343
Said a Rio politician: "Janio won Brazil's Japanese vote in Tokyo, its Italian vote in Rome, the Jewish vote in
Tel Aviv." Everywhere, Janio outlined his platform: the same kind of honest government that brought a boom
when he was governor. Time Magazine, loc cit. 344
Quadros will sail home in September for a hero's welcome at the U.D.N. convention, then change to sloppy
clothes and two-day beard (...). Said he: "Marshal Lott is a distinguished patriot, but to become President it is
also necessary to be popular." A recent poll in Brazil's 20 state capitals showed 72% for Quadros, 18% for Lott.
Time Magazine, loc cit. 345
CHAIA, op cit, p 162.
99
seguro em relação a indicação da vice-presidência – esta que tanto incomodava Jânio, pois o
candidato não queria um vice-presidente imposto pela UDN.346
Concordando com Lacerda,
Jânio voltou atrás.
Mesmo assim os problemas com a escolha do vice continuaram desagradando Jânio
Quadros que, finalmente, em 25 de novembro de 1959, entregou uma carta ao presidente da
UDN renunciando a sua candidatura. Segundo Chaia: “Carlos Lacerda considerou a renúncia
de Jânio Quadros um protesto contra a política de conchavos e de barganhas (...) disse ainda
que Jânio nunca seria um presidente caricato.”347
Após várias exigências feitas a Lacerda,
Jânio retomou a candidatura em 5 de dezembro de 1959.348
Foi homologada em maio de 1960
com uma coligação composta pela UDN (União Democrática Nacional), PTN (Partido
Trabalhista Nacional), PDC (Partido Democrata Cristão) , PL (Partido Liberal) e PR (Partido
Republicano).
346
Ibid., ibidem. 347
Ibid., p. 165. 348
Ibid., p. 166.
100
3.3 – OS CANDIDATOS
Havia um olhar preocupado do Departamento de Estado para as eleições de outubro
de 1960, temiam pela vitória de Jânio.349
Desde o início, o Departamento era simpático a
candidatura de Lott, apesar de sua impregnada defesa do nacionalismo e de ser considerado
um candidato conservador apoiado por forças de esquerda.350
Nesse sentido, a embaixada dos Estados Unidos acreditava que poderia haver a
transferência do prestígio de Juscelino para Lott, este que, sendo um militar, ainda poderia
contar com o apoio das Forças Armadas.351
A expectativa norte-americana era que Lott
“manteria acordos com os Estados Unidos e provavelmente não reataria relações com a URSS
nem reconheceria a República Popular da China.”352
Apesar dessa postura em relação à
política externa, o Departamento de Estado se mantinha reticente em relação à política
interna. Considerado de perfil político ingênuo, “possuidor de um caráter retilíneo e avesso a
negociações, ele, no entanto, poderia gerar dificuldades com o Congresso. Favorável à
limitação de remessas de lucros pelo capital estrangeiro, o general mostrava tendências a
prestigiar empresas estatais e apoiar uma maior participação no controle da economia pelo
Estado”.353
A matéria “Os candidatos” trouxe uma prévia do confronto Quadros-Lott. O General
representava os herdeiros do nacionalismo. Para a TIME o programa de Lott era “Vermelho,
de esquerda”, não cabia os eufemismos do Departamento de Estado. A reportagem alertava
para o perigo que esse candidato representava aos investimentos capitalistas, ou seja, ao
capital estrangeiro.
Da varanda do edifício onde está localizado o Comitê Nacionalista de Lott, ele,
imediatamente, fez do capital estrangeiro seu alvo principal. Disse ele, com sua voz
aguda: "Não desejamos mais que o suor dos trabalhadores brasileiros sirva para
produzir riquezas para os estrangeiros”. Em seu segundo dia de comício, ele chamou
a atenção para o progresso da siderúrgica estatal de Volta Redonda, e mais garantias
à intocável Petrobrás, o monopólio estatal do petróleo.354
349
BARBOSA. Op cit, p.87. 350
Ibid., ibidem. 351
Ibid., ibidem. 352
Ibid., p. 88. 353
Ibid., ibidem. 354
Workers' Sweat. From the balcony of a building housing a Nationalist Committee for Lott, he promptly made
foreign capital his prime target. Said he in a small, high-pitched voice: "We no longer desire that the sweat of
Brazilian workers serve to build riches for those abroad." At his second rally of the day, he called for
improvement of the government steel mill, Volta Redonda, and "more guarantees for untouchable Petrobras," the
state oil monopoly. Time Magazine, Brazil: The Candidates, 29-02-1960.
101
Nada mais frontal aos interesses americanos do que uma postura nacionalista, ainda
mais preocupante quando se tem a possibilidade de haver um chefe de Estado hasteando tal
bandeira. A constante preocupação da revista em relação aos políticos que colocam os
trabalhadores como protagonistas e oprimidos alude ao conceito de proletariado. O suor dos
trabalhadores sugeria a ideia de expropriação e extração de mais valia.
Teixeira Lott foi acompanhado de perto pela TIME. Durante a corrida eleitoral de
1960, parecia só existir dois candidatos pela presidência nas páginas da revista. Lott foi
homologado pela coligação PSD/PTB “após vários nomes vetados pelo presidente
Juscelino.”355
Segundo a revista, o manto de Lott era o mesmo manto de Vargas, portanto, ele
vestia a túnica dos inimigos do capital estrangeiro:
O manto que o Marechal Lott aspira é o de Getúlio Vargas, o demagogo ditador-
presidente que se matou em 1954, deixando uma carta pondo a culpa do seu suicídio
nos "grupos financeiros internacionais". Na semana passada, três dias depois de
deixar o Ministério da Guerra, Lott foi festejado numa barulhenta convenção do
PTB, o partido de Vargas, ao aceitar sua indicação. (PTB). "Eu sou um
nacionalista", disse ele. "O nacionalismo está relacionado ao patriotismo, o caminho
da caridade é a fé.."356
Compondo chapa com Goulart, os atritos entre o PSD e o PTB não tardaram. Lott
assumiu abertamente sua postura política dizendo que era “nacionalista, desenvolvimentista e
(...) anticomunista, apesar do apoio do PCB”.357
A TIME sabia que Lott não estava sozinho,
para a revista o incômodo só aumenta, pois o candidato a vice é Goulart, o explícito
nacionalista e esquerdista. Aliado de Vargas e parente de Brizola, as ações de Goulart junto
aos trabalhadores (proletariado) chamavam a atenção da revista e, como candidato a vice-
presidente pelo PTB, ele preparava uma plataforma agressiva ao capitalismo
Para obter a nomeação, Lott aceitou como seu companheiro de chapa o atual vice-
presidente do Brasil, o provocador chefe do PTB João ("Jango") Goulart. De Goulart
veio uma plataforma que inclui uma lei para o direito de greve-geral para os
trabalhadores brasileiros, restringe e freia as remessas de lucros ao exterior, uma
reforma agrária e a participação dos empregados nos lucros das empresas. Esta
355
HIPPOLITO, Lucia. PSD de raposas e reformistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 203. 356
The mantle that Marshal Lott aspires to is that of Getulio Vargas, the demagogic dictator-President who shot
himself in 1954, leaving a note blaming his suicide on the pressure of "international financial groups." Last
week, three days after leaving the War Ministry, Lott greeted a noisy convention to accept the nomination of
Vargas' old Brazilian Labor Party (P.T.B.). "I am a nationalist," he said. "Nationalism is related to patriotism the
way charity is to faith." Time Magazine, loc. cit. 357
CHAIA, op. cit, p. 168.
102
plataforma trouxe apoio automático dos comunistas, cerca de 200 mil votos.358
Divisões internas do PSD e do PTB apoiavam a candidatura de Jânio. As propostas
de anticomunismo de Lott desagradavam setores do PTB, Lott se opunha a aproximação com
o bloco socialista, ao contrário de Jânio “que defendia posturas mais avançadas na área da
política externa.”359
Lott contava com o apoio tímido de Juscelino, este que pouco se
empenhava em apoiar o seu próprio candidato.360
Segundo Chaia “para o PSD, Lott era
considerado um elemento estranho ao partido e, na avaliação de Lacerda, Lott incumbiu-se de
se derrotar vertiginosamente. Cada vez que Lott falava, era um desastre.”361
Lott também é o candidato do presidente Juscelino Kubitschek do PSD, um partido
de burocratas e proprietários de grandes terras e ele, desse modo, herda a política de
Kubitschek, a do desenvolvimentismo através da inflação. Lott, portanto, tem o
apoio maciço que elegeu Kubitschek..362
A trajetória de Quadros volta a ser destacada no trecho abaixo e dentro de uma
espécie de comparação com Lott novos detalhes estéticos foram apontados. Como um
personagem surpresa, que saiu das sombras, ele continuava sendo tratado como excêntrico,
adjetivo que apareceu repetidas vezes em suas reportagens, talvez por ser o único que pudesse
ser atribuído de forma segura, haja vista que outros traços de Jânio continuariam a confundir a
revista por um bom tempo.
Lott está contra o ex-professor primário Jânio Quadros, que em poucos anos, saiu da
obscuridade para se tornar o novo governador-vassoura de São Paulo, centelha do
estrondo industrial do Brasil. Quadros laça seus sapatos no ar, derrama caspas em
sua camisa e leva o povo ao delírio. Seu programa é de um governo honesto, de
redução da burocracia, da construção de estradas e de usinas de energia, e de recolar
a empresa privada no caminho do progresso. Ele descreve seu próprio nacionalismo
como "adulto, vacinado e com idade suficiente para votar."O principal obstáculo de
Jânio Quadros: o seu perfil excêntrico, este que o levou a sair da corrida presidencial
uma semana antes e voltar quase que imediatamente.363
358
To get the nomination, Lott accepted as his running mate Brazil's current Vice President, rabble-rousing
P.T.B. Boss Joao ("Jango") Goulart. With Goulart came a platform that includes a broad right-to-strike law for
Brazilian workers, strict curbs on the remittance of profits abroad, land reform, profit sharing for industrial
employees. This platform brought automatic Communist backing, an estimated 200,000 votes. Time Magazine,
loc. cit. 359
Time Magazine, loc. cit.. 360
CHAIA, op. cit. p. 169. 361
Ibid., ibidem. 362
Inflation Program. Lott is also the candidate of President Juscelino Kubi-tschek's Social Democrats, a party of
bureaucrats and big landholders, and he thereby inherits Kubitschek's policy of forced-draft development
through inflation. Lott thus has all the massive backing that elected Kubitschek. Time Magazine, loc. cit. 363
Lott is up against ex-Schoolteacher Janio Quadros, who in a few years rose from obscurity to become the
new-broom governor of Sao Paulo, spark of Brazil's industrial boom. Quadros kicks off his shoes on the stump,
spills ashes on his shirt and works the crowd to frenzy. His program is honest government, slashing bureaucracy,
building roads and power plants, and turning private enterprise loose for progress. He describes his own
103
Nesse contexto, o vice, Goulart, se aproveitou da fraca campanha de Lott e passou a
promover a formação dos comitês que apoiavam a sua aliança com Jânio. Segundo Chaia,
“Dante Pellacani, presidente do PTB paulista e presidente da Federação Nacional dos
Gráficos, idealizou a criação do “movimento Jan-Jan, que se expandiu no seio do movimento
sindical.”364
O próprio Jânio mostrou-se simpático a esses comitês, pois sabia que poderia
tirar proveito dessa aliança.
Ao final das contas, Jânio saiu fortalecido para a campanha de 1960. Estava apoiado
por cinco partidos políticos e ainda contava com os movimentos Jan-Jan e o movimento de
renovação sindical. Além dessas agremiações, Jânio ainda contou com “a adesão dos
empresários nacionais e representantes do capital estrangeiro, dos militares ligados a ESG
(Escola Superior de Guerra), de membros do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação
Democrática), bem como do apoio popular.”365
Nesta matéria, a TIME deixou de fora Adhemar de Barros (PSP). Conhecido como
“eterno candidato”, o PSD de Juscelino tentou convencê-lo a retirar sua candidatura em pró de
Teixeira Lott. Por outro lado, Adhemar não se deixando por menos, fez proposta inversa ao
PSD. No meio dessas disputas surgiram movimentos como “Ade-Jan” propondo uma chapa
composta por Adhemar e Jango. Adhemar adotou o slogan “Homem da terra”, se
aproveitando do fato de ter nascido no interior. Seu programa se pautou numa proposta
tradicional defendendo a “valorização do campo, o desenvolvimento e a modernização da
agricultura e a reforma agrária”.366
A campanha de Jânio tinha como estratégia “parecer pobre”, todavia estavam por trás
“os grandes financiadores de campanha, empresários nacionais e empresas multinacionais.”367
O dirigente das Ligas Camponesas, Francisco Julião, foi um dos seus apoiadores. Julião,
apesar do seu vínculo com o PSB “não se empenhou na candidatura do Marechal Lott.”368
nationalism as "grownup, vaccinated and old enough to vote." Quadros' main handicap: the streak of eccentricity
that led him to pull out of the race one week and jump back in almost immediately. Time Magazine, loc. cit. 364
Ibid., ibidem. 365
Ibid., ibidem. 366
CHAIA, op cit, p. 168. 367
Ibid., p. 174. 368
Ibid., p. 175.
104
3.4 – CUBA: UMA VIAGEM DESASTROSA
Em Março de 1960, Fidel Castro convidou Quadros para uma visita à Cuba, na
condição de provável futuro presidente do Brasil, por causa desse convite, a UDN criticou de
forma severa essa viagem. Para eles o novo governo cubano havia suprimido a liberdade e
imposto à ditadura. Por outro lado, no plano estratégico da campanha, era importante que
Quadros visitasse a ilha, pois naquele momento a campanha já se encontrava polarizada,
“Jânio era acusado de entreguista, enquanto a candidatura do Marechal Lott era identificada
com o nacionalismo.”369
Segundo Castilho “era necessário desfazer a imagem de Jânio como
“lacaio dos trustes, mostrando uma faceta de independência em relação a política
internacional.”370
A TIME publicou uma matéria tratando essa visita como breve e passageira. Além
dos adjetivos já conhecidos, a posição política de Jânio como ‘candidato próximo à direita’ foi
utilizada pela revista. TIME observou que a visita também era uma estratégia de Jânio para
dividir os votos de Lott. Para ela, tratou-se de uma “viagem desastrosa”, título da própria
matéria, haja vista o impacto que causou aos meios de comunicação do Brasil
Jânio Quadros, conservador, excêntrico, mas um bem sucedido governador do rico
Estado de São Paulo, é o candidato mais próximo da direita na próxima eleição
presidencial em Outubro. Por conseguinte, um dos seus motivos principais para
visitar Cuba na semana passada foi roubar alguns votos da esquerda e que pertencem
ao seu principal rival, o candidato Henrique Teixeira Lott.371
Segundo Chaia, Jânio foi muito bem recebido em Cuba e a imprensa brasileira fez
forte cobertura. Recebido por Fidel com honras de chefe de Estado, Jânio elogiou muito o
governo cubano, classificando-o de “honesto e operoso.”372
O Departamento de Estado não
deixaria passar despercebida essa visita, era crescente a atenção em Jânio, “algo mudaria caso
ele, como se prenunciava, vencesse o pleito de 3 de outubro e a sua presença em Havana seria
o ponto de partida para revigorar a desconfiança que começava a caracterizar a atitude de
369
CHAIA, op cit, p. 176. 370
Ibid., ibidem. 371
BRAZIL: Slipped Trip, Monday, Apr. 11, 1960; Janio Quadros, the conservative, eccentric but successful
former Governor of wealthy São Paulo State, is the closest thing to a candidate of the right in next October's
Brazilian presidential election. Thus his clear motive in visiting Castro's Cuba last week was to grab a few leftist
votes from his chief rival. Government Candidate Henrique Teixeira Lott. Time Magazine, loc. cit. 372
Time Magazine, loc. cit..
105
Washington para o candidato oposicionista.”373
A viagem foi um fracasso? Para a TIME sim. No trecho abaixo, foi atribuída essa
conclusão. A figura de um presidente que precisou ‘sair correndo’ da Ilha de Cuba, devido a
forte crítica que recebera da imprensa de seu país, sugere a representação de um político
atento à opinião pública e a grande influência que essa mesma opinião possa impactar em sua
imagem.
A viagem foi um fracasso. Quadros deveria ficar na Cuba de Fidel Castro por seis
dias. Mas quando os jornais de seu país começaram a chamá-lo de "irresponsável" e
suas declarações de elogio a Castro foram entendidas como um verdadeiro "pacto
com o diabo", ele aparentemente se deu conta de que os brasileiros não estão muito
ansiosos em seguir os passos de um governo irresponsável de uma ilha que
corresponde a um décimo do seu próprio país.
Fidel Castro havia tomando muita cautela ao convidar Jânio Quadros, na verdade, ele
não tinha interesse em interferir diretamente nas eleições do Brasil. Muitos setores da mídia
carioca apoiavam a ida de Jânio à Cuba. Todavia, eram os setores da UDN que mais
criticavam essa atitude, pois consideravam a visita, além de polêmica, muito perigosa para os
resultados das eleições. O convite foi feito também para Lott, que recusou devido a questões
de agenda e por considerar desnecessária.
As críticas da imprensa que a TIME apontou podem ser localizadas nas publicações
de jornais como O Estado de São Paulo “que classificava a viagem como demagógica (...) O
Estado de São Paulo aborda a possibilidade de essa visita acentuar a divisão do sistema
interamericano e demonstrar solidariedade a Fidel no momento em que ele começava a
alinhar-se abertamente como Moscou. O Editorial da Folha de São Paulo considerou a
viagem inútil, apenas mais uma manobra para desmentir a pecha de ‘entreguismo’ e de
simpatias pró-americanas do candidato”.374
A visita obedeceu ao protocolo estabelecido, ou seja, Quadros visitou o túmulo de
heróis da independência cubana, como o de José Julian Martí y Perez. Nessa ocasião
“pronunciou um pequeno discurso improvisado (...)”, em seguida “participou de um almoço
na sede do governo (...) visitou granjas, a fábrica de charutos H. Upman e esteve com Che
Guevara ainda presidente do Banco Nacional de Cuba (...)”.375
A TIME não deu detalhes da visita de Jânio, apenas restringiu seu discurso à
estratégia política do candidato. Sem dar muito espaços para outros assuntos, a matéria
373
BARBOSA, op cit. p. 56. 374
Ibid., p. 60. 375
Ibid., p. 64.
106
apresentou uma imagem caricata de Jânio ‘em rota de fuga’ e rumo a um lugar mais seguro
Dois dias antes do final de sua visita terminar, ele saiu correndo com um pão com
manteiga acenando para seus anfitriões, subiu a bordo de um avião e partiu para um
terreno mais seguro, a Venezuela..376
A imprensa local cubana, representada por jornais como o Diário de La Mariana e o
Prensa Libre cobriram a visita com matérias favoráveis, mas, por outro lado surgiram boatos
de que Jânio estaria fazendo uso desses veículos para dirigir críticas aos Estados Unidos, tal
fato não agradou Jânio.377
Alguns observadores interpretaram o desagrado de Jânio como um
dos motivos principais para antecipar a sua saída de Cuba, todavia, apesar dos comentários
veiculados pela imprensa brasileira, não houve nenhum incidente com Fidel.
Em certo momento, Quadros considerou que a repercussão da viagem não estava
correspondendo à sua expectativa, decidindo então partir antecipadamente para Caracas,
inclusive por nada mais haver de interessante para fazer em Cuba durante os dois últimos dias
restantes.378
Após Cuba, Quadros fez uma rápida passagem à Venezuela e “declarou-se a favor da
criação de um mercado comum latino-americano, manifestou o desejo de vitalizar as
democracias latino-americanas e repudiou todos os regimes de força dos governos totalitários,
entretanto, teve o cuidado de não incluir Cuba em suas críticas.”379
376
The trip was a flop. Quadros was supposed to stay in Castro's Cuba six days. But when papers back home
began calling him "irresponsible" and his statements of praise for Castro a "pact with the devil," it apparently
dawned on him that Brazilians have no vast yearning to take their cues from a reckless government on a chaotic
island that is only one-tenth as populous as their own country. Two days before his visit was supposed to end, he
dashed off bread-and-butter messages to his hosts, climbed aboard a plane for safer terrain in Venezuela. Time
Magazine, loc. cit. 377
BARBOSA, op cit, p. 64. 378
Ibid, p. 65. 379
CHAIA, op. cit., p. 178.
107
3.5 - QUAL CONSERVADOR
Em 3 de outubro de 1960, exatamente no dia da eleição para presidente do Brasil, a
TIME publicou a matéria “Qual Conservador?” e analisou o perfil dos candidatos e enquadro-
os dentro de um estilo controverso. Ora, Quadros e Lott aparecem como conservadores, ora
como simpatizantes da esquerda. No caso de Jânio, as contradições poderiam ser consideradas
ainda maiores, quer com discurso de esquerda, quer com discurso de direita. As ambiguidades
de Jânio chamaram, logo de início, a atenção:
Em seu próprio nome, Jânio Quadros passou dos limites confundindo gestos apenas
para promover imagens de si mesmo para agradar a todos.
Mesmo ambíguo, o perfil de Jânio era objeto constante de análise e vigilância por
parte do Departamento do Estado. Dias antes da eleição “a CIA ainda confiava na vitória de
Lott, nos termos do boletim de 28 de setembro de 1960, preparado para uma reunião do
Comitê Nacional com o Assessor de Assuntos Interamericanos, em Washington.”380
Acompanhando as estratégias de Jânio Quadros, a revista retomou, como transcrito
no trecho abaixo, a linha biográfica do candidato cujo perfil parecia se alinhar a de um
conservador. A análise de sua postura pessoal e até mesmo caricata já se afirmava como um
método investigativo da revista:
Ele também trocou o xingamento por um estilo de campanha altamente pessoal, fato
este que o levou, em sete anos, de uma sala de aula do ensino médio (onde ensinou
geografia, história e literatura) para o governo de São Paulo, o mais rico e poderoso
Estado do Brasil. Como governador, ele investiu em obras públicas que agora
suportam o mais movimentado complexo industrial da nação (aço, automóveis,
eletrodomésticos), mas também se livrou de cerca de 15.000 funcionários
públicos..381
Qual seria o limite que poderia separar o caricato do carismático? A TIME optou pela
análise caricata de Jânio, e no lugar de ‘carisma’ ela utilizou ‘demagógico’. No trecho
seguinte a estratégia das aparências prosseguiu, porém, as alterações que Jânio executou no
380
BARBOSA, op cit, p. 87. 381
Switch Talker. On his own behalf, Jânio Quadros has gone to extreme and confusing lengths to promote
images of himself calculated to please everyone. He has also switched from the name-calling, highly personal
campaign style that carried him in seven years from a high school classroom (where he taught history, geography
and Portuguese literature) to the governorship of São Paulo, Brazil's richest, most powerful state. As Governor,
he spent liberally on public works that now support the nation's most bustling industrial complex (steel,
automobiles, appliances)—but also got rid of some 15,000 featherbedding state workers. Time Magazine, Brazil:
Which Conservative?, 03-10-1960.
108
seu visual ocorreram como algo provisório e, portanto, apenas como marketing de campanha:
No caminho para a presidência, Jânio Quadros pôs de lado os velhos golpes baixos
que ele usou na política estadual. Ele penteou o cabelo, apertou a gravata, limpou a
caspa de seus ombros, e não tirou mais o sanduíche do bolso no meio de um
discurso. Ele evitou ataques pessoais contra Lott, recusou-se a fazer acusações de
corrupção sem fundamento.382
A desconfiança em torno de uma plataforma voltada para a esquerda chamou a
atenção da revista. Atitudes e as palavras de Jânio deixavam a TIME em dúvida,
principalmente quando se referia a Cuba e a URSS. O camaleão apareceu como uma metáfora
ao perfil controverso de Jânio. De qual lado ele poderia estar? Se Jânio vem aí? De qual local
ele poderia advir?
Mas, como um camaleão, ele mudou sua coloração para se adequar ao seu público.
Perante os industriais ele prometeu uma economia conservadora, diante dos
planejadores ele elogiou o investimento estrangeiro, junto aos camponeses, lembrou
sua visita a Cuba de Fidel Castro e admiração professada pelo barbudo Líder
Máximo. Perante os comunistas, ele lembrou de sua viagem a Moscou no ano
passado e insinuou um possível reconhecimento da Rússia e da China Vermelha,
perante os nacionalistas ele esfolou os sanguessugas exploradores estrangeiros.
Como presidente, ele provavelmente iria executar o mesmo tipo eficiente,
econômico, um governo com o espírito voltado para o tipo de desenvolvimento que
ele utilizou em São Paulo..383
Esquerda ou direita? Liberal ou não liberal? Na verdade o liberalismo de Jânio era
contraditório, por vezes a favor da privatização de algumas estatais, por outras propunha a
nacionalização de empresas que atuavam em áreas estratégicas.
Algumas ideias de cunho liberal ficaram claras, num discurso que fez na Escola
Superior de Agricultura de Piracicaba: “não sou e, só, o liberal que procuro ser, e sei que o
sou.”384
Dessa forma ele próprio demonstrava o seu apoio à iniciativa privada, considerava
que o Estado era um mal patrão e não podia estar incumbido de certas tarefas.385
Sua face nacionalista não era tão estranha, para ele energia elétrica controlada por
382
Stumping for President, Quadros put aside the undignified platform gimmicks he used in state politics. He
combed his hair, tightened his tie, brushed the dandruff off his shoulders, and never once pulled a sandwich from
his pocket in mid-harangue. He avoided personal attacks on Lott, refused to sling corruption charges
indiscriminately. Time Magazine, loc. cit. 383
But, chameleonlike, he switched his coloration to suit his audience. Before industrialists he promised
conservative economics; before planners he praised foreign investment; before peasants he recalled his visit to
Castro's Cuba and professed admiration for the bearded Maximum Leader. Before Communists he pointed to his
trip last year to Moscow and hinted at possible recognition of Russia and Red China; before nationalists he
flayed bloodsucking foreign exploiters. As President, he would probably run the same kind of businesslike,
economical, development-minded government that he built in São Paulo. Time Magazine, loc. cit. 384
O Estado de São Paulo, 25 de junho de 1960. 385
CHAIA,op. cit p. 177.
109
empresas estrangeiras deveriam passar para o controle do Estado, para ele a energia elétrica
era “tão indispensável como o pão nosso de cada dia e considerava que como medida de
segurança nacional era vital sua nacionalização”.386
O caso da Petrobrás era ainda mais delicado, pois, para Jânio, essa empresa era um
patrimônio da soberania nacional. Segundo Chaia, “no seu programa de governo a Petrobrás e
seu patrimônio seriam intocáveis.”387
Ao final da reportagem, a TIME lançou seu olhar ao candidato Lott. Do mesmo
modo que analisava Quadros, a revista não deixou de atentar para a cor dos olhos e
principalmente à voz de Lott. Além disso, o discurso desse candidato servia de suporte as
próprias análises que a revista já vinha realizando sobre Quadros.
O principal problema de Lott na campanha inicial foi sua apatia. Impassível e rígido,
com frios olhos azuis e uma voz estridente que o fez soar um pouco ridículo, ele
deixou seu público impressionado. No meio da campanha, no entanto, ele mudou de
tática. Ele lutou para baixar a voz algumas notas, assumiu o papel de um pai sábio, e
ao mesmo tempo começou a animar a sua campanha com viciosos ataques pessoais
a Quadros. Ele chamou Quadros de uma série de coisas, desde a loucura de uma
ditadura, disse que a eleição de Jânio Quadros levaria o país a uma sangrenta guerra
civil, acusou Quadros de estar tentando comprar a eleição com os imundos recursos
advindos dos trusts estrangeiros.388
Chamar Quadros de possível ditador representava uma estratégia desesperada de seu
oponente, no entanto, informar que Jânio era financiado pelos trustes estrangeiros servia
apenas para dificultar ainda mais a identificação exata dessa personagem chamada Jânio
Quadros. As multinacionais, sustentáculos do Século Americano, estavam por trás ajudando
um candidato que flertava com Moscou?
386
Ibid, ibidem. 387
Ibid, p. 178. 388
New Image. Lott's main problem in early campaigning was his dullness. Stolid and rigid, with cold blue eyes
and a piping voice that made him sound slightly ridiculous, he left his audiences unimpressed. In midcampaign,
however, he switched tactics. He struggled to lower his voice a few notes, assumed the role of a wise parent, and
at the same time began pepping up his campaign with vicious personal attacks on Quadros. He called Quadros
everything from insane to dictatorial, said that Quadros' election would lead to bloody civil war, charged that
Quadros was trying to buy the election with a slush fund provided by foreign trusts. Time Magazine, loc. cit.
110
3.6 - O NOVO PRESIDENTE
Na edição de 17 de outubro de 1960, a TIME publicou a reportagem que cobriu os
resultados das eleições.
A embaixada americana “considerava que o pleito, com prognósticos incertos, seria
disputado voto a voto, não desprezando fraude eleitoral e manipulação de resultados das
urnas, manobras suscetíveis de serem empregadas por ambos candidatos.”389
A eleição foi
acompanhada de perto pelo Departamento de Estado e “a eventualidade de uma intervenção
militar no processo sucessório também constava com certa frequência nesses boletins”.390
A vitória de Jânio ficou conhecida como “revolução pelo voto”. Em 3 de outubro de
1960 Jânio atingia a maior marca que um candidato conseguira, 48% dos votos nominais. A
vitória não veio somente das massas populares, adveio também de setores da classe média e
alta identificados com a UDN e com as propostas mobilizadoras.
Ao tomar conhecimento da vitória, Jânio, como de costume, viajou, para retornar
somente em 13 de outubro para a sua primeira entrevista coletiva. Ao ser indagado sobre qual
seria a composição do seu governo, Jânio deixou claro que contaria com todos, inclusive com
os grupos que não o apoiaram. Jânio afirmou que desejava governar bem e “para governar
bem devo ter junto de mim os homens mais idôneos e mais capazes, com ou sem filiação
partidária.”391
Segundo Chaia, “mais uma vez Jânio Quadros reafirmava sua independência
em face dos partidos políticos e dos grupos que o apoiaram, pois considerava que havia sido
eleito pelo povo e somente a ele poderia prestar contas.”
O número de eleitores foi de 12.586.354.392
Jânio conseguiu 78% dos votos nos
estados da Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, ou seja, nos principais
estados da União. O eleitorado foi estimado pela revista em 12,5 milhões de pessoas – na
edição de 3 de outubro a TIME estimou em 12 milhões, ou seja, 500 mil pessoas a menos.
Surpresa ou desconfiança? Ao informar seus leitores, sobre a impressionante vitória de Jânio
sobre Lott, a TIME não deixava de destacar também que a participação popular no pleito,
além de significativa, identificava a existência de uma forte democracia.
Conforme os 12,5 milhões de brasileiros iam às urnas na semana passada para eleger
389
BARBOSA, op cit, p. 87-88. 390
Ibid, ibidem. 391
O Estado de São Paulo, 14 de outubro de 1960. 392
CHAIA, op cit., apud TRESP, p. 182.
111
um novo Presidente, a tão aguardada e apertada corrida não aconteceu da forma
como esperavam. Com mais da metade dos votos contados, o candidato da oposição
Jânio da Silva Quadros, 43 anos, tinha uma vantagem de 1,6 milhões de votos sobre
o marechal Henrique Teixeira Lott, e parecia certa a maior vitória da história.393
Em São Paulo, Jânio conseguiu 55% dos votos nominais derrotando Adhemar de
Barros em todas as zonas eleitorais.394
Quadros não apenas ganhou em seu estado natal, São Paulo, ele também venceu no
próprio estado de Lott, Minas Gerais, e nas demais regiões do Brasil. Em sua
mensagem ao país, Quadros disse: "Sem reservas ou de ódio, apelo a todos os
brasileiros a trabalhar para o bem comum."395
Paralela a eleição presidencial, ocorreram eleições para governador em 11 estados. A
UDN venceu em seis estados. Lacerda ganhou na Guanabara e, quando indagado sobre Jânio,
demonstrou ter perfeito noção da complexidade daquele resultado, disse ele: “quem tiver
dúvidas basta perguntar a quem será atribuída a responsabilidade se o governo do presidente
Jânio Quadros não tiver êxito. Quem será o principal responsável? Com razão ou sem razão,
será a UDN.”396
O dado que chamou a atenção de muitos estudiosos do fenômeno Jânio, diz respeito
ao nível de escolaridade de seus eleitores, segundo Glaucio Soares, “quanto maior o nível de
escolaridade mais elevada a tendência de o eleitorado votar em Jânio Quadros.”397
Bolivar
Lamounier, realizando pesquisa em Minas Gerais, constatou o mesmo fenômeno, ou seja,
“Jânio Quadros também recebeu a maior votação nos setores mais escolarizados e em posição
sócio-econômica superior das cidades de Belo Horizonte e Salvador, localidades onde a UDN
tinha maior penetração.”398
No trecho seguinte é dado destaque a influência de Lincoln e Jefferson no
pensamento de Quadros, este toma como inspiradores o senso de dever público, a polidez
393
As 12.5 million Brazilians went to the polls last week to elect a new President, the expected tight race turned
into no contest at all. With better than half the vote counted, Opposition Candidate Jânio da Silva Quadros, 43,
held a huge 1,600,000-vote lead over the incumbent administration's man, Field Marshal Henrique Teixeira Lott,
and seemed certain to roll up the greatest plurality in history. Time Magazine, loc. cit. 394
CHAIA, op. cit., p. 182. 395
Quadros not only won his home state of São Paulo, he also jumped ahead in Lott's own state of Minas Gerais
and won the no man's land in between. Said Quadros in a message to his nation: "Without reservations or hate, I
call on all Brazilians to labor for the common welfare." Time Magazine, loc. cit. 396
LACERDA, Carlos, O poder das ideias. Rio de Janeiro, Record, 1964, p. 137. 397
SOARES, Glaucio A. D.. “Classes sociais, strata sociais e as eleições presidenciais de 1960”. Sociologia. s.l.
s.ed., v. XXIII, nº 03, 1961. 398
LAMOUNIER, Bolivar e CAMPELLO, Maria do Carmo. “Três momentos da vida de um Político”. Revista
Isto é. São Paulo, agosto 1976.
112
necessária a um servidor exemplar. Por outro lado, a faceta histriônica volta à tona, ora
extrovertido, ora introvertido, para a TIME, tratava-se de um político repleto de surtos de
humor.
Em Jânio Quadros, o Brasil tem uma curiosa mistura de introversão e extroversão,
um homem culto, cujo pensamento político toma emprestado de Lincoln e Jefferson,
trabalhador, servo de uma mentalidade conservadora e pública em seu cargo, no
entanto, em campanha com sua ambiciosa coligação política apelou para o voto das
massas, prometendo uma série de coisas para todos. Ele é um homem cuja vida foi
repleta de lampejos de surtos de brilho e temperamento. 399
Notamos no próximo trecho, que a TIME não deixa de fazer uso de uma linha de
análise histórico-biográfica. Não conformada em saber apenas quem era o ‘Jânio Quadros
daquele momento’, também é importante saber como ‘foi Jânio Quadros no passado’.
O futuro presidente do Brasil foi criado pela mãe, o pai falecera quando Jânio ainda
era muito jovem. De sua mãe veio a honestidade e o caráter como ensinamentos
fundamentais. A inclinação religiosa para o catolicismo foi um traço que chamou a atenção da
protestante TIME. O futuro líder do Brasil era leitor de Ovídio e Horácio. A caricatura
continua na reportagem ao destacar a fala da futura esposa de Jânio, dizendo que ele era “O
homem mais feio do mundo.”
O filho de um ginecologista do interior com técnicas não muito convencionais,
fatalmente acabou sendo morto a tiros aos 68 anos pelo marido irado de uma
mulher de 26 anos de idade, Jânio recebeu os primeiros ensinamentos, em sua maior
parte, de sua mãe, uma mulher sábia e gentil, que lhe ensinou que "nenhum homem
poderia ser um pouco sem honra ou parcialmente honesto”. No colégio interno
(Quadros é um católico praticante), o jovem alto de olhos estranhamente arregalados
era muito rebelde, mas ele leu apaixonadamente grandes trechos de Ovídio e
Horácio de coração como lição de casa.400
Depois de um início instável na faculdade
de Direito da USP, ele obteve em seus últimos anos as melhores notas, se casou com
uma bela moça que, à primeira vista o achou "o homem mais feio que eu já
conheci", e assim começou a sua carreira.401
399
In Jânio Quadros, Brazil got a curious blend of introvert and extravert, a man of wide learning whose political
thought borrows from Lincoln and Jefferson, who is a hardworking, conservative-minded public servant in
office, yet who campaigns with a ward politician's gallus-snapping appeal for the mass vote, promising all things
to all men. He is a man whose life has been studded with flaring spurts of brilliance and temperament. Time
Magazine, loc. cit. 400
The son of an upcountry gynecologist with roving ways who was finally shot dead at 68 by the irate husband
of a 26-year-old woman, Quadros got his early training mostly from his mother, a wise and gentle woman, who
taught him that "no man could be slightly dishonorable or partly honest." At parochial prep school (Quadros is a
practicing Catholic), the tall youth with the oddly staring eyes* was so rebellious that he learned large chunks of
Ovid and Horace by heart in after-school punishment time. Time Magazine, loc. cit. 401
After a shaky start in law school at São Paulo's state university, he went through his final years with top
marks, married a beautiful girl who at first glance thought him "the ugliest man I ever met," and started off on
his career. Time Magazine, loc. cit.
113
Como Quadros chegou à política? A São Paulo de Quadros foi comparada como a
Chicago do Brasil, a cidade foi apresentada como o berço político de Jânio. Seus alunos foram
os motivadores de sua chegada à política mesmo com a barba sem ser feita durante três dias:
Enérgico, de cabelos emaranhados, Quadros mergulhou na política em 1946 a
pedido de seus alunos do ensino médio, para os quais ele estava ensinando literatura
portuguesa, foi quando conquistou uma cadeira na Câmara de Vereadores da cidade
de São Paulo. Ele saiu à frente em todas as eleições desde então - deputado estadual,
prefeito da cidade de São Paulo (a Chicago do Brasil), governador do Estado de São
Paulo. No palanque, ele enfatizou o fato de que trabalhou o tempo todo ao ponto de
deixar a barba ficar três dias sem fazer. Uma vez no cargo, ele construiu uma
reputação de honestidade e eficiência. "Liberdade", como ele mesmo disse, "não é
uma concessão permanente, mas uma batalha diária."402
Como Quadros administrava a economia de São Paulo? O perfil de um bom pagador
ajustava-se a do bom governador e a boa liderança política. TIME, deixando de lado a ironia,
destacou os números positivos da gestão de Quadros durante a prefeitura e do governo do
Estado de São Paulo:
Em seu primeiro ano como prefeito de São Paulo, Jânio pagou o déficit anterior de
US $ 12,5 milhões e equilibrou o orçamento de US$ 55 milhões; no seu primeiro
ano como governador de São Paulo, pagou um empréstimo de 30 milhões dólares
em atraso do Banco do Brasil, e ainda conseguiu traçar um eficiente plano de obras
públicas para o que é hoje o maior complexo industrial no Brasil. 403
Segundo a matéria, Quadros pretendia, pelo menos até aquele momento, dar
continuidade ao projeto de Juscelino. A reportagem ainda estava dentro do ano de 1960. No
entanto há inúmeras interpretações acerca das relações entre Jânio e Juscelino. Uma das
bandeiras eleitorais de Jânio foi justamente a forte crítica feita ao governo anterior.
Jânio continuava a escorregar das mãos da TIME. Segundo ela própria, Jânio era um
político que oscilava entre a esquerda e a direita, mas sem nunca se identificar com uma delas.
Por outro lado, foi identificado novamente com as correntes do conservadorismo nacional.
Embora o tom da campanha de Quadros bambeasse ora para a esquerda e ora para a
direita para agradar a maioria, se pode esperar dele que siga a sua própria linha de
402
Intense, shock-haired and magnetic, Quadros plunged into politics in 1946 at the urging of high school pupils
to whom he was teaching Portuguese literature, won a seat on São Paulo's city council. He has come out ahead in
every election since — state deputy, mayor of São Paulo city (the Chicago of Brazil), governor of São Paulo
state. On the stump, he emphasized the fact that he worked around the clock by letting his beard go three days
without a shave. Once in office, he built a reputation for honesty and efficiency. "Liberty," as he put it, "is not a
permanent concession but a daily battle." Time Magazine, loc. cit. 403
In his first year as São Paulo mayor, Quadros paid off the old deficit of $12.5 million and balanced the budget
at $55 million; in his first year as São Paulo governor, he paid off an overdue $30 million loan from the Bank of
Brazil, and still managed to chart an efficient public works foundation for what is now the biggest industrial
complex in Brazil. Time Magazine, loc. cit.
114
administrar o Brasil dentro de um estilo conservador. Ele está empenhado em
continuar o atual programa de obras do presidente Juscelino Kubitschek, mas ele
pretende conter a inflação. "Se a inflação poderia criar riqueza, não haveria mais
problemas econômicos", diz ele. 404
Segundo Chaia, a vitória de Jânio se dá em meio ao repúdio à situação econômica e
política do país ao mesmo tempo em que Jânio era identificado com a esperança.405
A
campanha de Jânio “foi marcada pelo seu distanciamento em relação aos partidos políticos e
aos grupos que o apoiavam. Com essa maneira de atuar, conseguiu transmitir aos eleitores a
imagem de um elemento que se diferenciava dos outros políticos e que puderam mudar o país
mediante uma moralização administrativa.”406
A questão é se ele pode impor sua vontade sobre o Brasil, que se acostumou com os
grandes gastos de Kubitschek e a sua maneira de emitir moeda. A cidade e o Estado
de São eram pequenos o suficiente para que Jânio Quadros pudesse exercer a sua
supervisão pessoal e necessária para manter os funcionários trabalhando de forma
correta. Mas administrar um país é algo completamente diferente.407
A TIME, no trecho acima, revelou sua dúvida em relação a capacidade administrativa
de Jânio Quadros numa larga escala, ou seja, administrar um Estado da União seria muito
mais fácil do que administrar um país. O fato de a revista destacar a necessidade de uma
vigilância sobre o funcionalismo público brasileiro revela muito do que ela própria
interpretava sobre a estrutura burocrática e administrativa do Brasil. Jânio, no início dessa
reportagem, foi lembrado por ter demitido 15000 funcionários, faria o mesmo quando
chegasse a presidência? Em certa medida, a redução não apenas da interferência, mas da
estrutura burocrático-estatal caminhava na direção de um Estado Liberal de Direito, algo que
agradava os olhos da revista, mas ainda não bastava para definir Quadros como um efetivo
inimigo do Século Americano.
404
Though Quadros' campaign pitch curved left and right to suit his audience, he can be expected to follow his
own straight line of Brazil-style conservatism. He is committed to continue outgoing President Juscelino
Kubitschek's building program, but he intends to hobble inflation. "If inflation could create wealth, there would
be no more economic problems." he says. Time Magazine, loc. cit. 405
CHAIA, op. cit., p. 185. 406
Ibid, p. 186. 407
The question is whether he can impose his strong will on Brazil, which has become accustomed to
Kubitschek's free-spending, money-printing ways. São Paulo city and São Paulo state were both small enough so
that Quadros could exercise the in-person supervision needed to keep officials at work and honest. But the entire,
sprawling nation is something else. Time Magazine, loc. cit.
115
3.7 - LEGADO DE INFORTÚNIOS
Antes tido como um presidente progressista, o qual extraia da TIME grande alívio
por não se identificar com os comunistas e nacionalistas, Kubitschek acabou recebendo uma
dura crítica da revista. Para a TIME, ele era o principal responsável pelo difícil momento
econômico pela qual passava o Brasil e deixando para o seu sucessor, o eleito Jânio Quadros,
um legado de infortúnios, título da matéria publicada em dezembro de 1960.
Segundo TIME, os últimos cinco anos do governo de Juscelino foram marcados pelos
gastos e principalmente pela construção de Brasília, um empreendimento ousado devido a sua
edificação em pleno interior do país. Esse tipo de investimento foi duramente criticado pela
revista como a verdadeira marca da ingerência e do desperdício. Quadros vencera, e Lott
estava afastado. O espectro de Goulart causava incômodo à revista.
A TIME passou a levantar dúvidas em relação às condições de Jânio para governar,
foram destacados, nessa matéria, os números negativos da gestão Kubitschek conforme trecho
abaixo:
Cinco anos atrás, o presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, abriu as fechaduras
dos cofres do tesouro nacional e arrancou de lá um punhado de cruzeiros limpando-o
completamente. Ele construiu a nova capital Brasília; desenvolveu uma indústria
automobilística produzindo cerca 140.000 veículos por ano; aumentou o produto
interno bruto para uma média de 6% ao ano; aumentou a produção de aço e a
produção de energia. Tal jornada lhe custou muito caro: como Kubitschek se prepara
para deixar o Palácio da Alvorada em Brasília, no cofre do tesouro ele deixa uma
verdadeira caixa de Pandora de problemas fiscais para o novo Presidente Jânio
Quadros.408
Durante a campanha, Jânio não poupou o governo anterior com suas críticas. Atacou
a corrupção do governo Kubitschek, a inflação que seria herdada pelo seu sucessor, o alto
custo de vida, o desperdício com a construção de Brasília e a “futilidade da imagem do
presidente voador.”409
Quadros não se opunha ao projeto da construção de Brasília, na
verdade suas críticas se preocupavam “com o critério adotado na aplicação dos recursos da
nova capital considerando que: a primeira necessidade do Estado é que o governo aplique
408
Five years ago Brazil's President Juscelino Kubitschek unlocked Brazil's treasure chest, hauled out fistfuls of
cruzeiros and headed west, into the empty interior. He covered a lot of ground — establishing the new capital of
Brasilia, creating an auto industry turning out 140,000 vehicles a year, increasing the gross national product an
average of 6% a year, increasing steel production and power output. The trip was expensive: as Kubitschek
prepares to clear out of Brasilia's Palace of the Dawn, the chest he leaves is a Pandora's box of fiscal troubles for
incoming President Janio Quadros. Time Magazine, loc. cit. 409
BENEVIDES, Maria Vitória. A UDN e o Udenismo – ambiguidades do liberalismo brasileiro. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1981, p. 110.
116
com honestidade o seu dinheiro.”410
A TIME ao criticar Juscelino e ao apresentar um legado
de infortúnios para Jânio, expõe uma visão de que a situação tanto política e econômica do
Brasil não mudaria muito nos anos seguintes. Nesse sentido, Jânio Quadros poderia ser um
presidente intermediário.
No trecho seguinte, a revista não poupou Kubitschek, o ex-presidente era
responsabilizado pela forte emissão de moeda para cobrir as despesas de final de ano. A
inversão de créditos da balança comercial brasileira chamou a atenção da revista, haja vista
que o gasto em dólares praticamente dobrou jogando o país numa indigesta dívida externa:
No mês passado, Kubitschek emitiu cerca de 4,4 bilhões de cruzeiros e
provavelmente irá adicionar mais 10 bilhões este mês para atender as despesas de
final de ano. O total de dinheiro em circulação: 194 bilhões de cruzeiros - quase três
vezes a quantidade quando Kubitschek assumiu o cargo. Os gastos do Brasil em
empreendimentos aumentaram a dívida interna mais do que cinco vezes e mais que
o dobro da dívida externa. Como resultado, a balança comercial despencou de um
superávit de US $ 194 milhões em 1956 para déficit de até $ 283 milhões nos anos
seguintes.411
Kubitschek deixava não apenas um legado de inflação, mas um legado de dívidas. A
revista TIME destacou o pedido de socorro do Brasil ao FMI no qual incluía o pedido de
moratória e a venda de títulos do Banco do Brasil, cujo resgate seria feito no início do
governo Quadros.
Para conter a inflação e livrar a economia do colapso, Kubitschek precisa equilibrar
contas o mais rápido possível. Com as reservas curtas há dois meses e confrontado
com um prazo de seis meses para amortizar 87,7 milhões dólares tomados de
empréstimos do Export-Import Bank e do FMI, o Brasil pediu uma moratória de seis
meses – no entanto, o próximo governo terá de retomar os pagamentos.412
Para
atender a demanda interna por dólares, o Banco do Brasil iniciou recentemente a
venda (com desconto) de certificados em dólares para entregar no prazo de 90 dias.
O primeiro lote de US $ 80 milhões deve ser resgatado em dólares a partir 01 de
fevereiro, um dia depois da posse de Jânio Quadros.413
410
CHAIA, op. cit., p. 177. 411
Last month Kubitschek's money presses clanked out 4.4 billion cruzeiros worth ½¢ U.S. each, will probably
add another 10 billion this month to meet year-end expenses. Total money in circulation: 194 billion cruzeiros —
nearly three times the amount when Kubitschek took office. Brazil's builder-spender increased the internal debt
more than five times, more than doubled the foreign debt. As a result, the balance of trade has slumped from a
$194 million surplus in 1956 to deficits as high as $283 million in the succeeding years. Time Magazine, loc. cit. 412
To keep the inflation-ridden economy from collapsing, Kubitschek must juggle his debts faster and faster.
Caught short of dollars two months ago and faced with a six-month, $87.7 million repayment installment to the
Export-Import Bank and the International Monetary Fund, Brazil arranged a six-month payments moratorium —
but the next Brazilian administration will have to resume payments. Time Magazine, loc. cit. 413
To meet the internal demand for dollars, the Bank of Brazil recently started selling (at a discount) certificates
for dollars deliverable within 90 days. The first batch of $80 million must be redeemed in dollars beginning Feb.
1, the day after Quadros' inauguration. Time Magazine, loc. cit.
117
Kubitschek também projetou números fictícios para o orçamento do ano seguinte. A
TIME denomina como “imaginária” tal projeção. Dentro dessa perspectiva, a imagem que se
passa ao público leitor da revista é a de que o Brasil, pelo menos com o governo de Juscelino,
prosseguiu a linha do improviso, do jeitinho brasileiro.
O mais grotesco legado que Quadros recebe de Kubitschek é o orçamento para 1961,
apresentado na semana passada. Subestimando em demasia as despesas e
conjurando uma renda imaginária, a equipe de assistentes (mágicos) que preparam o
orçamento de Kubitschek, criaram um superávit fictício e estimado em 520 milhões
de cruzeiros. 414
Esse "excedente" durou apenas até o momento em que Congresso se
reuniu para considerar o assunto e acrescentar mais de 1.000 emendas (entre elas: os
deputados dobraram seus salários, votaram neles mesmos para o direito de terem
quatro viagens de ida e volta ao Rio por mês e com todas as despesas pagas). 415
Na
jovial administração que virá, Quadro terá que reduzir gradualmente o monstruoso
orçamento para baixo com medidas impopulares (...).416
O trecho acima encerra uma reportagem de cunho pessimista em relação futuro do
Brasil daquele momento, não havia nada de positivo a se esperar. O presidente Quadros já
estava eleito e dele as poucas referências advinham de suas administrações anteriores. Ao
longo de 1960, a revista TIME acompanhou a movimentação eleitoral no Brasil sem esconder
sua preocupação em relação aos dois principais candidatos que traziam consigo os espectros
do antiamericanismo.
A proposta de ultrapassar as fronteiras levando o Século Americano aos demais
países do mundo não se caracterizava apenas pela difusão de valores. Era necessária também
a penetração do capital, seja através da instalação de novas empresas (investimentos) ou pela
ajuda financeira (empréstimos). Tais ações, caso sofressem algum tipo de ameaça, deveriam
ser protegidas. A TIME, por meio de suas publicações realizou esse empreendimento.
Jânio Quadros foi um espectro muito observado. Suas ambiguidades e contradições
dificultavam não apenas as interpretações da TIME, mas de todos aqueles que o cercavam,
fossem inimigos dele ou não – Lacerda foi um exemplo disso. O slogan “Jânio vem aí” ainda
não havia concluído sua função, era necessária a posse do presidente e o efetivo exercício de
suas funções. A TIME estava segura do legado que Jânio herdaria, os infortúnios de Juscelino
seria debitados nos anos seguintes. As contas que deveriam ser pagas dependeriam de
414
Quadros' most grotesque legacy from Kubitschek is the outgoing President's 1961 budget, presented last
week. By vastly underestimating expenses and conjuring up imaginary income, Kubitschek's budget wizards
produced a fictitious surplus, estimated at 520 million cruzeiros. Time Magazine, loc. cit. 415
Even that "surplus" lasted only until Congress met to consider the matter and added more than 1,000
amendments (among them: deputies doubled their living allowances, voted themselves four all-expense round
trips to Rio every month). Time Magazine, loc. cit. 416
In the blithe realization that it will be Quadros who will have to whittle the monster budget down to
unpopular reality (…)Time Magazine, loc. cit.
118
recursos internos e, principalmente, externos. Kennedy, que também estava chegando, havia
prometido apoio. Do outro lado, estava a Nova Fronteira e nela Jânio Quadros. As reportagens
de 1960 tiveram uma preocupação teórica, abstrata e ansiosa com a figura de Jânio Quadros.
Durante os primeiro seis meses de 1961, a teoria e a expectativa geradas nos anos anteriores
pareceram se confirmar na prática, é o que veremos no próximo capítulo.
119
IMAGENS – CAPÍTULO 3
Imagem 01: Quadros & Lacerda (09-03-1959)
New look at a dirty old enemy.
Um novo olhar naquele velho e sujo inimigo.
Imagem 2: War Minister Lott (06-04-1959)
The conditions permitted him to go.
O atual momento lhe dá condições para prosseguir.
120
Imagem 3: Sukarno & Kubitschek at Brasília (01-06-1959)
“I feel like imitating you”
Me sinto igual a você.
Imagem 4: Quadros & Israel’s Bem-Gurion (17-08-1959)
Ticklers at every stop.
Cumprimentos em cada parada
121
Imagem 5: Candidate Lott (17-08-1959)
Medals on every stump.
Medalhas em cada braço
Imagem 6: Candidate Quadros (14-12-1959)
Derailed by a weight lifter.
Desabando sob o peso da fadiga
122
Imagem 7: Marshal Lott (21-12-1959)
An image of a fair, judicius man.
A imagem de um homem sensato e justo.
Imagem 8: Founder Julião with Peasant Leaguers (11-01-1960)
He walked 20 miles and took a left turn.
Ele andou 20 milhas e deu uma guinada à esquerda.
123
Imagem 9: Candidates Lott & Goulart (29-02-1960)
Old enough to vote.
Com idade suficiente para votar.
Imagem 10: Candidate Quadros (28-03-1960)
The addball ralled left.
Rajada de balas à esquerda.
124
Imagem 11: The Candidate Lott (28-03-1960)
The chilly one got hot.
O frio ficou quente.
Imagem 12: Candidate Lott’s Daughter (11-07-1960)
Yankee-baiting with a smile.
A que atormenta os Yankees com um sorriso.
125
Imagem 14: Commuting to Rio (25-07-1960)
Pendulares do Rio de Janeiro
With a pistol at the engineer’s head.
Com uma pistola na cabeça do engenheiro.
Imagem 15 – Goulart, Campos e Ferrari. (29-08-1960)
Everybody wants to play piggyback.
Todos querem jogar pelas costas.
126
Imagem 16 – Adhemar de Barros (12-09-1960)
“All I’ve got is the city treasury.”
"Tudo que eu tenho é o tesouro da cidade."
Imagem 17 – Candidate Lott (03-10-1960)
Catching chameleons.
Pegando camaleões.
127
Imagem 18 – Candidate Quadros
Brushing the dandruff.
Escovando a caspa.
Imagem 19 – (17-10-1960)
128
Imagem 20 – Vice President-elect Goulart
Humble pie in the sky
(Demonstrando humildade)
Imagem 21 – (19-12-1960)
129
CAPÍTULO 4
WHEREFORE ART THOU, JÂNIO?
O capítulo anterior investigou a construção do perfil de Jânio Quadros feita pela
revista. Ao final do ano de 1960, a TIME ainda não tinha definido um traço completo da
personalidade de Jânio – esforços não faltaram. Por outro lado, os primeiros sintomas de
preocupação surgiram devido às suspeitas daquilo que seria a sua política externa
independente. O desconforto em relação à amizade que Jânio começava com o bloco
socialista obrigava a revista a introduzir no corpo de suas matérias a necessidade de uma
vigilância redobrada. Neste caso, para a revista, os investimentos norte-americanos deveriam
ser racionalizados e, do mesmo modo, a necessidade de um diálogo com o presidente
brasileiro não ficou descartada.
O título deste capítulo encaminha duas abordagens. A primeira se pauta numa
questão de localização: Por que tu, Jânio? A revista publicou reportagens que cobriram o
desaparecimento estratégico de Jânio após a vitória - algo semelhante ao que já analisamos no
capítulo anterior, quando ele, após dar posse ao seu sucessor em São Paulo, embarcou para a
Europa numa estadia de seis meses. A segunda abordagem propõe-se a defender que a revista
não apenas executava uma busca espacial, mas uma busca pelo perfil exato dessa figura
controversa. Por que tu, Jânio? Quem seria a pessoa que se escondia por trás de um
personagem tão misterioso?
Neste capítulo, trabalharemos com as reportagens que cobriram os primeiros seis
meses do governo de Jânio. Até junho de 1961, não faltaram esforços para que a TIME
prosseguisse na construção desse personagem, de representá-lo ao seu modo – de acordo com
o delicado momento da Guerra Fria.
130
4.1 - ONDE ESTÁS TU, JÂNIO?
Logo após as entrevistas coletivas da vitória, Jânio partiu para a Europa com a sua
família. De início, foi para a Inglaterra, a fim de realizar um tratamento médico e depois
prosseguiu viagem ao lado do seu amigo, o empresário Roberto Selmi Dei. Entretanto, antes
de desembarcar, deixou seus assessores incumbidos de fazer um levantamento sigiloso sobre a
situação de cada órgão da administração pública. Com isso, desejava obter um conhecimento
da real situação do serviço público federal, pois queria saber em que ponto se encontrava a
administração.417
Tais viagens sempre ocorriam com um fundo estratégico, o objetivo de Jânio,
segundo Chaia, era o de “se afastar das pressões políticas para poder escolher livremente os
nomes que comporiam o ministério”.418
Jânio retornou no dia 20 de janeiro de 1961, onze dias
antes da posse.
Jânio Quadros foi o tema da primeira reportagem da TIME sobre o Brasil em 1961. O
assunto girou em torno do enigmático desaparecimento do candidato vencedor das últimas
eleições. O título da matéria foi bem sugestivo: Por que tu, Jânio? Nas reportagens anteriores,
em que Jânio foi assunto, a TIME destacou o perfil caricato, extrovertido e exótico daquele
que seria o presidente do mais importante país latino-americano. Seguindo as pistas do novo
presidente, a revista voltava a ironizar o perfil de Jânio, assim como o comportamento dos
eleitores brasileiros
"Jânio vem aí!", exclamava o slogan da campanha do presidente Quadros. Porém, na
última semana, os brasileiros se perguntavam se o slogan não poderia ser lido
melhor, por exemplo: "Lá se foi Jânio." Pouco depois de sua eleição em outubro
passado.419
O lead dá o tom de toda a matéria. Uma mistura de senso de responsabilidade e
desespero nacional chamaram a atenção da revista – tudo por causa da ausência do novo
presidente. Jânio viajou para realizar uma cirurgia no olho esquerdo. A atitude de Jânio
acabou sendo tratada como uma brincadeira de esconde-esconde. A TIME passou a especular
a vida privada do futuro presidente. Nas entrelinhas estava a ideia de que Jânio se
417
CHAIA, op. cit., p. 177. 418
Ibid., ibidem. 419
"Here Comes Jânio," cried the campaign slogan of President-elect Jânio Quadros. Last week Brazilians
wondered if the slogan might better read: "There Went Jânio." Time Magazine, Brazil: Wherefore Art Thou,
Jânio – 06-01-1961.
131
assemelhava a um herói que abandonou a pátria e arrogava-se de aguardar o clamor popular
de sua volta.
Pouco tempo depois das eleições de outubro, o presidente Quadros voou para a
Europa para uma operação a fim de corrigir os músculos danificados em seu olho
esquerdo. Com a operação concluída com êxito há algum tempo, Quadros continua
por lá - em algum lugar. O Presidente eleito da quinta maior nação do mundo vem
fazendo um jogo de esconde-esconde na Europa, e com a sua posse prevista para 31
de janeiro, a menos de um mês, o Brasil está clamando para que ele volte para
casa.420
A TIME ao introduzir a possibilidade de um “clamor popular” pela volta de Jânio,
propôs-se a sugerir que havia um senso de dependência e desamparo emanando do povo, a
pergunta que não queria calar era: onde estás tu, Jânio?
Quadros, no exterior, estaria jogando com as expectativas do povo para que, de
forma messiânica, finalmente retornasse ao país e ao povo que o elegeu de forma gloriosa?
Num futuro próximo ela arriscaria essa atitude. Mas, o momento parecia antever o que viria
pela frente em breve. Getúlio voltou nos braços do povo, Jânio estaria querendo retornar do
mesmo modo?
A reportagem persiste na ideia de que havia uma brincadeira de esconder. Seguindo o
rastro do presidente, a impressão que se passou foi a de um filme de espionagem. Jânio
conseguia driblar tanto a imprensa como as embaixadas dos países pelos quais passava.
Na Itália ou no Japão? O jogo começou em Londres, quando, depois de sua operação
em 22 de novembro, ele se hospedou em três hotéis de uma só vez, almoçou com o
primeiro-ministro Harold Macmillan, e mudou-se para Europa. Até mesmo os
jornalistas brasileiros que tentaram segui-lo perderam seu rastro. No início de
dezembro, seu passaporte diplomático foi rastreado através de uma linha aduaneira
em Barajas, no aeroporto de Madrid, mas ninguém parece ter visto. Ele foi
localizado em Roma pela embaixada do Brasil em Madrid e em Madri pela
embaixada brasileira em Roma.421
O limite entre a ficção e a realidade parecia dar a tônica desse jogo. A TIME comprou
a ideia do esconde-esconde, evitou, desse modo, uma interpretação mais racional. A imagem
420
Shortly after his election last October.Quadros flew off to Europe for an operation to correct damaged muscles
in his left eye. With the operation long since successfully completed, Quadros is still over there — somewhere.
The President elect of the world's fifth largest nation has been playing a game of hide-and-seek in Europe, and
with his Jan. 31 inauguration date less than a month away, Brazil is clamoring for him to come home. Time
Magazine, loc. cit. 421
In Italy or Japan? The game started in London, when after his operation on Nov. 22, he registered in three
hotels at once, stood up Prime Minister Harold Macmillan for lunch, and moved on to the Continent. Even
Brazilian newsmen trying to follow him lost the trail. Early in December, his diplomatic passport was checked
through a customs line at Madrid's Barajas Airport, but no one seems to have seen him. He was reported in
Rome by Brazil's Madrid embassy and in Madrid by the Rome embassy. Time Magazine, loc. cit.
132
de presidente que brincava de esconder era difundida pela revista. O fato de ter se registrado
em três hotéis, sugeria a existência de uma estratégia para driblar não apenas a imprensa, mas
qualquer um. Ao registrar que houve um rastreamento do passaporte de Jânio, a revista
acabou mesclando o seu jornalismo político com o método peculiar jornalismo investigativo.
O limite entre o público e o privado parecia não interessar a revista nesse caso.
Num formato cinematográfico, Jânio Quadros passou a ser visto como um
aventureiro, ou seja, um homem que, a sós, com a sua esposa, dirigia pela Europa sem a
necessidade de um motorista particular. O fato de ter tomado um Fiat de empréstimo
representou a ideia de que o presidente eleito do Brasil era um profundo conhecedor do
interior da Europa, em particular da Itália.
Finalmente, em tom suspeito, a reportagem pareceu descobrir o que Jânio estaria
fazendo ou tentando fazer no Velho Mundo. Ele iria visitar um velho amigo no final de
semana, ou seja, a próxima parada de Quadros era em Belgrado para um encontro com o
comunista Tito.
A França estava em seu caminho para a Suíça. Então, num Fiat emprestado em
Viena, ele pode ter dirigido até Veneza, onde ele teria se hospedado no Hotelâ Bauer
Grunwald como Renato Stafani. Em Milão, ele pode ter se hospedado no Grand
Hotel Duomo usando o nome de solteira de sua esposa, da Silva. Houve ainda
rumores de que ele teria visitado uma galeria de arte de Florença, de lá ele dirigiu
para Roma rumo a uma pequena vila onde morava um amigo não identificado (...)
No fim da semana, ele provavelmente dirigiu para Belgrado a fim de ver o Marechal
Tito.422
Ao passo em que realizava uma investigação, a TIME também construía uma
personalidade. O presidente eleito, e ainda não empossado, demonstrava através de pequenos
gestos, tais como dirigir sozinho com a esposa, que ele era uma figura independente. Era
desse modo que Jânio queria que o Brasil fosse em sua política exterior, que o país conduzisse
suas ações sem interferência dos EUA. Por fim, a TIME começava a deixar claro na
reportagem que já tinha conhecimento do flerte de Jânio com os socialistas da Europa.
Um grupo de pessoas não identificadas apareceu no corpo da matéria dando
informações não-oficiais, não mais sobre o paradeiro de Quadros, mas quais seriam as suas
futuras ideias em relação a administração do Brasil. Sem dar os nomes, a matéria sugeriu uma
espécie de comitiva informal que pudesse ter acompanhado o presidente até certa altura. As
422
France, on his way to Switzerland. Then, in a Fiat borrowed in Vienna, he may have driven to Venice, where
he reportedly registered at Hotelâ Bauer Grunwald as Renato Stafani. In Milan, he is supposed to have registered
at the Grand Hotel Duomo using his wife's maiden name of Silva. He was rumored to have visited a Florence art
gallery, from there reportedly drove on to Rome and an unidentified friend's villa (…) At week's end, he was
supposedly headed for Belgrade to see Marshal Tito. Time Magazine, loc. cit.
133
informações eram do mais claro interesse da revista. As relações com os países comunistas e
demais países do Oriente Médio deram o termômetro das expectativas. Ironicamente,
comunicaram que Quadros transmitia um abraço aos trabalhadores brasileiros e que, segundo
a revista, a retribuição não havia sido tão calorosa assim:
Jânio manteve pouco contato com o seu país. Um pequeno grupo de brasileiros que
estivera na Europa voltou com declarações não-oficiais. Disseram que "Quadros vai
seguir uma política independente nas relações internacionais", arriscou um
informante. "Ele vai tentar manter boas relações com todos os países que querem
fazer negócios conosco". Outros informaram que Quadros estava ansioso por um
comércio com a China comunista, que ele queria se encontrar com Nasser e Nehru
(...)423
Os informantes que aparecem no trecho acima eram pessoas que emitiam opiniões a
partir do Brasil, provavelmente políticos da oposição Era do conhecimento do Departamento
de Estado esse encontro. Tomas Mann manifestou apreensão diante desse fato, para ele
“ainda não havia indícios claros de que ele [Jânio] adotaria uma linha neutra em termos de
política internacional. Mann acreditava que Quadros iria procurar o auxílio financeiro
americano, calculado em torno de 200 a 300 milhões de dólares anuais, para que o Brasil
continuasse a apoiar os Estados Unidos na Guerra Fria. Era uma crítica a situação
orçamentária e do balanço de pagamentos deixados por Kubitschek.”424
No trecho seguinte ficou uma questão: por que a demora e a resistência em devolver
o abraço ao seu presidente? Estaria a TIME sugerindo a ideia de existir uma “carência afetiva”
por parte do povo? O mesmo povo que, inconformado, reclamava de verdade pelo retorno de
Jânio?.
(...) que ele não iria abandonar (como alguns temiam) o projeto de Brasília como a
nova capital; que ele estava estudando a administração da Europa; ele também
estava estudando os problemas brasileiros, e que iria voltar em meados de janeiro,
ele não retornaria no final de janeiro, que enviou um caloroso abraço a todos os
trabalhadores brasileiros”. Um país sem seu líder? Os brasileiros não foram tão
rápidos em devolver o abraço.425
O trecho abaixo apresentou um quadro social e político de apreensão. Mesmo sem ter
423
Jânio did manage to keep in hazy contact with his country. A chosen few Brazilians went to Europe and
returned bearing unofficial statements. "Quadros will follow an independent policy in international relations,"
ventured one such in formant. "He will try to maintain good relations with all countries that want to do business
with us." Others reported that Quadros was anxious to trade with Red China, that he wanted to meet with Nas ser
and Nehru, (…)Time Magazine, loc. cit. 424
BARBOSA, op cit, p. 101-102. 425
(…) that he was not (as some feared) going to scrap Brasilia as the capital, that he was studying the
administration of Europe, that he was studying Brazilian problems, that he would return in mid-January, that he
would not return until late January, that he sent a “warm to all Brazilian workers." Country Without a Man?
Brazilians were not quick to return the embrace. Time Magazine, loc. cit.
134
sentado-se ainda na poltrona presidencial, os problemas já estavam batendo à porta. Sem
poupar ironias, inclusive aquelas destacadas por outros meios, a TIME, citando o Jornal do
Brasil, disse que Quadros era o homem esperado pela Providência. Os políticos e empresários
estavam perplexos com a misteriosa viagem dele a Europa:
"Os políticos estão perplexos, as pessoas responsáveis estão confusas, os
trabalhadores estão inquietos e temerosos estão os funcionários - todos à espera do
homem ordenado pela Providência", disse o Jornal do Brasil. Além disso, os
produtores de cacau queriam mudar as políticas de exportação, os empresários do
ramo hoteleiro reclamam (sem citar nomes) que os brasileiros gastam mais em
hotéis estrangeiros do que em seu próprio país; os políticos de São Paulo queriam a
presença de Quadros para indicar um candidato a prefeito.426
Citando outro trecho do Jornal do Brasil, a revista destacou o temor de vários setores
com o retorno de Jânio. O povo queria a sua volta “gloriosa” o quanto antes, mas os políticos
e os funcionários públicos, não. Se Jânio era a encarnação da Providência Divina, seu retorno
representava o apocalipse dos políticos corruptos e dos maus funcionários públicos. A
varredura começaria em breve, Jânio em sua campanha não apenas projetou a esperança, mas
difundiu o medo.
Os dois setores, citados acima exprimiam as primeiras críticas à figura controversa
de Jânio, ou seja: os exportadores precisavam de uma ajuda cambial que desfavorecesse as
importações, do mesmo modo, os empresários do ramo de hotelaria se viam em apuros devido
ao mal exemplo do presidente, pois ele preferia ficar no exterior do que em seu pais! Onde
estava o grande ufanismo do candidato que ajudaram a eleger? A TIME utilizou uma lógica
que tornava Jânio ora excêntrico, ora enigmático. Seu poder político equivalia de fato a uma
intervenção divina, haja vista, que somente a sua presença era o bastante para indicar um
candidato a prefeito, principalmente se este fosse do seu reduto eleitoral.
O tom pessimista da revista não poupou a herança deixada por Juscelino. Inflação
galopante e uma dívida crescente seriam os primeiros problemas que Jânio teria pela frente já
no seu primeiro dia de trabalho como presidente:
Acima de tudo, ainda havia a caixa de Pandora que pressionava ainda mais os
problemas econômicos deixados pelo ex-Presidente Juscelino Kubitschek: um
pagamento de 80 milhões de dólares, devido à investidores privados em 1º de
fevereiro (primeiro dia de Jânio como presidente), uma inflação galopante, os
426
"Politicians are perplexed, responsible people are confused, workers are restless and officials fearful — all
waiting for the man ordained by Providence," said the Jornal do Brasil. Besides, cacao shippers wanted to
change export policies, hotelmen complained (naming no names) that Brazilians spend more in foreign hotels
than in their own, São Paulo politicians wanted Quadros to name a candidate for mayor. Time Magazine, loc. cit.
135
déficits crescentes no orçamento e comércio exterior.427
A caixa de Pandora, representada como um baú de problemas econômicos, foi uma
metáfora capaz de assustar os leitores desavisados. Segundo a mitologia, todos os problemas
do mundo começaram com a abertura da caixa. A ingenuidade não cabe nesse contexto, pois
era sabido por parte de todos os candidatos sobre os problemas que iriam herdar. Por outro
lado, para a TIME, o grande problema da caixa de Pandora estava relacionado aos
empréstimos fornecidos pelos investidores estrangeiros. A revista tinha conhecimento desses
números e, portanto, tinha conhecimento do conteúdo da caixinha.
Recorrendo novamente à imprensa local, a TIME destacou um trecho de uma
reportagem do Correio da Manhã ironizando a viagem de Quadros. O futuro presidente,
perdido em sua embriaguez, sequer teria noção de que encontraria os cofres públicos vazios
assim que chegasse ao poder
"Jânio Quadros não terá que ocupar-se com um tesouro de obras de arte, mas com
um tesouro vazio", comentou acidamente o jornal Correio da Manhã. "As pessoas
queriam o ex-governador de São Paulo, como presidente, não um diletante
florentino". O Brasil está ficando preocupado, ele não quer ser um país sem um
líder.428
Não seriam duas caixas de Pandora que Jânio estava por encontrar? A segunda
caixinha de surpresas não seria a ‘arca’ do Tesouro Nacional? Também vazia?!
A informação provinha do jornal Correio da Manhã e era referendada pela revista.
Informando sobre o inconformismo dos brasileiros diante de um presidente aventureiro, a
TIME sugeriu que o Brasil (em tom generalizante) precisava de um líder. Neste ponto ficou
notória a crítica da revista à postura e às atitudes de Jânio. Um presidente evasivo,
enigmático, de política exterior dúbia e messiânico não poderia cuidar de um país com
grandes problemas econômicos, políticos e sociais, muito menos gerir as contas públicas que
dependiam de recursos do exterior para serem saneadas.
427
Above all, there was the Pandora's box of pressing economic problems left by out going President Juscelino
Kubitschek: an $80 million payment due to private investors on Feb. 1 (Quadros' first full day as President),
rampant inflation, soaring deficits in the budget and foreign trade. Time Magazine, loc. cit. 428
"Jânio Quadros will not have to busy himself with an art treasury but with an empty treasury," commented
Correio da Manhã acidly. "The people wanted Sao Paulo's former governor as President, not a Florentine
dilettante." Brazil is getting worried; it does not want to be a country without a man. Time Magazine, loc. cit.
136
4.2 - JACK & JÂNIO
Além da TIME, o Departamento de Estado também investigava o perfil de Jânio.
Segundo Barbosa, o Departamento emitia juízos sobre a personalidade do político brasileiro,
Jânio “era possuidor de habilidades administrativas definidas e uma inteligência que beirava a
genialidade. (...) A instabilidade e a alegada imprevisibilidade de Quadros têm levado amigos
e inimigos a questionar sua sanidade. Em muitos de seus aparentes atos políticos erráticos,
entretanto, Quadros poderia ser descrito como ‘louco como uma raposa’(...)”429
A chegada de Kennedy à presidência foi bem diferente da chegada de Jânio.
Kennedy ganhou por pouca diferença, houve quase um empate técnico com Nixon. Jânio
obteve a maior e mais expressiva vitória eleitoral da história do Brasil até aquele momento.
Jânio Quadros nunca escondeu sua admiração por Abraham Lincoln, inclusive tinha uma foto
dele em seu gabinete no Palácio do Planalto que lhe fora presenteada por Nelson Rockefeller,
mas mostrava-se “arredio” em relação à Kennedy, disse ele uma vez: “Ainda não sei bem o
que ele quer. É uma figura controversa.”430
Pouco mais de dez dias após a posse, a TIME publicou uma curiosa reportagem cujo
título aproximava os nomes de Kennedy e Jânio. Seria uma comparação? Ou uma
provocação? Entre Jack e Jânio havia uma quase coincidência de idade. Os dois eram
católicos, jovens, tinham assumido quase que simultaneamente os mandatos presidenciais. No
lead da matéria, uma comparação gestual foi realizada: enquanto um apenas erguia a mão, o
outro se curvava para receber a faixa:
Onze dias após, John Kennedy, de 43 anos, levantar a mão direita na gelada
Washington, Jânio Quadros, de 44 anos, se curvou diante da faixa verde e amarela
do Brasil no gabinete presidencial da inacabada capital Brasília. A coincidência da
idade e do tempo, obviamente, atingiram Quadros. "As mudanças neste mês na
administração dos Estados Unidos e do Brasil", disse ele, "dão uma nova esperança
de cooperação hemisférica".431
Dentro da fala de Quadros, a TIME destacou a cooperação hemisférica embutida em
um tom de “esperança” - a esperança foi a única que permaneceu dentro da caixa de Pandora.
429
BARBOSA, loc. cit 430
BARBOSA, op cit., p. 99. 431
Eleven days after John Kennedy, 43, raised his right hand in snow-chilled Washington, Jânio Quadros, 44,
ducked his head through Brazil's green-and-yellow sash of presidential office in Brazil's unfinished new capital
of Brasilia. The coincidence of age and time obviously struck Quadros. "This month's changes of administration
in the United States and Brazil," he said, "give new hope of hemisphere-wide cooperation." Time Magazine:
Brasil: Jack & Jânio – 10-02-1961.
137
Neste ponto, arriscamos uma questão: não havia cooperação hemisférica? Segundo a matéria,
houve uma convocação, um apelo de salvação nacional que os dois jovens políticos iriam
executar.
Não menos surpreendente foi a semelhança dos pontos de vista, Quadros também,
obviamente, compreendeu o seu trabalho como o de um jovem convocado para
resolver uma grave crise nacional. Em seu discurso de posse, o novo chefe do Brasil
não escondeu a sua certeza de que a saída do presidente Juscelino Kubitschek trouxe
o Brasil à beira do colapso econômico. A nação enfrentou uma "terrível situação
financeira", disse Quadros. Apesar das grandes represas, estradas e fábricas, o
governo Kubitschek contribuiu para uma dívida externa de US$ 3,8 bilhões, sendo
que US$ 600 milhões se deram neste ano. 432
O destaque dado à crítica de Jânio ao governo anterior indicava a posição da revista
em relação a existência de uma forte corrupção no país. Não bastou que Juscelino construísse
“grandes represas”, “estradas” e “fábricas” no wilderness brasileiro, ou seja, Brasília. A
herança de US$ 3,8 bilhões era absurda para o contexto. Tratava-se de um valor exorbitante,
oriundo dos impostos pagos pelos contribuintes americanos para construção de inúteis
elefantes brancos.
O problema das contas públicas brasileiras estava na pauta do Departamento de
Estado. Tomas Mann, então Subsecretário para Assuntos latino-americanos, por meio de um
memorando confidencial, datado em 6 de dezembro de 1960, trocou informações com o
Secretário de Estado, J. Foster Dulles que havia “sugerido a assessores do presidente
brasileiro que fosse indicado um seu representante para analisar, com o Departamento de
Estado, os vários aspectos das reformas fiscal e monetária a serem adotados pelo novo
governo e as características da assistência norte-americana para os planos de estabilização
financeira do país”.433
Todavia, a proposta de Mann acabou não sendo aceita, mas no mesmo
documento havia impressões sobre a figura de Jânio Quadros, considerado por Mann como
“um enigma, embora reconhecendo seus méritos como governador de São Paulo.”434
A política externa já começava a incomodar a revista. As relações com o comunismo
apareceram com mais frequência nas reportagens. Nesse ponto, não havia convergência ou
similaridade com Kennedy
432
No less striking was the similarity of viewpoint, for Quadros also obviously viewed his job as that of a young
man called in to solve a grave national crisis. In his inaugural speech, Brazil's new chief made no bones about his
belief that outgoing President Juscelino Kubitschek had brought Brazil to the brink of economic collapse. The
nation faced a "terrible financial situation," said Quadros. For all the great dams, roads and factories,
Kubitschek's government had run the foreign debt to $3.8 billion, with $600 million due this year. Time
Magazine, loc. cit. 433
BARBOSA, op cit p. 101 434
Ibid., ibidem.
138
Em sua campanha, o candidato Quadros prometeu uma infinidade de coisas para
todos os eleitores, tanto de direita, de esquerda ou de centro. Agora os brasileiros
sabem o rumo que Quadros irá tomar na guerra fria. Nas relações exteriores,
Quadros denunciou o comunismo como "novo imperialismo". Ao mesmo tempo, ele
abriu os braços do Brasil, “sem prejuízo, para todas as nações do novo mundo, bem
como as comunidades antigas da Europa e na Ásia". O anúncio deixou margem de
manobra para o desejo - expresso por Quadros durante uma viagem pré-eleitoral a
Moscou – de manter relações com a Rússia a qual pôde ajudar na compra de 40
milhões de sacas de café em excesso do Brasil.435
As promessas estavam atreladas ao jogo político que unia todas as alas. Mas o rumo
de Jânio estaria claro? Denunciar o comunismo como ‘novo imperialismo’ seria uma forma de
agradar os EUA. Ora, abrir os braços às nações do leste é o mesmo que flertar e agradar os
comunistas. A revista notificou que Jânio, do mesmo modo como agiu na política eleitoral,
agradou e desagradou todos os lados, e portanto faria o mesmo com a política externa. O jogo
duplo de Jânio distanciava a compreensão de seu governo. As relações comerciais com a
URSS fizeram parte dos discursos de campanha.436
Na matéria anterior, publicada em 6 de janeiro de 1961, o retorno de Jânio era temido
por muitos, principalmente pelos funcionários públicos. Um fato irônico chamou a atenção da
revista que destacou a surpresa de Jânio em seu primeiro dia de trabalho: uma imensa fila de
mesas vazias!
Internamente, Quadros prometeu "impor a mais rigorosa moralidade em seu
governo." Ele compareceu ao prédio presidencial às 7:30 da manhã no primeiro dia
após sua posse só para se deparar como uma imensa fila de escrivaninhas vazias.
Furioso, friamente ordenou uma nova jornada de trabalho de dez horas, das sete
horas da manhã até às 20h com um intervalo de três horas. Naquela mesma noite, os
funcionários que voltavam para casa, ao entrarem no ônibus às 18h foram obrigados
a sair e voltar ao trabalho escoltados pelos guardas do palácio. Quadros também
ordenou uma investigação de corrupção em cinco agências federais (...)437
A ideia de ‘moralidade’ proposta por Jânio também pôde ser compreendida como
‘medida de força’. A forma como coordenou as ações punitivas também refletiam a
435
In his campaign, Candidate Quadros promised all things to all voters, right, left and center. Now Brazilians
wondered what tack he would take in the cold war. In foreign affairs, Quadros denounced Communism as "the
new imperialism." At the same time, he opened Brazil's arms "without prejudice, to all nations of the new world
as well as to the ancient communities of Europe and Asia." The announcement left leeway for the wish —
expressed by Quadros during a pre-election trip to Moscow — for relations with Russia that might help dispose
of Brazil's 40 million bags of surplus coffee. Time Magazine, loc. cit. 436
BARBOSA,op cit p. 100 437
Domestically, Quadros promised "to impose the most rigorous government morality." He appeared at the
presidential office building at 7:30 a.m. the day after inauguration only to find long lines of offices standing
empty. With cold anger he ordered a new ten-hour workday, from 7 a.m. to 8 p.m., with a three-hour break. That
very evening, homeward-bound functionaries, slipping into buses at 6 p.m., were ordered out and back to work
by palace guards. Quadros also ordered an investigation of corruption in five federal agencies (…).Time
Magazine, loc. cit.
139
capacidade psicológica que Jânio exercia sobre o funcionalismo público. Noticiar uma série
de mesas vazias significa mostrar ao seu leitor a falta de seriedade que tinham esses
trabalhadores para com o serviço público. Por outro lado, Jânio ao não exonerar, impunha
uma ditadura do relógio, utilizando a segurança local como instrumento de repressão aos
“funcionários fantasmas”.
140
4.3 – GIRANDO E NEGOCIANDO
As propostas de Jânio para estabelecer relações com os países do bloco socialista
durante sua campanha presidencial enquadravam-se num campo hipotético, senão teórico. Ao
assumir a presidência e entrar em exercício, a teoria tentava a todo o custo se transformar em
prática. Para a TIME, a política independente de Jânio parecia se basear em dois pontos. O
primeiro, numa independência na tomada de decisões no plano diplomático e comercial em
relação aos Estados Unidos. O segundo, derivado do primeiro, a aproximação significativa
com os países socialistas. Neste último ponto, havia um tripé: Cuba, URSS e China. O tema
cubano se relacionava diretamente a questão da autodeterminação dos povos, ponto
nevrálgico das contradições dos EUA. A relação com a URSS se pautava numa independência
tanto econômica como política. Por último, a China significava a mais frontal das ofensivas. A
defesa contumaz de sua admissão na ONU deixava Jânio cada vez mais “vermelho” nas
páginas da TIME. Ele próprio “esposava a tese de que a República Popular da China tornar-
se-ia, no limiar do ano 2000, a maior potência capitalista mundial, ultrapassando a posição de
liderança dos Estados Unidos. Sou o Marco Polo da política externa, dizia, pois abrirei a
China ao Brasil.”438
Em março de 1961, a política externa de Jânio já era do conhecimento da TIME, e
em relação a ela passou a se posicionar de forma crítica, irônica e, às vezes, severa. Jânio
passou ser tratado como um presidente que operava um jogo muito perigoso “jogava o leste
contra o oeste”. O anúncio de que apoiaria a admissão da China na ONU representou a
primeira cartada de Jânio. Isso significava que havia uma espécie de discordância com as
propostas norte-americanas.
Obviamente jogando o Leste contra o Oeste, o Presidente Jânio Quadros
dramaticamente anunciou na semana passada que na próxima Assembleia Geral da
ONU o Brasil vai votar a favor da admissão da China Vermelha.
Caracteristicamente, Jânio guardou sua carta na manga - caso realmente favoreça a
admissão de Pequim na ONU. Todavia, o seu aval no debate desse turbulento
assunto, acabou fazendo do Brasil o primeiro país do hemisfério, além da Cuba de
Fidel Castro, a sobrepor a política dos EUA em relação à China. Tendo contrapartida
do Brasil, a maior nação da América Latina, o movimento de Jânio pode tornar ainda
mais difícil para os Estados Unidos a sua maneira de manter as demais repúblicas na
linha.439
438
BARBOSA, op cit., p. 253 439
Obviously playing East against West, President Jânio Quadros dramatically announced last week that in the
next U.N. General Assembly, Brazil will vote in favor of debating the admission of Red China.
Characteristically, Jânio held back his hole card — whether he actually favors Peking's admission to the U.N.
But even his endorsement of debate on the stormy issue makes Brazil the first hemisphere country outside
Castro's Cuba to buck U.S. policy on China. Coming from Latin America's biggest nation Jânio's move might
141
O debate que se pautava sobre a admissão da China tinha como pano de fundo a
evidente emergência de uma segunda liderança latino-americana, Jânio, neste caso, se juntou
a Fidel. Sempre preocupada com a dimensão geográfica do Brasil, a TIME reconhecia o
tamanho do país e, de forma análoga, o tamanho dos problemas que poderia causar aos EUA,
principalmente no que dizia respeito a influência em relação ao restante do continente.
Naquele mês, Jânio passou a apoiar abertamente a inclusão na agenda da XVª
Assembleia-geral da ONU o debate acerca do credenciamento da República Popular da China,
“que há mais de dez anos estava sendo bloqueada pelos Estados Unidos e que a imprensa
americana considerou como mais uma prova do distanciamento do Brasil de sua política
ocidental tradicional.”440
A TIME sugeriu que, em protesto a um pequeno empréstimo feito ao Brasil –
entendido como uma esmola –, Jânio acabou revelando a sua posição em relação a China. Ao
modo de Jânio, sua recusa ao empréstimo tinha também como propósito dar publicidade
positiva a ele mesmo
O estratagema chinês de Jânio veio apenas cinco dias após o embaixador dos EUA,
John Moors Cabot ter repassado a oferta de créditos paliativos do presidente
Kennedy - aproximadamente US$ 100 milhões - para ajudar o Brasil durante este
momento de crise econômica. (...) Apesar da necessidade urgente de seu país, não
apenas Jânio recusou publicamente a oferta de Kennedy, como também passou a ter
relações diplomáticas com os governos de satélites como a Hungria, Romênia e
Bulgária e insinuando que ele está planejando fazer o mesmo com a União
Soviética.441
A retomada das negociações com os países da “cortina de ferro” corroboraram as
ideias propagadas pela TIME, as relações com a URSS foram tratadas como insinuantes, ou
seja, além de tudo, o governo Quadros era um governo provocador. Tais ações continuaram
intrigando a revista. A opinião de analistas de Washington e do Brasil (cujos nomes não foram
citados) indicava para uma interpretação de que tais ações não mereciam tanta atenção assim.
Entre os velhos observadores das ideias de Quadros, tanto em Washington como em
Brasília, as ações de Jânio produziram mais descaso do que alarme. As razões de
well make it more difficult for the U.S. to hold the other republics in line. Time Magazine: Brazil: Wheeling &
Dealing – 03-03-1961. 440
BARBOSA, loc. cit. 441
Jânio's China ploy came only five days after U.S. Ambassador John Moors Cabot had relayed President
Kennedy's offer of stopgap credits — reportedly $100 million — to help tide Brazil over its economic crisis. (…)
Despite his nation's urgent need, Jânio not only failed to acknowledge Kennedy's aid offer publicly, but went on
negotiating diplomatic ties with the satellite governments of Hungary, Rumania and Bulgaria and hinting that he
planned to do the same with the Soviet Union. Time Magazine, loc. cit.
142
Jânio, segundo o que acreditam os especialistas, são três: 1) um sincero desejo de
tornar o Brasil mais "independente" em nível internacional, 2) a convicção de que
para manter a confiança dos eleitores da esquerda ele precise demonstrar
neutralidade, 3 ) uma profunda suspeita de que mesmo nestes dias de "desinteresse"
pelos programas de ajuda externa (...) Praticamente é certeza que Jânio tire proveito
de algum resultado positivo desse seu flerte com os países do bloco comunista, fato
que favorecerá ainda mais os pedidos de ajuda à Kennedy para o Brasil.442
Não duvidando de algum fruto que pudesse ser gerado das relações com os países
socialistas, a TIME atribuía a essa estratégia algo muito ingênuo e desnecessário. Para a
revista, tais provocações, que tinham como pano de fundo, pedidos de ajuda econômica a
Kennedy revelavam uma ingenuidade ainda maior de Jânio, a menos que Kennedy
concordasse com elas.
Por outro lado, em maio de 1961, os chineses decidiram estreitar os laços com o
Brasil e enviaram uma missão comercial para visitar algumas das principais cidades
brasileiras, dentre elas São Paulo, Recife e Porto Alegre. A empresa comunista parecia
afrontar a capitalista no próprio território do capitalismo. Nada mais desconfortável para os
ideólogos do Século Americano. O interesse chinês com essa visita foi, num primeiro
momento, a indústria de couros – uma espécie de reconhecimento do território. Além do que
também estavam muito interessados “no potencial agrícola do Rio Grande do Sul, que em
pouco tempo se transformaria em grande produtor de soja.”443
442
Among veteran observers of the Quadros mind, both in Washington and Brasilia, Jânio's actions produced
more resigned shoulder shrugging than alarm. Jânio's motives, the experts believe, are threefold: 1) a sincere
desire to make Brazil more "independent" internationally, 2) the belief that to hold the allegiance of Brazil's left-
wing voters he must make a show of "neutralism," 3) a profound suspicion that even in these days of
"disinterested" foreign aid programs (…) Almost certainly Jânio hopes that at least an incidental result of his
diplomatic flirtation with Communist nations will be whopping increases in Kennedy's proposed aid to Brazil.
Time Magazine, loc. Cit. 443
BARBOSA, loc cit.
143
4.4 - DO INSULTO À INJÚRIA
Diante de uma proposta de política externa cada vez mais aguda e ‘ameaçadora’ aos
EUA, era necessário tomar algumas providências em relação ao novo governo do Brasil.
Como sempre, o diálogo era a primeira alternativa. Um nome surgiu nesse ínterim para tal
missão, o de Adolf Augustus Berle Jr.
Kennedy, durante sua campanha, havia formalizado um grupo-tarefa para tratar de
assuntos latino-americanos, todos eram funcionários do Departamento de Estado e eram
liderados pelo Embaixador Berle Jr. O grupo contava com nomes expressivos, tais como
Lincoln Gordon, da Harvard Business School, Tomas Mann, Secretário Assistente para
Assuntos Interamericanos, entre outros como Theodore Achilles, Arturo Gonzales Carrion e
William Bundy, do Departamento de Defesa.444
Aos 66 anos de idade, o ex-embaixador norte-americano no Brasil entre 1944 e 1945,
Berle retornava ao país no qual tinha estado pela última vez em 1956 para a cerimônia de
posse de Kubitschek. A visão política de Berle, segundo Barbosa (2007), “...ainda era baseada
em uma América Latina dócil e conformada com o alinhamento automático com os Estados
Unidos, no espírito da política da boa vizinhança de Franklin D. Rooselvelt, iniciada na
década de 1930 e que se alongara durante os anos 1950”.445
Ele não sabia que em 1961 “a
realidade e os personagens, entretanto, eram outros.”446
A imagem de Quadros como um presidente arrogante apareceu nas reportagens sobre
o Brasil em março de 1961. As propostas de ajuda eram oferecidas de forma generosa pelo
presidente Kennedy, no entanto Jânio desdenhava a ajuda ao mesmo tempo em que precisava
dela: “As propostas de Kennedy para ajudar a América Latina receberam do novo presidente
do Brasil, Jânio Quadros, um breve aceno”.447
Qual era o conteúdo da proposta da visita de Berle? O enviado de Kennedy tinha
como meta formal conhecer Jânio pessoalmente, além de “manifestar-lhe o interesse do seu
governo pelas diretrizes da política externa e pelos esforços de saneamento econômico
suscetíveis a aceitarem o apoio dos Estados Unidos.”448
Todavia, segundo Barbosa, outras
intenções estavam por trás da visita, uma delas era a política brasileira com Cuba, ou seja,
444
BARBOSA, op cit, p. 113 445
BARBOSA, op cit, p. 113 446
Ibid., ibidem. 447
Kennedy's Latin America troubleshooter, got a small hello from Brazil's new President Jânio Quadros. Time
Magazine, Brazil: Insult To Injury – 17-03-1961 448
BARBOSA, loc cit.
144
Berle “tencionava averiguar quais as possibilidades de modificá-la, à luz dos planos de
invasão programada para o início do mês de abril.”449
Era de suma importância convencer o
Brasil de sua participação “numa eventual força multinacional de paz para evitar a explosão
comunista na América Central.”450
Neste caso, tratava-se de uma visita muito delicada, sem
margem para muitas falhas, segundo Barbosa, “ensaiava-se diluir a responsabilidade norte-
americana nos planos de intervenção armada em Cuba com participação dos efetivos militares
de países da América Latina. Berle, evidentemente, tinha conhecimento do projeto de invasão
e de suas nefastas consequências se o mesmo viesse a falhar.”451
Se de um lado Jânio era visto
como “excêntrico”, “egocêntrico”, “messiânico”, “autoritário”, no caso da visita de Berle ao
Brasil, um novo adjetivo era somado à lista - e que para a revista se encaixava perfeitamente
na figura de Jânio -, o de mal-educado. O constrangimento gerou impactos até mesmo no
chanceler Afonso Arinos
Mas, de acordo com a história que vazou na semana passada por fontes
diplomáticas, ele foi ainda mais rude do que se esperava. Berle não foi capaz de
obter o apoio do Brasil para uma frente unida da América Latina contra a Cuba de
Castro. Ao final da inútil discussão, Berle estendeu a mão para dizer adeus. Quadros
se recusou a apertá-la. O chanceler Afonso Arinos não conseguiu esconder o ar
consternado, Quadros nitidamente virou as costas para o porta voz especial do
presidente dos EUA.452
Em torno desse constrangedor momento, houve rumores nos quais Jânio teria
“reagido com veemência às ideias de Berle, que Moors Cabot, ao sair do Gabinete
presidencial, visivelmente constrangido, confundiu-se e teria adentrado num armário,
pensando ser a porta de saída.”453
Segundo Barbosa:
“A Time Magazine chegou a publicar que lhe teria sido recusado um aperto de mão
no momento da despedida. Tais rumores foram prontamente desmentidos por porta-
vozes do Palácio do Planalto e do Itamaraty, sem alcançar os resultados desejados.
Pelo seu lado, Quadros afirmou que a reunião tinha sido cordial, seguindo regras da
cortesia internacional. “Repeli-o” – disse Jânio – “com polidez, mas com firmeza.”
Ao chegar em Nova York, Adolf Berle negou qualquer incidente, reforçando as
notas do Itamaraty e da embaixada americana sobre a entrevista. Ambos os governos
procuravam evitar que a vinda do enviado especial de Kennedy contribuísse para
449
Ibid., ibidem. 450
Ibid., ibidem. 451
Ibid., ibidem. 452
But, according to the story as leaked out last week by diplomatic sources, it was even ruder than that. Berle
was unable to get Brazil's backing for a united Latin American front against Castro's Cuba. As the futile talk
ended, Berle stuck out his hand to say goodbye. Quadros refused to shake it. Then, to the undisguised dismay of
Brazilian Foreign Minister Afonso Arinos, Quadros pointedly turned his back on the special envoy of the
President of the U.S. Time Magazine, loc. Cit. 453
BARBOSA, loc cit.
145
adensar as discordâncias já existentes no relacionamento dos dois países.”454
Na verdade, em meio ao protocolo da visita e das conversações entre as autoridades
presentes no encontro, coube a Berle a introdução do tema de Cuba e, segundo Barbosa
(2007), “a tentativa de vincular empréstimos financeiros dos Estados Unidos em troca de
abandono dos princípios de não-intervenção irritou o seu interlocutor, levando a um
constrangedor diálogo”.455
Os jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil reaparecem e
sempre em tom de crítica a Jânio, além de favoráveis às relações com os EUA. Esses jornais
serviram de suporte para outras reportagens e funcionaram como uma extensão da revista.
O saldo desse incidente se espalhou pelo Brasil fazendo surgir um coro de protestos.
O jornal carioca, Correio da Manhã, publicou: "A forma como Jânio Quadros
recebeu, ou melhor, destratou, o enviado especial do presidente Kennedy, merece
fortes críticas de todos os brasileiros." A crítica se espalhou pelo país e acabou
incluindo a precipitada ideia de neutralidade de Quadros nas últimas seis semanas
em que está no cargo. O Jornal do Brasil, um dos mais influentes defensores de
Jânio, publicou: “"Quadros, que em sua campanha salientou a impossibilidade de
ignorar a importância e a existência da China Vermelha, agora parece ignorar a
importância e a existência dos EUA. Qual é a sua ideia?’’456
Jânio havia concordado em alguns pontos com Berle, no entanto não admitiu nenhum
tipo de intervenção contra Fidel. Reconhecia que havia uma forte influência comunista no
regime cubano, mas não via motivo para uma intervenção político-militar naquele país. Por
fim, Jânio “admitiu que Brasil e Estados Unidos concordariam em discordar sobre Cuba,
expressão também utilizada na nota da embaixada americana sobre o encontro.”457
Após a audiência com Jânio, Berle ainda almoçou em Brasília em companhia do
Embaixador Cabot e de alguns funcionários da missão. Segundo Barbosa não restava dúvidas
de que a acolhida em Brasília havia deixado muito a desejar, além do que
“...a ausência de uma autoridade brasileira no embarque de Berle no Galeão para
Nova York reforçaria as insistentes versões que circulavam na imprensa local e
norte-americana sobre o suposto desentendimento pessoal entre Jânio e o enviado de
Washington, embora tal fato se devesse a uma inesperada mudança de horário do
454
Ibid., ibidem. 455
Ibid., p.120 456
As accounts of the incident spread across Brazil, a chorus of protest arose. Editorialized Rio's Correio da
Manhâ: "The way Jânio Quadros received, or rather dismissed, President Kennedy's special envoy deserves
sharp criticism from all Brazilians." The criticism spread to include the whole subject of Quadros' headlong rush
to "neutralism" during his six weeks in office. Wrote the influential Jornal do Brasil, heretofore one of Quadros'
staunchest supporters: "Quadros, who in his campaign stressed the impossibility of ignoring the importance and
existence of Red China, now appears to ignore the importance and existence of the U.S. What is the idea?" Time
Magazine, loc. Cit. 457
BARBOSA, op cit., p 120
146
Clipper da Pan-Am que o levaria de retorno a Nova York.”458
A política independente de Quadros representava para a TIME uma política favorável
ao diálogo e aproximação com os países socialistas. A revista não mencionou um discurso
sequer de Jânio favorável aos EUA. O persistente gesto de Jânio em favor da admissão da
China soou para a revista como uma forte provocação.
A ideia pareceu ser que Jânio foi teimoso em tentar alcançar uma posição totalmente
independente estando no meio do caminho entre os EUA e o bloco comunista, e não
permitindo contra-argumentos. 459
Um dia antes da chegada de Berle, foi publicada uma carta de Nikita Kruschev
“agradecendo as felicitações por mais um êxito espacial russo, e o primeiro ministro soviético
nela afirmava que o povo brasileiro pode contar, como outros da América Latina, com o
apoio da União Soviética na sua aspiração de se libertar da dependência estrangeira.”460
Concordar com Kruschev era reconhecer a incapacidade de se auto-organizar da
ONU que, segundo a TIME, Jânio também a considerava ‘inoperante’. A revista destacou ao
final da reportagem uma fala incômoda de Jânio, a de que somente através de um golpe de
Estado ele deixaria o poder.
No final da semana, ele anunciou que o Brasil poderia votar tanto pela admissão
Vermelha da China à Organização das Nações Unidas como pelo plano de Kruschev
para "reorganizar" a ONU que se encontro em completa inoperância. Quanto aos
rumores que tudo isso despertou entre alguns políticos e militares, Quadros jurou:
"Existem apenas duas maneiras de bloquear o meu curso: Me depôr ou me
assassinar.461
O perfil autocrático começava a dialogar com o autoritário, algo que para a TIME
remete à ditadura. A fala alude ao ato de Vargas, este que para a revista sempre foi um ditador.
Naquele momento um fato não passou despercebido pelos analistas e jornalistas, a visita do
Marechal Tito foi anunciada poucas horas após a partida de Berle, “atitude interpretada como
mais um gesto pouco amistoso com os Estados Unidos para balizar a independência do país
458
Ibid., p. 121 459
The idea seemed to be that Jânio was hell-bent to achieve a totally independent position halfway between the
U.S. and the Communist bloc, and would brook no argument. Time Magazine, loc. Cit. 460
BARBOSA, loc cit. 461
Late in the week, he announced that Brazil might well vote both for Red China's admission to the United
Nations and the Khrushchev plan to "reorganize" the U.N. into complete impotence. As for the rumbling all this
aroused among some politicians and military men, Quadros vowed, "There are only two ways to block my
course: to depose me or assassinate me." Time Magazine, loc. cit.
147
no seu relacionamento externo.”462
Um dia antes da chegada de Berle e sua missão ao Brasil,
Jânio Quadros concedia uma entrevista ao jornal cubano Prensa Latina revigorando seu apoio
à revolução castrista, ao mesmo tempo em que se negava a receber jornalistas americanos que
cobriam a chegada de Berle.463
462
BARBOSA, op cit., p. 122 463
Ibid., ibidem.
148
4.5 –A LINHA DE QUADROS
O reatamento das relações econômicas e políticas com a Rússia era uma das medidas
inovadoras de Jânio.464
A ruptura com os russos se deu no governo Dutra e, na sequência, o
Brasil seguia “servilmente a política americana da guerra fria.465
Nos anos posteriores
algumas tentativas de reaproximação ocorreram, mas de forma tímida, os motivos giravam em
torno da necessidade de o Brasil ampliar o seu mercado externo. Porém, o momento era de
caça às bruxas, o anticomunismo recrudescia e de nada adiantavam “os esforços das
esquerdas – PCB, PSB – e dos grupos nacionalistas. A situação se modificou radicalmente em
1961.”466
Em fevereiro de 1961, Jânio Quadros telegrafou para Kruschev:
“...igualmente estou convencido ser do mais alto interesse para a paz e prosperidade
mundiais o estreitamento das relações nos vários setores da atividade humana entre
o povo brasileiro e os povos da União Soviética.”467
O recado de Jânio estava dado. No final de março, uma reportagem sobre a sua
política exterior era publicada. A TIME retomava a investigação da complexa personalidade
de Jânio Quadros. O perfil complexo de Quadros foi visto de formas diferentes. A política de
Jânio era dúbia, evasiva, misteriosa.
Desde que o presidente Jânio Quadros assumiu o poder no Brasil há sete semanas,
ninguém exceto o próprio Quadros estava inteiramente certo sobre qual seria a
política externa do Brasil. Alguns dos compatriotas de Jânio Quadros o acusaram de
planejar entregar o Brasil ao grupo dos neutralistas; outros, apesar das negativas do
ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, pensaram que a maior ambição de
Jânio era simplesmente puxar um pouco para fora as penas da cauda da águia dos
EUA. Na semana passada, em seu primeiro discurso como chefe de Estado no
Congresso Nacional, Jânio procurou esclarecer as questões acima.468
A TIME reproduziu uma fala de Jânio que explicava de maneira conceitual a essência
464
CARONE, Edgard. A Republica Liberal. II. Evolução Política (1945 – 1964). Rio de Janeiro. Difel, 1985, p.
148 465
Ibid., ibidem. 466
Ibid., ibidem. 467
Correio de Manhã, 8 de fevereiro de 1961 468
Since President Jânio Quadros took power in Brazil seven weeks ago, no one save Quadros himself has been
entirely sure where Brazil's foreign policy was heading. Some of Quadros' countrymen accused him of planning
to deliver Brazil into the neutralist camp; others, despite denials from Foreign Minister Afonso Arinos, thought
Jânio's overriding ambition was simply to pull a few tail feathers out of the U.S. eagle. Last week, in his first
State of the Nation address to Brazil's Congress, Jânio sought to clear matters up. Time Magazine: Brazil: The
Quadros Line – 24-03-1961.
149
de sua política externa: ‘neutralidade’ é diferente de ‘independência’. Jânio não era neutro,
pois aludia a uma postura ‘indecisa’ e, portanto, alvo ou vítima de uma força inimiga. Jânio se
assumia como independente, ou seja, era responsável e senhor dos seus atos em nome do
Brasil.
Jânio negou que ele seja um neutralista. Disse ele: "Inspirado pelos ideais da
democracia, nascemos membros do mundo livre... a posição ideológica do Brasil é
ocidental e não vai mudar." 469
Por mais simples e bela que fosse a palavra ‘amizade’, ela não soava bem aos
ouvidos da TIME quando tal amizade dizia respeito aos comunistas. Jânio colocou o Brasil
como importante porta-voz na afirmação dessa amizade entre todos, mas principalmente, com
os comunistas
O que ele faz questão de esclarecer é que o Brasil é uma voz independente nos
assuntos mundiais e que aumentou sua amizade com as nações comunistas. "O
conflito Leste-Oeste", disse ele, "tende cada vez mais a limitar-se a atitudes
ideológicas. Temos fé na nossa, e nós não desejamos mal às pessoas que são
diferentes."470
Em abril de 1961, o ministro Afonso Arinos trazia a público duas propostas para a
política externa de reaproximação do Brasil com a URSS. A primeira era “procurar ampliar o
volume, o valor e as listas de produtos, no intercâmbio entre os dois países.”471
A segunda
ponto girava em torno do “interesse especial, ainda, pelo trigo, fertilizantes, metais, máquinas
e equipamentos.”472
A análise sobre a admiração de Jânio pelos comunistas era comprovada
para a revista através de adjetivos que o próprio Jânio atribuía aos soviéticos
A convivência, como Jânio a vê, significa que "o Brasil não pode ignorar a
realidade, vitalidade e dinamismo dos estados Soviéticos". Mais uma vez, ele
proclamou seu desejo de manter relações diplomáticas e comerciais com o bloco
comunista, e do mesmo modo mantém a sua intenção de voto nas Nações Unidas
para readmitir a delegação Comunista Húngara e debater a admissão da China
Vermelha. 473
469
Jânio denied that he is a neutralist. Said he: "Inspired by the ideals of democracy, we are born members of the
free world . . . Brazil's ideological position is Western and will not change." Time Magazine, loc. cit. 470
What he does favor, Jânio emphasized, is an independent Brazilian voice in world affairs and increased
friendship with Communist nations. "The East-West conflict," he said, "tends increasingly to restrict itself to
ideological attitudes. We have faith in ours, and we wish no ill to people who differ." Time Magazine, loc. cit. 471
ARINOS, Afonso. Planalto, p. 58 472
Ibid, p. 141 473
Coexistence, as Jânio sees it, means that "Brazil cannot ignore the reality, vitality and dynamism of the Soviet
states." Again he proclaimed his desire for diplomatic and trade relations with the Communist bloc and his
intention of voting in the U.N. to readmit the Hungarian Communist delegation and to debate Red China's
admission. Time Magazine, loc. cit.
150
Ao mencionar a amizade com os EUA, a TIME interpretou que Jânio era muito
cauteloso. Para a revista, tal cautela com a amizade estava mais próxima de um pedido de
ajuda do que a uma fértil relação entre amigos. De forma subliminar, a TIME atribuiu certo
cinismo à amizade de Jânio, pois ele preferia muito mais a ajuda (financeira) dos Estados
Unidos para sanear o legado de infortúnios de Juscelino do que um caloroso e verdadeiro
aperto de mãos.
Mas Jânio também teve o cuidado de acrescentar que "Esperamos colocar as nossas
relações com os nossos amigos tradicionais do norte em uma base bilateral fértil e
verdadeira. Esperamos dos EUA a compreensão e o apoio." A má notícia. A
esperança de Jânio Quadros de ganhar o apoio dos EUA repousa principalmente
sobre suas políticas domésticas. Ele herdou de seu extravagante antecessor,
Juscelino Kubitschek, um déficit orçamentário acumulado em $ 1 bilhão, as
perspectivas de um déficit de 700 milhões de dólares na balança de pagamentos e
uma inflação galopante.474
As medidas que Quadros iria tomar para sanear a economia do Brasil seriam bem
vistas pelo FMI, mas para a TIME – uma revista semanal representante do conservadorismo
americano -, o ato de Jânio projetar legislações para controlar a ação de multinacionais no
Brasil não era visto com bons olhos pelos EUA. Reforma agrária significava a possibilidade
de mobilização política no campo, aludindo à revolução pelo campesinato. Finalmente, o
envio de técnicos para negociar dívidas e pedir mais dinheiro era a forma de a revista expor
ainda mais o seu mal-estar por um governo que muito lhe já incomodava.
Quadros está perfeitamente consciente que o seu programa de austeridade
econômica provavelmente prejudique a sua popularidade política. Mas as reformas
que ele promete - legislação antitruste, a reforma agrária, uma reforma tributária
geral - deve manter o Brasil em uma boa situação tanto no exterior como em casa.
Na semana passada, quando o presidente Kennedy declarou que tais reformas podem
ser algumas das condições da ajuda dos EUA aos países latino-americanos, Quadros
mandou enviados especiais tanto para os EUA como para a Europa a fim de
encontrarem soluções para as dívidas antigas - e averiguar as possibilidades de
novos empréstimos .475
474
But Jânio was also careful to add that "We hope to place our relations with our traditional friends of the north
on a fertile and realistic bilateral basis. We hope for U.S. understanding and support." The Bad News. Quadros'
hope of winning U.S. support rests chiefly on his domestic policies. He inherited from his flamboyant
predecessor, Juscelino Kubitschek, a cumulative $1 billion budget deficit, prospects of a $700 million balance-
of-payments deficit, and rampant inflation. Time Magazine, loc. cit. 475
As Quadros is keenly aware, his economic austerity program is likely to jeopardize his political popularity.
But the reforms he promises — antitrust legislation, land reform, a general tax overhaul — should stand Brazil in
good stead abroad as well as at home. Last week, as President Kennedy declared such reforms to be one of the
conditions of U.S. aid to Latin American nations, Quadros sent special envoys to both the U.S. and Europe to
arrange stretch-outs of old debts — and to investigate the chances for new loans. Time Magazine, loc. cit.
151
Esses enviados eram Roberto Campos e Walther Moreira Salles, que passaremos a
tratar mais adiante.
152
4.6 – EUA APOSTA EM QUADROS
Nos Estados Unidos, diversos setores da economia e da política erguiam suas vozes
contra o governo de Jânio Quadros, a TIME era um deles. No entanto, apesar dessas
discordâncias, inclusive muitas delas advindas do próprio Departamento de Estado, o qual
propunha um “endurecimento com Jânio pelas suas atitudes desafiantes, havia uma
concordância entre a maioria dos assessores de Kennedy de que não se poderia deixar de
apoiar as medidas saneadoras do novo governo brasileiro, sob o risco de incorrer em grave
erro político.”476
Nesse sentido podemos dizer que havia a possibilidade de se apostar em
Quadros.
A TIME voltou a comparar Jânio e Kennedy em abril de 1961. De forma irônica
atribuiu a esta comparação uma espécie de esporte. O exercício consistia em ‘assistir’ e depois
‘comparar’. Apesar do olho republicano da revista, o papel de Kennedy era tão claro como o
de Jânio, ou seja, absorver a América Latina nos limites do seu programa de governo, as
Novas Fronteiras.
Um dos esportes mais intrigantes da América Latina nas últimas semanas foi assistir
aos Presidentes mais novos e mais jovens do Hemisfério Ocidental, presidindo as
duas nações mais populosas e como dimensionar um e o outro. O Presidente
Kennedy, estava claramente ansioso para encurralar a América Latina para dentro de
sua Nova Fronteira. 477
Ironizando Kennedy, a TIME também sugeriu que Jânio já tinha uma fronteira
traçada, englobando os próprios EUA! Por fim, a política independente, um dos alvos da
revista, parecia significar um distanciamento em relação aos EUA e uma real aproximação
com os comunistas.
O presidente do Brasil, Jânio Quadros, de 44 anos de idade, estava muito ansioso
para mapear sua própria Nova Fronteira – na qual a presença dos Estados Unidos
seria ainda maior. Embora declarando-se irrevogavelmente pró-ocidente, Quadros
distanciou-se bruscamente dos EUA em relação a China Vermelha na ONU, ele
também deixou de lado todos os convites para cooperar contra Fidel Castro, e flertou
476
BARBOSA, op cit, p. 123-124 477
One of Latin America's most intriguing spectator sports over the past weeks has been watching the Western
hemisphere's newest and youngest Presidents, presiding over its two most populous nations, as they size each
other up. President Kennedy, was plainly anxious to corral Latin American support for his New Frontier. jTime
Magazine: Brazil: U.S. Bet On Quadros – 14-04-1961.
153
com o bloco soviético.478
TIME se voltou, por um momento, para o presidente Kennedy. Com o título da
reportagem EUA aposta em Quadros, ela deu a atender que não concordava com essa aposta.
O impasse de Kennedy, segundo a revista, seria se os EUA consideravam Jânio Quadros
inimigo ou não. Até que ponto Kennedy poderia confiar na neutralidade de Jânio?
A questão era se Quadros podia ser considerado um adversário ou dar-lhe a chance,
apesar de toda sua neutralidade, de que ele estava do lado certo. 479
Naquele mês (abril de 1961), Jânio se encontrou com o secretário do Tesouro
americano, Clarence Douglas Dillon, que viajava para o Brasil para uma segunda reunião do
Conselho de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Dillon, juntamente
com MacNamara, eram os dois republicanos no gabinete de Kennedy, sendo que o primeiro
“tinha sido subsecretário de Estado de Eisenhower, o que lhe tinha proporcionado certa
vivência dos problemas latino-americanos.”480
Ao contrário do que acontecera com Berle,
Dillon foi muito bem recebido. O secretário “discorreu sobre a disposição americana em
ajudar nas negociações para a rolagem da dívida brasileira e que sua política corajosa de
estabilização monetária era admirada em Washington.”481
Nesse sentido, os Estados Unidos,
segundo o secretário, iriam se empenhar junto aos credores europeus para ajudar o Brasil.
Segundo Barbosa, os europeus consideravam importante conhecer a posição dos Estados
Unidos para tomá-la como referência em suas decisões.482
Kennedy optou por apostar em Quadros e, de acordo com a TIME, os EUA
depositariam novos recursos num país cujo presidente era dotado de uma grande
excentricidade. A revista não poupou adjetivos e mencionou que o empréstimo de Kennedy
foi, até aquele momento, o maior da história feito a uma nação latino-americana. Neste caso, a
crítica subjacente da revista se pautou na maior aposta que os EUA já fizeram no Brasil.
Talvez a revista ainda se perguntasse: por que naquele momento?
478
Brazil's Jânio Quadros, 44, was just as eager to map out his own new frontier — in which U.S. influence
would loom less large. While declaring himself irrevocably pro-West, Quadros veered sharply away from the
U.S. stand on Red China in the U.N., brushed aside all invitations to cooperate against Fidel Castro, and flirted
with the Soviet bloc. Time Magazine, loc. cit.. 479
The question was whether to regard Quadros as an adversary or to take a chance that, for all his neutralism,
Quadros was on the right side. Time Magazine, loc. cit.. 480
BARBOSA, op cit, p. 125 481
Ibid., p. 126 482
Ibid., ibidem.
154
Na semana passada, Kennedy fez a sua escolha: colocar seu dinheiro no novo líder
do Brasil. Na convicção de que Quadros, apesar de toda a sua excentricidade nos
assuntos externos, favorece um Brasil economicamente viável e, portanto, saudável,
Kennedy aprovou a participação dos EUA em um programa de ajuda internacional
para o Brasil, que classifica como o maior pacote de empréstimo de concessão
jamais dado a uma nação latino-americana. A soma em discussão: US$ 500
milhões, com mais ainda para vir. 483
A aposta, segundo a revista, era para ajudar na solução da dívida brasileira. A ida do
secretário Douglas Dillon ao Rio de Janeiro referendava a ajuda.
O único anúncio formal de Washington foi uma breve declaração do secretário do
Tesouro C. Douglas Dillon observando que o Brasil precisa de novos fundos para o
desenvolvimento e consolidar a sua esmagadora dívida. Esta semana, o secretário irá
ao Rio para uma reunião do conselho do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Com os planejadores brasileiros, ele vai começar a trabalhar os detalhes do
programa de ajuda.484
No trecho seguinte, a revista apresentou uma breve trégua a Jânio. Ao contrário de
Juscelino que, segundo a TIME, levou o Brasil à dívida e negava-se a aceitar propostas do
FMI, Jânio fez o caminho inverso, mesmo sofrendo ‘chiados’.
As despesas do Brasil, numa crescente espiral, sem uma considerável ajuda externa
desde 1959, se deram devido à recusa do presidente Juscelino Kubitschek em dar um
fim em suas agressivas despesas e de não aceitar as recomendações do Fundo
Monetário Internacional por austeridade deflacionária. Quadros está preparado para
aceitar os termos do FMI. Ele já introduziu reformas monetárias drásticas, as quais
tem como efeito a elevação dos preços através do fim dos subsídios às commodities
tais como pão (77%) e da gasolina (até 80%). Ele demitiu 35.000 funcionários do
governo, e reduziu em 30% o salário dos funcionários do alto escalão público. O
resultado foi um barulhento chiado ameaçando as determinações de Quadros para
estabilizar a economia.485
Para a TIME, a excentricidade era uma das grandes marcas de Jânio. O leitor da
483
Last week Kennedy made his choice: to put his money on the new man in Brazil. In the conviction that
Quadros, for all his eccentricity in foreign affairs, favors an economically sound and therefore healthy Brazil,
Kennedy approved U.S. participation in an international aid program for Brazil that ranks as the biggest loan-
grant package ever given a Latin American nation. The sum under discussion: $ 500 million, with more to come.
Time Magazine, loc. cit. 484
Washington's only formal announcement was a brief statement by Treasury Secretary C. Douglas Dillon
noting that Brazil needs new funds for development and to consolidate its crushing debt. This week the secretary
goes to Rio for a board meeting of the Inter-American Development Bank. With Brazilian planners, he will start
working out the details of the aid program. Time Magazine, loc. cit. 485
Brazil, its costs spiraling higher and higher, has been without substantial foreign aid since 1959, when ex-
President Juscelino Kubitschek refused to end his wild spending and to accept International Monetary Fund
recommendations of deflationary austerity. Quadros is prepared to accept IMF terms. He has already introduced
drastic currency reforms that have, in effect, raised prices by ending subsidies on the retail price of such
commodities as bread (up 77%) and gasoline (up 80%). He has fired 35,000 government employees, and slashed
the salaries of upper-rank government employees 30%. The result has been noisy grumbling that threatens
Quadros' determined drive to stabilize the economy. Time Magazine, loc. cit.
155
revista estava diante do presidente de um país importante e que, na frente de uma TV,
executava as mais incríveis encenações teatrais. Para a TIME, tudo isso era feito apenas para
não perder a admiração do povo ao mesmo tempo em que o fazia sofrer.
Naquela mesma noite, durante 100 minutos na televisão, Quadros usou toda sua
habilidade política para expor o seu ponto de vista. Ele gritou, sussurrou, sacudiu
seu cabelo. Enfatizando os pontos principais da sua a vitória eleitoral, a maior da
história do Brasil no ano passado - sua honestidade inquestionável - ele lembrou os
brasileiros que ele não tinha prometido milagres. "Eu prometi um governo honesto,
um governo justo, um governo forte, um governo de sacrifícios". 486
Qual seria o sentido de tratar a inflação como um vetor para a ditadura? Tal fato nos
parece antecipar 1964. Jânio Quadros, segundo a reportagem, executava essa possibilidade.
Ao mesmo tempo, não poupava o fato de que ditaduras não escolhem cor partidária ou
ideológica.
Ele prometeu reformas fiscais - um excessivo imposto sobre os lucros, uma lei
antitruste e limites para remessa de lucros de empresas estrangeiras. Mas ele
guardou o seu mais pesado ataque para o assunto da inflação que segundo ele “é a
razão pela qual muitas democracias desapareceram. Elas se tornaram ditaduras de
direita ou de esquerda, estados comunistas. Enquanto eu viver, isso não vai
acontecer com esta república, não comigo no governo’’.487
486
That same evening, for 100 minutes on television, Quadros used every trick in the Brazilian political book to
get his point across. He shouted, whispered, tossed his hair. Emphasizing one of the major points that won him
the greatest electoral majority in Brazilian history last year — his undoubted honesty — he reminded Brazilians
that he had not promised miracles. "I promised an honest government, a just government, a hard government, a
government of sacrifices." Time Magazine, loc. cit. 487
He promised reforms — an excess-profits tax, an antitrust law, limits on profit remittances of foreign
companies. But he saved his heaviest thunder for his theme that inflation is the reason "many democracies have
disappeared. They became dictatorships of the right or of the left, Communist states. As long as I live, that will
not happen to this republic, not with me in the government." Time Magazine, loc. cit.
156
4.7 – DECISÕES TEMPERAMENTAIS
Em junho de 1961, a Time publicou novas impressões sobre Quadros, e acrescentou
um dado inédito e irônico: “reformador de mentalidades econômicas”.
A confusa, e algumas vezes contraditória personalidade do presidente do Brasil,
Jânio Quadros, torna-se cada vez mais nítida a cada nova série de explosões que
ecoam a partir do Palácio do Planalto. Em uma explosiva decisão no executivo na
última semana, Quadros mostrou-se decidido a ser um reformador da mentalidade
econômica. Ele também provou ser impulsivo, melindroso, autocrático.488
Era essa a imagem de Jânio difundida para os leitores da TIME. Uma personalidade
que fundia confusão e contradição estava sendo evidenciada para a revista. A imagem de um
líder louco no hemisfério sul parecia se acentuar. Tratado como uma bomba, cujos ecos
chegavam a Brasília, seu temperamento variava de acordo com cada nova explosão. Para a
revista, bastava o assunto pesar no campo econômico para que a personalidade de Jânio
apresentasse novas formas. Impulsivo, messiânico e autocrático são características que para a
revista, não podiam pertencer a um líder democrático. A TIME não confiava e muito menos
acreditava na posição política de Jânio, tão propalada durante a campanha. Atribuir o perfil de
autocrático, confirma a nossa premissa.
O reformador da mentalidade econômica do Brasil em 1961, Sr. Jânio Quadros, era
visto como uma pessoa impiedosa para com o futuro. O governo de Juscelino era o da ficção,
já o de Quadros era o da realidade, aliás, uma realidade que expunha a demagogia, dali em
diante agiria sem misericórdia com os cálculos para o ano seguinte (1962).
Para separar a realidade da ficção de uma renda superestimada e controle de
despesas que aludiu um orçamento nacional sob o ex-presidente Juscelino
Kubitschek, Quadros emitiu seus impiedosos cálculos para o próximo ano. 489
A “herança maldita” era o déficit orçamentário deixado por Juscelino. Jânio, cujas
críticas ao governo anterior beiravam a redundância, lamentava ser herdeiro de Juscelino.
Nesse sentido, quais seriam as previsões futuras para um país endividado e dirigido por Jânio?
488
The confusing, sometimes contradictory personality of Brazil's Jânio Quadros becomes more sharply defined
with each new series of explosions echoing from Planalto Palace. In a burst of executive action last week,
Quadros showed himself to be a determined, conservative-minded economic reformer. He also proved himself
impulsive, thin-skinned, autocratic. Time Magazine, Brazil: Sharpening Definitions 02-06-1961. 489
To restore reality to the meaningless fiction of overstated income and understated outgo that passed for a
national budget under ex-President Juscelino Kubitschek, Quadros issued his own flinty figures for next year.
Time Magazine, loc. cit..
157
Somando-se os fundos necessários para apoiar a imensa burocracia e o programa de
obras públicas herdado de Kubitschek, Jânio Quadros previu um déficit de $ 513
milhões - tão grande, disse Quadros, que "um potencial déficit dessas proporções
nunca foi admitido por um chefe de estado."490
As relações com Goulart não deixaram de ser citadas pela revista. Quadros não
cancelou a investigação sobre Jango. Para a TIME o intuito era separar-se do vice. Neste
ponto, tal separação vai de encontro à personalidade independente e autossuficiente de Jânio
Quadros. A separação de Jango representava a possibilidade, ou até mesmo a confirmação da
autocracia mencionada pela revista.
Para separar-se de seu próprio vice-presidente, João ("Jango") Goulart, um
adversário político eleito por meio de um truque eleitoral que permite dividir a
votação, Quadros recusou-se a cancelar as investigações de corrupção, que têm
implicado Goulart em vários escândalos, ou para neutralizar os seus relatórios. Em
uma carta de protesto, Quadros escreveu: "Respondo que isso não está escrito em
termos adequados e não representa a verdade."491
Se por um lado Jânio se propunha a eliminar os obstáculos internos, que muito
atrapalhavam a sua administração, ao voltar-se contra as agências de notícias estrangeiras, a
TIME não deixaria de se posicionar.
No entanto, com tais reformas, muitos delas bem atrasadas, Quadros encaminhou ao
ministro da Justiça um pedindo de "investigação da conduta das agências de notícias
estrangeiras em funcionamento no nosso país, tendo em vista a divulgação por estas
agências de histórias sem fundamento de caráter sensacionalista ou alarmante”.
Ordenou "medidas enérgicas de repressão definitiva" caso as acusações sejam
verdadeiras. 492
O trecho acima demonstrou o quanto a TIME defendia a ideia de que havia de fato
um presidente autocrata no Brasil com vistas a uma possível ditadura. Coagir as agências
internacionais foi, para a TIME, um ato repressivo e inoportuno, o governo Jânio Quadros
estava atacando os órgãos de comunicação dos países para os quais ele era devedor.
490
Adding up the funds needed to support the immense bureaucracy and public works program inherited from
Kubitschek, Quadros predicted a deficit of $513 million — so great, said Quadros, that "a potential deficit of this
size has never before been confessed by a chief of state." Time Magazine, loc. cit.. 491
To separate himself from his own Vice President, Joāo ("Jango") Goulart, a political opponent elected by
means of an electoral quirk that permits ballot splitting, Quadros refused to call off corruption investigators, who
have implicated Goulart in several scandals, or to blunt their reports. On a protesting letter, Quadros scribbled:
"Return, for not being written in adequate terms and not representing the truth." Time Magazine, loc. cit.. 492
Yet, with such reforms, many of them long overdue, Quadros order to the Justice Minister calling for
"investigation of the conduct of foreign news agencies functioning in our country, in view of the dissemination
by these agencies of baseless stories of sensationalist or alarming character." The order called for "energetic
steps for definitive repression" if the charges were true. Time Magazine, loc. cit.
158
A revista destacou dois pontos de vista diferentes e do mesmo meio, um jornal
cubano e um brasileiro. Por questões óbvias, o jornal cubano de Fidel Castro dava total apoio
à atitude de Jânio, dessa forma, para a TIME, tal exemplo torna evidente não apenas a
simpatia de Castro pelo governo de Quadros, mas a real amizade que havia entre ambos.
A agência de notícias de Fidel Castro, a Prensa Latina, saudou a ordem. Mas o
independente Jornal do Brasil viu-o como uma clara ameaça à liberdade de
imprensa: "Se o presidente acha que ele vai censurar a imprensa, investigando tanto
a direita como a esquerda, silenciando jornais sem resistência, ele está muito
enganado."493
Fazendo frente ao Prensa Latina, o Jornal do Brasil, em uníssono com a TIME,
repudiou a atitude de Jânio. Apesar de a revista citar o Jornal do Brasil com frequência em
suas páginas, a revista atribui-lhe o ‘elogio’ de “independente” e praticamente finalizou a
matéria com uma indireta declaração de Guerra a Jânio, como ficou demonstrado no último
trecho.
493
Fidel Castro's news agency, Prensa Latina, cheered the order. But the independent Jornal do Brasil saw it as a
clear threat to a free press: "If the President thinks he is going to take the press by the throat, order investigations
right and left, silence newspapers without resistance, he is very much mistaken." Time Magazine, loc. cit.
159
4.8 - OLÁ, MAS NENHUMA AJUDA
O episódio da Baia dos Porcos obrigou os Estados Unidos, em especial o presidente
Kennedy, a rever toda a sua estratégia de vigilância sobre a América Latina. Houve a
necessidade de se enviar aos países da América do Sul outro tipo de emissário e foi na pessoa
do chefe da Delegação dos Estados Unidos na ONU, Adlei Ewing Stevenson, que Kennedy
atribuiu a missão de averiguar os ânimos latino-americanos e arrefecer pontos de vista
‘antiamericanos’. Stevenson era uma personalidade mundialmente conhecida e respeitada.
Tratava-se de um homem culto e moderado em suas atitudes e “equilibrado na análise dos
problemas continentais”, naquele momento, ele “receberia como tarefa auscultar dez governos
sobre o projeto da Aliança para o Progresso, ao longo da próxima reunião extraordinária do
Conselho Interamericano Econômico em Punta del Leste, em agosto.”494
Em junho de 1961, a TIME trouxe uma reportagem tratando das relações entre EUA
e América Latina e tendo como pano de fundo o antiamericanismo. Defendemos, em capítulos
anteriores, que sintomas, ou ações, de repulsa aos EUA significavam uma afronta ideológica
ao Século Americano, conhecido ideário da revista e de Henry Luce. No capítulo 2,
discorremos sobre duas visitas ocorridas por lideranças norte-americanas no hemisfério sul
cujos efeitos chamaram a atenção da revista, dentre eles, o mais agudo foi o ataque que Nixon
sofreu na Venezuela. Dois anos depois, nem mesmo o austero e simpático Eisenhower
escapou de protestos na Argentina.
O método que intercalava visitas (Boa Vizinhança?), averiguação e reconhecimento
de área parecia estar esgotado naquele contexto. Para além da fronteira estava o wilderness, a
constante necessidade por dominá-lo inquietava os ideólogos do Século Americano. Uma das
cartas que Kennedy ainda tinha na manga era a dos seus “homens de fronteira”, tais homens
tinham, além de outros países, o Brasil como foco:
Um após o outro, o Presidente Kennedy enviou seus Novos Homens da Fronteira
voando para o sul para testar o temperamento da opinião da América Latina,
particularmente no Brasil, onde o novo e enigmático Presidente Jânio Quadros e os
protetores de Castro podiam criar problemas para os EUA.495
Em 5 de junho de 1961, Stevenson partia rumo à América do Sul numa viagem que
494
BARBOSA, op cit, p. 201 495
One after another, President Kennedy has sent his New Frontiersmen winging south to test the temper of
Latin American opinion, particularly in Brazil, where new President Jánio Quadros' enigmatic ways and hands-
off-Castro attitude create problems for the U.S. Time Magazine: The Americas: Hello, But No Help, 23-06-1961.
160
tinha duração prevista para 18 dias e tinha no roteiro a seguinte ordem de visita: Brasil,
Venezuela, Uruguai e Argentina.
Havia uma guerra psicológica. Era necessário averiguar comportamentos,
sentimentos, “temperamentos”. Quadros já não era mais um enigma e, no Brasil, os
simpatizantes de Castro incomodavam os EUA, incomodavam TIME!
A vinda de Stevenson pode ser considerada como uma missão exploratória, “sem
qualquer proposta objetiva para apreciação das chancelarias; visto que, na realidade, o seu
escopo era avaliar a extensão do dano político causado pela tentativa de invasão de Cuba e as
possibilidades de recuperação a curto prazo da imagem de Kennedy e do governo norte-
americano.”496
Para TIME, o temperamento do presidente Quadros não parava de chamar a atenção
dos EUA. Quadros sempre alterava sua voz quando o assunto a ser tratado era Cuba. Seu
temperamento foi testado duas vezes no primeiro semestre (com Berle e com Dillon) e foi o
suficiente para provar a sua hostilidade, a sua ‘falta de educação’ e, por fim, a sua arrogância
e ingratidão:
Em março passado, o chefe da força-tarefa para a América Latina, Adolf A. Berle,
se deparou com uma recepção tão gélida que beirava à hostilidade. Há dois meses, o
secretário do Tesouro C. Douglas Dillon, no Brasil, ofereceu a Jânio Quadros uma
ajuda de quase US $ 1 bilhão, tendo como resposta algo pouco maior do que um
simples “olá”, além de ter sido empurrado de dentro para fora do Palácio do Planalto
de Brasília, por meio da garagem subterrânea.497
Se não fosse cômico, seria trágico. Um embaixador mal recebido alude à
possibilidade de uma nota de reparo. Um Secretário do Tesouro sendo desprezado como se a
sua ajuda não fosse necessária e quase sendo “empurrado para fora”, escadarias abaixo,
ofereciam, no mínimo, condições para um impasse diplomático. Todas essas situações, em
tom teatral, fundiam o real e o fictício para o leitor da revista.
O Itamaraty aceitou receber a missão de Stevenson, mas alertou de antemão que
considerava a Operação Pan-americana “um instrumento válido nas relações intra-americanas
e Stevenson deveria ter tal propósito em mente nas entrevistas com os presidentes latino-
americanos.”498
Segundo a TIME, Adlai Stevenson desfrutou de certo prestígio junto aos brasileiros
496
BARBOSA, op cit. Idem 497
Last March, Latin America Task Force Chief Adolf A. Berle met an icy reserve that bordered on hostility.
Two months ago, Treasury Secretary C. Douglas Dillon, in Brazil to present Quadros with aid of nearly $1
billion, got a somewhat bigger hello, but was still hustled in and out of Brasilia's Planalto Palace via the
underground garage. Time Magazine, loc. cit. 498
BARBOSA, op cit, p. 202
161
e, ao contrário de outras autoridades americanas, ele foi bem recebido. A revista apresentou os
motivos da sua visita à América Latina:
Na semana passada, o embaixador da ONU, Adlai Stevenson, por quem os latino-
americanos têm um grande respeito, recebeu a mais calorosa recepção no Brasil até
agora. Em uma turnê pelas 10 nações para discutir a Aliança para o Progresso de
Kennedy – e, incidentalmente, para ver se alguém tinha mudado de ideia sobre a
ação conjunta com Castro – ele encontrou expressões de amizade e conversas
entusiasmadas a respeito do desenvolvimento. Mas ainda nenhuma oferta para
Castro.499
Novamente, o Brasil não deu ouvidos às propostas para isolar Castro. Do mesmo
modo, a simples confirmação de amizade entre as nações não oferecia peso algum, sugeria
apenas que a proposta e o conceito de amizade são meros instrumentos. Havia a necessidade
de se ajustar meios e fins. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, Stevenson foi recebido por
Afonso Arinos que durante o almoço enfatizou diplomaticamente “a fidelidade do governo e
da imensa maioria do povo deste país à tradicional e sincera amizade do Brasil para com os
Estados Unidos e à nossa inquebrantável solidariedade para com os ideais que unem a
América.”500
Arinos informou Stevenson de que a política externa brasileira não estava em
contradição com a sua política interna, na verdade, elas eram complementares. O encontro
com Arinos fazia parte de uma estratégia para antecipar os principais pontos que seriam
discutidos na reunião com Quadros. O encontro entre as duas autoridades, Quadros-
-Stevenson, era uma “temida incógnita”501
. Havia uma grande preocupação, de ambas as
partes, para que ‘incidentes’ tais como os que aconteceram com Berle não se repetissem. No
entanto, o contexto parecia favorável às discussões diplomáticas. Segundo Barbosa, Jânio se
mostrou mais tranquilo com os resultados da negociação e dos compromissos financeiros
internacionais.502
Os motivos desse ‘bem-estar’ podiam ser identificados nas “perspectivas
positivas criadas pela Aliança para o Progresso e que colaboravam para um ambiente mais
desnuviado (...)”503
O encontro foi registrado na matéria. Porém, a postura de Quadros
permanecia inalterada:
Quadros se sentiu muito a vontade, muito mais do que com qualquer outro
diplomata dos EUA. Ele conversou com o "seu caro amigo" Stevenson por duas
499
Last week U.N. Ambassador Adlai Stevenson, for whom Latin Americans have a great regard, got the
warmest welcome in Brazil yet. On a ten-nation tour to discuss Kennedy's Alliance for Progress — and
incidentally to see if anyone had changed his mind about joint action on Castro — he found expressions of
friendship and enthusiastic talk about development. But it was still no sale on Castro. Time Magazine, loc. cit. 500
BARBOSA, op cit, p 203 501
Ibid., p 205 502
Ibid., p 205 503
Ibid., ibidem.
162
horas, disse à imprensa: "Acredito firmemente que as relações entre esta democracia
e a grande democracia da América do Norte se tornará constantemente mais e mais
estreita" Sobre Castro, a quem Stevenson diplomaticamente se esqueceu de trazer à
tona, Quadros simplesmente reiterou sua posição anterior: o ditador era um
problema para Cuba resolver, e não para os EUA ou para o hemisfério.504
A fala de Jânio denunciava uma contradição histórica e política, que TIME parecia
fazer vistas grossas. Dizer que os assuntos cubanos deviam ser tratados pelos próprios
cubanos serviam para retomar o argumento da autodeterminação dos povos, da América para
os americanos. TIME, a todo o momento, parece se esquecer desse ideário.
Ao final do encontro da missão com as autoridades brasileiras, Stevenson assegurava
que os EUA não alimentavam nenhuma intenção de intervir em Cuba.
Os Estados Unidos aceitariam uma mediação para reintegrar a família continental?
Em resposta a Arinos, Stevenson “respondeu afirmativamente, desde que Havana se afastasse
da União Soviética e da China, condição requerida para que se restabelecesse o diálogo com
Washington.”505
Depois do Brasil, nos demais países da escala, os espectros antiamericanos pareciam
aguardá-lo. A presença do Frontierman foi quase um flashback de Nixon em 1958.
A mensagem – de não intervenção – foi a mesma em todos os lugares que Stevenson
passou. Ele não precisa ir longe para buscar razões. Na Venezuela, na semana
passada, os comunistas e castristas, que ameaçam todos os governos do hemisfério
democrático, queimaram o carro do embaixador dos EUA, Teodoro Moscoso. 506
No
Chile, onde a fome gera as mesmas ligas “vermelhas” camponesas que já
empesteiam o Brasil, manifestantes quebraram janelas em protesto contra a visita de
Stevenson. Na infeliz Bolívia, ele assistiu a uma disputa permanente entre o governo
e os mineiros de estanho, que terminou com cinco mortos. E, no Peru, os estudantes
de esquerda que haviam declarado Stevenson como persona non grata foram
dispersados pela polícia com gás lacrimogêneo.507
Sua presença foi contestada em Lima, La Paz e Montevidéu, segundo Barbosa, houve
“ruidosas manifestações de rua, lembrando as agitações que em 1958 marcaram a passagem
de Nixon pelo continente. Mas essas agitações, na maioria de origem estudantil, refletiam da
504
Brazil's aloof Quadros unbent farther than he has for any other U.S. diplomat. He chatted with "my dear
friend" Stevenson for two hours, told the press: "I firmly believe that relations between this democracy and the
great democracy of North America will become constantly closer and more intimate." On Castro, whom
Stevenson tactfully refrained from bringing up first, Quadros simply reiterated his previous stand: the dictator
was a problem for Cuba, not the U.S. or the hemisphere, to solve. Time Magazine, loc. cit.. 505
Barbosa, loc cit. 506
The message — nonintervention — was the same most everywhere Stevenson went. He did not have far to
look for reasons. In Venezuela last week, the Communists and Castroites, who threaten every hemispheric
democratic government, burned U.S. Ambassador Teodoro Moscoso's car. Time Magazine, loc. cit. 507
In Chile, where famine breeds the same Red-led peasant leagues that already plague Brazil, rioters smashed
windows to protest Stevenson's visit. In hapless Bolivia, he witnessed a continuing feud between the government
and tin miners that ended in five dead. And in Peru, leftist students who had declared Stevenson persona non
grata were dispersed by police with tear gas. Time Magazine, loc. cit.
163
mesma forma o clima de insatisfação com a política norte-americana.”508
Em Buenos Aires,
os manifestantes protestaram contra Stevenson, este acabou ouvindo de Frondizi que “os
Estados Unidos estavam sobestimando o poder de influência de Fidel em detrimento de outros
pontos da agenda interamericana de maior relevo para o hemisfério.”509
O perfil contraditório de 1960 deu espaço gradual ao perfil perigoso de 1961.
Enquanto foi candidato, Jânio soube confundir as expectativas da revista em relação a sua
política externa. No entanto, durante o primeiro semestre de 1961 e com o poder em mãos,
Jânio explicitava sua política independente. Os desgastes com a UDN foram marcantes, ao
ponto de promover o distanciamento claro entre o candidato e o partido. Por meio de suas
reportagens sobre Jânio, a revista compreendia que a política externa independente era
análoga a aproximação com o bloco socialista. Tal política não favorecia o dialogo amistoso
com os Estados Unidos. As contradições estavam vencidas e a TIME, finalmente, tinha o
perfil definitivo de Quadros.
Era necessário naquele momento realizar uma biografia não-oficial de Jânio. Foi o
que a revista fez em sua próxima publicação e que analisaremos no capítulo 5.
508
BARBOSA, op cit., p. 209 509
Ibid., ibidem.
164
IMAGENS – CAPÍTULO 4
Imagem 22 – President-elect Quadros (06-01-1961)
Over there – somewhere.
Lá - em algum lugar.
Imagem 23 – Quadros debarking in Santos (03-02-1961)
About to pull himself out of a hat?
Praticamente tirando a si mesmo da cartola
165
Imagem 24 – Jânio Quadros (Center wearing sash) taking over as President of Brazil? (10-02-1961)
Winning with faults, governing with qualities?
Ganhando com falhas, governando com qualidades?
Imagem 25 – President Quadros (17-02-1961)
Small spread in the palace.
Pequena propaganda no palácio.
166
Imagem 26 – Brazil’s Quadros & U.S. Ambassador Cabot (03-03-1961)
What fidelity didn’t get, angling might.
O que a fidelidade não conseguiu, um outro ponto de vista pode.
Imagem 27 – Task Force Chief Berle at Rio Luncheon (10-03-1961)
Respect, affection – and limitations.
Respeito, carinho - e limitações.
167
Imagem 28
168
Imagem 29
169
Imagem 30 – U.S. Spokesman Dillon (10-03-1961)
$500 million, with more to come.
$ 500 milhões, e ainda mais por vir.
Imagem 31 – Niemeyer’s Cathedral in Brasília (06-05-1961)
The frontier days were ending.
Os dias como fronteira estavam terminando.
170
Imagem 32 – Belém-Brasília Highway (12-05-1961)
Underneath: “a blanket of rotteness.”
Embaixo: "um manto de podridão."
Imagem 33 – Navy Minister Heck, War Minister Denys, Admiral Penna Botto, Air Minister Moss. (12-05-1961)
Presidential mutes for the sounding brass.
Silêncio presidencial diante do alarme
171
Imagem 34 – Quadros & Goulart (02-06-1961)
Quite for the quirk.
Muitas peculiaridades
Imagem 35 – Quadros at Press Conference. (09-06-1961)
Stopped by notorius modesty.
Imóvel diante de uma notória modestia.
172
Imagem 36 – Ex-Diplomat Leitão da Cunha (16-06-1961)
Nobody speaks for Jânio.
Ninguém fala por Jânio.
Imagem 37 – Stevenson & Quadros (23-06-1961)
How much were friends willing to do for a friend?
Quanto que os amigos estão dispostos a fazer pelos amigos?
173
CAPÍTULO 5
ONE MAN'S CUP OF COFFEE
5.1 – ONE MAN’S CUP OF COFFEE
TIME, em sua edição de 30 de junho de 1961, trouxe Jânio em sua matéria de capa.
O próprio Jânio se recusou meses antes em conceder entrevistas ou posar para a essa revista.
Sua capa foi encomendada a Candido Portinari. Nela encontramos a figura de um homem
magro, sisudo, sério, com topete e olhar fixo. O terno está ‘meio’ surrado, mas pode estar
‘meio’ arrumado. O fundo que lhe aparece às costas na capa estava dotado de pouca luz,
sugeria um anoitecer, nublado ao fundo e com a constelação do Cruzeiro do Sul, lembrando a
condecoração de Che Guevara. O céu negro, no qual adentrava sua cabeça, poderia significar
o obscurantismo de suas ideias, de suas intenções, de suas propostas. O mar é vermelho, da
cor do comunismo com o qual Jânio flertava, ao mesmo tempo em que pode aludir à cor do
sangue. O horizonte mescla o verde e o amarelo com o nascer do sol (ou o pôr do sol!),
esperança?
Neste capítulo analisaremos essa reportagem que congrega o maior esforço em saber
“Quem é Jânio?”, “Onde está Jânio?” ou “Para onde vai Jânio?”. Seja quem fosse, onde
174
estivesse e para onde se dirigisse, os interesses americanos estariam à sua espreita. Jânio era
um espectro antiamericano, Antisséculo Americano. A maioria dos elementos que iremos
encontrar nessa reportagem foram debatidos nos capítulos anteriores. Não iremos realizar um
debate bibliográfico com os trechos, pois a maioria dos argumentos já foi tratada. No intuito
de contribuir com pesquisas futuras, realizaremos uma tradução comentada dessa reportagem.
O subtítulos que aparecem neste capítulo correspondem aos mesmos que foram utilizados no
corpo da própria reportagem e resumem o assunto.
5.1.1 – O LEAD INTRODUTÓRIO
O lead desta reportagem expõe de forma clara a preocupação da revista em torno dos
efeitos pós-Baía dos Porcos. Os líderes latino-americanos estavam em choque com a “vitória”
de Castro. Algo parecia ter mudado no hemisfério. Cuba parecia ter aumentado de tamanho.
As ligações entre Cuba e a URSS eram a grande preocupação da TIME.
No início da semana, passada após uma turnê por dez nações da América Latina, o
enviado presidencial, Adlai Stevenson, foi o portador de notícias preocupantes. Os
líderes de governos democráticos da América Latina ainda estavam em um estado de
"choque mental" sobre o desastre de Cuba; o prestígio dos EUA estava em declínio
acentuado. 510
Embora todos reconhecessem o perigo do comunista Fidel Castro, em
Cuba, o barbudo ditador agigantou-se por todo o Caribe e agora ninguém está
disposto a juntar-se numa forte ação contra ele. A única esperança imediata,
informou Stevenson, que estava num aeroplano rumo à Colombia, seria fazer Castro
renunciar à sua ligação com a Rússia. Se ele se recusar, a Organização dos Estados
Americanos poderá riscá-lo da família de nações do hemisfério.511
Quais seriam os aliados dos Estados Unidos? Quais seriam seus adversários numa
eventual polarização? Quadros apareceu, finalmente, como a grande interrogação.
A Venezuela provavelmente se juntaria a um movimento Anticastro. Na América
Central, Guatemala, Nicarágua e Honduras também não teriam problemas.
Argentina e Peru provavelmente também poderiam somar. 512
Mas a enorme nação,
o cada vez mais poderoso Brasil – o Brasil de Jânio Quadros – era, mais do que
nunca, um grande ponto de interrogação. Para o presidente Quadros, de 44 anos de
510
Home last week after a ten-nation tour of Latin America, Presidential Envoy Adlai Stevenson was the bearer
of uneasy tidings. The leaders of Latin America's democratic governments were still in a state of "mental shock"
over the Cuban disaster; U.S. prestige was in sharp decline. Time Magazine, loc cit. 511
Though everyone recognized the danger of Castro's Communist Cuba, the bearded dictator loomed so large
across the Caribbean that no one was willing to join in strong, concerted action against him. The one immediate
hope, reported Stevenson, was a mild plan, advanced by Colombia, for a call to Castro to renounce his ties to
Soviet Russia. If he refuses, the Organization of American States might then read him out of the hemisphere's
family of nations. Time Magazine, loc cit. 512
Venezuela would probably join an anti-Castro move. In Central America, Guatemala, Nicaragua and
Honduras would prove no problem. Argentina and Peru most likely could be counted on. Time Magazine, loc cit.
175
idade, e depois do agitado período de cinco meses no cargo, ele provou que não é
amigo de ninguém, exceto, talvez, do Brasil.513
5.1.2 - Rebelião invencível
Independência externa agressiva
Ao mencionar que Jânio havia “surgido do nada”, podemos retomar a ideia de
Skidmore, ou seja, que Jânio era um corpo estranho que despertara para a política brasileira e
para o mundo em um curto período. Para a revista, Jânio operava por meio de gestos e outras
atitudes temperamentais. A revista, ao longo de todas as reportagens, nunca deixou de
apresentar um novo traço à personalidade de Jânio. Para TIME, esse brasileiro queria
desenvolver seu país superando o complexo de inferioridade que ele mesmo acreditava existir
em nós:
Surgido do nada e tomando o poder por meio da maior votação popular da história,
Jânio Quadros estourou no mundo como o próprio Brasil – temperamental, eriçado
de independência, explodindo de ambição, assombrado pela pobreza, lutando para
aprender e ávido de grandeza. 514
Quadros, aos gritos, diz que o Brasil é uma grande
potência, se não for hoje, então será amanhã. Ele diz em voz alta que está liderando
uma revolução, uma revolta contra a ineficiência governamental, contra o atraso
econômico e social, contra o incômodo sentimento de inferioridade dos latino-
americanos perante ao mundo. 515
"Essa rebelião é invencível", diz Quadros. "É um
estado de espírito, um espírito coletivo, um fato da vida que já encheu a consciência
da nação e que ninguém irá comprometer ou paralisar – Eu não vou ser interrompido
a não ser por assassinato.”516
Perfil analisado
Novos traços da personalidade de Jânio apareceram nesta matéria, do mesmo modo,
características também lhe foram atribuídas pelos seus críticos, dentre eles, Lacerda.
Ouvindo o homem e assistindo às suas travessuras, alguns ao redor do mundo
deram-lhe uma espalhafatosa framboesa. O Paris' tart-tongued France-Soir compara-
513
But the huge, increasingly powerful nation of Brazil — the Brazil of Janio Quadros — was a bigger question
mark than ever. For 44-year-old President Quadros, after a whirlwind five months in office, has proved that he is
nobody's cup of coffee except, possibly, Brazil's. Time Magazine, loc cit. 514
Rebellion Invincible. Rising from nowhere to take command by the greatest popular vote in history, Jânio
Quadros has burst on the world like Brazil itself — temperamental, bristling with independence, bursting with
ambition, haunted by poverty, fighting to learn, greedy for greatness. Time Magazine, loc cit. 515
Quadros cries that Brazil is a great power, if not today, then tomorrow. He shouts that he is leading a
revolution, a revolt against graft and governmental inefficiency, against social and economic backwardness,
against nagging Latin American feelings of inferiority before the world. Time Magazine, loc cit. 516
"This rebellion is invincible," says Quadros. "It is a state of mind, a collective spirit, a fact of life that has
already filled the nation's conscience and that no one will compromise or paralyze — I will not be stopped unless
by assassination." Time Magazine, loc cit.
176
o a "Marx -. não Karl, mas Harpo." Porém, o homem simples do Brasil o chama de
"messias", "o salvador", "o curador de todos os nossos males." 517
Embora Quadros
castigue (flog) sua nação ao longo do caminho que escolheu, outras vozes podem ser
ouvidas chamando-o de "paranoico", "autocrata", "ditador". O governador do Rio de
Janeiro, Carlos Lacerda, um ex-defensor de Quadros, agora é um crítico amargo,
chamado-o recentemente de "o mais mutável, o mais mercurial, o mais pérfido de
todos os homens que já surgiram nos assuntos públicos do Brasil".518
Uma avaliação
mais sólida é a do independente jornal carioca O Globo, que escreveu no dia da
posse de Jânio Quadros: "Ele não será facilmente controlado por qualquer um. Ele
poderia ser um grande presidente. Ele certamente não será uma pessoa fácil."519
5.1.3 - Independência e ajuda
Uma parceria ameaçada
A revista expõe sua opinião acerca de uma velha parceria que estava sendo posta em
risco. Com Quadros à frente do país, a impressão que a TIME passou foi a de que estava
perdendo um aliado de guerra. Jânio, segundo TIME, é objetivo em relação às condições e à
liberdade de o Brasil decidir sozinho sobre as decisões relativas ao hemisfério.
A maneira como Quadros afeta os EUA é lutando para salvar o hemisfério do
comunismo, neste caso, há o choque de um velho aliado confiável que de repente
quer ir sozinho. Sob líderes do passado – Getúlio Vargas, Café Filho, Juscelino
Kubitschek –, o Brasil poderia ser aguardado para se alinhar firmemente com os
EUA sobre qualquer problema do hemisfério.520
As tropas expedicionárias
brasileiras lutaram na Segunda Guerra Mundial, foram os únicos latino-americanos
que dispararam uma arma. Mas uma fiel aliança não está sendo assegurada de forma
alguma por Quadros.521
Disse ele: "eu anuncio uma política de independência no
exercício pleno da soberania nacional. Nenhum acordo assinado – nenhum, seja qual
for – permanecerá válido ou será mantido, tão logo prove estar contrário aos
interesses brasileiros.522
517
Listening to the man and watching his antics, some in the world gave him a loud raspberry. Paris' tart-tongued
France-Soir compares him to "Marx — not Karl, but Harpo. " Yet Brazil's common man calls him "messiah,"
"the savior," "the healer of our ills." Time Magazine, loc cit. 518
As Quadros flogs his nation along his chosen path, other voices can be heard calling him "paranoiac,"
"autocrat," "dictator." Rio's Governor Carlos Lacerda, formerly a Quadros supporter, now a bitter critic, once
termed him "the most changeable, the most mercurial, the most perfidious of all men ever to emerge in Brazil's
public affairs." Time Magazine, loc cit. 519
A sounder assessment is that of Rio's independent O Globo, which wrote on Quadros' inauguration: "He will
not be easily managed by anyone. He could be a great President. He certainly will not be an easy one." Idem 520
Independence & Aid. As Quadros affects the U.S., struggling to save the hemisphere from Communism, there
is the shock of an old and trusted ally suddenly going it alone. Under past leaders — Getúlio Vargas, Café Filho,
Juscelino Kubitschek — Brazil could be expected to line up firmly with the U.S. on any hemisphere problem.
Time Magazine, loc cit. 521
Brazilian expeditionary troops fought in World War II, the only Latin Americans to fire a gun. But such
faithful alliance is by no means assured under Quadros. Time Magazine, loc cit. 522
Said he: "I announce a policy of independence in full exercise of national sovereignty. No signed agreement
— none whatever — will remain valid or be maintained as soon as it should prove contrary to Brazilian interests
and convenience." Time Magazine, loc cit.
177
Berle
A visita de Berle foi relembrada, assim como o gesto insolente de Jânio, o qual
procurava evitar aproximações calorosas com os representantes americanos:
O presidente Jânio Quadros declarou essa "independência" logo depois que ele
assumiu o cargo. Demarcando sua própria Nova Fronteira, ele cumprimentou Adolf
A. Berle, chefe da força tarefa Latino-Americana do Presidente Kennedy, com
reserva e frieza. 523
Berle tinha voado para Brasília buscando a cooperação de Jânio
Quadros, ou pelo menos a tolerância, nas tentativas dos EUA para depor Castro. "O
Brasil", exclamou Quadros, "repugna intervenções em qualquer país e de qualquer
forma: seja a intervenção política, a intervenção econômica ou a intervenção
militar."524
Ajuda a Quadros, tentativa de aproximação amistosa
TIME voltou a informar a qualidade de recursos destinados ao Brasil e os valores que
em breve seriam remetidos. Ficou clara a articulação entre ajuda financeira e compra de
amizade:
Os EUA procuraram superar toda a frieza. Bem consciente de que o Brasil estava
com US $ 176 milhões atrasados em seus pagamentos da dívida externa (uma dívida
herdada da irresponsável construção inflacionária do predecessor Kubitschek), os
EUA ofereceram de imediato um empréstimo de 100 milhões dólares para ajudar
Quadros pelos seus primeiros 90 dias. 525
Ele recusou e enviou delegações para atrás
da Cortina de Ferro em busca de comércio. Ele estabeleceu relações diplomáticas
com as ‘vermelhas’ Romênia, Bulgária, Albânia e Hungria, falou sobre o fim da
proibição por 14 anos das relações com a Rússia.526
Ele nomeou uma comissão para
considerar o fechamento da embaixada da China Nacionalista ("a ilha") em favor da
China ("Como pode a realidade de 600 milhões de chineses ser ignorada?"), E
anunciou que o Brasil vai votar na discussão sobre a admissão da China Vermelha
para a ONU em setembro. 527
No final, os EUA conseguiram o apoio de Quadros
com a maior efusão de ajuda já derramada sobre uma nação latino-americana.
Engolindo a ruidosa explosão de “independência, os EUA enviaram o secretário do
Tesouro C. Douglas Dillon que voou para o sul de Brasília para apresentar a
Quadros a solícita ajuda dos EUA de 943 milhões dólares de um pacote de ajuda de
1,3 bilhões dólares para o mundo livre. Empréstimos antigos foram prorrogados,
523
President Quadros asserted this "independence" soon after he took office. Staking out his own New Frontier,
he greeted Adolf A. Berle, chief of President Kennedy's Latin American task force, with icy reserve. Time
Magazine, loc cit. 524
Berle had flown to Brasilia seeking Quadros' cooperation, or at least forbearance, in U.S. attempts to depose
Castro. "Brazil," snapped Quadros, "repugns intervention in any nation and in any form: political intervention,
economic intervention, military intervention." Time Magazine, loc cit. 525
The U.S. sought to thaw some of the ice. Well aware that Brazil was $176 million in arrears on its foreign-
debt payments (a debt inherited from the inflationary building spree of Predecessor Kubitschek), the U.S. offered
an immediate $100 million loan to help Quadros through his first 90 days. Time Magazine, loc cit. 526
He turned it down and sent delegations behind the Iron Curtain in search of trade. He established diplomatic
relations with Red Rumania, Bulgaria, Albania and Hungary, talked of ending the 14-year ban on relations with
Russia. Time Magazine, loc cit. 527
He named a commission to consider closing the embassy of Nationalist China ("that island") in favor of one
from Red China ("How can the reality of 600 million Chinese be ignored?"), and announced that Brazil will vote
for debate on admission of Red China to the U.N. this September. Time Magazine, loc cit.
178
novos empréstimos foram concedidos. “Isto não passa”, diz um funcionário do
Departamento de Estado, “de uma aposta maldita."528
5.1.4 - Instinct & Record
O outro lado do poder
Nem todas as críticas eram destrutivas, mas também não eram muitos os elogios.
Neste trecho, alguns dados que agradavam TIME foram publicados. Na verdade, a revista
ressaltou alguns elementos da qualidade de Jânio como gestor:
Para assegurar o seu dinheiro, os Estados Unidos estão atentos às afirmações do
presidente Quadros, ou seja, de que “nós no Ocidente estamos comprometidos com a
formação do nosso instinto cristão e democrático”. 529
Em seu brilhante currículo,
ele também é tido como o campeão da liberdade individual e da livre iniciativa,
primeiro como o homem que ajudou a tornar a cidade de São Paulo um dos grandes
complexos industriais do mundo, mais tarde, como governador que colocou todo o
estado de São Paulo em franca expansão.530
A força do Brasil e o interesse americano
O reconhecimento da importância estratégica econômica e política do Brasil diante
do continente e, principalmente, dos EUA foi lembrado. O interesse norte-americano pelo
Brasil era claro.
Em qualquer situação, não há muita escolha. Com o objetivo de reconstruir o
prestígio e a influência dos EUA depois de caso de Cuba, um lugar óbvio para
começar é o Brasil, que a maioria dos especialistas consideram como a nação-chave
na América Latina. 531
Um forte e saudável Brasil não garante a democracia na
América Latina, mas é certo que se o Brasil não fizer isso, poucas nações o farão.
Diz Hernane Tavares de Sá532
, ex-editor de uma das mais importantes revistas do
Brasil, que agora serve como chefe de Informação das Nações Unidas. "Se os EUA
perderem a Guatemala, a Costa Rica e a ilha de Cuba, nada de tão importante
acontecerá, mas se vocês perderem o Brasil, vocês perdem o equilíbrio do poder na
528
In the end, the U.S. found itself supporting Quadros with the greatest outpouring of aid ever lavished on a
Latin American nation. Swallowing the noisily "independent" outbursts, the U.S. sent Treasury Secretary C.
Douglas Dillon winging south to Brasilia to present a willing Quadros with the U.S. Government's $943 million
share of a $1.3 billion free-world aid package. Old loans were stretched out, new loans were granted. It is, says
one top State Department official, "a damned good bet." Time Magazine, loc cit. 529
Instinct & Record. To back its money, the U.S. has Quadros' oft-repeated statement that basically "we are
bound to the West by Christian formation and democratic instinct." Time Magazine, loc cit. 530
It also has his bright record as a champion of individual liberty and free enterprise, first as the man who
helped build the city of São Paulo into one of the world's great industrial complexes, later as governor of the
entire booming São Paulo state. Time Magazine, loc cit. 531
In any event, there is little choice. In the drive to rebuild U.S. prestige and influence after Cuba, an obvious
place to start is Brazil, which most experts regard as the key nation in Latin America. Time Magazine, loc cit. 532
Ex-Diretor da Revista Visão
179
América Latina.''533
O problema do campo:as Ligas Camponesas
No próximo trecho, a TIME fez referência às Ligas Camponesas. As manifestações
no campo chamavam muito a atenção da revista, pois para ela tratava-se de reflexos do
comunismo, algo que fugia ao controle dos líderes nacionais. O exemplo cubano era a
referência.
Jânio Quadros compreende isso muito bem. "Senão fizermos reformas
revolucionárias'', alertou seus ministros, “algum dia – em alguma serra desconhecida
– alguns desconhecidos, tais como Fidel Castro, alcançarão o Brasil." O fogo já está
ardendo na maldita região seca do nordeste onde as Ligas Camponesas de Fidel
Castro e seu discípulo, Francisco Julião, atacam fazendas e causam motins pelas
cidades onde passam. 534
O elemento central para que as Ligas se multipliquem ou
desapareçam depende se Jânio saberá fazer uso dos fantásticos recursos naturais do
Brasil para acabar com a miséria que aflige sua explosiva população. Metade dos 67
milhões de brasileiros (que serão 200 milhões até o ano 2000) ainda sofre de
desnutrição crônica, metade está descalça e mais da metade é formada por
analfabetos. 535
Diagnóstico
TIME traçou um breve diagnóstico do Brasil daquele contexto e ficou clara a ideia de
que o desenvolvimento social andava paralelo às manifestações comunistas:
Apenas uma em cada três crianças vai à escola, uma em cada seis chega ao
colégio536
. A falta de iodo na dieta provoca bócio537
, em um a cada seis brasileiros;
um em cada três hospedam ancilostomídeos intestinais. Em algumas áreas do sertão,
533
A strong, healthy Brazil does not guarantee democracy in Latin America, but it is certain that if Brazil does
not make it, few other nations will. Says Hernane Tavares de Sá, ex-editor of Brazil's leading news magazine,
who now serves as U.N. Public Information chief: "If the U.S. loses Guatemala, Costa Rica and the island of
Cuba, nothing very much happens. But if you lose Brazil, you lose the balance of power in Latin America.'' Time
Magazine, loc cit. 534
Jânio Quadros understands this well. "Unless we make revolutionary reforms,'' he warned his Cabinet
ministers, ''some day — in some unknown serra — some unknown Fidel Castro will rise up in Brazil." The fires
already burn in the drought-blasted northeastern states where the Peasant Leagues of Castro Disciple Francisco
Julião attack plantations and riot in the cities. Time Magazine, loc cit. 535
Whether the leagues spread or die out depends on whether Quadros can use Brazil's fantastic natural
resources (see box) to end the misery that afflicts its exploding population. Half of Brazil's 67 million people (to
be 200 million by the year 2000) still suffer from chronic malnutrition; half are barefoot; more than half are
illiterate. Time Magazine, loc cit. 536
Hoje Ensino Médio 537
Bócio é o termo que caracteriza o aumento de volume da glândula tireoidea. Por tal motivo, verifica-se um
inchamento característico ou a formação de nódulos na região do pescoço de seus portadores. Tal fato faz com
que o indivíduo tenha dificuldades para respirar e deglutir, além de tossir mais frequentemente (...) O bócio
decorrente da falta de iodo é registrado desde os tempos mais antigos, antes de Cristo, principalmente em regiões
montanhosas e mais afastadas do mar. Atualmente, ocorre com menor frequência em razão da obrigatoriedade da
adição de iodo no sal de cozinha. (conforme site: http://www.brasilescola.com/doencas/bocio.htm acessado em
03/02/2013)
180
muitos bebês morrem antes de completar um ano de idade. A média de vida no
Brasil é de 46 anos, contra 69,4 nos EUA.538
A esperança de uma vida melhor está
nos passos bem-sucedidos que o Brasil já fez em direção ao desenvolvimento. Na
última década, o crescimento industrial do Brasil tem sido impressionante. 539
Cinco
anos atrás, o Brasil não tinha indústria automobilística, agora produz 180 mil
veículos por ano – além de 110 mil máquinas de lavar, 150.000 aparelhos de
televisão, 500.000 rádios, 350.000 máquinas de costura, 300.000 geladeiras, 120.000
condicionadores de ar.540
Parte dessas conquistas pertence ao ex-presidente
Kubitschek, que à custa de uma furiosa inflação voltou seus olhos para o interior do
Brasil e construiu uma nova capital a 600 milhas da costa. Mas o coração do Brasil
bate mais rápido em São Paulo, onde os EUA investiram sozinhos $ 1 bilhão.541
5.1.5 - UM JOVEM JÁ VELHO
Com esse subtítulo no corpo da reportagem, TIME realizou uma biografia não
autorizada de Jânio Quadros. Abaixo apresentamos na íntegra sua tradução:
Infância. Quando Quadros diz: "Eu não sou plutocrata", ele está certo de seu
significado. Ele nasceu e foi criado dentro dos costumes católicos na pequena cidade
de Campo Grande, no Mato Grosso, que era então a fronteira selvagem do oeste
brasileiro. 542
Sua casa era um quarto alugado em uma barbearia, onde sua mãe,
Leonor da Silva Quadros, filha de um pequeno pecuarista imigrante argentino,
tentou sustentar a casa, e onde seu pai, um farmacêutico chamado Gabriel, deu uma
vida miserável para os dois. 543
Gabriel, diz um dos amigos próximos de Jânio
Quadros, era anormal – um verdadeiro vilão com uma mania por mulheres,
mostrando uma agressividade constante contra o seu filho e sua esposa. Perseguida
por cobradores, a família passou rapidamente de cidade em cidade, até que aos 16
anos Jânio foi finalmente autorizado a se estabelecer em São Paulo. 544
Juventude estudantil. Ele fez o curso de um ano em educação, dava aulas na outra
parte do tempo (ganhava 12 centavos de dólar por hora), e estava matriculado em
538
Only one out of three children goes to school at all; one out of six gets to high school. Lack of iodine in diet
causes goiter in every sixth Brazilian; one out of three hosts intestinal hookworms. In some backland areas,
every other baby dies before it is one year old. Brazil's average life span: 46, v. 69.4 in the U.S. Time Magazine,
loc cit. 539
The hope for a better life lies in the successful strides that Brazil has already made toward development. In the
past decade, Brazil's industrial growth has been staggering. Time Magazine, loc cit. 540
Five years ago, Brazil had no auto industry; now it produces 180,000 vehicles a year — plus 110,000 washing
machines, 150,000 television sets, 500,000 radios, 350,000 sewing machines, 300,000 refrigerators, 120,000 air
conditioners. Time Magazine, loc cit. 541
Much credit belongs to ex-President Kubitschek, who at the cost of raging inflation turned Brazilian eyes
inland by building the new capital 600 miles from the coast. But the heart of Brazil beats fastest in São Paulo,
where U.S. investment alone tops $1 billion. Time Magazine, loc cit. 542
"A Youth Already Old." When Quadros says, "I am no plutocrat," he means it. He was born and raised a
Roman Catholic in the tiny Mato Grosso town of Campo Grande on what was then the woolly fringe of Brazil's
wild western frontier. Time Magazine, loc cit. 543
His home was a rented room over a barbershop, where his mother, Leonor da Silva Quadros, the daughter of a
small-time immigrant Argentine cattleman, tried to keep house, and where his pharmacist father, Gabriel, made
life miserable for them both. Time Magazine, loc cit. 544
Gabriel, says one of Quadros' close friends, "was abnormal — a real villain with a mania for women,
displaying constant aggressiveness toward his son and wife." Pursued by bill collectors, the family flitted from
town to town, until at 16 Jânio was finally allowed to settle in São Paulo. Idem
181
Direito na altamente respeitada USP.545
Os anos na faculdade Direito não foram
marcados por nenhuma grande distinção, muito menos uma grande popularidade,
mas por um acidente. Enquanto brincava no pré-desfile de carnaval, Quadros ficou
quase cego por um frasco colorido de éter que explodiu e que os felizes brasileiros
lançavam a sua volta como parte da diversão. 546
Quando o curativo saiu, seu olho
esquerdo estava enviesado em cerca de 20°. Ele meditou por meses, escrevendo uma
amarga e apaixonada poesia sobre o destino do Brasil, segundo ele mesmo:547
Não me falam de sofrimento!
Eu sinto isso no meu peito.
Quando o sol se põe longe
Murmuro em silêncio o coração partido.
Eu sou um jovem já velho.548
Carreira de Advogado. Quadros se formou em total obscuridade. Ele alugou metade
de um escritório de 3m x 4m no centro, e iniciou sua carreira inspirado na vida de
Abraham Lincoln, atendendo lojistas ocasionais e vigaristas mesquinhos que
procuravam seus serviços. 549
Casamento. Ele começou a compartilhar seus sonhos de um dia tornar-se alguém
com a linda Eloá do Valle, filha de um dos amigos de seu pai farmacêutico, casou-se
com ela em 1941, após dois anos de namoro. "Ele era", relata ela, "o homem mais
feio que eu já conheci."550
Início da carreira política. O tribunal não deu muito crédito para um sujeito magro,
com um olhar engraçado. Em 1945, quando o ditador Getúlio Vargas caiu, outro
caminho lhe foi apresentado: a política, onde a aparência excêntrica, por vezes, pode
ser uma vantagem. 551
"Quando ele teve a ideia, eu fiquei muito hesitante", diz Eloá.
Em sua primeira eleição, em 1947, ele foi o 47º na lista de candidatos para os 45
assentos da assembleia da cidade de São Paulo. Só quando o Partido Comunista foi
declarado ilegal e 14 dos vencedores foram eliminados, Quadros tinha conseguido
um lugar.552
Comícios."Deixe-os assistir." De repente suas raivas e frustrações reprimidas
pareciam explodir. Como um galo de briga, Quadros voou sobre a máquina do
545
He took a year's course in education, started teaching part time (for 12¢ per hour), and enrolled in São Paulo's
highly respected School of Law. 546
The law-school years were marked by neither great distinction nor great popularity, but by an accident. While
whooping it up at a pre-Lenten carnival parade, Quadros was nearly blinded by an exploding bottle of colored
ether that Brazilians happily spray around as part of the fun. Idem 547
When the bandage came off, his left eye was canted out about 20°. He brooded for months, turning out
tortured poetry about love, Brazil's destiny, himself: idem 548
Don't speak to me of suffering!
I feel it in my breast.
When the sun sinks away
I murmur in brokenhearted silence.
I am a youth already old. 549
Quadros graduated into total obscurity. He took half of a 12-ft. by 15-ft. downtown office, read his way
through the life of Abraham Lincoln between the occasional shopkeepers and petty crooks who sought his
services. Idem 550
He began sharing his dreams of someday becoming somebody with pretty Eloá do Valle, the daughter of one
of his father's druggist friends, married her in 1941 after two years of courtship. "He was," she reports, "the
ugliest man I ever met." Idem 551
The courtroom did not hold much future for a scrawny fellow with a funny eye. In 1945, when Dictator
Getúlio Vargas fell, another way presented itself: politics, where offbeat appearance can sometimes be an
advantage. Idem 552
"When he first got the idea, I was very dubious," Eloá says. In his first race, in 1947, he fetched up 47th on
the list of candidates for 45 São Paulo city council seats. Only when the Communist Party was outlawed and 14
of the winners were eliminated did Quadros get a seat. Idem
182
governador de São Paulo. Quadros correu ao redor da cidade para ouvir os protestos
dos cidadãos em comícios, um amarrotado reformador com a barba por fazer, que
chupava laranjas nos palanques e prometendo prender os ratos.553
Num primeiro
momento, o povo saudou-o como "o Lincoln louco do Mato Grosso." Neste meio
tempo, um louco partiu em sua direção e deu-lhe um soco na boca, no exato
momento em que Jânio estava falando contra um projeto de lei. 554
Em meio ao
tumulto, o orador ordenou que a tribuna fosse examinada. "Não, não!", gritou
Quadros, com o sangue escorrendo de seus lábios. "Deixem o povo ficar! Deixe-os
ver!". Em 1950, Quadros ganhou a maioria dos votos de todos os 900 candidatos
para a assembleia estadual. 555
Relações com os comunistas. Em sua corrida desenfreada, Quadros não aceitou
ajuda de ninguém, principalmente dos comunistas, que o consideravam um
"inocente útil". Mas Quadros se vangloria, "Eles não estão me usando – Sou eu
quem está usando-os". A aliança acabou em 1952, quando os Vermelhos exigiram o
controle de departamentos-chave como o seu preço para o apoio na eleição para
prefeito de São Paulo. 556
Quadros recusou. Em sua ira, os comunistas tentaram fixar
epítetos capitalistas em Quadros, tais como "Wall Street fantoche" e "o candidato
Esso", fizeram o que puderam – como eles sempre fazem em todas as eleições,
desde então – para derrotá-lo. 557
Trajes e trejeitos. Quadros tomou as ruas, ostentando o que possuía, apenas um par
de sapatos ("Por que alguém com apenas um par de pés precisa mais do que um par
de sapatos?"). Defendeu uma plataforma de honestidade e diligência, venceu com a
mais expressiva maioria na história de São Paulo.558
Perfil do gestor público. Como prefeito, Jânio Quadros herdou uma cidade com
exatamente 2.212 dólares no banco, $ 12,5 milhões em contas não pagas, e um
déficit orçamentário de $ 6.000.000 para 1952. Ele demitiu 10% de todos os
funcionários, cortou gastos desnecessários, concluiu processos políticos, iniciou 200
investigações de corrupção.559
Do lado de fora de seu escritório, ele pendurou uma
placa: "Sr. Jânio Quadros não oferece empregos na cidade. Por favor, não perca seu
tempo e não insista." Ele vendeu a frota da cidade composta de 40 limusines (que
foram adquiridas por agentes funerários de São Paulo), pausas para o café foram
553
"Let Them Watch." All at once his pent-up rages and frustrations seemed to burst out. Like a banty rooster,
Quadros flew at the graft-feathered machine of São Paulo's Governor. Quadros raced around the city listening to
citizens' protests and holding rallies, a rumpled, stubble-chinned reformer who sucked oranges on the platform
and waved a caged rat. Idem 554
At first, the machine kissed him off as "the mad Lincoln from Mato Grosso." But soon he had everybody so
mad that one politico rushed up and punched him in the mouth while he was speaking against a giveaway bill.
Idem 555
Amid the uproar, the speaker ordered the galleries cleared. "No! No!" shouted Quadros, blood streaming from
his lips. "Let the people stay! Let them watch!" By 1950, Quadros won the most votes of all 900 candidates for
the state assembly. Idem 556
In his headlong rush, Quadros accepted help from anyone, including the Communists, who considered him a
"useful innocent." But Quadros bragged, "They're not using me — I'm using them." The alliance ended in 1952
when the Reds demanded control of key departments as their price for support in São Paulo's mayoralty election.
Idem 557
Quadros turned them down. In their wrath, the Communists tried to tie a capitalist can to Quadros with such
epithets as "Wall Street stooge" and "the Esso candidate," did their best — as they have in every election since
— to defeat him. Idem 558
Quadros took to the streets, boasting that he owned only one pair of shoes ("Why should any man with only
one pair of feet need more than one pair of shoes?"), ran on a platform of honesty and industry, won by the
greatest majority in the history of São Paulo. Idem 559
As mayor, Quadros inherited a city with exactly $2,212 in the bank, $12.5 million in unpaid bills, and a
budget deficit of $6,000,000 for 1952. He fired 10% of all functionaries, cut nonessential spending, ended
political payoffs, started 200 corruption investigations. Time Magazine, loc.cit.
183
proibidas – na capital mundial do café. 560
"Se eu der um dedo", disse ele, "eu perco
um braço." Dentro de um ano ele havia equilibrado o orçamento de US$ 55 milhões
e iniciou uma série de obras públicas – estradas, adutoras, linhas elétricas, clínicas.
Conforme a indústria fluía, Jânio marchou para o Palácio do governador 21 meses
mais tarde.561
Lincoln & os americanos. Antes de assumir o cargo de governador, em 1955,
Quadros fez sua primeira viagem para fora da América Latina, um passeio de férias
para a Europa e para os EUA, com Eloá e sua filha Tutu. 562
Na Europa, ele se
apaixonou por Londres ("cidade do homem"). Os EUA não foram tão cativantes. No
Aeroporto Idlewild de Nova York teve uma discussão de duas horas sobre um
certificado de vacinação perdido; detestou o amargo frio de Manhattan, em janeiro,
apesar de todos os amigos americanos, dentre eles Nelson Rockefeller, fizeram o
possível para descongelá-lo.563
Ele foi a Washington para prestar homenagens ao
Memorial de Lincoln, foi ignorado pela burocracia norte-americana. "Lincoln", disse
Quadros mais tarde, "foi um dos maiores homens da história, mas os americanos não
são como ele. Ele era uma exceção solitária."564
O governo do Estado de São Paulo. De volta para casa, Quadros aplicou sua
incendiária fórmula de cortes com tal vigor que, em 1958, São Paulo estava limpo,
ou quase isso. "Alguns ratos ainda podem mordiscar em volta, mas eu já preparei
armadilhas para eles", disse ele.565
Em seguida, começou o programa de
desenvolvimento mais sólido da história do Brasil. Quadros praticamente triplicou
as rodovias pavimentadas de São Paulo. Ele instalou 1.710 milhas de linhas de
transmissão de alta tensão, lançou um programa de alimentação de energia que
incluiu um projeto de hidrelétrica maior do que Dam Egito Aswan – 4.900.000 KW.
Inicialmente, igual à capacidade total do Brasil no ano passado. 566
O crescimento –
a maior propaganda pessoal de Jânio Quadros – se provou tão atraente para o capital
estrangeiro que o Estado atraiu 75% de todos os novos investimentos destinados ao
Brasil. Pouco antes de seu mandato terminar, em 1959, ele quase de improviso
ganhou um assento de deputado federal e ficou pronto para disputar a presidência.567
560
In his outer office he hung a sign: "Sr. Jânio Quadros does not provide city jobs. Please don't waste your time
and his insisting." He sold off the city fleet of 40 limousines (São Paulo's morticians snapped them up), even
banned coffee breaks — in the coffee capital of the world. Time Magazine, loc.cit. 561
"If I give a finger," he said, "I lose an arm." Within a year he had balanced the $55 million budget and started
building — highways, water mains, electric lines, clinics. As industry flowed in, Jânio stepped up to the
governor's mansion 21 months later. Time Magazine, loc.cit. 562
Lincoln & the Americans. Before taking over the governorship in 1955, Quadros made his first trip outside
Latin America, a holiday jaunt to Europe and the U.S. with Eloá and his daughter Tutu. Time Magazine, loc.cit. 563
In Europe, he fell in love with London ("a man's town"). The U.S. was not so endearing. At New York's
Idlewild Airport he had a raging two-hour argument over a lost vaccination certificate; he detested Manhattan's
bitter January cold, despite all that U.S. friends such as Nelson Rockefeller could do to thaw him out. Time
Magazine, loc.cit. 564
He went to Washington to pay homage at the Lincoln Memorial, was ignored by U.S. officialdom. "Lincoln,"
said Quadros later, "was one of history's greatest men, but Americans are not like him. He was a lonely
exception." Time Magazine, loc.cit. 565
Back home, Quadros applied his fire-and-cut formula for reform with such vigor that by 1958, São Paulo state
was clean, or nearly so. "Some rats might still be nibbling around, but I've set out traps for them," he said. Time
Magazine, loc.cit. 566
Then began the soundest development program in Brazil's history. Quadros nearly tripled São Paulo's paved
highway network. He put up 1,710 miles of high-tension transmission lines, launched a power program that
includes a hydroelectric project bigger than Egypt's Aswan Dam — 4,900,000 kw. initially, equal to Brazil's
entire capacity last year. Time Magazine, loc.cit. 567
The growth — plus Quadros' personal salesmanship — proved so attractive to foreign capital that the state
drew 75% of all the new investment coming into Brazil. Just before his term ended in 1959, he almost
offhandedly won a federal Deputy's seat and got ready to run for the presidency. Time Magazine, loc. cit.
184
5.1.6 - Slow Boat to Brasília
Kubitschek
Apesar do curto tempo no governo, as críticas ao antecessor reapareciam de forma
periódica nas reportagens. Não foi diferente nesta edição. Um dos elementos que mais teve
destaque no embate Quadros-Kubitschek se refere ao fato de Jânio combater a tentativa de
reeleição de Juscelino:
A campanha de Jânio Quadros foi uma obra-prima da política não ortodoxa.
Viajando para o Rio, ele primeiro transmitiu a Kubitschek um aviso cara a cara para
não tentar os truques para se perpetuar no poder.568
"Não mude as regras do jogo",
disse Quadros. "Ouça o clamor do povo por eleições limpas, justas e honestas."
Depois ele desapareceu em um tranquilo barco rumo ao Japão, adicionando novos
pontos de leste a oeste, para transformar o Jânio reformador doméstico em Jânio
figura-mundo.569
Enquanto Kubitschek lutou com uma inflação zunindo e credores
estrangeiros reclamando, Quadros posava lado a lado com Hirohito, com Nehru,
com Ben-Gurion, com o Papa João XXIII, com Tito, com Khrushchev, com
praticamente todo mundo, exceto o presidente Eisenhower. Jânio disse sabiamente
em seu retorno: "De longe, eu fiquei convencido mais do que nunca de que Deus
Todo-Poderoso nos destinou para nos tornarmos um grande povo."570
A técnica
política de Jânio Quadros foi magistral. Por trás do slogan "Jânio vem aí", ele correu
contra o candidato que Kubitschek escolheu a dedo, o Marechal da voz estridente,
Henrique Teixeira Lott.571
Independência
TIME fazia referência ao antiamericanismo de Jânio ao citar o desconforto que sentia
ao ser tratado como “fantoche dos yankees”. A viagem a Cuba foi relembrada. Do mesmo
modo, ao mesmo tempo em que odiava os Estados Unidos, ele era odiado pelos comunistas.
Essa intrigante ambiguidade chamou a atenção de revista na maioria das reportagens sobre
Jânio.
Para provar aos brasileiros que ele não era um fantoche dos yankees, ele fez uma
568
Slow Boat to Brasília. Quadros' campaign was a masterpiece of unorthodox politics. Traveling to Rio, he first
handed Kubitschek a face-to-face warning not to pull any tricks to perpetuate himself in office.* Time Magazine,
loc. cit 569
"Do not change the rules of the game," said Quadros. "Listen to the people's cry for clean, just and honest
elections." Then he vanished on a slow boat to Japan, plus points east and west, to transform Jânio the domestic
reformer into Jânio the world figure. Time Magazine, loc. cit 570
While Kubitschek struggled with zooming inflation and dunning foreign creditors, there was Quadros posing
head to head with Hirohito, with Nehru, with Ben-Gurion, with Pope John XXIII, with Tito, with Khrushchev,
with just about everyone, in fact, but President Eisenhower. Said Jânio sagely on his return: "From a distance I
became more convinced than ever that Almighty God destined us to become a great people." Time Magazine,
loc. cit 571
Quadros' political technique was masterful. Behind the slogan "Here Comes Jânio" he ran against
Kubitschek's hand-picked candidate, piping-voiced Field Marshal Henrique Teixeira Lott. Time Magazine, loc.
cit
185
viagem em meio a sua campanha para Cuba e, de lá, voltou com uma declaração
deslavada, disse que “acusar o governo de Castro, que exibe absoluto respeito à lei e
à propriedade, de comunismo é revelar ignorância e má-fé'' 572
Jânio já tinha provas
de que ele não era um fantoche comunista: os comunistas brasileiros vomitaram seu
ódio por ele e apoiaram abertamente Lott. Todos se lembraram das velhas
extravagâncias de Quadros, mas ele entendeu que os brasileiros exigiam uma
dignidade de seu Presidente que prefeitos e governadores não precisavam ter – e
estabeleceu que manterá seu cabelo penteado, seus ternos bem passados e seus
discursos sem ataques pessoais a Lott.573
UDN
As articulações e estratégias políticas foram tratadas no trecho seguinte. A UDN está
presente. O resultado das eleições foi relembrado e, do mesmo modo, o famoso
desaparecimento de Jânio antes da posse em 1961.
Logo no início da campanha, Jânio encenou uma manobra espetacular. Para obter a
nomeação da poderosa União Democrática Nacional (UDN), ele já havia
concordado em aceitar o candidato a vice da UDN como seu companheiro de chapa. 574
De repente, ele rejeitou o candidato da UDN e retirou-se da corrida. A confusão
reinou: alguns oficiais do exército e da força aérea tentaram um golpe de Estado
como forma de forçá-lo a reconsiderar.575
O candidato à vice-presidência recuou e a
U.D.N. concordou em compartilhar Quadros com outros partidos e, finalmente,
Quadros anunciou: "Vocês me convenceram a voltar". Ele voltou – livre de todos os
compromissos do partido.576
Os resultados fizeram a história política. Quadros
acumulou 5.500.000 votos, 1.700.000 a mais que Lott, e bem próximo de uma
maioria absoluta (48%) na multipartidária história do Brasil. Em seguida, ele viajou
para Londres para fazer uma cirurgia de correção no olho e que teria sido
denunciado como uma tola vaidade durante a campanha, mas foi reconhecido como
necessária ao presidente de uma nação orgulhosa.577
Ele ficou afastado 12 semanas,
foi tanto tempo que os brasileiros acabaram criando seu próprio slogan: "Onde está
o Jânio?". Mas quando ele voltou, apenas 11 dias antes da posse, ele estava pronto
para a ação, com um imponente gabinete formado pelos melhores administradores
572
To prove to Brazilians that he was no Yankee stooge, he made a mid-campaign trip to Cuba; from there he
returned with the bald-faced statement that "to accuse Castro's government, which displays absolute respect for
law and propriety, of Communism is to reveal ignorance and bad faith.'' Time Magazine, loc. cit. 573
He already had proof that he was no Communist puppet: the Brazilian Reds spewed out their hatred of him
and openly supported Lott. Everyone remembered Quadros' oldtime flamboyance, but he understood that
Brazilians demand a dignity in their President that mayors and governors need not have — and he established
that by keeping his hair combed, his suits pressed, his speeches free of personal attacks on Lott. Time Magazine,
loc. cit. 574
Early in the campaign, Quadros staged a spectacular maneuver. To get the nomination of the powerful
National Democratic Union (U.D.N.), he had earlier agreed to accept the U.D.N. vice presidential candidate as
his running mate. Time Magazine, loc. cit. 575
Suddenly he rejected the U.D.N.'s man and withdrew from the race. Confusion reigned: a few hair-trigger
army and air force officers tried to stage a coup as a means of forcing him to reconsider. Time Magazine, loc. cit. 576
The Veep candidate resigned, the U.D.N. agreed to share Quadros with other parties, and finally Quadros
announced: "You have defeated me. I return." Return he did — free of all party commitments. Time Magazine,
loc. cit. 577
The results made political history. Quadros piled up 5,500,000 votes. 1,700,000 more than Lott, closest to an
absolute majority (48%) in Brazil's multipartied history. Then he traveled to London for the eye-straightening
operation that would have been denounced as silly vanity during the campaign, but was accepted as necessary
for the President of a proud nation. Time Magazine, loc. cit.
186
do Brasil.578
5.1.7 - Economia começa em casa
Arrumando a casa
O moralizador era outro traço que chamou a atenção de TIME. A operação limpeza,
que faria com sua vassoura, ficou clara para TIME, como demonstra o trecho seguinte:
"Eu estou indo empunhar a vassoura", prometeu na noite de sua posse, "pela alça."
Do modo como Kubitschek fez do palácio uma casa aberta, Quadros fez dele um
quartel da Marinha.579
Ele jogou o mobiliário de luxo Kubitschek para fora dos
escritórios executivos, despediu o extraordinário chefe de cozinha (ele prefere arroz,
carne e feijão), devolveu o piano de $ 8.000 de Kubitschek. "Economia", disse ele,
"começa em casa"580
. Os assessores já não andavam, eles corriam. Cadeados
lacravam as portas presidenciais, e sinais luminosos vermelhos e verdes informavam
quando os ministros podiam bater, e quando podiam aguardar. Nas salas, os guardas
apareceram carregando suas metralhadoras. "Este lugar me dá arrepios agora",
queixou-se um repórter do palácio. "É como Kafka."581
Nepotismos ou favorecimentos foram registrados, todavia, com esses exemplos,
ficava muito claro para o leitor americano que o Brasil estava em péssimas mãos, o fator
meritocrático parecia inexistir:
Foi também parecido em São Paulo – numa escala ainda maior. Amigos que
buscavam autopromoção logo perceberam o erro que estavam cometendo. "Mas
afinal de contas, senhor presidente", disse um político antigo, "onde está o meu lugar
no seu governo?". 582
Quadros respondeu, colocando a mão sobre o peito: "Seu lugar
é aqui, no meu coração". Quadros encontrou um lugar estratégico para Carlos
Castello Branco, um repórter político que ele atormentou por mais de duas horas
especulando sobre as fragilidades de 30 importantes políticos. "Castello, você tem
uma língua suja", disse Jânio após o desabafo. No dia seguinte, ele o contratou como
578
He stayed away twelve weeks, so long that Brazilians coined their own slogan: "Where's Jânio?" But when he
returned, only eleven days before inauguration, he was ready for action, complete with an imposing Cabinet of
Brazil's best planners. Time Magazine, loc. cit. 579
Economy Begins at Home. "I am going to wield the broom," he promised on inauguration night, "by the
handle." Where Kubitschek ran his palace like an open house. Quadros ran it like a Marine barracks. Time
Magazine, loc. cit. 580
He tossed Kubitschek's luxurious furnishings out of the executive offices, fired the fancy chef (he prefers
beef, rice and beans), returned Kubitschek's $8,000 grand piano. "Economy," he said, "begins at home." Time
Magazine, loc. cit. 581
Aides no longer walked; they ran. Locks barred the presidential doors, and red and green traffic lights
informed ministers when to knock, when to wait. In the halls, guards appeared, toting their submachine guns.
"This place gives me the creeps now," complained a palace reporter. "It's like Kafka." Time Magazine, loc. cit. 582
It was also like São Paulo — on a giant scale. Loyal supporters seeking patronage soon discovered their
mistake. "But after all, Mr. President," said one old politico, "where is my place in your government?" Replied
Quadros, placing his hand on his breast: "Your place is here, in my heart." Time Magazine, loc. cit.
187
seu chefe de imprensa.583
Administrando as finanças
O lado liberal de Jânio apareceu ao lado do bom gestor de recursos. Por um lado, o
risco com a empresa capitalista instalada no país estava contido, do mesmo modo havia uma
esperança de segurança com o recurso investido, pois Jânio iria saber geri-los. Mas as suas
qualidades também podem ser colocadas contra os EUA, pois, do mesmo modo que pôde
administrar recursos capitalistas, ela também pôde gerir recursos do mundo comunista.
Os familiares cortes salariais e as investigações de corrupção postas sob a mesa de
Jânio Quadros se juntaram com algumas medidas drásticas para libertar o Brasil de
uma economia inflacionária. Ele praticamente eliminou as taxas de câmbio
manipuladas pelo governo que subsidiavam as importações de trigo, petróleo e papel
– uma dolorosa e longa reforma aconselhada pelo Fundo Monetário Internacional. 584
Ele recebeu o capital estrangeiro de braços abertos, cedeu à Western Union um
contrato (sob os protestos nacionalistas) para a criação de um novo sistema de
comunicações para o Brasil, permitiu à Ford que seguisse em frente com sua nova
fábrica de tratores, enquanto recusou um acordo com uma empresa tcheca de
tratores.585
Ele também gasta, mas com cautela. Quando um governador de um
estado lhe pediu US$ 400.000 para um projeto de pesca, Quadros prometeu US$
80.000. "Eu fui um autogovernador, Sua Excelência, e eu compreendo. Mas eu não
quero sair daqui com a minha carteira vazia."586
Sozinho
Um novo traço se junta ao perfil do gestor, a do “administrador solitário”. Antes
sozinho do que mal acompanhado, a citação parece se encaixar ao presidente. Tal atitude traz
novas evidências quanto à problemática característica dos parlamentares brasileiros. Não era
possível trabalhar em conjunto. Outro gesto de Jânio, destacado abaixo, diz respeito ao perfil
autoritário, seria uma brecha para o surgimento de um ditador?
Administrando o país praticamente sozinho ("Eu sou um homem sozinho"), ele
583
Quadros found a more practical place for Carlos Castello Branco, a political reporter whom he grilled for
more than two hours on the frailties of 30 top politicians. "Castello, you have a dirty tongue," said Jânio after the
grilling. Next day, he hired him as his press chief. Time Magazine, loc. cit. 584
The familiar pay cuts and graft investigations poured from Quadros' desk along with some sharp measures to
free Brazil's inflation-tied economy. He virtually eliminated the government-rigged exchange rates that
subsidized imports of oil, wheat and paper — a painful reform long advised by the International Monetary Fund.
Time Magazine, loc. cit. 585
He welcomed foreign capital with open arms, gave Western Union a contract (over nationalist protests) to set
up a new communications system for Brazil, gave Ford the go-ahead for a new tractor plant, while turning down
a Czech tractor deal. Time Magazine, loc. cit. 586
He spent, too, with caution. When a state governor begged $400,000 for a fisheries project, Quadros promised
$80,000. "I was a governor myself, your excellency, and I sympathize. But I don't want to leave here with my
wallet emptied." Time Magazine, loc. cit.
188
instalou um sistema de comunicação Telex ao lado de sua mesa.587
Uma vez, bem no
início do mandato, ele transmitiu um telex para a sala de um ministro: "O Presidente
está esperando por você desde às 7h00 da manhã. Eu gostaria de saber quando
pretende chegar." 588
Um dos assessores desse ministro digitou-lhe: "Colega, o
ministro vai chegar quando ele chegar." O chefe do Executivo rebate-lhe: "Este
colega aqui é o Presidente. Diga ao ministro que eu quero vê-lo imediatamente. J.
Quadros..."589
Diariamente, um fluxo constante de delegações conseguiu o sinal
verde para se reunir com o Presidente e ouvir os seus planos para o Brasil. 590
Uma audiência com Quadros
Um fato curioso chamou a atenção da revista, a maneira como Jânio realizava suas
audiências, neste caso, o trecho seguinte ilustra a maneira como Quadros recepcionava as
lideranças:
Um grupo de líderes agrícolas ficou esperando em seu escritório durante uma
eternidade, enquanto Quadros rabiscava alguma mensagem. O velho relógio de
bolso de ouro de Jânio, um Patek Philippe, trabalhava sobre a mesa, as cortinas de
cor bege cobriam toda a visão, o retrato sempre presente de Abraham Lincoln
mirava da parede.591
"Então,", disse um dos agricultores, "ele olhou para cima e
começou a falar sem nos cumprimentar ou nos pedir para sentar. Ficamos em
silêncio por 48 minutos enquanto ele falava intensamente sobre seus planos para a
agricultura e suas exigências.592
De repente, uma queda de energia apagou as luzes,
mas ele continuou a conversa, sem a menor hesitação. Era estranho, estávamos
parados ali na escuridão ouvindo a voz desencarnada do presidente do outro lado da
mesa."593
5.1.8 - PROJETO A PROJETO
Passados seis meses de governo, quais ainda seriam os projetos de Jânio? A matéria
587
Running the country almost single-handed ("I am one man alone"), he installed a Telex communications
system beside his desk, with two fingers banged out a steady stream of bilhetinhos to government offices around
the nation. Time Magazine, loc. cit. 588
Once, very early in the game, he Telexed a Cabinet minister's office: "The President has been waiting for you
since 7 a.m. I would like to know when you plan to arrive." Time Magazine, loc. cit. 589
Answered the minister's man at the keyboard: "Colleague, the minister will arrive when he arrives." Brazil's
chief executive tapped back: "This colleague here is the President. Tell the minister I want him immediately. J.
Quadros." Time Magazine, loc. cit. 590
All day, every day, a steady stream of delegations got the green light to line up before the President and listen
to his plans for Brazil. Time Magazine, loc. cit. 591
One group of farm leaders stood waiting in his office for what seemed an eternity while Quadros finished
scribbling some message. Quadros' old gold Patek Philippe pocket watch ticked on the desk, beige curtains
closed out the view, the ever-present portrait of Abraham Lincoln stared down from the wall. Time Magazine,
loc. cit. 592
"Then," says one of the farmers, "he looked up and started talking without greeting us or asking us to sit
down. We stood silently for 48 minutes while he talked intensely about his farm plans and requirements. Time
Magazine, loc. cit. 593
Suddenly a power failure put out the lights, but he kept right on talking without the slightest hesitation. It was
uncanny, standing there in pitch darkness listening to the President's disembodied voice from across the desk."
Time Magazine, loc. cit.
189
pontuou áreas estratégicas da economia brasileira e discorreu rápidas análises sobre cada
setor. Listamos abaixo os projetos que a matéria destacou sobre a administração de Jânio:
Desde o início, os brasileiros não poderiam deixar de admirar a franqueza de
Quadros, seu humor, sua resistência ao compromisso, seu talento não brasileiro para
cortar a burocracia. Mas ele parecia não ter metas globais. Editorialistas
questionaram sua “não planejada e impetuosa” administração. “Quadros desconfia
de planos abstratos", respondeu um assessor próximo."Ele prefere construir um
programa projeto a projeto". Os projetos estão começando a tomar forma:594
RODOVIAS. Gastos de US $ 1 bilhão nos próximos cinco anos para aumentar a
rede total de 19.000 para 27.000 milhas e pavimentar de 4.800 para 13.200
milhas.595
ENERGIA. Aumentar a capacidade instalada de 5.000.000 KW. para
mais de 9.000.000 KW em 1965 e 15 milhões de quilowatts em 1970. Custo: US $ 1
bilhão, metade vindo de investimentos estrangeiros e a outra metade com recursos
do próprio Brasil.596
EDUCAÇÃO. Reverter o projeto de Kubitschek de enfatizar as
universidades em detrimento das escolas básicas. Objetivo: aumentar o número de
alfabetizados de 48% para 70% em cinco anos.597
SAÚDE. Eliminar a corrupção
que sabotou o plano de Kubitschek para área da saúde com a finalidade de iodar sal
(para evitar o bócio), e usar medidas preventivas para o controle da malária,
tracoma, bouba, filariose.598
REFORMA DO NORDESTE. Combater a influência
comunista infiltrada e espalhada pelas Ligas Camponesas com intenso
desenvolvimento de reforma agrária, Montante investido até o momento: $ 160
milhões.599
INDÚSTRIA. Fornecer toda a ajuda do governo necessária para dobrar a
produção de aço para 6.000.000 de toneladas anuais em 1965, criando forças- -
tarefa para ajudar a desenvolver as indústrias específicas: fertilizantes, produtos
petroquímicos, tratores, máquinas-ferramentas, equipamentos pesados. Diz Quadros,
em uma declaração política digna de Dwight Eisenhower: "A indústria é a principal
incumbência da iniciativa privada, mas o governo deve prover as condições
necessárias para o seu crescimento."600
Cada item apresentado demonstrava de um lado a precária estrutura do país, do outro
a ambiciosa tentativa de por em prática ações para o desenvolvimento do Brasil. Esse era o
quadro que estava para além das fronteiras de Kennedy, era esse o panorama do wilderness
que apresentava ao distante leitor de TIME. Henry Luce e seu Século Americano executavam
594
Project by Project. From the beginning, Brazilians could not help admiring Quadros' directness, his humor,
his resistance to compromise, his un-Brazilian talent for chopping red tape. But he seemed to have no overall
goals. Editorial writers questioned his ''unplanned and impetuous" administration. "Quadros distrusts abstract
planning," answered a close adviser. "He prefers to build up a program project by project." The projects are
beginning to take form: Time Magazine, loc. cit. 595
HIGHWAYS. Expenditures of $1 billion over the next five years to raise the total network from 19,000 to
27,000 miles, and paved mileage from 4,800 to 13,200. Time Magazine, loc. cit. 596
POWER. Increase installed capacity from 5,000,000 kw. to more than 9,000,000 kw. by 1965 and 15 million
kw. by 1970. Cost: $1 billion, half Brazilian, half foreign. Time Magazine, loc. cit. 597
EDUCATION. Reverse the Kubitschek practice of emphasizing universities and ignoring grammar schools.
Goal: to increase literacy from 48% to 70% in five years. Time Magazine, loc. cit. 598
HEALTH. Eliminate the corruption that swallowed Kubitschek's health plan to iodize salt (to prevent goiter),
use preventive measures to control malaria, trachoma, yaws, filariasis. Time Magazine, loc. cit. 599
NORTHEAST REFORM. Combat the spreading influence of Communist-infiltrated Peasant Leagues with
intensive land reform. Amount allocated to date: $160 million. Time Magazine, loc. cit. 600
INDUSTRY. Provide all government help necessary to double steel production to 6,000,000 tons yearly by
1965, set up task forces to help develop specific industries: fertilizers, petrochemicals, tractors, machine tools,
heavy equipment. Says Quadros, in a policy statement worthy of Dwight Eisenhower: "Industry is primarily the
task of private enterprise, but government must provide the necessary conditions for growth." Time Magazine,
loc. cit.
190
uma espécie de geopolítica.
5.1.9 - MELINDROSA AMEAÇA
Nesta subseção da matéria, TIME colocou algumas questões subliminares.
Quem estava com Jânio?
Eleito praticamente sem filiação partidária, e sem o apoio habitual de um bloco de
nacionalistas, esquerdistas, direitistas, militares ou de trabalho, Quadros ganhou
muitos inimigos com sua maneira de pisotear.601
Aos críticos, ele responde apenas
que "as pessoas estão comigo" e deixa claro que ele considera sua esmagadora
votação um mandato para exercer a forte autoridade executiva investida na
constituição do Brasil, ao estilo americano. "Inimigos da democracia acreditam que
a autoridade democrática é frouxa, insegura e tímida, acomodada e complacente",
diz Quadros. 602
"Eles estão enganados. Autoridade democrática com base na
vontade da maioria deve ser apenas uma empresa, mas, audaciosa e decisiva, sempre
pronta a corrigir os seus próprios erros, mas sempre jurando moralidade, disciplina e
o bem-estar geral".603
Outra ditadura comunista seria possível na região, ainda mais tendo Quadros como
protagonista?
O único perigo é que Jânio pode confundir sua própria vontade de ferro pelo Brasil
e, de democrata, se converter em um ditador.604
Para todas as suas ações, existem
sinais de alerta e sutis ameaças, tais como prender o adversário Lott, que após a
eleição, passou a criticar seu governo; há também a possibilidade de demissão de um
funcionário da embaixada pelo simples fato de discordar dele, e finalmente o último:
de três dias para o desligamento de uma estação de rádio pertencente a um jornal de
oposição.605
Até agora, pelo menos, "a autoridade democrática" de Jânio Quadros
tem sido muito dura com os castristas e comunistas que procuram subverter o Brasil.
Quando os estudantes de esquerda protestaram em Recife contra a recusa da
universidade em permitir que a mãe do argentino Che Guevara, Célia, fizesse um
discurso castrista, Quadros enviou a Marinha do Brasil e seus fuzileiros navais.606
601
Thin-Skinned Threat. Elected virtually without party affiliation, and lacking the usual bloc support of
nationalists, leftists, rightists, military or labor, Quadros has earned many enemies with his foot-trampling ways.
Time Magazine, loc. cit. 602
To criticism, he answers only that "the people are with me" and makes it clear that he considers his landslide
vote a mandate to exercise the powerful executive authority vested in Brazil's U.S.-style constitution.
"Democracy's enemies believe that democratic authority is loose, insecure and timid, accommodating and
yielding," says Quadros. Time Magazine, loc. cit. 603
"They are mistaken. Democratic authority based on the majority's will must be just but firm, bold and
decisive, always ready to correct its own mistakes but always sworn to discipline, morality and the general
welfare." Time Magazine, loc. cit. 604
One danger is that Quadros may mistake his own iron will for that of Brazil and turn from democrat to
dictator. Time Magazine, loc. cit. 605
For all his reforms, there are warning signals in his thin-skinned threat to arrest opponent Lott for a post-
election article critical of his regime, in his dismissal of a top foreign-office official for disagreeing with him, in
his three-day shutdown of a radio station belonging to an opposition newspaper. Time Magazine, loc. cit. 606
So far, at least, Quadros' "democratic authority" has come down just as hard on the Castroites and
Communists who seek to subvert Brazil. When leftist students rioted in Recife over the university's refusal to let
Che Guevara's Argentine mother, Celia. deliver a Castroite harangue, Quadros sent in the Brazilian navy and
marines. Time Magazine, loc. cit.
191
Soprando em direção ao inflamado nordeste, eles invadiram os redutos ao redor das
Ligas Camponesas para apreender a propaganda clandestina sobre a Cuba de Fidel
Castro e suas ramificações. Por ocasião dos movimentos de reivindicação trabalhista
no Brasil, detectou-se a forte presença de comunistas infiltrados. Os homens de
Jânio Quadros estão trabalhando para colocar os comunistas (vermelhos) “de
joelhos”.607
Os sindicatos, outro empecilho à empresa capitalista (e do Século Americano), foram
lembrados, mas onde estaria Goulart?
Os sindicatos costumavam ser hábeis em conseguir esmolas do governo Kubitschek.
"Não mais." O Ministro do Trabalho de Quadros, Francisco de Castro Neves, disse:
"Eu não estou brincando com eles. Eu lido apenas com as lideranças dos sindicatos
pró-democracia, e com mais ninguém.608
Despedaçamos com nossos punhos o
controle comunista de muitos sindicatos." Para o próprio Quadros: "Os comunistas
tiram proveito apenas da ignorância e da aflição de muitos dos meus compatriotas.
Eles não têm interesse algum em um Brasil democrático e próspero. Eles buscam
apenas explorar a miséria..."609
URSS
O grande pesadelo era a relação econômica e política com o Bloco Socialista. A fala
de Arinos parece contradizer os fundamentos de uma política externa independente, ao
mesmo tempo em que sugere certa distância do enérgico Quadros. Estaria o trecho editado?
Os brasileiros desprezam qualquer resultado duradouro dos flertes de Quadros por
trás da Cortina de Ferro. Eles argumentam que Quadros insiste em primeiro lugar no
comércio, antes de qualquer conversa séria de intercâmbios diplomáticos.610
Dos US
$ 2 bilhões em negócios com o leste, os brasileiros aguardam apenas uma fração.
Um diplomata veterano dos EUA, no Rio, disse: "Se Khrushchev acha que pode
fazer Quadros de bobo, ele está redondamente enganado." 611
O chanceler Afonso
Arinos acrescentou: "O Brasil não vai reconhecer a União Soviética imediatamente,
e não reconhecerá a China Vermelha pelo menos nos próximos dois ou três anos –
certamente não até que seja aceito na ONU. Estamos empenhados em votar para o
debate sobre a questão da China Vermelha, mas não vai votar a favor do ingresso da
China Vermelha ".612
607
Fanning out into the inflamed northeast, they raided Peasant League strongholds to round up propaganda
smuggled in from Castro's Cuba, and arms. In Brazil's labor movement, once heavily Communist-infiltrated.
Quadros' men are working to cut the Reds "off at the knees." Time Magazine, loc. cit. 608
The unions used to be able to get handouts from the Kubitschek government. "Not any more." says Quadros'
Labor Minister Francisco de Castro Neves. "I'm not playing games with them. I deal directly with democratic
union leaders, and with nobody else. Time Magazine, loc. cit. 609
Already we have torn open the clenched fist of Communist control of many unions." Says Quadros himself:
"Communists only profit from the ignorance that afflicts many of my countrymen. They have no interest
whatsoever in a democratic and prosperous Brazil. They seek only to exploit misery." Time Magazine, loc. cit. 610
Brazilians pooh-pooh any lasting effect from Quadros' flirtations behind the Iron Curtain. They argue that
Quadros insists on trade first, before any serious talk of diplomatic exchanges. Time Magazine, loc. cit. 611
Of the $2 billion in paper deals drummed up in the East, realistic Brazilians expect only a fraction. Says a
senior U.S. diplomat in Rio: "If Khrushchev thinks he can make a sucker out of Quadros, he's badly mistaken."
Time Magazine, loc. cit. 612
Adds Foreign Minister Afonso Arinos: "Brazil will not recognize the Soviet Union offhand, and will not
recognize Red China for two or three years — certainly not until it is accepted at the U.N. We are committed to
192
5.1.10 - A quarta força
O último trecho da reportagem resume o ponto de vista central de TIME em relação a
Jânio e ao Brasil de sua administração.
O que de fato Quadros leva realmente a sério sobre o Brasil é que seu país será uma
grande e independente potência – uma "quarta força" sem sombra de dúvidas. "Em
cinco anos", diz ele, ''o Brasil será uma grande potência.613
E eu serei livre". Tal
percurso naturalmente engrandece o Brasil – e Jânio Quadros – e a compreensão de
sua importância. Os brasileiros argumentam que os EUA também se beneficiam com
isso, assim como o hemisfério. No país, a influência comunista sobre os brasileiros
vem sendo enfraquecida, cujo ressentimento natural pelo poder de riqueza dos EUA
acabava conduzindo-os para a esquerda.614
No hemisfério, o Brasil pode ser um
grande aliado dos EUA, e como uma democracia forte e independente poderá lidar
em igualdade de condições. "Os americanos tendem a ser uma superpotência", disse
Quadros. "Tenho a intenção de tratá-los como uma amante. Uma amante apache".615
Um importante diplomata brasileiro acrescentou: "não podemos aceitar o
comunismo em Cuba permanentemente. Mas se tomarmos partido cedo demais,
perderemos toda a influência. “Nós não seremos mais capazes de agir de forma
eficaz para alcançar o nosso objetivo principal que é o mesmo que o seu: restaurar
Cuba para a comunidade americana".616
Embora Quadros tenha discordado de seus
partidários muitas vezes, o grande especialista americano em assuntos do Brasil, o
ex-embaixador John Moors Cabot, concorda que os EUA devem incentivar Quadros
a seguir o seu próprio caminho.617
"O nosso problema", diz ele, "é ver o Brasil
através do atual e conturbado período de transição. Podemos não gostar do fato de
que o Brasil adotou o que o presidente Jânio Quadros descreve como uma política
externa independente e que poderíamos descrever como neutralista.618
Jânio
Quadros coloca isso em termos brasileiros: "Com seu imenso tamanho, suas riquezas
naturais, e os esforços dedicados de seus 70 milhões de habitantes, o Brasil está
agora afirmando-se como uma grande nação.619
Estamos desenvolvendo, sem
sombra de dúvidas, a mais bem sucedida civilização de humanos nos trópicos. Tudo
vote for debate on the Red China issue, but will not vote in favor of Red China's admission." Time Magazine,
loc. cit. 613
The Fourth Force. What Quadros apparently is serious about is Brazil's emergence as a great and independent
power — a "fourth force" taking cues from no one. "In five years." he says. ''Brazil will be a great power. Time
Magazine, loc. cit. 614
And I will be free." Such a course naturally gratifies Brazil's — and Quadros' — sense of importance.
Brazilians argue that it also benefits the U.S. and the hemisphere. At home it undercuts Red influence over
Brazilians, whose natural resentment at U.S. wealth leads them left. Time Magazine, loc. cit. 615
In the hemisphere, Brazil can be a better ally of the U.S. as a strong and independent democracy dealing on
equal terms. "The Americans tend to be overpowering," says Quadros. "I intend to treat them like a lover — an
apache lover." 616
Adds a ranking Brazilian diplomat: "We cannot accept Communism in Cuba permanently. But if we take
sides too soon, we lose all influence. We will no longer be able to act effectively to achieve our main objective,
which is the same as yours: to restore Cuba to the American community." Time Magazine, loc. cit. 617
Although Quadros has contradicted his supporters many times before, the leading U.S. expert on Brazil,
former Ambassador John Moors Cabot, agrees that the U.S. must encourage Quadros to travel his own road.
Time Magazine, loc. cit. 618
"Our problem," he says, "is to see Brazil through the present troubled period of transition. We may not like
the fact that Brazil has adopted what President Quadros describes as an independent foreign policy and what we
might describe as a neutralist one. Time Magazine, loc. cit. 619
Jânio Quadros puts it in Brazilian terms: "Through its immense size, its natural riches, and the dedicated
efforts of its 70 million people. Brazil is now asserting itself as a great nation. Idem
193
o que o meu governo procura é disciplinar o nosso desenvolvimento nacional.620
Em
vez disso, queremos ser uma força positiva, capaz de contribuir para uma paz real,
com base na justiça e no respeito pelos direitos humanos”.621
Para TIME Magazine, ‘aquele’ Brasil era tratado como um objeto nas mãos de Jânio
Quadros que, com um discurso que pregava a independência política, ameaçava deliberar
ações de enfrentamento interno e externo ao país.
Como podemos perceber na tradução dos trechos, a reportagem fala por si mesma, as
percepções de TIME são nítidas. Após essa extensa matéria de capa, TIME publicaria em
agosto a última reportagem de Jânio como presidente: Quadros quits. Com a análise da
próxima reportagem, encerramos nossa investigação em torno das percepções da revista em
relação a Quadros.
5.2 - QUADROS SAI
620
We have created, without any doubt, man's most successful civilization in the tropics. All that my government
seeks is to discipline our national development. Idem 621
We don't want to become merely another power involved in the world struggle. Instead we want to be a
positive force, capable of contributing toward a real peace based on justice and respect for human rights." Idem
194
O debate acerca da renúncia de Jânio está presente em inúmeros textos que versam
sobre esse período tão conturbado da história do Brasil. Trazer outra visão dos fatos, narrados
inclusive por um veículo internacional, pode contribuir para enriquecer esse assunto sempre
muito acalorado. Na verdade, a revista TIME cobriu os mesmos fatos, mas atribuiu o seu
parecer ideológico sobre o tema. Nossa pesquisa indentificou que o tema da renúncia apenas
concluía a busca de uma personagem que foi construída e reconstruída diversas vezes ao
longo da cobertura de seu governo. Se de um lado ficava um enigma, do outro estava o juízo
acerca do(s) político(s) brasileiro(s), uma constante incógnita aos interesses estrangeiros, um
eminente risco aos investimentos norte-americanos, uma contradição ao Século Americano.
Exatamente uma semana após a renúncia de Jânio, TIME publicou a matéria que
tratou do assunto. Não foi um texto muito extenso. Foi objetivo e concentrou seu foco no
perfil de Jânio e das personagens que cercaram sua renúncia. O conceito sobre a pessoa de
Jânio estava definido para a revista: Jânio era emocional e errático. O gesto da renúncia foi
tratado como um apelo emocional do histriônico presidente. O líder político, eleito
massivamente pelo povo brasileiro, simplesmente tomava seu avião rumo à sua residência em
São Paulo e deixava o vice, Mazzilli, que assumia pela primeira vez a presidência do Brasil:
O sempre emocional e às vezes errático presidente do Brasil, Jânio Quadros, se
superou na semana passada. "Eu tenho sido castigado por forças que se colocam
contra mim, e por isso deixo o governo", lamentou. Ele renunciou à presidência e
voou de volta para sua terra natal, São Paulo. Ele deixou o presidente da Câmara dos
Deputados, um político pouco conhecido, chamado Pascoal Ranieri Mazzilli, para
presidir esse país em seu lugar.622
As forças estranhas servem de referência para esse famoso episódio, o gesto de Jânio
carregava uma denúncia contra os Estados Unidos, ele queria o Brasil para os brasileiros,
destacou a revista:
"Todos os meus esforços", disse Quadros num comunicado de despedida "foram em
vão para liderar esta nação na direção de sua verdadeira liberdade econômica e
política. Queria o Brasil para os brasileiros. Tive que enfrentar e combater a
corrupção, mentiras e covardia. No entanto, sinto-me esmagado, forças terríveis se
apresentaram para lutar contra mim e para difamar-me...".623
622
Ever emotional and sometimes erratic President Jânio Quadros outdid himself last week. "I have been beaten
by forces against me, and so I leave the government," he cried. He resigned the presidency, and flew off back to
his native Sao Paulo. He left the president of the Chamber of Deputies, a little-known politician named Pascoal
Ranieri Mazzilli, to preside as caretaker in his stead. Time Magazine: Brazil: Quadros Quits, 01-02-1961. 623
"All my efforts," said Quadros in a farewell statement, "were in vain to lead this nation in the direction of its
true economic and political freedom. I wanted Brazil for Brazilians. I had to face and fight corruption, lies and
195
TIME considerou que o gesto havia sido tomado de impulso, ainda mais para um
político cuja pouca idade e a breve permanência no governo pareciam não justificar tal
atitude. Por outro lado, a revista mencionou que a origem dos problemas se deu por conta da
condecoração de Guevara, ironicamente tratado como Czar de Cuba:
Foi um ato impulsivo para um político de 44 anos de idade, que assumiu o cargo há
sete meses com a maior votação da história brasileira. Tudo isso aconteceu após uma
semana de intensa agitação desencadeada – sem nenhuma surpresa – pela calorosa
recepção que Jânio deu ao czar da economia cubana, Che Guevara.624
Segundo Barbosa (2007), foi a partir da condecoração de Che Guevara que o
governo Quadros começou a cair.625
O evento serviu para fortalecer os protestos direcionados
à política externa de Jânio. O Congresso reagiu de forma exacerbada e em conjunto com
diversos setores da mídia. Além de Guevara, outros representantes de Cuba já haviam sido
agraciados com a mesma honraria no governo de Kubitschek pouco tempo antes, em junho de
1960, o fato foi tratado como corriqueiro no Brasil. Por outro lado, era evidente que “não se
poderia atribuir a um gesto da prática diplomática a responsabilidade pela crise em fervente
evolução e que culminaria na renúncia de Jânio cinco dias após o discutido ato. Era a primeira
vez na história política brasileira que a concessão de uma honraria seria evocada para
justificar uma ruidosa campanha contra seu outorgante.”626
A movimentação anterior à condecoração não passaria despercebida pela imprensa.
O atraso de Guevara foi registrado na matéria. Uma espécie de deboche ao líder cubano que,
para TIME, não tinha respeito e nem controle de horário e agenda. Talvez a revista se
perguntasse: o que se esperar de alguém assim?
Jânio, ao que parece, pensava e agia diferente de TIME. Ele se arrumou
decentemente para receber o líder cubano. Vestir-se bem era algo raro no entender da revista,
haja vista ter sido considerado em 1958 como a personalidade mais mal vestida do Brasil,
conforme publicação da própria revista. Finalmente, o momento crucial: a condecoração da
Ordem do Cruzeiro do Sul.
cowardliness. However, I feel crushed. Terrible forces came forward to fight me and to defame me . . ." Time
Magazine, loc. cit. 624
Bickering Prelude. It was a characteristically headlong performance by the 44-year-old politico, who took
office seven months ago with the biggest popular majority in Brazilian history. It came after a week of feuding
and fussing, touched off — not surprisingly — by the warmth of Quadros' welcome for Cuba's homeward-bound
economic czar, Che Guevara. Time Magazine, loc. cit. 625
BARBOSA, op cit., p. 317 626
Ibid., p. 319
196
O cubano não havia chegado no horário. Filas de funcionários foram deixados à
espera no aeroporto de Brasília. Finalmente, no dia seguinte, quando Che chegou
sem avisar, apenas alguns operadores estavam à disposição. Quadros, logo após,
vestiu sua melhor sarja azul para dar-lhe uma recepção ardente e condecorá-lo com a
mais alta honraria do Brasil para estrangeiros, a Ordem do Cruzeiro do Sul.627
Antes da condecoração, houve uma conversa entre Quadros e Guevara, o brasileiro
em seu gabinete agradeceu ao revolucionário pelo documentário sobre a invasão da Baía dos
Porcos.
As criticas de O Globo foram destacadas na matéria. Tratou-se de um crítica
inteligente e sutil. Na verdade, Guevara não era cubano e, por ser um autêntico comunista,
não poderia deixar de ser um autêntico ateu que foi condecorado com um emblema cristão.
A medalha foi demais. O jornal carioca O Globo protestou dizendo que "pendurado
no peito de um falso cubano e autêntico comunista, o emblema da Cruz de Cristo foi
totalmente desvalorizado."628
A melhor tradução que encontramos para o adjetivo de TIME à Lacerda foi ‘língua
de enxofre’. Como pudemos observar, Lacerda apareceu muito pouco ao longo das
reportagens que TIME cobriu sobre o governo Quadros. No entanto, Lacerda ressurgiu com
força nesta matéria. Foi lembrado como o articulador da vitória de Jânio, mas, ao que tudo
indica, ele se sentiu traído, pois o presidente passou a flertar com os inimigos de sua família.
Mais sorrateira ainda foi a explosão do língua de enxofre Carlos Lacerda,
governador da Guanabara (que inclui o Rio de Janeiro). No início, foi articulador da
campanha presidencial de Quadros e, desde então, mudou sua posição após o flerte
de Jânio Quadros com os comunistas ("futuros carrascos de seus pais, espiões de
seus irmãos ").629
O antigesto de Lacerda, condecorando os opositores de Quadros, foi entendido como
retaliador a Jânio. Ao mesmo tempo soou como um gesto pueril. O fato foi narrado num breve
trecho muito curto. Pouco tempo depois, Lacerda partia para Brasília, a fim de acertar as
contas com Jânio. A matéria construía a representação de uma eventual briga entre os dois
627
The Cuban did not arrive on schedule. Row on row of officials were left waiting at the Brasilia airport. When
Che finally arrived without warning the next day, only a few mechanics were on hand. Quadros later put on his
best blue serge to greet him, and give him an ardent reception, along with Brazil's highest award for foreigners,
the order of the Cruzeiro do Sul. Time Magazine, loc. cit. 628
The medal was too much. Rio's O Globo complained that "hung on the chest of a false Cuban and authentic
Communist, the emblem of Christ's Cross has been completely devalued." Time Magazine, loc. cit. 629
Sharper still was the blast from sulphur-tongued Carlos Lacerda, governor of Guanabara state (which includes
Rio de Janeiro), whose original election-campaign support for Quadros has since changed to dismay at Quadros'
flirtation with Communists ("future hangmen of their fathers, spies of their brothers"). Time Magazine, loc. cit.
197
políticos:
Numa reação rápida, Lacerda cercou-se de um grupo de cubanos anticastro liderado
por Manuel Antonio ("Tony") Varona e entregou-lhes as chaves do Rio. Então,
depois de se passar por Quadros e sendo convidado por ele para jantar, Lacerda
arrumou as malas e embarcou num jato da força aérea para Brasília, a fim de realizar
pessoalmente seu protesto ao presidente. 630
Segundo a matéria, Lacerda ao chegar em Brasília encontrou Jânio comendo um
sanduiche. O leitor da revista, neste momento, teve a informação de que existia no Brasil um
presidente que após condecorar um comunista vai fazer um lanche! No trecho abaixo,
podemos ainda inferir que o sanduíche estava mais interessante do que a fala de Lacerda, este
parecia não amedrontar o presidente:
Ele encontrou Quadros assistindo a um filme em sua sala de projeção particular, foi
oferecido um sanduíche e disse para começar a falar. Antes que ele mal começasse,
Quadros desculpou-se e calmamente telefonou para o ministro da Justiça Pedroso
Horta. 631
O trecho seguinte, Lacerda foi rapidamente despachado por Quadros para ter uma
conversa com o ministro da justiça. O ‘língua de enxofre’ apareceu na matéria como um
joguete, uma bola de pingue-pongue. Um dos traços de Jânio, muito debatido em reportagens
anteriores, reapareceu: sua falta de educação. Lacerda foi deixado do lado de fora do Palácio e
com sua mala abandonada. Onde estava Jânio?
"Chame Carlos à sua casa e veja o que ele quer", disse Quadros para a Horta.
Quando Lacerda terminou de falar com o ministro da Justiça, e voltou, ele encontrou
sua mala abandonada do lado de fora da porta do palácio presidencial. Jânio estava
dormindo, disse um assessor.632
Uma declaração de guerra foi anunciada contra Quadros, porém no formato de uma
denúncia que muito interessava à TIME. Desde o início das nossas investigações nesta
pesquisa, pudemos constatar as dúvidas que a revista detinha quanto aos futuros objetivos do
630
Outside the Door. In a quick reaction, Lacerda rounded up a group of anti-Castro Cubans headed by Manuel
Antonio ("Tony") Varona and handed them the keys to Rio. Then, after calling up Quadros and being invited by
him to dinner, Lacerda packed an overnight bag and rode an air force jet to Brasilia to carry his protest to the
President in person. Time Magazine, loc. cit. 631
He found Quadros watching a movie in his private projection room, was offered a sandwich and told to start
talking. He had hardly begun before Quadros excused himself and quietly phoned Justice Minister Pedroso
Horta. Time Magazine, loc. cit. 632
"Call Carlos over to your house and see what he wants," said Quadros to Horta. When Lacerda finished
talking to the Justice Minister and returned, he found his overnight bag sitting forlornly outside the presidential
palace door. Jânio was asleep, said an aide. Time Magazine, loc. cit.
198
‘errático’ Quadros. A denúncia de Lacerda parece ir nessa direção. Segundo a matéria,
Lacerda denunciava a existência de um golpe de estado:
A partir de então, foi declarada a guerra, e Lacerda tornou-se um formidável
antagonista. Ele voltou para o Rio e anunciou que o ministro da Justiça Horta o
havia convidado para participar de uma trama junto com Quadros para ampliar seus
poderes presidenciais e conseguir mais autoridade para si e colocar o Congresso em
recesso permanente. 633
Por meio do seu jornal, Tribuna de Imprensa, Lacerda começava seus disparos.
Segundo Barbosa, “Lacerda não poupou virulentas críticas ao que interpretava como
maquinações, visando levar o país a um governo de exceção com coloração comunista.”634
Para Lacerda, Guevara “era considerado como um vil assassino sanguinário de Moscou e
outras comparações do gênero.”635
Por outro lado, um aspecto contraditório pode ser destacado nesse ínterim. Lacerda
ao convocar em 18 de agosto de 1961 uma entrevista de imprensa chegou “a expressar o seu
descontentamento com a evolução dos acontecimentos em Brasília. Indo do sarcástico ao
patético, declarou não ser contra o reatamento com a URSS, mas contra a infiltração
comunista no país, abertamente favorecida pelas atitudes do governo, segundo ele.”636
Lacerda passou a ser o protagonista, TIME retoma fatos antigos da trajetória desse
político. No trecho abaixo, TIME informou que os motivos da renúncia de Jânio se deram
mediante as acusações de Lacerda. O poder do governador da Guanabara passou a ser
considerado como decisivo para outros eventos, tais como o da morte de Vargas.
No momento em que as acusações de Lacerda começaram e repercutir, Quadros
renunciou de forma dramática. Havia se passado sete anos e um dia a contar da
renúncia e suicídio do poderoso Getúlio Vargas, outro presidente que tinha sofrido a
ira de Lacerda.637
Após a declaração de guerra, a imprensa passou a representar o campo de batalha.
Lacerda, nos editoriais de seu jornal, panfleta contra Jânio seguidamente nos dias 22, 23, 24 e
25 de agosto. Lacerda insistiu na acusação de que Jânio havia “traído suas promessas
633
From then on it was undeclared war, and Lacerda is a formidable antagonist. He returned to Rio and
announced that Justice Minister Horta had invited him to join a Quadros plot to grab more authority for himself
by sending Brazil's holdover Congress into permanent recess. Time Magazine, loc. cit. 634
BARBOSA, op cit, p. 328 635
Ibid., ibidem. 636
Ibid., ibidem. 637
As Lacerda's charges began to stir a fuss, Quadros dramatically resigned. It was seven years and a day from
the resignation and suicide of Brazilian Strongman Getúlio Vargas, another President who had incurred
Lacerda's wrath. Time Magazine, loc. cit.
199
eleitorais, precisamente ele que era tachado de entreguista e ‘lacaio’ de Wall Street.”638
Por
fim, Lacerda “acusava Quadros de, tendo já implantado uma ditadura na política exterior,
tentar criar condições para outra interna, lançando o país na ‘órbita da Rússia’”.639
De início, TIME atribui à renúncia de Jânio a ideia de que foi um gesto impulsivo,
um ato que foi tomado por um homem jovem, confuso e com muitos erros a serem corrigidos.
Mas, por outro lado, surge na matéria a possibilidade de Jânio Quadros estar fazendo um jogo
político, utilizando seu vice-presidente como bode expiatório. Outra personagem adentra o
corpo da revista, João Goulart. Se as relações de Jânio com os comunistas eram muito
temidas, Goulart, ao que tudo indica, era mais temível ainda.
A renúncia de Jânio Quadros foi impulsiva – mas não totalmente precipitada. Ele
sabia que se os críticos temiam seu flerte com os próprios comunistas, eles temiam o
seu sucessor ainda mais. 640
O foco de TIME passou a mudar gradualmente de Jânio para Goulart. O vice-
-presidente do Brasil estava na China numa missão comercial. Os adjetivos não tardaram a
aparecer: ambicioso e demagogo de esquerda são alguns deles.
Em Cingapura, liderando uma missão comercial à China Vermelha, o ambicioso
vice-presidente João ("Jango") Goulart, 43, um demagogo de esquerda que se escora
nos trabalhadores, desceu do avião como se descesse em sua própria casa. 641
Segundo Barbosa, no momento em que Guevara era condecorado, Goulart externava
em Pequim “sua admiração pelo povo chinês que havia demonstrado como se libertar do jugo
de seus exploradores.”642
A forma como “Jango” passou a ser representado na reportagem parece indicar a
posição da revista tanto em relação a ele como em relação a Quadros, ou seja, Quadros
aceitou um opositor como vice-presidente, ao mesmo tempo em que esse opositor tem apoio
aberto dos comunistas. O formato das candidaturas à vice-presidência do Brasil chamou a
atenção de TIME, haja vista que este formato difere do norte-americano. Ainda nesse trecho,
TIME observou que o ato de renunciar já fazia parte do script de Jânio Quadros, a revista
lembrou de passagem o episódio de 1959:
638
BARBOSA, op cit, p. 328-329 639
Ibid., ibidem. 640
Quadros' resignation was impulsive — but not altogether rash. He knew that if critics feared his own flirtation
with Communists, they would fear his successor even more. Time Magazine, loc. cit. 641
In Singapore, having just led a trade mission to Red China, ambitious Vice President João ("Jango") Goulart,
43, a labor-wooing leftist demagogue, hopped a plane for home. Time Magazine, loc. cit. 642
BARBOSA, op cit., p 327
200
Opositor de Quadros – porém eleito (com o apoio comunista), é do costume
brasileiro permitir votações separadas para presidente e vice-presidente –, João
Goulart automaticamente se torna obrigado a assumir a presidência do Brasil no
momento em que tocar o solo brasileiro. 643
Pouco tempo antes do início da sua
campanha presidencial, Jânio Quadros renunciou dramaticamente sua candidatura
em protesto contra as exigências que estavam sendo feitas pelos partidos que o
apoiavam. 644
Na época, o resultado causou impactos em setores do exército e dos
oficiais da Força Aérea, houve pedidos em todo o país pelo seu retorno e finalmente
Quadros se rendeu aos apelos populares – logo após, os partidos o liberaram de
todos os compromissos.645
A matéria passou a informar sobre os incidentes que derivaram da renúncia. O ataque
à embaixada americana foi lembrado. Afonso Arinos surge como uma voz isolada e pró-
Quadros, o chanceler funcionava como uma eminência parda de Jânio nos assuntos da política
externa independente. Por outro lado, o povo reaparece, a voz do povo chamava pela volta de
Quadros:
O ritmo e a execução do pedido de renúncia na semana passada apresentou
semelhante e calculada imprudência. Houve algumas manifestações turbulentas,
incluindo o apedrejamento da embaixada dos EUA no Rio* por 200 alunos.
(*Atualmente entre os embaixadores, o Presidente Kennedy anunciou a nomeação
do economista de Harvard e do especialista em Brasil, Lincoln Gordon, para o cargo
na semana passada.646
)647
O Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, pediu
ao Congresso que "recusem a renúncia, senão haverá caos e guerra civil." E em todo
o Brasil, os protestos começaram a pedir o retorno de Quadros – presumivelmente
em seus próprios termos novamente.648
Um asterisco apareceu no trecho anterior e anunciou a chegada de Lincoln Gordon à
embaixada brasileira. TIME fez questão de frisar que o novo embaixador era um perito em
Brasil.
Essa reportagem foi publicada sete dias após a renúncia, tinha uma noção
aproximada das movimentações tanto em torno da renúncia, como das atitudes posteriores de
643
Opposed by Quadros but elected (with Communist support) under the Brazilian custom of permitting separate
votes for President and Vice President, Goulart automatically would become President of Brazil the moment he
touches Brazilian soil. Time Magazine, loc. cit. 644
Once before, early in the presidential campaigning, Quadros dramatically resigned his candidacy in protest
over the demands being made by parties supporting him. Time Magazine, loc. cit. 645
At that time, the result was a hair-trigger revolt by a few army and air force officers, pleas from across the
nation for his return, and Quadros' final surrender to the popular will — after the parties released him from all
commitments. Time Magazine, loc. cit. 646
* Currently between ambassadors; President Kennedy announced the appointment of Harvard Economist (and
Brazil Expert) Lincoln Gordon for the post last week. Time Magazine, loc. cit. 647
The timing and execution of last week's resignation showed similar calculated recklessness. There were a few
riotous demonstrations, including the stoning of the U.S. embassy in Rio* by 200 students. Time Magazine, loc.
cit. 648
Foreign Minister Afonso Arinos urged Congress to "refuse the resignation, or else there will be chaos and
civil war." And across Brazil, the pleading began for Quadros to return — presumably on his own terms again.
201
Quadros. O tom de despedida sugeriu não esconder a intenção messiânica. Quadros,
novamente parte para uma viagem com a pretensão de que as coisas se ajustem em seu favor.
Suas viagens eram longevas, tanto no espaço como no tempo. Três meses no exterior.
Sua renúncia não seria julgada até que fosse publicada no Diário Oficial. Mas, nas
últimas semanas, Quadros disse: "Eu não voltarei, a minha decisão é definitiva."Ele
planeja viajar para o exterior por três meses”, disse ele, "para evitar embaraços ao
próximo presidente do Brasil, Sr. Goulart."649
Até aquele momento, poderia ser dúbia a fala de Jânio permitindo que seu vice
assumisse sem os embaraços de sua presença no Brasil. A renúncia ainda precisava de um
dispositivo legal, ou seja, uma publicação no Diário Oficial da União, do contrário,
continuaria presidente.
Por se tratar da última matéria observando Jânio como presidente do Brasil, podemos
defender que a revista desde o início da cobertura da corrida presidencial de 1960 perseguiu
um personagem enigmático. Representou-o de diversas formas e sempre amparando-se em
seus gestos impulsivos.
Jânio vem aí! A revista o aguardou.
Onde estás tu, Jânio? A revista o procurou.
Por que tu, Jânio? A revistou tentou compreender essa questão durante os primeiros
seis meses de 1961.
Agora, Quadros Quit, a revista pareceu não se importar com o seu destino. Nas
reportagens seguintes, o messianismo de Jânio apareceu, reapareceu e desapareceu dentro do
governo seguinte. Uma grande ameaça ao Século Americano estaria definitivamente afastada?
IMAGENS DO CAPÍTULO 5
649
His resignation would not become final until it is published in the official government gazette. But at week's
end Quadros said: "I will not turn back. My decision is definite." He plans to travel abroad for three months, he
said, "to avoid embarrassing the next President of Brazil. Senhor Goulart." Time Magazine, loc. cit.
202
Imagem 38 – 30-06-1961
Imagem 39 – Quadros & Fans (30-06-1961)
“God destined us to become a great people.”
203
"Deus nos destinou para sermos um grande povo."
Imagem 40 – 30-06-1961
Imagem 41 – 30-06-1961
Deixe o povo ficar! Deixe o povo assistir!
204
Imagem 42 – Castro & Quadros (30-06-1961)
“Some Day, in some unknown serra...”
"Algum dia, de alguma serra desconhecido ..."
Imagem 43 – Eloá, Quadros & Tutu. (30-06-1961)
“The ugliest man I ever met”
"O homem mais feio que eu já conheci"
205
Imagem 44 – The Capital that Kubitschek built: Brasília. (30-06-1961)
“This place gives me the creebs.”
Esse lugar me dá arrepios
Imagem 45 – Grandpa Quadros in Brasília. (04-08-1961)
Tacking Between the poles.
Alinhavando entre os pólos.
206
Imagem 46 – Quadros decorating Che. (01-09-1961)
“Hung on an authentic Communist.” Condecorando um autêntico comunista
Imagem 47 – Critic Lacerda (01-09-1961)
Invited to the plot.
Convidados para a trama.
207
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Defendemos a tese de que Jânio Quadros, desde o início de sua campanha até sua
renúncia, afrontou os interesses norte-americanos no Brasil e, do mesmo modo, incomodou o
ideário de TIME.
Até que ponto a ideologia de Henry Luce teria condições de chegar, dentro dos seus
próprios moldes, aos povos do Terceiro Mundo? Aliás, que lugar ocupavam os povos latino-
americanos nos ideais de TIME? Havia alguma diferença entre Europa e América Latina no
messianismo de Luce? As respostas para essas questões podem ser resumidas nas reportagens
pessimistas, irônicas e jocosas em relação aos latinos-americanos.
Além da fronteira americana, havia um mundo cuja política, a cultura e a economia
eram estranhos e confusos aos olhos da TIME. A região precisava ser observada dentro de
uma seção específica (The Hemisphere). Cada país era observado dentro de um relativo grau
de atenção, cuidado e vigilância. Desse método deriva uma proposta tutelar avessa a
alteridade. Os países latinos americanos eram analisados dentro de um formato que
dispensava uma análise mais imparcial. As vicissitudes desses povos eram observadas e
recebiam um tipo de interpretação que negava qualquer réplica defensiva.
A chegada de Kennedy ao poder em 1961 foi bem recebida por TIME. Enquanto
político, jovem e entusiasta, Kennedy lançou luzes a uma nova fase na política norte-
208
americana. Por outro lado, tratou-se de um contexto conturbado. A América Latina
encontrava-se em estado de “ebulição”, por exemplo: a Revolução Cubana, as hostilidades a
Nixon, a Operação Pan-americana de JK, o mal-estar argentino diante do imperialismo dos
EUA, as questões em torno do Panamá, Jânio Quadros, dentre outros. Todos esses eventos
foram cobertos por TIME em tom de crítica, surpresa, curiosidade e apreensão.
Kennedy estabeleceu uma linha de trabalho que, de certo modo, contrariava as
análises e as interpretações de TIME. O Departamento de Estado defendia a tese de que a
ajuda econômica a esses povos seria uma forma de combater ao comunismo. Por se tratar de
uma dimensão econômica, tal ajuda iria desagradar aos interesses da empresa republicana na
qual se encaixava a revista. As reportagens que cobriram a Aliança para o Progresso eram de
cunho crítico e discordavam frontalmente das decisões que foram tomadas em favor dos
latinos americanos. Neste ponto articulam-se duas proposições. A primeira diz respeito à falta
de perspectiva de TIME em difundir os valores do Século Americano no espaço Latino
Americano. Segundo, diante de um espaço conturbado como o aquele, a aplicação de recursos
seria inviável.
Durante as reuniões com os países da América Latina para tratar dos investimentos
da Aliança para o Progresso, TIME deu ênfase a constante insatisfação dos latino-americanos
ao receberem o recurso. A perspectiva da ingratidão pode estar bem alinhada à ideia de
repulsa aos yankees e a crítica contra o imperialismo executada pelos esquerdistas latino
americanos. Se de um lado o formato dos recursos se caracterizava em empréstimos, esses
mesmos empréstimos iriam compor um círculo vicioso no qual se tornaria inevitável a tomada
de novos empréstimos, alargando ainda mais o fosso da dívida externa dos países
dependentes.
A gestão dos recursos recebidos corrobora a primeira afirmação. Os políticos, vistos
como demagogos e lideranças cegas pelo poder, não teriam a mínima condição racional para
conduzir qualquer processo de reerguimento de suas economias. A América Latina foi tratada
como um espaço onde a política era interpretada como espaço aberto das disputas partidárias
pelo poder (o poder pelo poder). Tais perfis políticos podiam facilmente ser estendidos para
além dos partidos, dentre eles: os sindicatos, os gestores de empresas públicas, os militares, as
classes média a alta, todos participavam de uma ciranda insana na disputa pelo poder.
Havia a perspectiva que dizia respeito ao tipo de região no qual ‘aqueles’ povos
estavam inseridos. A América Latina ainda, sob a ótica da TIME pertencia ao Wilderness,
uma imensa floresta com caudalosos e misteriosos rios. Sobre esse imenso espaço se
assentava uma população pobre, iletrada, sem as luzes do século americano. Não haveria
209
recurso algum no mundo que pudesse ajudar tamanha pobreza e subdesenvolvimento.
Investimentos pontuais eram estudados, mas não havia garantia de solução num curto prazo.
Para TIME essas teses seriam suficientes para derrubar as propostas do Departamento
de Estado para contenção do comunismo na região.
História, Cultura e Imprensa. Os meios de comunicação “imperialistas” impõem, ao
seu modo, sentido aos fatos independentemente se há alguém para recepcioná-los ou
corroborá-los. A difusão endógena das informações – ou seja: dentro do seu próprio país –
feita através de um poderoso veículo de imprensa na maioria das vezes torna-se eficaz. A
difusão exógena (publicações em outros países tratando dos mesmos assuntos) depende de
outras variáveis, sendo a principal delas a cultura de um povo.
Enquanto Jânio era apresentado aos EUA como uma ameaça, o grande público
brasileiro tinha a impressão inversa. A UDN tinha como plataforma o alinhamento com os
Estados Unidos. Nesse sentido, a figura de Jânio desfrutava de certo prestígio frente à
população que o elegeu. Sua expressiva e histórica vitória atesta esse argumento. TIME sabia
disso.
As reportagens de TIME são históricas e revelam historicidade, no entanto
direcionam seu discurso para um determinado público. Arroga-se de publicar a verdade,
subterfúgio ideológico – história direcionada. TIME tinha o poder de direcionar uma
informação e produzir, a revelia do tema ou do assunto, uma particular versão da história.
Prática não muito diferente daquilo que os meios de comunicação já fazem corriqueiramente.
A revista TIME se apropriou dos fatos, dialogou com fontes parceiras e sintetizou sua
opinião dentro dos moldes do seu ideário: O Século Americano. A história realizada pelos
editores de TIME é unilateral. Tal ideário permeia boa parte dos setores conservadores norte-
americanos. Até mesmo sua coluna de cartas era filtrada, os missivistas eram completamente
parciais.
A Guerra Fria, por outro lado, e tendo o duelo EUA/URSS ao fundo, não era um
momento de acertos dialéticos. Havia um explícito e delicado dualismo. Nesse sentido, talvez
fosse normal que veículos como TIME se ocupassem mais em produzir do gabinete do que
sair a campo. O Departamento de Estado e a CIA saíram à caça para localizar e prender,
jamais para analisar, dialogar e procurar sínteses amistosas. Numa estrutura de trabalho
dualista não havia espaço para o outro.
Século Americano versus Jânio. Dentro de TIME, Jânio existia como seus editores o
210
viam. Para os que estavam de fora, ele era outra pessoa. A empresa capitalista americana
esbarrava-se em Quadros. Tratava-se de uma personalidade difícil, senão a mais difícil que
tivesse cruzado o caminho dos Estados Unidos no Brasil. Como lidar com uma personalidade
tão ambígua? O comportamento de Jânio era de fácil compreensão para os brasileiros que o
elegeram: anticomunista e antiamericano. Mas, para um americano, tal ponto de vista era
muito complicado. Jânio está ou não está conosco? Talvez um americano se perguntasse:
Como pode estar conosco e contra nós ao mesmo tempo? Como ele consegue se opor aos
Estados Unidos se ele também é anticomunista? A revista mesmo estando diante de um
complicado problema de interpretação, conduziu as reportagens numa perspectiva anti-Jânio.
A revista se incomodava com os investimentos no governo Jânio Quadros. Os
números eram significativos. Eram proporcionalmente tão grandes como o país para os quais
eram direcionados. O nacionalismo e a expropriação andavam juntos naquela administração,
pelo menos foram as pautas de campanha durante aquela gestão.
Jânio, na maior parte do tempo de seu governo, flertou com os países comunistas. A
URSS tinha interesse não apenas em remeter recursos saneadores à economia brasileira, ela
queria introduzir seu maquinário, suas fábricas, sua ideologia, ou seja, os mesmos três
elementos de que dispõe o Século Americano. O século soviético batia à porta do Brasil com
os EUA espreitando pela janela. Jânio não deixaria nunca a porta fechada.
O Século Americano não contabilizava ou até mesmo imaginava manifestações de
independência tão fortes. A difusão de objetos e valores norte-americanos não podia encontrar
nenhum tipo de resistência, exceção para Cuba. Jânio não bloqueou nenhuma entrada de
investidores norte-americanos, porém alterou o critério de acesso e influência, ou seja, antes
de entrar, seria necessária a autorização do anfitrião.
Fronteira e Wilderness. A fronteira já havia sido vencida há muito tempo, o
wilderness não. Despachavam-se correspondentes e repórteres. TIME não enviava
antropólogos, aliás, encaminhava para além das fronteiras os mais hábeis espiões. Uma forma
peculiar de se produzir história era feita por esses espiões. Por outro lado, das terras distantes
a informação era transmitida para o Office. A espera da mensagem estava Henry Luce que
fazia o filtro necessário, atribuías aos fatos recebidos o significado que julgava pertinente e de
acordo com a sua própria interpretação. TIME continuava a tratar o wilderness como tal.
Brasília estava, segundo a revista, assentada nele. Jânio Quadros passou a morar em Brasília,
no interior do Brasil, ele era natural do Mato Grosso, região indômita, ao lado de Goiás, outra
região a ser desbravada. O Rio de Janeiro, com Lacerda, insistia em centralizar e reter o poder
211
executivo, o duelo entre a bela ex-capital – a Cidade Maravilhosa – e Brasília promovia essa
intensa dialética: campo versus cidade, wilderness versus cultura. Ao contrário do vice-
presidente João Goulart, que optava por permanecer no Palácio das Laranjeiras, Jânio ficava
em Brasília. Os gastos com o deslocamento dos parlamentares eram exorbitantes. TIME
notificou essas demandas e, ao seu modo, denunciou a forma como os recursos públicos
foram drenados na gestão daquele governo.
Jânio fixou uma fronteira visível. Kennedy um fronteira mais amistosa. O contexto
mundial estabelecia o desenho e o redesenho da geografia mundial, de um lado eram as
fronteiras, do outro eram os Muros. De que maneira o Século Americano poderia vencer essas
fronteiras que Jânio fixava? Os empréstimos nada mais eram que armadilhas ingênuas e que
muitas vezes não convenciam Quadros. A fronteira pan-americana nada mais era do que uma
enorme cerca que guardava em seu enorme interior um imenso wilderness. A principal
estratégia para que o Século Americano adentrasse a fronteira do Brasil seria inibir ou até
mesmo anular personagens que utilizassem o seu forte poder de persuasão contra a empresa
americana. Quadros durante sete meses foi esse personagem.
Quem era o povo brasileiro que aparecia nas reportagens que traziam Jânio como
tema? Questões de ordem estrutural tais como saúde, educação e moradia foram amplamente
abordadas. Mas o povo brasileiro não aparecia de forma direta na maioria das vezes. O povo
estava no campo, ameaçado de cooptação pelas Ligas Camponesas, tidas como instrumento
do comunismo no Brasil. O povo estava por trás dos empréstimos e dos investimentos. O
povo também era parte do wilderness. TIME tratou o povo como povo, massivo, e facilmente
manipulável.
O número de eleitores de Jânio e dos demais candidatos não representou apenas uma
parcela do povo, mas a sua carência por um líder político que pudesse aplacar os numerosos
problemas nacionais. Havia uma população ávida por um redentor e um líder não apenas
político, mas messiânico. TIME é uma revista ‘missionária’ e encontrou um forte adversário
em outra estrutura messiânica, Jânio, uma espécie de “Providência Divina”, um “Salvador da
Pátria”.
A revista analisou o perfil de Jânio por meio de uma ousada lógica: Líder +
Independente + Autoritário = Ditador. A fórmula revela muito dos temores da revista diante da
possibilidade de surgir outro Fidel Castro (outras Cubas). Para TIME, ditadura e comunismo
andavam juntos. Jânio Quadros, declarado antiamericano e desafeto da própria revista, era um
perigo evidente. A liderança de Quadros ficou clara com a sua força política diante dos
212
partidos nas eleições que participou. A postura independente sempre o acompanhou,
estendendo-se ao grau máximo no contexto das relações internacionais. O perfil autoritário
estava ligado ao uso político da máquina pública, de forma carismática ele agraciava o povo
com atitudes decisivas e enérgicas.
Um mês após ter sido a matéria de capa de uma das revistas mais famosas do mundo,
Jânio renunciava e partiu, como sempre, para longe. Tratava-se de um momento em que o
Século Americano não poderia mais emitir suspiros de alívio em relação ao Brasil e aos países
latino-americanos. Jânio Quadros, ao deixar o poder, motivou a TIME a produzir um número
ainda maior de reportagens e informações sobre o Brasil dentro de um contexto de
preocupação, crítica e desconforto.
REPORTAGENS CONSULTADAS
Seção Hemisphere: País, Título, Data.
The Americas: The Guests Of Venezuela. 26-05-1958
The Americas: Operation Pan American, 30-06-1958.
Brazil: Thirst Comes First, 01-09-1958
Cuba: The Vengeful Visionary, 26-01-1959
Brazil: Running Start, Monday, 09-03-1959
Brazil: Democracy's Lott, 06-04-1959
Brazil: Running Early, 17-08-1959.
Brazil: The Candidates, 29-02-1960
Brazil: Which Conservative?, 03-10-1960
Brazil: Slipped Trip, 11-04-1960
Brazil: The New President, 17-10-1960
Brazil: Journey To The East, 05-12-1960
213
Brazil: Legacy Of Woes, 19-12-1960.
Brazil: Wherefore Art Thou, Jânio, 06-01-1961
Brazil: Jack & Janio, 10-02-1961
Brazil: Wheeling & Dealing, 03-03-1961
The Americas: Silent Disenchantment, 10-03-1961
Brazil: Insult To Injury, 17-03-1961
The Americas: Two Views South, 17-03-1961
The Hemisphere: Investment Going Down, 17-03-1961
The Americas: Progreso, Si!, 24-03-1961
Brazil: The Quadros Line, 24-03-1961
Brazil: U.S. Bet On Quadros, 14-04-1961
Brazil: Sharpening Definitions, 02-06-1961
The Americas: A New Political Force, 02-06-1961
The Americas: Who's Intervening Where?, 16-06-1961
The Americas: Hello, But No Help, 23-06-1961
Brazil: One Man's Cup Of Coffee, 30-06-1961
Brazil: Plan For The Serra, 21-07-1961
Brazil: Quadros Quits, 01-09-1961
214
BIBLIOGRAFIA
ABRAHAMSON, David. Magazine-Made America: The Cultural Transfomation Of The
Postwar Periodical (Cresskill, N. J.: Hampton Press, 1995).
ALVES, Eduardo Silva. O Adeus a Jango. Dissertação de Mestrado, PUCSP, 2008.
BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (Bid). ‘O
Estado num Mundo em Transformação’. Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial –
1997. Washington, 1997.
BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964. Rio de
Janeiro, Renavan, 2001.
________________ Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1976.
________________ A Renúncia de Jânio Quadros e a crise pré 64. São Paulo, Brasiliense,
1979
BARBOSA, Carlos Alberto Leite. Desafio Inacabado: A Política Externa De Jânio Quadros.
São Paulo, Editora Atheneu Cultura, 2007.
BAUGHMAN, James L. Henry Luce And The Rise Of The American News Media. Baltimore
And London, The Johns Hopkins University Press, 2001.
BAUGHMAN, James L., Republic Of Mas Culture, Jounalism, Filmmaking, And
Broadcastng In America, Since 1941, 2 Ed. (Baltimore: John Hopkins University Press,
1997).
215
BELTRAN, L. Ramiro E Cardona, Elizabeth Fox. Comunicação Dominada – Os Estados
Unidos e os Meios de Comunicação da América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1983.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Jânio Quadros. São Paulo,
Brasiliense, 1992.
BENEVIDES, Maria Vitória. A UDN E O Udenismo – Ambiguidades do Liberalismo
Brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
BOURBAGE, Robert, Cazemajou, J., E Kaspi, A. Os Meios de Comunicação nos Estados
Unidos. Rio de Janeiro, Agir, 1973.
BRANCO, Carlos Castello. Introdução A Revolução de 1964. Rio de Janeiro, Artenova, 1975.
BRESSER Pereira, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania: A Reforma Gerencial
Brasileira na Perspectiva Internacional. São Paulo: Ed.34; Brasília: Enap, 1998.
BUSCH, Noel. Briton Hadden: A Biography Of The Co-Founder Of Time (New York, 1949).
CALMON, João. O Livro Negro da Invasão Branca. Rio de Janeiro, Edições Cruzeiro, 1966,
CANTARINO, Geraldo. 1964 - Revolução para Inglês. Rio de Janeiro, Muad, 1999.
CAPELATO, Maria Helena E Prado, Maria Ligia. O Bravo Matutino (IMPRENSA E
IDEOLOGIA NO JORNAL “O Estado DE São Paulo”). São Paulo, Alfa-Omega, 1980.
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988,
CARONE Edgard, A República Liberal, II – Evolução Política (1945-1964), São Paulo,
Difel, 1985.
CARVALHO, Getúlio. Petrobrás: DO MONOPÓLIO AOS CONTRATOS DE RISCO. Rio de
Janeiro, Forense-Universitária, 1977.
CHAIA, Vera Lúcia Michalany. A Liderança Política de Jânio Quadros, 1947-1990. São
Paulo, Humanidades, 1992.
CLAUDINO. Assis. O Monstro Sagrado e o Amarelinho Comunista: Gilberto Freire, Dom
Helder e a Revolução de 64. Recife-Rio de Janeiro, Editora e Distribuidora Opção,
1985.
CLURMANN, Richard. Até o Fim da Time. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996.
CORREIA, Marcos Sá. 1964 Visto e Comentado pela Casa Branca. Porto Alegre, LP & M,
1977.
CUPERTINO, Fausto. Os Contratos de Risco e a Petrobrás: O Petróleo é Nosso, O Risco é
deles? Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976.
216
DONOVAN, Hedley. Rooselvelt To Reagan: A Reporter’s Encouter With Nine Presidents
(New York: Harper & Row, 1985).
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação, Poder e Golpe de Mestre.
Petrópolis, Vozes, 1981.
DULLES, John W. F. Carlos Lacerda, A Vida de um Lutador (1914-1960). Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1992.
ELSON, Robert T. Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1923-1941).
New York, Atheneum, 1968.
EMERY, Edwin. História da Imprensa nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Lidador, 1965.
FERRARINO, Sebastião Antonio. A Imprensa e o Arcebispo Vermelho. São Paulo, Edições
Paulinas, 1992.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracias ou Reformas? Alternativas Democráticas à
Crise Política:1961-1964. Rio de Janeiro, Paz E Terra, 1993.
FISCHER, Heinz-Dietrich. “A Situação Internacional das Revistas”, In: Comunicação
Internacional: Meios-Canais-Funções. São Paulo, Cutrix, 1975.
GAMSON, Joshua, Claims to Fame: Celebrity in Contemporary America (Berkley:
University Of California Press, 1994).
GANS, Herbert J.. Deciding What's News (New York, Pantheon, 1979).
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo, Cia das Letras, 2002.
GIL, Federico G., Latin American-United States Relations, [San Diego], Harcourt Brace
Jovanovich, 1971.
HALBERSTAM, David. The Power That Be. (New York, Knopf, 1979).
HERZ, Daniel. A História Secreta da Rede Globo. Porto Alegre, Tchê, 1987.
HERZSTEIN, Robert. Henry R. Luce, Time and the American Crusade in Asia. Cambridge,
Cambridge University Press, 2005.
HIPPOLITO, Lucia. PSD de Raposas e Reformistas. Rio de Janeiro, Paz E Terra, 1985.
HOUAISS, Antonio. Dicionário Inglês-Português. Rio de Janeiro, Editora Record, 2002.
JUNQUEIRA, Mary Anne. Ao Sul do Rio Grande. Imaginando a América Latina em
Seleções: Oeste, Wilderness e Fronteira (1942-1970). Bragança Paulista / Edusf, 2000.
JUREMA, Abelado. Sexta-Feira 13 – Os Últimos Dias do Governo João Goulart. Rio de
Janeiro, Edições Cruzeiro, 1964.
217
KENNEDY, Robert. O Desafio da América Latina. Rio de Janeiro, Laudes, S/D.
LACERDA, Carlos, O Poder das Ideias. Rio de Janeiro, Record, 1964.
LACERDA, Carlos. Depoimentos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978.
LAURENZA, Ana Maria DE Abreu. Lacerda X Weiner: O Corvo e o Bessarabiano. São
Paulo, Editora Senac, 1998.
LAVAREDA, Antonio. A Democracia nas Urnas – O PROCESSO PARTIDÁRIO-
ELEITORAL BRASILEIRO: 1945-1964. Rio de Janeiro, Iuperj: Renavan, 1999.
LEACOCK Ruth, Requiem for Revolution: The United States And Brazil, 1961-1969. Kent,
Oh, Kent State University Press, 1990.
LYDGATE, William A., “Romantic Business,” Scribner’s, (Sept., 1938).
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil: 1916-1985. São Paulo,
Brasiliense, 1989.
MANGABEIRA, Francisco. Imperialismo, Petróleo e Petrobrás. Rio de Janeiro, Zahar, 1964.
MARTINS, Ana Luiza. & Luca, Tânia Regina de. História da Imprensa no Brasil. São Paulo,
Contexto, 2008.
MATUSOW, Allen J., The Unraveling Of America: A History Of Liberalism In The 1960s.
New York: Harper & Row, 1984.
MECHI, Patricia Sposito. Os Protagonistas do Araguaia: Trajetórias, Representações e
Práticas de Camponeses, Militantes e Militares na Guerrilha (1972-1974). Tese de
Doutorado, PUCSP., 2012
MENDES, Lilian Marta Grisolio. American Dream e o Pesadelo Vermelho: Americanização
e Anticomunismo nas Páginas de O Cruzeiro 1947-1950. Tese de Doutorado, PUCSP.,
2011.
MENDES, Lilian Marta Grisolio. Entre a Cruz e o Manifesto: Dilemas da
Contemporaneidade no Discurso da Juventude Operária Católica do Brasil
(1960/1968). Tese de Mestrado, PUCSP, 2011.
MOREIRA Alves, Márcio. A Igreja a Política no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1979.
MOREL, Edmar. O Golpe Começou em Washington. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1965.
PARMET, Herbert S. Jack: The Struggles of John F. Kennedy (New York: Dial Press, 1980).
PARKER, Phyllis R. 1964: O Papel dos Estados Unidos no Golpe de 31 DE Março. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.
218
PETERSON, Theodore. Magazines In The Twentieth Century. Illinios, University Of Illinois
Press, 1964.
PRATT, Mary Louise. Os Olhos Do Império: Relatos de Viagem e Transculturação. Bauru,
EDUSC, 1999.
PRENDERGAST, Curtius. The World Of Time Inc – The Intimate History Of A Changing
Enterprise, Vol. Iii (1960-1980). New York, Athenum, 1986.
ROMANOVA, Z. A Expansão Econômica dos Estados Unidos na América Latina. Rio De
Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.
SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo, Cia das Letras, 1995.
SAPORTA, Marc (ORG). O Grande Desafio. Enciclopédia Comparada USA-URSS. Rio De
Janeiro, Editora Expressão E Cultura, 1968.
SCHILLER, Herbert I. O Império Norte-Americano das Comunicações. Petrópolis, Vozes,
1976.
SCHLESINGER, Arthur. Mil Dias: John Fitzgerald Kennedy na Casa Branca. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.
SILVA, Hélio. 1964: Golpe ou Contragolpe? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
SILVA, Hélio. Jânio Quadros 1961 20º PRESIDENTE. São Paulo, Editora Três, 1983.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro, Paz E Terra, 2000.
SOBRINHO, Antonio Porto. A Guerra Psicológica no Brasil. Rio De Janeiro, Fundo De
Cultura, 1965.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1977
STACCHINI, José. Março 64: Mobilização De Audácia. São Paulo, Cia. Editora Nacional,
1965
TÁVORA, Araken. 1º DE Abril. Rio de Janeiro, Sociedade Gráfica Vida Doméstica, 1964.
TOTA, Antonio Pedro. O Imperialismo Sedutor. São Paulo, Cia DAS Letras, 2000.
TOTA, Antonio Pedro. Os Americanos. São Paulo, Contexto, 2012.
US DEPARTAMENT OF COMMERCE – Economics And Estatistic Administration – Bureal
Of The Census,
VICTOR, Mário. Cinco Anos que Abalaram o Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1965.
219
VIEIRA, Evaldo. Estado e Miséria Social no Brasil: De Getúlio a Geisel. São Paulo, Editora
Cortez, 1985.
VILLA, Marco Antonio. Jango: Um perfil (1945-1964). Rio de Janeiro, Editora Globo, 2002.
WOLSELEY, Roland E. The Changing Magazines: Trends In Readership And Management.
New York, Hasting House Publishers, 1973.
YOUNG, Jordan M. Brasil 1954/1964 O Fim de um Ciclo Civil. Rio De Janeiro, Nova
Fronteira, 1973
220
ANEXO: TEXTO ORIGINAL DO SÉCULO AMERICANO
THE AMERICAN CENTURY
HENRY R. LUCE
First published in LIFE magazine 17 February 1941
We Americans are unhappy. We are not happy about America. We are not happy about
ourselves in relation to America. We are nervous - or gloomy - or apathetic.
As we look out at the rest of the world we are confused; we don't know what to do. "Aid to
Britain short of war" is typical of halfway hopes and halfway measures.
As we look toward the future - our own future and the future of other nations - we are filled
with foreboding. The future doesn't seem to hold anything for us except conflict, disruption,
war.
There is a striking contrast between our state of mind and that of the British people. On Sept.
3, 1939, the first day of the war in England, Winston Churchill had this to say: "Outside the
storms of war may blow and the land may be lashed with the fury of its gales, but in our
hearts this Sunday morning there is Peace." Since Mr. Churchill spoke those words the
German Luftwaffe has made havoc of British cities, driven the population underground,
frightened children from their sleep, and imposed upon everyone a nervous strain as great as
any that people have ever endured. Readers of LIFE have seen this havoc unfolded week by
week.
Yet close observers agree that when Mr. Churchill spoke of peace in the hearts of the British
people he was not indulging in idle oratory. The British people are profoundly calm. There
seems to be a complete absence of nervousness. It seems as if all the neuroses of modern life
had vanished from England.
221
In the beginning the British Government made elaborate preparations for an increase in
mental breakdowns. But these have actually declined. There have been fewer than a dozen
breakdowns reported in London since the air raids began.
The British are calm in their spirit not because they have nothing to worry about but because
they are fighting for their lives. They have made that decision. And they have no further
choice. All their mistakes of the past 20 years, all the stupidities and failures that they have
shared with the rest of the democratic world, are now of the past. They can forget them
because they are faced with a supreme task - defending, yard by yard, their island home.
With us it is different. We do not have to face any attack tomorrow or the next day. Yet we
are faced with something almost as difficult. We are faced with great decisions.
* * *
We know how lucky we are compared to all the rest of mankind. At least two-thirds of us are
just plain rich compared to all the rest of the human family - rich in food, rich in clothes, rich
in entertainment and amusement, rich in leisure, rich.
And yet we also know that the sickness of the world is also our sickness. We, too, have
miserably failed to solve the problems of our epoch. And nowhere in the world have man's
failures been so little excusable as in the United States of America. Nowhere has the contrast
been so great between the reasonable hopes of our age and the actual facts of failure and
frustration. And so now all our failures and mistakes hover like birds of ill omen over the
White House, over the Capitol dome and over this printed page. Naturally, we have no peace.
But, even beyond this necessity for living with our own misdeeds, there is another reason why
there is no peace in our hearts. It is that we have not been honest with ourselves.
In this whole matter of War and Peace especially, we have been at various times and in
various ways false to ourselves, false to each other, false to the facts of history and false to the
future.
In this self-deceit our political leaders of all shades of opinion are deeply implicated. Yet we
cannot shove the blame off on them. If our leaders have deceived us it is mainly because we
ourselves have insisted on being deceived. Their deceitfulness has resulted from our own
moral and intellectual confusion. In this confusion, our educators and churchmen and
scientists are deeply implicated.
222
Journalists, too, of course, are implicated. But if Americans are confused it is not for lack of
accurate and pertinent information. The American people are by far the best informed people
in the history of the world. The trouble is not with the facts. The trouble is that clear and
honest inferences have not been drawn from the facts. The day-to-day present is clear. The
issues of tomorrow are befogged.
There is one fundamental issue which faces America as it faces no other nation. It is an issue
peculiar to America and peculiar to America in the 20th Century - now. It is deeper even than
the immediate issue of War. If America meets it correctly, then, despite hosts of dangers and
difficulties, we can look forward and move forward to a future worthy of men, with peace in
our hearts. If we dodge the issue, we shall flounder for ten or 20 or 30 bitter years in a
chartless and meaningless series of disasters.
The purpose of this article is to state that issue, and its solution, as candidly and as completely
as possible. But first of all let us be completely candid about where we are and how we got
there.
AMERICA IS IN THE WAR
. . . But are we in it?
Where are we? We are in the war. All this talk about whether this or that might or might not
get us into the war is wasted effort. We are, for a fact, in the war.
If there's one place we Americans did not want to be, it was in the war. We didn't want much
to be in any kind of war but, if there was one kind of war we most of all didn't want to be in, it
was a European war. Yet, we're in a war, as vicious and bad a war as ever struck this planet,
and, along with being worldwide, a European war.
Of course, we are not technically at war, we are not painfully at war, and we may never have
to experience the full hell that war can be. Nevertheless the simple statement stands: we are in
the war. The irony is that Hitler knows it -and most Americans don't. It may or may not be an
advantage to continue diplomatic relations with Germany. But the fact that a German embassy
223
still flourishes in Washington beautifully illustrates the whole mass of deceits and self-deceits
in which we have been living.
Perhaps the best way to show ourselves that we are in the war is to consider how we can get
out of it. Practically, there's only one way to get out of it and that is by a German victory over
England. If England should surrender soon, Germany and America would not start fighting
the next day. So we would be out of the war. For a while. Except that Japan might then attack
the South Seas and the Philippines. We could abandon the Philippines, abandon Australia and
New Zealand, withdraw to Hawaii. And wait. We would be out of the war. We say we don't
want to be in the war. We also say we want England to win. We want Hitler stopped - more
than we want to stay out of the war. So, at the moment, we're in.
WE GOT IN VIA DEFENSE
. . . But what are we defending?
Now that we are in this war, how did we get in? We got in on the basis of defense. Even that
very word, defense, has been full of deceit and self-deceit. To the average American the plain
meaning of the word defense is defense of the American territory. Is our national policy today
limited to the defense of the American homeland by whatever means may seem wise? It is
not. We are not in a war to defend American territory. We are in a war to defend and even to
promote, encourage and incite so-called democratic principles throughout the world. The
average American begins to realize now that that's the kind of war he's in. And he's halfway
for it. But he wonders how he ever got there, since a year ago he had not the slightest
intention of getting into any such thing. Well, he can see now how he got there. He got there
via "defense."
Behind the doubts in the American mind there were and are two different picture-patterns.
One of them stressing the appalling consequences of the fall of England leads us to a war of
intervention. As a plain matter of the defense of American territory is that picture necessarily
true? It is not necessarily true.
For the other picture is roughly this: while it would be much better for us if Hitler were
severely checked, nevertheless regardless of what happens in Europe it would be entirely
possible for us to organize a defense of the northern part of the Western Hemisphere so that
224
this country could not be successfully attacked. You are familiar with that picture. Is it true or
false? No man is qualified to state categorically that it is false. If the entire rest of the world
came under the organized domination of evil tyrants, it is quite possible to imagine that this
country could make itself such a tough nut to crack that not all the tyrants in the world would
care to come against us. And of course there would always be a better than even chance that,
like the great Queen Elizabeth, we could play one tyrant off against another. Or, like an
infinitely mightier Switzerland, we could live discreetly and dangerously in the midst of
enemies. No man can say that that picture of America as an impregnable armed camp is false.
No man can honestly say that as a pure matter of defense - defense of our homeland - it is
necessary to get into or be in this war. The question before us then is not primarily one of
necessity and survival. It is a question of choice and calculation. The true questions are: Do
we want to be in this war? Do we prefer to be in it? And, if so, for what?
WE OBJECT TO BEING IN IT
. . . Our fears have a special cause
We are in this war. We can see how we got into it in terms of defense. Now why do we object
so strongly to being in it?
There are lots of reasons. First, there is the profound and almost universal aversion to all war -
to killing and being killed. But the reason which needs closest inspection, since it is one
peculiar to this war and never felt about any previous war, is the fear that if we get into this
war, it will be the end of our constitutional democracy. We are all acquainted with the fearful
forecast - that some form of dictatorship is required to fight a modern war, that we will
certainly go bankrupt, that in the process of war and its aftermath our economy will be largely
socialized, that the politicians now in office will seize complete power and never yield it up,
and that what with the whole trend toward collectivism, we shall end up in such a total
national socialism that any faint semblances of our constitutional American democracy will
be totally unrecognizable. We start into this war with huge Government debt, a vast
bureaucracy and a whole generation of young people trained to look to the Government as the
source of all life. The Party in power is the one which for long years has been most
sympathetic to all manner of socialist doctrines and collectivist trends.
The President of the United States has continually reached for more and more
225
power, and he owes his continuation in office today largely to the coming of the war. Thus,
the fear that the United States will be driven to a national socialism, as a result of cataclysmic
circumstances and contrary to the free will of the American people, is an entirely justifiable
fear.
BUT WE WILL WIN IT
. . . The big question is how
So there's the mess - to date. Much more could be said in amplification, in qualification, and
in argument. But, however elaborately they might be stated, the sum of the facts about our
present position brings us to this point - that the paramount question of this immediate
moment is not whether we get into war but how do we win it?
If we are in a war, then it is no little advantage to be aware of the fact. And once we admit to
ourselves we are in a war, there is no shadow of doubt that we Americans will be determined
to win it - cost what it may in life or treasure. Whether or not we declare war, whether or not
we send expeditionary forces abroad, whether or not we go bankrupt in the process - all these
tremendous considerations are matters of strategy and management and are secondary to the
overwhelming importance of winning the war.
WHAT ARE WE FIGHTING FOR?
. . . And why we need to know
Having now, with candor, examined our position, it is time to consider, to better purpose than
would have been possible before, the larger issue which confronts us. Stated most simply, and
in general terms, that issue is: What are we fighting for?
Each of us stands ready to give our life, our wealth, and all our hope of personal happiness, to
make sure that America shall not lose any war she is engaged in. But we would like to know
what war we are trying to win - and what we are supposed to win when we win it.
This questioning reflects our truest instincts as Americans. But more than that. Our urgent
desire to give this war its proper name has a desperate practical importance. If we know what
226
we are fighting for, then we can drive confidently toward a victorious conclusion and, what's
more, have at least an even chance of establishing a workable Peace.
Furthermore - and this is an extraordinary and profoundly historical fact which deserves to be
examined in detail - America and only America can effectively state the war aims of this war.
Almost every expert will agree that Britain cannot win complete victory -cannot even, in the
common saying, "stop Hitler" - without American help. Therefore, even if Britain should
from time to time announce war aims, the American people are continually in the position of
effectively approving or not approving those aims. On the contrary, if America were to
announce war aims, Great Britain would almost certainly accept them. And the entire world
including Adolf Hitler would accept them as the gauge of this battle.
Americans have a feeling that in any collaboration with Great Britain we are somehow
playing Britain's game and not our own. Whatever sense there may have been in this notion in
the past, today it is an ignorant and foolish conception of the situation. In any sort of
partnership with the British Empire, Great Britain is perfectly willing that the United States of
America should assume the role of senior partner. This has been true for a long time. Among
serious Englishmen, the chief complaint against America (and incidentally their best alibi for
themselves) has really amounted to this - that America has refused to rise to the opportunities
of leadership in the world.
Consider this recent statement of the London Economist :
"If any permanent closer association of Britain and the United States is achieved, an island
people of less than 50 millions cannot expect to be the senior partner. . . . The center of
gravity and the ultimate decision must increasingly lie in America. We cannot resent this
historical development. We may rather feel proud that the cycle of dependence, enmity and
independence is coming full circle into a new interdependence." We Americans no longer
have the alibi that we cannot have things the way we want them so far as Great Britain is
concerned. With due regard for the varying problems of the members of the British
Commonwealth, what we want will be okay with them. This holds true even for that inspiring
proposal called Union Now - a proposal, made by an American, that Britain and the United
States should create a new and larger federal union of peoples. That may not be the right
227
approach to our problem. But no thoughtful American has done his duty by the United States
of America until he has read and pondered Clarence Streit's book presenting that proposal.
The big, important point to be made here is simply that the complete opportunity of leadership
is ours. Like most great creative opportunities, it is an opportunity enveloped in stupendous
difficulties and dangers. If we don't want it, if we refuse to take it, the responsibility of refusal
is also ours, and ours alone. Admittedly, the future of the world cannot be settled all in one
piece. It is stupid to try to blueprint the future as you blueprint an engine or as you draw up a
constitution for a sorority. But if our trouble is that we don't know what we are fighting for,
then it's up to us to figure it out. Don't expect some other country to tell us. Stop this Nazi
propaganda about fighting somebody else's war. We fight no wars except our wars. "Arsenal
of Democracy?" We may prove to be that. But today we must be the arsenal of America and
of the friends and allies of America.
Friends and allies of America? Who are they, and for what? This is for us to tell them.
DONG DANG OR DEMOCRACY
. . . But whose Dong Dang, whose Democracy?
But how can we tell them? And how can we tell ourselves for what purposes we seek allies
and for what purposes we fight? Are we going to fight for dear old Danzig or dear old Dong
Dang? Are we going to decide the boundaries of Uritania? Or, if we cannot state war aims in
terms of vastly distant geography, shall we use some big words like Democracy and Freedom
and Justice? Yes, we can use the big words. The President has already used them. And
perhaps we had better get used to using them again. Maybe they do mean something -about
the future as well as the past.
Some amongst us are likely to be dying for them - on the fields and in the skies of battle.
Either that, or the words themselves and what they mean die with us - in our beds.
But is there nothing between the absurd sound of distant cities and the brassy trumpeting of
majestic words? And if so, whose Dong Dang and whose Democracy? Is there not something
a little more practically satisfying that we can get our teeth into? Is there no sort of
228
understandable program? A program which would be clearly good for America, which would
make sense for America - and which at the same time might have the blessing of the Goddess
of Democracy and even help somehow to fix up this bothersome matter of Dong Dang? Is
there none such? There is. And so we now come squarely and closely face to face with the
issue which Americans hate most to face. It is that old, old issue with those old, old battered
labels -the issue of Isolationism versus Internationalism. We detest both words. We spit them
at each other with the fury of hissing geese. We duck and dodge them.
Let us face that issue squarely now. If we face it squarely now - and if in facing it we take full
and fearless account of the realities of our age - then we shall open the way, not necessarily to
peace in our daily lives but to peace in our hearts.
Life is made up of joy and sorrow, of satisfactions and difficulties. In this time of trouble, we
speak of troubles. There are many troubles. There are troubles in the field of philosophy, in
faith and morals. There are troubles of home and family, of personal life. All are interrelated
but we speak here especially of the troubles of national policy.
In the field of national policy, the fundamental trouble with America has been, and is, that
whereas their nation became in the 20th Century the most powerful and the most vital nation
in the world, nevertheless Americans were unable to accommodate themselves spiritually and
practically to that fact. Hence they have failed to play their part as a world power - a failure
which has had disastrous consequences for themselves and for all mankind. And the cure is
this: to accept wholeheartedly our duty and our opportunity as the most powerful and vital
nation in the world and in consequence to exert upon the world the full impact of our
influence, for such purposes as we see fit and by such means as we see fit.
* * *
"For such purposes as we see fit" leaves entirely open the question of what our purposes may
be or how we may appropriately achieve them. Emphatically our only alternative to
isolationism is not to undertake to police the whole world nor to impose democratic
institutions on all mankind including the Dalai Lama and the good shepherds of Tibet.
America cannot be responsible for the good behavior of the entire world. But America is
responsible, to herself as well as to history, for the world environment in which she lives.
Nothing can so vitally affect America's environment as America's own influence upon it, and
229
therefore if America's environment is unfavorable to the growth of American life, then
America has nobody to blame so deeply as she must blame herself. In its failure to grasp this
relationship between America and America's environment lies the moral and practical
bankruptcy of any and all forms of isolationism. It is most unfortunate that this virus of
isolationist sterility has so deeply infected an influential section of the Republican Party. For
until the Republican Party can develop a vital philosophy and program for America's initiative
and activity as a world power, it will continue to cut itself off from any useful participation in
this hour of history. And its participation is deeply needed for the shaping of the future of
America and of the world.
* * *
But politically speaking, it is an equally serious fact that for seven years Franklin Roosevelt
was, for all practical purposes, a complete isolationist. He was more of an isolationist than
Herbert Hoover or Calvin Coolidge. The fact that Franklin Roosevelt has recently emerged as
an emergency world leader should not obscure the fact that for seven years his policies ran
absolutely counter to any possibility of effective American leadership in international co-
operation. There is of course a justification which can be made for the President's first two
terms. It can be said, with reason, that great social reforms were necessary in order to bring
democracy up-to-date in the greatest of democracies. But the fact is that Franklin Roosevelt
failed to make American democracy work successfully on a narrow, materialistic and
nationalistic basis. And under Franklin Roosevelt we ourselves have failed to make
democracy work successfully. Our only chance now to make it work is in terms of a vital
international economy and in terms of an international moral order. This objective is Franklin
Roosevelt's great opportunity to justify his first two terms and to go down in history as the
greatest rather than the last of American Presidents. Our job is to help in every way we can,
for our sakes and our children's sakes, to ensure that Franklin Roosevelt shall be justly hailed
as America's greatest President.
Without our help he cannot be our greatest President. With our help he can and will be. Under
him and with his leadership we can make isolationism as dead an issue as slavery, and we can
make a truly American internationalism something as natural to us in our time as the airplane
or the radio. In 1919 we had a golden opportunity, an opportunity unprecedented in all
history, to assume the leadership of the world - a golden opportunity handed to us on the
proverbial silver platter. We did not understand that opportunity.
230
Wilson mishandled it. We rejected it. The opportunity persisted. We bungled it in the 1920's
and in the confusions of the 1930's we killed it. To lead the world would never have been an
easy task. To revive the hope of that lost opportunity makes the task now infinitely harder
than it would have been before. Nevertheless, with the help of all of us, Roosevelt must
succeed where Wilson failed.
THE 20TH CENTURY IS THE AMERICAN CENTURY
. . . Some facts about our time
Consider the 20th Century. It is not only in the sense that we happen to live in it but ours also
because it is America's first century as a dominant power in the world. So far, this century of
ours has been a profound and tragic disappointment. No other century has been so big with
promise for human progress and happiness. And in no one century have so many men and
women and children suffered such pain and anguish and bitter death. It is a baffling and
difficult and paradoxical century. No doubt all centuries were paradoxical to those who had to
cope with them. But, like everything else, our paradoxes today are bigger and better than ever.
Yes, better as well as bigger - inherently better. We have poverty and starvation - but only in
the midst of plenty. We have the biggest wars in the midst of the most widespread, the
deepest and the most articulate hatred of war in all history. We have tyrannies and
dictatorships - but only when democratic idealism, once regarded as the dubious eccentricity
of a colonial nation, is the faith of a huge majority of the people of the world.
And ours is also a revolutionary century. The paradoxes make it inevitably revolutionary.
Revolutionary, of course, in science and in industry. And also revolutionary, as a corollary in
politics and the structure of society. But to say that a revolution is in progress is not to say that
the men with either the craziest ideas or the angriest ideas or the most plausible ideas are
going to come out on top. The Revolution of 1776 was won and established by men most of
whom appear to have been both gentlemen and men of common sense. Clearly a
revolutionary epoch signifies great changes, great adjustments. And this is only one reason
why it is really so foolish for people to worry about our "constitutional democracy" without
worrying or, better, thinking hard about the world revolution. For only as we go out to meet
and solve for our time the problems of the world revolution, can we know how to re-establish
our constitutional democracy for another 50 or 100 years. This 20th Century is baffling,
231
difficult, paradoxical, revolutionary. But by now, at the cost of much pain and many hopes
deferred, we know a good deal about it. And we ought to accommodate our outlook to this
knowledge so dearly bought. For example, any true conception of our world of the 20th
Century must surely include a vivid awareness of at least these four propositions.
First: our world of 2,000,000,000 human beings is for the first time in history one world,
fundamentally indivisible.
Second: modern man hates war and feels intuitively that, in its present scale and frequency, it
may even be fatal to his species. Third: our world, again for the first time in human history, is
capable of producing all the material needs of the entire human family. Fourth: the world of
the 20th Century, if it is to come to life in any nobility of health and vigor, must be to a
significant degree an American Century. As to the first and second: in postulating the
indivisibility of the contemporary world, one does not necessarily imagine that anything like a
world state -a parliament of men - must be brought about in this century. Nor need we assume
that war can be abolished. All that it is necessary to feel - and to feel deeply - is that terrific
forces of magnetic attraction and repulsion will operate as between every large group of
human beings on this planet. Large sections of the human family may be effectively organized
into opposition to each other. Tyrannies may require a large amount of living space. But
Freedom requires and will require far greater living space than Tyranny. Peace cannot endure
unless it prevails over a very large part of the world. Justice will come near to losing all
meaning in the minds of men unless Justice can have approximately the same fundamental
meanings in many lands and among many peoples. As to the third point - the promise of
adequate production for all mankind, the "more abundant life" - be it noted that this is
characteristically an American promise. It is a promise easily made, here and elsewhere, by
demagogues and proponents of all manner of slick schemes and "planned economies." What
we must insist on is that the abundant life is predicated on Freedom - on the Freedom which
has created its possibility - on a vision of Freedom under Law. Without Freedom, there will
be no abundant life. With Freedom, there can be. And finally there is the belief - shared let us
remember by most men living -that the 20th Century must be to a significant degree an
American Century. This knowledge calls us to action now.
AMERICA'S VISION OF OUR WORLD
232
. . . How it shall be created
What can we say and foresee about an American Century? It is meaningless merely to say that
we reject isolationism and accept the logic of internationalism. What internationalism? Rome
had a great internationalism. So had the Vatican and Genghis Khan and the Ottoman Turks
and the Chinese Emperors and 19th Century England. After the first World War, Lenin had
one in mind. Today Hitler seems to have one in mind - one which appeals strongly to some
American isolationists whose opinion of Europe is so low that they would gladly hand it over
to anyone who would guarantee to destroy it forever. But what internationalism have we
Americans to offer?
Ours cannot come out of the vision of any one man. It must be the product of the imaginations
of many men. It must be a sharing with all peoples of our Bill of Rights, our Declaration of
Independence, our Constitution, our magnificent industrial products, our technical skills. It
must be an internationalism of the people, by the people and for the people.
In general, the issues which the American people champion revolve around their
determination to make the society of men safe for the freedom, growth and increasing
satisfaction of all individual men. Beside that resolve, the sneers, groans, catcalls, teeth-
grinding, hisses and roars of the Nazi Propaganda Ministry are of small moment.
Once we cease to distract ourselves with lifeless arguments about isolationism, we shall be
amazed to discover that there is already an immense American internationalism. American
jazz, Hollywood movies, American slang, American machines and patented products, are in
fact the only things that every community in the world, from Zanzibar to Hamburg,
recognizes in common. Blindly, unintentionally, accidentally and really in spite of ourselves,
we are already a world power in all the trivial ways - in very human ways. But there is a great
deal more than that. America is already the intellectual, scientific and artistic capital of the
world.
Americans -Midwestern Americans - are today the least provincial people in the world. They
have traveled the most and they know more about the world than the people of any other
country. America's worldwide experience in commerce is also far greater than most of us
realize. Most important of all, we have that indefinable, unmistakable sign of leadership:
prestige. And unlike the prestige of Rome or Genghis Khan or 19th Century England,
233
American prestige throughout the world is faith in the good intentions as well as in the
ultimate intelligence and ultimate strength of the whole American people. We have lost some
of that prestige in the last few years. But most of it is still there.
* * *
No narrow definition can be given to the American internationalism of the 20th Century. It
will take shape, as all civilizations take shape, by the living of it, by work and effort, by trial
and error, by enterprise and adventure and experience.
And by imagination!
As America enters dynamically upon the world scene, we need most of all to seek and to
bring forth a vision of America as a world power which is authentically American and which
can inspire us to live and work and fight with vigor and enthusiasm. And as we come now to
the great test, it may yet turn out that in all our trials and tribulations of spirit during the first
part of this century we as a people have been painfully apprehending the meaning of our time
and now in this moment of testing there may come clear at last the vision which will guide us
to the authentic creation of the 20th Century - our Century.
* * *
Consider four areas of life and thought in which we may seek to realize such a vision:
First, the economic. It is for America and for America alone to determine whether a system of
free economic enterprise - an economic order compatible with freedom and progress - shall or
shall not prevail in this century. We know perfectly well that there is not the slightest chance
of anything faintly resembling a free economic system prevailing in this country if it prevails
nowhere else. What then does America have to decide?
Some few decisions are quite simple. For example: we have to decide whether or not we shall
have for ourselves and our friends freedom of the seas - the right to go with our ships and our
ocean-going airplanes where we wish, when we wish and as we wish. The vision of America
as the principal guarantor of the freedom of the seas, the vision of Americas [sic] as the
dynamic leader of world trade, has within it the possibilities of such enormous human
progress as to stagger the imagination. Let us not be staggered by it. Let us rise to its
tremendous possibilities.
234
Our thinking of world trade today is on ridiculously small terms. For example, we think of
Asia as being worth only a few hundred millions a year to us. Actually, in the decades to
come Asia will be worth to us exactly zero - or else it will be worth to us four, five, ten
billions of dollars a year. And the latter are the terms we must think in, or else confess a
pitiful impotence. Closely akin to the purely economic area and yet quite different from it,
there is the picture of an America which will send out through the world its technical and
artistic skills. Engineers, scientists, doctors, movie men, makers of entertainment, developers
of airlines, builders of roads, teachers, educators.
Throughout the world, these skills, this training, this leadership is needed and will be eagerly
welcomed, if only we have the imagination to see it and the sincerity and good will to create
the world of the 20th Century. But now there is a third thing which our vision must
immediately be concerned with. We must undertake now to be the Good Samaritan of the
entire world. It is the manifest duty of this country to undertake to feed all the people of the
world who as a result of this worldwide collapse of civilization are hungry and destitute - all
of them, that is, whom we can from time to time reach consistently with a very tough attitude
toward all hostile governments.
For every dollar we spend on armaments, we should spend at least a dime in a gigantic effort
to feed the world - and all the world should know that we have dedicated ourselves to this
task. Every farmer in America should be encouraged to produce all the crops he can, and all
that we cannot eat - and perhaps some of us could eat less - should forthwith be dispatched to
the four quarters of the globe as a free gift, administered by a humanitarian army of
Americans, to every man, woman and child on this earth who is really hungry.
* * *
But all this is not enough. All this will fail and none of it will happen unless our vision of
America as a world power includes a passionate devotion to great American ideals. We have
some things in this country which are infinitely precious and especially American - a love of
freedom, a feeling for the equality of opportunity, a tradition of self-reliance and
independence and also of co-operation. In addition to ideals and notions which are especially
American, we are the inheritors of all the great principles of Western civilization - above all
Justice, the love of Truth, the ideal of Charity. The other day Herbert Hoover said that
America was fast becoming the sanctuary of the ideals of civilization.
235
For the moment it may be enough to be the sanctuary of these ideals. But not for long. It now
becomes our time to be the powerhouse from which the ideals spread throughout the world
and do their mysterious work of lifting the life of mankind from the level of the beasts to what
the Psalmist called a little lower than the angels.
America as the dynamic center of ever-widening spheres of enterprise, America as the
training center of the skillful servants of mankind, America as the Good Samaritan, really
believing again that it is more blessed to give than to receive, and America as the powerhouse
of the ideals of Freedom and Justice - out of these elements surely can be fashioned a vision
of the 20th Century to which we can and will devote ourselves in joy and gladness and vigor
and enthusiasm.
Other nations can survive simply because they have endured so long -sometimes with more
and sometimes with less significance. But this nation, conceived in adventure and dedicated to
the progress of man - this nation cannot truly endure unless there courses strongly through its
veins from Maine to California the blood of purposes and enterprise and high resolve.
Throughout the 17th Century and the 18th Century and the 19th Century, this continent
teemed with manifold projects and magnificent purposes. Above them all and weaving them
all together into the most exciting flag of all the world and of all history was the triumphal
purpose of freedom. It is in this spirit that all of us are called, each to his own measure of
capacity, and each in the widest horizon of his vision, to create the first great American
Century.
DIPLOMATIC HISTORY, Vol. 23, No. 2 (Spring 1999). © 1999 The Society for Historians of American Foreign
Relations (SHAFR). Published by Blackwell Publishers, 350 Main Street, Malden, MA, 02148, USA and 108
Cowley Road, Oxford, OX4 1JF, UK. CREDIT: HENRY LUCE, LIFE MAGAZINE.