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Carlos Osmar Bertero * * Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Coordenador do Curso de Mestrado em Admínístração da EAESP/FGV. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, A literatura sobre mudança organizacional pode ser enten- dida como contendo dois caminhos: o que se ocupará em modificar estruturas e outro que enfatizará modificações comportamentais, a nível do indivíduo e do pequeno grupo. As primeiras manifestações da teoria e da prática administrativas objetivaram mudanças de tipo estrutural, pois acreditava-se que a perda da eficácia organizacional era devida a uma distribuição inadequada do trabalho, ou seja, uma estrutura de tarefas imprópria. Como as tarefas eram uma extensão da tecnologia, o resultado mais co- mum era de que a estrutura organizacional dependia dire- tamente do fluxo de tarefas (workflow). Conseqüente- mente, o executivo ou assessor que fosse ocupar-se de mudança organizacional deveria iniciar pelo atendimento minucioso e preciso da tecnologia utilizada pela organiza- ção, ser capaz de propor uma estrutura de tarefas que otimizasse os resultados com o uso da referida tecnologia e criasse os cargos necessários ao desempenho das tarefas. A hierarquia e as linhas claras de autoridade encarregar- se-iam de fazer com que a harmonia ocorresse. Todavia, convém lembrar que sem uma estrutura organizacional adequada é impossível fazer com que organizações tenham um desempenho razoável e que a concepção de que mu- dança organizacional é, fundamentalmente, modificação na estrutura de organização não está sepultada. Embora os clássicos da administração tenham sido os primeiros a pro- pô-Ia, ela encontra até hoje seguidores e dos mais respeitá- veis. Também fica lembrado que a concepção sofisticou-se bastante e a estrutura de tarefas não é mais vista como o resultado direto e inevitável do fluxo de tarefas. A segunda maneira de tratar de mudança organiza- cional é a que enfatiza alterações no comportamento dos membros da organização. Aqui está subjacente a afirma- ção de que não será de nenhuma valia alterar-se a estrutura se o comportamento dos membros da organização não for modificado, fazendo com que o mecanismo seja abando- nado com a diminuição e preferível eliminação da aliena- ção e com o desenvolvimento de uma atitude de envolvi- mento, cooperação e participação. Os proponentes da mudança atitudinal ou comporta- mental certamente não desdenham como supérfluo o problema da estrutura das organizações. Simplesmente, analisam que, prioritariamente, as modificações de com- portamento sendo fixadas, as transformações estruturais seguír-se-ão como decorrência. Aproveitando-se especialmente dos desenvolvimentos da psicologia social, que lidam com o pequeno grupo e com a interface índívíduo/organízação de um lado, e do outro, das técnicas psicológicas desenvolvidas através de tarefas clínicas, buscam alterar organizações, tornando-as não mais eficientes e eficazes como também se propondo eliminar ou minorar a ansiedade, alienação, indiferença ou conflito latente no binômio indivíduo- organização. A concepção de modificar comportamento como o principal evento do processo de mudança organizacional surgiu quase em concomitância com a Escola Clássica, 16 (2): 2940, mar.fabr. 1976 Mudança organizacional e processo decisório

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Carlos Osmar Bertero *

* Professor do Departamento deAdministração Geral e Recursos Humanosda Escola de Administração de Empresas

de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.Coordenador do Curso de

Mestrado em Admínístração daEAESP/FGV.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

A literatura sobre mudança organizacional pode ser enten-dida como contendo dois caminhos: o que se ocupará emmodificar estruturas e outro que enfatizará modificaçõescomportamentais, a nível do indivíduo e do pequenogrupo.

As primeiras manifestações da teoria e da práticaadministrativas objetivaram mudanças de tipo estrutural,pois acreditava-se que a perda da eficácia organizacionalera devida a uma distribuição inadequada do trabalho, ouseja, uma estrutura de tarefas imprópria. Como as tarefaseram uma extensão da tecnologia, o resultado mais co-mum era de que a estrutura organizacional dependia dire-tamente do fluxo de tarefas (workflow). Conseqüente-mente, o executivo ou assessor que fosse ocupar-se demudança organizacional deveria iniciar pelo atendimentominucioso e preciso da tecnologia utilizada pela organiza-ção, ser capaz de propor uma estrutura de tarefas queotimizasse os resultados com o uso da referida tecnologiae criasse os cargos necessários ao desempenho das tarefas.A hierarquia e as linhas claras de autoridade encarregar-se-iam de fazer com que a harmonia ocorresse. Todavia,convém lembrar que sem uma estrutura organizacionaladequada é impossível fazer com que organizações tenhamum desempenho razoável e que a concepção de que mu-dança organizacional é, fundamentalmente, modificaçãona estrutura de organização não está sepultada. Embora osclássicos da administração tenham sido os primeiros a pro-pô-Ia, ela encontra até hoje seguidores e dos mais respeitá-veis. Também fica lembrado que a concepção sofisticou-sebastante e a estrutura de tarefas não é mais vista como oresultado direto e inevitável do fluxo de tarefas.

A segunda maneira de tratar de mudança organiza-cional é a que enfatiza alterações no comportamento dosmembros da organização. Aqui está subjacente a afirma-ção de que não será de nenhuma valia alterar-se a estruturase o comportamento dos membros da organização não formodificado, fazendo com que o mecanismo seja abando-nado com a diminuição e preferível eliminação da aliena-ção e com o desenvolvimento de uma atitude de envolvi-mento, cooperação e participação.

Os proponentes da mudança atitudinal ou comporta-mental certamente não desdenham como supérfluo oproblema da estrutura das organizações. Simplesmente,analisam que, prioritariamente, as modificações de com-portamento sendo fixadas, as transformações estruturaisseguír-se-ão como decorrência.

Aproveitando-se especialmente dos desenvolvimentosda psicologia social, que lidam com o pequeno grupo ecom a interface índívíduo/organízação de um lado, e dooutro, das técnicas psicológicas desenvolvidas através detarefas clínicas, buscam alterar organizações, tornando-asnão só mais eficientes e eficazes como também sepropondo eliminar ou minorar a ansiedade, alienação,indiferença ou conflito latente no binômio indivíduo-organização.

A concepção de modificar comportamento como oprincipal evento do processo de mudança organizacionalsurgiu quase em concomitância com a Escola Clássica,

16 (2): 2940, mar.fabr. 1976

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porém, como aquela, não permanece hoje como episódioda história da administração, mas estende até o presentesuas idéias. Não resta dúvida que a literatura recente derelações humanas, especialmente o trabalho de RensisLikert, 1 bem como o trabalho de Chris Argyrís? e osvários instrumentos utilizados pelo desenvolvimento orga-nizacional 3 constituem o desdobramento da idéia de queadministrar é tarefa predominantemente ligada à interaçãoe ao comportamento humanos.

Deve ficar claro que as duas maneiras de se enfocar amudança organizacional não são mutuamente exclusivas eque não há necessidade de optar por uma delas. A questãofundamental pode ser vista como de causação circular, ouseja, indivíduos afetam estruturas, da mesma maneira queo comportamento individual ocorre necessariamente nocontexto de um quadro estrutural. Mudança estrutural emudança comportamental estão para a mudança organiza-cional assim como a indução e a dedução estão para oconhecimento. São complementares e nunca exclusivas. Autilização exclusiva de uma delas sempre deixará oprocesso incompleto e carente. E se nos for permitidoformular um ideal de mudança organizacional, diríamosconsistir numa estrutura perfeitamente adequada à estru-tura de tarefas, com suficiente flexibilidade para compor-tar formulações e reformulações de estratégia ou de obje-tivos e onde os indivíduos-membros sintam-se plenamenteintegrados, participantes e capazes de realizar suas aspira-ções e expectativas no âmbito da organização. A concre-tização do nosso tipo ideal não permite que se dispensenem a mudança estrutural nem a mudança atitudinal ecomportamental.

A seguir trataremos de um problema fundamental naatividade administrativa, que é o processo decísôrio. Suaimportância na literatura administrativa é suficientementeconhecida de todos os que se ocupam da área e nestetrabalho pretendemos unir as duas variáveis, a saber,processo decisório e mudança organizacional. As duas sãointerdependentes e relacionadas circularmente, uma vezque nenhum processo de mudança organizacional torna-seefetivo sem que se incorpore a maneira pela qual se decideno interior das organizações.

O nosso tratamento do problema decisório e da mu-dança comportamental far-se-ã no contexto da reforma eda modernização administrativa e situa-se no interior doquadro institucional onde a reforma já foi decidida, per-manecendo em aberto apenas as questões referentes a suaimplementação. Conseqüentemente não adotaremos umapostura de crítica ou de refutação, e nos ateremos à aná-lise da coerência dos caminhos propostos.

Julgo conveniente enunciar alguns pressupostos quecertamente nortearão o leitor e esclarecerão a posição doautor sobre questões como as referentes a estilo adminis-trativo, que têm caráter valorativo.

Desta forma teremos os seguintes pressupostos:

1. A modificação decisória necessária à implementaçãoda reforma e/ou modernização administrativas implicamudança organizacional.

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2. Mudança organizacional é o resultado da alteração daestrutura organizacional, tornando a estrutura adequadaao desempenho das tarefas, e da mudança comportamen-tal ou atitudinal pela qual novos estilos administrativossão fixados e incorporados à organização.

3. A descentralização, em princípio, é desejável e maiseficiente do que a centralização, devendo, conseqüente-mente, ser princípio sempre presente e norteador das ativi-dades que objetivem reforma e/ou modernização da admi-nistração pública.

4. São aceitos como desejáveis os estilos administrativosque abandonem o autoritarismo em prol da participação,envolvimento e criatividade dos membros da organização.

5. A aceitação do item d acarretará necessariamente alte-rações no processo decisório em toda a administraçãopública, implicando partilha de autoridade entre os váriosníveis hierárquicos, bem como na assunção de responsabi-lidade por grande número de funcionários.

Os pressupostos enunciados nos permitem formularum grupo de proposições que poderão ser tomadas comocomentários ao tópico da reforma ou como hipóteses pas-síveis de operacionalização e verificação. Acredito ser fun-damental a apresentação de um inventário de proposiçõesque possa também ser considerado como hipóteses paraverificação empírica, pelo fato de todo esforço de reformanecessitar de informações adequadas sobre a realidade quepretende mudar, e não apenas conhecimento de tipo orde-nat6rio, que através de conceitos, categorias e teorias demédio alcance propiciem ao reformador ou modernizadorinformações que permitam optar por métodos de aborda-gem, mas também, o conhecimento que busca informarsobre o processo de mudança no momento em que esteocorre. Não seria repetitivo lembrar a carência de estudosempíricos sobre a administração pública brasileira, tantodos aspectos estruturais como dos comportamentais, equão necessários seriam para informar os responsáveis peloprocesso de reforma. A maioria dos trabalhos existentessobre a reforma, embora valiosos e muitos deles inteligen-tes e articulados, ressentem-se do caráter ensaísta e im-pressionista onde passamos a depender grandemente dacapacidade do autor de analisar e interpretar a realidade.Na verdade a maioria deles se constituem em reflexões deprofessores, consultores e administradores sobre uma reali-dade da qual participaram num determinado momento,mas sobre a qual não exerceram uma reflexão baseada emcoleta sistemática de dados. De fato, somos levados a terque confiar mais no autor, quando o que me parece dese-jável seria poder confiar nos dados.

A mudança estrutural é necessária para que se possa.alterar o processo decisório na administração pública. Semum claro contexto estrutural, a aplicação de outras técni-cas e expedientes correm o risco da inconseqüência.

Sem menosprezar a importância do comportamentoorganizacional que acaba se expressando nas atitudes e

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valores' de cada membro dà organização, torna-se muitodifícil empreender a mudança organizacional sem que seestabeleçam os parâmetros e as linhas fundamentais queservirão de contexto às alterações comportamentais. Éfato importante de ser retido que o comportamentohumano insere-se num contexto que indiscutivelmente olimita e direciona. Os proponentes da espontaneidade purarecusam-se a enfrentar a impossibilidade de sua posiçãobásica. Todo comportamento se coloca como produtosocial, que é o resultado da própria imersão do indivíduonum cenário social carregado de sanções e expectativas.

Em termos de reforma não cabe dúvida que a quase-totalidade dos esforços e propostas realizados nas últimasquatro décadas estão voltadas para a mudança estrutural.Dois documentos importantes como revisão analítica ecrítica da reforma brasileira, a saber, o trabalho de BeatrizWahrlich, Reforma administrativa federal brasileira: pas-sado e presente" e o relatório da Semor ao I SeminárioInteramericano de Reforma Administrativa, Modernizaçãoe reforma administrativa do Governo federal brasileiro:quatro décadas de expenência.ê demonstram claramente aênfase estrutural dos esforços de reforma ao longo dosúltimos 40 anos. Desde o pioneirismo do DASP ao cen-trar-se em materiais, orçamento, reorganização administra-tiva e o estabelecimento de rotinas de O & M, bem comotodo o trabalho de gestão de pessoal, visando a introduçãodo sistema de mérito até os desdobramentos mais recentesdo Decreto-lei n. o 200, o que vimos assistindo é ao empe-nho de reformular-se freqüentemente a estrutura a fim decompatibilizá-la com novas tarefas e novas áreas que seabrem à ação do Estado. Sob este ponto de vista, podería-mos interpretar a expansão do aparato administrativocomo aumento de complexibilidade destinada a atender àsdemandas de uma sociedade que se diversifica e se diferen-cia crescentemente.

Conseqüentemente, a tendência predominante temsido para mudanças em que se criam estruturas para aten-der a novos grupos de tarefas. Fazem parte desta tendên-cia a ampliação e a diversificação de tarefas da Presidênciada República, que vêm obrigando a que se adotem refor-mas constantes do órgão, bem como a criação de novosministérios, autarquias e, mais recentemente, órgãos daadministração indireta. O relatório da Semor, a que nosreferimos, ao proceder o levantamento de resultados obti-dos com a reforma, lista padronização, racionalização dotrabalho, divisão do trabalho e especialização, busca deassistência técnica por parte dos órgãos que se julgamcarentes e desejosos de encetar movimentos de mudança ereforma, sensibilização valorativa, mudança de comporta-mento e intervenção estratégica. De todas as formas deação acumuladas apenas duas não estão voltadas paraaspectos estruturais (sensibilização valorativa e mudançasde comportamento). É importante ressaltar que as ma-neiras restantes vêm sendo aplicadas desde o início dareforma, ao longo da década dos 30, enquanto as duasformas voltadas exclusivamente ao comportamento, querindividual, quer grupal, só muito recentemente foramaplicadas. Na verdade sua utilização entre grupos de fun-

cíonários está ligada à atividade do ERA (Escritório daReforma Administrativa).

Ainda com vistas a medidas recentes, não pode deixarde ser examinado o Decreto-lei n.o 200, que manifestauma concepção clássica da admínístração." Tal visão podeser detectada na sobrevivência de funções administrativas,onde planejamento, coordenação, descentralização, dele-gação e controle são considerados princípios fundamentaisda reforma. Poderíamos dizer que o restante do decreto-lei preocupa-se em estabelecer estrutura administrativa,sancionando estudos e recomendações que se acumularamem documentos anteriormente enviados à Presidência e aoCongresso Nacional. São exemplos do que afirmei a estru-turação adotada no texto do decreto-lei para a Presidênciada República bem como a estrutura ministerial queacabou sendo adotada.

Quando se busca no texto do decreto a dinâmica dareforma, vemos que ela tende a ser encontrada mais nasentrelinhas do que nos pontos altos do texto. Mesmoassim, o decreto continua manifestando sua inspiraçãoclássica ao confiar em estrutura, linhas claras de autorida-de e descrição apropriada de função como os meios de seobter a coordenação e integração harmônica das atividadesdo aparato administrativo. No § 40 do art. 10, o textoindica como implementar a descentralização, uma vez quea centralização tradicionalmente aparece como o grandecongestionador do processo decisório, limitando a capaci-dade dos escalões mais elevados para formulação de dire-trizes. Segundo o texto: "Compete à estrutura central dedireção o estabelecimento das normas, critérios, pro-gramas e ..princípios, que os serviços responsáveis pelaexecução são obrigados a respeitar na solução dos casosindividuais, etc." 7

Obviamente, estrutura, hierarquia e descrições de fun-ções não são instrumentos exclusivos, embora fundamen-tais, na consecução da descentralização, do controle e dadelegação. O legislador admite como instrumentos suple-tivos processos menos formais e rígidos que utilizam ainteração humana. Como mencionado no § 1.0 do art. 8.0:

"A coordenação será exercida em todos os níveis da admi-nistração mediante a atuação das chefias individuais, a rea-lização sistemática de reuniões com a participação daschefias subordinadas e a instituição e funcionamento decomissões de coordenação em cada nível administra-tivo." 8 As reuniões entre chefias superiores e subordina-das indicam o reconhecimento de que a interação grupaldeve desempenhar um papel que a hierarquia, as linhas deautoridade e a delimitação das funções não são capazes desuprir. Todavia, isto não invalida a incômoda sensação queo Decreto-lei n.o 200 acaba por deixar sobre a sua limita-ção como instrumento de reforma, ou seja, é uma peçaclássica, calcada em princípios que historicamente servi-ram à centralização, à burocratização, ao controle minu-cioso, a fim de se atingirem objetivos de descentralização,agilização decisória, descongestionamento burocrático euma administração dinâmica.

Seria permanecer em meias verdades, limitar esta aná-lise à ênfase estrutural que o esforço reformista tem rece-

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bido até o momento. O que nos parece decisivo enunciar éa sua necessidade, mas não exclusividade. Embora areforma estrutural seja necessária, a experiência igual-mente demonstra a sua insuficiência em promover isola-damente a renovação valorativa e a incorporação decomportamento desejados. O fato de que já quatro déca-das decorreram de esforços continuados em modificarestruturas sem que se tenha atingido substanciais altera-ções de comportamento e de valores deve ser tomadocomo evidência suficiente.

O extremo de atitudes que fazem mudança comporta-mental o elemento fundamental da reforma é a ênfaseexclusiva em técnicas de sensibilização, mudança compor-tamental e outras técnicas que se apoiam nos desenvolvi-mentos da psicologia clínica e social. Encontraríamos aquio conjunto de técnicas conhecidas como laboratory tech-niques, incluindo groups, encontros de confrontação (con-frontation meetings) e a utilização de mediadores (thirdparty consultation). 9

As técnicas enunciadas surgiram como instrumentosdestinados a atingir, freqüentemente, de maneira simul-tânea, três objetivos: o manejamento do conflito, o desen-volvimento da iniciativa e da criatividade e o aumento doenvolvimento entre indivíduo e organização. O atingi-mento do terceiro objetivo resultaria na diminuição, talvezdesaparecimento, .da indiferença e da alienação.

Os desdobramentos necessários para que os objetivossejam atingidos implicam o tratamento do conflito. Ele éuma realidade quase sempre parcialmente conhecida, enão suficientemente explicitada. O importante é, de iní-cio, explicitar o conflito. Será apenas depois da explicita-ção, quando os entraves e os mecanismos de dissimulaçãotiverem sido eliminados, que se poderá tratar fecunda-mente o conflito. Ê claro que os partidários de tal posiçãoadmitem uma margem de risco, ou seja, de que a explici-tação poderá eventualmente conduzir à ruptura.

Outro elemento fundamental, e que existe como pres-suposto, é a aplicação de técnicas de laboratório, comoinstrumento para obter a mudança comportamental evalorativa. Devem operar num contexto deliberadamentedesestruturado, onde conseqüentemente as relações deautoridade-subordinação e os conteúdos dos cargos estão,senão eliminados, pelo menos colocados entre parênteses.Em tal contexto, admite-se estejam presentes as condiçõespara o desabrochar da espontaneidade que permitiria aadoção de comportamentos mais autênticos.

A posição enunciada é claramente irrealista pelo sim-ples fato de inexistir um comportamento em estado puro.Na verdade todo comportamento é o resultado da intera-ção entre indivíduos, num contexto social determinado.Num sentido mais amplo, e utilizando a teoria dos papéis,o comportamento individual não pode ser entendido emsua gênese, se não for considerado como parcialmenteresultante do papel social ou do conjunto de papéis que oindivíduo é levado a desempenhar.

Igualmente, o despojamento completo dos cargos erelações de autoridade torna-se impossível no interior dasorganizações, e o comportamento de cada membro da

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organização é informado pelo seu cargo e por sua posiçãona hierarquia. Portanto, parece-nos fundamental que asmudanças comportamentais sejam buscadas e consideradascomo partes integrantes de movimentos de reforma admi-nistrativa, porém cuidando-se sempre para que as modifi-cações comportamentais buscadas se tornem possíveisnuma estrutura previamente adequada.

Uma das características que se quer transformar naadministração pública é o processo decisório que é, habi-tualmente, visto como moroso, diluidor de responsabili-dades, contendo número excessivo de etapas, algumasdestas aparentemente redundantes e inúteis. O processodecisório desejável seria aquele calcado num sistema deprocessamento de informações, proposto inicialmente porHerbert Simon, e que comportasse a maioria de decisõesprogramadas, e uma minoria que caísse na categoria dasnão-programadas.t? Ora, a programação adequada, elimi-nando o redundante, usando adequadamente os talentos ehabilidades dos membros da organização, implica progra-mar adequadamente a decisão. A programação adequada éa que se obtém por uma redefinição da estrutura organi-zacional, que é etapa preliminar e fundamental à refor-mulação do processo decisório. Uma estrutura que tenhacristalizado em sua linha de autoridade, em seu formatoorganizacional e em suas descrições de cargos, modos dedecidir obsoletos, não poderá alterá-los sem que se modi-fique inicialmente a referida estrutura.

A prática da descentralização administrativa levará àcriação de número relativamente elevado de centros deci-sórios ao longo das dimensões vertical e horizontal daorganização.

A reforma administrativa brasileira sempre mani-festou intenções descentralizadoras. A tradição políticaluso-brasileira certamente muito contribuiu para que aadministração pública brasileira operasse com alto grau decentralização.

A questão é extremamente delicada pelo fato da cen-tralização-descentralização estarem de certa forma associa-das com estilos políticos de democracia de tipo liberal esituações autoritárias. A história política de nosso paísparece indicar claramente que o autoritarismo tem predo-minado ao longo de nossa história, e na medida em que ogoverno central, seja no Império, seja no período republi-cano, deseja aumentar sua presença no território nacional,ele lança mão de um estilo administrativo centraliza dor.

Todavia, é exatamente em períodos de surto autori-tário, governo ditatorial de Getulio Vargas e após 1964,que o problema da reforma administrativa se levanta. Oenfoque não é centralização/descentralização, mas aumen-to de eficiência, rapidez, funcionalidade, o que implicalidar com o problema da centralização. Na verdade seriacabível aplicar-se à organização administrativa federal omodelo de processamento de informações de Jay Gal-braith, que teria no congestionamento informativo o prin-cipal móvel da reestruturação."! E a própria tendência aaumentar a complexidade organizacional pela criação de

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novos órgãos é urna forma de aumentar a capacidade dosistema de processar informações.

O problema da descentralização traz consigo umelemento de risco, a saber: aumento na probabilidade deperda de controle. A solução adotada mais recentementeatravés do Decreto-lei n.o 200 foi o de aplicar prática jáexperimentada em outras organizações de grande porte,especialmente as empresas multinacionais, que seria a decentralizar estratégia e descentralizar operações. O textodo decreto afirma que: " ... a delegação de competênciaserá utilizada como instrumento de descentralização admi-nistrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez eobjetividade às decisões, situando-as na proximidade dosfatos, pessoas ou problemas a atender" .12 Estamos diantedo análogo a soluções utilizadas por empresas multinacio-nais e outras de grande porte, que decidem conferir pode-res a filiais e regionais pelo fato de se encontrarem maispróximas dos vários mercados e terem maior capacidadeda percepção e atendimento.

E o Decreto-lei n.o 200 manifesta a intenção de fazerda própria descentralização o instrumento não só dereforma mas do aprimoramento do controle, uma vez quedeclara: " ... os serviços que compõem a estrutura centralde direção devem permanecer liberados das rotinas de exe-cução e das tarefas de mera formalização de atos adminis-trativos, para que possam concentrar-se nas atividades deplanejamento, supervisão, coordenação e controle" 13(o grífoé nosso) ..

O texto deixa patente, portanto, o desejo de reter nacúpula as tarefas de importância, delegando às bases dahierarquia as tarefas rotineiras, meramente formais e denatureza quase que exclusivamente mecânica. Usando aanalogia de' Herbert Simon, ficariam no topo, .em prin-cípio, as decisões estratégicas ou não-programadas, eseriam delegadas a níveis hierárquicos inferiores as deci-sões operacionais ou programadas. E dentre as tarefas queestão afetas aos níveis superiores recebe especial importân-cia a' de programar decisões, como nos indica mais umavez o texto do decreto, quando diz competir: " ... à estru-tura central de direção o estabelecimento das-normas, cri-térios, programas e princípios, que os serviços responsáveispela execução serão obrigados a respeitar na solução doscasos individuais e no desempenho de suas atribuições" 14

(o grifo é nosso).O que o texto básico da reforma propõe pode ser

ilusório, na medida em que parece querer reforçar umavisão mecanicista da organização federal, onde um centroocupar-se-ia de tarefas complexas, não-programadas, exer-cendo funções administrativas de planejamento, controle ecoordenação, enquanto a periferia e os extremos da orga-nização se restringiriam ao desempenho mecânico detarefas rotineíras, estabelecidas e programadas pelos cen-tros decisórios. Como a estrutura piramidal é mantida, otopo cuidaria do primeiro grupo de tarefas e as bases dorestante.

O esquema descrito não é necessariamente o queocorre, uma vez que a descentralização administrativa im-plica a criação de centros decisórios, que terão caracterís-

ticas próprias e diversas das-exístentes no topo da organí-zação admínístratísaBumasdas variáveiSlli,mportantes quelevam ao' aparecimento de, centrosdecísôríos.é o aumentoda complexidade da estrutura.de tarefas. Quanto maiorese mais específicas as tarefas, que sejam desempenhadasPela administração federal, maior a tendência. a. que.secriem centros decisórios de competência específtca paratratar de seu desempenho. Além da complexidade daestrutura de tarefas, a incorporação de inovações tecnoló-gicas pode ser decisiva na alteração do processo' decisório.Em trabalho que utilizou como unidades de análise agên-cias de pessoal e departamentos locais de. finanças, todospertencentes à estrutura administrativa federal norte-americana, Peter Blau constatou o aumento de níveis hie-rárquicos, bem como a tendência à descentralização pelaintrodução de computadores eletrônicos, que podem. serinstrumentos que conduzem à criação de grupos de tarefasautodelineadas e, portanto, dotadas de maior autonomiado que os grupos. de escriturários que existiam a fim derealizar tarefas manuais de escrituração e cálculo.1S Coro-lário importante é o aumento do nível de especialização ehabilitação dos .membros' da organização, necessário. àoperação de sistemas tecnológicos mais sofísticados e suarepercussão no processo de descentralização. À medida'que a qualífícação profissional dos membros da organiza-ção aumenta, verifica-se a tendência a que ·recebam maio-res responsabilidades e maior autonomia para desempe-nhar suas atividades. Tal tendência deverá ser acompanha-da pela diminuição da amplitude de controle nos setoresem que há pessoal mais qualificado, em oposição à elevadaamplitude de controle que existe onde a qualificaçãoprofissional é menor.

É importante levar em conta, ainda, as preferênciasdos que ocupam os altos escalões decisórios da adminis-tração federal, no que diz respeito ã •maior ou. menordescentralização. Os ocupantes são necessariamente deprovimento político e esta ponderação apóia-se na expe-riência acumulada de que a volição dos ocupantes donúcleo decisório no topo da hierarquia tem um impactodecisivo sobre o estilo e sobre a prática administrativafederal. E embora muito se tenha escrito, e certamentemuito ainda haja de se escrever sobre o binômio centrali-zação-descentralização, é importante deixarcorisignada aobservação de que centralizar ou descentralizar são clara-mente influenciados pela tecnologia e pela. natureza dastarefas, mas constituem por outro lado estilos administra-

o tivos, portanto baseados em valores e, 'por vezes,sendoinstrumentos na implementação de decisões tomadas anível estratégico.

A implementação da descentralização exigirá mudan-ças comportamentaisâos decisores, que deverão levar. àdiminuição da alienação, da indiferença e os levará adesenvolver atitudes de envolvimento responsável,. parti-cipaçãoe liberação de potencial inovador.

A afirmação prende-se à associação da centralizaçãocom restrição ou mesmo eliminação da atitude ativa,

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dinâmica, criativa e tomadora de iniciativas por parte dosníveis hierárquicos mais baixos. A centralização não impli-ca necessariamente eliminação do dinamismo e de criativi-dade organizacionais, mas em circunscrevê-los a gruposreduzidos, localizados nos níveis organizacionais maisaltos. Isto implica que apenas algumas pessoas deverão'preocupar-se com os problemas organizacionais, elaboraralternativas e tomar decisões, enquanto a grande maioriadeve mecanicamente cumprir com as rotinas necessárias àimplementação das decisões.

De qualquer maneira, mesmo não implicando atitudesautocráticas, a centralização é restritiva em termos doenvolvimento potencial que os membros podem desen-volver com relação à organização. É velho tema, não só dapsicologia social, mas amplamente respaldado em váriasideologias políticas, que a responsabilidade e o envolvi-mento de indivíduos só poderá ser conseguido através daparticipação. A atitude centralizadora, mesmo que de umautocratismo benévolo, que deseja tudo prover a fim depaternalmente eliminar para os cidadãos ou para os subor-dinados as fontes de dificuldades, acabará por levar aodesinteresse, à alienação, ao entediamento, à hostilidademal contida ou à agressividade aberta.

Quando se trata de implementar um programa dedescentralização administrativa, certamente parte datarefa consistirá em mudanças estruturais, bem como nasdescrições de cargos nos vários níveis da organização.Cargos cujas descrições eram vazias de responsabilidade ede poder decisórios deverão ser reescritos a fim de desen-cadear a mudança. Da mesma maneira a delegação dopoder decisório deverá estar contida na redefínição doscargos dos ocupantes de posições hierarquicamentesuperiores, a fim de estabelecer os parâmetros da açãoorganizacional.

Porém, apenas modificar estruturas e redescreverfunções, embora essencial e portanto indispensável, não ésuficiente para que se consiga atingir o tipo de alteraçãocomportamental desejada. Os superiores deverão incre-mentar os estímulos a atitudes dotadas de iniciativas,restringir suas tendências (consolidadas ao longo dotempo) de tomar todas as decisões e permitir que se desen-volva um clima organizacional desprovido do autoritaris-mo, da rigidez e das concomitantes indiferença e apatiaque predominam em ambientes onde todos aguardam atomada de todas as decisões pelos ocupantes das posiçõesde cúpula.

A fun de que se possa atingir tal tipo de clima orga-nizacional, acredito ser tão importante treinar os subor-dinados em novas responsabilidades e prepará-los paratomar decisões, como submeter os superiores ao mesmotipo de treinamento. É freqüente em processos deinovação organizacional e de mudança comportamentalque os superiores hierárquicos, sejam diretores de umaempresa, secretários-gerais de um ministério ou diretoresde departamentos de cúpula, se considerem isentos dequalquer responsabilidade pela inovação. Uma vez assi-nados os documentos formais que promulgam a mudança,acreditam que a assinatura equivale a um fiat miraculoso

Revista de Administração de Emprelllls

que tem o poder de, por si só, desencadear a mudança. Sealgum problema houver, será devido às resistências, inade-quações e despreparo dos subordinados. A experiênciaconcreta demonstra muito freqüentemente o contrário. Éuma ironia bastante encontradiça que as pessoas cometamseguidamente o erro que se comprometeram a eliminarnos outros. Desta maneira, quando se trata de implemen-tar um programa que conduza à mudança comportamen-tal, é fundamental que os superiores sejam os primeiros ase submeter ao tipo de treinamento necessário à modifi-cação de seu próprio comportamento.

O que se pretende com a alteração do comportamen-to dos ocupantes de posições hierárquicas inferiores é quenão só assumam responsabilidade por áreas decisórias atéentão reservadas a níveis mais elevados, mas que abando-nem a indiferença e a alienação com relação às tarefas quedeterminavam os seus comportamentos na situação decentralização.

Ainda com relação à prática da descentralização,constitui importante corolário o fato de que, a fim dedecidir em organizações modernas, o que significa,dotadas de tecnologia cambiante e complexa, as pessoasdeverão treinar-se e retreinar-se constantemente em suashabilidades especificamente técnicas. A nível do indivíduohumano, a aquisição de habilidades de uma naturezaimplica sempre que também haja alteração em seu nívelgeral de habilidades, o que significa que pessoas maistreinadas, mesmo que num campo especificamentetécnico, deverão ser capazes de desenvolvimento de habili-dades mais genéricas. Conseqüentemente estarão maiscapacitadas para participar ativamente, e não passiva-mente, como em organizações centralizadas, de uma gamamaior de atividades organizacionais.

As modificações de comportamento e de atitude dosmembros da organização conduzirão à alteração da estru-tura organizacional, sempre que esta se mostrar inibidora eobstaculizadora dos novos padrões comportamentais.

Esta proposição constitui a contrapartida da ante-rior, pois expressa o movimento inverso. Desta forma, seanteriormente afirmamos a mudança de estrutura e deprocessos de formalização como parâmetros e baliza-dores da mudança comportamental, agora apontamos amudança comportamental, que uma vez instaurada,levaria à modificação da própria estrutura e dos procedi-mentos formais da organização. O que se tenta destaforma é mostrar a complementaridade dos dois proces-sos, ao invés de sua eventual oposição. Como já foi lem-brado em outro trecho deste artigo, a alteração da estru-tura e do comportamento constituem as duas maneirasde alterar-se o clima e a operação das organizações. Aoinvés de acentuarmos a dicotomia, acreditamos ser maisconveniente apontar para a complementaridade deambos os processos.

Um bom exemplo, retirado da, sociedade maisampla, de como alterações comportamentais podem vir aacarretar mudanças estruturais seria a própria modifica-

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ção das instituições a fim de adequá-las a mudanças devalores, objetivos e sentimentos que já se cristalizaramentre os membros que participam destas mesmas insti-tuições. Um exemplo seria o da mudança nos objetivosdos exércitos em diversos países nos últimos anos. Pode-ríamos brevemente verificar que os exércitos serviram,no caso da evolução dos Estados nacionais do Ocidente,a várias finalidades, dependendo do momento histórico.No fim da Idade Média serviram a um senhor feudalpara que impusesse a sua hegemonia sobre os seusex-pares. Posteriormente, foram utilizados como milíciapermanente a fim de guarnecer as fronteiras que haviamsido conquistadas para formação do território nacional.Neste sentido, exércitos eram instituições mantenedorasda ordem, mormente contra a agressão de inimigosexternos e o seu papel na vida interna das nações sefazia sentir apenas de maneira indireta. Em nossos dias,a evolução da tecnologia militar bem como o congela-mento relativo das fronteiras nacionais levaram os exérci-tos dos países militarmente menos poderosos e de menorimportância na manutenção das fronteiras, que evidente-mente dependem, em última instância, das grandespotências, a se voltarem sobre problemas internos deseus países. Desta maneira, os exércitos de boa parte dospaíses subdesenvolvidos ou em desenvolvimento denossos dias, se propõem objetivos e tarefas que eramtotalmente estranhos ao estabelecimento militar de algu-mas décadas atrás.

Similarmente, numa empresa, alterações gradativasdo comportamento e de modo de ação das pessoaspodem conduzir a modificações em sua estrutura organi-zacional, bem como o alterar as descrições de funções,alterando respectivamente as atribuições dos ocupantes,e resultando até em mudança de cultura organizacional.Todas estas observações devem servir como indicadoresdo caráter ainda fragmentário da teoria e do comporta-mento organizacionais enquanto disciplinas científicas.Assim sendo, o aspecto estrutural e o comportamentalsão duas facetas para a explicação da mudança organiza-cional. Se de um lado, uma está mais vinculada à socio-logia e outra à psicologia social, enquanto fonte de inspi-ração teórica, de metodologia e de escolhas de variáveis,isto não desmente que cada uma das abordagens atingeum setor da realidade organizacional. Se a estrutura éparte do processo de mudança, não se pode negar aimportância do comportamento.

Se tais considerações se impõem ao teórico preocupa-do, fundamentalmente, com o entendimento e o esclare-cimento da maneira como organizações se estruturam eservem de instrumentos da ação humana, com muitomais razão ainda deverão servir ao administrador ou aoconsultor, responsáveis pelo processo de direção e deintervenção em organizações. Na verdade, se ao nível daedificação da ciência, ocorre a separação entre as váriasdisciplinas, pois cada uma possui seu objeto, sua meto-dologia e seu conjunto de teorias e de símbolos, omesmo não se dá ao nível da ação de administradores econsultores. Não se pode deter certo tipo de ação ou

limitar certos procedimentos de intervenção sob alegaçãode que pertencem a esta ou aquela disciplina científica.Se o conhecimento, por via da análise, leva à necessidade.de separar, a ação humana (e isto inclui a ação do serhumano enquanto administrador) não pode deixar de seruna, pois não se coloca ao nível da teoria, mas dapraxis.

A mudança estrutural por si só não conduzirá à mu-dança organizacional, uma vez que só podemos considerara mudança organizacional como realizada e fixada, namedida em que se incorpora ao comportamento dosmembros da organização.

Não pode haver dúvida que, embora os trabalhosrealizados até hoje sobre teoria e comportamento orga-nizacionais, que fazem uso de variáveis estruturais e reti-radas da sociologia, objetivem ao conhecimento inte-grado das organizações como um todo, eles têm se mani-festado particularmente carentes no que diz respeito àaplicabilidade a situações concretas de mudança e admi-nistração de organizações. 16

Com tal afirmativa não se pretende desmerecer oudiminuir o valor dos excelentes trabalhos que vêm sendodesenvolvidos por sociólogos organizacionais, mas sim-plesmente apontar o fato de que a aplicabilidade inexistepor várias razões que não compete aqui rever e, certa-mente, também pelo fato de os autores não se ocuparemdela. O objetivo prioritário tem sido o aumento doconhecimento sobre organizações e não, necessariamente,o apoio a administradores e consultores.

Todavia, os que por formação habituaram-se a verorganizações através de medidas e variáveis estruturais,quando se defrontam com tarefas concretas de gestão emudança, tendem a ater-se a variáveis de estrutura comoo instrumento exclusivo para efetuar as ' alterações dese-jadas. Tais profissionais inclinar-se-ão a redigir novosmanuais de administração, reclassificar cargos, descrevernovamente funções, preparar conjuntos de normas e deprocedimentos, tudo no sentido de alterar o funciona- 35mento da organização. Necessariamente, tais medidaslevarão à alteração de linhas de autoridade e de subordi-nação, supressão de alguns setores e propostas de criaçãode outros. Numa única palavra, acredita-se que, pelaoutorga de uma nova estrutura, será possível alterar aorganização na sua inteireza, incluindo seu estilo admi-nistrativo e o clima organizacional. O que pode ser con-siderado como subjacente a tal atitude é que o compor-tamento não constitui variável autônoma, mas depen-dente da estrutura. Assim sendo, o estruturalista seriacapaz de fornecer o tipo de comportamento predomi-nante numa organização, uma vez dadas as variáveis deestrutura. Se formos exemplificar, poderíamos dizercoisas como: uma estrutura alta (com muitos níveishierárquicos) levará a que os indivíduos adotem atitudesmuito mais formais do que aqueles outros que estãoinseridos numa estrutura organizacional achatada (compoucos níveis hierárquicos), pois o número de níveis

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aumentará ou .diminuirá proporcionalmente a necessi-dade de comunicações escritas e formais, decrescendo ouaumentando a espontaneidade e a quantidade de situa-ções em que ocorreriam comunicações face a face. Ouainda, que o tamanho da organização afetará direta-mente o comportamento de seus membros, de tal formaque o aumento do tamanho levaria ao aparecimento deuma dicotomia formal-informal, enquanto na pequenaorganização a facilidade de comunicações não permitiriaque se desenvolvesse uma organização informal comocanal de satisfação de necessidades dos membros daorganização, que seria gerado pela impossibilidade desatisfazer aspirações numa estrutura altamente formali-·zada.

Os exemplos buscam apenas ilustrar a maneira comoum partidário de utilização de variáveis estruturais colo-caria os problemas comportamentais das organizações eencaminharia suas soluções.

Embora reconhecendo a importância da, estruturacomo estabelecedora dos parâmetros no interior dosquais se desenrolará o comportamento dos membros daorganização, não é possível desconhecer o fato de quemudanças só se ultimam no momento em que são incor-poradas ao comportamento dos membros da organiza-ção. Tomando uma analogia à sociologia de tipo funcio-nalista, a saber, o conceito de papel social, diríamos queembora seja possível abstrair e tecer considerações teóri-cas a respeito dos papéis de pai, mãe, etc., tais papéis sóexistem realmente nos indivíduos que os desempenham,ou seja,·em homens e mulheres que estão no interior dosistema social. Poderíamos ainda traçar a analogia entreo papel, enquanto conceito sociológico, e o universal dalógica formal. Na verdade o universal é uma abstraçãoque se constrói a partir da experiência de múltiplassingularidades.

Procedendo agora no sentido inverso, diríamos quea mudança de papel só ocorre na medida em que o com-portamento concreto do indivíduo no interior de umdeterminado sistema social sofre modificações. O papelde pai sofre uma grande modificação ao longo da his-tória do Ocidente, desde o pater famdias romano, quedetinha sobre sua prole poder de vida e de morte, aténossos dias, onde tais poderes foram redistribuídos emfavor do Estado, da sociedade e da mãe de família.Embora seja possível discorrer longamente sobre a mu-dança no papel paterno, ela só ocorre na medida em queos homens. da nossa sociedade exibem um comporta-mento diverso daquele 'que era característico dos paisromanos.

Igualmente, quando falamos em mudança organiza-cional, é imprescindível levar em consideração que amodificação só ocorre quando ela se incorpora aos mem-brosda organização. Podemos discorrer, interminavel-mente, sobre descentralização, participação em decisões,aumento do nível de envolvimento na organização eoutras manifestações que julgamos desejáveis, mas sópodemos considerar a mudança implantada quando supe-riores e subordinados interagirem de maneira maisespon-

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tânea, e com menor ritualismo, quando superiores deixa-rem de ceder ao impulso de decidir de imediato umproblema que lhes seja colocado, e buscar o parecer dossubordinados, quando manifestações espontâneas desubordinados desejosos de envolvimento deixarem de serrispidamente tratadas.

Desta maneira, as medidas de mudança estruturaldeverão ser acompanhadas de outras que busquem a alte-ração do comportamento individual e grupal, seja pelo usode técnicas aplicadas ao indivíduo e derivadas da psicolo-gia clínica, seja pela utilização do grupo como elementofacilitador, para que o modo de interação sejaalterado. Épor issoque as técnicas apoiadas no conhecimento da inte-ração humana a nível do pequeno grupo e as derivadasdapsicologia clínica são indispensáveis, se a alteração com-portamental for objetivada. Grupos de encontro, dinâmicagrupal, grupos de sensibilização,encontros de confronta-ção, entre outras, são técnicas tão importantes para que sealterem organizações como redação de novos manuais,novos conjuntos de normas ou novos organogramas.

A maioria dos trabalhos realizados na esfera federalem prol da reforma e/ou modernização da administraçãoforam baseados em "princípios" administrativos clássicos,que na prática, acabaram por reforçar a tradição centra-lizadora e autoritária.

Quando comentamos a proposição de número 1, tive-mos a oportunidade de abordar preliminarmente o temaque constitui o centro desta proposição número 6, ao afir-marmos o caráter estrutural das reformas propostas eimplementadas ao longo de quatro décadas a nível federal.Na verdade desde os trabalhos pioneiros, levados adiantepelo DASP, até o recente Decreto-lei n.O 200, a tônicavem sendo estrutura, padronização e formalização. ODASP centrou o seu esforço em dois pontos básicos:pessoal, onde o seu empenho pela adoção do merit systemmarcou o perftl do departamento, e em segundo lugar,aspadronizações referentes a procedimentos de compras eadministração de materiais. A "batalha" pelo orçamentoda União certamente ocuparia o DASP, gerando mesmoatritos com o Ministério da Fazenda, mas apenas poste-riormente.

O Decreto-lei n.o 200, nos seus subtítulos, manifestaa concepção clássica da administração que lhe serviu deinspiração. O decreto estrutura-se em torno de "funções"administrativas de há muito conhecidas, como planeja-mento, controle, descentralização, delegação decompe-têncía e coordenação. Alémdo orçamento, o outro instru-mento de controle é a supervisão, exercida em últimainstância pelos ministérios.

Se buscarmos transcender a letra do decreto e quiser-mos verificar qual a concepção da organização que seencontra,na base do mais recente esforço de reforma, vere-mos que seria a que Herbert A. Simon teria designadodemecânica. Embora alguns estímulos existam para a descen-tralização, não se altera a visão fundamental da burocraciafederal, funcionando como uma grande máquina, conve-

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nientemente azeitada e rodando bem ritmada. O tipo devisão do homem subjacente a tal concepção da organiza-ção é de molde a adequar o ser humano ao compasso damáquina organizacional.

Uma vez que se mantém a estrutura piramidal, admi-te-seque a maioria das pessoas estarão em níveis hierár-quicos inferiores, desempenhando tarefas necessariamenterotineiras, onde a iniciativa, a criatividade e o exercício daimaginação não constituem qualificações desejáveis, masonde a capacidade de cumprir programas, acatar decisões,aquiescer às díretrizes que emanam de níveis superiores,serão as características desejadas e premiadas, senãodevido à inclinação pessoal dos chefes, pelo menos porrazão de mera funcionalidade. Tal visão do funcionamentoda organização bem como de sua estrutura de tarefas sãode molde a propiciar o aparecimento de uma cultura orga-nizacional autoritária.

Se acrescentarmos às nossas observações o fato de queo autoritarismo sempre implica prestigiar os níveis hierár-quicos superiores, freqüentemente pelo aumento de seupoder discricionário, constataremos que a própria descen-tralização encontra dificuldades em implantar-se numsistema administrativo como o nosso, onde a tendênciadas pessoas que buscam a organização será o de procuraros níveis mais elevados. O tumulto e o acúmulo de pedi-dos de audiências nas agendas de ministros de Estado,secretários de Estado e secretários-gerais, para não men-cionar prefeitos e governadores de estado, é o resultado daconvicção 'do público interessado de que o nível maiselevado é aquele que realmente decide e que pode, even-tualmente, inverter os processos rotineiros e formalizadosque porventura existam na organização para o tratamentode um determinado problema, se para tanto estiverdisposto. O fato de que tal comPo.rtamento se .mantémpode servir como indicador de que as nossas observações ,são corretas.

Portanto, centralização e autoritarismo acabam porestabelecer entre si um processo de causação circular, cujaruptura é sobremaneira difícil. A ênfase que a maioria dosesforços de reforma administrativa pôs em aumentar aformalização, a, padronização e a rotinização, certamentecomo forma de pôr termo ao arbítrio e à desordem e a fimde aumentar a eficiência, acabaram tendo como con-sequencias, provavelmente não desejadas, o reforço domecanismo organizacional e da cultura organizacionalautoritária.

Outro fator de importância a respaldar a tendênciacentralizadora e autoritária da administração é o regimepolítico vigente. Não se pode deixar' de constatar que umsistema administrativo aberto, descentralizado e permis-sivo, seria divergente com relação ao sistê'tna políticovigente, que exerce controles estritos e insiste na necessi-dade de manutenção do arbítrio amplo e de poder discri-cionário como elementos indispensáveis à consecução dospróprios objetivos que se propôs. Em um de seus conhe-cidos textos, o professor e consultor Peter Drucker, aoanalisar o sistema administrativo instaurado no início dadécada de 20 por Alfred Sloan Ir. na General Motors,

chama-o de Organização Federal da Administração (TheFederal Organization of Management), que segundoDrucker éonsistiria em afirmar " ... que uma empresanecessita de um princípio que conceda tanto ao centrocomo às partes componentes funções administrativas' epoderes't.I? Tal sistema não se manteve circunscrito àGeneral Motors, mas acabou por disseminar-se entre amaioria das grandes empresas norte-americanas, especial-mente aquelas cujo porte as transformaram, nas últimasdécadas, em multinacionais. Evidentemente, o exemplo deDrucker não se restringe ao mundo empresarial dosEstados Unidos, mas encontraria atualmente exemplostambém entre empresas da Europa ocidental.

O que importa ressaltar nas considerações de PeterDrucker é que o mundo empresarial buscou inspiraçãonum modelo que não se originou nem se desenvolveu apartir das at~idades empresariais privadas, mas resultou daadaptação de um modelo que em sua origem não erasequer administrativo, mas político. Simplificadamente,poderíamos dizer que a federação foi a maneira encon-trada pelos founding father« da então nascente repúblicanorte-americana, de manter unidas várias "colônias", cadauma com sua história, tradições, estilos e sistemas própriosde poder e, certamente, muito ciosas de sua autonomia,num único país, pois manterem-se unidas era um impera-tivo que não podiam deixar de cumprir, face à hegemoniainglesa e à cobiça das potências européias.

O mundo empresarial, na medida ,em que teve queadministrar operações geograficamente dispersas, tecno-logicamente complexas e com estruturas de tarefas bas-tante diferenciadas, adotou o mesmo princípio de cons-tituir diversos centros, com efetiva massa, de poderes einstrumentalizados com as necessárias funções adminis-trativas.

No caso da administração pública brasileira, pode-seter, à primeira vista, a impressão de que o modelo de"administração federal" seria o mais adequado, seja pelasdimensões do território, que obrigam a que a administra-ção seja geograficamente dispersa, seja pela diferenciaçãoda estrutura das tarefas, seja pelacrescente multiplicidadede objetivos que o Estado brasileiro vem adotando aolongo da Segunda República, onde cumpre ressaltar, comoas de expansão mais recente, os encargos previdenciários ea atividade empresarial.

Porém esta primeira impressão é rapidamente enfra-quecida por outros fatores, entre os quais sobressai o denatureza política,' a saber, a implantação no Brasil, desde1964, de um regime que faz do arbítrio uma necessidade eda ausência de regras rigidamente estabelecidas condiçãobásica à saúde do sistema e à manutenção do crescimentoeconômico e, mais recentemente, também, à eliminaçãodas desigualdades sociais. Evidentemente não podemosadmitir que, o movimento civil-militar de 1964 tenha sidoabsolutamente inovador. A história política brasileira émais marcada pelas "situações excepcionais" do que pela"normalidade democrática'; e pelo "Estado de direito",tão fortemente desejado ainda hoje por setores. mais libe-rais de nossa burguesia. Não apeÓas o Estado Novo, os

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vãríos "arranhões" constitucionais da Primeira Repúblicasão exemplos de momentos "excepcionais" em nossa vidapolítica e administrativa, mas a própria Constituiçãoimperial, com o poder moderador, espécie de AI-5 implí-cito, a pairar sobre os súditos dos dois Pedros, constituíapermanente convite ao imperador para que usasse de seupoder discricionário, dissolvendo a assembléia, nomeandogabinetes extraordinários e tomando medidas administra-tivas excepcionais. A história do Império demonstra quenossos imperadores freqüentemente aceitaram o conviteque a letra da Constituição lhes fazia.

Portanto, as condições nacionais que aparentementetornariam um sistema federal desejável, e mais compatívelcom o tamanho, a complexidade e as diferenças regionaisde nosso País, são imediatamente afastadas pelo caráterautoritário e centralizador que marcou a atividade e acultura políticas de nosso País, desde os primeirosmomentos de vida independente. Paradoxalmente, porrazões de eficiência econômica, associadas a brios moralis-tas que visam a eliminação da "corrupção", governos queavocam para si um caráter revolucionário, como GetulioVargas no período 1930-1945 e, posteriormente, os váriosgovernos oriundos do movimento de 1964, decidemimplementar reformas administrativas.

Não há dúvida que tanto o primeiro período de Var-gas (1930-1945), como os governos que se sucederam nopoder a partir de 1964, lograram sucessos na racionaliza-ção das atividades administrativas, aumentaram a eficiên-cia da máquina administrativa do Estado e alteraram aestrutura organizacional da União a fim de atender a umarealidade administrativa mais complexa, mas a maioriadestas medidas foram na linha de mudanças de estrutura eníveis crescentes de burocratização. Os exemplos da refor-ma administrativa do Ministério da Fazenda, concluídadurante o Governo Castello Branco, as modificações porque passou como decorrência da referida reforma a admi-nistração tributária federal, com o cadastramento maciçode pessoas tanto físicas como jurídicas, para cobrança dosvários impostos e tributos federais, a reorganização doDNER (Departamento Nacional de Estradas de Roda-gens), quando sob a gestão de Eliseu Rezende; as trans-formações por que passou o extinto Departamento deCorreios e Telégrafos, do também extinto Ministério daViação e Obras Públicas, até a sua transformação na ECT(Empresa de Correios e Telégrafos); as várias reclassifica-ções de cargos do funcionalismo civil da União, empreen-dida pelo DASP; as alterações introduzidas no acesso e nosistema de promoções de oficiais das Forças Armadas, edestinadas a "profissionalizar" a carreira militar "livran-do-a de injunções políticas indevidas", são alguns dosexemplos, em vários setores administrativos, que podería-mos citar. Todos eles demonstram que a reforma "triun-fou" onde formalizou, padronizou, rotinizou e mantevesempre à disposição do chefe do Governo poderes puni-tivos excepcionais que, inclusive, permitem a demissãosumária, ou a aposentadoria e reformas compulsórias, con-quistas outrora tidas como importantes na consolidaçãoda profissionalização dos quadros, quer civis, quer mili-

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tares. Portanto assistimos a uma reforma que se faz com apotencial capacidade de utilização de medidas coercitivase punitivas radicais. É o paradoxo de um sistema, onde amodernização se faz com o respaldo e apelo a ameaças depunições e destituições. Finalizando, os "princípios admi-nistrativos" clássicos, em cujos termos a reforma está vaza-da, bem como o manejo de variáveis de tipo estrutural têmconduzido a um aumento e reforço do autoritarismo e dacentralização, e poderíamos inferir que tais princípios sãoos que mais se adequam a um sistema político autoritárioe que tem feito profissão de fé de seu caráter discricio-nário. Estas considerações ajudam no entendimento dasrazões que vêm acarretando a marginalização das variáveiscomportamentais, e da baixa prioridade que lhes vemsendo consignada no esforço da reforma. Não há dúvidaque a ênfase em dimensões comportamentais, acarretariamdisfunções, senão à máquina administrativa, que seriapassível de adaptações e mudanças, pelo menos ao sistemapolítico, que detém o poder derradeiro sobre a maquinariaadministrativa e sobre as decisões de reformá-la.

Esperamos ao longo deste artigo ter caracterizadosuficientemente bem a dimensão estrutural e a comporta-mental operando no interior da administração pública daUnião. O caráter prioritário que vem sendo dado, desde ostempos do Estado Novo, às variáveis estruturais em detri-mento das comportamentais foi igualmente ventilado.Como demonstramos, tal fato não é decorrência de igno-rância ou de necessidade de cumprir primeiramente a eta-pa estrutural, mas está ligada a realidades mais profundas,não só da maquinaria administrativa federal, mas do pró-prio regime político vigente, que por sua vez se apóianuma longa tradição política e admínistratíva nacional.

O caráter valorativo dos estilos admiriistrativos foiressaltado no momento oportuno, e estou ciente de quemuitas das coisas que em administração se apresentamcom a neutralidade imponente da ciência, não podemdeixar de ser consideradas questões de preferência, e,portanto, ancoradas na subjetividade dos atores e .torna-dores de decisão. Isto não impede que este autor mani-feste os seus valores e declare as suas preferências por umsistema aberto, participativo, com uma redução substan-cial nos níveis de autoritarismo e discricionariedade, man-tendo a formalização, a padronização e a burocratizaçãonos limites do mínimo necessário. Não significa isto aadoção de uma posição ingênua de que todas estas coisassejam elimináveis da administração, não só pública, mas dequalquer esforço organizado. Acredito, todavia, sempreser possível reservar lugar e energia para a espontaneidade,a iniciativa, a criatividade, que acabem por tornar a maqui-naria administrativa capaz de inovação e conseqüente-mente de beneficiar a coletividade.

Concluindo, diria que o que foi escrito nas páginasprecedentes pode ser visto como reflexões e observaçõesdo autor, mas também proposições passíveis de verificaçãoempírica, que será sempre conveniente, e em algum mo-mento necessário, operacionalizar e submeter ao teste darealidade. •

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2 Veja Argyris, Chris, A integração indivtâuo-organização. SãoPaulo. Editora Atlas, 1975.

3 Dentre os vários textos publicados nos últimos anos sobre oassunto, ju 19o particularmente esclarecedores os trabalhos deBennis, Warren G. Organization development: its nature, originsand prospects. Reading, Addison-Wesley Publishing, 1969 eLawrence, Paul & Lorsch, Jay W. Developing organizations: diag-nosis and action. Reading, Addison-Wesley Publishíng, 1969.

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5 Semor - Secretaria de Modernização e da Reforma Administra-tiva. Modernização e reforma administrativa do Governo federalbrasileiro: quatro décadas de experiência. Rio de Janeiro, Escolalnteramericana de Administração Pública, I Seminário Interameri-cano de Reforma Administrativa, 1973.

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6 Decreto-lei n.O 200. Sistemll de Planejamento Federal. Brasília,Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, 1973. p. 57-79.

11 Galbraith, Jay. Organizational design: an information process-ing view. Brussels, European Institute for Advance Studies inManagement, 1974.12 Id. ibid. p. 61.13 Id. ibid. p. 61.14 Id. ibid. p. 61.

15 Blau, Peter. The hierarchy of authority in organizations. Ameri-can Journal of Sociology, v. 73, p. 4634, 1968.

16 Uma interessante e arguta crítica à sociologia das organizaçõesé encontrada no ensaio de Argyris, Chris. The applicability oforganizational sociology. Cambridge, The University Press, 1972.17 Drucker, Peter F. The new society: the anatomy of industrialorder. New York, Harper Torchbooks, 1962, p. 267. '

7 Id, ibid, p. 61.

8 Id. ibid. p. 60.

9 Uma excelente revisão crítica de "Lab education" é apre-sentada por Dunnette, Marvin D. & Campbell, J. P. Laboratoryeducation: impact on people and organizations. In: Dalton, G. W.& Lawrence, Paul R..eds. Organizational change and âevelopment.Homewood, 111.,Richard D. Irwin, 1970.

10,Simon, Herbert. The new science of management decision, Theshape of automation for men and management. New York, HarperTorchbooks, 1965. p, 58-60.

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