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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES LUCIANA COSTA POLI TEREZA CRISTINA MONTEIRO MAFRA GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA

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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

LUCIANA COSTA POLI

TEREZA CRISTINA MONTEIRO MAFRA

GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA

Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

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D597Direito de família e das sucessões [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI

Coordenadores: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka; Luciana Costa Poli; Tereza Cristina Monteiro Mafra - Florianópolis: CONPEDI, 2017.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-424-2Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas

CDU: 34

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Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Família. 3. Sucessão. 4.Afeto. 5. Casamento. XXVI EncontroNacional do CONPEDI (26. : 2017 : Brasília, DF).

XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

Apresentação

No Grupo de Trabalho de de Direito de Família e Sucessões, do XXVI Encontro Nacional do

CONPEDI, ocorrido em Brasília-DF, entre os dias 19 a 21 de julho de 2017, foram

apresentados dezoito artigos, resultado de pesquisas desenvolvidas em diversos Programas de

Pós-Graduação do país, tendo sido intensamente debatidos pelos autores, participantes e

coordenadoras.

Os trabalhos contemplaram uma pluralidade temática, com diversas abordagens

metodológicas e doutrinárias, pautando-se pela interdisciplinaridade e pela análise crítica e

atual da jurisprudência.

O leitor encontrará um instigante conjunto de textos que abrangem perspectivas teóricas e

práticas proporcionando, além disso, a identificação de questões polêmicas e inovadoras no

Direito de Família e das Sucessões, tais como: a relevância do afeto como valor jurídico,

impactos do Estatuto da Pessoa com Deficiência na invalidade do casamento; aspectos

principiológicos, constitucionais e infraconstitucionais, com amparo em literatura estrangeira

da família, seja no tocante à sua formação, seja quanto à sua dissolução; variadas abordagens

sobre guarda, alienação parental e alimentos; questões afetas à partilha de bens e

planejamento familiar, sucessório e societário, dentre outros assuntos.

Por fim, devem ser rendidas nossas homenagens ao CONPEDI e a todos os autores que

integram a presente obra, pela relevância e empenho dedicados à pesquisa acadêmica, cuja

leitura certamente há de ser enriquecedora.

Profa. Dra. Luciana Costa Poli - PUCMINAS

Profa. Dra. Tereza Cristina Monteiro Mafra - Faculdade de Direito Milton Campos

Profa. Dra. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka - Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo

1 Mestranda em Direito Privado pela PUC Minas. Bacharel em Direito pela FDMC. Advogada.1

DANO MORAL RESULTANTE DA PRÁTICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL: A RESPONSABILIDADE CIVIL COMO DECORRÊNCIA DA VIOLAÇÃO DO

PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR

MORAL DAMAGES FROM THE PRACTICE OF PARENTAL ALIENATION: CIVIL LIABILITY RESULTING FROM THE VIOLATION OF PRINCIPLE OF

FAMILY SOLIDARITY

Beatriz de Almeida Borges e Silva 1

Resumo

O presente artigo propõe-se a traçar o itinerário lógico-jurídico a ser observado para que seja

defensável a responsabilização civil, isto é, a compensação por meio de indenização por

danos morais do genitor que pratica atos de alienação parental. Para tanto, assume-se que a

dita responsabilização tem assento sempre que houver violação a um dos substratos da

dignidade humana (dos quais a solidariedade é um) e que a alienação parental é violação do

princípio da solidariedade tomado em sua dimensão familiar.

Palavras-chave: Dano moral, Alienação parental, Relações parentais, Responsabilidade civil, Solidariedade familiar

Abstract/Resumen/Résumé

The present article proposes to outline the legal-logical route to be observed in order to be

defensible civil liability for moral damages of the parents who practices acts of parental

alienation. In order to do so, it is assumed that this responsibility is based whenever there is a

violation of one of the substrates of human dignity (of which solidarity is one) and that

parental alienation is a violation of the principle of solidarity taken in its family dimension.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Moral damage, Parental alienation, Parental relationships, Civil liability, Family solidarity

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1 Introdução

Do papel de mera boca da lei que lhe foi atribuído por Montesquieu, o Poder

Judiciário foi alçado a uma posição de destaque resultante do surgimento de uma nova

metodologia jurídica, que tem sido chamada de neoconstitucionalismo. Muito embora não

haja consenso acerca da terminologia, de sua clareza e previsão, tampouco de se trataria de

fenômeno único, parece haver concordância acerca da possibilidade de se identificar um

núcleo duro comum dessa metodologia que traduz o pensamento jurídico contemporâneo.1

Em esforço de síntese e de maneira didática é possível dizer que essa nova lógica (a)

reconhece a força normativa dos princípios jurídicos, tornando mais usual o recurso a eles na

resolução de conflitos; (b) adota métodos menos formais de raciocínio jurídico, indo além da

tradicional e mecânica subsunção e, por fim, (c) assume a constitucionalização do Direito

como premissa, assentando que os valores expressos pelo legislador constituinte devem

informar o sistema jurídico como um todo, soa intuitivo o protagonismo desempenhado pelo

Poder Judiciário, dada a maior complexidade do trabalho hermenêutico desenvolvido pelo

intérprete na decidibilidade dos conflitos nesse novo cenário.

A vagueza e a indeterminação ínsitas aos ditos valores incorporados pela ordem

constitucional, resultantes do reconhecimento de que a apreensão de novos fatos sociais é

imprescindível para a atribuição de um sentido atual aos velhos modelos, asseguram

plasticidade à ordem jurídica. Garante-se, em suma, que não haja um engessamento mediante

a percepção de novas situações – derivadas dos avanços culturais, sociais e tecnológicos – o

que é fundamental para a atribuição (e renovação) de sentido aos casos que não estão na

“cartilha padrão” do Poder Judiciário (MARINONI, 2008, p. 96).

1 Os adeptos do neconstitucionalismo buscam embasamento no pensamento de juristas que se filiam a linhas bastante heterogêneas, como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Peter Häberle, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino, e nenhum destes se define hoje, ou já se definiu, no passado, como neoconstitucionalista. Tanto dentre os referidos autores, como entre aqueles que se apresentam como neoconstitucionalistas, constata-se uma ampla diversidade de posições jusfilosóficas e de filosofia política: há positivas e não-positivas, defensores da necessidade do uso do método na aplicação do Direito e ferrenhos opositores do emprego de qualquer metodologia na hermenêutica jurídica, adeptos do liberalismo político, comunitaristas e procedimentalistas. Neste quadro, não é tarefa singela definir o neoconstitucionalismo, talvez porque, como já revela o bem escolhido título da obra organizada por Carbonell, não exista um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção teórica clara e coesa, mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns denominadores comuns relevantes, o que justifica que sejam agrupadas sob um mesmo rótulo, mas compromete a possibilidade de uma conceituação mais precisa” (SARMENTO, 2009, pp. 33-34). Em sentido oposto, entendendo que o neoconstitucionalismo é mais uma ideologia do que uma realidade concretamente verificável no cenário jurídico contemporâneo posiciona-se Humberto Ávila (2009).

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Por outro lado, essas mesmas vagueza e indeterminação autorizam leituras muito

diversificadas, o que demonstra a legitimidade da preocupação frequentemente identificada

em doutrina (STRECK, 2016) de que o recurso a princípios e a menção aos valores

constitucionais transformem-se em mera vestimenta jurídica pomposa para opiniões

individuais político-ideológicas dos magistrados, em um verdadeiro oba-oba constitucional

(SARMENTO, 2009, p. 60).

Como é evidente, a dimensão do problema sinalizado em doutrina aumenta diante de

temas com relação aos quais falta rigor teórico demarcando suas especificidades, pois a falta

de lastro metodológico é terreno fértil para arbitrariedades judiciais. Daí porque

frequentemente a ausência de bases racionais sólidas abre margem para que discussões

jurídicas sejam resolvidas no nível do senso comum ou do prudente arbítrio do juiz (rectius,

da opinião que o magistrado tem acerca do tema trazido à sua apreciação), o que traduz, a um

só tempo, insegurança jurídica e atropelo à divisão de poderes.

Um dos grandes alvos dessa loteria forense é o dano moral, pois em virtude de sua

imprecisão conceitual, funcional e de parâmetros para quantificá-lo, é possível verificar que

“[o] magistrado, na prática, recebe um cheque em branco, para decidir o que bem entender:

ele personifica o dano bem como sua valoração e não se exige – nem se espera – que motive,

do ponto de vista da racionalidade ou da quantificação, a sua decisão” (MORAES, 2011, p.

02). Como consequência, delineia-se um cenário no qual em matéria de danos morais é

possível incluir qualquer coisa, a depender do juiz que julgue o caso entender, mediante a

projeção de suas experiências de vida pessoais, que o fato configura mero aborrecimento ou

verdadeiro sofrimento.2

Nesse panorama, um dos caminhos encontrados para coibir a utilização enviesada da

lógica inaugurada pelo neoconstitucionalismo está na exigência de que os pronunciamentos

jurisdicionais tenham lastro em argumentação racional. “Deve-se adotar a premissa de que

quanto mais vaga for a norma aplicada, e mais intenso o componente volitivo envolvido no

processo decisório, maior deve ser o ônus argumentativo do intérprete” (SARMENTO, 2009,

61).

2 Anderson Schreiber (2011, p. 119) menciona emblemático julgado do TJRJ referente à ação de indenização por danos morais e materiais proposta pela atriz Maitê Proença no qual a Corte Fluminense rejeitou o pedido, não obstante a inequívoca circulação de imagens da autora sem a sua autorização, sob os seguintes fundamentos: “Fosse a autora uma mulher feia, gorda, cheia de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicação de sua fotografia desnuda – ou quase – em jornal de grande circulação, certamente lhe acarretaria um grande vexame, muita humilhação, constrangimento enorme, sofrimentos sem conta, a justificar – aí sim – o seu pedido de indenização por dano moral, a lhe servir de lenitivo pelo mal sofrido. Tratando-se, porém, de uma das mulheres mais lindas do Brasil, nada justifica pedido dessa natureza, exatamente pela inexistência, aqui, de dano moral a ser indenizado”.

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Cabe, nesse contexto, à comunidade acadêmica desenvolver os parâmetros

hermenêuticos que servirão de fonte à motivação das decisões judiciais, das quais, como dito,

se espera mais do que vagas alusões aos princípios constitucionais. Compete-lhe orientar o

trabalho jurisprudencial, superando a situação de indefinição em que se encontram alguns

institutos – em especial, o dano moral – e conferindo-lhes o grau de tecnicidade indispensável

a que hipóteses semelhantes recebam tratamento homogêneo ou, dito de outra forma,

garantindo previsibilidade, já que, assim, “certamente não se poderá comparar os tribunais a

cassinos ou a loterias, onde a sorte e o azar prevalecem” (MORAES, 2011, p. 17).

Dentro dessa linha de ideias, o presente artigo propõe-se, sem qualquer pretensão de

esgotar o tema, a traçar o itinerário lógico-jurídico a ser observado a fim de que,

racionalmente, seja defensável a responsabilização civil – isto é, a compensação por meio de

indenização por danos morais – do genitor que pratica atos de alienação parental, ainda que

não se ignore que, tal como prevê o art. 2o da Lei 12.318/10, essa prática possa ser

empreendida pelos avós ou por aqueles que tenham a criança ou adolescente sob a sua

autoridade, guarda ou vigilância. Dessa forma, na busca da solução para o problema

apresentado adotou-se como vertente teórico-metodológica a jurídico-sociológica, que se

propõe “a compreender o fenômeno jurídico no ambiente social mais amplo” (...),

investigando “a realização concreta de objetivos propostos pela lei, por regulamentos de todas

as ordens e de políticas públicas ou sociais” (GUSTIN; DIAS, 2006, p. 22).

O trabalho tem início com um estudo pormenorizado do princípio da solidariedade

familiar, no intuito de demonstrar por que a paternidade responsável é uma expressão

particularizada do comando constitucional de solidariedade. Em seguida, passa-se a discorrer

sobre a alienação parental, caracterizando-a como atuação disfuncional do múnus parental – o

que implica desrespeito ao mencionado princípio – para ao final se concluir pela possibilidade

de responsabilizar civilmente aquele que se descurou da circunstância de que membros de

uma família unem-se pela corresponsabilidade, notadamente diante da vulnerabilidade das

crianças e adolescentes cujo sadio desenvolvimento é confiado aos pais.

Assim, desenhados os contornos teóricos a serem observados diante do caso

concreto, quer-se evitar os desvios e incongruências frequentemente identificados,3-4 que

3 “3. O mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si, situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, e constitui antes um fato da vida. 4.Embora se viva num mundo materialista, onde os apelos pelo compromisso social não passam de mera retórica política, em si mesma desonesta e irresponsável, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filha, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro” (RIO GRANDE DO SUL, 2016).

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autorizam a conclusão de que “temos milhares de judiciários, milhares de ministérios

públicos, onze supremos, trinta e três essetejotas” (STRECK, 2016), mormente quando está

na pauta do dia aqueles a quem a ordem constitucional expressamente assegurou absoluta

prioridade na defesa da dignidade.

2 O princípio da paternidade responsável como expressão particularizada da solidariedade familiar

Muito embora a noção de solidariedade – como respeito e amor ao próximo –

remonte há mais de dois mil anos, visto que provém de mandamentos cristãos,5 só há pouco6

ela começou a ser apreendida como algo além de ações ocasionais, lastreadas em ética ou em

caridade, para se tornar um princípio geral do ordenamento, dotado, por isso, de máxima força

normativa.

Do ponto de vista jurídico, no âmbito nacional7 a solidariedade foi consagrada como

princípio geral instituído pelo art. 3o, I da Constituição Federal. Ao indagar por que teríamos

4 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido (BRASIL, 2012a). 5 “De fato, a alusão à solidariedade na cultura ocidental remete ao cristianismo primitivo e ao estoicismo, mas o direito sempre lhe deu atenção pontual e transitória, associando-a, quando muito, à ideia de caridade, como na Constituição francesa de 1793, em que se declarou o dever de socorro aos ‘infelizes’. A solidariedade permanecia como noção de ordem moral, religiosa ou filosófica, distante do direito” (SCHREIBER, 2005, p. 52) 6 “É somente no final do século XIX que aparece a lógica da solidariedade com um discurso coerente que não se confunde com “caridade” ou “filantropia”. A lógica da solidariedade se traduz por uma nova maneira de pensar a sociedade e por uma política concreta, não somente de um sistema de proteção social, mas também como ‘um fio condutor indispensável à construção e à conceitualização das políticas sociais’. Depois das primeiras tentativas de síntese feitas por Charles Renouvier, Charles Secrétan, Alfred Fouillé, Marion e Charles Gide, o discurso da solidariedade foi sistematizado conceitualmente por Léon Bourgeois e Durkheim” (FARIAS, 1998, p. 190). 7 Na Itália, o art. 2 do texto constitucional prevê “La Repubblica riconosce e garantisce i diritti inviolabili dell’uomo, sia come singolo, sia nelle formazioni sociali ove si svolge la sua personalità, e richiede l’adempimento dei doveri inderogabili di solidarietà politica, economica e sociale” (Em tradução livre: “A república reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, como indivíduo ou no seio das formações sociais onde se desenvolva sua personalidade, e exige o cumprimento dos deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social”).

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levado tanto tempo para atingir o amadurecimento indispensável à atribuição de

imperatividade a essa noção, Maria Celina Bodin de Moraes (2010, p. 263-264) propõe em

resposta que a demora se deveria à circunstância de que somente uma ordem democrática, ao

proibir discriminações entre “nós” e os “outros”, seria capaz de tutelar o respeito devido a

cada um, isto é, a solidariedade, conferindo-lhe força normativa.

Assim, abandonando o liberal-individualismo calcado numa noção de igualdade

entre os sujeitos meramente formal, bem como a ideia do indivíduo concebido apenas como

parte do todo social, asfixiado em seus espaços de autonomia, a lógica que irrompe resulta do

reconhecimento da necessidade de se equilibrar “os espaços privados e públicos e a interação

necessária entre os sujeitos concretos, despontando a solidariedade como elemento

conformador dos direitos subjetivos” (LÔBO, 2007, p. 144).

O agir como se pensasse no outro torna-se um paradigma; uma lente do pensamento

jurídico contemporâneo que preceitua, com caráter de imperatividade, a corresponsabilidade

de uns pelos outros. Em suma, “[n]o contexto atual, a Lei Maior determina – ou melhor, exige

– que nos ajudemos, mutuamente, a conservar nossa humanidade porque a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós” (MORAES, 2010, p. 251).

A lógica inaugurada pelo princípio da solidariedade abrange todo o tecido social e,

na medida em que a família é a base fundamental da sociedade, é dedutivo “ser este o

primeiro núcleo no qual a solidariedade deve imperar” (ALMEIDA, RODRIGUES JR., 2012,

p. 51). Daí se falar em solidariedade familiar, entendida como um dever jurídico de mútua

assistência envolvendo aspectos morais e materiais.

Esse estado de coisas redefiniu as funções e responsabilidades parentais até se chegar

ao estágio atual em que a autoridade parental se identifica com um poder jurídico, entendida,

portanto, como “verdadeiro ofício, uma situação de direito-dever: como fundamento da

atribuição dos poderes existe o dever de exercê-los. O exercício da potestà não é livre,

arbitrário, mas necessário no interesse de outrem (...)” (PERLINGIERI, 2002, p. 129).

É, em resumo, múnus conferido pelo ordenamento jurídico aos pais, legitimamente

exercido quando em atenção aos interesses dos filhos, cujo conteúdo, por expressa previsão

do art. 229 da Constituição Federal, consubstancia-se no “dever de assistir, criar e educar os

filhos menores”:

O dever de assistência implica atender às necessidades patrimoniais; o de criar consiste em satisfazer as necessidades biológicas e psicológicas; e o de educar, garantir orientação nos mais diversos aspectos do amadurecimento do menor, quer se trate da educação formal, quer se trate de incentivos culturais e orientação comportamental (...). Com vistas a destacar os aspectos existenciais da relação

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parental, passou-se a empregar, para explicá-la, a expressão dever de cuidado, capaz de aglutinar todos os deveres anteriores e acentuar o papel prevalente dos interesses dos menores no processo educacional (MEIRELES; ABÍLIO, 2012, p. 347).

Entende-se, portanto, que dever de cuidado é gênero do qual são espécies as três

previsões constitucionais de responsabilidades parentais (cuidar, criar e assistir). Indo além, é

dedutivo, ainda, que a preservação da integridade psíquica da criança insere-se no dever de

criar, visto que seus contornos são os de “suprimento das necessidades biopsíquicas do

menor, o que a atrela [a criação] à assistência, ou seja, à satisfação das necessidades básicas,

tais como cuidados na enfermidade, orientação moral, o apoio psicológico (...), o acompanhar

física e espiritualmente” (TEIXEIRA, 2009, p. 143).

Assentada a ideia de que a atuação dos pais legitima-se à exata medida que resguarda

e promove a integridade biopsíquica dos filhos, afigura-se precisa a conclusão a que chega a

doutrina ao afirmar que a palavra que atualmente melhor define a relação parental é

responsabilidade (MORAES; TEIXEIRA, 2016), tomada para fins deste estudo como

desdobramento lógico do princípio da solidariedade.

Isso porque, seja consentido repetir, se a exigência de um atuar solidário, ou seja, de

responsabilidade para com o outro, advém do reconhecimento de que “[s]omente se pode

pensar o indivíduo como inserido na sociedade, isto é, como parte de um tecido social mais ou

menos coeso em que a interdependência é a regra e, portanto, a abertura em direção ao outro,

uma necessidade” (MORAES, 2010, p. 241), é facilmente compreensível o motivo pelo qual

esse dever de corresponsabilidade exigido de toda e oponível a toda a coletividade tem

especial destaque no âmbito familiar, notadamente nas relações parentais.

A uma, da circunstância de que as crianças encontram-se em fase de

desenvolvimento, sendo presumidamente vulneráveis, resulta a inarredável conclusão de que

a responsabilidade aqui é potencializada.

Diante das vulnerabilidades ora exemplificadas, é necessária a intervenção do Estado para a tutela dos hipossuficientes, principalmente no âmbito da família, onde os membros devem se responsabilizar uns pelos outros, quando existe algum tipo de vulnerabilidade (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 107).

A duas, porque as relações parentais decorrem do exercício do direito ao

planejamento familiar (art. 226, §6o da Constituição Federal), sendo certo que o anverso da

liberdade para constituir a família é precisamente a responsabilidade que advém do exercício

dessa liberdade. Significa dizer que o direito ao livre planejamento familiar, cujo fundamento

é a liberdade na constituição de prole, é conformado pelo princípio da paternidade

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responsável, o que demonstra ser preocupação do ordenamento jurídico assegurar que os

genitores tenham reais possibilidades de se responsabilizarem pela sadia criação de seus

filhos.8 Daí afirmar-se que o princípio da paternidade responsável é expressão particularizada

do princípio da solidariedade – aqui familiar.

É dizer: o comando constitucional (princípio da solidariedade) no sentido de que se

aja de forma responsável para com o outro se projeta no âmbito parental (princípio da

solidariedade familiar) sob a exigência de que a atuação dos pais seja responsável, dada a

vulnerabilidade da prole. Por sua vez, essa responsabilidade implica uma atuação parental que

se oriente pelos interesses dos filhos e não pelos seus próprios interesses. Por isso, à medida

que o atuar dos pais distancia-se dessa exigência, há violação ao preceito constitucional.

Assentadas essas premissas, rememore-se que o dever de criar refere-se ao

suprimento das necessidades psíquicas da criança, ou seja, à preservação e promoção de sua

integridade psicológica. Daí porque, uma vez detectado que qualquer dos pais, no exercício de

sua autonomia, viola o dever de responsabilidade (rectius solidariedade familiar) para com o

filho, atuando em desfavor da dita integridade psicológica ao qual é obrigado a resguardar, há

um exercício disfuncional do poder familiar (MORAES; TEIXEIRA, 2016, p. 136), passível,

como se pretender demonstrar, de reparação, inclusive pecuniária.9 Assim, é de se demonstrar

em que medida a alienação parental consubstancia uma disfunção da autoridade parental e dos

deveres constitucionais que lhe que são imanentes.

3 A alienação parental

Num ambiente de relação conflituosa que os pais eventualmente cultivem entre si, a

divisão da companhia do filho torna-se terreno fértil para a prática de atos de programação da

criança a fim de que ela odeie o outro genitor. Assim, tendo como resultado último a anulação

do duplo referencial parental, a alienação parental conta, de um lado, com o genitor alienador

que – seja no intuito deliberado de inviabilizar a relação do filho com o por parental, seja por

verdadeiramente acreditar nos motivos que lhe levam a empreender a campanha de

8 Sem qualquer pretensão de discutir se a proposta legislativa implica ou não indevida ingerência na família, menciona-se a fim de ilustrar a dita preocupação do ordenamento jurídico com a responsabilidade no exercício da autoridade parental, punindo a sua falta, o PLS, de autoria do Senador Cristovam Buarque, 189/2012 que torna obrigatória a participação dos pais em reuniões escolares, sob pena de ficarem impedidos de prestarem concurso público, fazerem empréstimo em bancos estatais, tirarem passaporte e receberem remuneração de emprego público. (BRASIL, 2012b) 9 Não se ignora a necessidade de se repensar a tradicional técnica de ressarcimento monetário em prol de mecanismos que talvez sejam mais aptos a proporcionar a adequada reparação do dano injusto, mas isso foge do objeto deste estudo (COSTA; POMPEU, 2016).

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desprestígio do outro genitor – e, de outro, o filho que, diante da manipulação promovida, é

convencido da realidade de um fato e levado a repetir que lhe é afirmado como tendo

realmente acontecido.

A prática que há tempos é objeto de estudos pela psicologia e pela psiquiatria,

consiste na doutrinação da criança, usualmente por parte do genitor guardião, a fim de anular

o outro referencial parental da vida do menor, mediante a promoção de uma campanha de

desprestígio da qual, ao fim e ao cabo – em virtude da introjeção do discurso alienador que

lhe é incansavelmente repetido – a criança passa a ser partidária. Daí se afirmar que “[é],

portanto, uma forma de abuso emocional que visa à extinção dos vínculos afetivos entre o

genitor alienado e sua prole, acarretando consequências nefastas para a vida futura de um ser

em pleno desenvolvimento” (MADALENO; MADALENO, 2013, p. 07).

Muito embora a alienação parental seja identificada na rotina forense há tempos,10 o

ordenamento apenas recentemente assumiu o assunto como alvo de sua real preocupação,

quando publicada a Lei 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental, conceituando-a,

prevendo as sanções que da prática advém, sob a expressa ressalva de que a ampla utilização

de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do

caso, dá-se sem prejuízo da responsabilização civil.

A despeito de não se ignorar que os nefastos resultados da prática da alienação

parental reverberam, diretamente, no genitor alienado, parece não haver dúvida de que são os

filhos que sofrem os danos mais evidentes, posto que sua vulnerabilidade os torna suscetíveis

a internalizar o discurso alienador de forma acrítica, a ponto não só de acreditar e repetir o

discurso, mas principalmente de experimentar os sintomas físicos típicos da violência que

acredita lhe ter sido impingida.

Além do sacrifício ao direito à convivência familiar da criança com ambos os pais, sua integridade psíquica também fica seriamente abalada por passar a acreditar que foi abandonado, rejeitado ou até vítima de abuso sexual, hipótese mais grave de alienação parental (MORAES; TEIXEIRA, 2016, p. 134).

Situado o que é a alienação parental e suas repercussões na integridade psicofísica da

criança, é de se rememorar, mais uma vez, que aos pais compete zelar por essa mesma

10 REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Evidenciado o elevadíssimo grau de beligerância existente entre os pais que não conseguem superar suas dificuldades sem envolver os filhos, bem como a existência de graves acusações perpetradas contra o genitor que se encontra afastado da prole há bastante tempo, releva-se mais adequada a realização das visitas em ambiente terapêutico. Tal forma de visitação também se recomenda por haver a possibilidade de se estar diante de quadro de síndrome de alienação parental (RIO GRANDE DO SUL, 2006).

140

integridade, além de assegurar à prole a convivência familiar. Daí ser correto afirmar que a

prática de alienação parental engendrada por qualquer dos genitores consubstancia, a um só

tempo, violação aos deveres constitucionalmente previstos nos arts. 227 e 229.

Trata-se, em última instância, de um atuar irresponsável e disfuncional, na medida

em que se dá na contramão da ratio da autoridade parental: o resguardo dos interesses e do

sadio desenvolvimento da prole vulnerável, atentos que devem estar ao comando

constitucional de que “os familiares hão de ser solidários entre si, a fim de auxiliar a

promoção do livre desenvolvimento da personalidade de todos” (ALMEIDA; RODRIGUES

JR., 2012, p. 51).

4 Os parâmetros hermenêuticos para a condenação por danos morais em virtude

da prática de alienação parental

Assumindo o desafio de superar a noção etérea envolta no conceito de dignidade

humana, conferindo-lhe contornos precisos e dogmáticos a fim de que seja possível invocá-la

no âmbito jurídico para além do mero reforço argumentativo, esvaziado de força normativa

autônoma dado o grau de fluidez, Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 07) afirma que,

sob uma perspectiva filosófico-política, a dignidade é entendida como a substância, o atributo

próprio da espécie humana e precisamente o que a diferencia das demais.

Ainda nessa perspectiva filosófica, a autora identifica em Kant quatro postulados, os

quais considera os substratos da referida dignidade (MORAES, 2011). São eles: (i) o sujeito

moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; (ii) os outros, como

são iguais, são merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; (iii)

cada um é dotado de vontade livre, de autodeterminação; (iv) cada um é parte do grupo social,

em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado.

Na medida em que o Direito não cria, mas apenas reconhece a dignidade como noção

consagrada na história, o ordenamento dá, a ela e a seus quatro substratos, roupagem jurídica-

constitucional para viabilizar sua tutela. Assim, os correspondentes jurídicos dos postulados

kantianos são os princípios (i) da igualdade; (ii) da integridade psicofísica; (iii) da liberdade e

(iv) da solidariedade.

De fato, quando se reconhece a existência de outros iguais, daí dimana o princípio da igualdade; se os iguais merecem idêntico respeito à sua integridade psicofísica, será preciso construir o princípio que protege tal integridade; sendo a pessoa essencialmente dotada de livre vontade, será preciso garantir, juridicamente, esta

141

liberdade; enfim, fazendo a pessoa, necessariamente, parte do grupo social, disso decorrerá o princípio da solidariedade social (MORAES, 2006, p. 17).

O desrespeito a qualquer desses substratos implica violação à dignidade em si, na

medida em que eles são o conteúdo da própria noção de dignidade e, nesse sentido, “todas as

lesões que podem ser reconduzidas a pelo menos um desses quatro princípios são graves o

bastante para gerar indenização por dano moral” (MORAES, 2006, p. 51).

(...) é efetivamente o princípio da dignidade humana, princípio fundante de nosso Estado Democrático de Direito, que institui e encima, como foi visto, a cláusula geral de tutela da personalidade humana, segundo a qual as situações jurídicas subjetivas não-patrimoniais merecem proteção especial no ordenamento nacional, seja através de prevenção, seja mediante reparação, a mais ampla possível, dos danos a elas causados. A reparação do dano moral transforma-se, então, na contrapartida do princípio da dignidade humana: é o reverso da medalha (MORAES, 2003, p. 132).

Assentado o conceito de dano moral como lesão à dignidade humana, fundada em

qualquer de seus quatro substratos, retira-se da matéria a subjetividade e imprecisão teórica

ínsita ao atrelamento de dano moral a sofrimento, tristeza, perturbação, angústia etc. tão

frequentes em jurisprudência.11 Do julgador, portanto, não se espera pronunciamentos que se

aproxime ora a condolências, ora a indiferença e repulsa à situação vivenciada pelo indivíduo,

no sentido de identificá-la como sofrimento ou mero dissabor, mas que, em bases dogmático-

racionais, identifique ou afaste a violação dentre os substratos referidos.

O desafio passa a estar em, diante do caso concreto, saber qual dos princípios realiza

no caso concreto o objetivo único de promover a referida dignidade, reconhecida que é a

possibilidade de haver conflito entre duas ou mais situações jurídicas subjetivas, cada uma

delas esteada por um desses princípios. Nesse sentido, é de se ter em conta que as relações

parentais estabelecem-se entre os pais, no exercício da autonomia responsável que chancela o

livre planejamento familiar, e os filhos, cuja vulnerabilidade é presumida em virtude da fase

de formação em que se encontram. Daí ser evidente que toda a análise a ser feita deve

11 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - INFORMAÇÕES INVERÍDICAS A RESPEITO DO COMPORTAMENTO DA PARTE AUTORA - COMPROVAÇÃO AUSENTE - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. - Constitui dano moral apenas a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que exorbitando a normalidade, afetem o comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, desequilíbrio e angústia, situação inocorrente nos autos. - Ausente a comprovação de que a parte requerida tenha divulgado alguma informação inverídica de forma a ocasionar abalos morais a parte autora, correto o indeferimento da indenização requerida. - Recurso não provido (MINAS GERAIS, 2017).

142

direcionar-se por aquilo que efetivamente resguarda o melhor interesses da prole, dada a

assimetria da relação.12

Vale, aqui, uma ressalva acerca do recorte necessário a fim de que a linha de ideias

desenvolvidas neste estudo mantenha-se fiel ao que o título anuncia: analisar a

responsabilidade civil dos pais pela prática de alienação parental como violação ao princípio

da solidariedade. É que a prática de alienação parental poderia ser analisada sob dois vieses, a

saber: (i) a colisão do direito à integridade psíquica da criança com o (pretenso) direito à

liberdade dos pais de dirigir a criação do filho empreendendo campanha de desprestígio em

relação ao outro genitor ou (ii) colisão dessa mesma liberdade dos pais com o dever de

preservar a prole vulnerável, exercendo a paternidade de forma responsável, corolário do

princípio da solidariedade familiar. Assim, muito embora haja, na prática de alienação

parental, inegável violação do direito à integridade psíquica da criança, a abordagem que aqui

se faz é centrada na figura parental, cotejando o direito à liberdade com o dever de

solidariedade.

Com efeito, nas relações parentais, diante da presença de um vulnerável que

demanda tutela diferenciada, sobreleva o princípio da solidariedade familiar quando em cotejo

com a princípio da liberdade dos pais, visto que a proteção às crianças e aos adolescentes

justifica e reclama a ampliação da atuação estatal – por meio dos pronunciamentos judiciais

reconhecendo a responsabilidade civil:

Essa responsabilidade independe do afeto, pois se trata de deveres de conduta objetivos, cuja fonte é a filiação, o parentesco, a conjugalidade. E, quando os deveres não são exercidos de forma espontânea, o Estado interfere e imputa tal responsabilidade, para que a pessoa vulnerável tenha garantida uma vida digna (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 107).

Assim, se é certo que os genitores têm a obrigação de cuidar dos filhos, preservando

sua integridade, a atuação em sentido contrário implica violação ao princípio constitucional

de onde advém esse dever: o princípio da solidariedade familiar. Por decorrência lógica, uma

vez reconhecido que a reparação por dano moral tem assento sempre que identificada lesão a

um dos princípios que compõem o substrato da dignidade humana, dentre os quais se inclui a

dita solidariedade, afigura-se evidente o cabimento de indenização ante a prática de alienação

parental.

12 Adverte-se em doutrina que situação completamente diferente é aquela relativa ao cabimento de dano moral indenizável entre os cônjuges, visto que aqui não há assimetria. Trata-se, ao revés, de relação fundada na liberdade e na igualdade, razão pela qual não há parte vulnerável que demande tutela diferenciada (MORAES; TEIXEIRA, 2016, p. 125).

143

Um último apontamento há de ser feito à guisa de conclusão. Discorrendo sobre o

cabimento de reparação por danos morais na hipótese de abandono moral por parte dos

genitores, Ana Carolina Brochado Teixeira e Maria Celina Bodin de Moraes sustentam que a

legitimidade para a propositura desta ação é personalíssima do filho, depois de atingida a

maioridade. A uma, porque só o filho tem condições de avaliar em que medida o afastamento

do pai (na hipótese, repita-se, de abandono moral) lhe causou dano concreto e efetivo. A duas,

pois antes da maioridade a propositura da ação dependeria da representação ou assistência em

juízo por parte do genitor, o que poderia desvirtuar o expediente, transformando-o em

instrumento de vingança de um genitor em face do outro (MORAES; TEIXEIRA, 2016, p.

131). Defende-se aqui que o mesmo raciocínio, sem quaisquer ressalvas, aplica-se à hipótese

de propositura de ação de indenização por danos morais em virtude da prática de alienação

parental, sob pena de o remédio jurídico – indiscutivelmente voltado à proteção do filho –

transformar-se em meio de revanchismo do genitor alienado em face do alienador.13

5 Conclusão

Do estudo aqui empreendido é possível concluir, de início, que o substrato material

da dignidade – entendida como o elemento identificador e diferenciador da condição humana

– é composto pelos princípios da liberdade, solidariedade, igualdade e integridade e, mais

além, que todas as lesões que podem ser reconduzidas a qualquer um desses quatro princípios

são graves o bastante para gerar indenização por dano moral.

Seguindo essa linha de ideias, foi possível, ainda, identificar-se a paternidade

responsável como uma expressão particularizada do princípio da solidariedade familiar. o

comando constitucional (princípio da solidariedade) no sentido de que se aja de forma

responsável para com o outro se projeta no âmbito parental (princípio da solidariedade

familiar) sob a exigência de que a atuação dos pais seja responsável, dada a vulnerabilidade

da prole. Por sua vez, essa responsabilidade implica uma atuação parental que se oriente pelos

interesses dos filhos e não pelos seus próprios interesses. Por isso, à medida que o atuar dos

pais distancia-se dessa exigência, há violação ao preceito constitucional.

13 Nada obsta que o genitor alienado, ante o pronunciamento judicial reconhecendo a prática de alienação parental, intente ação por danos morais em face do genitor alienador. Não obstante, nesta hipótese a discussão não dirá respeito à colisão solidariedade versus liberdade, na medida em que a relação conjugal não se fundamenta nesses princípios. Em verdade, a discussão será afeta à colisão entre a liberdade do genitor alienador e a integridade psíquica do genitor alienado, com ampla prioridade, acredita-se, para o segundo.

144

A seguir, demonstrou-se que a alienação parental, à exata proporção que aniquila o

duplo referencial de parentalidade e incute na criança os sintomas e a percepção de que

verdadeiramente foi violentada – moral ou fisicamente – pelo genitor alienado, consubstancia,

a um só tempo, violação aos deveres constitucionalmente previstos nos arts. 227 (violação do

direito à dignidade e à convivência familiar) e 229 (violação dos deveres parentais de

cuidado). Trata-se, em última instância, de um atuar irresponsável e disfuncional, que se dá na

contramão da ratio da autoridade parental, passível, por isso mesmo, de indenização por

danos morais, dada a violação da premissa de responsabilidade (solidariedade) que deve

nortear a criação dos filhos, uma vez que life affords no greater responsibility, no greater

privilege, than the raising of the next generation (THE NEW YORK TIMES, 1990).

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