Yume

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Yume Kamile Girão

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Prólogo e parte do primeiro capítulo do livro Yume, disponibilizado pela autora Kamile Girão

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Yume

Kamile Girão

Page 2: Yume

— Maldito! Por que fizeste isso?

A raiva dele enegrecia o ambiente, enchia-o de ódio e desprezo. Seus olhos

vermelho-escarlates fulminavam a fúria, exibiam-na ao mundo, mostrando o que todo o

seu corpo sentia. Seus dentes pontudos e afiados pulsavam de seus lábios, prontos para

atacar uma presa inexistente – nunca atingiria o seu adversário, aquele que ocasionara a

sua raiva descontrolada. Este, o causador da sua desgraça, não se importava com o

acesso de ódio que sentia. Que houvessem vários, inúmeros ataques, nada o faria

reverter a situação.

Politicamente correto. Um nada.

— Se eu não fizesse, tu colocarias o mundo em risco! — proferiu sério, firme —

Não percebes o mal que causarias? Não podes quebrar a ordem já existente!

Nojento.

— Pois saibas que correrei por todos os cantos deste mundo à procura do

escolhido. — ameaçou o maldito, colérico — E tenhas certeza de que irei encontrá-lo,

nem que precise ir ao inferno para buscá-lo!

— Tentes, então. Atravessarás séculos, milênios, mas nunca irás desfazer o que

já foi lançado. E não ponhas a tua esperança em um ser que, provavelmente, nunca

existirá.

— Verás, então. Verás.

E o revoltado se levantou com dificuldade, saindo da sala assim que conseguiu

se manter em pé. Desapareceu desde então, perdendo-se na imensidão dos séculos.

Talvez sempre à procura daquele que quebraria a maldição que lhe fora lançada.

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Sonho

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1.

As folhas secas caídas no chão faziam um barulho ensurdecedor quando eram

pisadas. Era estranho ainda existirem folhas naquele lugar quando o inverno já estava

tão avançado e rigoroso. A neve não parava de cair, e o frio era tão intenso que a

garota sentia cada parte do seu corpo congelar. Onde realmente estava?

A única coisa que se via era a existência de árvores secas, brancas por causa do

acúmulo de neve, e espalhadas por todo lado. O céu estava bastante cinza devido à

intensa névoa, e o lugar, deserto. Estava com medo e confusa. O único barulho que ela

escutava era o de seu próprio coração, não se ouvia mais nenhum outro ruído. Um

súbito desespero se apoderou dela. O que era tudo aquilo, e onde estava a saída?

Andar se tornou uma difícil atividade naquele instante. O cansaço, as folhas e a

neve no chão a impediam de caminhar direito, fazendo-a tropeçar várias vezes. O frio

aumentava, e o fino vestido que a cobria não dava proteção contra o vento. Não dava

mais, ela não estava aguentando! Até ali, só havia andado sem rumo e não achara

ninguém, nenhuma saída, nada além de árvores. O cansaço chegou ao seu ápice, e a

queda foi certa e pesada. Caíra de joelhos no chão. Sua respiração saía difícil, os

pulmões congelados, e ela perdera a capacidade de falar. Desejava gritar, pedir ajuda,

mas suas cordas vocais não produziam nenhum som, embora se esforçasse para fazê-lo

– estava muda. O que fazer? Tinha de sair dali!

Foi então que sentiu uma grande mão pousar sobre seus cabelos. Aquilo a

assustou, mas o toque era de tal doçura que parte do seu medo desapareceu. A pessoa

se abaixou, ficando de joelhos à sua frente para poder a olhar melhor. Ela levantou o

rosto molhado e percebeu, estática, um rapaz de cabelos dourados. Não conseguia ver

perfeitamente as suas feições, mas ele ainda estava com a mão sob seus cabelos,

deslizando-a em direção ao seu rosto. A garota pôde, então, acalmar-se um pouco.

Fechou os olhos e sentiu aquele singelo gesto, uma sensação de paz invadindo o seu

peito.

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Do rosto, a mão do jovem desceu em direção ao braço da mocinha, alcançado a

pequena mão dela e segurando-a com força. Levantou-se e, ainda de mão dada com a

menina, foi levantando-a em seguida, puxando-a levemente. Ela obedeceu, e eles

ficaram frente a frente, somente se observando. Era estranha a sensação de

tranquilidade que agora pairava entre os dois.

Numa ação inesperada e inconsciente, a jovem se jogou nos braços do rapaz,

envolvendo-o com força. Tudo sumiu. Agora só existiam ele e ela, unidos em um doce,

longo e caloroso abraço. Somente agora tudo estava bem.

— Nadia! Nadia, acorde, meu bem!

Berlim – Alemanha

Quando Nadia abriu os olhos, não havia mais floresta, nem neve e nem cabelos

dourados. Tudo o que via era apenas o teto com infiltrações e sua mãe, que a observava,

aflita por causa do horário. Então, não havia passado de um mero sonho?

Suspirou.

— Ok, ok, sem repreensões. Já estou indo.