Zizek - A Revolta Da Burguesia Assalariada - Jan12
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A revolta da burguesia assalariadaPosted on 27/01/2012 | Deixe um comentário
Recriação do jogo Monopoly instalada por Banksy no acampamento do Occupy London
Por Slavoj Žižek.
Traduzido por Chrysantho Sholl e Fernando Marcelino.
Embora os protestos sociais em curso nos países ocidentais desenvolvidos
pareçam indicar o renascimento de um movimento emancipatório radical, uma
análise mais detalhada nos compele a elaborar uma série de distinções precisas
que, de alguma forma, embaçam essa clara imagem. Três coisas caracterizam
o capitalismo de hoje: a tendência de longo prazo de transformação do lucro em
renda (em suas duas principais formas: a renda do “conhecimento comum”privatizado e a renda pelos recursos naturais); o papel estrutural mais forte do
desemprego (a própria chance de ser “explorado” em um emprego duradouro é
percebida como um privilégio); e a ascensão de uma nova classe que Jean-
Claude Milner chama de “burguesia assalariada” [Veja Jean-Claude
Milner,Clartes de tout , Paris, Verdier, 2011].
Para explicar a relação entre estas características, comecemos com Bill Gates:
como ele se tornou o homem mais rico do mundo? Sua riqueza não tem nada a
ver com o custo de produção daquilo que a Microsoft vende (pode-se até
mesmo argumentar que a Microsoft paga a seus trabalhadores intelectuais umsalário relativamente alto), isto é, a riqueza de Gates não é o resultado de seu
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sucesso em produzir bons softwares por preços mais baixos do que seus
concorrentes ou por uma “maior exploração” de seus trabalhadores intelectuais
contratados. Se este fosse o caso, a Microsoft teria ido a falência há muito
tempo: as pessoas teriam optado massivamente por programas como Linux que
são de graça e, de acordo com especialistas, de melhor qualidade que osprogramas da Microsoft. Por que, então, existem milhões de pessoas que ainda
compram Microsoft? Porque a Microsoft se impôs como um padrão quase
universal, “quase” monopolizando o setor, uma espécie de personificação direta
daquilo que Marx chamou de General Intellect (Intelecto Coletivo), o
conhecimento coletivo em todas as suas dimensões, da ciência ao prático know
how. Gates se tornou o homem mais rico em algumas décadas através da
apropriação da renda pela permissão de que milhões participem na forma do
“intelecto coletivo” que ele privatizou e controla.
Deve-se transformar criticamente o aparato conceitual de Marx: por causa de
sua negligência em relação à dimensão social do “intelecto coletivo”, Marx não
vislumbrou a possibilidade de privatização do próprio “intelecto coletivo” . É isto
que está no coração da luta contemporânea pela propriedade intelectual: a
exploração tem cada vez mais a forma de renda, ou, como diz Carlo Vercellone,
o capitalismo pós-industrial é caracterizado pelo “tornar-se renda do lucro”
[Veja Capitalismo cognitivo, editado por Carlo Vercellone, Roma, manifestolibri,
2006]. Em outras palavras, quando, por conta do papel crucial do “intelecto
coletivo” (conhecimento e cooperação social) na criação de riqueza, as formasde riqueza se tornam cada vez mais desproporcionais em relação ao tempo de
trabalho diretamente empregado na produção, o resultado não é, como Marx
parecia esperar, a autodissolução do capitalismo, mas a transformação gradual
do lucro gerado pela exploração da força de trabalho em renda apropriada pela
privatização do “intelecto coletivo”.
O mesmo acontece com os recursos naturais: sua exploração é uma das
maiores fontes de renda hoje, acompanhada da luta permanente pra saber
quem ficará com esta renda – os povos do Terceiro Mundo ou as corporações
ocidentais (a suprema ironia é que, para explicar a diferença entre força de
trabalho – que, em seu uso, produz mais-valia sobre seu próprio valor – e outras
mercadorias – que somente consomem seu próprio valor em seu uso e,
portanto, não envolvem exploração -, Marx menciona como exemplo de uma
mercadoria ordinária o petróleo, a própria mercadoria que hoje é a fonte de
extraordinários “lucros”…). Aqui também não faz sentido vincular as altas e
baixas do preço do petróleo com altos e baixos custos de produção ou preços
do trabalho explorado – custos de produção são negligenciáveis, o preço que
pagamos pelo petróleo é a renda que pagamos para os proprietários desterecurso por conta de sua escassez e oferta limitada.
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A consequência deste crescimento na produtividade alavancado pelo impacto
exponencialmente crescente do conhecimento coletivo é a transformação do
papel do desemprego: embora o “desemprego seja estruturalmente inseparável
da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria natureza do
capitalismo enquanto tal” [Fredric Jameson, em Representing Capital, Londres,Verso Books, 2011, p. 149], o desemprego adquiriu atualmente um papel
qualitativamente diferente. Naquilo que, possivelmente, é o ponto extremo da
“unidade dos opostos” na esfera da economia, é o próprio sucesso do
capitalismo (crescimento produtivo etc.) que produz desemprego (produz mais
e mais trabalhadores inúteis) – o que deveria ser uma benção (menos trabalho
duro necessário) se torna uma sina. O mercado global é, assim, em relação a
sua dinâmica imanente, “um espaço no qual todos já foram, um dia,
trabalhadores produtivos, e no qual o trabalho, em todos os lugares, foi aos
poucos retirando-se do sistema” [Fredric Jameson, em Valences of the Dialetic,
Londres, Verso Books, 2009, p. 580-1]. Isso é, no atual processo de globalização
capitalista, a categoria dos desempregados adquire uma nova qualidade além
da clássica noção de “exército industrial de reserva”: devemos considerar em
relação a categoria do desemprego “aquelas enormes populações, que ao redor
do mundo foram ‘expulsas da história’, que foram deliberadamente excluídas
dos projetos modernizadores do capitalismo de primeiro mundo e apagadas
como casos terminais sem esperança” [Jameson, em Representing Capital, p.
149]: os assim chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome oude desastres ecológicos, presos a “rancores étnicos” pseudo-arcaicos, objetos
da filantropia e das ONGs, ou (frequentemente os mesmos personagens) da
“guerra contra o terror”. A categoria dos desempregados deve assim ser
expandida para agregar uma população de largo alcance, dos temporariamente
desempregados, passando pelos não mais empregáveis, até pessoas vivendo
nas favelas e outras formas de guetos (todos aqueles desconsiderados pelo
próprio Marx como “lúmpem-proletariado”) e, finalmente, áreas inteiras,
populações ou estados excluídos do processo capitalista global, como os
espaços em branco nos mapas antigos.
Mas esta nova forma de capitalismo não traz também uma nova perspectiva de
emancipação? Nisto reside a tese de Hardt e Negri em Multidão: guerra e
democracia na Era do Império [Rio de Janeiro: Record, 2005] onde eles
pretendem radicalizar Marx, para quem o capitalismo corporativo altamente
organizado já era uma forma de “socialismo dentro do capitalismo” (uma
espécie de socialização do capitalismo, com os proprietários tornando-se cada
vez mais supérfluos), de maneira que seria necessário apenas cortar a cabeça
do proprietário nominal e nós teríamos socialismo. Para Hardt e Negri,entretanto, a limitação de Marx foi estar historicamente limitado ao trabalho
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industrial mecanicamente industrializado e hierarquicamente organizado, razão
pela qual a sua visão de “intelecto coletivo” seria como uma agência central de
planejamento; somente hoje, com a elevação do trabalho imaterial ao padrão
hegemônico, a transformação revolucionária se torna “objetivamente possível”.
Esse trabalho imaterial se desdobra entre dois pólos: trabalho (simbólico)intelectual (produção de ideias, códigos, textos, programas, figuras etc. por
escritores, programadores…) e trabalho afetivo (aqueles que lidam com
afecções corpóreas, de médicos a babás e aeromoças). O trabalho imaterial é
hoje hegemônico no sentido preciso em que Marx proclamou que, no
capitalismo do século XIX, a produção industrial em larga escala era
hegemônica, como a cor específica dando o tom da totalidade – não
quantitativamente, mas cumprido um papel chave, emblematicamente
estrutural. Assim, o que surge é um inédito vasto domínio dos “comuns”:
conhecimento compartilhado, formas de cooperação e comunicação etc. que
não podem mais ser contidos na forma da propriedade privada – por quê? Na
produção imaterial, os produtos já não são objetos materiais, mas novas
relações sociais (interpessoais) – em suma, a produção imaterial já é
diretamente biopolítica, produção de vida social.
A ironia é que Hardt e Negri se referem aqui ao próprio processo que os
ideólogos do capitalismo “pós-moderno” celebram como a passagem da
produção material para a simbólica, da lógica centralista-hierárquica para a
lógica da autopóiese e da auto-organização, cooperação multi-centralizada etc.Negri é aqui efetivamente fiel a Marx: o que ele tenta provar é que Marx estava
certo, que a ascensão do intelecto coletivo é, em longo prazo, incompatível com
o capitalismo. Os ideólogos do capitalismo pós-moderno estão afirmando
exatamente o oposto: é a teoria marxista (e sua prática) que permanecem
dentro dos limites de uma lógica hierárquica e sob controle centralizado do
Estado, e assim não conseguem lidar com os efeitos sociais da nova revolução
informacional. Existem boas razões empíricas para esta afirmação: de novo, a
suprema ironia da história é que a desintegração do Comunismo é o exemplo
mais convincente da validade da tradicional dialética marxista entre forças
produtivas e relações de produção com a qual o marxismo contou na sua
tentativa de superar o capitalismo. O que arruinou efetivamente os regimes
Comunistas foi sua inabilidade em acomodar-se à nova lógica social sustentada
pela “revolução informacional”: eles tentaram dirigir esta revolução com um
novo projeto de planejamento estatal centralizado de larga escala. O paradoxo,
assim, é que aquilo que Negri celebra como chance única de superação do
capitalismo, é exatamente o que os ideólogos da “revolução informacional”
celebram como ascensão de um novo capitalismo “sem fricção”.
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A análise de Hardt e Negri possui três pontos fracos que, em sua combinação,
explicam como o capitalismo pode sobreviver ao que deveria ser (em termos
marxistas clássicos) uma nova organização da produção que o tornaria
obsoleto. Ela subestima a extensão do sucesso do capitalismo contemporâneo
(pelo menos em curto prazo) de privatizar o “conhecimento comum”, assimcomo a extensão com que, mais do que a burguesia, são os próprios
trabalhadores que se tornam “supérfluos” (número cada vez maior deles torna-
se não somente desempregado, mas estruturalmente inempregável). Além
disso, mesmo que seja verdade, em princípio, que a burguesia está
progressivamente se tornando desfuncional, deve-se qualificar esta afirmação –
desfuncional para quem? Para o próprio capitalismo. Isto quer dizer que, se o
velho capitalismo envolvia idealmente um empreendedor que investia dinheiro
(seu ou emprestado) em produção organizada e dirigida por ele próprio,
recolhendo o lucro, hoje está surgindo um novo tipo ideal: não mais o
empreendedor que possui sua própria empresa, mas o gerente especialista (ou
um conselho administrativo presidido por um CEO) de uma empresa de
propriedade dos bancos (também dirigidos por gerentes que não possuem os
bancos) ou investidores dispersos. Neste novo tipo ideal de capitalismo sem
burguesia, a velha burguesia desfuncional é refuncionalizada como gerentes
assalariados – a nova burguesia recebe cotas, e mesmo se ela possui uma parte
na empresa, eles recebem as ações como parte da remuneração pelo trabalho
(“bônus por sua gerência bem sucedida”).Esta nova burguesia ainda se apropria da mais-valia, mas da forma mistificada
daquilo que Milner chama de “mais-salário”: em geral, a eles é pago mais do
que o salário mínimo do proletário (este ponto de referência imaginário –
frequentemente mítico – cujo único verdadeiro exemplo na economia global de
hoje é o salário de um trabalhador numa sweat-shop na China ou na Indonésia),
e é esta diferença em relação aos proletários comuns, esta distinção, que
determina seu status. A burguesia no sentido clássico, assim, tende a
desaparecer. Os capitalistas reaparecem como um subconjunto dos
trabalhadores assalariados – gerentes qualificados para ganhar mais por sua
competência (razão pela qual a “avaliação” pseudo-científica que legitima os
especialistas a ganharem mais é crucial hoje em dia). A categoria dos
trabalhadores que recebem mais-salário não está, obviamente, limitada aos
gerentes: ela se estende a todos os tipos de especialistas, administradores,
funcionários públicos, médicos, advogados, jornalistas, intelectuais, artistas… O
excesso que eles recebem tem duas formas: mais dinheiro (para gerentes etc.),
mas também menos trabalho, isto é, mais tempo livre (para alguns intelectuais,
mas também para setores da administração estatal).
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O procedimento de avaliação que qualifica alguns trabalhadores para
receberem mais-salário é, claramente, um mecanismo arbitrário de poder e
ideologia sem nenhuma ligação séria com a competência real – ou, como diz
Milner, a necessidade de mais-salário não é econômica, mas política: para
manter uma “classe média” com o propósito de estabilidade social. Aarbitrariedade da hierarquia social não é um erro, mas todo o seu propósito, de
forma que a arbitrariedade da avaliação cumpre um papel homólogo à
arbitrariedade do sucesso de mercado. Isto é, a violência ameaça explodir não
quando existe muita contingência no espaço social, mas quando se tenta
eliminar esta contingência. É neste nível que se deve buscar pelo que se pode
chamar de, em termos um tanto vagos, a função social da hierarquia. Jean-
Pierre Dupuy [em La marque du sacre, Paris, Carnets Nord, 2008] concebe a
hierarquia como um dos quatro procedimentos (“dispositivos simbólicos”) cuja
função é fazer com que a relação de superioridade não seja humilhante para os
subordinados: ahierarquia (a ordem externamente imposta de papéis sociais
em clara contraposição ao valor imanente dos indivíduos – eu, portanto,
experimento meu menor status social como totalmente independente do meu
valor intrínseco); a desmistificação (o procedimento crítico-ideológico que
demonstra que as relações de superioridade/inferioridade não estão
fundamentadas na meritocracia, mas são resultado de lutas objetivamente
ideológicas e sociais: meu status social depende de processos sociais objetivos,
não de méritos – como diz Dupuy sarcasticamente, a desmistificação social“cumpre o mesmo papel, em nossas sociedades igualitárias, competitivas e
meritocráticas do que a hierarquia nas sociedades tradicionais” [p. 208] – isto
nos permite evitar a conclusão dolorosa de que “a superioridade do outro é o
resultado de seus méritos e conquistas”; a contingência (o mesmo mecanismo,
porém sem a sua forma crítico-social: nossa posição em escala social depende
de uma loteria natural e social – sortudos são aqueles que nascem com
melhores disposições e em famílias ricas); a complexidade (superioridade ou
inferioridade dependem de um processo social complexo independente das
intenções ou méritos dos indivíduos – digamos, a mão invisível do mercado
pode causar o meu fracasso ou o sucesso do meu vizinho, mesmo que eu tenha
trabalhado muito mais e seja muito mais inteligente). Ao contrário do que
parece, todos estes mecanismos não contestam ou sequer ameaçam a
hierarquia, mas a tornam palatável, uma vez que “o que desencadeia o
turbilhão da inveja é a ideia de que o outro merece a sua sorte e não a ideia
oposta, a única que pode ser abertamente expressa” [p.211]. Dupuy extrai
desta premissa a conclusão (óbvia, para ele) de que é um grande erro pensar
que uma sociedade que seja justa e que se perceba como justa será assim livrede todo o ressentimento – ao contrário, é precisamente em tal sociedade que
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aqueles que ocupam posições inferiores encontraram uma válvula de escape
para seu orgulho ferido em violentas explosões de ressentimento.
Aí reside um dos maiores impasses da China hoje: o objetivo ideal das reformas
de Deng Xiaoping era introduzir um capitalismo sem burguesia (como classe
dominante); agora, entretanto, os líderes chineses estão descobrindodolorosamente que o capitalismo sem hierarquia estável (conduzida pela
burguesia como nova classe) gera permanente instabilidade – portanto, que
caminho tomará a China? Mais genericamente, esta é possivelmente a razão
pela qual (ex-)comunistas reaparecem como os mais eficientes gestores do
capitalismo: sua histórica inimizade com a burguesia enquanto classe se
encaixa perfeitamente na tendência do capitalismo contemporâneo em direção
a um capitalismo gerencial sem burguesia – em ambos os casos, como Stalin
disse a muito tempo, “os quadros decidem tudo” (está surgindo também uma
diferença interessante entre a China de hoje e a Rússia: na Rússia os quadros
universitários eram ridiculamente mal pagos, eles de fato se confundiam com
os proletários, enquanto na China eles são bem remunerados com um “mais-
salário” como meio de garantir sua docilidade).
Além disso, esta noção de “mais-salário” também nos permite lançar novas
luzes sobre os atuais protestos “anti-capitalistas”. Em tempos de crise, o
candidato óbvio para “apertar os cintos” são os níveis mais baixos da burguesia
assalariada: uma vez que o seu mais-salário não cumpre nenhum papel
econômico imanente, a única coisa que permite diferenciá-los do proletariadosão seus protestos políticos. Embora estes protestos sejam nominalmente
dirigidos pela lógica brutal do mercado, eles efetivamente protestam contra a
gradual corrosão de sua posição econômica (politicamente) privilegiada.
Lembremos da fantasia ideológica favorita de Ayn Rand (de seu Atlas
Shrugged), a de “criativos” capitalistas em greve – esta fantasia não encontra
sua realização perversa nas greves de hoje, que em sua maioria são greves da
privilegiada “burguesia assalariada” motivada pelo medo de perder seu
privilégio (o excedente sobre o salário mínimo)? Não são protestos proletários,
mas protestos contra a ameaça de ser reduzido à condição proletária. Isto quer
dizer: quem ousa se manifestar hoje, quando ter um emprego permanente já se
tornou um privilégio? Não os trabalhadores mal pagos (no que sobrou) da
indústria têxtil etc. mas o estrato de trabalhadores privilegiados com empregos
garantidos (muitos da administração estatal, como a polícia e os fiscais da lei,
professores, trabalhadores do transporte público etc.). Isto também vale para a
nova onda de protestos estudantis: sua maior motivação é o medo de que a
educação superior não mais lhes garanta um mais-salário na vida futura.
Está claro, obviamente, que o enorme renascimento dos protestos no últimoano, da Primavera Árabe ao Leste Europeu, do Occupy Wall Street à China, da
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Espanha à Grécia, não devem definitivamente ser desconsiderados como uma
revolta da burguesia assalariada – eles guardam potenciais muito mais radicais,
de forma que devemos nos engajar numa análise concreta caso a caso. Os
protestos estudantis contra a reforma universitária em curso no Reino Unido
são claramente opostos às barricadas do Reino Unido em agosto de 2011, estecarnaval consumista de destruição, a verdadeira explosão dos excluídos. Em
relação aos levantes do Egito, pode-se argumentar que, no começo, houve um
momento de revolta da burguesia assalariada (jovens bem educados
protestando contra a falta de perspectiva), mas isto foi parte de um amplo
protesto contra um regime opressivo. Entretanto, até que ponto o protesto
conseguiu mobilizar trabalhadores e camponeses pobres? Não seria a vitória
eleitoral dos islâmicos também uma indicação da base social estreita do
protesto secular original? A Grécia é um caso especial: nas últimas décadas
surgiu uma nova “burguesia assalariada” (especialmente na administração
estatal superdimensionada) graças à ajuda financeira e empréstimos da União
Europeia, e muitos dos protestos atuais, mais uma vez, reagem à ameaça de
perda destes privilégios.
Além disso, esta proletarização da baixa “burguesia assalariada” vem
acompanhada do excesso oposto: as remunerações irracionalmente altas dos
grandes executivos e banqueiros (remunerações economicamente irracionais,
uma vez que, como demonstraram as investigações nos Estados Unidos, elas
tendem a ser inversamente proporcionais ao sucesso da empresa). É verdade,parte do preço pago por essa super remuneração é o fato dos executivos
ficarem totalmente disponíveis 24 horas por dia, vivendo assim num estado de
emergência permanente. Mais do que submeter estas tendências a uma crítica
moralista, deveríamos interpretá-las como a indicação de como o próprio
sistema capitalista não é mais capaz de encontrar um nível interno de
estabilidade autorregulada e de como esta circulação ameaça sair do controle.
* Slavoj Žižek nasceu na cidade de Liubliana, Eslovênia, em 1949. É filósofo, psicanalista e um
dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob
influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e
política da pós-modernidade. Dele, a Boitempo publicou Bem-vindo ao deserto do
Real! (2003), Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917)(2005), A visão em
paralaxe (2008), Lacrimae rerum (2009) e os mais recentes Em defesa das causas
perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa(ambos de 2011). Colabora com o Blog
da Boitempo esporadicamente.
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Acesso: 27/01/12