ZONA DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÕES DE IMBITUBA… Regional... · meio de legislação federal...

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1 ZONAS DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÃO: PROBLEMÁTICA GERAL E CRÔNICA DE UMA FRUSTRAÇÃO CATARINENSE (QUASE) ANUNCIADA Hoyêdo Nunes Lins (UFSC email: [email protected] ) Rosemar Amorim (UFSC email: [email protected] ) Resumo No final dos anos 1980, as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) adentraram o cenário brasileiro por meio de legislação federal que resultou em autorização para a criação de numerosas zonas em diferentes estados e regiões do país. O Município de Imbituba, no litoral sul de Santa Catarina, teve oficializada a permissão de uma ZPE em 1994, ao que se seguiram as obras e providências locais exigidas para o seu efetivo funcionamento. Todavia, decorridas quase duas décadas, a ZPE de Imbituba ainda não transcendeu a condição de promessa, em que pese todo o esforço protagonizado localmente e a aprovação de três projetos industriais candidatos à instalação. Esse é o assunto deste artigo, que objetiva, além de abordar a problemática mais geral das ZPEs, discernir e discutir o contexto que levou à opção por Imbituba, discorrer sobre as ações empreendidas e refletir sobre as razões que subjazem à duradoura e arrastada frustração. Palavras-chaves: Zona de Processamento de Exportação, Município de Imbituba (SC), Frustração Introdução Promover o desenvolvimento da economia, criando oportunidades de trabalho e de geração de renda, é uma função histórica do Estado. É assim na escala dos países e é também assim, como motivação talvez ainda maior, no nível das regiões subnacionais e das localidades mais carentes de dinamismo econômico. Desde o fim da II Guerra Mundial, pelo menos, o desenvolvimento no plano territorial passou a figurar com destaque nas agendas públicas de diferentes países, tendo em vista que as desigualdades interregionais passaram a ser vistas como ameaça à coesão social e até, em diferentes casos, à unidade nacional. Diversos tipos de políticas de desenvolvimento regional foram concebidos e utilizados em numerosos países. O Brasil não ficou à margem, como ilustram as ações colocadas em prática, por exemplo, pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), criada em 1959 pelo Governo Federal. Atrair investimentos “industrializantes”, capazes de inocular dinamismo produtivo, propagando os efeitos em setores e territórios, quase sempre representou um objetivo maior desse desenho de política, que no Brasil geralmente contou, durante décadas, com a forte participação de empresas estatais. No final dos anos 1980, um novo ingrediente foi acrescentado ao elenco de políticas de desenvolvimento com componente espacial no Brasil: a instalação de Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs). Em sucessivas medidas do Governo Federal, que ressoavam interesses manifestados na órbita dos estados federados e municípios, numerosas ZPEs tiveram autorizada a sua criação. Grande parte ocorreu em macrorregiões nacionais

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ZONAS DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÃO: PROBLEMÁTICA GERAL E

CRÔNICA DE UMA FRUSTRAÇÃO CATARINENSE (QUASE) ANUNCIADA

Hoyêdo Nunes Lins (UFSC – email: [email protected])

Rosemar Amorim (UFSC – email: [email protected])

Resumo No final dos anos 1980, as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) adentraram o cenário brasileiro por

meio de legislação federal que resultou em autorização para a criação de numerosas zonas em diferentes estados

e regiões do país. O Município de Imbituba, no litoral sul de Santa Catarina, teve oficializada a permissão de

uma ZPE em 1994, ao que se seguiram as obras e providências locais exigidas para o seu efetivo funcionamento.

Todavia, decorridas quase duas décadas, a ZPE de Imbituba ainda não transcendeu a condição de promessa, em

que pese todo o esforço protagonizado localmente e a aprovação de três projetos industriais candidatos à

instalação. Esse é o assunto deste artigo, que objetiva, além de abordar a problemática mais geral das ZPEs,

discernir e discutir o contexto que levou à opção por Imbituba, discorrer sobre as ações empreendidas e refletir

sobre as razões que subjazem à duradoura e arrastada frustração.

Palavras-chaves: Zona de Processamento de Exportação, Município de Imbituba (SC), Frustração

Introdução

Promover o desenvolvimento da economia, criando oportunidades de trabalho e de

geração de renda, é uma função histórica do Estado. É assim na escala dos países e é também

assim, como motivação talvez ainda maior, no nível das regiões subnacionais e das

localidades mais carentes de dinamismo econômico. Desde o fim da II Guerra Mundial, pelo

menos, o desenvolvimento no plano territorial passou a figurar com destaque nas agendas

públicas de diferentes países, tendo em vista que as desigualdades interregionais passaram a

ser vistas como ameaça à coesão social e até, em diferentes casos, à unidade nacional.

Diversos tipos de políticas de desenvolvimento regional foram concebidos e utilizados

em numerosos países. O Brasil não ficou à margem, como ilustram as ações colocadas em

prática, por exemplo, pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),

criada em 1959 pelo Governo Federal. Atrair investimentos “industrializantes”, capazes de

inocular dinamismo produtivo, propagando os efeitos em setores e territórios, quase sempre

representou um objetivo maior desse desenho de política, que no Brasil geralmente contou,

durante décadas, com a forte participação de empresas estatais.

No final dos anos 1980, um novo ingrediente foi acrescentado ao elenco de políticas

de desenvolvimento com componente espacial no Brasil: a instalação de Zonas de

Processamento de Exportação (ZPEs). Em sucessivas medidas do Governo Federal, que

ressoavam interesses manifestados na órbita dos estados federados e municípios, numerosas

ZPEs tiveram autorizada a sua criação. Grande parte ocorreu em macrorregiões nacionais

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tidas como estratégicas pela administração do país, seja por conta das potencialidades, seja

pelas necessidades históricas e estruturais, exigentes de atenção particular. Em termos gerais,

esses eram os casos, pela ordem, da Região Centro Oeste e da Região Nordeste.

Mas também a Região Sul foi contemplada, e, nesta, o Estado de Santa Catarina

acabou tendo aprovada a criação de uma ZPE no Município de Imbituba, situado no litoral sul

a cerca de 90 km de Florianópolis, a capital estadual. A oficialização ocorreu por decreto do

Presidente da República em maio de 1994, provocando expectativas em porção do território

catarinense que naquele período se encontrava às voltas com grandes problemas econômicos,

amargando, como decorrência, inquietante contração de possibilidades para a população local.

Passadas quase duas décadas, a ZPE de Imbituba não ultrapassou, até o presente

momento, a condição de foco de expectativa em Imbituba e sua área. Frustração parece termo

adequado para referir ao que a iniciativa de realizar esse empreendimento acabou por gerar no

sul catarinense à medida em que os anos foram passando.

Resgatar a trajetória dessa ZPE, objetivando discernir e discutir as razões pelas quais

tal iniciativa nunca se materializou como se esperava, é o que fundamentalmente se pretende

neste artigo. O estudo, que tem contornos de investigação em história regional e

simultaneamente representa abordagem sobre a dimensão espacial do desenvolvimento,

baseia-se em pesquisa bibliográfica e documental e também em entrevista com interlocutor

que, pela sua posição, acompanhou por dentro a trajetória em foco.

Inicia-se falando sobre ZPEs, de uma maneira geral, para identificar o campo temático

do estudo, e discorre-se sobre a introdução dessa idéia no Brasil. Em seguida, aborda-se a

iniciativa da criação de uma ZPE em Imbituba, situando a iniciativa em termos temporais e

regionais para evidenciar a sua lógica subjacente, e discute-se a trajetória percorrida tendo em

mente a compreensão da inércia quanto ao início do funcionamento.

1 ZPEs: aproximação à problemática em escala internacional e no Brasil

Em documento do início dos anos 2000, a Organização Internacional do Trabalho

refere-se às ZPEs, evocando definição formulada anteriormente nessa instituição, como

“zonas industriais com incentivos especiais criadas para atrair investidores estrangeiros, onde

materiais importados passam por algum grau de processamento antes de serem (re)exportados

(...)” (ILO, 2003, p. 1). Ao final dessa mesma década, estudo elaborado sob os auspícios

daquela organização assinalava que ZPEs são “espaços regulatórios [regulatory spaces] em

um país destinados a atrair companhias exportadoras mediante a oferta, a estas, de concessões

especiais em impostos, tarifas e regulamentos” (MILBERG; AMENGUAL, 2008, p. 1).

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Esse alargamento na definição, avançando em especificações, talvez espelhe o próprio

percurso exibido por essas zonas em diferentes países desde o modelo tradicional entronizado

com a precursora iniciativa irlandesa de 1958, em Shannon (cf. por exemplo Gibbon, Jones e

Thomsen, 2008). Seja como for, ZPEs representam uma particularização do que se designa

como Zonas Econômicas Especiais em trabalho preparado no âmbito do Banco Mundial

(SPECIAL..., 2008). De fato, criadas em grande número nas últimas três ou quatro décadas,

notadamente em países em desenvolvimento, estas se desdobram em, principalmente:

Zonas de Livre Comércio: visa-se estimular mormente o comércio, sendo essas zonas

fechadas e fontes de vantagens em termos de infraestrutura, fiscais (duty-free) e de

instalações e serviços.

Zonas de Processamento de Exportação: objetiva-se basicamente produzir para

exportação, em espaços fechados que representam benefícios em termos de

infraestrutura, fiscais e de instalações e serviços; as relações com o exterior são

privilegiadas, sendo as ZPEs tradicionais voltadas sobretudo (ou exclusivamente) para

exportação e as híbridas voltadas também, e em boa medida, ao mercado interno.

Zonas de Empresas: a meta básica é ajudar na revitalização de áreas urbanas ou rurais

estagnadas ou em declínio, com outorga de incentivos fiscais e apoio financeiro.

Portos Livres: sua criação almeja um desenvolvimento integrado, pois se trata, em

regra, de áreas grandes e com várias atividades (turismo e vendas no varejo, entre

outras), ocorrendo até uso residencial; vários incentivos e benefícios são concedidos.

Zonas Especializadas: os objetivos centrais incluem desenvolvimento tecnológico e

revitalização de espaços urbanos, razões para a criação de, por exemplo, parques

científicos e tecnológicos, parques logísticos e zonas aeroportuárias.

Como assinala Jayanthakumaran (2003), as ZPEs exibem semelhança conceitual com

outros tipos de Zonas Econômicas Especiais. Isso não raramente gera problemas, pois ocorre

de uma mesma expressão ser usada diversamente para referir a distintas experiências

nacionais (VIRGILL, 2009). Em todas as modalidades de zonas tem destaque um

voluntarismo de cunho geralmente estatal voltado à promoção do desenvolvimento em países

e/ou regiões subnacionais carentes de dinamismo e/ou que aspiram a modificar o seu padrão

de relacionamento nas trocas internacionais.

Mas, em quaisquer circunstâncias, por ZPE se indica um instrumento de promoção do

desenvolvimento predominantemente escorado na atração de investimentos estrangeiros

diretos (IED), no crescimento industrial e, como corolário, no aumento e diversificação das

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exportações. Como indicado no próprio nome dessas zonas, a estratégia de criação de ZPEs

tem nas exportações o seu foco básico: Belloc e Di Maio (2011) frisam que se busca

promover a produção de mercadorias e a geração de empregos em atividades industriais

exportadoras, elevar a lucratividade de fabricantes exportadores nas trocas internacionais e,

quando as exportações das empresas locais enfrentam dificuldades, estimular a vinda de IED

que possam melhorar o desempenho exportador e reverter ou mitigar o quadro adverso.

Tudo isso tende a ganhar tradução na maior entrada de divisas estrangeiras e em

resultados importantes na balança comercial. E, ao menos potencialmente (ou no plano das

intenções), tais processos repercutem em geração de empregos e adensamento dos vínculos

produtivos e institucionais locais, com “irradiação” setorial e territorial do dinamismo

tecnológico e econômico, de um modo geral.

1.1 Proliferação de ZPEs no mundo e os principais termos do associado debate

O processo de multiplicação das Zonas Econômicas Especiais, que abrangem as ZPEs,

permite observar concentrações no tempo e no espaço, conforme indicado em Special (2008):

antes da década de 1970, os países industrializados da Europa Ocidental e os Estados

Unidos registraram o maior número de criações; fora desse grupo, somente alguns

poucos casos na América Latina/Caribe e na Ásia/Pacífico foram repertoriados.

nos anos 1970, América Latina/Caribe apresentaram a maior quantidade de criações,

acompanhadas pelas de Ásia/Pacífico e Oriente Médio/África do Norte; na África

Subsaariana, duas zonas foram instaladas.

nos 1980, as iniciativas foram mais distribuídas, envolvendo países da Europa

Ocidental, Central e do Leste, da América Latina/Caribe, da Ásia/Pacífico, do Oriente

Médio/África do Norte, da Ásia Central e da África Subsaariana.

a heterogeneidade foi a regra na década de 1990, com destaque para instalações em 18

países tanto da Europa Central e do Leste como da Ásia Central, e em 16 países da

África Subsaariana, num surto de adesão em territórios até então à margem da

produção industrial mais relevante e do respectivo comércio internacional; mas

surgiram (poucas) zonas também em países industrializados e na Ásia/Pacífico e, em

maior número, na América Latina/Caribe e no Oriente Médio/África do Norte.

em quase toda a década de 2000 poucas zonas foram criadas, sendo o maior número

na África Saariana; mas também países da Europa Central e do Leste, da Ásia Central

e do Oriente Médio/África do Norte, além do Japão, registraram instalações.

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Nessas ondas de criação de Zonas Econômicas Especiais, a modalidade ZPE

apresentou destaque. Cresceu o seu número, com ampliação inclusive no tamanho médio e no

leque de atividades realizadas, e aumentou a quantidade de países que apostaram na

industrialização destinada às exportações como estratégia de desenvolvimento. Em muitos

destes, particularmente nos que, na década de 1990, aderiram fortemente ao “modelo ZPE” –

destacadamente na Europa Central e do Leste e na Ásia Central, e também na África

Subsaariana, como visto –, o ingresso de IED para gerar desempenho produtivo e exportador

nesse tipo de zona permaneceu, de fato, como estratégia básica de melhoria na interlocução

com a economia mundial. As tabelas 1, 2 e 3 fornecem indicações sobre esse processo.

A tabela 1 cobre três décadas de trajetória das ZPEs no mundo, permitindo observar a

proliferação dos países implicados e, sobretudo, das zonas criadas. Cabe destacar, sobretudo,

o salto ocorrido entre meados dos anos 1990 e dos anos 2000: o número de países não chegou

a dobrar, mas o de ZPEs foi multiplicado por nada menos que sete.

Tabela 1 – Expansão mundial das ZPEs: 1975-2008

Indicadores 1975 1986 1995 2006

Nº de países com ZPEs

Nº de ZPEs

29

79

47

176

73

500

130

3.500

Fonte: elaborado pelos autores com base em MILBERG; AMENGUAL (2008), p. 4

Nos anos 2000, o emprego em ZPEs cresceu em todas as regiões mundiais, como se

pode depreender da tabela 2, que abrange o período 2002-2006. Pelo menos duas observações

são importantes. Uma é que, em várias regiões, o número dobrou, como na África

Subsaariana, no Oriente Médio, na Ásia (sem a China), no Caribe, na Europa do Leste e

Central e na área do Pacífico (nas duas últimas, muito mais que dobrou). Outra observação é

que China e Ásia, juntas, concentraram 84% do total desses empregos nos dois anos; a China

sozinha respondeu por 67% em 2002 e por 61% em 2006. Todavia, esses números não têm

grande representatividade como proporção do emprego total nos países ou regiões. Dados

para 2007 mostram que a maior participação ocorre no conjunto Ásia/Pacífico, incluindo a

China, onde se concentra a esmagadora maioria desses empregos, e mesmo assim não

superava, naquele ano, 2,3% na média dos países da região. A participação foi 1,6% no

Oriente Médio e África do Norte, de 1,15% nas Américas e não ultrapassou 0,2% nas demais

regiões (cf. tabela 15 em Special, 2008).

A importância das ZPEs para as relações comerciais dos países que adotaram essa

estratégia é sugerida na tabela 3, que informa sobre vinte experiências nacionais na América

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Latina, Ásia, África e área do Pacífico. A participação das exportações oriundas dessas zonas

nos totais exportados pelos países é muito grande, seja em 2002 ou em 2006. Há casos

superiores a 80%, como os de Filipinas em 2002, Malásia em ambos os anos, México em

2002 e Quênia em 2006.

Tabela 2 – Empregos em ZPEs por regiões mundiais: 2002-2006

Região/País 2002 2006

África do Norte 440.515 643.152

África Subsaariana 421.585 860.474

Oceano Índico 170.507 182.712

Oriente Médio 328.932 1.043.597

Ásia 7.710.543 14.741.147

China 30.000.000 40.000.000

América Central 4.490.757 5.252.216

América do Sul 299.355 459.825

Caribe 215.833 546.513

Europa do Leste e Central 543.269 1.400.379

Pacífico 13.590 145.930

Total 44.634.886 65.275.945 Fonte: elaborado pelos autores com base em MILBERG; AMENGUAL (2008), p. 5

Tabela 3 – Participação das ZPEs nas exportações de países selecionados: 2002-2006

País 2002 2006 País 2002 2006

Filipinas 87,0 60,0 Senegal 80,0 n.a.

Malásia 83,0 83,0 Ilhas Maurício 77,0 42,0

México 83,0 47,0 Marrocos 61,0 61,0

Gabão 80,0 80,0 Bangladesh 60,0 75,6

Macau (China) 80,0 80,0 Costa Rica 50,0 52,0

Zimbábue 80,0 80,0 Haiti 50,0 50,0

Vietnam 80,0 80,0 Madagascar 38,0 80,0

Rep. Dominicana 80,0 80,0 Sri Lanka 33,0 38,0

Tunísia 80,0 52,0 Camarões 32,0 33,0

Quênia 80,0 86,9 Maldivas 13,2 47,7 Fonte: elaborado pelos autores com base em MILBERG; AMENGUAL (2008), p. 8-9

Paralelamente à sua expansão, as ZPEs têm sido objeto de um intenso debate

internacional sobre o seu efetivo papel na promoção do desenvolvimento. Esse debate é

impulsionado pela observação dos resultados atingidos nos diferentes países.

Um aspecto recorrente nas abordagens é a marcada heterogeneidade entre as

experiências, em que pese as dificuldades de avaliação impostas pela falta de dados e de

estudos mais sistemáticos, além da própria confiabilidade das informações disponíveis (ILO,

2003; VIRGILL, 2009). Distintos estudos indicam que ZPEs asiáticas – em países como

Coréia do Sul, Malásia, Sri Lanka, China, Indonésia – exibem eficiência e retornos superiores

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aos custos de oportunidade nas respectivas economias, como estimado por Jayanthakumaran

(2003), constituindo importantes focos de geração de empregos e de promoção empresarial. O

mesmo pode ser dito de algumas situações latinoamericanas, como no México, onde, de modo

semelhante aos sucessos da Ásia, as ZPEs mostram-se associadas a mudanças qualitativas na

pauta exportadora (ILO, 2003). Os objetivos de atrair IED, produzir (gerando empregos) e

exportar (obtendo divisas) têm sido, assim, testemunhados nesses casos, sendo a ilustração

chinesa, de longe, a mais eloquente.

Mas, apesar dos problemas de comparação ligados às limitações dos dados e

informações, as observações pontuais indicam não ser possível generalizar esses resultados.

Em experiências africanas, especialmente na África Subsaariana (SPECIAL..., 2008), o que se

logrou alcançar é muito restrito e decepcionante, nutrindo enfoques críticos sobre essa

estratégia de desenvolvimento. Com efeito, olhando para além dos reflexos em termos

somente quantitativos (no tocante a IED, empregos e exportações, entre outros), essas análises

destacam aspectos ligados ao trabalho e às interações econômicas nas sociedades receptoras

dessas iniciativas. Busca-se examinar, nessas abordagens mais críticas, o “conteúdo” dos

movimentos protagonizados.

Sobre a questão do trabalho nas ZPEs, Perman et al. (2004) assinalam, com base em

observações em nove países asiáticos e latinoamericanos, que “custos baixos do trabalho e

flexibilidade [no uso] dos trabalhadores são razões centrais para firmas estrangeiras

investirem em ZPEs” (p. 7). O quadro prevalecente em numerosas zonas é de luta constante

dos trabalhadores para, contra a hostilidade de empregadores e governos, criar sindicatos que

possam canalizar e amparar demandas de salários e condições de trabalho capazes de lidar

com problemas de, entre outros aspectos, discriminação de gênero, excesso de horas

trabalhadas e desatenção às questões envolvendo saúde e segurança (ILO, 2003). A

discriminação salarial de gênero é problema particularmente agudo, posto que, sobretudo em

ZPEs asiáticas, a proporção de mulheres na força de trabalho é muito elevada, bastante

superior à observada em atividades industriais fora dessas zonas e também na economia

desses países como um todo (KUSAGO; TZANNATOS, 1998).

A problemática das interações econômicas nos países ou ambientes que abrigam ZPEs

é central no debate. De fato, “[a] experiência sugere que a maximização dos benefícios das

zonas depende do grau de sua integração com suas economias anfitriãs (...)” (SPECIAL...,

2008, p. 1), autorizando concluir que “[a] efetiva utilização de ZPEs como instrumentos de

industrialização requer a disponibilidade de encadeamentos com o resto da economia”

(JAYANTHAKUMARAN, 2003, p. 63). São essas interações que permitem transcender os

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impactos estáticos, consubstanciados em mudanças no plano dos IED, das exportações e dos

empregos, em direção aos impactos dinâmicos, envolvendo difusão tecnológica, de know-how

e de expertise dos fabricantes e exportadores bem sucedidos para todo o tecido produtivo e

institucional, com repercussões na qualidade do emprego (GIBBON; JONES; THOMSEN,

2008). É só com vínculos densos que tem sentido imaginar as ZPEs como geradoras de

“efeito catalisador” (catalyst effect), na expressão de Johansson e Nilsson (1997), sobre a

possibilidade de empresas locais serem “estimuladas a entrar no mercado de exportação pelo

aprendizado obtido da experiência das filiais estrangeiras” (p. 2.155) operando nessas zonas.

Entretanto, a observação impõe de numerosas experiências concluir que

“as ZPEs não trouxeram os esperados resultados em termos de transferência tecnológica ou spillovers

tecnológicos. Na maioria dos casos, as exportações cresceram, mas isso não foi suficiente para trazer

efeitos positivos ao nível da economia nacional, pois os spillovers desde as ZPEs para outras regiões

do país têm sido, em geral, negligenciáveis” (BELLOC; DI MAIO, 2011, p. 37).

Assim, em bom número de casos, como assinala Virgill (2009), os efeitos das ZPEs no

fortalecimento da capacidade empresarial dos países em desenvolvimento, inclusive nas

regiões subnacionais escolhidas para acolher tais iniciativas, revelaram-se via de regra

frustrantes. As externalidades criadas foram escassas e os vínculos a montante na economia

doméstica foram muito pobres (KUSAGO; TZANNATOS, 1998). Tais interações ocorrem

quando empresas operando nas ZPEs criam demanda por atividades protagonizadas no resto

da economia. Somado aos spillovers tecnológicos que surgem à medida que o nível de

qualificação atingido na produção da ZPE se transmite na economia como um todo, esse

resultado pode significar “espessamento” do tecido econômico e avanço estrutural, permitindo

falar em desenvolvimento. Contudo, “[e]m que pese a presença de ZPEs – por mais de 30

anos em alguns casos –, há muitos poucos casos em que as ZPEs desempenharam um papel

importante no alcance desses objetivos de desenvolvimento (...)” (MILBERG; AMENGUAL,

2008, p. 3). Com efeito, de um modo geral, “(…) spillovers para a atividade econômica

localizada fora das ZPEs têm sido exceção mais do que regra” (op cit., p. 61).

Os estudos empíricos sobre ZPEs costumam gerar vários tipos de sugestões. Tendo em

vista os objetivos centrais desse tipo de política e as frustrações que costumeiramente

prevalecem, quase todas embutem entendimentos como este, entre vários outros: “[é] sempre

recomendado que a ZPE não seja insulada do resto da economia e que esforços sejam

realizados para produzir spill-overs positivos ao nível da economia geral” (BELLOC; DI

MAIO, 2011, p. 13). Isso implica atuar, mediante políticas, no plano da economia como um

todo, sem confinamento das ações à ZPE. Ou seja, deve-se evitar permanecer só na atração de

investimentos externos, promovendo condições para interações profícuas que possam resultar

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no fortalecimento do tecido produtivo e na elevação da competitividade, de uma maneira

ampla. Dessa maneira, as ZPEs poderiam representar avanço quanto ao objetivo maior das

correspondentes políticas, qual seja, impulsionar o desenvolvimento econômico com aumento

do padrão de vida da população (MILBERG; AMENGUAL, 2008).

1.2 A questão das ZPEs no Brasil

O referido debate sobre as ZPEs não passou ao largo do Brasil, onde essas zonas

adentraram a cena no final dos anos 1980, na segunda metade do Governo Sarney. O

instrumento de entrada foi o Decreto-Lei (DL) nº 2.452, de 29/07/1988, cujo teor sofreu

algumas alterações na Lei nº 8.396, de 02/01/1992, no Governo Collor de Mello1. Nesse DL,

e na posterior Lei, ZPEs são consideradas “áreas de livre comércio com o exterior, destinadas

à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados

exclusivamente no exterior (...)”(DL nº 2.452, art. 1º, § único – sublinhado na citação), cuja

criação tem a “finalidade de reduzir desequilíbrios regionais, bem como fortalecer o balanço

de pagamentos e promover a difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social do

País” (op cit., art. 1º, caput).

Esse texto legal determina as condições e os procedimentos necessários à instalação de

ZPEs e cria o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), a

composição e as funções do qual foram objeto do Decreto nº 96.759, de 22/09/1988, cujo

primeiro artigo ganhou nova redação no Decreto nº 779, de 19/03/1993, já no Governo Itamar

Franco. Sobre o funcionamento dessas zonas, aquela lei estabelece, entre outros aspectos:

- ser necessário o prévio alfandegamento da área da ZPE pela Receita Federal, nos termos

posteriormente definidos pela Instrução Normativa nº 26, de 25/02/1993, da Secretaria da

Receita Federal (SRF);

- ser proibida implantações de empresas que representem simples transferência de unidades já

em operação no Brasil;

- que as empresas instaladas terão isenções fiscais nas operações de importação e exportação

e, quanto ao Imposto sobre a Renda, nas remessas e nos pagamentos feitos ao exterior;

- que nas operações de importação e exportação as empresas serão dispensadas de licença ou

autorização de órgãos federais, excetuando-se os controles ligados à ordem sanitária, à

segurança nacional e à proteção ambiental;

1 Esse DL, assim como outros integrantes da legislação sobre ZPEs criada no Brasil até meados dos anos 1990,

pode ser encontrado em Zonas (1994).

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- que a movimentação de moeda estrangeira para dentro e para fora do País, nas importações e

exportações, e nas operações entre empresas instaladas em ZPEs, não precisará de visto ou

permissão administrativa.

O Decreto nº 846, de 25/06/1993, que regulamentou o DC nº 2.452, acrescentou no

seu art. 1º, § 1º, que a “área da ZPE será delimitada e fechada de forma a garantir o seu

isolamento e assegurar o controle fiscal das operações ali realizadas”. Tal condição exigiria

acatar determinações do CZPE e instruções da SRF quanto ao fechamento da área, ao sistema

de vigilância e de segurança adotado, às instalações e aos equipamentos para controle,

vigilância e gestão aduaneira, às vias de acesso e aos fluxos de mercadorias e pessoas.

A iniciativa governamental não demorou a provocar reações. No começo de 1988,

antes, portanto, do DL nº 2.452, Serra (1988a) e Leme (1988) publicaram artigos na revista

Novos Estudos CEBRAP em que criticavam duramente a intenção de criar ZPEs no Brasil. O

primeiro artigo chamava a atenção para o fato de que, mesmo perante uma generalizada

opinião contrária, o governo persistia no projeto. Sobretudo, advertia sobre a possibilidade de

impactos negativos no Balanço de Pagamentos e de fortes frustrações quanto às intenções

ligadas à difusão tecnológica, à criação de empregos e à redução das desigualdades regionais.

O segundo artigo situava o movimento em onda neoliberal convidativa a experiências do tipo

“plataformas de exportação”, que seria o conteúdo efetivo das ZPEs segundo a abordagem, e

antevia problemas para o Balanço de Pagamentos e as finanças públicas, principalmente. No

ultimo trimestre de 1988, já na vigência do DL nº 2.452, Serra (1988b) voltou ao assunto,

aprofundando a abordagem do seu outro artigo e problematizando diversos aspectos do

funcionamento de ZPEs salientados pelo Governo Federal no rol dos benefícios esperados.

Muito do que apareceu esgrimido nas críticas formuladas estava em linha com debate

internacional sobre os efeitos da ZPEs em diferentes países, nos termos destacados

anteriormente no presente estudo.

Na esteira do DL nº 2.452, várias ZPEs foram autorizadas em diferentes estados do

País, seguindo um procedimento que, nos seus grandes passos em escala federal, implicou

recomendação do CZPE e culminou em decreto de criação. Conforme indicado na primeira

grande coluna do quadro 1, correspondente ao período 1988-1994, doze ZPEs foram

autorizadas sob o referido DL. No Governo Sarney, quer dizer, no primeiro lote de zonas,

tratou-se de autorizações nas regiões nordeste e centro-oeste. No governo Itamar Franco, estas

cobriram também as regiões sudeste e sul. Esse segundo grupo incluiu a ZPE de Imbituba,

objeto deste artigo.

11

Quadro 1 – ZPEs autorizadas no Brasil até final de 2011 ZPEs autorizadas até 1994 ZPEs autorizadas no âmbito da Lei nº 11.508/2007

Nome Município/UF Nome Município/UF

ZPE de Araguaína

ZPE de Barcarena

ZPE de Cáceres

ZPE de Corumbá

ZPE de Ilhéus

ZPE de Imbituba

ZPE de Itaguaí

ZPE de João Pessoa

ZPE de Rio Grande

ZPE de São Luís

ZPE de Teófilo Otoni

ZPE de Vila Velha

Araguaína/TO

Barcarena/PA

Cáceres/MT

Corumbá/MS

Ilhéus/BA

Imbituba/SC

Itaguaí/RJ

João Pessoa/PB

Rio Grande/RS

São Luís/MA

Teóf. Otoni/MG

Vila Velha/ES

ZPE do Acre

ZPE de Aracruz

ZPE de Bataguassú

ZPE de Barra dos Coq.

ZPE de Boa Vista

ZPE de Fernandópolis

ZPE de Macaíba

ZPE de Parnaíba

ZPE de Pecém

ZPE do Sertão

ZPE de Suape

Senador Guiomard/AC

Aracruz/ES

Bataguassú/MS

Bar. dos Coqueiros/SE

Boa Vista/RR

Fernandópolis/SP

Macaíba/RN

Parnaíba/PI

São G. do Amarante/CE

Assú/RN

Jaboa. dos Guararapes/PE

Fonte: elaborado pelos autores com base em ZPE (2011), p. 9

Essas ZPEs, com decretos emitidos entre 1988 e 1994, nunca tiveram as suas

atividades iniciadas. Em quatro delas instalou-se a exigida infraestrutura, incluindo cerca,

instalações da Receita Federal, sistema de vigilância e acessos – Araguaína (TO), Teófilo

Otoni (MG), Rio Grande (RS) e Imbituba (SC). Mesmo assim, essas zonas permaneceram,

como todas as outras, sem qualquer atividade durante as duas gestões do Governo Fernando

Henrique Cardoso (de 01/01/1995 a 01/01/2003) e as duas do Governo Lula (de 01/01/2003 a

01/01/2011), ficando nessa condição até o momento em que se elabora este artigo, no início

de 2012. A rigor, desde o fim do Governo Itamar Franco, o assunto ZPE permaneceu

longamente fora da agenda do Governo Federal, não surpreendendo que em meados de 2010 a

mídia de circulação nacional estampasse manchete como esta: “Zonas de processamento de

exportação podem caducar” (FERNANDES, 2010, p. B3).

Entretanto, ao final da primeira gestão do Governo Lula, o Projeto de Lei nº 196/1996,

que fora discutido durante muitos anos no Congresso Nacional, deu origem à Lei nº 11.508,

de 20/07/2007 – alterada pela Lei nº 11.732, de 30/06/20082 –, que normatiza a constituição

das ZPEs nos País, definindo suas regras tributárias, cambiais e administrativas. Uma

mudança fundamental no funcionamento das ZPEs trazida por essa legislação,

comparativamente ao DL nº 2.452, tem a ver com a possibilidade de empresas instaladas

nessas zonas realizarem até 20% de suas vendas no mercado interno. Essa “abertura

doméstica” encontra-se no caput do art. 18: “Somente poderá instalar-se em ZPE a pessoa

jurídica que assuma o compromisso de auferir e manter, por ano-calendário, receita bruta

decorrente de exportação para o exterior de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de sua

receita bruta total de venda de bens e serviços”. Sob essa nova base legal – que inclui ainda os

2 Uma síntese dessa lei, com comentários críticos, encontra-se em Conceição, Pelatieri e Augusto Jr. (2008).

12

decretos nº 6.634, de 05/11/2008, nº 6.759, de 05/02/2009, e nº 6.814, de 06/04/2009, além

das correspondentes resoluções do CZPE, da Instrução Normativa da Receita Federal do

Brasil/Ministério da Fazenda nº 952/2009 e da Portaria da Receita Federal do

Brasil/Ministério da Fazenda nº 2.438/20103 –, onze ZPEs foram autorizadas (até agosto de

2011), distribuídas nas regiões sudeste, nordeste, norte e centro-oeste (cf. a segunda grande

coluna do quadro 1, já apresentado).

Essa nova irrupção de autorizações, concentrada no último ano do Governo Lula, não

deixou de injetar algum otimismo em círculos que veem as ZPEs como possibilidades de

promoção do desenvolvimento econômico: “ZPEs – será que agora vai?” (ANTUNES, 2011)

era o título de reportagem em mídia de alcance nacional no início do Governo Dilma

Rousseff. Possivelmente, essa e outras demonstrações esperançosas também se inspiram em

palavras como as da então candidata presidencial no início de 2010, em artigo publicado

inicialmente no Jornal do Commercio, de Recife – por ocasião da ida do presidente Lula a

Pernambuco para assinar o decreto de criação da ZPE de Jaboatão dos Guararapes –,

reproduzido em outros canais de divulgação (cf. p. ex. ROUSSEFF, 2010). Referindo-se aos

atributos de Pernambuco e, especialmente, da área do Porto de Suape, a candidata proclamou:

“[a] ZPE vai reunir esse potencial num projeto de desenvolvimento realista, para atrair novos

e importantes investimentos” (op cit.). Como arremate, disse: “[c]om a ZPE de Suape, vamos

aumentar as exportações brasileiras e a oferta de empregos nessa região de gente trabalhadora.

E vamos ajudar a corrigir um desequilíbrio injusto e injustificável” (ibid.). É legítimo

considerar que, tendo sido eleita presidente, essas palavra exaltação venha a significar novos e

promissores tempos para as ZPEs no Brasil.

2. ZPE de Imbituba: da esperança entusiasmada à frustração

Autorizada pelo Governo Federal no segundo lote de ZPEs surgidas no período 1988-

1994, como indicado, a ZPE de Imbituba configurou, quanto ao propósito subjacente no plano

estadual, uma espécie de resposta ao difícil quadro socioeconômico vivenciado por aquele

município e, em boa medida, pela correspondente região entre meados dos anos 1980 e os

1990. Retratar essa conjuntura é o passo inicial nesta seção, cujo objeto é a ZPE de Imbituba,

quer dizer, as ações – e a sua falta – enfeixadas na tentativa de instalar no litoral sul de Santa

Catarina uma estrutura apta a contribuir, pelas expectativas do período, para reverter ou

mitigar a inquietante situação.

3 Essa nova base legal pode ser consultada em ZPE (2011).

13

2.1 Imbituba, integrante do complexo carbonífero catarinense

Após um percurso errático na década de 1920, em que ganhou e perdeu a condição de

município, Imbituba readquiriu esse status só no final dos anos 1950, quando a antiga filial

(instalada em 1796) da armação de baleias denominada Armação de São Joaquim da

Garopaba (criada em 1793) foi desmembrada de Laguna. O nome era Município Henrique

Lage, substituído logo depois pela identificação atual (Lei nº 348, de 21/06/1958, art. 1º, item

VIII)4. Vicentistas, lagunenses e açorianos – além dos contingentes nativos – foram os

povoadores iniciais, ainda antes da função de capturar baleias (CABRAL, 1968).

Agricultura de subsistência e pesca – esta estimulada pela importância comercial

adquirida pelo peixe salgado –, atividades históricas no litoral catarinense (cf., p.ex., Ilha,

1979), assim como a captura de baleias entre 1796 e 1829, representavam o essencial da base

econômica. Excetuando o caso dessa última atividade, há muito desaparecida, pode-se dizer

que tal panorama mudou pouco até o começo do século XX.

Com a I Grande Guerra, o carvão mineral, recurso que pelo menos desde as últimas

décadas do século XIX outorgava destaque ao sul de Santa Catarina, conquistou importância

correspondente ao seu caráter estratégico (evidente em economias que aspiram ao crescimento

industrial) e à escassez na oferta internacional consoante à situação de conflito. A garantia de

escoamento desse carvão, para abastecer fábricas de gás e o transporte marítimo e ferroviário

na Região Sudeste, atraiu a atenção de várias empresas e promoveu, naquele período, abertura

de minas e instalação de lavadores de carvão na área de mineração (SANTOS, 1997).

Mas essa conjuntura resultou igualmente em investimentos no Porto de Imbituba,

integrante do circuito de transporte marítimo entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Essa

atividade resultou, em 1919, no surgimento da Indústria Cerâmica Imbituba (ICISA),

primeiramente suprindo os navios com louças sanitárias e outras peças, e depois fabricando

azulejos. Com a extensão até Criciúma, também naquele ano, de um ramal da Estrada de

Ferro Dona Tereza Cristina (em uma das ramificações dessa ferrovia no sul catarinense), a

condição portuária provocou investimentos na melhoria da estrutura para embarque de carvão.

Assinale-se que essa ferrovia, cuja construção começou em 1880 para ligar Imbituba e o atual

Município de Lauro Müller, onde teve início a mineração (NASCIMENTO, 2004),

desempenhou um papel central na trajetória do porto, como destaca Neu (2003).

Nos anos 1930, o setor carbonífero foi objeto de importantes medidas de apoio

governamental. Tiveram também grande influência ações legislativas que, nos anos 1940,

4 Essa legislação, como outras citadas, encontra-se em http://200.192.66.20/ALESC/PesquisaDocumentos.asp

14

representaram criação de reserva de mercado para o carvão catarinense. No final da II Grande

Guerra, as condições favoráveis representadas pela retração da oferta internacional foram

amplificadas pela criação, em 1945, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta

Redonda. Como o sul catarinense é a única região brasileira capaz de fornecer carvão

metalúrgico apto à produção siderúrgica, a CSN passou a representar um fundamental

escoadouro para esse recurso estadual.

Tomou forma, assim, um verdadeiro complexo carbonífero, com amplo

desdobramento territorial, tendo Criciúma e Tubarão como pilares urbanos de maiores

dimensões e fazendo contraponto a áreas interioranas em diversos municípios onde as

atividades primárias eram a tônica. Vinculados ao carvão surgiram, por exemplo, a

Carbonífera Próspera, subsidiária da CSN desde que esta lhe comprou as ações em 1953, a

Sociedade Termelétrica do Capivari (SOTELCA) e o Lavador de Capivari, em 1957, este com

o papel de beneficiar o carvão bruto pela separação das suas frações vapor e metalúrgico. A

segunda fração tinha o destino, pela Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, do Porto de

Imbituba, de onde seguia para a CSN.

Durante décadas, esse entrelaçamento de atividades marcou o cenário no sul

catarinense, com Imbituba desempenhando um papel crucial devido ao porto. Acrescentou

ingredientes ao quadro imbitubense o início das atividades, em 1979 (após longo tempo de

preparação), da Indústria Carboquímica Catarinense S.A. (ICC), para produzir ácido sulfúrico

e ácido fosfórico com base no rejeito do carvão, para o que também se investiu no porto e em

distintas infraestruturas (MORAES, 2004). A crise do petróleo dos anos 1970 representou um

grande estímulo a mais, pois aprofundou o interesse nacional pela alternativa representada

pelo carvão, resultando em investimentos em escala de complexo que aumentaram a

capacidade de extração mineral e fortaleceram ainda mais a estrutura montada.

Para Imbituba, portanto, não há equívoco em considerar que o binômio porto-carvão

foi o alicerce básico da economia, ditando-lhe o ritmo e definindo-lhe as possibilidades.

Todavia, esse vínculo cobrou um preço extremamente alto a partir de meados dos anos 1980.

O processo de mudança no marco regulatório do setor carbonífero, desencadeado no começo

daquela década, resultou em retirada de todos os subsídios criados para estimular o setor, em

supressão das quotas de produção e na progressiva redução do auxílio ao transporte desse

mineral, como um reflexo da situação recessiva vivenciada pelo Brasil e da reorientação mais

geral na atuação do Estado junto à economia. Mas a situação piorou ainda mais, em tendência

que se agravou com a Portaria 801, de 17/09/1990, que completou a desregulamentação do

setor: a importação foi liberada e a CSN retirou-se das atividades carboníferas, passando a

15

trazer do exterior todo o carvão consumido. O setor termelétrico tornou-se, desse modo, o

principal escoadouro do minério catarinense.

O efeito no complexo carbonífero de Santa Catarina foi devastador. A figura 1

sintetiza alguns dos principais aspectos do processo: corte de mais de 2/3 na produção de

carvão entre meados dos anos 1980 e dos anos 1990, a quebra mais dramática ocorrendo na

virada da década, com as medidas do Governo Collor; desaparecimento de quase dois

empregos sobre três no setor carbonífero, num curto intervalo de tempo; redução drástica

tanto do carvão transportado pela Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina como do embarcado

no Porto de Imbituba, com a segunda atividade chegando ao fim em 1994. No porto, o

número de funcionários efetivos despencou de 597 para 218 entre 1985 e 1991, alcançando o

mais baixo patamar daquela década em 1998, com 132 assalariados (HERZMANN, 2005). O

mesmo movimento se observou na mão de obra terceirizada: Moraes (1994) revela

diminuição de 2.724 trabalhadores em 1985 para 970 em 1992, ocorrendo queda ainda maior

até 1999, quando se atingiu 550.

Figura 1 – A débâcle do carvão em Santa Catarina entre os anos 1980 e meados dos 1990

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Produção de carvão bruto (mil ton.) Carvão transportado pela Estrada de Ferro DTC (mil ton.)

Carvão embarcado no Porto de Imbituba (mil ton.) Emprego no setor carbonífero catarinense

Fonte: elaborado pelos autores com base em GOULARTI Fº (2002): para a produção, p. 436; para o transporte ferroviário, p.

487; para o embarque portuário, p. 344; para o emprego, p. 248

Como se não bastasse, a ICC, um dos três maiores empregadores históricos de

Imbituba (ao lado do porto e da ICISA), foi desativada em 1993, entrando em liquidação.

Nesse movimento, desapareceram empregos (diretos e terceirizados) que, no ano de pico do

contingente engajado, em 1988, totalizaram 927, e que no período do fechamento ainda eram

288 (MORAES, 2004, p. 273). Uma espiral descendente, permitindo evocar a causação

circular acumulativa de que fala Myrdal (1968), instalou-se na área, deteriorando

progressivamente as condições locais. Anteriores acenos de possível robustecimento

16

econômico, como o associado ao arrastado processo de criação da Siderúrgica Sul Catarinense

(Sidersul), haviam se frustrado já nos anos 1980.

Portanto, é sugestivo que na década de 1990, como mostra a tabela 4, Imbituba tenha

sido um dos dois municípios da Microrregião de Tubarão em que cresceu a intensidade da

pobreza, na maneiro como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

considera esse indicador. O outro município foi Capivari de Baixo, local do Lavador de

Capivari, também amplamente envolvido no redemoinho que se apossou do setor carbonífero.

Ao mesmo tempo, como observado na figura 2, entre os quatro municípios dessa microrregião

onde houve queda da renda per capita municipal como proporção da renda per capita estadual,

figuram os mesmos Imbituba e Capivari de Baixo (acompanhados por Imaruí e São Ludgero).

Tabela 4 – Indicadores de desenvolvimento: Santa Catarina e municípios da

Microrregião de Tubarão (1991 e 2000)

Santa Catarina e municípios

da Microrregião de Tubarão

População total

(mil)

Intensidade da

pobreza

Índice de Gini

1991 2000 1991 2000 1991 2000

Santa Catarina 4.542,0 5.356,4 42,12 40,74 0,55 0,56

Armazém 6,5 6,9 41,48 37,65 0,55 0,51

Braço do Norte 17,5 24,8 34,02 28,64 0,46 0,65

Capivari de Baixo 16,2 18,6 41,20 43,27 0,48 0,43

Garopaba 10,8 13,2 43,53 40,61 0,49 0,50

Gravatal 6,5 10,8 45,51 38,46 0,55 0,46

Grão Pará 5,4 5,8 44,18 29,48 0,61 0,56

Imaruí 15,2 13,4 49,06 45,44 0,63 0,58

Imbituba 31,4 35,7 43,06 46,87 0,56 0,48

Jaguaruna 12,3 14,6 34,09 32,31 0,49 0,52

Laguna 43,8 47,6 40,64 40,97 0,49 0,53

Orleans 18,5 20,0 37,44 35,48 0,49 0,49

Pedras Grandes 5,7 4,9 42,46 35,19 0,47 0,48

Rio Fortuna 4,1 4,3 45,84 32,14 0,50 0,47

Sangão 5,2 8,1 36,84 32,52 0,47 0,56

Santa Rosa de Lima 2,5 2,0 41,38 40,68 0,46 0,49

São Ludgero 5,5 8,6 36,46 32,50 0,50 0,53

São Martinho 3,3 3,3 41,14 35,40 0,45 0,62

Treze de Maio 6,6 6,7 39,27 28,85 0,46 0,51

Tubarão 80,8 88,5 36,26 35,83 0,51 0,51 Fonte: elaborado pelos autores com base em Atlas (2003)

A situação que produziu esse cenário certamente afetou o processo em que se decidiu

criar uma ZPE em Imbituba, uma iniciativa entendida em vários meios catarinenses como

apta a contribuir para a reversão ou redução da crise regional. Com efeito, as condições locais

mostravam-se tão difíceis que até uma dinâmica de emigração, implicando numerosos

17

moradores, chegou a se desenhar principalmente para os Estados Unidos, conforme assinalado

em Silva (1999). De todo modo, a vantagem logística representada pelo porto e a

disponibilidade de terreno – o mesmo onde seria instalada a (frustrada) Sidersul – devem ter

sido, igualmente, elementos importantes na opção pelo município.

Figura 2 – Municípios da Microrregião de Tubarão: rendas per capita como proporção

da renda per capita média de Santa Catarina: 1991 e 2000

Fonte: elaborado pelos autores com base em Atlas (2003)

2.2 A ZPE de Imbituba: uma frustração (quase) anunciada

A ZPE de Imbituba foi criada institucionalmente em 28 de abril de 1994, quando o

Presidente da República fez saber o que segue pelo Decreto nº 1.122: “Art. 1º. Fica criada a

Zona de Processamento de Exportação (ZPE) localizada no Município de Imbituba, no Estado

de Santa Catarina, com área total de 200,57 hectares (...)”. Condição incontornável para o

início das atividades encontra-se expressa no artigo seguinte: “Art. 2º. A ZPE de Imbituba

entrará em funcionamento após o alfandegamento da respectiva área pela Secretaria da

Receita Federal, observado o projeto aprovado, pelo Conselho Nacional das Zonas de

Processamento de Exportação (CZPE).”

Em nível estadual, providência importante culminou pouco depois, na forma da Lei nº

9.654, de 19/07/1994, onde se lê: “Art. 1º. Fica o Estado de Santa Catarina, por intermédio da

Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina – CODESC, autorizado a

18

participar do capital social da empresa a ser constituída para administrar a Zona de

Processamento de Exportação – ZPE (...)”. A Lei nº 9.710, de 30/09/1994, introduziu uma

eloquente alteração nesse artigo: a CODESC ficava autorizada a participar “da constituição,

com a iniciativa privada, da empresa administradora da (...) ZPE (...)”.

Veio à luz, desse modo, a Imbituba Administradora da Zona de Processamento de

Exportação (IAZPE), constituída em 27/07/1994 como Sociedade Anônima de capital

fechado, possuindo a CODESC mais de 99% das ações. Seu objetivo básico era triplo:

implantar a infraestrutura requerida, definir normas e critérios para instalação de empresas e

administrar a ZPE.

Sobre o primeiro objetivo, o leque de realizações – que canalizou esforços já nos

primeiros anos de funcionamento da IAZPE – incluiu: terraplenagem em superfície de 135

mil m2; construção de uma cerca com 3 mil metros lineares; edificação de instalações

provisórias para escritório (com 86 m2); construção tanto do prédio da Receita Federal do

Brasil (com quase 819 m2) como da plataforma de fiscalização (totalizando mais de 492 m

2) e

da guarita na entrada (mais de 21 m2); e implantação de sistema de vigilância eletrônica.

Quanto ao segundo objetivo, as atividades realizadas conduziram à aprovação, pelo Conselho

Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), de três projetos industriais

candidatos à instalação e operação na zona. Isso ocorreu em meados de 1997, envolvendo as

seguintes empresas: Tectores’d Eletronic Security Systems Ltda., do setor eletrônico para

segurança; Legrand Brasil Ltda., do setor moveleiro; Evershoe Ltda., do setor calçadista. O

investimento conjunto então previsto superava US$ 15 milhões ( AMORIM, 2011).

Ao final dos anos 1990, a mídia de circulação estadual saudava os avanços logrados e

não se furtava a expressar otimismo. Por exemplo, em artigo no jornal Gazeta Mercantil –

Santa Catarina, intitulado “ZPE conclui infra-estrutura para instalar as empresas”, Wilke

(1999) assinalava que “[a]s vagas geradas pelas empresas instaladas na Zona de

Processamento de Exportação devem resolver o problema do desemprego e da migração de

Imbituba (...)” (p. 5). E os veículos locais de divulgação não deixaram de registrar a

inauguração da ZPE em maio de 1995, com solenidade tão concorrida que um pequeno jornal

de Imbituba, denominado O Povo, assinalou em manchete aparentemente impregnada de

picardia: “ZPE – começou como cabide político?” (ZPE..., 1995, p. 9).

Todavia, ano após ano a ZPE de Imbituba, como as demais ZPEs onde foram

realizadas obras que a legislação nacional indicou como exigências para o início das

operações, aguardou em vão a providência da esfera federal referente ao alfandegamento da

área. Tal iniciativa, prevista em lei, como se observou, e representando uma espécie de

19

obrigatória contrapartida nacional aos esforços empreendidos localmente, jamais se

materializou até o momento em que estas linhas estão sendo escritas. O quanto isso calou

fundo entre os agentes implicados no processo em escala local/estadual, provocando

desalento, frustração e revolta, é sugerido em palavras como estas, proferidas em entrevista –

na pesquisa de campo, realizada no final de 2011, que ajudou a subsidiar este estudo – com

profissional que por duas vezes, de 1995 a 1998 e de 2003 a 2010, presidiu a IAZPE:

“Santa Catarina cumpriu rigorosamente todos os procedimentos legais em tempo recorde. Para citar

dois diferenciais, é a única ZPE do país com parecer favorável da Receita Federal para o

alfandegamento e a única a ter projetos industriais para instalação de empresas aprovados pelo

Conselho Nacional de ZPEs (...). [O] problema sempre esteve na decisão de alavancar o processo [na

esfera nacional].” (Entrevista com ex-presidente da IAZPE, realizada em novembro de 2011)

Assim, o entusiasmo dos primeiros passos deu, pouco a pouco, lugar à decepção. E

não só entre os condutores da iniciativa, situados no plano governamental e administrativo

local/estadual. A população de Imbituba, e possivelmente também a da região que engloba o

município, depositara esperanças na iniciativa. A seguinte informação do ex-presidente

entrevistado não permite dúvidas a esse respeito: “nos arquivos da IAZPE podemos encontrar

cerca de 3.000 fichas cadastrais de busca de um emprego; fora isto, [há] em torno de vinte

cartas de intenção de empresas interessadas em se instalar, três delas já autorizadas”.

Daí que, quanto ao outro objetivo básico da IAZPE – a administração da ZPE, ao lado

da implantação da infraestrutura requerida e da definição de normas e critérios para instalação

de empresas – , as atividades correspondentes parecem ter se limitado, pela força das

circunstâncias, à manutenção e conservação do terreno e dos equipamentos instalados.

Também ocorreu envolvimento em iniciativas de divulgação, através de folhetos e outros

materiais, das possibilidades que a presença na ZPE de Imbituba outorgaria às empresas. Ao

que tudo indica, muito mais do que isso não poderia ser feito enquanto transcorria a infindável

espera pelo cumprimento das obrigações de responsabilidade federal.

É esse aguardo nunca atendido de providências – de quase 18 anos até agora, entre

1994 e o início de 2012 – que subjaz à referência, no título do presente artigo, à “crônica de

uma frustração”. Sobre a complementação do título com a expressão “(quase) anunciada”,

algo mais precisa ser dito. Para tanto, as conjunturas da década de 1990 devem ser evocadas.

Os primeiros anos daquela década foram bastante tumultuados no Brasil, econômica e

politicamente falando. O Governo Collor tomou medidas bruscas sob o argumento do

combate a inflação e protagonizou desregulamentação em várias direções, instalando clima

que, aprofundando a incerteza e a apreensão, não favorecia avanços em direções como a das

ZPEs. A agenda era outra, e o impeachment presidencial coroou percurso em quase tudo

20

adverso à estabilidade e tranquilidade que o mundo dos investimentos produtivos e negócios

costuma necessitar e cultivar. Com Itamar Franco, signatário do decreto que criou a ZPE de

Imbituba, o instrumento de extinção da dinâmica hiperinflacionária representado pelo Plano

Real cintilou entre as ações concretizadas. Todavia, a chamada âncora cambial – um dos

pilares desse plano, significando apreciação da moeda brasileira – marcou presença em quase

toda a segunda metade dos anos 1990, na presidência de Fernando Henrique Cardoso, e criou

fortes dificuldades para os segmentos exportadores. Ora, quem diz ZPE, como enfatizado

anteriormente, diz produzir para exportar, fundamentalmente. O contexto, portanto, era

desfavorável para iniciativas cujo leitmotiv básico era o desempenho comercial externo.

De outro lado, se a conjuntura não convidava ao abandono da passividade

governamental, não se pode dizer que a simpatia do Governo Federal pelas ZPEs fosse um

atributo importante do período. Pelo contrário, a mesma voz que proclamou, em 1988, que no

Brasil as ZPEs representavam uma idéia “fora de tempo e lugar” (SERRA, 1988b), passou a

ser ouvida nas entranhas do Governo, em plena Esplanada dos Ministérios, na capital federal:

José Serra atuou como Ministro do Planejamento e Orçamento no biênio 1995-1996 e como

Ministro da Saúde entre 1998 e 2002. Vale conjecturar que o pouco apreço pelas ZPEs, para

não falar em desprezo, de um ministro com tamanha influência no Governo – no primeiro

ministério ou no segundo – contribuíu para “congelar” a ação do Executivo sobre a respectiva

política. A rigor, a Administração Federal não só deixou de agir, exibindo desinteresse e

descompromisso, como talvez tenha dificultado deliberadamente o andamento: quatro ZPEs

concluíram as obras e intervenções que delas se esperavam, pelas exigências definidas na

escala federal, e o alfandegamento – providência que exige ação decisiva desta esfera – jamais

se materializou em qualquer uma delas, sugerindo bloqueio à iniciativa, de um modo geral.

Ambos os aspectos – a conjuntura antagônica às experiências como as de ZPEs, de

uma parte, e a pouca (se alguma) disposição do Governo Federal em relação a esse tipo de

estratégia para promover, de forma interligada, o crescimento industrial, as exportações e o

desenvolvimento local-regional, de outra – inspiraram a formulação, inscrita no título do

artigo, de uma “frustração (quase) anunciada”. Um clima pouco promissor, ou francamente

hostil, já vigorava ou estava prestes a prevalecer quando da autorização da ZPE de Imbituba.

Nos anos do Governo Lula, a agenda federal foi amplamente preenchida com políticas

sociais dizendo respeito, entre outras coisas, ao combate à fome. Depois, o Plano de

Aceleração do Crescimento (PAC) ganhou absoluto destaque, em percurso governamental que

não deixou de amargar importantes percalços de natureza política e administrativa, como

ocorreu na primeira gestão. Tudo isso significou, em grande parte dos anos 2000, uma espécie

21

de diluição do assunto ZPE no conjunto de uma ação estatal cujo norte era outro, ainda mais

que o (notável) desempenho exportador parecia garantido tendo em vista os atraentes preços

das commodities (sobretudo agroindustriais) e a demanda externa. Assim, foi só com a já

comentada Lei nº 11.508, de 20/07/2007, alterada pela Lei nº 11.732, de 30/06/2008, que a

temática das ZPEs foi recolocada, de alguma forma, no seio da máquina pública federal.

Portanto, quase duas décadas depois da promessa, Imbituba segue sem a prometida

ZPE, numa marcha que no âmbito da economia registra, talvez em primeiro lugar, a

revitalização do seu porto. De fato, crescimento, ano após ano, na movimentação de cargas,

destacando-se os graneis sólidos e os contêineres5, manutenção de um importante fluxo de

navios e obras destinadas à modernização e ampliação, estariam a compor um cenário de

renovado otimismo na área, a julgar pelas palavras do administrador portuário: “Foram duas

décadas antagônicas: uma impulsionada pelo carvão, a de 1980, e outra mergulhada em

passivos e dúvidas, a de 1990. Quem conheceu o Porto de Imbituba nessas épocas,

[atualmente] não reconhecerá mais”. (CIA..., 2010, p. 2).

Também o setor de turismo acena positivamente, apesar da imagem comprometedora

que prevaleceu por quase quinze anos, durante o funcionamento da extinta ICC, com

produção de ácido sulfúrico e ácido fosfórico. Imbituba integra circuito turístico do litoral sul

catarinense em que sobressaem Laguna e Garopaba. Seus atributos incluem não só as praias

(representado um turismo em primeiro lugar sazonal), mas igualmente a presença de baleias

francas, um fator que estimula já há alguns anos um “turismo de observação de baleias”, ativo

fora da alta temporada turística, isto é, do verão (VIANA, 2001).

Assim, é verdade que Imbituba apresentou, em grande parte dos anos 2000, números

negativos para o saldo migratório e para a taxa líquida de migração6, como detectou Mioto

(2008) no período 2000-2007. É também fato que se amargou o fechamento da ICISA em

meados daquela década, em falência que encerrou processo de crise observado desde os anos

1990. Mas o município atingiu o final da última década exibindo o segundo maior valor do

produto interno bruto (PIB) na Microrregião de Tubarão, atrás somente de Tubarão (Tabela

5), embora a situação se altere consideravelmente quando se examina o PIB per capita

(calculado com o valor de 2009 e com a população de 2010, obtida no Censo Demográfico do

IBGE): sendo o terceiro município mais populoso da microrregião, Imbituba divide com

Tubarão o 9º lugar, com PIB per capita R$ 14.760 (Figura 3).

5 Cf. dados disponíveis em https://www.cdiport.com.br/estatistica/estat.htm

6 O saldo migratório (SM) é dado pela expressão SM=SP–M , onde SP é o saldo populacional no período

observado e M é a mortalidade (nº de nascidos vivos menos óbitos registrados); a taxa líquida de migração

(TLM) é dada por TLM=SM/PFP, onde PFP é a população do fim do período observado.

22

Tabela 5 - Produto interno bruto a preços correntes (Mil Reais) – Ano: 2009 Estado, Mesorregião,

Microrregião e Municípios da

Microrregião de Tubarão

Valor

adicionado

bruto

Estado, Mesorregião,

Microrregião e Municípios da

Microrregião de Tubarão

Valor

adicionado

bruto

Estado de Santa Catarina 113.332.404 Sul

Catari-

nense

Total da Mesorregião 13.365.657

Oeste

Catari-

nense

Total da Mesorregião 22.952.264 Tubarão 4.983.814

São Mig. do Oeste 2.865.895 Armazém 84.987

Chapecó 7.808.087 Braço do Norte 459.796

Xanxerê 2.705.856 Capiv. de Baixo 239.872

Joaçaba 6.589.333 Garopaba 180.909

Concórdia 2.983.094 Grão Pará 110.204

Norte

Catari-

nense

Total da Mesorregião 25.755.216 Gravatal 115.321

Canoinhas 3.528.125 Imaruí 126.024

São Bento do Sul 1.985.271 Imbituba 593.101

Joinville 20.241.820 Jaguaruna 188.976

Serrana Total 5.709.233 Laguna 418.438

Curitibanos 1.849.018 Orleans 398.482

Campos de Lages 3.860.215 Pedras Grandes 63.984

Vale do

Itajaí

Total da Mesorregião 29.996.701 Rio Fortuna 75.244

Rio do Sul 3.262.342 Sangão 118.846

Blumenau 13.593.045 S. Rosa de Lima 30.738

Itajaí 12.234.983 São Ludgero 213.350

Ituporanga 906.331 São Martinho 47.691

Grande

Floria-

nópolis

Total da Mesorregião 15.553.333 Treze de Maio 83.067

Tijucas 1.215.788 Tubarão 1.434.787

Florianópolis 14.016.441 Criciúma 6.036.746

Tabuleiro 321.104 Araranguá 2.345.098 Fonte: elaborado pelos autores com base em www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=21&z=p&o=29&i=P

Figura 3 – PIB per capita no final dos anos 2000: Santa Catarina e municípios da

Microrregião de Tubarão (PIB: 2009; População residente total: 2010)

0 5 10 15 20 25

Armazém

Braço do Norte

Capivari de Baixo

Garopaba

Gravatal

Grão Pará

Imaruí

Imbituba

Jaguaruna

Laguna

Orleans

Pedras Grandes

Rio Fortuna

Sangão

Santa Rosa de Lima

São Ludgero

São Martinho

Treze de Maio

Tubarão

Santa Catarina

PIB per capita (mil Reais)

Fontes: elaborado com base em: para o PIB: IBGE (www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=21&z=p&o=29&i=P);

para a População: IBGE ( www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=42&dados=0)

23

Considerações finais

Como em muitos países, também no Brasil se apostou em ZPEs para induzir o

desenvolvimento econômico. Todavia, duas décadas transcorreram, desde as primeiras

autorizações para criação dessas zonas, sem que nenhuma delas tenha efetivamente iniciado

as suas atividades. Determinantes em escala federal, nos casos em que as exigidas

providências locais foram cumpridas, subjazem ao malogro e desapontamento. Imbituba é um

caso típico, tendo o entusiasmo e a esperança de meados dos anos 1990 – mais que

compreensíveis haja vista o difícil quadro socioeconômico vivenciado – se transformado em

inconformada frustração.

Analiticamente falando, deve-se sublinhar que não há, propriamente, uma

problemática específica na experiência de Imbituba. Há, sim, um problema geral, o do

injustificável descaso e demora, na órbita do Governo Federal, com respeito ao

equacionamento do assunto ZPE em nível de Brasil. Com efeito, o estudo indica que, em vez

de indagações sobre o que ocorreu em Imbituba para obstaculizar a implantação da respectiva

ZPE, deve-se, isto sim, perguntar sobre o que está de fato por trás do fracasso da estratégia

brasileira relativamente a essas zonas. Não há qualquer questão local com respeito ao tema.

Cabe assinalar que o futuro da (até agora frustrada) ZPE de Imbituba apresenta-se

especialmente incerto nos dias de hoje, mesmo com a aparente reintrodução do assunto ZPE

na agenda pública nacional, como constatado. A Lei Complementar (LC) nº 534, de

20/04/2011, que altera dispositivos da LC nº 381, de 07/05/2007 – cujo objeto é o modelo de

gestão e a estrutura organizacional da administração pública em Santa Catarina – , assim

reescreve o caput do Art. 154 da segunda: “Fica autorizada a alienação de 100% (cem por

cento) da participação acionária que o Estado possui, diretamente ou por intermédio de suas

sociedades de economia mista, na Imbituba Administradora da Zona de Processamento de

Exportação – IAZPE”.

Numa palavra, está aberto o caminho para uma completa privatização. Perguntado se

um passo dessa magnitude pode significar a extinção do projeto dessa ZPE, o ex-presidente

entrevistado na pesquisa de campo respondeu: “É uma possibilidade...”.

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