ZONA DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÕES DE IMBITUBA… Regional... · meio de legislação federal...
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ZONAS DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÃO: PROBLEMÁTICA GERAL E
CRÔNICA DE UMA FRUSTRAÇÃO CATARINENSE (QUASE) ANUNCIADA
Hoyêdo Nunes Lins (UFSC – email: [email protected])
Rosemar Amorim (UFSC – email: [email protected])
Resumo No final dos anos 1980, as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) adentraram o cenário brasileiro por
meio de legislação federal que resultou em autorização para a criação de numerosas zonas em diferentes estados
e regiões do país. O Município de Imbituba, no litoral sul de Santa Catarina, teve oficializada a permissão de
uma ZPE em 1994, ao que se seguiram as obras e providências locais exigidas para o seu efetivo funcionamento.
Todavia, decorridas quase duas décadas, a ZPE de Imbituba ainda não transcendeu a condição de promessa, em
que pese todo o esforço protagonizado localmente e a aprovação de três projetos industriais candidatos à
instalação. Esse é o assunto deste artigo, que objetiva, além de abordar a problemática mais geral das ZPEs,
discernir e discutir o contexto que levou à opção por Imbituba, discorrer sobre as ações empreendidas e refletir
sobre as razões que subjazem à duradoura e arrastada frustração.
Palavras-chaves: Zona de Processamento de Exportação, Município de Imbituba (SC), Frustração
Introdução
Promover o desenvolvimento da economia, criando oportunidades de trabalho e de
geração de renda, é uma função histórica do Estado. É assim na escala dos países e é também
assim, como motivação talvez ainda maior, no nível das regiões subnacionais e das
localidades mais carentes de dinamismo econômico. Desde o fim da II Guerra Mundial, pelo
menos, o desenvolvimento no plano territorial passou a figurar com destaque nas agendas
públicas de diferentes países, tendo em vista que as desigualdades interregionais passaram a
ser vistas como ameaça à coesão social e até, em diferentes casos, à unidade nacional.
Diversos tipos de políticas de desenvolvimento regional foram concebidos e utilizados
em numerosos países. O Brasil não ficou à margem, como ilustram as ações colocadas em
prática, por exemplo, pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),
criada em 1959 pelo Governo Federal. Atrair investimentos “industrializantes”, capazes de
inocular dinamismo produtivo, propagando os efeitos em setores e territórios, quase sempre
representou um objetivo maior desse desenho de política, que no Brasil geralmente contou,
durante décadas, com a forte participação de empresas estatais.
No final dos anos 1980, um novo ingrediente foi acrescentado ao elenco de políticas
de desenvolvimento com componente espacial no Brasil: a instalação de Zonas de
Processamento de Exportação (ZPEs). Em sucessivas medidas do Governo Federal, que
ressoavam interesses manifestados na órbita dos estados federados e municípios, numerosas
ZPEs tiveram autorizada a sua criação. Grande parte ocorreu em macrorregiões nacionais
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tidas como estratégicas pela administração do país, seja por conta das potencialidades, seja
pelas necessidades históricas e estruturais, exigentes de atenção particular. Em termos gerais,
esses eram os casos, pela ordem, da Região Centro Oeste e da Região Nordeste.
Mas também a Região Sul foi contemplada, e, nesta, o Estado de Santa Catarina
acabou tendo aprovada a criação de uma ZPE no Município de Imbituba, situado no litoral sul
a cerca de 90 km de Florianópolis, a capital estadual. A oficialização ocorreu por decreto do
Presidente da República em maio de 1994, provocando expectativas em porção do território
catarinense que naquele período se encontrava às voltas com grandes problemas econômicos,
amargando, como decorrência, inquietante contração de possibilidades para a população local.
Passadas quase duas décadas, a ZPE de Imbituba não ultrapassou, até o presente
momento, a condição de foco de expectativa em Imbituba e sua área. Frustração parece termo
adequado para referir ao que a iniciativa de realizar esse empreendimento acabou por gerar no
sul catarinense à medida em que os anos foram passando.
Resgatar a trajetória dessa ZPE, objetivando discernir e discutir as razões pelas quais
tal iniciativa nunca se materializou como se esperava, é o que fundamentalmente se pretende
neste artigo. O estudo, que tem contornos de investigação em história regional e
simultaneamente representa abordagem sobre a dimensão espacial do desenvolvimento,
baseia-se em pesquisa bibliográfica e documental e também em entrevista com interlocutor
que, pela sua posição, acompanhou por dentro a trajetória em foco.
Inicia-se falando sobre ZPEs, de uma maneira geral, para identificar o campo temático
do estudo, e discorre-se sobre a introdução dessa idéia no Brasil. Em seguida, aborda-se a
iniciativa da criação de uma ZPE em Imbituba, situando a iniciativa em termos temporais e
regionais para evidenciar a sua lógica subjacente, e discute-se a trajetória percorrida tendo em
mente a compreensão da inércia quanto ao início do funcionamento.
1 ZPEs: aproximação à problemática em escala internacional e no Brasil
Em documento do início dos anos 2000, a Organização Internacional do Trabalho
refere-se às ZPEs, evocando definição formulada anteriormente nessa instituição, como
“zonas industriais com incentivos especiais criadas para atrair investidores estrangeiros, onde
materiais importados passam por algum grau de processamento antes de serem (re)exportados
(...)” (ILO, 2003, p. 1). Ao final dessa mesma década, estudo elaborado sob os auspícios
daquela organização assinalava que ZPEs são “espaços regulatórios [regulatory spaces] em
um país destinados a atrair companhias exportadoras mediante a oferta, a estas, de concessões
especiais em impostos, tarifas e regulamentos” (MILBERG; AMENGUAL, 2008, p. 1).
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Esse alargamento na definição, avançando em especificações, talvez espelhe o próprio
percurso exibido por essas zonas em diferentes países desde o modelo tradicional entronizado
com a precursora iniciativa irlandesa de 1958, em Shannon (cf. por exemplo Gibbon, Jones e
Thomsen, 2008). Seja como for, ZPEs representam uma particularização do que se designa
como Zonas Econômicas Especiais em trabalho preparado no âmbito do Banco Mundial
(SPECIAL..., 2008). De fato, criadas em grande número nas últimas três ou quatro décadas,
notadamente em países em desenvolvimento, estas se desdobram em, principalmente:
Zonas de Livre Comércio: visa-se estimular mormente o comércio, sendo essas zonas
fechadas e fontes de vantagens em termos de infraestrutura, fiscais (duty-free) e de
instalações e serviços.
Zonas de Processamento de Exportação: objetiva-se basicamente produzir para
exportação, em espaços fechados que representam benefícios em termos de
infraestrutura, fiscais e de instalações e serviços; as relações com o exterior são
privilegiadas, sendo as ZPEs tradicionais voltadas sobretudo (ou exclusivamente) para
exportação e as híbridas voltadas também, e em boa medida, ao mercado interno.
Zonas de Empresas: a meta básica é ajudar na revitalização de áreas urbanas ou rurais
estagnadas ou em declínio, com outorga de incentivos fiscais e apoio financeiro.
Portos Livres: sua criação almeja um desenvolvimento integrado, pois se trata, em
regra, de áreas grandes e com várias atividades (turismo e vendas no varejo, entre
outras), ocorrendo até uso residencial; vários incentivos e benefícios são concedidos.
Zonas Especializadas: os objetivos centrais incluem desenvolvimento tecnológico e
revitalização de espaços urbanos, razões para a criação de, por exemplo, parques
científicos e tecnológicos, parques logísticos e zonas aeroportuárias.
Como assinala Jayanthakumaran (2003), as ZPEs exibem semelhança conceitual com
outros tipos de Zonas Econômicas Especiais. Isso não raramente gera problemas, pois ocorre
de uma mesma expressão ser usada diversamente para referir a distintas experiências
nacionais (VIRGILL, 2009). Em todas as modalidades de zonas tem destaque um
voluntarismo de cunho geralmente estatal voltado à promoção do desenvolvimento em países
e/ou regiões subnacionais carentes de dinamismo e/ou que aspiram a modificar o seu padrão
de relacionamento nas trocas internacionais.
Mas, em quaisquer circunstâncias, por ZPE se indica um instrumento de promoção do
desenvolvimento predominantemente escorado na atração de investimentos estrangeiros
diretos (IED), no crescimento industrial e, como corolário, no aumento e diversificação das
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exportações. Como indicado no próprio nome dessas zonas, a estratégia de criação de ZPEs
tem nas exportações o seu foco básico: Belloc e Di Maio (2011) frisam que se busca
promover a produção de mercadorias e a geração de empregos em atividades industriais
exportadoras, elevar a lucratividade de fabricantes exportadores nas trocas internacionais e,
quando as exportações das empresas locais enfrentam dificuldades, estimular a vinda de IED
que possam melhorar o desempenho exportador e reverter ou mitigar o quadro adverso.
Tudo isso tende a ganhar tradução na maior entrada de divisas estrangeiras e em
resultados importantes na balança comercial. E, ao menos potencialmente (ou no plano das
intenções), tais processos repercutem em geração de empregos e adensamento dos vínculos
produtivos e institucionais locais, com “irradiação” setorial e territorial do dinamismo
tecnológico e econômico, de um modo geral.
1.1 Proliferação de ZPEs no mundo e os principais termos do associado debate
O processo de multiplicação das Zonas Econômicas Especiais, que abrangem as ZPEs,
permite observar concentrações no tempo e no espaço, conforme indicado em Special (2008):
antes da década de 1970, os países industrializados da Europa Ocidental e os Estados
Unidos registraram o maior número de criações; fora desse grupo, somente alguns
poucos casos na América Latina/Caribe e na Ásia/Pacífico foram repertoriados.
nos anos 1970, América Latina/Caribe apresentaram a maior quantidade de criações,
acompanhadas pelas de Ásia/Pacífico e Oriente Médio/África do Norte; na África
Subsaariana, duas zonas foram instaladas.
nos 1980, as iniciativas foram mais distribuídas, envolvendo países da Europa
Ocidental, Central e do Leste, da América Latina/Caribe, da Ásia/Pacífico, do Oriente
Médio/África do Norte, da Ásia Central e da África Subsaariana.
a heterogeneidade foi a regra na década de 1990, com destaque para instalações em 18
países tanto da Europa Central e do Leste como da Ásia Central, e em 16 países da
África Subsaariana, num surto de adesão em territórios até então à margem da
produção industrial mais relevante e do respectivo comércio internacional; mas
surgiram (poucas) zonas também em países industrializados e na Ásia/Pacífico e, em
maior número, na América Latina/Caribe e no Oriente Médio/África do Norte.
em quase toda a década de 2000 poucas zonas foram criadas, sendo o maior número
na África Saariana; mas também países da Europa Central e do Leste, da Ásia Central
e do Oriente Médio/África do Norte, além do Japão, registraram instalações.
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Nessas ondas de criação de Zonas Econômicas Especiais, a modalidade ZPE
apresentou destaque. Cresceu o seu número, com ampliação inclusive no tamanho médio e no
leque de atividades realizadas, e aumentou a quantidade de países que apostaram na
industrialização destinada às exportações como estratégia de desenvolvimento. Em muitos
destes, particularmente nos que, na década de 1990, aderiram fortemente ao “modelo ZPE” –
destacadamente na Europa Central e do Leste e na Ásia Central, e também na África
Subsaariana, como visto –, o ingresso de IED para gerar desempenho produtivo e exportador
nesse tipo de zona permaneceu, de fato, como estratégia básica de melhoria na interlocução
com a economia mundial. As tabelas 1, 2 e 3 fornecem indicações sobre esse processo.
A tabela 1 cobre três décadas de trajetória das ZPEs no mundo, permitindo observar a
proliferação dos países implicados e, sobretudo, das zonas criadas. Cabe destacar, sobretudo,
o salto ocorrido entre meados dos anos 1990 e dos anos 2000: o número de países não chegou
a dobrar, mas o de ZPEs foi multiplicado por nada menos que sete.
Tabela 1 – Expansão mundial das ZPEs: 1975-2008
Indicadores 1975 1986 1995 2006
Nº de países com ZPEs
Nº de ZPEs
29
79
47
176
73
500
130
3.500
Fonte: elaborado pelos autores com base em MILBERG; AMENGUAL (2008), p. 4
Nos anos 2000, o emprego em ZPEs cresceu em todas as regiões mundiais, como se
pode depreender da tabela 2, que abrange o período 2002-2006. Pelo menos duas observações
são importantes. Uma é que, em várias regiões, o número dobrou, como na África
Subsaariana, no Oriente Médio, na Ásia (sem a China), no Caribe, na Europa do Leste e
Central e na área do Pacífico (nas duas últimas, muito mais que dobrou). Outra observação é
que China e Ásia, juntas, concentraram 84% do total desses empregos nos dois anos; a China
sozinha respondeu por 67% em 2002 e por 61% em 2006. Todavia, esses números não têm
grande representatividade como proporção do emprego total nos países ou regiões. Dados
para 2007 mostram que a maior participação ocorre no conjunto Ásia/Pacífico, incluindo a
China, onde se concentra a esmagadora maioria desses empregos, e mesmo assim não
superava, naquele ano, 2,3% na média dos países da região. A participação foi 1,6% no
Oriente Médio e África do Norte, de 1,15% nas Américas e não ultrapassou 0,2% nas demais
regiões (cf. tabela 15 em Special, 2008).
A importância das ZPEs para as relações comerciais dos países que adotaram essa
estratégia é sugerida na tabela 3, que informa sobre vinte experiências nacionais na América
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Latina, Ásia, África e área do Pacífico. A participação das exportações oriundas dessas zonas
nos totais exportados pelos países é muito grande, seja em 2002 ou em 2006. Há casos
superiores a 80%, como os de Filipinas em 2002, Malásia em ambos os anos, México em
2002 e Quênia em 2006.
Tabela 2 – Empregos em ZPEs por regiões mundiais: 2002-2006
Região/País 2002 2006
África do Norte 440.515 643.152
África Subsaariana 421.585 860.474
Oceano Índico 170.507 182.712
Oriente Médio 328.932 1.043.597
Ásia 7.710.543 14.741.147
China 30.000.000 40.000.000
América Central 4.490.757 5.252.216
América do Sul 299.355 459.825
Caribe 215.833 546.513
Europa do Leste e Central 543.269 1.400.379
Pacífico 13.590 145.930
Total 44.634.886 65.275.945 Fonte: elaborado pelos autores com base em MILBERG; AMENGUAL (2008), p. 5
Tabela 3 – Participação das ZPEs nas exportações de países selecionados: 2002-2006
País 2002 2006 País 2002 2006
Filipinas 87,0 60,0 Senegal 80,0 n.a.
Malásia 83,0 83,0 Ilhas Maurício 77,0 42,0
México 83,0 47,0 Marrocos 61,0 61,0
Gabão 80,0 80,0 Bangladesh 60,0 75,6
Macau (China) 80,0 80,0 Costa Rica 50,0 52,0
Zimbábue 80,0 80,0 Haiti 50,0 50,0
Vietnam 80,0 80,0 Madagascar 38,0 80,0
Rep. Dominicana 80,0 80,0 Sri Lanka 33,0 38,0
Tunísia 80,0 52,0 Camarões 32,0 33,0
Quênia 80,0 86,9 Maldivas 13,2 47,7 Fonte: elaborado pelos autores com base em MILBERG; AMENGUAL (2008), p. 8-9
Paralelamente à sua expansão, as ZPEs têm sido objeto de um intenso debate
internacional sobre o seu efetivo papel na promoção do desenvolvimento. Esse debate é
impulsionado pela observação dos resultados atingidos nos diferentes países.
Um aspecto recorrente nas abordagens é a marcada heterogeneidade entre as
experiências, em que pese as dificuldades de avaliação impostas pela falta de dados e de
estudos mais sistemáticos, além da própria confiabilidade das informações disponíveis (ILO,
2003; VIRGILL, 2009). Distintos estudos indicam que ZPEs asiáticas – em países como
Coréia do Sul, Malásia, Sri Lanka, China, Indonésia – exibem eficiência e retornos superiores
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aos custos de oportunidade nas respectivas economias, como estimado por Jayanthakumaran
(2003), constituindo importantes focos de geração de empregos e de promoção empresarial. O
mesmo pode ser dito de algumas situações latinoamericanas, como no México, onde, de modo
semelhante aos sucessos da Ásia, as ZPEs mostram-se associadas a mudanças qualitativas na
pauta exportadora (ILO, 2003). Os objetivos de atrair IED, produzir (gerando empregos) e
exportar (obtendo divisas) têm sido, assim, testemunhados nesses casos, sendo a ilustração
chinesa, de longe, a mais eloquente.
Mas, apesar dos problemas de comparação ligados às limitações dos dados e
informações, as observações pontuais indicam não ser possível generalizar esses resultados.
Em experiências africanas, especialmente na África Subsaariana (SPECIAL..., 2008), o que se
logrou alcançar é muito restrito e decepcionante, nutrindo enfoques críticos sobre essa
estratégia de desenvolvimento. Com efeito, olhando para além dos reflexos em termos
somente quantitativos (no tocante a IED, empregos e exportações, entre outros), essas análises
destacam aspectos ligados ao trabalho e às interações econômicas nas sociedades receptoras
dessas iniciativas. Busca-se examinar, nessas abordagens mais críticas, o “conteúdo” dos
movimentos protagonizados.
Sobre a questão do trabalho nas ZPEs, Perman et al. (2004) assinalam, com base em
observações em nove países asiáticos e latinoamericanos, que “custos baixos do trabalho e
flexibilidade [no uso] dos trabalhadores são razões centrais para firmas estrangeiras
investirem em ZPEs” (p. 7). O quadro prevalecente em numerosas zonas é de luta constante
dos trabalhadores para, contra a hostilidade de empregadores e governos, criar sindicatos que
possam canalizar e amparar demandas de salários e condições de trabalho capazes de lidar
com problemas de, entre outros aspectos, discriminação de gênero, excesso de horas
trabalhadas e desatenção às questões envolvendo saúde e segurança (ILO, 2003). A
discriminação salarial de gênero é problema particularmente agudo, posto que, sobretudo em
ZPEs asiáticas, a proporção de mulheres na força de trabalho é muito elevada, bastante
superior à observada em atividades industriais fora dessas zonas e também na economia
desses países como um todo (KUSAGO; TZANNATOS, 1998).
A problemática das interações econômicas nos países ou ambientes que abrigam ZPEs
é central no debate. De fato, “[a] experiência sugere que a maximização dos benefícios das
zonas depende do grau de sua integração com suas economias anfitriãs (...)” (SPECIAL...,
2008, p. 1), autorizando concluir que “[a] efetiva utilização de ZPEs como instrumentos de
industrialização requer a disponibilidade de encadeamentos com o resto da economia”
(JAYANTHAKUMARAN, 2003, p. 63). São essas interações que permitem transcender os
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impactos estáticos, consubstanciados em mudanças no plano dos IED, das exportações e dos
empregos, em direção aos impactos dinâmicos, envolvendo difusão tecnológica, de know-how
e de expertise dos fabricantes e exportadores bem sucedidos para todo o tecido produtivo e
institucional, com repercussões na qualidade do emprego (GIBBON; JONES; THOMSEN,
2008). É só com vínculos densos que tem sentido imaginar as ZPEs como geradoras de
“efeito catalisador” (catalyst effect), na expressão de Johansson e Nilsson (1997), sobre a
possibilidade de empresas locais serem “estimuladas a entrar no mercado de exportação pelo
aprendizado obtido da experiência das filiais estrangeiras” (p. 2.155) operando nessas zonas.
Entretanto, a observação impõe de numerosas experiências concluir que
“as ZPEs não trouxeram os esperados resultados em termos de transferência tecnológica ou spillovers
tecnológicos. Na maioria dos casos, as exportações cresceram, mas isso não foi suficiente para trazer
efeitos positivos ao nível da economia nacional, pois os spillovers desde as ZPEs para outras regiões
do país têm sido, em geral, negligenciáveis” (BELLOC; DI MAIO, 2011, p. 37).
Assim, em bom número de casos, como assinala Virgill (2009), os efeitos das ZPEs no
fortalecimento da capacidade empresarial dos países em desenvolvimento, inclusive nas
regiões subnacionais escolhidas para acolher tais iniciativas, revelaram-se via de regra
frustrantes. As externalidades criadas foram escassas e os vínculos a montante na economia
doméstica foram muito pobres (KUSAGO; TZANNATOS, 1998). Tais interações ocorrem
quando empresas operando nas ZPEs criam demanda por atividades protagonizadas no resto
da economia. Somado aos spillovers tecnológicos que surgem à medida que o nível de
qualificação atingido na produção da ZPE se transmite na economia como um todo, esse
resultado pode significar “espessamento” do tecido econômico e avanço estrutural, permitindo
falar em desenvolvimento. Contudo, “[e]m que pese a presença de ZPEs – por mais de 30
anos em alguns casos –, há muitos poucos casos em que as ZPEs desempenharam um papel
importante no alcance desses objetivos de desenvolvimento (...)” (MILBERG; AMENGUAL,
2008, p. 3). Com efeito, de um modo geral, “(…) spillovers para a atividade econômica
localizada fora das ZPEs têm sido exceção mais do que regra” (op cit., p. 61).
Os estudos empíricos sobre ZPEs costumam gerar vários tipos de sugestões. Tendo em
vista os objetivos centrais desse tipo de política e as frustrações que costumeiramente
prevalecem, quase todas embutem entendimentos como este, entre vários outros: “[é] sempre
recomendado que a ZPE não seja insulada do resto da economia e que esforços sejam
realizados para produzir spill-overs positivos ao nível da economia geral” (BELLOC; DI
MAIO, 2011, p. 13). Isso implica atuar, mediante políticas, no plano da economia como um
todo, sem confinamento das ações à ZPE. Ou seja, deve-se evitar permanecer só na atração de
investimentos externos, promovendo condições para interações profícuas que possam resultar
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no fortalecimento do tecido produtivo e na elevação da competitividade, de uma maneira
ampla. Dessa maneira, as ZPEs poderiam representar avanço quanto ao objetivo maior das
correspondentes políticas, qual seja, impulsionar o desenvolvimento econômico com aumento
do padrão de vida da população (MILBERG; AMENGUAL, 2008).
1.2 A questão das ZPEs no Brasil
O referido debate sobre as ZPEs não passou ao largo do Brasil, onde essas zonas
adentraram a cena no final dos anos 1980, na segunda metade do Governo Sarney. O
instrumento de entrada foi o Decreto-Lei (DL) nº 2.452, de 29/07/1988, cujo teor sofreu
algumas alterações na Lei nº 8.396, de 02/01/1992, no Governo Collor de Mello1. Nesse DL,
e na posterior Lei, ZPEs são consideradas “áreas de livre comércio com o exterior, destinadas
à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados
exclusivamente no exterior (...)”(DL nº 2.452, art. 1º, § único – sublinhado na citação), cuja
criação tem a “finalidade de reduzir desequilíbrios regionais, bem como fortalecer o balanço
de pagamentos e promover a difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social do
País” (op cit., art. 1º, caput).
Esse texto legal determina as condições e os procedimentos necessários à instalação de
ZPEs e cria o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), a
composição e as funções do qual foram objeto do Decreto nº 96.759, de 22/09/1988, cujo
primeiro artigo ganhou nova redação no Decreto nº 779, de 19/03/1993, já no Governo Itamar
Franco. Sobre o funcionamento dessas zonas, aquela lei estabelece, entre outros aspectos:
- ser necessário o prévio alfandegamento da área da ZPE pela Receita Federal, nos termos
posteriormente definidos pela Instrução Normativa nº 26, de 25/02/1993, da Secretaria da
Receita Federal (SRF);
- ser proibida implantações de empresas que representem simples transferência de unidades já
em operação no Brasil;
- que as empresas instaladas terão isenções fiscais nas operações de importação e exportação
e, quanto ao Imposto sobre a Renda, nas remessas e nos pagamentos feitos ao exterior;
- que nas operações de importação e exportação as empresas serão dispensadas de licença ou
autorização de órgãos federais, excetuando-se os controles ligados à ordem sanitária, à
segurança nacional e à proteção ambiental;
1 Esse DL, assim como outros integrantes da legislação sobre ZPEs criada no Brasil até meados dos anos 1990,
pode ser encontrado em Zonas (1994).
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- que a movimentação de moeda estrangeira para dentro e para fora do País, nas importações e
exportações, e nas operações entre empresas instaladas em ZPEs, não precisará de visto ou
permissão administrativa.
O Decreto nº 846, de 25/06/1993, que regulamentou o DC nº 2.452, acrescentou no
seu art. 1º, § 1º, que a “área da ZPE será delimitada e fechada de forma a garantir o seu
isolamento e assegurar o controle fiscal das operações ali realizadas”. Tal condição exigiria
acatar determinações do CZPE e instruções da SRF quanto ao fechamento da área, ao sistema
de vigilância e de segurança adotado, às instalações e aos equipamentos para controle,
vigilância e gestão aduaneira, às vias de acesso e aos fluxos de mercadorias e pessoas.
A iniciativa governamental não demorou a provocar reações. No começo de 1988,
antes, portanto, do DL nº 2.452, Serra (1988a) e Leme (1988) publicaram artigos na revista
Novos Estudos CEBRAP em que criticavam duramente a intenção de criar ZPEs no Brasil. O
primeiro artigo chamava a atenção para o fato de que, mesmo perante uma generalizada
opinião contrária, o governo persistia no projeto. Sobretudo, advertia sobre a possibilidade de
impactos negativos no Balanço de Pagamentos e de fortes frustrações quanto às intenções
ligadas à difusão tecnológica, à criação de empregos e à redução das desigualdades regionais.
O segundo artigo situava o movimento em onda neoliberal convidativa a experiências do tipo
“plataformas de exportação”, que seria o conteúdo efetivo das ZPEs segundo a abordagem, e
antevia problemas para o Balanço de Pagamentos e as finanças públicas, principalmente. No
ultimo trimestre de 1988, já na vigência do DL nº 2.452, Serra (1988b) voltou ao assunto,
aprofundando a abordagem do seu outro artigo e problematizando diversos aspectos do
funcionamento de ZPEs salientados pelo Governo Federal no rol dos benefícios esperados.
Muito do que apareceu esgrimido nas críticas formuladas estava em linha com debate
internacional sobre os efeitos da ZPEs em diferentes países, nos termos destacados
anteriormente no presente estudo.
Na esteira do DL nº 2.452, várias ZPEs foram autorizadas em diferentes estados do
País, seguindo um procedimento que, nos seus grandes passos em escala federal, implicou
recomendação do CZPE e culminou em decreto de criação. Conforme indicado na primeira
grande coluna do quadro 1, correspondente ao período 1988-1994, doze ZPEs foram
autorizadas sob o referido DL. No Governo Sarney, quer dizer, no primeiro lote de zonas,
tratou-se de autorizações nas regiões nordeste e centro-oeste. No governo Itamar Franco, estas
cobriram também as regiões sudeste e sul. Esse segundo grupo incluiu a ZPE de Imbituba,
objeto deste artigo.
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Quadro 1 – ZPEs autorizadas no Brasil até final de 2011 ZPEs autorizadas até 1994 ZPEs autorizadas no âmbito da Lei nº 11.508/2007
Nome Município/UF Nome Município/UF
ZPE de Araguaína
ZPE de Barcarena
ZPE de Cáceres
ZPE de Corumbá
ZPE de Ilhéus
ZPE de Imbituba
ZPE de Itaguaí
ZPE de João Pessoa
ZPE de Rio Grande
ZPE de São Luís
ZPE de Teófilo Otoni
ZPE de Vila Velha
Araguaína/TO
Barcarena/PA
Cáceres/MT
Corumbá/MS
Ilhéus/BA
Imbituba/SC
Itaguaí/RJ
João Pessoa/PB
Rio Grande/RS
São Luís/MA
Teóf. Otoni/MG
Vila Velha/ES
ZPE do Acre
ZPE de Aracruz
ZPE de Bataguassú
ZPE de Barra dos Coq.
ZPE de Boa Vista
ZPE de Fernandópolis
ZPE de Macaíba
ZPE de Parnaíba
ZPE de Pecém
ZPE do Sertão
ZPE de Suape
Senador Guiomard/AC
Aracruz/ES
Bataguassú/MS
Bar. dos Coqueiros/SE
Boa Vista/RR
Fernandópolis/SP
Macaíba/RN
Parnaíba/PI
São G. do Amarante/CE
Assú/RN
Jaboa. dos Guararapes/PE
Fonte: elaborado pelos autores com base em ZPE (2011), p. 9
Essas ZPEs, com decretos emitidos entre 1988 e 1994, nunca tiveram as suas
atividades iniciadas. Em quatro delas instalou-se a exigida infraestrutura, incluindo cerca,
instalações da Receita Federal, sistema de vigilância e acessos – Araguaína (TO), Teófilo
Otoni (MG), Rio Grande (RS) e Imbituba (SC). Mesmo assim, essas zonas permaneceram,
como todas as outras, sem qualquer atividade durante as duas gestões do Governo Fernando
Henrique Cardoso (de 01/01/1995 a 01/01/2003) e as duas do Governo Lula (de 01/01/2003 a
01/01/2011), ficando nessa condição até o momento em que se elabora este artigo, no início
de 2012. A rigor, desde o fim do Governo Itamar Franco, o assunto ZPE permaneceu
longamente fora da agenda do Governo Federal, não surpreendendo que em meados de 2010 a
mídia de circulação nacional estampasse manchete como esta: “Zonas de processamento de
exportação podem caducar” (FERNANDES, 2010, p. B3).
Entretanto, ao final da primeira gestão do Governo Lula, o Projeto de Lei nº 196/1996,
que fora discutido durante muitos anos no Congresso Nacional, deu origem à Lei nº 11.508,
de 20/07/2007 – alterada pela Lei nº 11.732, de 30/06/20082 –, que normatiza a constituição
das ZPEs nos País, definindo suas regras tributárias, cambiais e administrativas. Uma
mudança fundamental no funcionamento das ZPEs trazida por essa legislação,
comparativamente ao DL nº 2.452, tem a ver com a possibilidade de empresas instaladas
nessas zonas realizarem até 20% de suas vendas no mercado interno. Essa “abertura
doméstica” encontra-se no caput do art. 18: “Somente poderá instalar-se em ZPE a pessoa
jurídica que assuma o compromisso de auferir e manter, por ano-calendário, receita bruta
decorrente de exportação para o exterior de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de sua
receita bruta total de venda de bens e serviços”. Sob essa nova base legal – que inclui ainda os
2 Uma síntese dessa lei, com comentários críticos, encontra-se em Conceição, Pelatieri e Augusto Jr. (2008).
12
decretos nº 6.634, de 05/11/2008, nº 6.759, de 05/02/2009, e nº 6.814, de 06/04/2009, além
das correspondentes resoluções do CZPE, da Instrução Normativa da Receita Federal do
Brasil/Ministério da Fazenda nº 952/2009 e da Portaria da Receita Federal do
Brasil/Ministério da Fazenda nº 2.438/20103 –, onze ZPEs foram autorizadas (até agosto de
2011), distribuídas nas regiões sudeste, nordeste, norte e centro-oeste (cf. a segunda grande
coluna do quadro 1, já apresentado).
Essa nova irrupção de autorizações, concentrada no último ano do Governo Lula, não
deixou de injetar algum otimismo em círculos que veem as ZPEs como possibilidades de
promoção do desenvolvimento econômico: “ZPEs – será que agora vai?” (ANTUNES, 2011)
era o título de reportagem em mídia de alcance nacional no início do Governo Dilma
Rousseff. Possivelmente, essa e outras demonstrações esperançosas também se inspiram em
palavras como as da então candidata presidencial no início de 2010, em artigo publicado
inicialmente no Jornal do Commercio, de Recife – por ocasião da ida do presidente Lula a
Pernambuco para assinar o decreto de criação da ZPE de Jaboatão dos Guararapes –,
reproduzido em outros canais de divulgação (cf. p. ex. ROUSSEFF, 2010). Referindo-se aos
atributos de Pernambuco e, especialmente, da área do Porto de Suape, a candidata proclamou:
“[a] ZPE vai reunir esse potencial num projeto de desenvolvimento realista, para atrair novos
e importantes investimentos” (op cit.). Como arremate, disse: “[c]om a ZPE de Suape, vamos
aumentar as exportações brasileiras e a oferta de empregos nessa região de gente trabalhadora.
E vamos ajudar a corrigir um desequilíbrio injusto e injustificável” (ibid.). É legítimo
considerar que, tendo sido eleita presidente, essas palavra exaltação venha a significar novos e
promissores tempos para as ZPEs no Brasil.
2. ZPE de Imbituba: da esperança entusiasmada à frustração
Autorizada pelo Governo Federal no segundo lote de ZPEs surgidas no período 1988-
1994, como indicado, a ZPE de Imbituba configurou, quanto ao propósito subjacente no plano
estadual, uma espécie de resposta ao difícil quadro socioeconômico vivenciado por aquele
município e, em boa medida, pela correspondente região entre meados dos anos 1980 e os
1990. Retratar essa conjuntura é o passo inicial nesta seção, cujo objeto é a ZPE de Imbituba,
quer dizer, as ações – e a sua falta – enfeixadas na tentativa de instalar no litoral sul de Santa
Catarina uma estrutura apta a contribuir, pelas expectativas do período, para reverter ou
mitigar a inquietante situação.
3 Essa nova base legal pode ser consultada em ZPE (2011).
13
2.1 Imbituba, integrante do complexo carbonífero catarinense
Após um percurso errático na década de 1920, em que ganhou e perdeu a condição de
município, Imbituba readquiriu esse status só no final dos anos 1950, quando a antiga filial
(instalada em 1796) da armação de baleias denominada Armação de São Joaquim da
Garopaba (criada em 1793) foi desmembrada de Laguna. O nome era Município Henrique
Lage, substituído logo depois pela identificação atual (Lei nº 348, de 21/06/1958, art. 1º, item
VIII)4. Vicentistas, lagunenses e açorianos – além dos contingentes nativos – foram os
povoadores iniciais, ainda antes da função de capturar baleias (CABRAL, 1968).
Agricultura de subsistência e pesca – esta estimulada pela importância comercial
adquirida pelo peixe salgado –, atividades históricas no litoral catarinense (cf., p.ex., Ilha,
1979), assim como a captura de baleias entre 1796 e 1829, representavam o essencial da base
econômica. Excetuando o caso dessa última atividade, há muito desaparecida, pode-se dizer
que tal panorama mudou pouco até o começo do século XX.
Com a I Grande Guerra, o carvão mineral, recurso que pelo menos desde as últimas
décadas do século XIX outorgava destaque ao sul de Santa Catarina, conquistou importância
correspondente ao seu caráter estratégico (evidente em economias que aspiram ao crescimento
industrial) e à escassez na oferta internacional consoante à situação de conflito. A garantia de
escoamento desse carvão, para abastecer fábricas de gás e o transporte marítimo e ferroviário
na Região Sudeste, atraiu a atenção de várias empresas e promoveu, naquele período, abertura
de minas e instalação de lavadores de carvão na área de mineração (SANTOS, 1997).
Mas essa conjuntura resultou igualmente em investimentos no Porto de Imbituba,
integrante do circuito de transporte marítimo entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Essa
atividade resultou, em 1919, no surgimento da Indústria Cerâmica Imbituba (ICISA),
primeiramente suprindo os navios com louças sanitárias e outras peças, e depois fabricando
azulejos. Com a extensão até Criciúma, também naquele ano, de um ramal da Estrada de
Ferro Dona Tereza Cristina (em uma das ramificações dessa ferrovia no sul catarinense), a
condição portuária provocou investimentos na melhoria da estrutura para embarque de carvão.
Assinale-se que essa ferrovia, cuja construção começou em 1880 para ligar Imbituba e o atual
Município de Lauro Müller, onde teve início a mineração (NASCIMENTO, 2004),
desempenhou um papel central na trajetória do porto, como destaca Neu (2003).
Nos anos 1930, o setor carbonífero foi objeto de importantes medidas de apoio
governamental. Tiveram também grande influência ações legislativas que, nos anos 1940,
4 Essa legislação, como outras citadas, encontra-se em http://200.192.66.20/ALESC/PesquisaDocumentos.asp
14
representaram criação de reserva de mercado para o carvão catarinense. No final da II Grande
Guerra, as condições favoráveis representadas pela retração da oferta internacional foram
amplificadas pela criação, em 1945, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta
Redonda. Como o sul catarinense é a única região brasileira capaz de fornecer carvão
metalúrgico apto à produção siderúrgica, a CSN passou a representar um fundamental
escoadouro para esse recurso estadual.
Tomou forma, assim, um verdadeiro complexo carbonífero, com amplo
desdobramento territorial, tendo Criciúma e Tubarão como pilares urbanos de maiores
dimensões e fazendo contraponto a áreas interioranas em diversos municípios onde as
atividades primárias eram a tônica. Vinculados ao carvão surgiram, por exemplo, a
Carbonífera Próspera, subsidiária da CSN desde que esta lhe comprou as ações em 1953, a
Sociedade Termelétrica do Capivari (SOTELCA) e o Lavador de Capivari, em 1957, este com
o papel de beneficiar o carvão bruto pela separação das suas frações vapor e metalúrgico. A
segunda fração tinha o destino, pela Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, do Porto de
Imbituba, de onde seguia para a CSN.
Durante décadas, esse entrelaçamento de atividades marcou o cenário no sul
catarinense, com Imbituba desempenhando um papel crucial devido ao porto. Acrescentou
ingredientes ao quadro imbitubense o início das atividades, em 1979 (após longo tempo de
preparação), da Indústria Carboquímica Catarinense S.A. (ICC), para produzir ácido sulfúrico
e ácido fosfórico com base no rejeito do carvão, para o que também se investiu no porto e em
distintas infraestruturas (MORAES, 2004). A crise do petróleo dos anos 1970 representou um
grande estímulo a mais, pois aprofundou o interesse nacional pela alternativa representada
pelo carvão, resultando em investimentos em escala de complexo que aumentaram a
capacidade de extração mineral e fortaleceram ainda mais a estrutura montada.
Para Imbituba, portanto, não há equívoco em considerar que o binômio porto-carvão
foi o alicerce básico da economia, ditando-lhe o ritmo e definindo-lhe as possibilidades.
Todavia, esse vínculo cobrou um preço extremamente alto a partir de meados dos anos 1980.
O processo de mudança no marco regulatório do setor carbonífero, desencadeado no começo
daquela década, resultou em retirada de todos os subsídios criados para estimular o setor, em
supressão das quotas de produção e na progressiva redução do auxílio ao transporte desse
mineral, como um reflexo da situação recessiva vivenciada pelo Brasil e da reorientação mais
geral na atuação do Estado junto à economia. Mas a situação piorou ainda mais, em tendência
que se agravou com a Portaria 801, de 17/09/1990, que completou a desregulamentação do
setor: a importação foi liberada e a CSN retirou-se das atividades carboníferas, passando a
15
trazer do exterior todo o carvão consumido. O setor termelétrico tornou-se, desse modo, o
principal escoadouro do minério catarinense.
O efeito no complexo carbonífero de Santa Catarina foi devastador. A figura 1
sintetiza alguns dos principais aspectos do processo: corte de mais de 2/3 na produção de
carvão entre meados dos anos 1980 e dos anos 1990, a quebra mais dramática ocorrendo na
virada da década, com as medidas do Governo Collor; desaparecimento de quase dois
empregos sobre três no setor carbonífero, num curto intervalo de tempo; redução drástica
tanto do carvão transportado pela Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina como do embarcado
no Porto de Imbituba, com a segunda atividade chegando ao fim em 1994. No porto, o
número de funcionários efetivos despencou de 597 para 218 entre 1985 e 1991, alcançando o
mais baixo patamar daquela década em 1998, com 132 assalariados (HERZMANN, 2005). O
mesmo movimento se observou na mão de obra terceirizada: Moraes (1994) revela
diminuição de 2.724 trabalhadores em 1985 para 970 em 1992, ocorrendo queda ainda maior
até 1999, quando se atingiu 550.
Figura 1 – A débâcle do carvão em Santa Catarina entre os anos 1980 e meados dos 1990
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Produção de carvão bruto (mil ton.) Carvão transportado pela Estrada de Ferro DTC (mil ton.)
Carvão embarcado no Porto de Imbituba (mil ton.) Emprego no setor carbonífero catarinense
Fonte: elaborado pelos autores com base em GOULARTI Fº (2002): para a produção, p. 436; para o transporte ferroviário, p.
487; para o embarque portuário, p. 344; para o emprego, p. 248
Como se não bastasse, a ICC, um dos três maiores empregadores históricos de
Imbituba (ao lado do porto e da ICISA), foi desativada em 1993, entrando em liquidação.
Nesse movimento, desapareceram empregos (diretos e terceirizados) que, no ano de pico do
contingente engajado, em 1988, totalizaram 927, e que no período do fechamento ainda eram
288 (MORAES, 2004, p. 273). Uma espiral descendente, permitindo evocar a causação
circular acumulativa de que fala Myrdal (1968), instalou-se na área, deteriorando
progressivamente as condições locais. Anteriores acenos de possível robustecimento
16
econômico, como o associado ao arrastado processo de criação da Siderúrgica Sul Catarinense
(Sidersul), haviam se frustrado já nos anos 1980.
Portanto, é sugestivo que na década de 1990, como mostra a tabela 4, Imbituba tenha
sido um dos dois municípios da Microrregião de Tubarão em que cresceu a intensidade da
pobreza, na maneiro como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
considera esse indicador. O outro município foi Capivari de Baixo, local do Lavador de
Capivari, também amplamente envolvido no redemoinho que se apossou do setor carbonífero.
Ao mesmo tempo, como observado na figura 2, entre os quatro municípios dessa microrregião
onde houve queda da renda per capita municipal como proporção da renda per capita estadual,
figuram os mesmos Imbituba e Capivari de Baixo (acompanhados por Imaruí e São Ludgero).
Tabela 4 – Indicadores de desenvolvimento: Santa Catarina e municípios da
Microrregião de Tubarão (1991 e 2000)
Santa Catarina e municípios
da Microrregião de Tubarão
População total
(mil)
Intensidade da
pobreza
Índice de Gini
1991 2000 1991 2000 1991 2000
Santa Catarina 4.542,0 5.356,4 42,12 40,74 0,55 0,56
Armazém 6,5 6,9 41,48 37,65 0,55 0,51
Braço do Norte 17,5 24,8 34,02 28,64 0,46 0,65
Capivari de Baixo 16,2 18,6 41,20 43,27 0,48 0,43
Garopaba 10,8 13,2 43,53 40,61 0,49 0,50
Gravatal 6,5 10,8 45,51 38,46 0,55 0,46
Grão Pará 5,4 5,8 44,18 29,48 0,61 0,56
Imaruí 15,2 13,4 49,06 45,44 0,63 0,58
Imbituba 31,4 35,7 43,06 46,87 0,56 0,48
Jaguaruna 12,3 14,6 34,09 32,31 0,49 0,52
Laguna 43,8 47,6 40,64 40,97 0,49 0,53
Orleans 18,5 20,0 37,44 35,48 0,49 0,49
Pedras Grandes 5,7 4,9 42,46 35,19 0,47 0,48
Rio Fortuna 4,1 4,3 45,84 32,14 0,50 0,47
Sangão 5,2 8,1 36,84 32,52 0,47 0,56
Santa Rosa de Lima 2,5 2,0 41,38 40,68 0,46 0,49
São Ludgero 5,5 8,6 36,46 32,50 0,50 0,53
São Martinho 3,3 3,3 41,14 35,40 0,45 0,62
Treze de Maio 6,6 6,7 39,27 28,85 0,46 0,51
Tubarão 80,8 88,5 36,26 35,83 0,51 0,51 Fonte: elaborado pelos autores com base em Atlas (2003)
A situação que produziu esse cenário certamente afetou o processo em que se decidiu
criar uma ZPE em Imbituba, uma iniciativa entendida em vários meios catarinenses como
apta a contribuir para a reversão ou redução da crise regional. Com efeito, as condições locais
mostravam-se tão difíceis que até uma dinâmica de emigração, implicando numerosos
17
moradores, chegou a se desenhar principalmente para os Estados Unidos, conforme assinalado
em Silva (1999). De todo modo, a vantagem logística representada pelo porto e a
disponibilidade de terreno – o mesmo onde seria instalada a (frustrada) Sidersul – devem ter
sido, igualmente, elementos importantes na opção pelo município.
Figura 2 – Municípios da Microrregião de Tubarão: rendas per capita como proporção
da renda per capita média de Santa Catarina: 1991 e 2000
Fonte: elaborado pelos autores com base em Atlas (2003)
2.2 A ZPE de Imbituba: uma frustração (quase) anunciada
A ZPE de Imbituba foi criada institucionalmente em 28 de abril de 1994, quando o
Presidente da República fez saber o que segue pelo Decreto nº 1.122: “Art. 1º. Fica criada a
Zona de Processamento de Exportação (ZPE) localizada no Município de Imbituba, no Estado
de Santa Catarina, com área total de 200,57 hectares (...)”. Condição incontornável para o
início das atividades encontra-se expressa no artigo seguinte: “Art. 2º. A ZPE de Imbituba
entrará em funcionamento após o alfandegamento da respectiva área pela Secretaria da
Receita Federal, observado o projeto aprovado, pelo Conselho Nacional das Zonas de
Processamento de Exportação (CZPE).”
Em nível estadual, providência importante culminou pouco depois, na forma da Lei nº
9.654, de 19/07/1994, onde se lê: “Art. 1º. Fica o Estado de Santa Catarina, por intermédio da
Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina – CODESC, autorizado a
18
participar do capital social da empresa a ser constituída para administrar a Zona de
Processamento de Exportação – ZPE (...)”. A Lei nº 9.710, de 30/09/1994, introduziu uma
eloquente alteração nesse artigo: a CODESC ficava autorizada a participar “da constituição,
com a iniciativa privada, da empresa administradora da (...) ZPE (...)”.
Veio à luz, desse modo, a Imbituba Administradora da Zona de Processamento de
Exportação (IAZPE), constituída em 27/07/1994 como Sociedade Anônima de capital
fechado, possuindo a CODESC mais de 99% das ações. Seu objetivo básico era triplo:
implantar a infraestrutura requerida, definir normas e critérios para instalação de empresas e
administrar a ZPE.
Sobre o primeiro objetivo, o leque de realizações – que canalizou esforços já nos
primeiros anos de funcionamento da IAZPE – incluiu: terraplenagem em superfície de 135
mil m2; construção de uma cerca com 3 mil metros lineares; edificação de instalações
provisórias para escritório (com 86 m2); construção tanto do prédio da Receita Federal do
Brasil (com quase 819 m2) como da plataforma de fiscalização (totalizando mais de 492 m
2) e
da guarita na entrada (mais de 21 m2); e implantação de sistema de vigilância eletrônica.
Quanto ao segundo objetivo, as atividades realizadas conduziram à aprovação, pelo Conselho
Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), de três projetos industriais
candidatos à instalação e operação na zona. Isso ocorreu em meados de 1997, envolvendo as
seguintes empresas: Tectores’d Eletronic Security Systems Ltda., do setor eletrônico para
segurança; Legrand Brasil Ltda., do setor moveleiro; Evershoe Ltda., do setor calçadista. O
investimento conjunto então previsto superava US$ 15 milhões ( AMORIM, 2011).
Ao final dos anos 1990, a mídia de circulação estadual saudava os avanços logrados e
não se furtava a expressar otimismo. Por exemplo, em artigo no jornal Gazeta Mercantil –
Santa Catarina, intitulado “ZPE conclui infra-estrutura para instalar as empresas”, Wilke
(1999) assinalava que “[a]s vagas geradas pelas empresas instaladas na Zona de
Processamento de Exportação devem resolver o problema do desemprego e da migração de
Imbituba (...)” (p. 5). E os veículos locais de divulgação não deixaram de registrar a
inauguração da ZPE em maio de 1995, com solenidade tão concorrida que um pequeno jornal
de Imbituba, denominado O Povo, assinalou em manchete aparentemente impregnada de
picardia: “ZPE – começou como cabide político?” (ZPE..., 1995, p. 9).
Todavia, ano após ano a ZPE de Imbituba, como as demais ZPEs onde foram
realizadas obras que a legislação nacional indicou como exigências para o início das
operações, aguardou em vão a providência da esfera federal referente ao alfandegamento da
área. Tal iniciativa, prevista em lei, como se observou, e representando uma espécie de
19
obrigatória contrapartida nacional aos esforços empreendidos localmente, jamais se
materializou até o momento em que estas linhas estão sendo escritas. O quanto isso calou
fundo entre os agentes implicados no processo em escala local/estadual, provocando
desalento, frustração e revolta, é sugerido em palavras como estas, proferidas em entrevista –
na pesquisa de campo, realizada no final de 2011, que ajudou a subsidiar este estudo – com
profissional que por duas vezes, de 1995 a 1998 e de 2003 a 2010, presidiu a IAZPE:
“Santa Catarina cumpriu rigorosamente todos os procedimentos legais em tempo recorde. Para citar
dois diferenciais, é a única ZPE do país com parecer favorável da Receita Federal para o
alfandegamento e a única a ter projetos industriais para instalação de empresas aprovados pelo
Conselho Nacional de ZPEs (...). [O] problema sempre esteve na decisão de alavancar o processo [na
esfera nacional].” (Entrevista com ex-presidente da IAZPE, realizada em novembro de 2011)
Assim, o entusiasmo dos primeiros passos deu, pouco a pouco, lugar à decepção. E
não só entre os condutores da iniciativa, situados no plano governamental e administrativo
local/estadual. A população de Imbituba, e possivelmente também a da região que engloba o
município, depositara esperanças na iniciativa. A seguinte informação do ex-presidente
entrevistado não permite dúvidas a esse respeito: “nos arquivos da IAZPE podemos encontrar
cerca de 3.000 fichas cadastrais de busca de um emprego; fora isto, [há] em torno de vinte
cartas de intenção de empresas interessadas em se instalar, três delas já autorizadas”.
Daí que, quanto ao outro objetivo básico da IAZPE – a administração da ZPE, ao lado
da implantação da infraestrutura requerida e da definição de normas e critérios para instalação
de empresas – , as atividades correspondentes parecem ter se limitado, pela força das
circunstâncias, à manutenção e conservação do terreno e dos equipamentos instalados.
Também ocorreu envolvimento em iniciativas de divulgação, através de folhetos e outros
materiais, das possibilidades que a presença na ZPE de Imbituba outorgaria às empresas. Ao
que tudo indica, muito mais do que isso não poderia ser feito enquanto transcorria a infindável
espera pelo cumprimento das obrigações de responsabilidade federal.
É esse aguardo nunca atendido de providências – de quase 18 anos até agora, entre
1994 e o início de 2012 – que subjaz à referência, no título do presente artigo, à “crônica de
uma frustração”. Sobre a complementação do título com a expressão “(quase) anunciada”,
algo mais precisa ser dito. Para tanto, as conjunturas da década de 1990 devem ser evocadas.
Os primeiros anos daquela década foram bastante tumultuados no Brasil, econômica e
politicamente falando. O Governo Collor tomou medidas bruscas sob o argumento do
combate a inflação e protagonizou desregulamentação em várias direções, instalando clima
que, aprofundando a incerteza e a apreensão, não favorecia avanços em direções como a das
ZPEs. A agenda era outra, e o impeachment presidencial coroou percurso em quase tudo
20
adverso à estabilidade e tranquilidade que o mundo dos investimentos produtivos e negócios
costuma necessitar e cultivar. Com Itamar Franco, signatário do decreto que criou a ZPE de
Imbituba, o instrumento de extinção da dinâmica hiperinflacionária representado pelo Plano
Real cintilou entre as ações concretizadas. Todavia, a chamada âncora cambial – um dos
pilares desse plano, significando apreciação da moeda brasileira – marcou presença em quase
toda a segunda metade dos anos 1990, na presidência de Fernando Henrique Cardoso, e criou
fortes dificuldades para os segmentos exportadores. Ora, quem diz ZPE, como enfatizado
anteriormente, diz produzir para exportar, fundamentalmente. O contexto, portanto, era
desfavorável para iniciativas cujo leitmotiv básico era o desempenho comercial externo.
De outro lado, se a conjuntura não convidava ao abandono da passividade
governamental, não se pode dizer que a simpatia do Governo Federal pelas ZPEs fosse um
atributo importante do período. Pelo contrário, a mesma voz que proclamou, em 1988, que no
Brasil as ZPEs representavam uma idéia “fora de tempo e lugar” (SERRA, 1988b), passou a
ser ouvida nas entranhas do Governo, em plena Esplanada dos Ministérios, na capital federal:
José Serra atuou como Ministro do Planejamento e Orçamento no biênio 1995-1996 e como
Ministro da Saúde entre 1998 e 2002. Vale conjecturar que o pouco apreço pelas ZPEs, para
não falar em desprezo, de um ministro com tamanha influência no Governo – no primeiro
ministério ou no segundo – contribuíu para “congelar” a ação do Executivo sobre a respectiva
política. A rigor, a Administração Federal não só deixou de agir, exibindo desinteresse e
descompromisso, como talvez tenha dificultado deliberadamente o andamento: quatro ZPEs
concluíram as obras e intervenções que delas se esperavam, pelas exigências definidas na
escala federal, e o alfandegamento – providência que exige ação decisiva desta esfera – jamais
se materializou em qualquer uma delas, sugerindo bloqueio à iniciativa, de um modo geral.
Ambos os aspectos – a conjuntura antagônica às experiências como as de ZPEs, de
uma parte, e a pouca (se alguma) disposição do Governo Federal em relação a esse tipo de
estratégia para promover, de forma interligada, o crescimento industrial, as exportações e o
desenvolvimento local-regional, de outra – inspiraram a formulação, inscrita no título do
artigo, de uma “frustração (quase) anunciada”. Um clima pouco promissor, ou francamente
hostil, já vigorava ou estava prestes a prevalecer quando da autorização da ZPE de Imbituba.
Nos anos do Governo Lula, a agenda federal foi amplamente preenchida com políticas
sociais dizendo respeito, entre outras coisas, ao combate à fome. Depois, o Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC) ganhou absoluto destaque, em percurso governamental que
não deixou de amargar importantes percalços de natureza política e administrativa, como
ocorreu na primeira gestão. Tudo isso significou, em grande parte dos anos 2000, uma espécie
21
de diluição do assunto ZPE no conjunto de uma ação estatal cujo norte era outro, ainda mais
que o (notável) desempenho exportador parecia garantido tendo em vista os atraentes preços
das commodities (sobretudo agroindustriais) e a demanda externa. Assim, foi só com a já
comentada Lei nº 11.508, de 20/07/2007, alterada pela Lei nº 11.732, de 30/06/2008, que a
temática das ZPEs foi recolocada, de alguma forma, no seio da máquina pública federal.
Portanto, quase duas décadas depois da promessa, Imbituba segue sem a prometida
ZPE, numa marcha que no âmbito da economia registra, talvez em primeiro lugar, a
revitalização do seu porto. De fato, crescimento, ano após ano, na movimentação de cargas,
destacando-se os graneis sólidos e os contêineres5, manutenção de um importante fluxo de
navios e obras destinadas à modernização e ampliação, estariam a compor um cenário de
renovado otimismo na área, a julgar pelas palavras do administrador portuário: “Foram duas
décadas antagônicas: uma impulsionada pelo carvão, a de 1980, e outra mergulhada em
passivos e dúvidas, a de 1990. Quem conheceu o Porto de Imbituba nessas épocas,
[atualmente] não reconhecerá mais”. (CIA..., 2010, p. 2).
Também o setor de turismo acena positivamente, apesar da imagem comprometedora
que prevaleceu por quase quinze anos, durante o funcionamento da extinta ICC, com
produção de ácido sulfúrico e ácido fosfórico. Imbituba integra circuito turístico do litoral sul
catarinense em que sobressaem Laguna e Garopaba. Seus atributos incluem não só as praias
(representado um turismo em primeiro lugar sazonal), mas igualmente a presença de baleias
francas, um fator que estimula já há alguns anos um “turismo de observação de baleias”, ativo
fora da alta temporada turística, isto é, do verão (VIANA, 2001).
Assim, é verdade que Imbituba apresentou, em grande parte dos anos 2000, números
negativos para o saldo migratório e para a taxa líquida de migração6, como detectou Mioto
(2008) no período 2000-2007. É também fato que se amargou o fechamento da ICISA em
meados daquela década, em falência que encerrou processo de crise observado desde os anos
1990. Mas o município atingiu o final da última década exibindo o segundo maior valor do
produto interno bruto (PIB) na Microrregião de Tubarão, atrás somente de Tubarão (Tabela
5), embora a situação se altere consideravelmente quando se examina o PIB per capita
(calculado com o valor de 2009 e com a população de 2010, obtida no Censo Demográfico do
IBGE): sendo o terceiro município mais populoso da microrregião, Imbituba divide com
Tubarão o 9º lugar, com PIB per capita R$ 14.760 (Figura 3).
5 Cf. dados disponíveis em https://www.cdiport.com.br/estatistica/estat.htm
6 O saldo migratório (SM) é dado pela expressão SM=SP–M , onde SP é o saldo populacional no período
observado e M é a mortalidade (nº de nascidos vivos menos óbitos registrados); a taxa líquida de migração
(TLM) é dada por TLM=SM/PFP, onde PFP é a população do fim do período observado.
22
Tabela 5 - Produto interno bruto a preços correntes (Mil Reais) – Ano: 2009 Estado, Mesorregião,
Microrregião e Municípios da
Microrregião de Tubarão
Valor
adicionado
bruto
Estado, Mesorregião,
Microrregião e Municípios da
Microrregião de Tubarão
Valor
adicionado
bruto
Estado de Santa Catarina 113.332.404 Sul
Catari-
nense
Total da Mesorregião 13.365.657
Oeste
Catari-
nense
Total da Mesorregião 22.952.264 Tubarão 4.983.814
São Mig. do Oeste 2.865.895 Armazém 84.987
Chapecó 7.808.087 Braço do Norte 459.796
Xanxerê 2.705.856 Capiv. de Baixo 239.872
Joaçaba 6.589.333 Garopaba 180.909
Concórdia 2.983.094 Grão Pará 110.204
Norte
Catari-
nense
Total da Mesorregião 25.755.216 Gravatal 115.321
Canoinhas 3.528.125 Imaruí 126.024
São Bento do Sul 1.985.271 Imbituba 593.101
Joinville 20.241.820 Jaguaruna 188.976
Serrana Total 5.709.233 Laguna 418.438
Curitibanos 1.849.018 Orleans 398.482
Campos de Lages 3.860.215 Pedras Grandes 63.984
Vale do
Itajaí
Total da Mesorregião 29.996.701 Rio Fortuna 75.244
Rio do Sul 3.262.342 Sangão 118.846
Blumenau 13.593.045 S. Rosa de Lima 30.738
Itajaí 12.234.983 São Ludgero 213.350
Ituporanga 906.331 São Martinho 47.691
Grande
Floria-
nópolis
Total da Mesorregião 15.553.333 Treze de Maio 83.067
Tijucas 1.215.788 Tubarão 1.434.787
Florianópolis 14.016.441 Criciúma 6.036.746
Tabuleiro 321.104 Araranguá 2.345.098 Fonte: elaborado pelos autores com base em www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=21&z=p&o=29&i=P
Figura 3 – PIB per capita no final dos anos 2000: Santa Catarina e municípios da
Microrregião de Tubarão (PIB: 2009; População residente total: 2010)
0 5 10 15 20 25
Armazém
Braço do Norte
Capivari de Baixo
Garopaba
Gravatal
Grão Pará
Imaruí
Imbituba
Jaguaruna
Laguna
Orleans
Pedras Grandes
Rio Fortuna
Sangão
Santa Rosa de Lima
São Ludgero
São Martinho
Treze de Maio
Tubarão
Santa Catarina
PIB per capita (mil Reais)
Fontes: elaborado com base em: para o PIB: IBGE (www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=21&z=p&o=29&i=P);
para a População: IBGE ( www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=42&dados=0)
23
Considerações finais
Como em muitos países, também no Brasil se apostou em ZPEs para induzir o
desenvolvimento econômico. Todavia, duas décadas transcorreram, desde as primeiras
autorizações para criação dessas zonas, sem que nenhuma delas tenha efetivamente iniciado
as suas atividades. Determinantes em escala federal, nos casos em que as exigidas
providências locais foram cumpridas, subjazem ao malogro e desapontamento. Imbituba é um
caso típico, tendo o entusiasmo e a esperança de meados dos anos 1990 – mais que
compreensíveis haja vista o difícil quadro socioeconômico vivenciado – se transformado em
inconformada frustração.
Analiticamente falando, deve-se sublinhar que não há, propriamente, uma
problemática específica na experiência de Imbituba. Há, sim, um problema geral, o do
injustificável descaso e demora, na órbita do Governo Federal, com respeito ao
equacionamento do assunto ZPE em nível de Brasil. Com efeito, o estudo indica que, em vez
de indagações sobre o que ocorreu em Imbituba para obstaculizar a implantação da respectiva
ZPE, deve-se, isto sim, perguntar sobre o que está de fato por trás do fracasso da estratégia
brasileira relativamente a essas zonas. Não há qualquer questão local com respeito ao tema.
Cabe assinalar que o futuro da (até agora frustrada) ZPE de Imbituba apresenta-se
especialmente incerto nos dias de hoje, mesmo com a aparente reintrodução do assunto ZPE
na agenda pública nacional, como constatado. A Lei Complementar (LC) nº 534, de
20/04/2011, que altera dispositivos da LC nº 381, de 07/05/2007 – cujo objeto é o modelo de
gestão e a estrutura organizacional da administração pública em Santa Catarina – , assim
reescreve o caput do Art. 154 da segunda: “Fica autorizada a alienação de 100% (cem por
cento) da participação acionária que o Estado possui, diretamente ou por intermédio de suas
sociedades de economia mista, na Imbituba Administradora da Zona de Processamento de
Exportação – IAZPE”.
Numa palavra, está aberto o caminho para uma completa privatização. Perguntado se
um passo dessa magnitude pode significar a extinção do projeto dessa ZPE, o ex-presidente
entrevistado na pesquisa de campo respondeu: “É uma possibilidade...”.
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