Direito Civil
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ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros
doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais.
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Sumário
Bibliografia ...................................................................................................................... 2
1. LINDB ...................................................................................................................... 2
1.1 Revogação expressa – CC/2002 e CC/1916 ...................................................... 2
1.2 Revogação parcial – CC/2002 e Código Comercial ........................................... 3
1.3 Revogação tácita ............................................................................................... 3
1.3.1 Ultratividade da norma antiga .................................................................... 5
1.3.2 Retroatividade da norma nova .................................................................... 6
2.3.2.1. Lei nova com conteúdo de ordem pública – ADI 493 e ADPF 165 ..... 7
2. Parte Geral ............................................................................................................ 10
2.1 Das pessoas ..................................................................................................... 15
2.1.1 Personalidade – sentido subjetivo ............................................................ 15
2.1.1.1 O nascituro ......................................................................................... 16
2.1.2 Personalidade – sentido objetivo .............................................................. 24
2.1.3 Pessoas naturais ........................................................................................ 25
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Bibliografia
Para 1ª fase: recomenda-se leituras objetivas (obras sistematizadas e manuais em
volume único) e informativos de jurisprudência. Sugestão: Carlos Roberto
Gonçalves, Flávio Tartuce (doutrinador mais controvertido) e Cesar Fiuza.
Para a 2ª fase: recomenda-se a leitura de manuais. Sugestão: Curso de Direito
Civil de Carlos Roberto Gonçalves.
Para MPF (2ª fase): Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, Pablo Stolze. Obra
complementar: Código Civil Interpretado, Gustavo Tepedino.
1. LINDB
O tema central deste tópico é a discussão da ADPF 165 que tramita no STF, ainda
pendente de julgamento, o MPF já apresentou seu parecer. Versa sobre a eficácia da norma
nova em relação a situações pré-existentes (ato jurídico perfeito). Antes de analisar a ADPF
em si é preciso tecer considerações sobre o tema.
1.1 Revogação expressa – CC/2002 e CC/1916
Parâmetro: tínhamos lei anterior (CC/1916) e passou-se à norma nova (CC/2002)
revogando a norma anterior. O CC/2002 passou a existir e tornou-se público a partir de sua
existência, em tese, se tornou apto a produzir efeitos e começou a vigorar. E o CC/1916
permaneceu vigente até que o CC/2002 o revogou expressamente.
Vale lembrar que não sendo a lei temporária, esta lei terá vigor até que outra,
posteriormente a revogue de forma tácita ou expressa (art. 2º, LINDB). Sendo assim, o
CC/2002 expressamente revogou o CC/1916.
LINDB. Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência.
Além de expressa a revogação do CC/1916 foi total, houve uma ab-rogação, o
CC/2002 não faz ressalvas a partes do CC/1916, significa que todo o CC/1916 fora revogado.
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1.2 Revogação parcial – CC/2002 e Código Comercial
Já o antigo Código Comercial sofreu uma revogação parcial, também expressa.
Tramita no Senado um projeto de lei que pretende criar um Código Comercial e assim
separar o Direito Civil do Direito Comercial, trata-se do PLS 487.
Chegou-se a conclusão de que usar a mesma base de teoria geral dos contratos e das
obrigações tanto para relações civis quanto empresariais foi desfavorável ao direito
empresarial, pois no empresarial demanda-se maior liberdade e menor intervenção do
Estado.
Como CC trouxe muitas normas de ordem pública, de intervenção obrigatória do
Estado nas relações econômicas (função social do contrato, boa-fé objetiva, princípio da
conservação), como há muitas normas que exigem a intervenção estatal, houve a ideia que
fosse útil uma separação, para que houvesse menos intervenção do estado juiz e estado
legislador, para que as partes contratantes tenham mais liberdade para que as partes
possam convencionar os seus conteúdos, sem o risco de que o Judiciário reveja/modifique
aquele conteúdo revelia da vontade da parte.
Na prática, isto resgataria o pacta sunt servada e outros princípios tradicionais. Não
obstante, hoje temos a vantagem de um estrutura única que vale para os dois ramos, os
princípios regentes servem aos dois, isto facilita o estudo, mas pode mudar amanhã.
1.3 Revogação tácita
Então houve uma revogação expressa e total do CC/1916, e uma revogação parcial
do Código Comercial, esta também expressa.
Porém, outras normas também foram atingidas pelo CC/2002 de forma tácita, se dá
em dois casos: a) o CC como lei nova tratou determinada matéria de forma diversa da lei
anterior (revogação pela incompatibilidade) ou b) o CC dispôs de forma integral de tema que
era tratado por lei anterior (que perdeu sua função).
Seguem dois exemplos de revogação tácita:
Exemplo1: art. 4º da Lei n. 9434/97 e o art. 14, CC. A referida lei rege a disposição do
corpo humano (doação de órgãos). Ambos os diplomas versam sobre direitos da
personalidade e o tratamento do art. 14, CC foi diverso do que havia na lei anterior.
CC. Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do
próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
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Lei n. 9434/97. Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas
falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização
do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral,
até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas
presentes à verificação da morte. (...)
Perceba que o art. 4º da Lei n. 9434/97 exige a anuência do parente e enquanto que
o art. 14, CC privilegia o desejo da pessoa ainda em vida em dispor do próprio corpo.
Quando o art. 14, CC diz que é válida a disposição do próprio corpo está conferindo a
manifestação de vontade do sujeito validade e consequentemente eficácia e dispensa a
anuência do parente. O CC não trata inteiramente da matéria, a Lei n. 9434/97 é bem mais
completa, porém o CC é posterior e trata da matéria de forma diversa.
Incorre-se em erro ao pensar que o CC é norma geral e a Lei n. 9434/97 é norma
especial sobre transplante e, portanto prevalece a norma especial. Quando se diz “lex
posterior generalis non derogat legi priori speciali” lei neste caso não tem sentido de
diploma legal, mas sim de dispositivo legal.
Conclui-se que o art. 14 CC tratou especificamente sobre a validade da manifestação
de vontade da pessoa sobre a doação de seus órgãos para depois da morte. A previsão seria
genérica se o dispositivo dissesse, v.g., que “são válidas as manifestações de direito de
personalidade desde que não colidam com outras regras de ordem pública”.
O legislador, ao tratar especificamente este tema, o fez de maneira diferente de
como fazia a legislação anterior sobre validade e eficácia da manifestação de vontade na
doação de órgãos e tecidos. Neste aspecto a lei nova não é geral e por isto revogaria a
anterior.
Juridicamente a posição doutrinária predominante é a de que o art. 14, CC prevalece
sobre o art. 4º da lei anterior. Enunciado n. 277, CJF:
CJF. 277 – Art.14. O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita
do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte,
determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a
vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à
hipótese de silêncio do potencial doador.
De modo que a interpretação agora é a seguinte: é válida a manifestação em vida
para a disposição do corpo após a morte, somente será necessária a manifestação dos
parentes quando não houver manifestação alguma.
Embora na prática as instituições de saúde continuem a colher o consenso afirmativo
dos familiares em todos os casos, também chamada de anuência afirmativa pela retirada de
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órgãos e tecidos da pessoa já falecida. Este foi exemplo de modificação tácita da norma
nova.
Exemplo2: condomínio edilício, art. 1331, CC e seguintes. Antes do CC/2002 o
condomínio edilício era regulado pela Lei n. 9591/64. O CC/2002 tratou de maneira integral
a matéria de condomínio edilício: instituição, constituição, regulamentação e da extinção,
passando pelos direitos, deveres e órgãos representativos. Sendo assim, o CC/2002 revoga a
tacitamente a parte da lei que versava sobre condomínio edilício, permanecendo apenas
condomínios especiais e incorporação imobiliária.
Em resumo, o CC/2002 é exemplo de revogação total e expressa ao revogar o
CC/1916; é exemplo de revogação parcial e expressa ao revogar o Código Comercial; é
exemplo de revogação/modificação tácita por tratamento diferente de uma matéria (art. 14,
CC) e por tratar inteiramente de outra (condomínio edilício).
1.3.1 Ultratividade da norma antiga
O fato do CC/1916 ter sido revogado (retirada a vigência) significa que não produz
mais nenhum efeito?
Embora normalmente a vigência corresponda ao momento de eficácia de uma
norma, isto não significa que sejam a mesma coisa. Assim, v.g., o art. 16, CRFB diz que a
norma eleitoral nova tem a sua vigência em determinado momento, mas só produz efeitos
na eleição subsequente, a eficácia é posterior.
CRFB. Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua
publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Por outro lado, o CC/1916 embora não tenha mais vigência, ainda é eficaz para certas
e determinas situações, v.g., art. 138, CC/2002, enfiteuse:
CC. Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade
emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência
normal, em face das circunstâncias do negócio.
Significa que o CC/1916 não está mais vigente, mas continua a produzir efeitos, existe
aqui uma ultratividade da norma.
Outro exemplo: art. 2035, caput, CC/2002:
CC. Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.
2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele
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se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução. (...)
Então, a análise dos elementos de validade e existências de um negócio jurídico é
feita com base na lei vigente a tempo em que aquele ato foi celebrado. Significa que a
norma revogada ainda produz efeitos, porque há relações jurídicas nascidas no passado que
dependem dela.
1.3.2 Retroatividade da norma nova
Ponto de prova: Se por um lado não há maiores controvérsias sobre a
ultratividade de uma norma revogada que ainda pode produzir efeitos após a
revogação, por outro lado é controverso discutir a retroatividade dos efeitos dela,
admitir a eficácia de uma norma sobre situações anteriores à sua vigência.
Para tratar desta questão de retroatividade utiliza-se o art. 6º, LINDB e do art. 2035,
CC/2002, permeados pelo art. 5º, CRFB (segurança jurídica).
LINDB. Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...)
É uma questão de segurança jurídica que a lei nova, embora produza efeitos após a
entrada em vigor, respeite as situações pré-existentes, não retroagindo para não
comprometer aquilo que já se adquiriu como direito, aquilo que já se consumou como ato
jurídico, ou aquilo que já transitou em julgado.
O art. 2035, CC versa sobre validade dos negócios jurídicos, mas subentende-se tratar
também de existência, segundo duas correntes que desembocam no mesmo lugar: 1) o
plano de existência é anterior ao plano de validade, ora só há validade se houver a admissão
dos elementos de existência (argumento de adoção majoritária – Pontes de Miranda); 2) a
validade é o que importa, pois o plano de existência não teria relevância para ser tratado de
maneira autônoma, então tudo o que diz respeito a existência estaria contido na discussão
da validade (argumento de adoção minoritária – Silvio Rodrigues).
Por um caminho ou por outro, chega-se à mesma conclusão: o art. 2.035 ao tratar de
validade dos negócios jurídicos está tratando de validade e de existência.
Existência e validade são apreciadas com base em que lei?
Segundo o art. 2035, CC com base na lei em que o ato foi praticado, tempus regit
actum. Leva-se em consideração o momento da celebração do ato, o momento em que foi
concluído ou praticado. Ocorre que nem todos os atos tem eficácia instantânea, grande
quantidade de atos possui eficácia diferida no tempo, eficácia continuativa. Então, o plano
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de eficácia nas relações continuativas cujos efeitos são de trato sucessivo, é o ponto de
discussão. O ato por ter sido originariamente em um momento, mas os efeitos só ocorram
posteriormente. Aliás, pode ser que os efeitos só ocorram depois da entrada em vigor da lei
nova. Neste caso, o art. 2035, CC dispõe que:
CC. Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.
2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele
se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos.
Tanto o art. 2035, CC quanto o art. 6º da LINDB tratam do mesmo tema: eficácia
imediata da lei que entrou em vigor, tudo que ocorrer dali em diante submete-se a lei nova,
porém, há uma ressalva, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução. É justamente o que diz o art. 6º da LINDB ao dispor respeitado o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Ou seja, se as partes previram expressamente
o modo como aquele efeito deveria ser tratado, mesmo entrando em vigor a lei nova, o
efeito respeitará o ato jurídico perfeito. É preciso respeitar o que as partes convencionaram.
Porém, se as partes silenciam sobre os efeitos, estes serão regidos pela lei vigente no
momento em que o efeito se consumou. Assim, a lei nova regerá o efeito que ocorrer sob
sua vigência.
Exemplo: as partes previram as obrigações, a possibilidade de mora, mas não
regularam os encargos moratórios, deixando os encargos serem definidos por lei. Neste caso
se a mora ocorrer sob a lei nova, será regulada por ela (periodicidade do juros de mora e
etc.). Agora, se o período de mora for anterior, será regido pela lei anterior (os juros de mora
eram de 6% ao ano, então a mora compreendida no período da lei antiga será de 6% ao ano,
entrando em vigor a lei nova, os juros passaram a ser de 12% ao ano, ou taxa SELIC para
outros a depender da interpretação).
2.3.2.1. Lei nova com conteúdo de ordem pública – ADI 493 e ADPF 165
A discussão é o art. 2035, p.u., CC, quando a lei nova tem conteúdo de ordem pública
e não conteúdo dispositivo.
Quando o conteúdo é dispositivo, não há divergência, às partes caberá afastar a
regra geral. Porém, quando a lei nova é de ordem pública e de conteúdo
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obrigatório, as partes terão que se subordinar a ela ou continuar a valer o que
anteriormente convencionaram?
CC. Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.
2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele
se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos.
No plano de validade, se uma convenção das partes contraria uma norma de ordem
pública vigente naquele momento, estar-se-á diante de uma nulidade absoluta, ora se havia
uma norma de ordem pública de caráter cogente vigente no momento da celebração do ato
e esta norma não foi respeitada é hipótese de nulidade.
Outra situação é quando esta norma de ordem pública não existe no momento do
contrato, lá na frente (o ajuste ainda valendo, pois é uma relação continuativa) entra em
vigor uma lei nova, com novo comando cogente e determina os efeitos dali em diante.
Caso as partes tenham silenciado quando a forma de execução, a lei nova
preenche a lacuna com caráter coercitivo. Mas se as partes convencionaram e na
época era válido o acordo, a questão que fica é: esta norma inter partes (ato
jurídico perfeito) permanece eficaz (não há que se discutir nulidade) ou diante da
lei nova de ordem pública esta convenção perde a eficácia dali para frente?
Esta questão foi tratada no início da década de 1990 pela ADI 493, STF, relatoria do
Min. Moreira Alves. Naquele momento discutia-se a incidência da taxa referencial (TR) em
contratos de financiamento habitacional (CEF e BNH).
A interpretação do STF naquele momento foi: 1) existe uma lacuna naqueles
contratos que dispunham simplesmente que as prestações eram reajustadas conforme as
regras vigentes para a poupança. A solução foi aplicar a lei antiga até o advento da lei nova,
e aplicar a lei nova dali para frente. A lacuna é preenchida pela lei vigente ao tempo do
reajuste e não ao tempo da celebração. 2) Já nos contratos em que se previu o índice de
reajuste, previu expressamente o modo de reajuste, não poderia a lei nova impor outro
modo de reajuste que não mais estipularia índices de inflação, mas sim taxa de juros (a TR é
uma combinação de taxa de juros). Não poderia o reajustamento pelo índice de inflação
passar à taxa de juros, quando as partes tinham previsto outra coisa.
A ADI 493 disse que nenhuma lei pode retroagir para afastar o que se convencionou
validamente no passado, mesmo que seja para regular os efeitos futuros. Se as partes
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convencionaram validamente, deve-se respeitar o ato jurídico perfeito sob pena de
inconstitucionalidade.
No início da década de 1990, o STF entendia que qualquer tipo de retroatividade
(mínima, média ou máxima) é inconstitucional se as partes previram expressamente o modo
de execução.
Pois bem. De lá para cá este pensamento vem sofrendo modificações:
i) Passou-se a entender que as normas de ordem pública teriam eficácia imediata,
geral e imperativa sobre as situações vincenda, alcançando todas as situações posteriores a
ela. O que significa que a convenção deixa de ser eficaz com a nova lei (desde que a relação
seja continuativa – trato sucessivo).
Justificativa para esta posição: as novas obrigações nascidas na vigência da lei nova
não podem ser incompatíveis com ela quando esta é de ordem pública, caso contrário o
interesse público ficaria subordinado ao interesse individual. Ora, a nova lei (com normas de
ordem pública) pretende estabelecer um conteúdo programático para zelar pelo interesse
comum de toda a coletividade e fica-se preso a um contrato individual incompatível.
Exemplo1: os contratos de locação que tinham previsão de ajuste semestral passaram
a ser reajustados de forma anual, porque a lei nova estabeleceu que não haverá mais
reajuste semestral e sim anual. Dali para frente será anual. Os reajustes pretéritos serão
respeitados, os períodos aquisitivos já em curso serão respeitados, mas os novos períodos
de reajustes iniciados já sob a vigência da lei nova serão regulados por ela e terão período
aquisitivo anual, mesmo que isto tenha sido pactuado de forma diferente lá atrás, porque a
supremacia do interesse público traz uma norma cogente e imediata para atingir situações
vincendas.
Exemplo2: a multa condominial. A convenção de condomínio, com base na lei
anterior, dizia que a multa era de 20%. Se o inadimplemento ocorreu na vigência da lei
antiga a multa será de 20%. Porém, se o inadimplemento ocorreu na vigência da lei nova, a
multa incidente passaria a respeitar a ordem imperativa da lei nova, que é de 2%.
ii) A ADPF 165 está e julgamento no STF. Esta ação exige que aquilo que se decidiu na
ADI 493 seja esmiuçado novamente. A discussão agora gira em torno dos expurgos
inflacionários nas cadernetas de poupança.
Nos planos econômicos a leis novas (regras de direito público, eficácia cogente)
alteram padrões monetários e também regras de reajuste, índices, composições de índices.
Isto afetou, dentre outras coisas, as cadernetas de poupança. O problema é que estes planos
econômicos atingiram depósitos que aguardavam o aniversário. Ou seja, o dinheiro estava
aplicado, havia um regramento sobre o período aquisitivo quando o dinheiro foi aplicado e o
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valor será resgatado sob a vigência de outra norma. A lei nova interfere não só numa
situação nascida após a sua entrada em vigor, como também situações nascidas antes que se
encontravam pendente de consumação. O efeito estava pendente de consumação, mas já
tinha fato gerador antes da lei. O que se discute é a diferença do que foi aplicado e o que
deveria ter sido aplicado àquele período.
A ADPF sustenta a possibilidade da norma de ordem pública alcançar as situações
nascidas após sua entrada em vigor e também as situações excepcionais em que o período
aquisitivo já estava em curso quando a norma entrou em vigor. A ADPF foi proposta pela
Confederação Nacional das Instituições Financeiras numa tentativa de bloquear as milhares
de ações que buscam a diferença do reajuste.
O parecer do MPF apresentado recentemente é no sentido de que o custo benefício
desta excepcional retroatividade compensaria a manutenção dos efeitos da lei nova. O custo
do pagamento destas diferenças representaria 45% do patrimônio líquido das instituições
financeiras, o que levaria a um abalo institucional das mesmas. E, por outro lado, o que a lei
nova estabeleceu como parâmetro de estabilidade econômica para toda a sociedade, o
interesse público sobre estas normas prevaleceria sobre o interesse do poupador que tinha
o recurso depositado na caderneta de poupança. É situação que tem carga de pressão
política imensa, o que pode gerar uma mudança significativa de posição do Supremo.
Agora não é lei nova prevalecendo sobre situações vincendas, e sim alcançando
relações que já estavam em andamento. Fica o alerta, o que for decido na ADPF 165 será
tema de prova e, por isto recomenda-se acompanhar o julgamento.
Seja qual for o entendimento do Supremo, a ADPF 165 importará na revisão dos
paradigmas estabelecidos na ADI 493. Ora, se for aplicar o mesmo paradigma da ADI 493 os
expurgos serão pagos aos correntistas. Por outro, lado isto poderia trazer um abalo à ordem
econômica, o Supremo pode entender pela modulação dos efeitos da inconstitucionalidade.
2. Parte Geral
No CC o estudo começa pela parte geral que se divide em três livros que apresentam
os elementos da relação jurídica: o 1º é o livro das pessoas, apresenta o elemento subjetivo,
os sujeitos de direito. O 2º é o livro dos bens, apresenta o elemento objetivo, o objeto das
relações. E o 3º é o livro dos fatos jurídicos, apresenta aqueles fatos que criam, modificam
ou extinguem as relações jurídicas.
TRF1/2010: Discorra sobre os seguintes institutos apresentando (se houver) a
correlação entre eles: direito subjetivo, dever jurídico, direito potestativo, estado
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de sujeição, poder jurídico, dever livre e relacionar tudo isto com prescrição e
decadência.
A resposta está dividida em quatro pontos.
Ponto1. A relação jurídica padrão envolve um sujeito ativo a quem se atribui um
direito subjetivo (faculdade de agir) em torno de um objeto, atribuindo um dever a um
sujeito passivo. O dever jurídico em sentido amplo. Este dever jurídico lato sensu subdividido
em obrigação/débito e dever geral de conduta.
Nas relações obrigacionais de conteúdo pessoal e de eficácia inter partes o sujeito
ativo tem um direito subjetivo que corresponde a uma obrigação do sujeito passivo. O
débito é pessoalmente do sujeito passivo, é em relação a ele que surtirá efeitos.
Já naquelas relações jurídicas de caráter absoluto o direito subjetivo oponível erga
omnes gera para toda a coletividade (sujeito passivo indeterminado) um dever geral de
conduta, de abstenção ou de tolerância.
Então, ou há um obrigação pessoal ou um dever geral de conduta (dever jurídico lato
sensu). Percebe-se que, para que o direito subjetivo do sujeito ativo se realize, é preciso
ocorrer um comportamento, seja ele individual ou coletivo.
Na medida em que este dever jurídico é inadimplido ou deixa de ser observado (ato
ilícito), tem-se a violação do direito subjetivo. E desta violação nasce a pretensão. É isto que
o legislador define no art. 189, CC (violado o direito nasce a pretensão).
CC. Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela
prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Significa que, no polo passivo, o sujeito que violou o dever passa a ter uma
responsabilidade. Se ele tinha um débito pessoal originado de um negócio inter partes, ele
passa a ter uma responsabilidade contratual. Se era um dever geral de conduta e ele
cometeu um ato ilícito, é responsabilidade extracontratual ou aquiliana. O fato é que haverá
uma responsabilidade.
A correlação entre os institutos: o direito subjetivo está para o dever jurídico, assim
como a pretensão está para a responsabilidade.
Correlação entre os institutos e a prescrição e decadência: no caso a correlação é
com a prescrição, pois ela extingue a pretensão não exercida no prazo legal. Ora, se a
pretensão extingue uma pretensão, extingue também a responsabilidade, o sujeito passivo
deixa de ser responsável na medida em que está prescrita a pretensão da outra parte.
Ponto2. A segunda relação jurídica que o examinador exigia era discorrer sobre o
direito potestativo e o estado de sujeição. Neste caso a relação jurídica não está pautada
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numa faculdade de agir, que depende de uma conduta da outra parte. Neste caso, o sujeito
ativo não tem um direito que depende da outra parte, ele tem um direito que só depende
dele mesmo. Um direito dever depende do titular exercer este poder sobre o outro (sujeito
passivo), daí a ideia de estado de sujeição e não de dever jurídico. Não há um dever sob
pena responsabilidade, simplesmente está sujeito ao exercício do poder alheio, se o sujeito
ativo exercer o seu poder, o sujeito passivo estará subordinado a este poder.
O direito potestativo não sofre violação, pois não há inadimplemento pelo sujeito
passivo. O direito potestativo depende exclusivamente do seu titular que sujeito o outro à
sua vontade. Se o outro não se sujeitar espontaneamente, o fará judicialmente, mas é
questão apenas de sujeição.
Como não há violação, também não há pretensão. O direito potestativo não se
sujeita ao art. 189, CC (violado o direito nasce a pretensão). Neste ponto é preciso saber se
este direito possui prazo para ser exercido, por vezes sim e por vezes não.
Quando existir prazo para o direito potestativo (pois ele não está relacionado a uma
violação prévia) este prazo não é prescrição. Se houver prazo, será um prazo de decadência.
Este prazo pode ser de ordem pública, previsto em lei. Ou então fruto do ajuste entre as
partes, ser convencional. Ora, as partes podem mediante ajuste criar um direito potestativo
e estabelecer um prazo convencional, v.g., direito de arrependimento num contrato
preliminar a ser exercido em 30 dias.
Ou então o direito potestativo é legal, v.g., direito de anular um negócio jurídico
quando a parte for coagida na formação do negócio, e o prazo decadencial previsto em lei é
de 4 anos a partir do momento em que cessar a coação.
Lembrar-se da regra: havendo prazo para o direito potestativo, este começa a contar
do momento em que a parte adquire o direito. Na prescrição o prazo é contado a partir da
violação do direito e não de sua aquisição. A decadência é prazo para exercer o próprio
direito, a consumação do prazo implica na extinção do direito potestativo.
O direito potestativo está para o estado de sujeição, correlacionados em certas
situações á decadência, por vezes ele não se subordina a prazo nenhum, v.g., direito
potestativo ao divórcio que pode ser exercido a qualquer tempo enquanto houver
casamento vigente, sujeita o outro a sua vontade, independente dele querer ou não.
O direito potestativo é um poder dever em proveito próprio, por isto direito. Isto é
importante para enfrentar a próxima etapa da questão: poder jurídico.
Ponto3. O poder jurídico, diferente do direito potestativo é também denominado
poder dever, este também é exercido sobre alguém que está em estado de sujeição, mas
com uma diferença fundamental, exerce-se o poder em benefício do outro. Aqui não se fala
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em decadência, embora possa ter prazo, v.g., o poder familiar é exercido até que o outro
complete a maioridade, v.g., curatela, tutela. Neste ponto não se discute nem prescrição,
nem decadência.
Ponto4. Última figura da questão: dever livre. A figura do dever livre também pode
aparecer como ônus. É livre porque não corresponde a direito alheio, mas a interesse
próprio. Este dever não corresponde a um direito do outro, mas a um interesse próprio.
Desta forma, é dever que se descumprido prejudica apenas ao próprio devedor, que deixa
de satisfazer o seu próprio interesse, daí não gera responsabilidade, por isto é livre
(diferente o dever jurídico tradicional gera como consequência a responsabilidade), aqui
também não se fala em prescrição, vez que não faz nascer pretensão para terceiros.
Exemplo1: O ônus da prova no curso do processo. Se não houver uma distribuição
dinâmica, o ônus da prova incumbe a quem alega, então a parte tem o dever de provar em
interesse próprio, caso não prove, o único prejudicado será a si mesmo.
Exemplo2: O cirurgião plástico numa cirurgia necessária após um acidente, tinha uma
obrigação de meio e o resultado não foi aquele que se desejaria. O consumidor é
hipossuficiente em comprovar e os fatos aparentam que houve o erro médico. O juiz diante
desta situação inverte o ônus da prova e determina que cabe ao médico comprovar que não
errou sob pena de presumir a sua culpa, pois embora a obrigação fosse de meio,
aparentemente os meios não foram adequados. O dever de produzir a prova é do médico, se
ele não produzir a prova ele será o único penalizado. A presunção se tornará efetiva na
sentença.
Exemplo3: O ônus do registro de um ato. Para que o ato tenha oponibilidade contra
terceiros e a lei exige o registro, v.g., um contrato de locação em que o locatário quer ter
oponibilidade erga omnes de seu direito de preferência, a lei determina que isto seja levado
a registro. Se ele não registrar o único prejudicado será ele mesmo que não terá a eficácia
erga omnes. Se ele não cumprir não gera responsabilidade perante terceiros, só para si
mesmo.
Observação. A posição majoritária é que o CC adotou o critério científico de Agnelo
Amorim para distinguir prescrição e decadência (vide exposição de motivos do CC). Por este
critério científico, o que define a prescrição ou a decadência não é exatamente a figura da
pretensão e do direito potestativo (embora indiretamente sim), mas sim a natureza jurídica
da prestação jurisdicional que se busca. Assim, se a parte busca em juízo uma prestação
jurisdicional condenatória, significa que querer imputar uma responsabilidade a alguém,
portanto está exercendo uma pretensão ante a violação de um direito.
Esta pretensão condenatória (que gera uma execução por título) estaria associada a
prazos de prescrição. A doutrina antiga defendia que a prescrição extinguia a ação, e não a
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pretensão, tratando ação e pretensão como sinônimas (esta é posição superada). A ideia era
que o direito de condenação do réu prescrevia no prazo da lei. Então, a prescrição alcançaria
o direito de ação nas ações condenatórias. Hoje, fala-se em pretensão e não em direito de
ação.
Se o que se busca em juízo é uma decisão constitutiva (entenda-se, também a
desconstitutivas e modificativas), onde se exerce o um direito potestativo. Ou seja, impor ao
outro uma situação nova, seja pela constituição de um estado novo, seja pela modificação
do status atual, seja na desconstituição daquilo que se estabeleceu (v.g., rescisória, ação
anulatória). Neste caso, nem sempre haverá prazo, mas quando houver estará relacionado
com um prazo decadencial, v.g., redibição, a coisa tem vício oculto e a ação serve para
desconstituir o negócio e enjeitar a coisa, este é um direito potestativo submetido a um
prazo decadencial.
Se a busca é meramente declaratória, neste caso, tem-se uma imprescritibilidade. Se
a prestação jurisdicional é apenas a declaração sem o efeito condenatório constitutivo,
então não há prazo, v.g., as declaratórias de nulidade absoluta, declaratórias de
paternidade, são situações que não acarretam a constituição de situações novas, então elas
não estariam sujeitas a prazo nenhum. Neste sentido é o art. 169, CC, as nulidade absolutas
não convalescem nem pelo decurso do tempo, significa que a declaração de uma nulidade
pode ocorrer a qualquer tempo.
CC. Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce
pelo decurso do tempo.
No âmbito processual, esta questão está sendo discutidas em determinadas querelas
nullitatis: se a questão de fundo é uma nulidade absoluta, não se sujeita a prazo e a nulidade
absoluta poderia ser declarada a qualquer tempo, inclusive depois do prazo decadencial de
dois anos da ação rescisória.
No que tange ao MS, a questão da tutela constitutiva merece especial atenção. Vinte
anos atrás não se conseguia executar uma sentença mandamental. A pessoa tinha o direito
reconhecido, mas se isto acarretasse em algum tipo de crédito, era preciso entrar com nova
ação, porque se entendia que as ações mandamentais não tinham força condenatória e,
portanto, não poderiam se executadas. Isto hoje foi superado. O que pode significar que:
uma parte é decadencial e outra que é condenatória como reflexo da mesma ação.
Isto por acontecer, v.g., numa declaratória de nulidade absoluta, isto pode significar
que para retornar ao estado anterior enseja perdas e danos e parte disto já esteja prescrito.
Ou seja, pode ser que parte da decisão está sujeita à prescrição e outra parte sujeita a
decadência, ou ainda não sujeita a prazo nenhum.
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Este critério científico (condenatória/prescrição; constitutiva/decadência;
declaratória/não há prazo) organizado desta forma é relativamente recente. É o CC/2002
que dá operabilidade a este conteúdo. Até o CC/1916 tudo era operacionalizado e chamado
de prescrição, mesmo artigo se referia à prescrição e à decadência. Houve legislação especial
e até súmula chamando prescrição de decadência e vice-versa. Isto também pode ser fator
de confusão.
2.1 Das pessoas
2.1.1 Personalidade – sentido subjetivo
Para o art. 1º, CC pessoa é apresentada como sujeito de direito:
CC. Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Ou seja, toda pessoa é capaz de ser sujeito ativo e também passivo de uma relação.
Há uma correspondência à chamada capacidade de direito (capacidade de ser sujeito de
direito). Logo no art. 2º, CC o legislador nos apresenta outro instituto jurídico, versa sobre
personalidade civil (da pessoa natural):
CC. Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Personalidade civil aparece no art. 2º, CC de forma subjetiva. Isto é, como aptidão
genérica para ser sujeito de direito. Quem possui personalidade civil no sentido subjetivo é
considerado sujeito de direito para as relações em geral, pode figurar nas relações de modo
geral como sujeito ativo ou sujeito passivo.
Entretanto, nem todo ente/entidade recebe personalidade civil do ordenamento
jurídico. Nem por isto, este ente não tem relevância jurídica. Assim, a relevância jurídica de
uma entidade não está necessariamente atrelada a sua personificação. É preciso considerar
também a possibilidade de haver ente despersonalizado (pessoa formal) – entidade que
embora tenha relevância jurídica, não possui personalidade – ou seja, não tem aptidão
genérica para ser sujeito de direito.
Contudo, este ente pode receber aptidão específica para certas e determinadas
relações. A diferença é que um ente personificado pode figurar em geral, enquanto que o
ente despersonalizado só pode figurar em relações específicas em que o ordenamento lhe
confira esta especial legitimidade. É ultrapassado o entendimento de que estas relações só
poderiam ser de natureza processual.
Exemplo: aberta a sucessão todos os herdeiros passam a serem coproprietários da
herança, porém neste momento a herança é um bem universal e indivisível, uma
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coletividade de bens unidos por força de lei, indivisíveis até o termino da partilha. Neste
período, um herdeiro pode ceder seu direito hereditário, mas não pode alienar um bem
específico. O direito de propriedade é sobre o todo e não sobre a espécie. Para que os
herdeiros possam alienar algum bem específico da herança, precisam de uma autorização
judicial para a alienação daquele bem em específico. Conferida a autorização, quem vende é
o espólio, pois está vendendo antes da partilha (ainda não se definiu a qual dos herdeiros o
bem pertencerá), o que significa que quem aliena é o espólio, um ente despersonalizado que
tem capacidade especial para representar em fora do juízo, o interesse dos herdeiros. Ou
seja, o espólio possui a capacidade especial de atuar em juízo na defesa dos interesses dos
herdeiros, como também poderá ter a capacidade especial para realizar negócios no
interesse daquela coletividade de herdeiros. O espólio é feito para o comprador.
Exemplo: condomínio edilício, este possui CNJP, mas não tem personalidade jurídica
(entendimento majoritário)1. Este ente contrata pessoal, tem relação trabalhista na qual ele
é legitimado para figurar como empregador, representa judicialmente aquela coletividade
condominial. Ou seja, possui legitimidade tanto para relações processuais quanto para
relação de direito material. O que não significa que este despersonificado não se confunde
com uma pessoa jurídica (embora o professor entenda que deveria ser personificado).
Toda pessoa, uma vez dotada de capacidade civil, possui a aptidão genérica para ser
sujeito de direito. O que não impede que certos entes não personificados possuam
capacidades específicas em determinadas relações jurídicas.
2.1.1.1 O nascituro
O nascituro se enquadra como pessoa ou como ente despersonificado?
Voltando ao art. 2º, CC, “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com
vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A corrente
tradicional é a natalista (Caio Mario), para esta o nascituro é ente despersonalizado, isto é,
pode possuir personalidade especial para determinadas relações jurídicas, mas não é sujeito
de direito com aptidão genérica.
Exemplo1: o nascituro pode ser donatário, portanto legitimado para um contrato de
doação, condicionando a eficácia da doação ao nascimento com vida.
1 Aliás, sociedade em conta de participação também é sociedade não personificada, e recentemente
começou-se a exigir CNPJ para elas. O fato de ter CNPJ não significa ser pessoa jurídica.
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Exemplo2: o nascituro pode participar de uma sucessão, condicionada a sua
qualidade de herdeiro ao nascimento com vida.
Exemplo3: o nascituro pode pleitear alimento gravídico, pode ter legitimidade
processual para o pleito.
Para os natalistas, embora o ordenamento não dê personalidade jurídica ao
nascituro, reconhece legitimidade especial para certas e determinadas relações.
Em contraponto, os concepcionistas, doutrina contemporânea (Clóvis Bevilaqua e
Maria Helena Diniz, Flávio Tarturce). Para os concepcionistas o nascituro já tem
personalidade civil, então desde a sua concepção já é sujeito de direito. Entretanto, a
personalidade civil só lhe confere direitos adquiridos extrapatrimoniais, já que os
patrimoniais estariam sob condição suspensiva do nascimento com vida.
A diferença é bem significativa, para os natalistas o nascituro não é genericamente
sujeito de direito, então ele tem mera expectativa de direito. E para os concepcionais ele já
tem direito sob condição suspensiva, já passíveis de tutela judicial.
Há uma terceira corrente, que no direito brasileiro se justifica na participação do
nascituro como herdeiro, quando a abertura da sucessão se dá no curso da gestação, teoria
da personalidade sob condição suspensiva, teoria da personalidade condicional.
Esta corrente defende que o nascituro é ente despersonalizado até o nascimento,
nascendo com vida, o nascituro adquire personalidade retroativamente até o momento da
concepção. O nascimento produz efeito ex tunc. Para os defensores desta corrente, isto
justifica o nascituro poder ser herdeiro, nascendo com vida a personalidade retroage à
concepção e por isto ele já era herdeiro ao tempo da abertura da sucessão. Ele já seria
pessoa ao tempo da abertura. Se não nascer com vida, a condição não se implementa e ele
não adquire a personalidade, e a condição de herdeiro não se concretiza.
Em que pese ainda existir a controvérsia, esta discussão é considerada superada, isto
porque os efeitos práticos já estão conformados pelas três teorias.
Observação1. Possibilidade de o nascituro sofrer dano moral.
Para os concepcionistas não há dúvidas de que o nascituro pode sofrer danos morais,
porque os direitos de personalidade são extrapatrimoniais e ele já os teria adquirido desde a
concepção.
Para os defensores da teoria da personalidade condicional também é possível que o
nascituro sofra danos morais. Porém, o exercício da pretensão está condicionado ao
nascimento com vida. Se nascer com vida retroage a personalidade, se houve uma ofensa
moral no curso da gestação é possível pedir o dano moral após o nascimento.
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A recusa seria apenas no caso dos natalistas, para estes a legitimidade dependeria de
uma previsão expressa que não existe e que por isto o ente despersonalizado não teria
direitos adquiridos para serem violados, então não sofreriam lesão, não nasceria a pretensão
e não haveria o que reclamar em juízo.
No STJ há precedentes sobre o tema desde a década de 1990, o nascituro já foi
reconhecido como titular da pretensão de dano moral. Nos casos julgados pelo STJ os que se
destacam são da morte do pai por homicídio durante a gestação, levando o nascituro a
pleitear dano moral reflexo pela perda do pai. Ele sofre o dano reflexo da perda do pai
durante a gestação e vai pedir o dano moral depois de nascido. Os precedentes são
valoráveis ao nascituro. Destaque-se dois julgados: 1) Min. Ruy Rosado de Aguiar vs. 2)
Nancy Andrighi.
No primeiro o STJ reconheceu o dano moral, mas entendeu que o dano moral sofrido
pelo nascituro era menor que o sofrido pelos irmãos já nascidos, porque ele não teria
chegado a conviver com o pai, a indenização do nascituro seria metade da dos irmãos.
Já na segunda decisão o STJ manteve a possibilidade do nascituro sofrer dano moral e
ainda entendeu que o dano de todos os filhos era igual, e não havia que mensurar valores
diferentes, todos teriam sofrido o mesmo dano reflexo.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIES A QUO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO
EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL.
POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURADA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO
O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO.
DESNECESSIDADE.
- Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos
morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já
nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a
existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.
- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação
compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que
o juiz fixa o valor da reparação.
- É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a
partir da data do arbitramento. Precedentes.
- Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime
da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte,
contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes - É possível a
apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a
má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes.
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- A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas,
devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que
acarretem prejuízos aos litigantes.
Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso
especial da ré não conhecido.
(REsp 931.556/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
17/06/2008, DJe 05/08/2008)
Observação2. A questão do DPVAT por morte. Há uma discussão grande se a “morte”
do nascituro por acidente de trânsito daria aos pais direito à receber o DPVAT em razão da
morte do filho. É controvertido. Há decisões que consideram o nascituro como pessoa e que,
portanto a interrupção da gestação seria morte de pessoa e, portanto incidiria o DPVAT. E há
decisões que entendem que o nascituro só seria pessoa depois de nascido e, portanto a
interrupção da gravidez não geraria o seguro por morte, não obstante, poderia gerar outras
indenizações ao pai. O entendimento não está pacífico.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE
MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI
Nº 6194/74. 1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via
pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de
gestação. 2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos
pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte
do feto. 3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a
concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. 4 -
Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº
6.194/74 (arts. 3º e 4º). 5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se
procedente o pedido. (REsp 1120676/SC, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010,
DJe 04/02/2011)
Observação3. A figura do concepturo. O nascituro já tem uma posição polêmica, ao
concepturo possui ainda mais controvérsias, justamente por ser menos que o nascituro. O
concepturo é o embrião in vitro. Juridicamente a figura do nascituro pressupõe que ele
esteja no útero. Antes disto, havendo a fertilização in vitro, o embrião não implantado seria
menos que o nascituro. A discussão girou em torno da inconstitucionalidade da Lei de
Biossegurança, em que se discutia se o embrião excedentário poderia ser utilizado como
material genérico para pesquisa com células tronco. E portanto, se seria coisa ou pessoa.
Seria inconstitucional se fosse uma pessoa, pois estaria levando a óbito uma pessoa para
pesquisa genética.
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O STF decidiu que o concepturo não tinha o mesmo status de pessoa, não tinha nem
mesmo status de nascituro. Embora houvesse interesse público na proteção daquele
material humano, não se estaria diante de um ser que já pudesse ser tratado como sujeito
de direito, e então se admitiu (com restrições) a possibilidade de utilização deste material
para pesquisas. O STF fixou que o concepturo não é sujeito de direito, não é pessoa, seria
uma coisa, bem jurídico cuja disposição guarda restrições com base na lei.
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA.
IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI
DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS.
INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS
TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS
CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO
DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA
TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA
CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS
POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I - O CONHECIMENTO CIENTÍFICO,
A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. As "células-tronco
embrionárias" são células contidas num agrupamento de outras, encontradiças em cada
embrião humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de
blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino
por um espermatozóide masculino). Embriões a que se chega por efeito de manipulação
humana em ambiente extracorpóreo, porquanto produzidos laboratorialmente ou "in
vitro", e não espontaneamente ou "in vida". Não cabe ao Supremo Tribunal Federal
decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa
com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A
certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois
ambos são mutuamente complementares. II - LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO
FRATERNAL. A pesquisa científica com células-tronco embrionárias, autorizada pela Lei
n° 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que
severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam
a vida de expressivo contingente populacional (ilustrativamente, atrofias espinhais
progressivas, distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica, as
neuropatias e as doenças do neurônio motor). A escolha feita pela Lei de Biossegurança
não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião "in vitro", porém u'a mais firme
disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio.
Isto no âmbito de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica
"a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça"
como valores supremos de uma sociedade mais que tudo "fraterna". O que já significa
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incorporar o advento do constitucionalismo fraternal às relações humanas, a traduzir
verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade
em benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria
natureza. Contexto de solidária, compassiva ou fraternal legalidade que, longe de
traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões "in vitro", significa apreço e
reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. Inexistência de ofensas ao
direito à vida e da dignidade da pessoa humana, pois a pesquisa com células-tronco
embrionárias (inviáveis biologicamente ou para os fins a que se destinam) significa a
celebração solidária da vida e alento aos que se acham à margem do exercício concreto
e inalienável dos direitos à felicidade e do viver com dignidade (Ministro Celso de Mello).
III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS
INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não
dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz
de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida
que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em
contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando
se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais"
como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz
destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da
fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo
constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a
legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é
meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas
levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades
não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa
humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa
humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida
a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de
ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem
factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional
protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os
momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo
direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa
no sentido biográfico a que se refere a Constituição. IV - AS PESQUISAS COM CÉLULAS-
TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. MATÉRIA ESTRANHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a proposição de que toda gestação
humana principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo embrião
humano desencadeia uma gestação igualmente humana, em se tratando de
experimento "in vitro". Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo
menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero
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feminino. O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado "in vitro" é, para
o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento
de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente
cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser
humano em estado de embrião. A Lei de Biossegurança não veicula autorização para
extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou
aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida de interromper
gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A "controvérsia constitucional em
exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto." (Ministro Celso de
Mello). V - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA VONTADE, AO
PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE. A decisão por uma descendência ou
filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição
rotula como "direito ao planejamento familiar", fundamentado este nos princípios
igualmente constitucionais da "dignidade da pessoa humana" e da "paternidade
responsável". A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do primado da
autonomia da vontade privada, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A opção do
casal por um processo "in vitro" de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de
idêntica matriz constitucional, sem acarretar para esse casal o dever jurídico do
aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se
revelem geneticamente viáveis. O princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana opera por modo binário, o que propicia a base constitucional para um casal de
adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou
"in vitro". De uma parte, para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à
"liberdade" (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º), aqui entendida como autonomia
de vontade. De outra banda, para contemplar os porvindouros componentes da unidade
familiar, se por eles optar o casal, com planejadas condições de bem-estar e assistência
físico-afetiva (art. 226 da CF). Mais exatamente, planejamento familiar que, "fruto da
livre decisão do casal", é "fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável" (§ 7º desse emblemático artigo constitucional de nº 226). O
recurso a processos de fertilização artificial não implica o dever da tentativa de nidação
no corpo da mulher de todos os óvulos afinal fecundados. Não existe tal dever (inciso II
do art. 5º da CF), porque incompatível com o próprio instituto do "planejamento
familiar" na citada perspectiva da "paternidade responsável". Imposição, além do mais,
que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em
contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição. Para
que ao embrião "in vitro" fosse reconhecido o pleno direito à vida, necessário seria
reconhecer a ele o direito a um útero. Proposição não autorizada pela Constituição. VI -
DIREITO À SAÚDE COMO COROLÁRIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA. O § 4º
do art. 199 da Constituição, versante sobre pesquisas com substâncias humanas para
fins terapêuticos, faz parte da seção normativa dedicada à "SAÚDE" (Seção II do Capítulo
II do Título VIII). Direito à saúde, positivado como um dos primeiros dos direitos sociais
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de natureza fundamental (art. 6º da CF) e também como o primeiro dos direitos
constitutivos da seguridade social (cabeça do artigo constitucional de nº 194). Saúde que
é "direito de todos e dever do Estado" (caput do art. 196 da Constituição), garantida
mediante ações e serviços de pronto qualificados como "de relevância pública" (parte
inicial do art. 197). A Lei de Biossegurança como instrumento de encontro do direito à
saúde com a própria Ciência. No caso, ciências médicas, biológicas e correlatas,
diretamente postas pela Constituição a serviço desse bem inestimável do indivíduo que é
a sua própria higidez físico-mental. VII - O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE
EXPRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE BIOSSEGURANÇA COMO DENSIFICAÇÃO DESSA
LIBERDADE. O termo "ciência", enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos
direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de
expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de
personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de
vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação
para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado
capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra
de que "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a
capacitação tecnológicas" (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§
1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da
Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os
deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida
para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a
Constituição Federal dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do
necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen
Lúcia). VIII - SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE
BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO
EMBRIONÁRIAS. A Lei de Biossegurança caracteriza-se como regração legal a salvo da
mácula do açodamento, da insuficiência protetiva ou do vício da arbitrariedade em
matéria tão religiosa, filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área
da medicina e da genética humana. Trata-se de um conjunto normativo que parte do
pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha
potencialidade para tanto. A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais
ou entidades biomédicas a que se refere, mas nem por isso impede a facilitada exegese
dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são
correlatas com o significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e
biológicas. IX - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Afasta-se o uso da técnica de "interpretação
conforme" para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de
Biossegurança exuberância regratória, ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas
com células-tronco embrionárias. Inexistência dos pressupostos para a aplicação da
técnica da "interpretação conforme a Constituição", porquanto a norma impugnada não
padece de polissemia ou de plurissignificatidade. Ação direta de inconstitucionalidade
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julgada totalmente improcedente. (ADI 3510, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal
Pleno, julgado em 29/05/2008)
2.1.2 Personalidade – sentido objetivo
A expressão personalidade civil aparece novamente no art. 11, CC:
CC. Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária.
Porém, personalidade do art. 11, CC não tem o mesmo sentido de personalidade do
art. 2º (aptidão genérica para ser sujeito de direito, possui um aspecto subjetivo). O art. 11
apresenta a personalidade como conteúdo de um direito (direito da personalidade),
apresenta personalidade como objeto – sentido objetivo. E então personalidade neste caso
possui outro conceito: conjunto de atributos inerentes e essenciais à pessoa. Portanto, com
o sentido de objeto e não como aptidão para ser sujeito de direito.
Controvérsia: no sentido subjetivo, a doutrina concorda que não só as pessoas
naturais possuem personalidade, mas também as pessoas jurídicas possuem personalidade,
com o sentido subjetivo de ser um sujeito de direito – art. 45, CC.
CC. Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo. (...)
A partir do registro a pessoa jurídica se torna sujeito de direito, adquire
personalidade no sentido subjetivo.
A controvérsia é: a pessoa jurídica também possuiria personalidade no sentido
objetivo. Isto é, as pessoas jurídicas titularizariam bens jurídicos da
personalidade, como aptidão para serem sujeitos de direito? O aspecto subjetivo
da personalidade não se discute, já o aspecto objetivo da personalidade
apresenta controvérsia.
Doutrinariamente esta questão tem uma controvérsia significativa a ponto de ter
gerado um enunciado do CJF:
CJF. 286 – Art. 52. Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à
pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares
de tais direitos.
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O Enunciado n. 286, CJF defende que as pessoas jurídicas não possuem os atributos
objetivos da personalidade, isto é, não possuiriam os atributos inerentes à personalidade da
pessoa humana.
Consequência prática deste entendimento doutrinário: violado um bem jurídico
patrimonial (v.g., direito de crédito ou propriedade) o dano decorrente é patrimonial e
caberá a indenização respectiva. Porém, violado um direito da personalidade o dano sofrido
é dano de ordem moral, este dano moral só seria cabível para pessoas naturais, pois apenas
elas possuiriam este bem jurídico. Se a pessoa jurídica não possui este bem jurídico, não
poderia sofrer sua violação. Logo, pessoa jurídica não sofreria danos morais, para esta
corrente estas pessoas sofreriam apenas danos institucionais, abalos à sua condição
institucional e não abalos à vida, à honra, integridade física, intimidade, privacidade.
Esta corrente não descarta a possibilidade de haver uma indenização arbitrada com
base no caso concreto. E esta indenização teria a denominação de dano institucional.
Nas provas objetivas o entendimento que ainda prevalece é o da súmula 227, STJ c/c
art. 52, CC:
STJ Súmula nº 227 - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
CC. Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade.
A súmula 227, STJ diz que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais, ou seja, em
algum aspecto a pessoa tem direitos da personalidade. Já o art. 52, CC determina que, com
restrições, tais atributos também poderiam ser concedidos a uma pessoa jurídica. E então,
costuma-se defender que a pessoa jurídica tem direito a honra objetiva (reputação), tem
direito a nome, a imagem e, em determinados aspetos, a pessoa jurídica teriam alguns
atributos da personalidade (aplica-se no que couber), nem todos os direitos estariam
presentes.
Esta discussão está crescendo novamente no STJ e daqui algum tempo a súmula 227,
STJ pode ser revista. Em prova objetiva indica-se adotar o teor da súmula 227, STJ, já em
prova discursiva, recomenda-se adotar uma resposta ponderada citando a tese do dano
institucional.
2.1.3 Pessoas naturais
A partir do art. 3º o legislador nos apresenta a questão do estado individual da
pessoa natural (são os elementos mais íntimos de individualização das pessoas) que
abrangem dois aspectos: sexo (enquanto definição de gênero) e a capacidade de fato ou de
exercício (capacidade para exercer pessoalmente os atos da vida civil). Esta discussão não se
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aplica à esfera das pessoas jurídicas, seja porque elas não se enquadram nas definições
genéricas de sexo, seja porque não se discute capacidade de exercício das pessoas jurídicas
(não se fala em emancipação, interdição, menoridade, em representação ou assistência).
Capacidade envolve aspectos de validade de atos praticados por incapazes e
consequências no plano da responsabilidade civil contratual e extracontratual, que são
questões importantes em torno da capacidade civil. Será visto na próxima aula.
Aproximadamente 15 anos atrás o pensamento dominante era o da imutabilidade do
registro civil quanto ao sexo, sob o argumento de que: a segurança jurídica da coletividade
requer que o registro civil exprima a verdade da época. O registro civil é feito logo após o
nascimento, logo se a pessoa nasceu do sexo masculino este registro seria imutável porque
reproduz a informação verdadeira da época (o mesmo se aplicava ao sexo feminino).
O que se admitia era a retificação diante de erro, quando ficasse comprovado que o
registro não traduziria a verdade da época (v.g., anomalia genética em que a aparência
externa é uma, enquanto que os órgãos internos prevaleceriam de outro sexo).
A partir dos anos 2000 o STJ inaugura outro momento, quando homologa uma
sentença estrangeira originada na Itália, onde a questão já era tratada de outra maneira. O
requisito de mudança registral do gênero, com consequente mudança do nome, atenderia a
dignidade da pessoa humana e por isto estaria compatível com a ordem pública brasileira, e
com base no art. 17, LINDB o STJ homologa a sentença estrangeira.
LINDB. Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações
de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a
ordem pública e os bons costumes.
Até aquele momento o STJ não permitia mudar nem o sexo, nem o nome. Mudar o
nome sem mudar o sexo geraria a confusão de atribuir nome feminino a alguém de sexo
masculino ou vice-versa (caso notório: Roberta Close que fez a mudança de sexo em outro
país, mas não conseguia alterar nem o sexo, nem o nome do seu registro). Aliás, o médico
não podia fazer a cirurgia de mudança de sexo, porque isto era considerado uma lesão de
natureza grave, ele corria o risco de ser responsabilidade penalmente e profissionalmente.
Sem que a lei tenha substancialmente mudado, o entendimento do STJ mudou. Hoje
continua-se sem lei regulamentar, mas temos legislações pontuais, como normais que
regulam o custeio da cirurgia de transgenitalização pelo SUS. Hoje, é possível a mudança de
sexo e mudança de nome no registro em razão de tratamento de transgenitalização (seja
este tratamento feito no Brasil ou no exterior).
A controvérsia ainda está presente em alguns pontos:
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1) Em 2009 a 3ª Turma do STJ proferiu precedente (ainda não uniformizado)
admitindo o sigilo da decisão judicial que autoriza a mudança de sexo e nome.
Significa que a requerimento do interessado, a mudança do registro civil de
nascimento viria sem a informação de que foi fruto de decisão judicial, como se aquele
registro sempre fora assim. Na época que o Ministro Menezes de Direito estava no STJ
defendia a tese de que não havia intimidade, porque a decisão de mudança de sexo era da
pessoa e não haveria motivo para que a mesma a escondesse. A questão da segurança
jurídica justificaria a averbação à margem da certidão a origem da mudança. Entretanto,
hoje há o precedente do STJ que prima pelo sigilo.
Informativo nº 0411. Período: 12 a 16 de outubro de 2009. Terceira Turma:
ALTERAÇÃO. PRENOME. DESIGNATIVO. SEXO. O recorrente autor, na inicial, pretende
alterar o assento do seu registro de nascimento civil, para mudar seu prenome, bem
como modificar o designativo de seu sexo, atualmente constante como masculino, para
feminino, aduzindo como causa de pedir o fato de ser transexual, tendo realizado
cirurgia de transgenitalização. Acrescenta que a aparência de mulher, por contrastar
com o nome e o registro de homem, causa-lhe diversos transtornos e dissabores sociais,
além de abalos emocionais e existenciais. Assim, a Turma entendeu que, tendo o
recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual nos termos do acórdão
recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração do sexo indicado no
registro civil, a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função,
qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, deve ser
alterado seu assento de nascimento para que nele conste o sexo feminino, pelo qual é
socialmente reconhecido. Determinou, ainda, que das certidões do registro público
competente não conste que a referida alteração é oriunda de decisão judicial, tampouco
que ocorreu por motivo de redesignação sexual de transexual. REsp 1.008.398-SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/10/2009.
2) A mudança de sexo e de nome no registro civil estaria necessariamente
condicionada à cirurgia de transgenitalização.
Ou seja, a pessoa teria que primeiro passar por uma mudança física de gênero para
mudar o registro civil, ou poderia obter a mudança de registro mantendo os órgãos genitais
“originais”. Ora, a aparência destas pessoas para a sociedade, evitando constrangimentos
para a pessoa. Neste caso, não há um precedente de paradigma do STJ, mas há
jurisprudência em tribunais locais admitindo a mudança de registro sem a alteração do
órgão sexual.
3) O legislador não disciplinou a consequência para prole.
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Casos em que a pessoa muda de sexo, mas já possui filhos havidos anteriormente no
registro dos quais consta um pai ou uma mãe que não existe mais. A mudança de sexo de
uma pessoa importaria na alteração do registro civil da prole. A questão é pontual e
casuístico.
Ilustração: há aproximadamente 20 anos, na França, por falta de regulamentação
houve esta discussão, uma mulher teve uma filho como mãe solteira e posteriormente
passou por tratamento de transgenitalização, ela era a única família da criança e precisava
gerir o seu poder familiar e encontrava dificuldades práticas. A solução encontrada foi
adotar como pai o filho que ela teve naturalmente como mãe, era a mãe natural e o pai
adotivo do mesmo filho.
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