Revista Pensar Direito, v.7, n.2 , Jan./2016
A SUCESSÃO DO CONJUGE SOBREVIVENTE CASADO SOB OREGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS: uma análise quantoà aplicação do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002.
Matheus Alves Leal1
Mariana Swerts Cunha2
RESUMO
O presente trabalho trata da divergência doutrinária no que concerne ao artigo1.829, inciso I, do Código Civil de 2002, o qual dispõe sobre a concorrênciahereditária entre descendentes e cônjuge sobrevivente quanto aos bens dofalecido, exclusivamente quando aquele era casado sob o regime de comunhãoparcial de bens. A pesquisa é desenvolvida com base em entendimentosdoutrinários e jurisprudenciais que divergem quanto à problemática causadapela obscuridade de uma norma controversa, gerando irreversíveisconsequências na vida civil entre as partes do processo de inventário,causando insegurança jurídica nas relações sociais. Ao fim, após analise dasdivergências doutrinárias acerca da norma, será demonstrado a melhoraplicação do supracitado artigo, sendo não aquela que prioriza o cônjuge, massim, trata as partes com isonomia e se adequada ao caso concreto.
Palavras chave: Sucessão. Concorrência. Cônjuge. Comunhão Parcial de
Bens.
INTRODUÇÃO
O artigo 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002, o qual dispõe sobre
a concorrência hereditária entre descendentes e cônjuge sobrevivente dos
bens do falecido é um dos temas mais controversos da legislação sucessória.
1 Graduando em Direito na Faculdade Kennedy de Minas Gerais.2 Mestranda em Direito na Escola Superior Dom Helder Câmara. Especialista em Direito Processual Civil.Professora na Faculdade Kennedy de Minas Gerais. Orientadora no Núcleo de Práticas Jurídicas dasFaculdades Kennedy e Promove. Advogada.
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Seu texto fora escrito de forma obscura quanto à sucessão do
cônjuge em concorrência com o descendente quando aquele era casado em
comunhão parcial de bens com o falecido.
Para tanto, destaca-se o dispositivo abaixo:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,salvo se casado este com o falecido no regime da comunhãouniversal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640,parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor daherança não houver deixado bens particulares.
O dispositivo supracitado não deixa claro em qual situação o cônjuge
concorreria, sendo se o de cujus deixe bens particulares ou não, e ainda a que
bens concorreriam.
A doutrina atual diverge em quatro diferentes entendimentos quanto
à questão, as quais serão demonstradas de forma analítica uma a uma.
Além de toda a problemática supracitada, serão também analisados,
de forma introdutória, diversos instrumentos jurídicos relacionados ao tema, o
que será necessário para melhor compreensão final, como toda parte histórica
da sucessão do cônjuge desde os primórdios da humanidade, os princípios
norteadores da matéria, as especificidades da comunhão parcial de bens e
todas as demais normas da sucessão do cônjuge.
Por fim será esclarecida a melhor aplicabilidade da norma, tendo
como base os Princípios Constitucionais da Dignidade Humana e Autonomia
da Vontade, que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é
atualmente o mais adequado a presente problemática, mesmo ainda não sendo
um entendimento que a conclua.
Assim, o presente trabalho será desenvolvido em 5 capítulos, sendo
que o primeiro aborda aspectos históricos do direito sucessório; o segundo
analisa alguns princípios norteadores que devem respaldar a matéria; o terceiro
capítulo aborda as peculiaridades do regime da comunhão parcial de bens e
suas consequências; o quarto capítulo demonstra aspectos da sucessão do
cônjuge no atual Código Civil e as respectivas divergências doutrinárias quanto
à concorrência deste com os descendentes do de cujus; e por fim, no quinto
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capítulo será analisa-se, criticamente, as respectivas divergências e a
conclusão será focada para responder como seria a forma mais adequada de
concorrência do cônjuge sobrevivente, que era casado em regime de
comunhão parcial de bens.
1. Aspectos Históricos da Sucessão do Cônjuge
O Direito Sucessório caminha ao lado da história da humanidade,
inclusive já consagrado nos direitos egípcios, hindus3 e babilônicos dezenas de
séculos antes de cristo.
Tem como ponto de partida o momento em que homem deixa de
viver em bandos e passa a adquirir bens particulares para si e seus familiares.
Antes deste momento os bens eram comuns ao grupo e com este ficavam
quando um de seus membros viesse a falecer.
Como ensina Dimas Messias de Carvalho (2012), nos primeiros
registros, a sucessão era ligada diretamente a religião em que o patriarca da
família transferia aos herdeiros as responsabilidades de cultuar aos deuses
após sua morte, pois não havia maior pecado ao homem primitivo que
abandoná-los, mesmo após a morte.
Esse tipo de sucessão era calcada basicamente no direito da
primogenitura, “sendo o falecido sucedido na chefia da família e do patrimônio
familiar pelo primeiro filho varão”. (CARVALHO. 2012. p. 01).
As mulheres neste tempo poucos direitos tinham. Eram tratadas
como meros instrumentos de reprodução e ao se casarem apenas seguiriam os
cultos de sua nova família, renunciando aos cultos da família antiga e
recebendo apenas um tipo de dote pelas núpcias.
Os patriarcas que não tinham herdeiros a suceder suas obrigações
eram tratados com desprezo, pois junto ao seu falecimento também seria o fim
de sua religião. Com este intuito fora criada a sucessão por meio de
testamento, o qual o patriarca ainda em vida deixava seus bens e obrigações a
terceiros.
3A Índia foi berço da grande civilização Hindu, por volta de 2000 a.C. (Disponível em:http://ensinoaprendiz.blogspot.com.br/2013/01/v-behaviorurldefaultvmlo_4.html)
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Como cita Silvio de Salvo Venosa (2.014), no direito Romano a regra
era o testamento, que consagrado com o Sistema Pretoriano, visava vários
meios de testar, seja ao filho primogênito que ainda era o primeiro da linha
sucessória, aos filhos mais novos ou parentes colaterais, e até mesmo à filha
mulher que, se solteira, era sempre herdeira provisória que teria o dever de
resguardar os bens até se casar, momento ao que seu noivo passaria a ser
detentor daqueles bens.
No avanço do sistema jurídico Romano ainda era prevista a
condição dos credores do falecido que também tinham direito a parte dos bens
do devedor falecido em pagamento à suas dividas.
No direito Romano não havia propriamente a sucessão do cônjuge jáque a transmissão se efetuava pela linha masculina. Apenas naultima fase do Direito Romano, já com Justiniano, é que se permitia amulher suceder aos bens do marido, estabelecendo-se umapossibilidade de usufruto, concorrendo com os filhos.(VENOSA. 2.014. p. 137).
O sistema de sucessão patriarcal sempre com preferências a
primogenitura masculina perdurou por vários anos tendo poucas modificações,
sempre com injustiças sociais e econômicas às mulheres.
Menciona Washington de Barros Monteiro (2.009) que em vários
países da Europa, por exemplo, em pleno do século XVII fora instituída a Lei
Sálica4, que contemplava apenas aos varões reais o trono, excluindo as
mulheres e seus descendentes os direitos da coroa.
A sucessão primogênita começou a enfraquecer somente no fim do
século XVIII na Europa, sendo confrontada pela Revolução Francesa que vinha
respaldada por ideais iluministas como igualdade, fraternidade e liberdade,
fazendo assim homens e mulheres iguais perante a lei.
Pautada na igualdade, herdeiros homens e mulheres passaram a
suceder como igual. No entanto, os direitos sucessórios do cônjuge
sobrevivente ainda eram restritos, sendo chamado a suceder somente na
ausência de herdeiros colaterais.
4A Lei Sálica foi um código de lei redigido em latim e promulgado em 10 de maio de 1703,compilado pela primeira vez no século VI pelos Sálios (parte do povo germânico dos francos)que tinham conquistado a Gália (Europa Ocidental) no século V.(Disponível em: http://www.seuhistory.com/etiquetas/lei-salica)
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Em Portugal, como exemplo, na vigência das Ordenações Filipinas
no século XIX ”o cônjuge seria chamado à sucessão, se o falecido não
deixasse parentes até o 10º grau. E, ao tempo da morte do outro, deveriam
viver juntos, habitando a mesma casa”. (CARVALHO. 2.012.p. 77)
No Brasil, o direito ainda era limitado até o século XIX, estando
recepcionado pela legislação de Portugal, seu colonizador. Somente após a
promulgação da Constituição Imperial Brasileira em 1.824 que se determinou a
organização legislativa civil e penal.
Uma das legislações de maior importância para o Direito Sucessório
fora o Decreto n. 1.839, de 1.907, denominada Lei Feliciano Pena5, “em que
limitou a vocação dos colaterais até o 6º grau, e içou o cônjuge sobrevivente ao
terceiro lugar, na ordem da vocação hereditária”. (CARVALHO. 2.012. pg. 77)
Art. 1º: Na falta de descendentes e ascendentes, defere-se asucessão ab intestato ao conjugue sobrevivo, si ao tempo da mortedo outro não estavam desquitados; na falta deste, aos collateraes atéao sexto gráo por direito civil; na falta destes, aos Estados, aoDistricto Federal, si o de cujus for domiciliado nas respectivascircumscripções, ou á União, si tiver o domicilio em territorio nãoincorporado a qualquer dellas.
No ano de 1.916 fora promulgado o Código Civil Brasileiro que
reunia e organizava toda legislação material extravagante.
Dentre as recepções no âmbito do Direito Familiar e Sucessório,
com as regulamentações dos regimes de comunhão de bens nos pactos
matrimoniais e diversas outras questões sucessórias, o ‘Novo Código’
recepcionara a Lei Feliciano Pena em seu artigo 1.603, trazendo o cônjuge ao
terceiro grau da linha sucessória abaixo dos descendentes e ascendentes do
de cujus.
Art. 1.603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:I - Aos descendentes.II - Aos ascendentes.III - Ao cônjuge sobrevivente.IV - Aos colaterais.V - Aos Estados, ao Distrito Federal ou a União.
5Regula o deferimento da herança no caso da sucessão ab intestato.(Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1839-31-dezembro-1907-580742-republicacao-103783-pl.html)
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V - aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União.
No entanto, o cônjuge não foi recepcionado como herdeiro
necessário6, fato que fragilizava sua situação ao poder ser afastado por
testamento sem demais justificativas.
Ainda era previsto:
Se o regime de bens do casamento não era o da comunhãouniversal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quartaparte dos bens do cônjuge falecido, quando houver filhos deste ou docasal, e à metade, se não houver filhos. (NEVARES, 2.014. p. 52)
O Código Civil de 1.916 ainda, em seu artigo 258, atribuía o regime
legal ao casamento, ou seja, aquele escolhido quando não há convenção entre
os nubentes ou esta convenção se faz nula, como o da comunhão universal de
bens.
Art. 258. Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quantoaos bens, entre os cônjuges, o regime da comunhão universal.
Neste regime, ocorrendo a dissolução do vínculo conjugal com o
falecimento de um dos nubentes, o cônjuge sobrevivente teria o direito a
meação de todo acervo hereditário, sendo a proporção de 50% (cinquenta por
cento) dos bens adquiridos pelo falecido tanto na vigência do casamento
quanto antes deste, como ensina Rodrigo Aita (2.014). “Desta forma, o cônjuge
sobrevivente com o maior número de bens tinha sua sobrevivência garantida
sem seu antigo companheiro”.
Deve-se ressaltar que naquela época o casamento era pautado na
indissolubilidade, pois o modelo de divórcio fora concebido apenas em 1.977,
restando aos cônjuges o pacto até o fim de suas vidas. Dessa forma, os
cônjuges, em sua maioria, participavam de toda vida econômica do casal,
dificilmente existindo bens particulares dos cônjuges.
Em 1.977 entrou em vigor a Lei n. 6.515, intitulada como a Lei do
Divórcio7, que, como cita Maria Berenice Dias, “acabou com a indissolubilidade
6 Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens daherança, constituindo a legítima.(BRASIL. Código Civil de 2.002)
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do casamento, eliminando a ideia da família como instituição sacralizada”.
(2.010. p. 30)
A lei do divórcio, entre várias outras alterações, revogou em seu
artigo 50, o artigo 258 do Código Civil de 1.916, alterando o regime legal da
comunhão de bens agora para o regime da comunhão parcial.
Art 50 - São introduzidas no Código Civil as alterações seguintes:7) "Art. 258 - Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará,quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial.
Imperioso mencionar que o regime da comunhão parcial de bens,
ensina Salomão de Araújo Cateb (2.011), atribui ao cônjuge em caso de
extinção do vínculo conjugal apenas a meação dos bens adquiridos na
constância do casamento.
Alguns doutrinadores entendem que tal modificação exclui o intuito
de assegurar a sobrevivência do cônjuge após a perda de seu parceiro, pois
haverá casos em que os cônjuges não terão bens comuns, como cita Maria
Berenice Dias:
Como o direito da concorrência visa a proteger o cônjuge para queele não fique sem meios de sobreviver, melhor seria assegurá-lo emtodas as hipóteses em que ele nada irá receber, ou por não existirembens comuns. (2.008. p 158)
Em 1.988, com a consagração de novos valores, entrara em
vigência a nova Constituição da República trazendo ainda mais expressão à
Lei do Divorcio, a qual, entre vários princípios e garantias individuais, afirmou a
paridade entre homens e mulheres em direitos e deveres.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentesno País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nostermos desta Constituição.(Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988)
7Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos erespectivos processos, e dá outras providências.Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6515.htm
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Com as diversas alterações legislativas no âmbito Civil cumulado
com a vigência da nova Constituição, o legislador se viu obrigado a evoluir
quanto ao Código de 1.916, entrando em vigor em 11 de janeiro de 2.003 o
Novo Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406 de 2.002.
O Código Civil de 2.002, em seu artigo 1.640, manteve as inovações
da Lei do Divórcio quanto ao regime legal de comunhão de bens, mantendo-o
como o regime da comunhão parcial:
Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz,vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhãoparcial.
O legislador também elevou o cônjuge à condição de herdeiro necessário,conforme se depreende:
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, osascendentes e o cônjuge.
A doutrina jurídica brasileira sempre defendeu a colocação do
cônjuge como herdeiro necessário, posição que veio a ser conquistada com o
Código Civil de 2002, embora sob condições. Isso porque, no caso de
separação de bens, o viúvo ou a viúva poderiam não ter patrimônio próprio,
para lhes garantir a sobrevivência. (VENOSA, 2.014, p. 139)
Para suprir a lacuna quanto à diminuição dos bens herdados pelo
cônjuge, tendo em vista a mudança do regime legal de bens no matrimonio da
comunhão universal de bens, em que aquele tinha direito a 50% (cinquenta por
cento) da totalidade da herança, para o regime da comunhão parcial, que dá
direito ao cônjuge sobrevivente somente a meação sob os aquestos8, o novo
código também inovou em seu artigo 1.829, trazendo o cônjuge à primeira
posição na linha sucessória, concorrendo com os descendentes a depender do
regime de bens pactuado em vida.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,salvo se casado este com o falecido no regime da comunhãouniversal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime
8São todos os bens do casal adquiridos na vigência do casamento.(Disponível em: http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/801/Aquestos)
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da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bensparticulares.
Apesar da boa intenção do legislador, supracitado artigo ficou
obscuro no que tange à concorrência dos bens do cônjuge sobrevivente se
casado sob o regime da comunhão parcial de bens, resultando doutrinas e
entendimentos diversos quanto qual situação concorreria, se o de cujus deixar
bens particulares ou não, e a que bens o cônjuge concorreria, sendo somente
nos comuns ou também nos particulares, deixando a cargo dos
instrumentalistas do direito interpretarem a norma e suas consequências.
Adiante e analiticamente, serão analisadas diversas doutrinas
acerca da aplicação do artigo 1.829, inciso I do Código Civil de 2.002 que
apresenta obscuridade em seu texto, as quais podem enfraquecer o grande
avanço histórico que o cônjuge sobrevivente conquistou no que tange à sua
quota herdada ao longo dos anos.
2. Análise dos Princípios Norteadores do Direito de Família eSucessões
Como demonstra a evolução histórica do Direito Familiar e
Sucessório, as inovações legislativas trouxeram a superação de antigos
paradigmas e criaram novas relações sociais as quais o direito positivista
tornou-se insuficiente para as regular, cada qual com suas peculiaridades
próprias que a lei literal geralmente não consegue alcançar.
O positivismo jurídico, amparado pela doutrina como de Hans
Kelsen9, ao tentar afastar ao máximo o subjetivismo do Juízo ao proferir uma
decisão, ensina que “caberia apenas ao poder Legislativo a tarefa de justificar e
9O jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen, considerado um dos maiores pensadores do séculoXX, deixou um vasto legado teórico-literário, do qual se destaca sua obra Teoria Pura doDireito. A importância desta obra se dá, especialmente, pelo rompimento com os ditames dafilosofia jurídica tradicional da época, a qual, segundo Kelsen, era contaminada com a ideologiapolítica de todos os elementos da ciência natural. Pretendia o autor, assim, desenvolver umateoria jurídica pura, ou seja, consciente da legalidade específica do seu objeto.(Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10999#_ftn1)
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criar o Direito, restando ao juiz tão somente a tarefa de aplicá-lo”. (PEREIRA.
2.012. p. 36)
Mas ora, como agir quando o intérprete encontra-se perante casos
concretos em que o regramento jurídico não oferece solução e a tutela deve
ser alcançada?
Com a necessidade de se aperfeiçoar a aplicação jurídica e alcançar
todas as novidades sociais, foram positivadas as figuras dos Princípios
Jurídicos. Conjuntos deontológicos10 norteadores da legislação postulada,
“alicerces normativos sobre o qual assenta todo edifício jurídico”11 e
fundamenta todas as decisões.
No entendimento de Dimas Messias de Carvalho:
Princípios traçam regras e preceitos que constituem fundamentosinseridos na estruturação dos ordenamentos jurídicos (...), traduzem osentido de um ato de vontade e o espírito da norma, permite aproteção e preservação na plenitude dos direitos humanos. (2.014. p.70)
Rodrigo da Cunha Pereira, ensina que “o papel dos princípios é,
também, informar todo o sistema, de modo a viabilizar o alcance da dignidade
humana em todas as relações jurídicas” (2.012. p. 39).
Robert Alexy12 define a diferenciação de valores para princípios,
estando aqueles em níveis axiológicos e estes em níveis deontológicos. Ou
seja:
Os conceitos axiológicos, por sua vez, têm como questão essencial oque é bom. Os variados conceitos axiológicos se modificam conformeos critérios que qualificam algo como bom. Por fim, os conceitosdeontológicos podem ser ligados a um conceito deônticofundamental, o de mandado ou dever ser. Assim, essa divisãopermite enquadrar os princípios na classe dos conceitosdeontológicos e os valores na classe dos conceitos axiológicos.(2.002. p. 140 e 141)
11 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. P. 237. (Citado em DIAS. 2.010. p. 57)
12Citado por LIMA. 2.014. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/31472/a-teoria-dos-principios-de-robert-alexy
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Com a Constitucionalização do Direito Civil, a Constituição da
República Brasileira de 1.988 juntamente com a doutrina trouxeram diversos
princípios norteadores das relações cíveis à legislação, intrínsecos e
extrínsecos, os quais priorizam a conduta do ser humano e a justiça social.
A jurisprudência com a adoção dos Princípios passou a aplicá-los
diretamente aos casos concretos, afinal, baseando-se nos próprios pilares da
legislação, estariam trazendo o próprio espírito que a lei busca regular e
alcançando o objetivo maior que é respaldar as relações jurídicas da
sociedade.
No entanto, como combater o subjetivismo da jurisprudência ao
deparar-se com legislações contraditórias ou obscuras (como o exemplo do
objeto do presente artigo) frente ao rol extenso e genérico de princípios
reguladores, os quais em muitos casos entram em colisão no caso concreto?
O positivismo indica a eliminação (superação) de um dos princípios
em contradição, orientada pelos critérios de cronologia, hierarquia e
especialidade das normas. No entanto, tal remédio ainda não afasta o
subjetivismo dos Juízos.
Quanto aos conflitos de regras, apenas o caso concreto poderia
adequar-se, restando também ao subjetivismo resolver a questão.
Ronald Dworkin13 é um dos autores que mais tem incitado o debate
quanto à incompatibilidade do Positivismo e estruturação normativa baseada
em princípios genéricos.
Para Dworkin:
Há dois pressupostos que seriam comuns à atitude interpretativa deuma prática social: (i) a prática não apenas existe, mas tem umafinalidade segundo o valor, interesse, propósito ou princípio que leveem conta; e (ii) as regras da prática social devem ser compreendidas,aplicadas ou modificadas segundo essa finalidade.(1.999, p. 140 e 141)14
13O jurista norte-americano que faleceu em fevereiro (2013) teve forte influência noreconhecimento da importância dos princípios para o direito e foi um intelectual influente paratoda a sociedade.(Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-direito/ronald-dworkin-um-legado-para-o-direito-e-para-a-sociedade-468dvj5m6a98i7a3y6g56midn).
14 Citado por PRADO.
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Segundo esta teoria, as legislações obscuras ou contraditórias
devem ser interpretadas tendo por base todo conjunto normativo envolvente da
matéria, incluindo seus princípios e ainda objetivando a real finalidade da
eficácia social que seu espírito busca alcançar.
Demonstrada a função dos Princípios, tanto para dar fundamentação
a jurisprudência quanto para serem pilares do ordenamento postulado, serão
analisados a seguir os principais princípios norteadores do Direito Familiar e
Sucessório, os quais terão grande importância ao analisar as diversas
interpretações dadas ao inciso I do artigo 1.829 do Código Civil de 2.002, e se
estas estão em consonância com o objetivo que a respectiva norma busca
alcançar.
a. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Pode-se dizer que a Dignidade da Pessoa Humana é o princípio
maior do ordenamento jurídico brasileiro. Base do Estado Democrático de
Direito, fora consagrado no primeiro artigo da Constituição de 1.988, afastando
o homem como objeto e trazendo a noção que todos têm igual valor pelo
simples fato de o ser.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela uniãoindissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:III - a dignidade da pessoa humana;
Ensina Rodrigo da Cunha, que “a dignidade é um macro-princípio
sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais
como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e alteridade” (2.012.
p. 114).
A Constitucionalização do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana “provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos
jurídicos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito”.
(DIAS. 2.010. p. 63)
Tamanha abrangência que tal princípio elevou a proteção do ser
humano que resta difícil a sua definição, se aproximando melhor nas palavras
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de Immanuel Kant descrita na obra Fundamentação da Metafisica dos
Costumes (1.785), a que, em suma, leciona que “o valor intrínseco que faz o
homem ser superior as coisas (que podem receber preço) é a dignidade”15,
segundo qual “há que ser considerado como um fim em si mesmo, jamais
como meio para obtenção de qualquer outra finalidade”16.
Como Princípio concernente ao próprio ser humano, resta ao Estado
não apenas respeitar seus limites, mas também promover meios de se
valorizar esta dignidade garantindo o mínimo essencial para existência de cada
ser humano com segurança aos seus atos e respeito por suas vontades
legítimas, mesmo após sua morte.
b. Princípios da Autonomia da Vontade e da MenorIntervenção Estatal
O Princípio da Autonomia da Vontade é diretamente ligado a
liberdade de escolhas da pessoa, observadas as disposições normativas.
Como cita Flávio Tartuce, “o fundamento constitucional da autonomia privada é
a liberdade, um dos principais atributos do ser humano”. (2.014. p. 1.116)
Para que seja efetiva a autonomia de escolha, cabe ao Estado se
restringir à mínima intervenção na vontade do homem, cabendo-o apenas
“coordenar, organizar e limitar as liberdades, justamente para garantir a
liberdade individual” (DIAS, 2.010. p.164).
A Constituição de 1.988 impôs de forma clara a concepção de
intervenção mínima do Estado no âmbito familiar, passando aquele a ter o
”papel de Estado-protetor e não um Estado-interventor ao dispor o artigo 226: A
família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (PEREIRA,
2.012. p. 183).
O Princípio da Autonomia da vontade foi recepcionado pelo Código
Civil de 2.002, que em ordem familiar respalda a autonomia das pessoas em
constituir família com o planejamento que assim desejar, observada as
disposições da lei, a liberdade em escolher seu regime matrimonial (salvo
15 Citado por PEREIRA, 2.012. p. 11616 Citado por CARVALHO, 2.014. p. t86.
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exceções), os bens a serem colacionados sob aspectos comuns e particulares,
bem como o fim da relação conjugal quando desejar.
Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado,interferir na comunhão de vida instituída pela família.(Código Civil de 2.002).
Salienta-se que a autonomia da vontade deve ser assegurada ao
homem mesmo após sua morte, como no exemplo dos casos de doação de
órgãos e transmissão de bens pós-morte, sob pena de violação da dignidade.
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, datotalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de suamorte.(Código Civil de 2.002).
c. Princípio da Isonomia dos Membros Familiares
O Princípio da Isonomia corresponde à proteção igualitária a todos
pelo Estado sem distinção de qualquer tipo. Como primeira garantia individual
descrita na constituição, “é um dos sustentáculos do Estado Democrático de
Direito” (DIAS. 2.010. p. 65).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentesno País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nostermos desta Constituição;(Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988).
Ao falar de isonomia deve-se salientar que as pessoas não são
iguais, por tanto o tratamento igualitário a todos é refletido por desigualdade,
sendo paradoxo. Vale lembrar as próprias palavras de Rui Barbosa ao citar
isonomia: “Tratar a iguais com desigualdade ou a desiguais com igualdade não
é igualdade real, mas flagrante desigualdade”.17
17 Citado por DIAS. 2.010. p. 65)
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Por tanto, a igualdade descrita em lei é igualdade formal, ou seja,
igualdade perante a lei, e que a igualdade material é o “direito de equiparação
mediante a redução das desigualdades”. (PEREIRA. 2.012. p.170)
A isonomia fora também respaldada pelo Código Civil de 2.002,
superando as injustiças suportadas pela sociedade feminina da diferenciação
das obrigações conjugais:
Art. 226..§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugalsão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nostermos desta Constituição;(Código Civil de 2.002).
A isonomia deve ser vista não só entre homens e mulheres, mas
também entre os filhos da relação, pouco importando sua origem e respeitando
as diferenças se legítimos ou adotados.
A isonomia deve alcançar a todos os membros familiares,
respeitando sua dignidade humana e os tratando com igualdade no âmbito
familiar e sem restrições na delicadeza do momento do inventário e partilha de
bens com o falecimento de um de seus entes.
d. Princípio da Vedação ao Retrocesso
A partir do momento em que o Estado reconhece direitos sociais em
sede Constitucional, o mesmo está vedado ao retrocesso, sob pena de
desrespeito ao regramento constitucional.
Deve ainda o Estado promover ações a proporcionar a efetiva
realização dos direitos já adquiridos, como os princípios da isonomia entre os
entes familiares e o respeito à autonomia da vontade das pessoas.
Como cita Maria Berenice, “passa a haver também uma obrigação
negativa de não se abster de atuar de modo a assegurar a sua realização”.
(2.010. p. 69)
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Desta forma, ao deparar-se com omissões da lei quanto aos direitos
sociais já consagrados, deve o interprete os dar por existente superando as
eventuais lacunas.
3. Analise Quanto a Disciplina do Regime da Comunhão Parcial deBens
O intuito de se casar gera aos nubentes direitos e deveres
recíprocos, estabelecendo assim a plena comunhão de vida. Contudo, o
casamento não é apenas a união de corpus pela afetividade, mas também a
comunhão do patrimônio das partes.
A existência de bens particulares e a comunicação destes entre os
nubentes, a aquisição de bens na constância de casamento e a futura
transmissão destes com a extinção do vinculo matrimonial, seja com o divorcio
ou a morte (art. 1.571 CC/2.002), são consequências jurídicas do casamento e
devem ser pactuadas com a escolha do regime da comunhão de bens antes
das núpcias.
O Código Civil de 2.002 estabelece quatro regimes de bens com
suas respectivas particularidades, sendo: O regime da comunhão parcial de
bens (art. 1.658 a 1.666); o regime da comunhão universal de bens (art.1.667 a
1.671); o regime da participação final nos aquestos (art. 1.672 a 1.686); e o
Regime da separação de bens (art. 1.687 e 1.688).
A escolha do regime de bens deve seguir o Princípio da Autonomia
da Vontade, como cita bem Sílvio de Salvo Venosa:
Nosso Código Civil adota como regra geral, a liberdade de escolhapelos cônjuges do regime patrimonial no casamento: É lícito aosnubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aosseus bens, o que lhes aprouver (art. 1.639).(2.009. p. 318)
No entanto, o artigo 1.641 do Código Civil estabeleceu exceções a
essa autonomia de escolha, impondo a obrigatoriedade do Regime de
Separação em casos expressos:
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Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens nocasamento:I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causassuspensivas da celebração do casamento;II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Não havendo manifestação dos nubentes quanto à escolha do
regime de bens no processo de habilitação do casamento, o Oficial Civil
indicará o regime da comunhão parcial, devendo haver a simples concordância
das partes. Havendo qualquer tipo de nulidade do pacto, será este também o
regime que prevalecerá, por consequência de ser este o regime legal adotado
pelo Código vigente (art. 1.640).
Maria Berenice Dias enfatiza:
Com a Lei do Divorcio (L.6.515/77), o regime legal de bens passou aser o da comunhão parcial, que afasta a comunicação do acervoadquirido antes do casamento. As heranças, legados ou doaçõespercebidos por um dos cônjuges, a qualquer tempo, antes ou durantea vigência do matrimônio igualmente não se comunicam. O estado decondomínio se estabelece somente com relação aos aquestos, isto é,os bens adquiridos no período da vida em comum, com escassasexceções. (2.010. p. 214)
Havendo opção por outro regime se não o da comunhão parcial,
esta deverá ser estipulada por meio de escritura pública de pacto antenupcial.
A distinção de cada regime pode ser enfatizada basicamente com a
vontade das partes em resguardarem seus bens pessoais ou compartilhá-los
com seu companheiro, ou ainda não adquirir conjuntos de bens comuns entre
si.
O regime da comunhão universal forma um único conjunto do
acervo de bens, sendo tanto os existentes antes das núpcias como os
adquiridos na constância do casamento, salvo as exceções dispostas no artigo
1.668., forma o conjunto comum de bens. Este conjunto será partilhado de
formas iguais no fim do vinculo conjugal com o divórcio.
No regime da separação se formam dois conjuntos de bens, sendo
os particulares de cada cônjuge. Não há bens comuns neste regime. Com o
divorcio, nada há para ser partilhado. Este regime ainda se desencadeia em
duas espécies, o da separação convencional, sendo opcional aos nubentes, e
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o da separação obrigatória, sendo aquele imposto por força do artigo 1.641 do
Código Civil.
O regime da participação final nos aquestos, como ensina Maria
Berenice Dias (2.010. p.218), pode se dizer que existem cinco conjuntos de
bens, sendo os particulares de cada cônjuge antes do casamento, os
particulares de casa cônjuge adquiridos na constância do casamento e os
adquiridos em conjunto durante o casamento. Com o fim da vinculo conjugal
pelo divórcio, será partilhada apenas os bens comuns adquiridos.
Por fim, no regime da comunhão parcial se formam três conjuntos de
bens, sendo os particulares de cada cônjuge e os comuns adquiridos na
constância do casamento. Com o divorcio, serão partilhados apenas os bens
comuns adquiridos na constância do casamento.
Deve-se dar melhor atenção a este regime, pois se tratando do
regime legal imposto por lei é o mais comum.
Conforme as exceções descritas no artigo 1.659 do Código Civil, não
são comunicáveis os bens:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhesobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão,e os sub-rogados em seu lugar;II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes aum dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;III - as obrigações anteriores ao casamento;IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão emproveito do casal;V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendassemelhantes.
Como percebe VENOSA, “a comunhão se formará, como regra, com
os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento”. (2.009. p.
329)
Observa-se também os apontamentos do artigo 1.660:
Art. 1.660. Entram na comunhão:I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso,ainda que só em nome de um dos cônjuges;II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso detrabalho ou despesa anterior;
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III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor deambos os cônjuges;IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge,percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo decessar a comunhão.
Percebe-se que a escolha de bens é basicamente a opção que os
cônjuges têm em resguardar seus bens particulares ou agregarem estes aos
bens de seu parceiro.
A grande questão é o respeito desta escolha com a extinção do
vinculo pós-morte, sendo que, nas regras do divórcio as opções já restam
claras com a própria escolha, mas tratando-se do fim do vinculo conjugal pela
morte, será demonstrado que a regra é alterada, sendo que no regime da
comunhão parcial haverá a possibilidade dos bens particulares dos nubentes,
ora de cujus, serem transmitidos ao cônjuge a depender da interpretação do
texto legal.
4. A sucessão do Cônjuge no Código Civil de 2.002
O cônjuge sobrevivente fora privilegiado no Código Civil de 2.002 de
várias formas em relação ao Código de 1.916.
Uma das mais importantes foi a consagração do cônjuge como
herdeiro necessário, juntamente com os descendentes e ascendentes.
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, osascendentes e o cônjuge.(Código Civil de 2.002).
Grande conquista a salientar como demonstra Ana Luiza Nevares:
Desta maneira, o cônjuge não poderá ser afastado da sucessão,salvo em casos de indignação e deserção, sendo certo que estaultima só poderá ser ordenada pelo Testador por uma das causasque autorizam a primeira de acordo com que dispõem o artigo 1.961do Código Civil. (NEVARES, 2.014. p. 90)
De acordo com o artigo 1.846, metade da herança é pertencente aos
herdeiros necessários. Assim “havendo descendentes, ascendentes e cônjuge,
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não poderá o testador dispor de mais da metade de seus bens, sob pena de
redução das disposições testamentárias”. (NEVARES, 2.014. p. 90)
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, ametade dos bens da herança, constituindo a legítima.(Código Civil de 2.002).
No entanto, o cônjuge só terá legitimidade para suceder se, ao
tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem
separados de fato há mais de dois anos, conforme artigo 1.830.
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjugesobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separadosjudicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvoprova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossívelsem culpa do sobrevivente.(Código Civil de 2.002).
O novo Código extinguiu as disposições do Código antecessor sobre
o usufruto do cônjuge sobrevivente. No entanto, estabeleceu no artigo 1.831o
“direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar18”, independente
do regime de comunhão que fora casado.
Novidade também trouxe ao colacionar o cônjuge ao terceiro grau na
ordem de vocação hereditária, logo após os descendentes e ascendentes,
recebendo, na falta destes, a totalidade da herança,independente do regime de
comunhão de bens.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,salvo se casado este com o falecido no regime da comunhãouniversal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regimeda comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bensparticulares;II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;III - ao cônjuge sobrevivente;IV - aos colaterais.(Código Civil de 2.002).
18 Artigo 1.831 CC/2.002
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No entanto, a maior novidade que o novo Código trouxe a esta seara
está descrita no artigo 1.829 inciso I e II, o qual traz a possibilidade de
concorrência entre cônjuge e descendentes, (a depender do regime da
comunhão de bens adotada no casamento), ou ascendentes, aos bens a
inventariar.
Antes de adentrar ao estudo da sucessão do cônjuge em
concorrência, devem-se ressaltar certos pontos quanto esta.
Como salienta Silvio Venosa, deve-se dar a devida distinção entre
meação e herança:
A meação do cônjuge, como já acenado, não é herança. Quando damorte de um dos consortes, desfaz-se a sociedade conjugal. Comoem qualquer outra sociedade, os bens comuns, isto é, pertencentesàs duas pessoas que foram casadas, devem ser divididos. Aexistência de meação, bem como de seu montante, dependerá doregime de bens do casamento. (VENOSA. 2.014. p 138)
Por tanto, a meação deve seguir as regras do Direito de Família,
sendo divididos os bens comuns de acordo com o regime da comunhão
pactuada no casamento.
Se casado sob o regime da comunhão universal de bens, terá a
meação de todo acervo hereditário. Casado sob o regime da separação total de
bens, não há que se falar em meação, pois não há bens comuns. Casado sob
o regime da participação final nos aquestos terá meação somente nos bens
adquiridos a titulo comum. E, finalmente, se casado no regime da comunhão
parcial de bens, terá direito à meação nos bens comuns adquiridos na
constância da sociedade conjugal.
Concorrendo com os descendentes, o Código Civil ainda impôs
limites quanto aos quinhões de bens que o cônjuge terá por direito, sendo:
O mesmo quinhão dos descendentes que herdarem por cabeça(artigo 1.832, CC), ressalvando a lei que, se os descendentes dofalecido também forem do cônjuge sobrevivente, este não poderáreceber menos de um quarto da herança. (CARVALHO. 2.012. p. 61)
Impôs também limites quando o cônjuge concorrer com os
ascendentes:
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Assim, concorrendo com ascendentes, qualquer que seja o regime debens, não existindo ressalvas, o cônjuge sobrevivente terá direito a1/3 (um terço), se concorrer com ambos os pais do falecido, e a 1/2(metade), se concorrer com apenas um dos pais do autor da herança(1º grau) ou com outros ascendentes (avós, bisavós), ainda que commais de um (arts. 1.829, I, e 1.837, CC). (CARVALHO. 2.012. p. 67)
Quanto aos requisitos de concorrência impostos no inciso primeiro
do artigo 1.829, o cônjuge somente concorrerá com os descendentes quando
casado sob os regimes da comunhão parcial (sob requisitos controversos), sob
o regime da participação final nos aquestos ou sob o regime da separação
convencional de bens. Motivo pelo qual não há de se falar em concorrência
quando casado sob o regime da comunhão universal, pois o cônjuge já possui
a meação sob a totalidade dos bens. Também não há de se falar em
concorrência quando casado sob o regime da separação obrigatória de bens,
por imposição da lei.
Com boa intenção o legislador privilegiou o cônjuge sobrevivente à
concorrência com os descendentes no primeiro grau da linha de vocação
visando garantir sua sobrevivência pós perda de seu consorte.
No entanto, a concorrência dos descendentes com o cônjuge
sobrevivente casado sob o regime da comunhão parcial de bens, disciplinada
do inciso I do artigo 1.829, ficara tanto quanto confusa no tocante a qual
situação concorreria, sendo se o de cujus deixasse bens particulares ou não, e
obscura a que bens o cônjuge concorreria, sendo somente nos comuns ou
também nos particulares.
Silvio de Salvo Venosa tem a crítica mais rigorosa quanto à redação
dada ao tema:
Em matéria de direito hereditário do cônjuge e também docompanheiro, o Código Civil Brasileiro de 2.002 representaverdadeira tragédia, um desprestígio e um desrespeito para o nossomeio jurídico e para a sociedade, tamanhas são as impropriedadesque desembocam em perplexidade interpretativas. Melhor seria quefosse, nesse aspecto, totalmente reescrito e que se apagasse o quefoi feito, com uma mancha na cultura jurídica nacional. É incrível queas pessoas presumivelmente cultas como os legisladores pudessempraticar tamanhas falhas estruturais no texto legal. Mas o mal estáfeito e a lei está vigente. Que a apliquem de forma mais justa possívelaos nossos tribunais! (2.014. p. 142)
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Ana Luiza Nevares ainda acentua que bens particulares entre os
cônjuges sempre serão existentes, sendo nula a ressalva do artigo:
Apesar da ressalva aos bens particulares, verificar uma hipótese emque o cônjuge nesta circunstancia não seja herdeiro em concorrênciacom os descendentes é quase impossível, pois a existência de bensparticulares é praticamente certa em todos os casamentos regidospelo aludido regime. De fato, basta pensar no elenco determinadopelo art. 1.659 do Código Civil, que estabelece os bens que nãoentram na comunhão, para verificar que sempre existiram bensparticulares. (2.014. p. 142)
Posta a redação confusa do artigo 1.829 quanto à concorrência do
cônjuge sobrevivente casado sob o regime da comunhão parcial de bens com
os descendentes do de cujus, restou à doutrina fazer sua devida interpretação.
No entanto, a doutrina também não se pacificou quanto a questão
restando quatro entendimentos diversos à jurisprudência adotar.
a) Da corrente baseada no Enunciado 270 da III Jornada deDireito Civil
O conselho de Justiça Federal, desde 2.002, faz o trabalho de reunir
diversos estudiosos consagrados em matérias cíveis por meio de suas
Jornadas de Direito com o fim de debaterem temas controversos do direito civil.
O Conselho da Justiça Federal, por meio do seu Centro de EstudosJudiciários – CEJ, dentre os serviços que presta ao aperfeiçoamentoda Justiça Federal, tem promovido as Jornadas de Direito Civil, desde2002. O objetivo é reunir magistrados, professores, representantesdas diversas carreiras jurídicas e estudiosos do Direito Civil para odebate, em mesa redonda, de temas sugeridos pelo Código Civil de2002 e aprovar enunciados que representem o pensamento damaioria dos integrantes de cada uma das diversas comissões (ParteGeral, Direito das Obrigações, Direito das Coisas, Direito deEmpresa, Responsabilidade Civil e Direito de Família e Sucessões19.
Salienta-se que tais enunciados são apenas indicativos aos temas, e
não representam pacificações.
19BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível emhttp://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/jornada/article/viewFile/2602/2681.Acessado em: 18/04/2015.
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No ano de 2004, na III Jornada de Direito Civil, o Conselho Federal
de Justiça trouxe à pauta a discussão da devida interpretação ao artigo 1.829,
inciso I do Código Civil e chegaram ao seguinte majoração.
270 – Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjugesobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autorda herança quando casados no regime da separação convencionalde bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ouparticipação final nos aquestos, o falecido possuísse bensparticulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a taisbens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhadosexclusivamente entre os descendentes20.
Baseada neste enunciado, a majoritária corrente doutrinária
brasileira entende que o cônjuge casado sob a comunhão parcial terá seu
direito à meação nos bens comuns com o de cujus, acrescido ao direito à
herança em concorrência com os descendentes somente aos bens particulares
daquele, se houver.
Euclides de Oliveira posiciona-se no mesmo sentido:
Mais adequado e harmônico, portanto, entender que a concorrênciahereditária do cônjuge com os descendentes ocorre apenas quando,no casamento da comunhão parcial, houver bens particulares, porquesobre estes, então, é que incidirá o direito sucessório concorrente, damesma forma que se dá o regime da separação convencional debens21.
Nesta mesma linha a doutrina em diversos casos se posicionou
trazendo seus respectivos reflexos, como o caso do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo:
ARROLAMENTO - DECISÃO DISCIPLINANDO A FORMA DEPARTILHA E A PARTICIPAÇÃO DO CÔNJUGE INCONFORMISMO -ACOLHIMENTO EM PARTE – DECISÃOQUE DEVE SE ADEQUARÀ NORMA LEGAL DISCIPLINADORADA MATÉRIA - INTELIGÊNCIADO ART. 1829, I, DO CC -RECONHECIMENTO DO QUINHÃOHEREDITÁRIO, EM FAVORDO CÔNJUGE, SOBRE OS BENSADQUIRIDOS ANTES DA UNIÃO - DIREITO REAL DE HABITAÇÃORECONHECIDO -INTELIGÊNCIA DO ART. 1831, DO CC –DECISÃOREFORMADA - RECURSO PROVIDO EM PARTE.
20 BRASIL. ENUNCIADOS APROVADOS – III JORNADA DE DIREITO CIVIL, CNJ. Disponívelem http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf. Acessado em: 20/04/2015.21 Citado por VENOSA. 2.014. p. 144
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Isso porque, conforme dispõe expressamente o artigo 1829, inciso I,do Código Civil, o cônjuge casado no regime acima referido, temdireito à herança, quanto aos bens particulares do falecido, namesma proporção que os descendentes.Assim, apenas a meação se restringe aos bens adquiridos naconstância da união, sobre os quais a viúva não tem direitoshereditários.Essa a interpretação que deve ser dada apouco clara redação dodispositivo acima referido.22
Para melhor compreensão, dá-se como exemplo:
João possui em conta bancária a importância de R$ 9.000,00 (nove
mil reais) e tem dois filhos de outro casamento. Logo após se casou com
“Maria” no regime da comunhão parcial de bens, e na constância do casamento
adquiriram o valor de 6.000,00 (seis mil reais). João veio a falecer.
Seguindo a esteira da corrente baseada no Enunciado 270 da III
Jornada de Direito Civil, Maria, que agora é o cônjuge sobrevivente, terá seu
direito a meação no valor adquirido na constância do casamento, ou seja,
3.000,00 (três mil reais), acrescido da herança em concorrência com os dois
filhos de João no valor particular do inventariado, ou seja, R$ 3.000,00 (três mil
reais).
Por fim, Maria teria direito ao valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) e
os descendentes de João 9.000,00 (nove mil reais) divididos entre si.
b) Da corrente baseada no Entendimento de Maria Helena Diniz
Ainda que a primeira corrente seja a majoritária em nossa
jurisprudência, outra corrente de respeitado entendimento se ergueu em
contrapondo àquela, especialmente por ter como idealizadora a Prof.ª Maria
Helena Diniz.
Em comparação com a primeira corrente, esta também concorda
que o cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão parcial de
bens, só terá direito à herança em concorrência com os descendentes caso o
de cujus tenha deixado bens particulares.
22 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Nona Câmara de DireitoPrivado.0042484-21.2009.8.26.0000 Agravo de Instrumento / INVENTÁRIO. Disponível em:http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acessado em 27/09/2015
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No entanto, para Maria Helena Diniz o cônjuge sobrevivente não terá
apenas direito à herança em concorrência com os descendentes aos bens
particulares, mas como também aos bens comuns:
O sobrevivente conserva seu patrimônio particular, retira sua meaçãoe concorre como herdeiro necessário privilegiado à herança do decujus, composta pelos bens particulares e pela antiga “meação”deste.(2014, p. 144),
Maria Helena Diniz justifica tal entendimento se apegando ao artigo
1.791 que ensina que “a herança defere-se como um todo unitário, ainda que
vários sejam os herdeiros”, e ainda:
A lei não diz que a herança do cônjuge só recai sobre os bensparticulares do de cujus e para atender ao princípio da operabilidade,tornando mais fácil o cálculo para a partilha da parte cabível a cadaherdeiro. A existência de tais bens é mera condição ou requisito legalpara que o viúvo, casado sob o regime da comunhão parcial, tenhacapacidade para herdar, concorrendo, como herdeiro, com osdescendentes, pois a lei convoca à sucessão legitima (2014. p. 147).
Pautada em tal entendimento, a doutrina julgou no mesmo sentido:
CIVIL. SUCESSÃO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE CASADO NOREGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. BENS PARTICULARESDEIXADOS PELO AUTOR DA HERANÇA. PARTICIPAÇÃO COMOHERDEIRO NA SUCESSÃO LEGÍTIMA.- O cônjuge supérstite casado no regime da comunhão parcial com ofalecido, tendo este deixado bens particulares, além de sua meação,concorre com os descendentes, na sucessão legítima, participandoda totalidade do acervo da herança, consoante a ordem de vocaçãohereditária estabelecida no artigo 1829, I do Código Civil de 200223
Desta forma, usando o mesmo exemplo da corrente anterior, nesta
linha de pensamento, Maria agora terá sua meação dos valores adquiridos por
João na constância do casamento, 3.000,00 (três mil reais), acrescido da
herança em concorrência com os dois filhos de João nos bens particulares, R$
3.000,00 (três mil reais), e ainda na outra metade dos bem comuns, R$
1.000,00 (mil reais).
23BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Quinta Turma Cível. Agravo de InstrumentoN.° 2004.00.2.009630-8. Relator: Desembargador Dácio Vieira. Julgado em 10 de outubro de2005. Disponível em: http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj
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Por fim, Maria teria direito à 7.000,00 (sete mil reais), e os
descendentes de João R$ 8.000,00 (oito mil reais), dividindo entre si.
c) Da corrente baseada por Maria Berenice Dias
Maria Berenice Dias trouxe novo entendimento à interpretação ao
artigo 1.829, inciso I do Código Civil, pois diverge do entendimento das
correntes anteriores em duas situações, sendo em qual ocasião e a que bens o
cônjuge concorre.
Na primeira situação, a doutrinadora sustenta que o artigo 1.829,
inciso I do Código Civil tem sido lido sem atenção a um pequeno detalhe de
pontuação, o ponto-e-vírgula, trazendo assim toda controvérsias ao assunto.
O fato é que singelo sinal de pontuação tem tumultuado aconcorrência sucessória de quem casou pelo regime da comunhãoparcial de bens. É que ninguém atribui ao sinal gráfico que separa asduas exceções sua função própria, que é de seccionar a oraçãoanterior. (DIAS, 2008, p. 160).
Sendo assim, após o ponto-e-vírgula do texto legal, o mesmo deverá
ser lido em oração diversa, separando-o da exclusão dos dois regimes
anteriores, ficando desta forma: A sucessão legitima defere-se... aos
descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, (...) se, no regime
da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens
particulares.
Ao levar em consideração a leitura do presente artigo da maneira em
que Maria Berenice demonstra, de forma literária, admite-se que o cônjuge só
concorrerá com os descendentes, caso o Autor da herança não tenha deixado
bens particulares.
Em segunda situação, sendo a que bens o cônjuge concorreria,
resta claro que seria apenas na outra meação dos bens comuns ao casal,
retirada a meação do cônjuge sobrevivente, e justifica:
Em respeito à natureza mesma do regime da comunhão parcial, odireito à concorrência só pode ser deferido se não houver bensparticulares. Outra não pode ser a leitura deste artigo. Não há comocontrabandear para o momento em que é tratado o regime da
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comunhão parcial a expressão “salvo se”, utilizada exclusivamentepara excluir a concorrência nas duas primeiras modalidades: o regimeda comunhão e o da separação obrigatória. Não existe dupla negativano dispositivo legal, pois, na parte final –após o ponto-e-vírgula –,passa a lei a tratar de hipótese diversa, ou seja, o regime dacomunhão parcial, oportunidade em que é feita a distinção quanto àexistência de bens particulares. Essa diferenciação não cabe nosregimes, daí a divisão levada a efeito por meio do ponto-e-vírgula.Isso inverte totalmente o sentido da norma, pois afasta o direito deconcorrência na hipótese de o de cujus possuir patrimônio particular.Exclusivamente no caso de não haver bens particulares é que ocônjuge concorre com os herdeiros. (DIAS, 2008, p. 160).
Referida doutrinadora sustenta ainda que os nubentes optem pelo
regime da comunhão parcial de bens justamente para reservarem seus
patrimônios exclusivos aos seus descendentes em caso de seu falecimento,
não devendo o legislador interpretar tal vontade de maneira distinta. No
entanto, caso o Autor da herança tenha deixado bens particulares, o cônjuge
sobrevivente em nada concorreria, apenas tendo direito a sua meação aos
bens comuns do casal.
Como nas outras correntes interpretativas, este entendimento
também gerou reflexos na jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO DE CÔNJUGESOBREVIVENTE CASADA PELO REGIME DA COMUNHÃOPARCIAL DE BENS. EXISTÊNCIA DE DOIS FILHOS APENAS DOVARÃO, DE RELACIONAMENTO ANTERIOR AO CASAMENTO.Sendo ambígua a redação do art. 1.829, I, existindo diversascorrentes em relação ao dispositivo, a melhor interpretação é aquelaque entende que o cônjuge sobrevivente deve ser herdeiro apenasdos bens comuns, sendo os bens particulares partilhados apenasentre os descendentes. Interpretação que mais se harmoniza com oregime da comunhão parcial escolhidos pelos cônjuges. Precedentedo STJ.24
24BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Oitava Câmara Cível. Agravode Instrumento N.° 70035286681. Julgado em 20 de maio de 2010. Disponível em:http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70035286681%26num_processo%3D70035286681%26codEmenta%3D3536945+AGRAVO+DE+INSTRUMENTO.+SUCESS%C3%83O+DE+C%C3%94NJUGE+SOBREVIVENTE+CASADA+PELO+REGIME+DA+COMUNH%C3%83O+PARCIAL+DE+BENS.+EXIST%C3%8ANCIA+DE+DOIS+FILHOS+APENAS+DO+VAR%C3%83O,+DE+RELACIONAMENTO+ANTERIOR+AO+CASAMENTO++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70035286681&comarca=Porto%20Alegre&dtJulg=20/05/2010&relator=Claudir%20Fidelis%20Faccenda&aba=juris. Acessado em 28/09/2.015
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Usando ainda o exemplo das correntes anteriores em que João é o
inventariado e Maria é o cônjuge sobrevivente, segundo esta interpretação,
João falecendo e não deixando bens particulares, Maria teria seu direito a
meação nos bens comuns, R$ 3.000,00 (três reais), mais o direito de
concorrência com os descendentes de João na outra meação, R$ 1.000,00 (mil
reais).
Neste caso, Maria restaria com R$ 4.000,00 (quatro mil reais), e aos
descendentes de João restaria a herança de R$ 2.000,00 (dois mil reais)
divididos entre si.
No entanto se João tivesse deixado bens particulares, no importe
dos exemplos anteriores, Maria teria seu direito à meação aos bens comuns
apenas, R$ 3.000,00 (três mil reais). Já os descendentes de João teriam direito
à herança na outra metade dos bens comuns 3.000,00 (três mil reais), mais a
herança exclusiva aos bens particulares, R$ 9.000,00 (nove mil reais), divididos
entre si.
Neste caso, por fim, Maria restaria com R$ 3.000,00 (três mil reais),
e aos descendentes de João restaria a herança de R$ 12.000,00 (doze mil
reais) divididos entre si.
d) Do entendimento do STJ a partir do Recurso Especial n.992.749/MS
Em 01 de dezembro de 2009, em julgamento do Recurso Especial n.
992.749/MS, a Ministra Relatora Nancy Andrighi, da Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça, deu início a novo entendimento à interpretação do
inciso I, do artigo 1.829 do Código Civil de 2.002, especialmente quanto à
concorrência do cônjuge sobrevivente casado sob o regime da comunhão
parcial de bens.
Para a Ministra, o tema abordado deve ser interpretado de forma
sistemática, trazendo em tela não apenas a norma em seu sentido literal, mas,
sim, acompanhada de todos os princípios que regem a matéria.
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Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto dosistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com osdemais que enfeixam a temática, em atenta observância dosprincípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, adignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livremanifestação da vontade humana, por meio da autonomia davontade, da autonomia privada e da consequente auto-responsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota aboa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculoprincipiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.(BRASIL, STJ. Recurso Especial nº 992.749 - MS (2007/0229597-9)25
Pautado em todo conjunto principiológico que rege o presente tema,
especialmente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,
segundo a Ministra, o cônjuge, além de seu direito à meação aos bens comuns
com o cônjuge falecido, sempre terá direito à herança em concorrência com os
descendentes somente à outra metade dos bens comuns, tendo deixado bens
particulares o de cujus ou não, ao quais são herança exclusiva dos
descendentes.
Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com opostulado da autodeterminação, ao contemplar ocônjuge sobrevivente com o direito à meação, além daconcorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que hajabens particulares, os quais, em qualquer hipótese, sãopartilhados unicamente entre os descendentes. (BRASIL. STJ,Recurso Especial n. 992.749 - MS (2007/0229597-9)26
Esta interpretação leva em consideração acima de tudo a vontade
das partes mesmo após a morte, em que, em vida, optaram pelo casamento
sob o regime da comunhão parcial de bens justamente para comunicarem
apenas os bens adquiridos durante a constância do casamento.
Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regimematrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamentopela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação
25 BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 992.749 - MS (2007/0229597-9). Disponível emhttp://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8592148/recurso-especial-resp-992749-ms-2007-0229597-9/inteiro-teor-13675032). Acessado em: 19/04/2015.
26 BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 992.749 - MS (2007/0229597-9). Disponível emhttp://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8592148/recurso-especial-resp-992749-ms-2007-0229597-9/inteiro-teor-13675032). Acessado em: 19/04/2015.
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convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjugesobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade doautor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pactoantenupcial, por vontade própria. (BRASIL. STJ, Recurso Especial n.992.749 - MS (2007/0229597-9)27
Voltando ao exemplo de Maria e João, seguindo esta corrente de
interpretação, Maria terá direito a meação dos bens comuns, R$ 3.000,00 (três
mil reais), acrescido da herança em concorrência com os descendentes de
João na outra metade dos bens comuns, R$ 1.000,00 (mil reais), o que seria
ainda desta forma se não existissem bens particulares de João.
Aos descendentes de João, seria conferida a herança em
exclusividade dos bens particulares, R$ 9.000,00 (nove mil reais), acrescido da
herança em concorrência com Maria outra metade dos bens comuns do casal,
R$ 2.000,00 (dois reais).
5. Analise Quanto à Divergência Doutrinária e Conclusões Finais
Mediante breve estudo quanto à matéria em tela, percebe-se que
variado restou a interpretação do inciso I, do artigo 1.829 do Código Civil de
2.002, seja pela obscuridade do legislador, ou pela forma hermeneuta usada
para sua leitura, ficando ainda mais clara ao analisar a divergência dos
resultados das partilhas usadas nos exemplos a depender da corrente
interpretativa a se seguir.
A primeira e a segunda corrente concordam na concorrência do
cônjuge apenas quando existir bens particulares do inventariado, discordando
quanto aos bens a serem partilhados. No entanto, ambas não consideram todo
conjunto normativo que rege a matéria e tão pouco a vontade das partes, tendo
uma interpretação quanto à lei seca.
Em contraponto, a terceira corrente interpreta o respectivo artigo de
forma literal diferenciada, dando ao cônjuge sobrevivente meação aos bens
comuns apenas quando não houver bens particulares. Fica evidente a
27BRASIL. STJ, Recurso Especial nº 992.749 - MS (2007/0229597-9. Disponível emhttp://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8592148/recurso-especial-resp-992749-ms-2007-0229597-9/inteiro-teor-13675032. Acessado em: 19/04/2015.
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disparidade com os descendentes que receberão quota muito inferior da
herança, tendo em vista que não haverá bens particulares de seu sucessor.
A quarta corrente é a mais adequada à sistematização jurídica,
dando sempre direito ao cônjuge à concorrência sob a outra meação dos bens
comuns, mesmo quando não houver bens particulares, restando como, dentre
todas mencionadas, a melhor a se utilizar.
No entanto, deve-se observar não apenas a situação delicada do
cônjuge ao perder seu consorte, mas também a situação dos descendentes do
inventariado, pois, da mesma forma, estes poderão também ser seus
dependentes e merecerem maior resguardo de bens e atenção à sua
sobrevivência.
Todas as atuais correntes doutrinárias acerca do tema apenas
observam a situação delicada do cônjuge ao perder seu cônjuge, seja por lhe
garantir direito de concorrência apenas nos bens comuns, apenas nos
particulares ou em ambos.
O melhor meio de se garantir a sobrevivência de todos sucessores
em primeiro grau, ou seja, o cônjuge sobrevivente e descendentes seria a
concorrência daquele apenas nos bens comuns do casal, uma vez que
participou de sua construção no caso de haver bens particulares, o que seria
exclusivamente partilhado entre os descendentes. Não havendo bens
particulares, o cônjuge teria apenas direito à sua meação devido ao regime de
bens, e, aos descendentes, a herança exclusiva a outra metade dos bens
comuns do casal.
Esta é a melhor forma de interpretar o inciso I, do artigo 1.829 do
Código Civil, mesmo em sua forma literal, levando em consideração a seguinte
leitura: “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte (...) aos
descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se (...) no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens
particulares”.
Como a presente norma é obscura quanto a que bens o cônjuge
concorreria, particulares ou comuns, cabe ao interprete a forma benéfica a
ambas as partes, respeitando primeiramente o princípio da Autonomia da
Vontade dos nubentes em vida quanto ao resguardo de seus bens particulares
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optando pelo regime da comunhão parcial de bens, como também a paridade
entra as partes, buscando assegurar ambas aos direito de herança.
Referências
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