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2.1. Introdução2.2 Acessos e qualidades da água, saneamento e degradação territorial –
ainda um grande problema global2.3 O Impacto na saúde2.4 Os determinantes do impacto na saúde e os agentes envolvidos
2.4.1 Os agentes biológicos infectantes2.4.2 Os contaminantes químicos2.4.3 As modificações na natureza impostas pela ação humana e a falta de saneamento e de higiene
2.5 Medidas necessárias2.6 ConclusãoReferências Bibliográficas
2 ÁguA e sAneAMentO: IMpACtOs nA sAúde
ubiratan de paula santos
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19
A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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Objetivos das Aulas:• Compreender a questão do consumo de água e dos serviços de esgotamento sani-
tário - o acesso à água de qualidade e à rede de coleta e tratamento de esgoto num panorama global e no Brasil;
• Reconhecer o impacto da atividade humana na qualidade e quantidade de água disponível;
• Conhecer as principais doenças de veiculação hídrica.
2.1. IntroduçãoApesar de não ser linear e estar sujeito a retrocessos (como vimos assistindo desde o final
da primeira década em diversos países do hemisfério norte), de maneira geral, conforme os
países se desenvolvem, os tipos de doenças que afetam as populações vão mudando de perfil,
passando de um predomínio de doenças infectocontagiosas para o predomínio de doenças
crônicas cardiovasculares, respiratórias, diabete e cânceres. Globalmente, a soma dos óbitos pelas
causas transmissíveis, maternal, neonatal e nutricional apresentou uma queda estimada de 34%
(16 milhões a menos) entre 1990 e 2010 (Lozano, 2010). Essas mudanças decorreram de vários
fatores: maior acesso e consumo de alimentos, ampliação dos serviços de saneamento, com
melhor qualidade e maior abrangência da água fornecida; ampliação da rede de coleta e de
tratamento de esgotos; aumento da longevidade da população; melhora dos serviços de saúde
pública, desde vacinação até assistência à saúde, e pela presença de novos riscos à saúde, como
obesidade, inatividade física e poluição do ar. No Gráfico 2.1 pode-se visualizar a representação
da mudança dos fatores de risco com o tempo.
Gráfico 2.1: A transição dos riscos. / Fonte: Adaptado de OMS, 2009.
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2 Água e saneamento: impactos na saúde
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Embora seja uma preocupação que remonta à Antiguidade (são conhecidos os sistemas de
abastecimento de água e de coleta de esgoto na Grécia e no Império Romano), o problema
do abastecimento de água (com qualidade) e do esgotamento dos dejetos gerados pelo homem
ainda se constitui num tema relevante e com impacto na morbimortalidade mundial. Na lide-
rança entre os fatores de risco com maior impacto global na carga de morbidade (OMS, 2009),
medida em , estão a desnutrição (6%), o sexo inseguro (5%), o abuso de álcool (5% ) e a
o consumo de água de má qualidade, falta de saneamento e higiene precária (4%).
2.2 Acessos e qualidades da água, saneamento e degradação territorial – ainda um grande problema global
A constituição das cidades, das grandes cidades e a progressiva urbanização dos países
introduziu a necessidade de fornecimento de água a milhares ou milhões de pessoas num
determinado território geográfico (a cidade), e de coletar, dispor e tratar os dejetos humanos
nele diariamente gerados, para permitir a vida com melhor bem-estar, e reduzir riscos à saúde.
São bem conhecidas as epidemias de cólera na Índia e em Londres (com cerca de 2,5 milhões
de habitantes) no século XIX, que dizimaram centenas de milhares de pessoas, em decorrência
da contaminação da água pelo cólera. Apesar de termos assistido a uma ampliação dos serviços
de fornecimento de água potável e de esgotamento sanitário ao longo do último século, o
problema ainda persiste em vastas regiões e inúmeros países. No Brasil temos feito importante
progresso, mas ainda persiste com grande desigualdade regional. É recorrente a falta d’água
no nordeste brasileiro e mesmo dentro de grandes cidades, como São Paulo, onde milhares de
cidadãos, em bairros periféricos, ficam diariamente sem fornecimento.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2009), o consumo de água não
potável e a falta de serviços de saneamento e de higiene estão entre os cinco principais fatores
de risco para a morbimortalidade no mundo (desnutrição; sexo inseguro; consumo de bebida
alcoólica; consumo de água contaminada, falta de saneamento e de higiene pública; hiperten-
são arterial). Juntos, esses cinco fatores respondem globalmente por aproximadamente 27,6%
(16,25 milhões) dos óbitos e por 23% (351 milhões) de todos os DALYs.
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A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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Estimativas globais para o ano de 2004 sugeriam que 83% e 59% da população mundial
contavam com algum tipo de acesso à água potável e de esgotamento de dejetos, respecti-
vamente (OMS, 2009). Em números absolutos, estimativas para o ano de 2010 sugerem que
783 milhões, 2,5 bilhões e 1,5 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável, a serviços de
saneamento e defecam a céu aberto, respectivamente, em todo o mundo (OMS). Essa cobertura,
além de limitada - estamos no século XXI! - é amplamente desigual, com alguns países com
cobertura acima de 90% e outros abaixo de 50% de suas populações, como vimos na aula
anterior “Introdução: conceito sobre meio ambiente, aspectos históricos da relação
do homem com o meio ambiente”. Na América Latina e Caribe, entre 1992 e 2012,
estima-se que o acesso à água potável tenha passado de 86% para 92% e o de saneamento
básico, de 70% para 78% da população (OPAS, 2012). No Brasil, em 2008, 92,8% e 31,5% da
população, nas zonas urbanas e rurais, respectivamente, tinham acesso à água potável, e somente
24,2% da população da zona rural tinha acesso a esgoto ou fossas sépticas (IBGE, 2011; OMS).
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) 2010, apenas
53,5% da população urbana brasileira tem acesso à coleta e 37,9%, ao tratamento de esgotos
(SNIS, 2010; TraTabrasiL, 2012). Das 100 maiores cidades brasileiras, em 3% e 44% delas o
serviço de fornecimento de água e de coleta de esgoto, respectivamente, não atingiam 50% dos
domicílios, com os piores índices localizados em cidades das regiões Norte e Nordeste, com
destaque para cidades do Sul, como Joinville e Blumenau, que figuram entre os 10 municípios
com mais baixos índices de coleta de esgotos (IBGE, 2011; SNIS, 2010; TraTabrasiL, 2012).
Estes dados quanto ao fornecimento de água, entretanto, devem ser vistos com cautela, tanto
pela falta de registros adequados como pela não contabilização de populações que habitam em
moradias e aglomerados urbanos precários, como favelas. Estas frequentemente não são levadas
em conta pelas agências ou empresas fornecedoras de água e de serviços de saneamento por se
localizarem em áreas não regularizadas. O censo do IBGE de 2010 registrou 11,42 milhões de
habitantes moradores em domicílios considerados subnormais (IBGE, 2010).
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2 Água e saneamento: impactos na saúde
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Figura 2.1: Brasil: Evolução da rede coletora de esgoto (PNSB 1989 – 2008). / Fonte: Adaptado de IBGE, 2011.
Gráfico 2.2: Proporção de municípios sem serviços de saneamento, por tipo de serviços e região, PNSB 2008. / Fonte: Adaptado de IBGE, 2011.
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A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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Na Figura 2.1 e no Gráfico 2.2 estão representadas as coberturas de água e esgoto, e a
falta delas, nos estados e regiões do Brasil, na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB)
realizada pelo IBGE em 2008 (IBGE, 2011). Neles podemos verificar a grande desigualdade
regional, mas também o grande avanço que ocorreu na cobertura entre 1989 e 2008.
Analisando os dados do IBGE relativos a 1991, 2000 e 2010 (Gráfico 2.3), pode-se verificar
a diversidade da situação dos serviços de saneamento, inclusive o fornecimento de água, a coleta
de esgoto e de lixo nos domicílios, segundo o tamanho das cidades, com as menos populosas
apresentando menores prevalências de adequação.
Esse quadro evidencia as desigualdades regionais e intrarregionais, e tem sido o principal
responsável pelo ainda elevado número de internações e, embora em número reduzido, os
inaceitáveis óbitos por diarreia (IBGE, 2010), descritos no item seguinte, onde os contrastes
entre estados e municípios chamam atenção.
2.3 O Impacto na saúdeO principal impacto na saúde decorrente da falta ou condição inadequada de saneamento,
de água, de higiene pessoal e de alimentos está associado à ocorrência de infecções intestinais,
cuja manifestação clínica mais frequente é a diarreia. Intoxicações químicas e infecções outras
como a leptospirose, estão mais associadas, em nosso meio, à ocorrência de enchentes, são
menos comuns e registradas. Outras doenças transmitidas a quem tem reservatórios de água,
como a hepatite A, a dengue, a esquistossomose e a malária, acometem milhões de indivíduos
Gráfico 2.3: Proporção de domicílios com saneamento adequado (água, coleta de esgoto e de lixo), por faixas de habitantes. Brasil 1991-2010 (IBGE – censos demográficos). / Fonte: Adaptado de IBGE.
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2 Água e saneamento: impactos na saúde
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em todo o mundo e persistem apesar de seus modos de transmissão serem bem conhecidos.
Suas persistências estão associadas à forma de ocupação do homem, como bem demonstra a
situação da malária na Amazônia; à falta de saneamento e higiene, como a esquistossomose; e de
limpeza pública e também ao modo de ocupação dos territórios, como a dengue.
Estimativas da OMS sugerem que a água contaminada, saneamento e higiene inadequados
sejam as causas de 88% dos óbitos que ocorrem por diarreia no mudo. O consumo de água
contaminada, saneamento e higiene inadequados responderam por cerca de 1,9 milhão (3,2%
dos óbitos) e 64 milhões (4,2%) das DALYs que ocorreram no mundo em 2004 (OMS, 2009).
A gravidade da situação é o fato de sua evolução ainda instável e com elevado número de
óbitos. Em 1990 o número estimado de óbitos global por diarreia (cujas contribuições do sane-
amento e da água são os fatores mais relevantes) foi de 2,5 milhões, em 2004; de 2,16 milhões,
em 2008; de 2,46 (4,3% do total de óbitos), mas dados e análises mais recentes, relativos a 2010,
estimam em 1,4 milhão, uma queda consistente e significativa (Lozano et al., 2010; OMS).
Apesar de estar em declínio, dos estimados 7,6 milhões de crianças menores de cinco anos
de idade que morreram em 2010 (LIU et al., 2012), a diarreia foi responsável por cerca de 11%,
perdendo apenas para a pneumonia e a mortes por complicações neonatais (Gráficos 2.4 e 2.5).
Gráfico 2.4: Causas globais de óbitos em crianças de até 5 anos.
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A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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Para o Brasil (ano de 2004), o número total de óbitos estimado, por todas as causas, foi de
1,28 milhão (VicToria, 2011; Kronemberger, 2010). As diarreias responderam por 29 mil
óbitos, com uma taxa de mortalidade padronizada pela idade de 15,0/100.000 habitantes e, por
1,065 milhões de DALYs, com uma taxa padronizada pela idade de 532/100.000 habitantes.
Para crianças abaixo de cinco anos, a estimativa do número de óbitos e de DALYs/100.000 em
todo o Brasil, associados à água contaminada, falta de saneamento e de higiene pública, é de
123 e 4.378, respectivamente, com um número absoluto de 21.570 e 766.324, respectivamente
(OMS). Os dados confirmam o grande impacto nas crianças, mais sujeitas à ingestão de con-
taminados, com defesas ainda em desenvolvimento e com forte impacto da desnutrição, que,
quando presente, aumenta o risco de morbimortalidade.
Dados referentes a 2008, entretanto, revelam acentuada queda nesses índices, com número
de óbitos de 6.800, que corresponde a 3,9/100.000 habitantes, que pode estar relacionado
à ampliação da oferta de água, ampliação da rede de saneamento e melhor alimentação e
escolaridade, assistência à saúde, associados aos abrangentes programas de transferência de renda
(OMS; VicToria, 2011).
Gráfico 2.5: Evolução da mortalidade global em crianças de até 5 anos – 2000 – 2010. / Fonte: Adaptado de Lancet, 2012.
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2 Água e saneamento: impactos na saúde
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Dados obtidos do Banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS) revelam uma
queda expressiva no número de óbitos de pacientes internados a partir de 2008, mas com uma queda
menor no número de internações por diarreia (conjunto dos diagnósticos registrados como cólera,
febres tifoide e paratifoide, shiguelose,
amebíase, diarreia e gastroenterite de
origem infecciosa presumível e outras
doenças infecciosas intestinais), eviden-
ciando que o problema da contaminação
ainda é muito elevado (Gráfico 2.6) e
desigual (Tabela 2.1), em nosso meio, e
que por outros fatores a serem mais bem
estudados – nutrição, emprego, renda
(salário mínimo, bolsa família), ampliação
da cobertura e da qualidade da assistência
à saúde – podem estar na raiz da impor-
tante redução da mortalidade.
Estudo retrospectivo (Kronemberger, 2010) que avaliou a situação entre 2003 e 2008,
em 81 cidades que, em 2008, tinham mais de 300 mil habitantes, verificou que apenas
25 municípios apresentaram queda constante do número de internações por diarreia, no
período do estudo e uma correlação negativa e significativa entre as internações por diarreia
e o atendimento de esgoto aos domicílios. Também evidenciou que as taxas de internação
nos municípios do norte e nordeste, e nos mais pobres de outras regiões, foram maiores e
nesses municípios os custos com a internação/100 mil habitantes também foram maiores
(ex. Ananindeua/PA: R$315 mil × R$12 mil em São Paulo/SP).
Tabela 2.1: Número de diarreias* e taxa por 100 mil habitantes para o ano de 2011. / Fonte: Adaptado de DATASUS.
Regiões População Número diarreias* Taxa bruta/100 mil habitantesSudeste 80.364.410 58.131 72,33
Sul 27.386.891 39.507 144,26
Centro-Oeste 14.058.454 28.523 202,89
Nordeste 53.081.950 197.577 372,21
Norte 15.864.454 73.213 461,49
Todas/Brasil 190.756.159 396.951 208,09
Nota: * diagnósticos/internação: cólera, febre tifoide e paratifoide, shiguelose, amebíase, diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível e outras doenças infecciosas intestinais.
Gráfico 2.6: Número de óbitos e de internações hospitalares (x100) por diarreias e infecções intestinais. / Fonte: Adaptado de DATASUS.
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A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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As crianças com até quatro anos responderam por cerca de 1/3 das internações apresenta-
das na Tabela 2.1, proporções semelhantes foram observadas entre as regiões, com diferença
apenas entre as regiões Sul e Norte, onde corresponderam a 27% e 42% das internações.
A malária, doença transmissível, associada aos desequilíbrios ambientais provocados pelo modo
de ocupação da natureza pelo homem, com destruição/alteração da flora, fauna e fluxos migrató-
rios, é a 4ª causa de óbitos global de crianças de até cinco anos de idade (Gráficos 2.4 e 2.5), com
estimados 564 mil óbitos para o ano de 2010 (LIU et al., 2012). Nas Américas, apesar da redução
do número de casos em 52% e de óbitos em 68%, ela é endêmica em 21 países, com 90% dos casos
concentrados na América do Sul e, principalmente, na região Amazônica (OPAS, 2012). No Brasil
foram registrados 332 mil novos casos de malária em 2010 (OPAS, 2012). No mesmo ano foram
registrados 1,011 milhão, e 41 mil casos de dengue e de esquistossomose, respectivamente (OPAS,
2012). Para o ano de 2008, em 12% dos municípios brasileiros ocorreram surtos de leptospirose
(doença transmitida principalmente pela água contaminada), sendo que em 3% deles ocorreram
óbitos, e a maioria dos casos e óbitos ocorreu nas regiões metropolitanas (IBGE, 2011).
2.4 Os determinantes do impacto na saúde e os agentes envolvidos
Regiões rurais abandonadas pelo poder público e, principalmente, o crescimento dos aglo-
merados urbanos de forma acelerada, sem planejamento urbano, e o modo de ocupação das
áreas de florestas e queimadas estão na raiz das alterações ambientais e seus efeitos na saúde.
O descaso com a implantação de serviços de saneamento, que tem a exclusão social como matriz,
pois responsável pela implantação de extensas áreas populacionais constituídas de favelas, des-
providas de serviços regulares de fornecimento de água potável, de esgotamento sanitário e de
tratamento dos dejetos, de coleta de lixo domiciliar regular; o descarte de resíduos ou efluentes
químicos por indústrias; o uso de pesticidas em excesso e sem a observância de normas adequadas
de segurança (Perez, 2009), e o modo de ocupação do território, a exemplo da Região Amazônia,
estão na raiz da degradação ambiental que repercute na saúde humana, seja pelos desequilíbrios
ambientais, pela contaminação do solo e das águas locais, como à distância, pela contaminação
de rios e represas, como assistimos em diversos países e em muitas regiões e municípios bra-
sileiros, a exemplo dos rios Tietê e Pinheiros e das represas Billings e Guarapiranga, na Região
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2 Água e saneamento: impactos na saúde
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Metropolitana de São Paulo, e do Estuário de Santos. O ressurgimento de epidemias de cólera em
países da América Central, após um século de sua erradicação e um século e meio após a desco-
berta do seu modo de transmissão, pelo médico britânico John Snow (snow, 1990), comprova a
heterogeneidade e a gravidade da situação, que motivou a resolução da Organização das Nações
Unidas (ONU) que dispõe sobre o direito humano à água e ao saneamento (ONU, 2010).
O principal impacto na morbimortalidade está associado à disseminação de doenças trans-
mitidas pela água, alimentos, dejetos e resíduos contaminados e pela falta d’agua para higiene.
Globalmente e também no Brasil, as alterações ambientais e as condições de saneamento ina-
dequadas contribuem com grande carga de doenças infecciosas como a dengue, a malária e a
esquistossomose, embora com menor impacto na mortalidade com relação às primeiras, mas
com impacto crônico como a malária e a esquistossomose.
2.4.1 Os agentes biológicos infectantes
A contaminação e as consequências das infecções intestinais por agentes microbianos res-
pondem pela imensa maioria das internações e óbitos por diarreia em todo o mundo e no
Brasil. A mortalidade acomete, principalmente, crianças de até cinco anos de idade (OMS).
A transmissão dos agentes pode ser direta, de pessoa para pessoa (mãos contaminadas) e de
animais para pessoas, ou transmissão indireta pela ingestão de água, alimentos ou contato por
uso de utensílios e equipamentos contaminados.
Os principais e mais frequentes microrganismos envolvidos são: bactérias e suas toxinas
(Shigella, Escherichia coli, Salmonella, Clostridium difficile, Vibrio cholarae), vírus (Rotavírus, Norwalk)
e parasitas (Giardia Lamblia, Entamoeba). Nos Quadros 2.1, 2.2 e 2.3 estão descritos os principais
agentes envolvidos em diarreias agudas, seus modos de transmissão e reservatórios (minisTério
da saúde, 2010).
A maioria dos quadros diarreicos infecciosos é causada por bactérias e vírus que têm curto
período de incubação e se manifestam agudamente (horas a poucos dias); os causados por
parasitos têm períodos de incubação de dias a semanas, e têm período de duração de semanas,
meses, ou até anos, como é o caso da Giardíase.
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A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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Quadro 2.1. Principais bactérias envolvidas em quadros diarreicos agudos. / Fonte: Adaptado de Ministério da saúde, 2010.
AgentesGrupo etário
dos casos
Modo de transmissão e
principais fontes
Reservatórios principais
Bacillus cereus Todos Alimentos Ambiente e alimentos
S. aureus Todos Alimentos Humanos e animais
Campylobacter Todos Fecal-oral, alimento, água, animais domésticos
Aves, bovinos e ambiente
E. coli enterotoxigênica (ETEC) Todos Fecal-oral, alimento,
água, pessoa a pessoa Humanos
E. coli enteropatogênica Crianças Fecal-oral, alimento, água, pessoa a pessoa Humanos
E. coli enteroinvasiva Adultos Fecal-oral, alimento, água, pessoa a pessoa Humanos
E. coli enterohemorrágica Todos Fecal-oral, alimento, pessoa a pessoa Humanos
Salmonella não tifóide Todos, principalmente crianças Fecal-oral, alimento, água
Aves, mamíferos domésticos e silvestres,
bem como répteis
Shiguella spp Todos, principalmente crianças
Fecal-oral, alimento, água, pessoa a pessoa Primatas
Yersinia enterocolitica TodosFecal-oral, alimento,
água, pessoa a pessoa, animal doméstico
Suínos
Vibrio cholerae Todos, principalmente adultos Fecal-oral, alimento, água Ambiente
Quadro 2.2: Principais vírus envolvidos. / Fonte: Adaptado de Ministério da saúde, 2010.
AgentesGrupo etário dos
casos
Modo de transmissão e
principais fontes
Reservatórios principais
Astrovírus Crianças pequenas e idosos Fecal-oral, alimento, água Provavelmente humanos
Calicivírus Crianças e adultos Fecal-oral, alimento, água, nosocomial Provavelmente humanos
Adenovírus entérico Crianças pequenas Fecal-oral, nosocomial Provavelmente humanos
Norwalk Crianças maiores e adultos Fecal-oral, alimento, água, pessoa a pessoa Humanos
Rotavírus grupo A Crianças pequenasFecal-oral, nosocomial,
alimento, água, pessoa a pessoa
Humanos
Rotavírus grupo B Crianças e adultos Fecal-oral, água, pessoa a pessoa Humanos
Rotavírus grupo C Crianças e adultos Fecal-oral Humanos
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2 Água e saneamento: impactos na saúde
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Quadro 2.3: Principais parasitos. / Fonte: Adaptado de Ministério da saúde, 2010.
AgentesGrupo etário dos
casos
Modo de transmissão e
principais fontes
Reservatórios principais
Balantidium coli Ignorado Fecal-oral, alimentos, água
Primatas, roedores e suínos
Cryptosporidium Crianças e adultos com Aids
Fecal-oral, alimentos, água, pessoa a pessoa,
animais domésticos
Humanos, bovinos, outros animais
domésticos
Entamoeba histolytica Todos, principalmente adultos
Fecal-oral, alimentos, água Humanos
Giardia lamblia Todos, principalmente crianças
Fecal-oral, alimentos, água
Humanos, animais selvagens e domésticos
Isopora belli Adultos com Aids Fecal-oral
As síndromes diarreicas são caracterizadas pelo aumento da frequência de evacuações, fezes
aquosas ou com pouca consistência, podendo incluir a presença de muco e de sangue e ser
acompanhada ou não de febre, calafrios, náuseas, vômitos e dores abdominais. Podem levar à
desidratação, à infecção generalizada e ao óbito, conforme o atendimento médico prestado e
as condições nutricionais e defesas do indivíduo. Podem atingir cronicamente as populações,
devido às precárias condições sanitárias, de higiene e nutricionais, ou atingir as comunidades
em surtos pela contaminação das redes de distribuição de água, de ingestão de alimentos con-
taminados, nesse caso de solução mais imediata.
Estudo realizado nos Estados Unidos da América levantou a ocorrência de 833 surtos de
doença, atingindo 578 mil pessoas, associados à contaminação da água, entre os anos de 1971 e
2006, sendo os principais agentes envolvidos os parasitos, as bactérias, os vírus e a contaminação
química. As principais manifestações clínicas foram os quadros diarreicos seguidos de hepatite
A e de manifestações respiratórias associadas à infecção por Legionella. A prevalência dos surtos
foi maior nos meses da primavera e verão. A contaminação foi observada tanto em áreas com
fornecimento de água público quanto privados (graum et al., 2010).
2.4.2 Os contaminantes químicos
Outra fonte de contaminação e de doenças são os produtos químicos. Entre 1970 e 2010, a
produção e consumo de produtos químicos aumentou 10 vezes (OPAS, 2012). Esses produtos
31
A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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usados de maneira abrangente, crescente e com controle não adequado em regiões, países e
cidades, acabam por ser importante fonte de contaminação da água, do solo e de alimentos
(metais, pesticidas, resíduos orgânicos clorados), estes responsáveis por efeitos crônicos, de difícil
mensuração, a não ser por estudos específicos, ou pela ocorrência de grandes eventos, como a
contaminação da baía de Minamata, no Japão, por mercúrio, responsável por cerca de 12 mil
pessoas intoxicadas e mais de 500 óbitos.
Estima-se em 4,9 milhões a 86 milhões o número de óbitos e de DALYs atribuídos a todos
os tipos de exposição química ambiental, referente ao ano de 2004. As intoxicações agudas por
agentes tóxicos e por pesticidas responderam por cerca de 240 mil e 186 mil óbitos, respectiva-
mente (Prüs-usTun et al., 2011).
A contaminação pode ocorrer por várias vias, inalatória, ingestão de água e alimentos con-
taminados, pela pele e exposição fetal durante a gestação.
O referido estudo realizado nos EUA (craum et al., 2010) revelou que a contaminação
química foi responsável por 11% dos 833 surtos de doenças decorrentes da contaminação de
água, com óbitos atribuídos à contaminação por arsênico, fluoreto, etileno glicol e nitrato.
A exposição ambiental a : uma parte ocorre associada ao consumo de água e
alimentos contaminados e é responsável por cerca de 143 mil e 9 milhões de óbitos e DALYs
em todo o mundo (OMS, 2009). Assim como outros contaminantes como o mercúrio, arsênico,
cádmio, cromo, níquel e pesticidas têm ações tóxicas no organismo, levando a alterações crô-
nicas neurológicas, renais, cardiovasculares, hematológicas, digestivas, ósseas e cânceres (cádmio,
arsênico, cromo, níquel, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos)(craum, 2010; innes, 2011).
A contaminação das águas por metais (chumbo, mercúrio, cádmio, zinco e cobre) tem sido
verificada em estudos como o realizado na Bahia de Todos os Santos (HaTje, barros, 2012;
souza, windmöLLer, HaTje, 2011), o do estuário de Santos (o caso do aterro/lixão com gran-
des quantidades de pesticidas organoclorados depositados pela empresa Rhodia em São Vicente,
entre 1974 e 1994, é emblemático), com impactos em moradores locais, pelo consumo de
peixes e frutos do mar da região. A ingestão ocorre, principalmente, pelo consumo de água e
alimentos contaminados, como do solo contaminado, sobretudo as crianças, pela falta de água
para higiene e por desinformação e higiene pessoal inadequada.
32
2 Água e saneamento: impactos na saúde
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2.4.3 As modificações na natureza impostas pela ação humana e a falta de saneamento e de higiene
Modificações ambientais, com destruição de florestas, ocupações desordenadas que alteram
habitats naturais, a falta de saneamento e a limpeza inadequada dos ambientes urbanos também
são responsáveis pela persistência, recrudescimento e ampliação de doenças, a maioria delas com
complicações crônicas, como a esquistossomose (infecção por espécies do verme Schistosoma, trans-
mitido pelo contato com águas contaminadas por caramujos dos gêneros Biomphalaria, Bulinus e
Oncomelaria), a malária (causada por parasitas do gênero Plasmodium, transmitidos pela picada do
mosquito Anófeles, que tem predileção por águas limpas ou pouco poluídas e paradas), a dengue
(doença viral cujo principal vetor é o mosquito Aedes Aegypt), a filariose (também conhecida como
elefantíase, infecção do sistema linfático por vermes transmitidos por mosquitos que têm como
criadouros águas poluídas), infecções intestinais por vermes nematódeos (áscaris, necator, ancylostoma
e trichiurus) transmitidos pela água ou solo contaminado com dejetos humanos, o tracoma (doença
contagiosa crônica, que atinge os olhos, transmitida pelo contato entre pessoas infectadas pela
Chlamydia trachomatis), cuja disseminação está associada aos maus cuidados de higiene, para os
quais contribui a falta adequada de água, bem como as doenças de chagas, a leishmaniose e a febre
amarela (OPAS, 2012; Kronemberger, júnior, 2010; Prüss-üsTün, corVaLán, 2006).
2.5 Medidas necessáriasFaz parte da vida dos cidadãos em comunidade o empenho direto ou indireto para a busca de
soluções ou a implementação de soluções conhecidas e adiadas por dificuldades e interesses outros.
O enfrentamento para reduzir ou eliminar os problemas de saúde decorrentes da falta de água, do
consumo de água contaminada, da falta de saneamento ou de saneamento inadequado passa por:
• Garantir o direito à água potável a toda a população;
• Ampliação dos serviços públicos de fornecimento de água potável;
• Melhorar os serviços de manutenção para reduzir as elevadas perdas d’água do sistema
• Limitar, fiscalizar e controlar melhor a extração de água do subsolo e de aquíferos;
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A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5
• Monitorar a qualidade da água, atualmente realizado em apenas cerca de 60% dos municípios
brasileiros e de maneira incompleta; a maioria não fazendo controle de metais e resíduos
de pesticidas ou outros químicos que têm sido associados à ocorrência de doenças crônicas;
• Estabelecer políticas para aumentar o consumo de água de reuso, ou de reuso de água, com
segurança, especialmente na agricultura e aquacultura. Estima-se que mais de 10% da popu-
lação consuma alimentos produzidos com uso de irrigação. O incentivo ao reuso da água
com qualidade permite maior economia no consumo de água e reduzir o consumo de água
contaminada na agricultura;
• Estender a coleta de esgoto a todos os domicílios urbanos e rurais, bem como de serviços de
tratamento dos resíduos, adequados às características dos aglomerados urbanos. Na zona rural, a
solução é diferente das cidades, e as pequenas cidades exigem soluções diferentes das metrópoles.
Na Região Metropolitana de São Paulo, um aglomerado com 21 milhões de habitantes, cerca de
50% do esgoto domiciliar é jogado nos rios e represas (entre eles: Tietê, Pinheiros, Tamanduateí,
Guarapiranga, Billings) poluindo-os, o que faz com que sejam fontes de contaminação da po-
pulação e, principalmente, que sejam realizados grandes investimentos para a captação de água
em bacias mais distantes e no tratamento dessas águas para o consumo humano;
• Melhoria do controle de geração e destinação dos efluentes industriais;
• Introdução de padrões de limpeza pública e de orientação às populações para evitar a
criação de transmissores e a propagação de vetores de agentes causadores de doenças;
• Adequação dos processos de expansão das fronteiras agrícolas e de ocupação do homem
de áreas rurais e mesmo de áreas urbanas periféricas.
2.6 ConclusãoNeste texto, que serve de referência para as aulas 2 e 3 desta disciplina, foram apresentados e
discutidos aspectos relacionados à água e saneamento, ou à sua falta, bem como às intervenções do
homem no ambiente e na produção, que podem gerar riscos de contaminação da água, do solo e de
alimentos, e ser fontes de doenças. Foram apresentados dados sobre as principais doenças e agentes
associados ao fornecimento inadequado/insuficiente de água, de saneamento e de higiene, com
destaque para as diarreias, que representam cerca de 80% das doenças associadas ao saneamento
ambiental inadequado. Possíveis medidas de prevenção e controle são apresentadas ao final.
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2 Água e saneamento: impactos na saúde
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5
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Agora é a sua vez...Acesse o Ambiente Virtual de Aprendizagem e
realize a(s) atividade(s) proposta(s).
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A intervenção humana sobre o ambiente e suas consequências. problemas de saúde pública
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GlossárioChumbo: um metal pesado utilizado na indústria metalomecânica, de vidros, cerâmica, de pigmentos e,
até passado recente, como aditivo de combustível.
DALYs (disability-adjusted life years): anos potenciais de vida perdidos devido à morte prematura ou vividos com limitação ou deficiência de saúde. É uma medida comum usada para mensurar o impacto de fatores de risco nos óbitos em qualquer idade e na incapacidade por doença.
OMS: Organização Mundial da Saúde.
WHO: World Health Organization.
YLD: anos de vida perdidos porque vividos com limitação devido à doença ou às suas sequelas.
YLL: anos de vida perdidos devido à morte prematura.
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