1. Alguns riscos da caricatura no Teatro de RevistaMaria Odette
Monteiro TeixeiraPrograma de Ps-Graduao em Artes Cnicas
UNIRIODoutorando Histria e Historiografia do Teatro - Or. Flora
SssekindResumo: O trabalho investiga a relao entre a caricatura e o
Teatro de Revista brasileironas trs primeiras dcadas do sculo XX,
utilizando como base os nomes de trs artistasque trabalharam nas
duas reas: Luiz Peixoto, Raul Pederneiras e J. Carlos. So
artistasque retrataram com humor e inteligncia a vida da cidade do
Rio de Janeiro dos perodosdenominados Repblica Velha Era Vargas. O
que se quer saber em que medida ouniverso plstico da caricatura
colabora na construo dos quadros do Teatro de Revista,como tambm se
nos elementos constituidores dos caricaturais personagens do teatro
derevista (chamados personagens tipo) h traos que se originariam da
deformao sugeridana caricatura. O objetivo verificar se h um
deslocamento do desenho para o palco e vice-versa.Palavras-chave:
Caricatura, Teatro. Nas primeiras dcadas do sculo XX, perodo de
imensas transformaes nacidade do Rio de Janeiro, capital da
novssima repblica, trs caricaturistas famosos nomeio jornalstico
aventuraram-se nos palcos do Teatro de Revista, so eles:
RaulPederneiras (1874-1953), J. Carlos (1884 1950) e Luiz Peixoto
(1889 1973). Trata-se deartistas polivalentes, capazes de passar do
desenho ao palco. Os trs colaboraram entre sie, na medida em que
faziam parte da elite intelectual carioca, tiveram grande
influnciacomo formadores de opinio e criadores de moda. Eles, como
tambm os cronistas dacidade, Joo do Rio, Lima Barreto, Orestes
Barbosa e Francisco Guimares,testemunharam de forma crtica e
original as transformaes da sociedade brasileira de seutempo. Dos
trs artistas escolhidos, Raul Pederneiras o nico de formao
acadmica.Embora seja conhecido principalmente como pintor e
caricaturista, Pederneiras tambm foiprofessor de Direito da antiga
Universidade do Brasil, bem como ensinou na EscolaNacional de Belas
Artes. Estreou na caricatura em O Mercrio, jornal impresso
ondetrabalhou em parceria com o caricaturista K. Lixto. Participou
de diversos peridicoscariocas, a exemplo de Revista da Semana, O
Tagarela, D. Quixote, Fon-Fon, O Malho eJornal do Brasil. famosa a
sua srie de charges Cenas da Vida Carioca, na qualdocumenta a saga
humana e social do Rio de Janeiro, contemplando os dois universos:
oda elite e o das classes populares. Em 1907, participa com K.
Lixto e Joo Foca de uma conferncia humorsticailustrada promovida
pela revista Fon-Fon no Palace Hotel. O evento tem como tema os
tiposcariocas, e, partindo dessa temtica, os caricaturistas
deveriam realizar em pblico asilustraes. O sucesso levar Raul a
repetir o evento ao qual incorporar os nomes de LuizPeixoto e J.
Carlos.
2. Fundou e presidiu a Associao Brasileira de Imprensa (ABI),
como tambm foium dos fundadores da Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais (SBAT). Em 1922, publicouGeringona Carioca, um dicionrio
de grias recolhidas dos universos marginais da cidadedo Rio de
Janeiro. No campo do Teatro, segundo a historiadora Laura Moutinho
Nery, Pederneirasescreveu mais de quarenta peas, entre revistas,
comdias e entreatos, sendo que a grandemaioria foi fruto de
parcerias com Vicente Reis e Luiz Peixoto. Sua estreia como
autorteatral acontece em 1903 com a revista O Esfolado, em parceria
com Vicente Reis. Aencenao no Teatro Apollo trazia o popularssimo
ator Brando vivendo o personagemalegrico o povo, e o ator Peixoto
como Jamego, gria relativa assinatura, numa alusodireta assinatura
oficial que baixava decretos prejudicando as camadas populares.
Ohistoriador Herman Lima destaca alguns exemplos dessa produo
dramatrgica como: OBadalo, escrita com Vicente Reis (1904); e
Berliques e Berloques, revista encenada noTeatro Recreio Dramtico,
em 1907, a qual tinha entre seus personagens a figura dePiadinhas,
um alter ego de Pederneiras , que brincava com as palavras e
abusava dostrocadilhos (uma especialidade de Raul). O personagem,
vivido pelo ator Olimpio Nogueira,subiu ao palco devidamente
caracterizado como o caricaturista. Vestia um terno quevalorizava o
porte longilneo, com destaque para os amplos bigodes que
Pederneirasconservou a vida toda. Outro destaque foi a revista Pega
na Chaleira, escrita em 1909 comAtaliba Reis. O ttulo se refere
gria chaleirar, significando adular, bajular, numa aluso
aosfrequentadores das rodas de chimarro promovidas pelo poderoso
senador da repblica, ogacho Pinheiro Machado. A pea j antecipava a
forma da chamada Revista Carnavalesca,que era composta por quadros
autnomos, sem um elo entre si. Em 1912, Raul escreve ORio
civiliza-se, revista que tem como assunto a remodelagem da cidade
com as reformas doprefeito Pereira Passos. Em 1915, apresenta no
Teatro So Pedro A ltima do Dudu textoque faz aberta referncia ao
apelido jocoso do presidente Hermes da Fonseca. Na dcadade 1920,
Raul se desencanta com o gnero das revistas e passa a escrever
comdias,dentre elas vale destacar: Vamos pintar o sete (1922),
texto que critica o modernismopaulista; O Ch de Sabugueiro, sucesso
de pblico em 1931; e Meu Pedao, escrita emparceria com outro
humorista importante, Aparcio Torellly, e tambm encenada em
1931pela companhia de Araci Cortes. Como fica claro nesse breve
relato biogrfico, Raul Pederneiras produziu umaobra teatral
considervel em termos quantitativos, falta recuperar e analisar a
qualidadedesses textos. J. Carlos pseudnimo de Carlos de Brito
Cunha, considerado o mais criativocaricaturista brasileiro da
primeira metade do sc. XX. Ele entra no mundo da caricatura em1902,
na publicao O Tagarela, dirigida por Raul Pederneiras e K. Lixto
(1877 - 1957). No
3. ano seguinte, contribui com diversas publicaes adultas e
infantis, at que, em 1908,emprega-se na revista A Careta, onde
trabalha at 1921. Paralelamente, colabora comdiversas publicaes,
entre elas as revistas Fon-Fon, A Cigarra e O Malho, sendo
estaltima dirigida por ele a partir de 1918. Entre 1922 e 1930,
trabalhando como diretor artsticode O Malho, inicia uma srie de
charges de carter poltico, satirizando fatos epersonalidades
nacionais e estrangeiras. famosa sua srie de charges
antibelicistasexecutadas no perodo abrangido pelas duas grandes
guerras. J. Carlos faz a crnica visualda vida do carioca. Suas
charges retratam o surgimento de novidades culturais etecnolgicas
que modificaram a vida do brasileiro, tais como: o telefone, a
fotografia, ochope, o samba, o bonde eltrico, o automvel, o cinema,
o rdio e o avio. Ele destacou acultura do futebol, da praia e
principalmente do carnaval, como tambm exps as mazelasde cidade,
como as enchentes, a falta dgua, a dificuldade de moradia e o
trnsitodesorganizado. J. Carlos criou com seu lpis a negrinha
lamparina, o almofadinha e afamosa melindrosa, jovem esguia,
elegante de olhos redondos e cabelo cortado lagaronne, imagem
criada entre a ingenuidade e ousadia, a qual se tornou o tipo ideal
dajovem de elite. No Teatro de Revista, J. Carlos atuou como
cengrafo e figurinista, colaborandoem espetculos criados por Luis
Peixoto. Como dramaturgo, foi autor de uma nica pea, arevista do
Outro Mundo, com msica de Ari Barroso e J. Cristobal, a qual foi
sucesso depblico no teatro Recreio, em 1930. O texto est sendo
recuperado juntamente com omaterial iconogrfico da montagem. Luiz
Peixoto , dos trs artistas, o mais conhecido no universo do Teatro
deRevista, onde desempenhou uma bem-sucedida carreira. No entanto,
antes do teatro, aindamuito jovem, experimentou o gosto pela
caricatura. Apresentou originariamente seu trao naRevista da
Semana, e nesse peridico que conheceu Raul Pederneiras, com quem
criarcaricaturas a quatro mos, sob a assinatura acronemtica de
Raiz. Colaborou tambm nasrevistas O Malho, O Papagaio, A Avenida,
Tan-Tan e Fon- Fon. Trabalhou no Jornal doBrasil como desenhista
para depois se tornar redator. No teatro, seu nome ficou conhecido
com o sucesso da burleta Forrobod(1912), escrita em parceria com o
jornalista Carlos Bittencourt e com msicas de ChiquinhaGonzaga. A
pea conquistou o pblico e chegou marca de 1.500 apresentaes.
Nadcada de 1920 vai a Paris conhecer o teatro europeu, chegando a
trabalhar comocengrafo no Teatre de lOuvre com Lugne Poe. A
experincia influenciou seus trabalhos noTeatro de Revista carioca.
Foi um dos mais importantes autores desse gnero, produzindo,pelo
menos, 110 peas. Foi tambm letrista de grandes sucessos da msica
popularbrasileira, como: Na Batucada da Vida, Luxo S, entre
outros.
4. A pesquisa que comeo a desenvolver visa a recuperar e
analisar os textosteatrais desses caricaturistas e relacion-los com
a produo caricatural da poca. Oobjetivo verificar como um universo
alimenta o outro, e, assim, perceber em que medidaos procedimentos
de comicidade prprios do desenho de humor se adquam ao palco,
bemcomo de que maneira o universo plstico da caricatura colabora na
construo dos quadrosdo Teatro de Revista. Assim, acredito que se
possa perceber, dentro desses elementosconstituidores dos
personagens caricaturais do teatro de revista (chamados
personagenstipo), traos que se originariam, em verdade, da deformao
sugerida na caricatura. importante lembrar que nessas duas formas
de expresso (caricatura e Teatrode Revista) empregam-se recursos
afins de linguagem. Nos dois espaos possvel usarpersonagens
alegricos, a exemplo de quando se retrata uma bela jovem
representando aRepblica ou uma senhora elegante representando a rua
do Ouvidor. Se no Teatro deRevista o doubl sense (duplo sentido)
extremamente explorado, valorizando a malcia dotexto, tal recurso
tambm cabe no universo do desenho de humor. Outro dado que
mereceser mencionado que na conveno do Teatro de Revista h o quadro
caricatura viva, queconsiste em retratar indivduos que estejam em
evidncia, seja na poltica, seja na imprensaou nas artes. Relacionar
o Teatro de Revista com a caricatura dos artistas citados
jpossibilitaria uma pesquisa instigante, pois claramente perceptvel
uma teatralidadeinerente nas situaes tratada nessas charges. A
forma como expem a vida cotidiana dacidade nos faz pensar numa
verdadeira apresentao de sketches. Nesse contexto, anatureza
ambivalente do humor permite que se perceba de forma crtica as
contradiesdessa sociedade que por um lado quer se civilizar
francesa, mas de outro situa-se numcontexto fsico e social ainda
muito prximo do universo colonial escravista. No entanto,para alm
dessa dramaturgia imagtica existe uma dramaturgia textual
testemunhando umaligao efetiva de nossos caricaturistas com o
universo do teatro. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASLIMA, Herman. Histria
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e o teatro de revistade Arthur Azevedo. Campinas, Ed. da Unicamp,
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(Mestrado) - Departamento de Histria,Pontifcia Universidade
Catlica.
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Casa de Rui Barbosa,
2001.http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB
Quinta 12 de Agosto de2010 14horas.SUSSEKIND, Flora. As revistas de
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1986.VELLOSO, Mnica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro. Turunas
e quixotes. Rio deJaneiro: Editora da Fundao Getlio Vargas,
1996.VENEZIANO, Neyde. No Adianta Chorar: Teatro de Revista
Brasileiro, Oba!. Campinas SP:Editora da Unicamp, 1996.______. O
Teatro de Revista no Brasil: Dramaturgia e Convenes. Campinas SP:
Editorada Unicamp, 1991.