UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
FACULDADE DE DIREITO
IHS402 – ANTROPOLGIA GERAL E JURÍDICA
CARLOS MARÉS:
"AS NOVAS QUESTÕES JURÍDICAS NAS RELAÇÕES DOS ESTADOS NACIONAIS
COM OS ÍNDIOS"
MANAUS
2010
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Francimar Cardoso Rodrigues
Haytham Bader
Marco Antonio Celente
Marina da Silva Santos
Rayson Vitor da Silva
Rodrigo Rodrigues Pessoa
A Constituição de 1988 definiu um novo paradigma nas relações entre o Estado Nacional Brasileiro e seus povos autóctones, pautado no reconhecimento de suas particularidades e na garantia de seus direitos originários; contudo, tais princípios norteadores são desvirtuados, sobretudo na esfera Judiciária, em favor de institutos antiquados e persistentes, o que leva à questão de como resolver os dilemas entre o interesse da sociedade majoritária e os silvícolas.
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O novo paradigma da relação Estado-autóctones nas bases da Constituição de 1988;
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
A Carta Magna rompe um paradigma de séculos de integracionismo e
monoculturalismo forçado ao reconhecer o caráter pluriétnico do Estado, ao reconhecer
direitos coletivos amplos e difusos, não somente a todos os cidadãos, mas particularmente
àqueles que sempre foram desfavorecidos pela atuação negativa do Poder Público: os
quilombolas afrodescendentes, e, sobretudo, os autóctones, sob a édige de uma única
nação e um único povo. Contudo, tal ruptura ainda não se deu de forma completa, pois
desde então a atuação das três funções estatais, notadamente o Judiciário, tem desvirtuado
ou contrariados as próprias bases dessa nova política.
As brechas constitucionais que possibilitam a protelação dos novos preceitos;
“Art. 5º, LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.”
“Art. 103, § 2º – Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para
tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção
das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em
trinta dias.”
“Art. 5º, XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.”
“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
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Contudo, a persistência de velhos interesses político-econômicos impede a ampla
efetivação dos princípios constitucionais no tocante aos autóctones, dado que o próprio
texto dá margem a interpretações dúbias e vagas, além de não explicitar os meios de a
regulamentação que possibilita a produção imediata dos efeitos, o que dá espaço para a
manobra e perversão das intenções expressas nos artigos, com fins de atender a interesse
alheio ao dos povos indígenas.
Direitos coletivos: universalismo e particularismo;
Os direitos coletivos expressos na Carta Magna se aplicam às coletividades em geral,
qual seja o conjunto de todos os indivíduos em um grupo coeso. Eles possuem duas
facetas: os de sociodiversidade, num sentido global, prezando pela existência e
convivência mútua e harmônica; e os étnicos, reservados a um grupo em particular, sendo
imprescritíveis, inalienáveis, inembargáveis, impenhoráveis e intransferíveis. Estes
últimos estão agrupados nos direitos territoriais, culturais e de auto-organização.
Direitos territoriais originários e legais;
“Art. 231:
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes.”
Mesmo garantida à posse por direito originário de suas terras, a competência dada à
União para a demarcação dá margem ao desrespeito de tais direitos, na medida em que
muitas das vezes esse processo é viciado e atrelado às vontades de grandes grupos e
setores influentes da sociedade. O resultante é a subtração do verdadeiro espaço
necessário à uma existência digna de muitas sociedades indígenas, muitas vezes sendo
forçadas a migrar para outras terras, às quais não possui qualquer vínculo de
pertencimento, o que se perfaz nocivo à sobrevivência do grupo como cultura distinta e
como povo. A política territorial indígena necessita de revisão e mesmo reversão de
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situações anômalas e injustas, visando a efetiva delimitação de territórios considerando o
interesse e necessidade das sociedades nativas do local.
Direitos culturais: preservação, consentimento e multiculturalismo;
“Art. 210, § 2º – O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem.”
“Art. 215, § 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.”
É direito de cada povo autóctone preservar sua cultura particular, e ter acesso às
demais culturas e suas realizações, caso assim desejar, além de ter proteção garantida de
suas manifestações e saberes da usurpação alheia. Entretanto, no campo educacional o que
se vê é uma “sutil imposição” do ensino nacional massificado, desconsiderando o
expresso desejo ou não dos povos de receberem uma educação customizada ou a padrão.
No campo dos direitos de autoria, o choque entre as concepções legalista e indígena do
que é a propriedade cultural e intelectual causa prejuízos aos últimos, visto que suas
realizações muitas vezes acabam por se tornar objeto de apropriação indevida por parte de
certos indivíduos e/ou setores.
Auto-organização: o poder interno e o poder estatal;
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições...”
Apesar da garantia dada de livre conformação das questões internas relativas à própria
organização social, econômica e política de cada povo, conforme sua cultura, à luz da
legislação constitucional, a resistência do Estado Nacional em reconhecer este pluripoder
interno passa pela questão da soberania, de poder de imperium centralizado e unificado, e
por tal razão há uma constante interferência estatal, o que configura danoso à própria
organização social de cada povo. A política indigenista reformulada necessita reconhecer
essa pluricidade de poderes étnicos particulares, de cunho local e não nacional.
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Princípios da velha e nova política para os autóctones.
Por fim, os princípios da velha política indigenista, embasado na integração,
aculturação e assimilação, devem ser substituídos por uma nova concepção centrada nos
direitos coletivos que dizem respeito aos autóctones: respeito por suas terras tradicionais,
cultura, organização interna, proteção de suas necessidade, interesses e manifestações,
além do empenho do Judiciário em fazer valer reconhecimento da integridade e
incolumidade dos povos silvícolas do Brasil, mesmo que a distribuição demográfica de
alguns seja transnacional, dado que as fronteiras étnicas nem sempre correspondem às
fronteiras políticas fixadas pelos colonizadores e posteriormente pelos Estados sucessores,
além da defesa e promoção dos direitos pluriétnicos dos autóctones nos plano
internacional, com representatividade dos mesmo inclusive. Isso garante que cada povo
indígena viva plenamente segundo sua vontade e desejo, contribuindo assim para a
riqueza humana em todos os aspectos.
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