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APAJ: CONTRADIÇÃO ENTRE IDEAL E O REAL NACONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO
José Alexandre Berto de Almada
Mestrando em Geografia – PPGe-UFRN
INTRODUÇÃO
A partir dos primeiros anos da década de 1990 o estado do Rio Grande do Norte
iniciou o processo de reestruturação produtiva do seu território, nesse contexto, a
intensificação da atividade turística ganha destaque em virtude do Prodetur-NE, uma política
pública em parceria com o setor privado que financiou a implementação de infraestrutura
turística no nordeste brasileiro, com destaque para Natal, no qual foi construída uma rede
hoteleira, colocando a cidade na rota do turismo de massa, nacional e internacional.
A concentração de infraestrutura está presente em alguns setores da cidade,
principalmente do eixo “a vitrine do turismo”, identificado por Furtado (2005), que vai da Via
Costeira, onde se localiza os principais hotéis, à praia de Ponta Negra, concentrando as
principais ofertas de serviços aos turistas. Porém, outras áreas da cidade, e de seu entorno,
foram afetadas pela inserção dessa área da cidade na rota do turismo de massa, uma
dessas é a praia de Jenipabu, situada no munícipio de Extremoz, ao norte da cidade de
Natal, na qual se transformou em um dos principais lugares de visitação para o turista que
chega à cidade, em virtude da grande circulação de sua imagem em catálogos de viagem, e
dos seus serviços únicos, passeio de buggy e dromedário pelas suas dunas.
A atividade turística desenvolvida na praia de Jenipabu trouxe consigo um
discurso implementado por uma ideologia desenvolvimentista associada com a preservação
ambiental da praia e de seu entorno, para isso, em 1995 foi criada a Área de Proteção
Ambiental de Jenipabu –APAJ, pelo decreto estadual Nº 12.620/95, com o objetivo central de
proteger o ecossistema da apa, mas por se tratar de uma área de proteção ambiental,
também é permitido o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis, no qual é
regulamentada pela lei 9.254/09 que fragmenta a apa em zonas econômicas, especificando
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o tipo de atividade que pode ser desenvolvida em cada uma delas. Tendo em vista esse
contexto, o presente trabalho busca apreender a contradição entre o ideal, presente no
discurso desenvolvimentista e preservacionista nas leis que regulam o território, o real, o
território usado, o que está materializado no espaço geográfico.
Para esse fim foi realizado análises das políticas públicas que ordenam a APAJ,
entrevistas com questionário estruturado com quase todos os comerciantes presentes na
APAJ, totalizando noventa e sete entrevistados, excetuando da pesquisa cerca de dez
comércios por estarem fechados e/ou os comerciantes que não quiseram participar da
entrevista.
A partir desses dados foi possível estabelecer o perfil dos comércios presentes
da APAJ e entender de que forma o turismo transformou uma comunidade que há trinta
anos vivia da pesca artesanal e da agricultura de subsistência em uma APAJ estruturada pela
atividade comercial do turismo, a partir desses dados também foi mapeado a área de
concentração dos comércios no perímetro da APAJ mapeamento de seus comércios,
levantamento de dados ambientais contidos em pesquisas sobre a APAJ, entrevistas com os
moradores.
A contradição entre o ideal e o real na APAJ transformou um território dedicado
a pesca artesanal e a agricultura em um território estruturado por dois mitos,
desenvolvimento econômico pelo turismo e preservação ambiental, pois o principal capital
oriundo do turismo não é empregado na região, mas sim no eixo da vitrine do turismo,
destinando à APAJ os ônus da atividade, impactos ambientais e sociais.
O uso do território em função da atividade econômica do turismo é origina-se do
planejamento do Estado, a força motriz do evento na APAJ é oriundo de políticas públicas,
uma vez o turismo não é uma atividade natural, que surge no território espontaneamente,
nenhum lugar é turístico em si, o próprio turismo não é em si, mas sim uma construção ao
longo da história.
TURISMO NO ESPAÇO GEOGRÁFICO
A atividade comercial do turismo para vir ao mundo necessita de uma realidade
material para dar vida a sua existência, é necessário construir ou refuncionalizar as formas
espaciais, ou seja, essa materialização consiste em dotar o espaço com novas formas de uso
com a infraestrutura necessária, uma vez que “para que o fazer turístico – inserido na lógica
de uma atividade econômica organizada – possa acontecer, faz se necessária a criação de
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uma sistema de objetos capaz de atender à demanda de ações que lhe é própria” (CRUZ,
1999, p. 02).
De acordo com Furtado (2007) desde 1960 o estado do Rio Grande do Norte já
dava os primeiros passos em direção ao turismo, mas ainda de forma incipiente, por isso
mesmo ainda não podemos considerar nesse contexto o turismo enquanto evento para
atual território da APAJ, pois suas ações foram pontuais, o processo embrionário do evento
do turismo iniciou a partir do final da década de 1970, uma vez que nesse contexto
o governo realizou inúmeros implementos como forma de atração de capitais
privados para a cidade, visando desenvolver o turismo, o que na realidade,
aconteceu. Dentre as muitas realizações de incentivo ao setor, destaca-se, nesta
fase, o Projeto Parque das Dunas/Via costeira (doravante chamada Via Costeira),
elaborado e criado pelo Decreto nº 7.538, de 19/01/1979 (FURTADO, p. 235,
2007).
O turismo contemporâneo não é apenas a questão do lazer, de ocupar o tempo
ocioso com visitação a lugares distantes do nosso cotidiano, é antes disso uma atividade
econômica, essa para Luchiari (2000) “é uma atividade que não depende mais
exclusivamente da ‘vocação’ de uma região, pode ser construída artificialmente pelo poder
econômico e político [...]”, a nosso ver, nunca dependeu apenas do lugar ter ou não um
atrativo para visitação, esse sempre foi construído, o turismo não é algo em si, nesse ponto
concordamos com Boyer (2005) que nos fala que” nenhum lugar é ‘turístico em si’, nenhum
sítio ‘merece ser visitado’, como diz a literatura turística; o turismo é um produto da
evolução sociocultural[...]”.
Sendo o turismo uma atividade econômica existente no modo capitalista de
produção também se apoia na mercadoria, a mercadoria desta é a imagem do lugar a ser
visitado, na qual o “ambiente constitui a matéria-prima sobre a qual o homem trabalha,
socialmente, para produzir o território que resulta, eventualmente, mais tarde, por
intermédio da observação, ‘em uma paisagem’ da imagem, a imagem que eles querem
vender”. (RAFFESTIN, 2009, p. 17).
O conceito de paisagem em que se apoia Raffestin (2009) nos parece o mais
adequado para a realidade do produto turístico, pois, a imagem do lugar que é vendida é
uma interpretação intencional do vendedor ao cliente, passando por cima, ou deixando
invisível os processos de criação do território, levando a alguns autores em chamar esses
lugares de “não-lugar”, pois o turista quer conhecer a paisagem que está no catálogo de
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viagens, e não a totalidade do sistema de objetos e do sistema ações, apenas uma pequena
porção, dando a impressão de que os espaços turistificados são esses “não-lugares”, mas
verdade são lugares, mas com suas essências esvaziadas pelo uso econômico que se faz
dele.
O que nos interessa não é a discussão do lugar ou do não-lugar, mas sim a
questão de que o lugar não é turístico em si, sempre uma construção, sempre uma
intencionalidade, uma relação da dimensão do para si, e essa é que vai fazer do turismo ser
oriundo de um evento, dotado de intencionalidade e potencialidade na possibilidade de se
materializar no espaço, uma vez que com o evento mudam as coisas, transformam os
objetos, dando-lhes, ali mesmo onde estão, novas características (SANTOS, 2012, p.146), o
lugar torna-se turístico, mudando sua função, criando novas formas para atender a
demanda dos novos usos, exigindo novos cotidianos para dar ação aos objetos.
A tentativa de naturalizar a turistificação de Natal, bem como de todo o
Nordeste brasileiro, está na peculiaridade espacial apontada por Fonseca (2005), em que as
características da faixa litorânea nordestina – “com 2.500 km de extensão, a diversidade de
seus atrativos turísticos naturais e culturais, e altas temperaturas e o elevado número de
dias de sol durante o ano, dentre outros fatores, possibilitaram e viabilizaram investimentos
turísticos ao longo das últimas décadas”. O mais importante para a turistificação não está
essencialmente no litoral ensolarado de clima tropical, mas principalmente nos outros
fatores, pois esses, nos parece a condição sine qua non do desenvolvimento do turismo,
justamente o interesse do grande capital em se reproduzir nessas áreas.
Para entender a origem desse processo é importante destacar a passagem da
década 1980 para 1990 em que
intensificação da valorização das zonas de praia ocorre principalmente a partir
das políticas públicas voltadas para o turismo estabelecidas no final dos anos
1980, com destaque para o Programa de Ação para o Desenvolvimento do
Turismo do Nordeste – PRODETUR-NE, conferindo a estes espaços diferentes
usos (COSTA, p. 156, 2012).
O PRODETUR-NE tem em sua essência, não o sol e o mar, mas sim grandes
investimentos oriundos tanto da esfera pública quanto da privada, terminando por
consolidar a existência do evento de um tipo especifico de turismo no Nordeste, bem como
em Natal, já que em
dezembro de 1994, por intermédio do Banco do Nordeste do Brasil (Banco do
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Nordeste), operação financeira com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) no valor de US$ 400 milhões, destinada a financiar o
programa Desenvolvimento do Turismo do Nordeste - Prodetur/NE I. Essa
operação previu contrapartida mínima de US$ 270 milhões (incluindo US$ 55,6
milhões para o pagamento de juros e comissão de crédito), ampliação e
modernização de aeroportos, e pelos estados partícipes do programa, para as
demais obras de infra-estruturas. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, p.19, 2004).
Esses dados sobre os investimentos inicias do PRODETUR-NE, também
conhecido como PRODETUR-I, nos mostra que o sol e o mar são apenas o discurso para a
implementação do turismo, carregado pelo discurso que o “turismo coloca-se, muitas vezes,
como única possibilidade de desenvolvimento econômico para um lugar, uma cidade, uma
região...” (LUCHIARI, 2000, p. 105-106), mas, deixam de comentar que essa possibilidade é
invadia com uma realidade que “submete as populações locais a uma ordem externa,
desarticulando culturas tradicionais, como é o caso da maioria de nossas comunidades
litorâneas” (idem, p. 106).
Essa característica evidencia o fato que a essência não se encontra na integração
de pessoas de lugares diferentes, no dialogo entre culturas, a essência do turismo de massa,
é por excelência a essência a do modo capitalista de produção, como tal o turismo
“representa a conquista de uma importante parcela do espaço que se transforma em
mercadoria (e que entra no circuito da troca), como é o caso de praias, montanhas e rios,
tornando-se um novo e rentável ramo da atividade produtiva, sob essa determinação”
(CARLOS, p. 179, 2007).
MATERIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA APAJ
A atividade econômica do turismo na Área de Proteção Ambiental de Jenipabu,
bem como a própria criação da apa, é advento da ação e planejamento do Estado em
pareceria com o setor privado para transformar a imagem do espaço geográfico das praias,
utilizado anteriormente por comunidades de pescadores jangadeiros, posteriormente em
mercadoria à ser consumida turista.
Para Kanfou (1996) há três fontes de turistificação dos lugares em espaços
turísticos, isso criação de objetos destinados ao uso turístico. A primeira parte da premissa
básica: “são os turistas que estão na origem do turismo”, conforme nos fala Cruz (1999).
“sem turista, o lugar turístico não tem razão de ser”, mas só isto não é suficiente, a presença
do turista, para que o lugar possa continuar sendo turístico, é necessário que o mercado
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tenha interesse, ou seja “o mercado é a segunda fonte de criação”, porém, esse interesse é
consolidado a partir da terceira fonte, justamente os “planejadores e promotores
‘territoriais’”, esses, via de regra, estão presentes na figura do Estado desenvolvedor de
políticas públicas para atividade.
O turismo não é uma atividade natural, que surge no território
espontaneamente, nenhum lugar é turístico em si, o próprio turismo não é em si, mas sim
uma construção ao longo da história. O modelo de turismo em vigência na APAJ é o turismo
de massa, com base no “Sol e Mar”, pois se apoia nesses dois elementos naturais para
consolidar a mercadoria turística, o lugar para visitação.
Essa essência do turismo de massa está associado com o despertar no turista o
desejo de visitar a praia de Jenipabu, não estando interessado no aparato material
socialmente construído, em sua mente, ele deseja aumentar seu “contato” com a natureza,
ver o mar, a praia, o sol, porém, “mesmo quando o turista acredita estar viajando para
‘consumir o clima’ de um dado destino tropical, o conjunto de infraestrutura turística e da
infraestrutura suporte (acesso, saneamento básico, energia elétrica, telefonia) desempenha
papel fundamental na sua decisão” (CRUZ, 1999, p. 25), essa necessidade de sistemas
objetos se evidencia na praia em questão pelo fato que a maioria dos turista chegam na
praia de buggy, utilizam as barracas na beira da praia, toda uma noção de uso que só tem
sentido de existir para o uso do turismo, me parece que o pescador jangadeiro não utiliza
para o seu lazer o passeio de buggy.
Sobre as ações dos governos, no que se refere às políticas públicas de turismo,
Cruz (1999) faz uma periodização em três momentos, o primeiro refere-se a pré-história
jurídico institucional, uma vez que “nesta fase que vai até 1966, essas políticas eram
resultantes de diplomas legais desconexos e restritos a aspectos parciais da atividade,
fundamentalmente à regulamentação de agências de viagens e de turismo.” (p.47).
O segundo refere-se à política nacional de turismo, que “inicia-se quando da
promulgação do Decreto-Lei nº 55 de 18 de novembro de 1966, que define e institui, pela
primeira vez, uma “política nacional de turismo” e cria, ainda os organismo oficiais para levar
a cabo sua efetivação.” (idem, p. 47-48). Esse período vai até 1991, com a revogação do
decreto de 1966, tendo como marco inicial para o terceiro período a partir da Lei n. 8.181/91
que reestrutura a EMBRATUR, e é esse período que nos interessa, pois é nessa situação
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histórica que se dá o evento do turismo na APAJ, retomando a ideia que “o evento é a
própria flecha do tempo ao se encontrar com um pedaço do território” (SANTOS, 2004, p.42).
O turismo em Natal já existia anterior ao terceiro período proposto1, mas é a
partir do final dos anos 1980 que a cidade se insere no “circuito nacional do turismo de
massa, quando passa a ser ofertada como produto, através da sua inclusão nos folhetos de
grandes operadoras de turismo europeias, e quando estas chegam à cidade por intermédio
de agências locais/regionais/nacionais.” (FURTADO, 2005, p. 136).
Vale ressaltar que o principal do lugar de visitação turística da atual APAJ é praia
de Jenipabu, localizada no munícipio de Extremoz, ao norte de Natal, a expansão do turismo
na capital potiguar justifica a expansão do turismo dessa praia também, pois ela faz parte da
hinterlândia do turismo de massa do litoral potiguar.
O Prodetur-NE foi a principal política pública para o desenvolvimento do setor
turístico no estado, sendo essa política a principal materialização do evento na APAJ, essa
política enquanto evento “é a trazida do tempo possível a um ponto da superfície da terra
para tornar esse tempo possível um tempo efetivo, existente, eficaz historicamente, eficaz
geograficamente [...]” (SANTOS, 2004, p.42).
A transcendência do Prodetur-NE, de tempo possível em tempo efetivo, da
potência ao ato, não aconteceu de maneira homogênea, uma vez que foi criado pela
Portaria Conjunta nº 1, de 29 de novembro de 1991, entre a SUDENE e EMBRATUR,
abarcando “todos os estados nordestinos e a região norte do estado de Minas Gerais”
(CRUZ, 1999, p. 132), e de acordo com outra Portaria Conjunta, nº 2 de 16 de abril de 1993,
instituída pelos Ministérios da Fazenda, da Indústria, do Comércio e do Turismo, da
Integração Regional, da Aeronáutica e pela Secretária de Planejamento, Orçamento e
Coordenação da Presidência da República, definem os objetivos do programa: “aumentar o
turismo receptivo; aumentar a permanência do turista no Nordeste; induzir novos
investimentos na infraestrutura turística; gerar emprego e renda com a exploração direta ou
indireta da atividade turística” (CRUZ, 1999, p. 132-133).
O Prodetur-NE materializou-se de maneira específica em cada estado, município
e bairro envolvido direta ou indiretamente pelas ações dessa política. Os lugares foram
selecionados de acordo com seu potencial turístico, dividido em áreas de prioridade, I, II, e
III,
1 Sobre esse assunto ver FURTADO, Edna Maria. A trajetória do turismo potiguar.
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o Rio Grande do Norte excluiu de sua prioridade I os municípios de
Maxaranguape e Touros, e incluiu os municípios de Tibau do Sul e Parnamirim
(antes Prioridades III e II, respectivamente). Com essas alterações o estado
passou a centrar suas ações do Prodetur-RN, fase I, em um trecho de seu litoral
oriental, com aproximadamente 130 km de extenção, entre as praias de
Genipabu (ao norte de Natal) e Pipa (ao sul da capital). (CRUZ, 1999, p. 44).
O Prodetur-NE, criado em 1991, adotou as diretrizes básicas do Plano Nacional
de Turismo – PLANTUR – elaborado no governo Collor, que adota os clássicos objetivos das
políticas públicas de turismo no Brasil “a preservação e a valorização do meio-ambiente, dos
recurso naturais, culturais e históricos; [...] a interação, o trabalho conjunto e cooperativo
com a iniciativa privada e suas associações, bancos de desenvolvimento, bancos privados e
organismos internacionais” (CRUZ, 1999, p. 134).
O pilar conservação ambiental e desenvolvimento manteve-se presente na praia
de Jenipabu, com a instituição do Decreto nº 12.620, de 17 de maio de 1995 da criação da
Área de Proteção Ambiental, que em seu artigo primeiro situa a APAJ nos munícipios de
Extremoz e Natal, com as referidas coordenadas geográficas constante no artigo terceiro, e
no artigo segundo define os principais objetivos: “Art. 2º. A declaração, a que se refere o
artigo anterior, tem como objetivo ordenar o uso, proteger e preservar: a) os ecossistemas
de praias, mata atlântica e manguezal; b) lagoas, rios e demais recursos hídricos; c) dunas; d)
espécies vegetais e animais”. (RIO GRANDE DO NORTE, 1995, p.1).
Além de orientar ambientalmente o papel da APAJ o decreto também
responsabiliza a Secretária de Planejamento e Finanças – SEPLAN – para constituição de um
Grupo de Assessoramento Técnico multidisciplinar para elaboração do Zoneamento e do
Plano de Ação da Área de Proteção Ambiental, num prazo de cento e oitenta dias. A
fragilidade da efetuação das políticas públicas começam com o próprio decreto, pois,
apenas em 2009, ou seja, quatorze anos depois, que será implantado um Zoneamento
Ecológico Econômico para área, conforme discutiremos mais adiante.
A inércia do estado do Rio Grande do Norte, no que se refere a planejamento,
gestão e preservação da APAJ, passa a ser parcialmente sanado com a Lei Federal nº. 9.985,
de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades da Natureza, que,
genericamente, estabelece os critérios e normas para a criação, implantação e gestão das
unidades de conservação.
Conforme o Art. 7º da Lei 9.985/00 a APAJ é uma Unidade de Uso Sustentável, e
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como objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de
parcela dos seus recursos naturais. De acordo com item XI do Art. 2º, uso sustentável é a
“exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais
renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos
ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (BRASIL, 2000, p. 1-2).
Conservação ambiental e desenvolvimento econômico, o discurso fundamental
que passa ser a tônica para APAJ, também é a principal justificativa para a prática de
turismo, pois é uma atividade econômica que desenvolve ao mesmo tempo em que protege
o meio ambiente, para garantir esse discurso, a mesma lei legisla no inciso 5º do Art. 15 que
“Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por
sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei.”
(BRASIL, 2000, p.6).
A contradição entre os discursos das leis e decretos e em relação natureza
empírica da atividade do turismo parece não ser um problema para continuar a legislar
sobre esse mesmo patamar, em 3 de março de 2004 o governo do Rio Grande do Norte
decreta e sanciona a Lei complementar nº 272, que visa regulamentar os artigos 150 e 154
da constituição Estadual, revogar as Leis complementares estaduais nº140/96 e nº148/96,
que tem como objetivo regular a Política Estadual do meio Ambiente, seguindo, de acordo
com Art. 2º os seguintes princípios: “I – uso sustentável dos recursos ambientais,
considerando o meio ambiente como patrimônio público a ser preservado e protegido, em
favor do uso coletivo; II – acesso eqüitativo aos recursos ambientais; III – precaução,
prevenção e proteção ambientais; IV – informação ambiental; V – usuário e poluidor
pagador; e VI – reparação ambiental.” (RIO GRANDE DO NORTE, 2004, p. 1).
Mesmo havendo um aparato legal, tanto em nível federal, quanto estadual, e um
forte discurso ideológico sobre a atividade turística a empiria na APAJ evidencia a
contradição entre as políticas públicas e o uso do território por parte do setor turístico, pois
o que há é um quadro, de acordo com Cruz (2005), de “políticas públicas de turismo no
Brasil: território usado, território negligenciado”, uma vez que essas políticas resultam na
prática
no uso, mas também no negligenciamento do território, em duplo sentido: de
um lado, enquanto se prioriza os territórios eleitos pelo turismo com obras e
normalizações de uso, se negligencia outras porções do território, não rara vezes
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abandonadas à própria sorte. De outro, os negligenciados, pois o que é usado é
o seu potencial passível de exploração pelo turismo e negligenciada,
simultaneamente, a sua condição de lugar da reprodução da vida. (CRUZ, 2005,
p. 39).
Na APAJ tanto as condições ambientais, quanto as sociais, foram negligenciadas
pelo uso do território pelo setor turístico, pois mesmo com as leis ambientais, praticamente
não houve fiscalização. A Lei 9.985/00 previa a criação de um conselho gestor, porém,
apenas seis anos depois que esse é criado com o Nº 19.139, de 5 de junho de 2006, para
atender as exigências do SNUC.
De acordo com o Art. 2º do Decreto 19.139/06 o Conselho Gestor da APAJ será
composto por membros representantes das entidades governamentais, moradores e
comerciantes. A gestão da APAJ pelo conselho é pautada na orientação de que “as APAs
podem, também, prestar-se à experimentação de novas técnicas e atitudes, que permitam
conciliar o uso da terra com a manutenção dos processos ecológicos essenciais.” (RIO
GRANDE DO NORTE, 2006, p.3), especialmente as atividades ligadas ao turismo e recreação.
A contradição empírica entre conservação, no caso da APAJ, proteção ambiental
e desenvolvimento é tanto na dimensão teórica, mas, o mais agravante é na questão
empírica, pois o hiato entre a criação da APAJ e o seu conselho gestor permitiu num período
de 1995 há 2006 o uso indiscriminado do território, resultando em uma série de construções
irregulares e uma urbanização desordenada.
As consequências desse hiato s levou o Poder Judiciário do estado do Rio Grande
do Norte, por meio da vara única da comarca de Extremoz emitir uma ação civil pública com
pedido liminar proposta pelo Ministério Público do estado do Rio Grande Do Norte, por seu
promotor de justiça em exercício nesta Vara, contra o estado do RN, município de Extremoz,
IDEMA, SAAE de Extremoz e COSERN.
A motivação, justamente o total descumprimento legal do Decreto nº 12.620/95,
criador da APAJ e o parcial descumprimento da Lei 9.985/00, da criação do SNUC. No que diz
respeito ao decreto, a ação judicial argumenta, que:
Não bastasse a vasta prova documental constante nos autos do Inquérito Civil
que tramitou por quase 10 (dez) anos, em sete volumes em apensos aos
presentes autos, antes de proferir a presente decisão, ciente da gravidade dos
danos alegados pelo parquet, em sua peça inaugural, bem como da repercussão
das medidas requeridas, não apenas em relação aos demandados, mas também
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a terceiros, esta magistrada, por cautela e prudência, compareceu ao local
indicado – APA de Genipabu – fato ocorrido em 19 de julho de 2007, quinta-feira,
no horário compreendido entre às 13:45 e 15:00 horas, tendo inclusive
fotografado a situação do local, oportunidade em que constatou sérios danos
ambientais na Área de Preservação Ambiental de Genipabu. (CARVALHO, 2007,
p.9)
Os problemas ambientais, constatados desde 1997 até o presente momento da
ação judicial estão relacionados a construções irregulares ao longo da APAJ, principalmente
edificações de casas e cercas nas dunas de Santa Rita e Jenipabu, conforme mencionado na
ação judicial.
A veracidade dos problemas ambientais é inquestionável, a defesa por parte dos
indiciados prova o descumprimento parcial da Lei 9.985/00, pois, desde novembro de 2006
o conselho gestor da APAJ está formado e em pleno funcionamento, tanto por reuniões
ordinárias, quanto por extraordinárias, iniciando no dia 27 de fevereiro sua primeira reunião
extraordinária, para dar início as ações para materializar o art. 4º do Decreto nº 12.620/95 e
o art. 7º do Decreto nº 19.139/06, no que se refere a constituição e elaboração do
Zoneamento Ecológico e Econômico.
O referido Zoneamento foi elaborado entre o período de 2007 a 2009, tendo o
processo de elaboração acompanhado pelo conselho gestor, em reuniões ordinárias e
extraordinárias, com sua constituição final e publicação em maio de 2009. Vale ressaltar que
o zoneamento é fruto do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental de Jenipabu,
“elaborado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente, com base nos
estudos realizados pela Acquatool Consultoria, pela Fundação para o Desenvolvimento
Sustentável da Terra Potiguar – Fundep, e consolidado pela equipe técnica do Núcleo de
Unidades de Conservação e Assessoria Técnica do Idema.” (RIO GRANDE DO NORTE, 2009a.
p 6).
O plano de manejo fez seu zoneamento, baseando-se em unidades
geoambientais, que segundo o mesmo
são porções territoriais com características próprias, as quais são
individualizadas pela associação de dados de litologia, estrutura, relevo, solo e
água. Cada unidade expressa espacialmente um padrão territorial com
peculiaridades de natureza biótica, abiótica e paisagística. A delimitação desse
território tem por finalidade subsidiar o zoneamento para que se possa atribuir
controles administrativos sobre sua ocupação, normas de uso e manejo de
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recursos naturais. (RIO GRANDE DO NORTE, 2009a. p.142).
O zoneamento levou em consideração essas peculiaridades naturais fazendo a
divisão de acordo com as orientações do Roteiro Metodológico para Gestão da Área de
Proteção Ambiental (IBAMA, 1999). Fazendo o zoneamento de acordo com vulnerabilidade
ambiental, a APAJ está dividida em cinco zonas, três subzonas e nove áreas distintas. A partir
desse documento em seis de outubro de 2009 é decretado e sancionado a Lei. nº. 9.254, que
de acordo com o seu Art. 1º institui o “Zoneamento Ecológico Econômico da Área de
Proteção Ambiental Jenipabu – APAJ que estabelece as normas de uso e as metas ambientais
específicas, para cada Zona, visando à proteção dos recursos naturais, a recuperação de
áreas degradadas e a promoção do desenvolvimento sustentável.” (RIO GRANDE DO NORTE,
2009b, p.1).
O mapa abaixo mostra o zoneamento ecológico e econômico da APAJ de acordo
com a sua vulnerabilidade ambiental e a espacialização dos comércios de acordo com o
tempo de atividade.
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Mapa 1. Zoneamento Ecológico Econômico da APAJ de acordo com a Lei 9254/09 e espacializaçãodos comércios em 2014 de acordo com a pesquisa de campo.
A CONTRADIÇÃO ENTRE IDEAL E O REAL NA CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO
O conjunto de leis e decretos que estruturam a Área de Proteção Ambiental de
Jenipabu projetam no espaço a idealização de um ordenamento no que tange às questões
de uso, proteção e preservação do território.
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O contexto de criação da APAJ está diretamente relacionado a dois momentos
vivenciados no Brasil, o primeiro relacionado com a tomada de consciência da necessidade
de preservar os recursos naturais para as gerações futuras em virtude do impacto
proporcionado pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, também conhecida com ECO92, e o
segundo, conforme apresentado, é oriundo do PRODETUR-NE que colocou o estado do Rio
Grande do Norte na rota dos principais destinos turísticos a nível nacional e internacional.
Esse processo iniciado nos anos 1990 teve maior repercussão na capital
potiguar, porém, o desdobramento dessa atividade no estado envolveu outras localidades
tanto nos espaços próximos quanto os mais distantes, constituindo uma rede de
infraestrutura e serviços ligados direta e indiretamente ao setor turístico.
Nesse sentido ganha contexto no desenvolvimento econômico o que viria a ser a
APAJ, principalmente uma de suas praias, a praia de Jenipabu, que até o presente momento
era uma vila de pescadores jangadeiros que também praticavam agricultura de subsistência,
iniciando o processo de transformação do território.
Embora distante apenas quinze quilômetros da capital as comunidades que
integram hoje a área de proteção mantinham certo isolamento com a cidade de Natal, em
virtude da configuração territorial que impedia uma maior fluidez, tanto pela falta de
estrada pavimentada e transporte público quanto pela situação socioeconômica dos
moradores que não possuíam meios para garantir uma constante comunicação com a
capital.
A inserção da praia de Jenipabu como um dos principais pontos turísticos da
capital trouxe a essa praia promessas e idealizações: desenvolvimento econômico e
qualidade de vida, a posteriori, incorporou ao discurso a preservação ambiental, a partir da
criação oficial da APAJ com o decreto n. 12.620/95.
Para proceder a investigação sobre o que a situação real do território da APAJ
durante os meses de janeiro a julho foram realizadas visitas a campo com o intuito de
identificar e classificar as atividades comerciais presentes no perímetro legal da área de
proteção ambiental.
As pesquisas foram feitas a partir de questionários estruturados destinados aos
proprietários ou responsáveis pelo estabelecimento comercial, buscando conhecer o tipo de
atividade de comercial, público alvo, tempo de funcionamento e local de origem e atual
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moradia do proprietário ou responsável. Além do questionário o trabalho de campo
também colheu pontos por meio de aparelho GPS com o intuito de construir mapas para
visualizar a espacialização dos estabelecimentos comerciais na APAJ.
No total foram identificados noventa e sete estabelecimentos comerciais, esse
número não corresponde à totalidade dos estabelecimentos, pois alguns se encontravam
fechados, também há casos que o proprietário ou responsável não aceitaram contribuir
para pesquisa, totalizando cerca de dez comércios que não participaram da entrevista.
Em média a maioria dos comerciantes estabeleceram os seus estabelecimentos
há 10,4 anos, sendo o estabelecimento comercial mais antigo aberto há trinta e dois anos,
uma mercearia aberta no bairro da Redinha Nova, distante cinco quilômetros da
comunidade dos Pescadores de Santa Rita e oito quilômetros da comunidade de Jenipabu.
Analisando os dados estatísticos contido nos Anuários Estatísticos do Turismo de
2003 há 2013, o que pode justificar a média de dez anos dos comércios estabelecidos na
APAJ é o crescimento de 158% do número de desembarques internacionais no Rio Grande
do Norte do período de 2003 há 2006, pulando de 45.588 para 117.688 num espaço de três
anos.
Embora a visualização do litoral potiguar, sobre tudo as praias da Região
Metropolitana de Natal, tenha aumentado exponencialmente em um curto o período a
maioria dos entrevistados retratavam um sentimento de decepção com o fluxo de turistas
nos últimos cinco anos, alguns já estavam a procura de outro meio para garantir o sustento
para a família, não acreditando na atividade turística na APAJ nos próximos anos.
Alguns elementos podem justificar a diminuição do fluxo de turista na APAJ, o
primeiro é a natureza dessa atividade econômica, que para a sua reprodução necessita do
elemento inovador, um novo lugar para ser visitado.
A rota para Natal no cenário do turismo de massa iniciou no começo da década
de 1990 com uma grande expansão nos primeiros anos do novo milênio, a tendência da
atividade é procurar novas áreas para sua reprodução.
No estado do Rio Grande Norte o litoral norte passou a integrar essas novas
áreas de visitação, reduzindo a praia de Jenipabu há um ponto de passagem, destinando ao
um turista um tempo de permanência de duas a três horas, conforme a fala dos
entrevistados.
Outro ponto importante retratado na entrevista é a ausência de passeios
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organizados por companhias de turismo até Jenipabu, excluindo do pacote de viajem a visita
á praia, aliado a esse processo há o fechamento de dois hotéis três estrelas na Redinha
Nova no ano de 2006, ambos recebiam clientes de companhias de turismo.
Somando a esses fatores há também queda brusca do número de
desembarques internacionais no Rio Grande do Norte do ano de 2006 para 2012, caindo
65,5%, de 117.688 para 40.488, inferior a número de turistas internacionais que visitaram o
estado no ano de 2003.
Esses números revelam uma dura realidade para ser enfrentada para os
moradores da APAJ, que migraram da pesca artesanal para as atividades ligadas ao turismo
em busca de melhor qualidade de vida, em busca do desenvolvimento presente no discurso
das políticas públicas, pois, quase todos os comércios estão ligados direta ou indiretamente
com a presença do turista nas praias da APAJ.
Dos noventa e seis estabelecimentos comerciais sessenta e quatro possuem
como público alvo o turista, os outros trinta e dois estabelecimentos dependem da renda
que os moradores obtêm trabalhando com a atividade turística. A queda do setor
econômico do turismo gera uma reação de depressão econômica em cadeia.
Gráfico 1. Estabelecimentos comerciais da APAJ de acordo com o público alvo – 2014.
* refere-se aos comércios que tem como público alvo turistas e veranistas; ** refere-se aos comércios que tem comopúblico alvo os moradores locais ou os trabalhadores do setor turístico.
A atividade turística foi responsável não pela mudança de vida dos moradores
tradicionais, que migraram gradativamente da pesca artesanal para o setor de serviços
turísticos, mais também atraiu diversas pessoas em busca de explorara o potencial
econômico das praias da APAJ, resultando num processo de expansão urbana e especulação
imobiliária.
A pesquisa revelou que na realidade que com exceção da praia de Santa Rita, a
maioria dos comerciantes é oriunda de outros lugares, tanto de outros municípios do Rio
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Grande do Norte, quanto de outros estados e até mesmo de outro país, conforme o gráfico
abaixo.
Gráfico 2. Comerciantes da APAJ – 2014.
Fonte: pesquisa de campo.
A partir da inserção das atividades comerciais ligadas ao setor de serviços de
lazer turismo as praias que atualmente pertencem a Área de Proteção Ambiental de
Jenipabu passou uma série de transformações em sua estrutura espacial, processos que
refuncionalizou um espaço essencialmente dedicado à pesca artesanal em um cartão postal
do turismo de sol e mar do litoral do Rio Grande do Norte.
Esses processos são resultantes do desdobramento dos investimentos do
PRODETUR na capital potiguar que estruturou a cidade para receber e alojar os turistas
oriundos do Brasil e do mundo, e nesse contexto Jenipabu seria mais dos atrativos de
visitação para quem vêm à Natal, principalmente os passeios de buggy e de dromedário nas
dunas entre as praias de Santa Rita e Jenipabu.
Desde o final da década de 1980 as praias de Redinha Nova, Santa Rita e
Jenipabu, em especial nessa última, passaram a receber pequenos investidores que
buscavam nessas praias a promessa de uma melhoria da qualidade de vida, querendo uma
fatia do promissor mercado do turismo de sol e mar que se iniciava na capital do estado e
nas praias vizinhas.
Porém, mesmo com a presença dessa promissora atividade econômica na APAJ
não foi suficiente para promover um real desenvolvimento da área, em virtude de alguns
motivos.
O primeiro está relacionado que o turista que visita Jenipabu não fica em
Jenipabu, pois mesmo com oito pousadas na região o turista volta para o eixo do turismo,
para as pousadas e hotéis da Via Costeira à Ponta Negra, em virtude da concentração de
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bares e restaurantes que funcionam por quase toda a noite em Ponta Negra.
Além da questão dos serviços noturnos ausentes das praias da APA há um fato
importante, a falta de interesse dos grandes investidores do setor em instalar nessa área
infraestruturas necessárias para que haja interesse de permanência do turista por mais
tempo, e consequentemente aumentar os ganhos com a atividade.
O grande motivo da ausência de grandes investimentos em uma área com
potencial turístico a ser explorado pelo grande capital é o rigor da fiscalização ambiental na
região a partir de 2007, principalmente a partir da consolidação do conselho gestor e da
liminar para pela comarca de Extremoz que impedia qualquer tipo de construção, conforme
mencionado anteriormente.
Aliado a isso também há o agravamento da crise econômica mundial, sobretudo
nos países europeus, principais investidores e compradores de terra do litoral potiguar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas públicas, principalmente na última metade da década de 2000, na
APAJ surgiram com este intuito de sanar a fragilidade gestora do Estado por meio da
descentralização da função nos moldes do conselho gestor, mas ao invés de uma possível
solução para os problemas, há um grande desafio, muito bem apontado por Cruz (2005), o
fato que
o turismo envolve, na sua realização, sujeitos sociais (população local, turistas,
agentes de mercado, poderes públicos) com expectativas diferentes, não raras
vezes divergentes. Conciliar esses interesses no ordenamento dos territórios
pelo e para o turismo deve ser um paradigma orientador do planejamento
governamental e de suas politicas públicas (p.41).
O Conselho Gestor da APAJ compreende esse desafio e tenta, desde que foi
instituído, contemplar essa complexidade de interesses existentes na APAJ, buscando a
idealização de um território balizado pelos pilares do desenvolvimento sustentável, a
conservação ambiental aliada ao crescimento econômico.
Porém, a idealização de um território de desenvolvimento sustentável começa a
desaparecer da realidade da APAJ, pois, mesmo com os empecilhos legais para a instalação
de novos investimentos não impediu a presença do pequeno comerciante informal, que
constrói sua casa ou sua barraca de praia em áreas impróprias e com construções não se
adequam a Lei de Zoneamento Ecológico Econômico, contribuindo para um crescimento
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urbano desordenado.
Essas construções, geralmente, são embargadas pela fiscalização do IDEMA a
partir de denúncias ao Conselho Gestor gerando uma série de conflitos entre o órgão e os
moradores da APAJ, os descontentamento da maioria dos entrevistados pode ser traduzido
a partir da fala de um deles que afirma que “essa apa só fez atrapalhar, pois não pode
construir mais nada”.
Mesmo após quatorzes anos do decreto estadual que cria a APAJ seus
moradores desconhecem a extensão desse território e quais são suas zonas e suas regras
de uso, não se sentem parte dessa área de proteção ambiental, e enxergam nas ações
ambientais promovidas pelo IDEMA e pelo Conselho Gestor, sobretudo as fiscalizações,
como uma forma de proibição e limitação ao crescimento econômico e urbano das praias,
gerando uma série de conflitos entre APAJ e seus residentes.
Ainda há um grande caminho a se trilhar em busca da realização dos ideais
contidos nas políticas públicas que regem a APAJ, porém um passo importante que precisa
ser dado é romper com a dependência da atividade econômica do turismo como único
caminho para esses ideais, pois, num contexto de crise econômica mundial as viagens a
lazer são os primeiros itens cortados do orçamento familiar da classe média mundial, e o
que era para ser um atalho para o desenvolvimento termina sendo a sentença de morte de
um lugar.
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APAJ: CONTRADIÇÃO ENTRE IDEAL E O REAL NA CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO
EIXO 1 – Transformações territoriais em perspectiva histórica: processos, escalas e contradições
RESUMO
A partir dos primeiros anos da década de 1990 o estado do Rio Grande do Norte destaca-se pelo
desenvolvimento da atividade turística a partir dos financiamentos de infraestruturas oriundos do
Prodetur-NE. O setor desenvolveu-se principalmente na capital do estado, Natal, mas também
expandiu para os munícipios litorâneos vizinhos, em especial a praia de Jenipabu, no munícipio de
Extremoz, na qual o turismo trouxe consigo um discurso implementado por uma ideologia
desenvolvimentista associada com a preservação ambiental, presente no discurso das políticas
públicas que regem essa praia, principalmente o decreto estadual Nº 12.620/95 que transformou
essa praia e seu entorno na Área de Proteção Ambiental de Jenipabu –APAJ. O presente trabalho
busca apreender a contradição entre o ideal, presente no discurso desenvolvimentista e
preservacionista nas leis que regulam o território, e o real, o território usado, o que está
materializado no espaço geográfico. Para esse fim foi realizado análises das políticas públicas que
ordenam a APAJ e entrevistas com questionário estruturado com os comerciantes presentes na
APAJ, totalizando noventa e sete entrevistados. A contradição entre o ideal e o real na APAJ
transformou um território dedicado a pesca artesanal e a agricultura em um território estruturado
por dois mitos, desenvolvimento econômico pelo turismo e preservação ambiental.
Palavras-chave: turismo; APAJ; território.
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