ARQUITETURA RURAL MINEIRA E ARQUITETURA MODERNA
BRASILEIRA: A visão de Julio Curtis
CALOVI, FELIPE WECKI (1); ESCOBAR, GABRIELA DE OLIVEIRA DOS SANTOS (2); PUHL, LIEGE ALVARES SIEBEN (3); TONIN, ESDRAS DE SOUZA
(4); WAGNER, ISABELA CRISTINA (5)
1. UniRitter, acadêmico de Arquitetura e Urbanismo e monitor do Laboratório de História e Teoria da Arquitetura
E-mail: [email protected]
2. UniRitter, acadêmico de Arquitetura e Urbanismo e monitor do Laboratório de História e Teoria da Arquitetura
E-mail: [email protected]
3. UniRitter, professora e coordenadora do Laboratório de História e Teoria da Arquitetura E-mail: [email protected],br
4. UniRitter, acadêmico de Arquitetura e Urbanismo e monitor do Laboratório de História e Teoria da
Arquitetura E-mail: [email protected]
5. UniRitter, acadêmico de Arquitetura e Urbanismo e monitor do Laboratório de História e Teoria da
Arquitetura E-mail: [email protected]
RESUMO
O livro Vivências com a Arquitetura Tradicional Brasileira, publicado pela editora Rittter dos Reis em 2003, traz uma coletânea de palestras e artigos publicados em jornais da autoria do arquiteto e professor Julio Curtis. O apanhado apresenta o registro de sua experiência, técnica e didática, de mais de 30 anos com a história e a preservação da arquitetura brasileira. Curtis foi o 1º Diretor Regional do IPHAN-RS, representante regional da Fundação Pró-Memória e membro do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre. Com seus alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, Curtis realizou viagens pelo Brasil, especialmente para Minas Gerais, que resultaram em um acervo fotográfico de mais de 12.000 negativos doados para o Centro Universitário Uniritter no início dos anos 2000. Grande parte da experiência e conhecimento do arquiteto se deve a estas viagens. Era in loco que Curtis confrontava a obra de arquitetura com as circunstâncias físicas, econômicas e culturais que lhe deram origem. Na introdução do livro Curtis afirma que a maior contribuição de Minas Gerais aos primórdios da arquitetura brasileira contemporânea, a Arquitetura Moderna brasileira, foi através de sua arquitetura rural-leiteira e cafezista. No decorrer do livro o autor apresenta diversas fotos, textos e análises que corroboram tal afirmação. A partir da retomada dos paralelos traçados por Curtis entre a arquitetura rural mineira e a arquitetura moderna de matriz Corbusiana o presente trabalho traz novos paralelos através de registros fotográficos ainda não publicados. O método utilizado foi o de análise de fotografias e registros escritos, e comparativos com obras modernas brasileiras. O trabalho está inserido em uma
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pesquisa mais ampla e em andamento, realizada pela equipe do Laboratório de História e Teoria de arquitetura do Centro Universitário Uniritter.
Palavras-chave: Julio Curtis; arquitetura rural mineira; arquitetura moderna brasileira; fazendas
mineiras
1-Julio Curtis
O presente artigo tem como base publicações e fotos de Júlio Nicolau Barros de
Curtis, reunidas no livro Vivências com a Arquitetura Tradicional Brasileira. Curtis teve um
papel relevante na construção historiográfica arquitetônica brasileira, no ensino e pesquisa e
na preservação do patrimônio cultural arquitetônico. Nascido em Porto Alegre, no ano de
1929, formou-se na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual
UFRJ, foi o 1º Diretor Regional do IPHAN-RS, representante regional da Fundação pró-
Memória e membro do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Porto Alegre. Como
docente, lecionou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo como Professor Titular de Arquitetura Brasileira, onde, nesse
mesmo cargo, se aposentou. Costumava levar seus alunos em viagens para conhecer
partes Brasil pertencentes aos seguintes estados: Bahia, Maranhão, Pernambuco, Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, entre outros. Para Curtis tais viagens tinham imensa
importância, por propiciarem a possibilidade de conhecer e vivenciar a história da arquitetura
brasileira desde seus primórdios, no século XVI. Acreditava que a vivência in loco era o
melhor método de aprendizagem da arquitetura. Estas saídas à campo ocorreram durante
décadas e os locais visitados eram registrados por meio de fotografias1, de autoria do
próprio professor. Foi em Minas Gerais que Curtis constatou que a Arquitetura Moderna
Brasileira2, vinculada à escola carioca, tem fortes influências de uma arquitetura pouco
citada e conhecida, quando trata-se da arquitetura de Minas Gerais: a arquitetura rural
mineira;
“... tenho pra mim que a maior contribuição de Minas Gerais aos primórdios
da arquitetura brasileira contemporânea foi sua arquitetura rural – leiteira e cafezista –
que, sucedendo a civilização urbana do ouro, levou até o VALE, paulista e
1 Atualmente essas fotografias fazem parte do Acervo Julio Curtis, que encontra-se no Laboratório de História e
Teoria da Arquitetura, no Centro Universitário UniRitter, em Porto Alegre-RS. 2 No livro Vivências com a Arquitetura Tradicional Brasileira, Curtis refere-se à Arquitetura Moderna Brasileira
como Arquitetura Contemporânea Brasileira. Assim também faz Yves Bruand no livro Arquitetura Contemporânea no Brasil.
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fluminense, um século de experiência acumulada e consolidada na utilização de um
racionalismo construtivo, plástico e funcional3.”
2-Fazendas mineiras
“A casa rural – e nós diríamos especialmente a casa rural – é a feição
geográfica de ocupação humana que melhor reflete as condições no meio.”4
A expressão máxima da arquitetura rural mineira traduz-se nas fazendas dos ciclos
do café, leite e do ouro. Tal arquitetura é bem específica, única, e, segundo Curtis,
totalmente brasileira. Sua particularidade se dá em função do programa e da localização. O
local, distante do litoral e com recursos limitados geraram soluções simples e eficientes para
se fazer arquitetura de qualidade. O programa demandava uma grande área livre para
construções como a senzala, casa grande, currais e outras demandas da instalação rural.
Assim a área construída era esparsa e com edificações que “pousavam” sobre o terreno,
predominando a horizontalidade sobre a verticalidade.
No meio rural mineiro a maior parte da topografia é irregular e as construções se
davam nesse meio entre, morros e rios. Feita por materiais do local e pelas próprias
pessoas que morariam nas casas, adaptou-se a construção à topografia irregular e não ao
contrário. Em muitos casos as construções em aclives e declives eram erguidas sobre
pilares de madeira na parte da frente e a parte de trás assentava-se diretamente no solo.
Em alguns casos a parte de baixo da construção, a composta por pilares aparentes, é a
área onde se encontram depósitos, currais, etc. A sutil verticalização das fachadas
principais, sobre pilares, ocorria também para que se observasse e resguardasse as terras
que se estendiam para além de vista de um mero observador. Os pilares indepententes e
aparentes no térreo proporcionavam um espaço vazado, aberto e coberto, e a possibilidade
de ter função hibrida. Eles integravam a construção com a terra, como se a construção
estivesse liberando o solo, algo que sugere certa poesia.
São típicas as varandas ou alpendres nas fachadas principais com pilares em ritmo
constante. Muitas vezes os alpendres são elevados em relação ao pátio, nível de acesso à
propriedade, com o intuito de elevar a moradia principal, onde os proprietários tivessem o
domínio do núcleo. Nestes casos há a presença de escadas localizadas ao centro das
fachadas principais. As plantas em “L” são bastante comuns, sendo uma barra a ala social e
a outra a ala de serviços. São usadas também plantas quadradas e em linha. De modo
3 Curtis, 2003, pg. 19.
4 Delgado de Carvalho em Curtis, 2003, pg.68.
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geral os cômodos são amplos e ventilados; e distribuem-se em torno de uma sala ou pátio
central, ou contíguos a circulações.
Neste contexto, algumas fazendas específicas destacam-se por apresentarem
soluções arquitetônicos que podem ser consideradas embriões de elementos que virão a ser
consagrados e recorrentes na arquitetura moderna vinculada ao Movimento Moderno. As
fazendas são as seguintes: Boa Esperança, Santa Clara, Rio de São João, Quebra-Canoas,
Papagaio do Meio e São Fernando.
A fazenda Boa Esperança está localizada no município de Belo Vale, antigo distrito
de São Gonçalo da Ponte. Parte da propriedade foi tombada pelo IPHAN em 1959. Em
1975, o IEPHA-MG ampliou o tombamento englobando anexos edificados, matas e cursos
de rios. A propriendade tornou-se patrimônio paisagístico, artístico e histórico do Estado de
Minas Gerais. A fazenda foi construída por escravos, na segunda metade do século XVIII,
época em que o café era o expoente econômico da região.
A propriedade era formada por casa grande, volume principal, que abrigava os
aposentos dos donos da terra, capela e quarto de hóspedes; senzalas; engenho para a
produção de trigo; moinho; paiol feito de pedra e um terreiro grande com tanque de pedra.
Em frente à casa grande encontra-se um imenso pátio cercado por um muro de pedras. Um
pórtico liga o interior do pátio ao antigo caminho para Ouro Preto. À esquerda da casa
grande há um portão, que leva às áreas de trabalho e à direita há alicerces do que teria sido
uma das senzalas. Posteriormente à casa há um moinho em ruínas e vestígios de um
engenho à beira de um pequeno córrego, que costumava alimentar uma pequena usina. A
edificação que abriga o engenho contém apenas um pavimento e volumetria retangular
simples, assim como a casa grande, cuja forma volumétrica apresenta dois retângulos que
se encontram nas extremidades, formando um “L”. Os telhados das edificações são de
quatro águas, exceto o da igreja, que tem telhado de duas águas.
A casa grande é térrea e apresenta uma fachada avarandada composta por arcos
abatidos, apoiados em oito colunas de madeira, dispostas em ritmo constante. À esquerda
da fachada frontal, está a capela, mais alta e com telhado independente. No lado oposto à
capela está localizado o quarto de hóspedes, com pé-direito contínuo ao da varanda. O
tratamento decorativo do interior da capela evidencia ostentação e riqueza, reafirmando o
poder e prestígio do antigo proprietário da fazenda, o Barão de Paraopeba. A casa-sede
está elevada sobre uma base de pedras. Uma escadaria ao centro da fachada principal liga
o pátio ao avarandado. De modo periférico à residência, alonga-se um avarandado em
formato de “L”, construído posteriormente. Este elemento aumenta a articulação entre os
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cômodos e é vedado por treliçados, permitindo visibilidade para o pátio interno e serviços do
paiol.
A Fazenda Santa Clara está situada na cidade de Santa Rita de Jacutinga, Zona da
Mata, Minas Gerais. É originária da segunda metade do século XVIII, sua principal atividade
produtiva foi o café. A fazenda é formada por edificações tanto térreas quanto de dois
pavimentos, sendo elas: a tulha, senzala, silo, reservatório de água, lavador de café,
terreiros de café, laticínio, paiol, pocilga e os jardins. A casa grande e a maioria das
construções do conjunto que foram citadas acima eram destinadas às necessidades de
produção do café e são volumes prismáticos retangulares. O conjunto foi tombado pelo
IEPHA-MG no ano de 2014 e ainda preserva sua original técnica construtiva: a taipa. A
planta da casa grande é composta por duas barras perpendiculares em formato de “L”. Há
um volume em formato de “U”, anexo a uma das barras do “L”, com dois pavimentos. O
térreo é parcialmente vazado com arcos plenos e pilares no perímetro externo do edifício.
A Fazenda Rio de São João está localizada no interior de Minas Gerais, na cidade de
Bom Jesus do Amparo, embora seja uma cidade nova, fundada no século XIX, muito de sua
história ocorreu no século anterior. A fazenda foi fundada no final do XVIII pelo Capitão João
da Motta Ribeiro, o primeiro morador do lugar onde se localiza a atual cidade se Bom Jesus
do Amparo. A construção colonial edifica-se no meio da selva virgem de Minas Gerais, com
o estimulo da expansão territorial e da mineração. A fazenda foi sustentada pelo modo de
funcionamento escravista, isto é com o sistema de grande latifúndio com seus
trabalhadores. O volume consiste em um “U” ao redor de um pátio interno, lembrando a
herança ibérica. As barras das extremidades do “U” correspondem ao moinho e a residência
propriamente dita. A barra que liga as extremidades abriga a capela. Os acessos a casa e a
capela são independentes, e se dão através de duas escadas que insinuam uma simetria.
No eixo das escadas, acima, localiza-se o mirante, algo muito comum em propriedades
rurais. Há um balcão corrido no segundo pavimento, sustentado por pilares em grande parte
do perímetro da casa grande. Os 22 cômodos do volume superior se organizam numa
disposição linear. No lado esquerdo da barra se localiza a capela, tem seu acesso privado
para a rua com uma escada que liga a varanda e, assim, para a porta da pequena capela.
O volume do moinho, anexo à casa grande, foi construído de madeira e barro do
local. Ele mede 18 metros de comprimento por 11 metros de largura, com adição de um
prisma retangular de 4 metros por 13 metros, local usado como estoque de material. O
espaço basicamente consiste em um grande salão que servia para a produção de alimentos.
Nele trabalhavam escravos, por isso a sua localização está no térreo, junto com a residência
dos trabalhadores. A sua separação do jardim de lazer da casa grande e do moinho é feita
através de uma parede feita de madeira com barro prensado, executada pelos mesmos que
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utilizam a devida área. Esta área é coberta por um telhado de telhas de barro que é
sustentado por 13 pilares de madeira de, aproximadamente, 5 metros de altura, com vãos
de 4 metros e 3 metros entre apoios.
Na metade suas fachadas laterais, e na frontal destacam-se elementos verticais que,
como brises verticais, protegia do sol durante o dia. No seu interior havia um grande
desnível sustentado por pedras retiradas do local, assim demarcando outra área de trabalho
mesmo sendo no mesmo espaço. Os materiais e ferramentas ali utilizadas exigiam grande
espaço de manuseio, então o interior não possuía nenhuma divisória para não bloquear o
movimento dos empregados que trabalham neste local, assim remetendo a planta livre de
tempos posteriores. A conexão desse volume se dava não só pelo pátio, mas também por
uma escada que se localizava no lado esquerdo. A materialidade do moinho era vernácula,
suas paredes imperfeitas constituídas de barro e madeira do local buscavam uma divisão de
ambientes, sendo elas somente de vedação, não serviam como estrutura. Pintadas de cal,
exibiam um branco que se misturava com o volume principal, dando, assim, uma unidade ao
complexo.
A fazenda Quebra-Canoas, contemporânea à fazenda Boa Esperança, foi construída
na segunda metade do século XVIII, quando o café era a principal forma de renda da
população local. Está situada no município de Ponte Nova, Minas Gerais, próxima ao
córrego que dá origem ao nome da propriedade e que banha suas terras. A fazenda fazia
parte de um conjunto de fazendas de engenho da região. A casa grande tem dois
pavimentos: térreo com planta em “L” e segundo pavimento em planta quadrada. É
composta por cerca de 30 cômodos dispostos linearmente sob uma malha regular de pilares
com circulações em faixas. A edificação mantém sua configuração original, apesar do
desgaste do tempo.
O conjunto da fazenda Quebra-Canoas é formado por volumes independentes em
formato de prismas retangulares regulares com funções de currais, senzalas, paióis, tulhas,
entre outros. São dispostos no terreno ao redor do volume principal, a casa grande, de
maneira a facilitar os acessos criando espaços vazios para pomares e hortas.
Fundada no início do século XIX, a fazenda São Fernando situa-se na divisa entre
Minas Gerais e Rio de Janeiro, entre as cidades de Rio Preto e Valença, respectivamente.
São Fernando foi uma das maiores e mais bem equipadas fazendas da região, formada por
diversas edificações, a maioria com pavimentos térreos e apenas duas com dois
pavimentos, sendo que uma é a casa-grande. A fachada referente ao segundo pavimento da
casa grande é praticamente toda vedada com esquadrias de vidro.
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A fazenda Papagaio do Meio, uma das maiores do Vale Piranga, foi fundada no
século XVIII no município de Santana dos Montes, Minas Gerais. Sua principal economia
era a fabricação da cachaça tradicional da região. Ela funcionou também colo local para a
produção de leite e grãos. Originalmente composta por edificação de dois pavimentos, a
fazenda foi vendida e parcialmente demolida no final do século XX. O segundo pavimento
avançava em relação ao térreo e este avanço era apoiado em pilares de madeira dispostos
em ritmo constante. O novo proprietário provavelmente usou os materiais de demolição da
antiga casa grande para a obra nova e construiu em cima da estrutura da casa grande um
rancho com dois pavimentos que serve atualmente como um local de eventos. Hoje ainda
há resquícios da antiga sede como as paredes estruturais em pedra que constituíam o porão
e sustentavam o sobrado, além de alguns muros de pedra em junta seca.
3-Paralelos entre a arquitetura rural mineira e a arquitetura moderna
“O purismo das plantas, das elevações e das volumetrias, tão caro ao
racionalismo contemporâneo, é uma constante na arquitetura do passado”.5
Em todas as fazendas descritas podemos ver avarandados ou alpendres com
pilares, que se relacionam à ideia do pilotis, um dos cinco pontos de Le Corbusier: Nas
fazendas os pilares dispostos no térreo como estrutura independente são empregados com
veemência, e formam espaços com funções distintas. No acesso ao moinho e em parte das
fachadas da casa grande em Rio de São João (imagens 1 e 2), os pilares esbeltos de
madeira se estendem do piso à cobertura, altura equivalente a dois pavimentos, ou seja, a
ordem é colossal. Parte do solo é liberado. A ideia de usufruir deste espaço térreo liberado é
análoga à ideia do pilotis do Le Corbusier. e cabe a comparação ao pilotis de ordem colossal
do Palácio Capanema. Na Santa Clara a base vazada corresponde a uma galeria com
arcada tipo romana apoiada em pilares de pedra, mais robustos e pesados. Há uma galeria
também na casa grande da fazenda Papagaio do Meio (imagem 3), entre os pilares e a base
recuada, aludindo ao pilotis.
Sobre as relações entre os elementos de filtro de luz, Curtis afirma:
“O ‘brise soleil’ e os elementos vazados da arquitetura
contemporânea haviam sido sugeridos nas palhetas móveis de antiga
venezianas e nas treliças de madeira que tantos muxarabis organizaram” 6
5 Curtis, 2003, pg.150.
6 Curtis, 2003, pg.150.
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Os filtros de luz aparecem em algumas fachadas da fazenda Boa Esperança
(imagem 4). São muito trabalhados, quase como uma pintura lembrando os arabescos e
fachadas do litoral do país com seus azulejos. Também é possível comparar a um véu que
libera a fachada trazendo a leveza para um conjuto mais pesado e marcante. Ainda na Boa
Esperança verificam-se outros tipos de dipositivos de proteção solar: verticais e mais
simplificados (imagem 5). Na fazenda Santa Clara coexistem elementos de proteção solar
treliçados e verticais numa mesma fachada (imagem 6). Na fazenda Rio de São João ripas
verticais em madeira sugerem “brises” mais simplificados e rústicos. Estes aparecem,
apenas, em parte da fachada do moinho (imagem 7).
A planta livre, a fachada livre e a janela em fita, pontos da arquitetura moderna,
pautada por Le Corbusier, são encontrados em algumas das fazendas descritas. O moinho
da fazenda Rio de São João apresenta planta livre. São diversos pilares recuados e
desvinculados das vedações externas. Os avarandados das casas grandes, localizados no
segundo pavimento, são, de fato, longos trechos de fachada livre, com variações de guarda-
corpo, espaçamento e dimensões de pilares, etc. Os seguimentos com fachada livre são
encontrados nas fazendas Boa Esperança, Quebra-Canoas e Rio de São João (imagens 8,
9 e 10). Na última, os pilares da varanda superior da residência tem a função de obter um
vão livre, caracterizando um “espaço público”, visto que a porta de entrada da capela
desaguava nesse corredor, trazendo uma sensação de permeabilidade a quem estivesse ali
passando. A fachada principal da fazenda São Fernando (imagem 11) destaca-se por
apresentar uma membrana de vidro quase ocupando a totalidade da área da fachada do
segundo pavimento aonde o vidro se encontra com um parapeito baixo e com o velho
telhado de telha de barro.
Mestres da arquitetura moderna brasileira como Lucio Costa, Joaquim Cardoso,
Alcides da Rocha Miranda, entre outros, depois que conheceram a arquitetura colonial
mineira (rural e urbana), em viagens a trabalho pelo SPHAN, entenderam “como é moderna
a arquitetura antiga do Brasil” (nas próprias palavras de Curtis). O aprendizado com a
arquitetura feita pelos mestres portugueses influencia e muito a produção da arquitetura
moderna brasileira. Os projetos de Lucio Costa confirmam a afirmação: Vila Operária em
Monlevade, Casa Barão de Saavedra, Pavilhão de Nova York e tantas outras onde as
referências ao passado são explícitas.
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4-Imagens
Imagem 1-Fazenda Rio de São João, Bom Jesus do Amparo - Minas Gerais
Imagem 2- Fazenda Rio de São João, Bom Jesus do Amparo - Minas Gerais
Imagem 3 - Fazenda Papagaio-do-Meio, Santana dos Montes - Minas Gerais
Imagem 4 -Fazenda Boa Esperança, Bela Vista – Minas Gerais
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Imagem 5 - Fazenda Boa Esperança, Bela Vista – Minas Gerais
Imagem 6 - Fazenda Santa Clara, Santa Rita de Jacutinga – Minas Gerais
Imagem 7 - Fazenda Boa Esperança, Bela Vista – Minas Gerais
Imagem 8 - Fazenda Boa Esperança, Bela Vista – Minas Gerais
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Imagem 9 - Fazenda Quebra-Canoas, Ponte Nova - Minas Gerais
Imagem 10 - Fazenda Rio de São João, Bom Jesus do Amparo - Minas Gerais
Imagem 11 - Fazenda São Fernando, Rio Preto - Minas Gerais
5-Referências Bibliográficas
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PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTANA DOS MONTES, Inventário de Proteção do
Patrimônio Cultural - Santana dos Montes/MG. Disponível em:
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PUHL, Liege Sieben. Alcides da Rocha Miranda: projetos e obras (1934-1997). 2010. 219 f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de
Arquitetura, Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura, Porto Alegre, 2006
VASCONCELOS, Sylvio. Arquitetura Colonial Mineira, Separata do 1º Seminário de Estudos
Mineiros, Imprensa da UFMG, 1957.
XAVIER, Alberto (org.). Lucio Costa: Sobre Arquitetura, Porto Alegre: Editora Uniritter, 2007
(1ª reimpressão).
6-Referências Imagens
Todas as imagens utilizadas pertencem ao Acervo Julio Curtis, localizado no Centro
Universitário Uniritter, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Os créditos das imagens são de
Julio Curtis.
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