PAISAGEM E PATRIMÔNIO: A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE...

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PAISAGEM E PATRIMÔNIO: A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE ANÁPOLIS MENDONÇA, FERNANDA A. F.(1), OLIVEIRA, ADRIANA MARA VAZ DE (2) 1. Mestrado Projeto e Cidade Faculdade de Artes Visuais Universidade Federal de Goiás Campus Samambaia 74001970 Caixa Postal 131 Goiânia - Go e-mail: [email protected] 2. Mestrado Projeto e Cidade Faculdade de Artes Visuais Universidade Federal de Goiás Campus Samambaia 74001970 Caixa Postal 131 Goiânia - Go e-mail: [email protected] RESUMO Nas décadas iniciais do século XX, a chegada da ferrovia em Goiás modificou significativamente a paisagem dos núcleos urbanos pelos quais passava. A modernidade vinda pelos trilhos traduzia-se na alteração da paisagem predominantemente rural, assentada na tradição, para outra em que o novo era perceptível na morfologia arquitetônica e urbana, assim como nos novos hábitos e costumes. Em Anápolis, a ferrovia chegou em 1935 e, a partir de então, a cidade passou a ser o ponto terminal dos trilhos em Goiás, posicionando-se como entreposto comercial de mercadorias, alavancando de maneira decisiva o desenvolvimento econômico da região, sendo fundamental na construção de Goiânia, a nova capital do Estado. Por um período, os trilhos e a estação ferroviária imprimiram marcas na paisagem do centro da cidade. Em 1976, em razão do crescimento urbano, a estação foi desativada e o terminal ferroviário foi transferido para certa distância da região central. Posteriormente, na década de 1980, construiu-se um terminal de transporte coletivo urbano nos fundos da antiga estação ferroviária e, alguns anos mais tarde, em virtude de sua saturação, o terminal urbano foi ampliado e um novo edifício, com a mesma função, foi erigido na frente da estação. Em 1991, por meio de uma lei municipal, o prédio da antiga estação ferroviária foi tombado como patrimônio histórico do município, reconhecendo o seu valor para a história anapolina. O tempo passou e a estação ficou esquecida em meio ao terminal de transporte coletivo. Em 2008, o Ministério Público determinou a demolição do terminal urbano e a restauração do edifício patrimonializado. Em virtude desta decisão, os debates iniciaram e as posições se mostram cindidas, pois a importância da estação é inegável, mas o terminal urbano é de vital importância para a população. O objetivo desse artigo é discutir a importância da estação para a cidade, reconhecendo-a como integrante da paisagem cultural do lugar. Palavras-chave: Estação Ferroviária de Anápolis; Patrimônio Histórico e Industrial; Paisagem cultural.

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PAISAGEM E PATRIMÔNIO: A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE ANÁPOLIS

MENDONÇA, FERNANDA A. F.(1), OLIVEIRA, ADRIANA MARA VAZ DE (2)

1. Mestrado Projeto e Cidade – Faculdade de Artes Visuais – Universidade Federal de

Goiás Campus Samambaia – 74001970 – Caixa Postal 131 – Goiânia - Go

e-mail: [email protected]

2. Mestrado Projeto e Cidade – Faculdade de Artes Visuais – Universidade Federal de Goiás

Campus Samambaia – 74001970 – Caixa Postal 131 – Goiânia - Go e-mail: [email protected]

RESUMO

Nas décadas iniciais do século XX, a chegada da ferrovia em Goiás modificou significativamente a paisagem dos núcleos urbanos pelos quais passava. A modernidade vinda pelos trilhos traduzia-se na alteração da paisagem predominantemente rural, assentada na tradição, para outra em que o novo era perceptível na morfologia arquitetônica e urbana, assim como nos novos hábitos e costumes. Em Anápolis, a ferrovia chegou em 1935 e, a partir de então, a cidade passou a ser o ponto terminal dos trilhos em Goiás, posicionando-se como entreposto comercial de mercadorias, alavancando de maneira decisiva o desenvolvimento econômico da região, sendo fundamental na construção de Goiânia, a nova capital do Estado. Por um período, os trilhos e a estação ferroviária imprimiram marcas na paisagem do centro da cidade. Em 1976, em razão do crescimento urbano, a estação foi desativada e o terminal ferroviário foi transferido para certa distância da região central. Posteriormente, na década de 1980, construiu-se um terminal de transporte coletivo urbano nos fundos da antiga estação ferroviária e, alguns anos mais tarde, em virtude de sua saturação, o terminal urbano foi ampliado e um novo edifício, com a mesma função, foi erigido na frente da estação. Em 1991, por meio de uma lei municipal, o prédio da antiga estação ferroviária foi tombado como patrimônio histórico do município, reconhecendo o seu valor para a história anapolina. O tempo passou e a estação ficou esquecida em meio ao terminal de transporte coletivo. Em 2008, o Ministério Público determinou a demolição do terminal urbano e a restauração do edifício patrimonializado. Em virtude desta decisão, os debates iniciaram e as posições se mostram cindidas, pois a importância da estação é inegável, mas o terminal urbano é de vital importância para a população. O objetivo desse artigo é discutir a importância da estação para a cidade, reconhecendo-a como integrante da paisagem cultural do lugar.

Palavras-chave: Estação Ferroviária de Anápolis; Patrimônio Histórico e Industrial; Paisagem cultural.

INTRODUÇÃO

As paisagens urbanas constituem-se de objetos sociais (SANTOS, 1986), fabricados e

naturais, em que se reconhece a ação humana. A paisagem está em permanente

movimento, porque é a expressão da articulação entre espaço e tempo. Para Rossi

(1995),do mesmo modo, a cidade é entendida como arquitetura ou como construção no

tempo, identificando sua forma, mas também os fatos urbanos, que são as ações do homem

sobre a paisagem. Para Rossi (1995, p.18) a característica do fato urbano está “bastante

ligada à sua qualidade”. São considerados fatos urbanos um palácio, uma rua, um bairro.

Neles poderá ser identificado “algo que os torna muito semelhante [...] à obra de arte”.

Nestes fatos urbanos, entretanto, é possível verificar a existência de alguns edifícios que

percorrem o tempo, ainda que se altere o seu significado. Tais edifícios são relíquias que

“dão início às recordações que a história confirma e expande recuando no

tempo”(LOWENTHAL, 1998, p.77).

Rossi (1995) traduz o significado destas edificações dizendo que são formas que ficam

“impressas em nós que vivemos e percorremos a cidade e que por sua vez, a estrutura.” No

bojo dessas edificações, interessam aquelas que são eleitas como patrimônios históricos,

qualificando a sua inserção na temporalidade.

O termo patrimônio, relata Choay (2001), tem origem nas estruturas familiares, econômicas

e jurídicas de uma sociedade. Proveniente da palavra herança, essa transmissão ou

transferência de uma geração para a seguinte, seja de uma propriedade ou de um saber, é

de vital importância para a continuidade de um grupo social.

A expressão patrimônio suscitou uma série de adjetivações ao longo do tempo, como

histórico, artístico, natural, urbano, cultural, entre outros, tornando-o um conceito nômade,

como apontou Choay (2001). Por patrimônio histórico entende-se um conjunto de bens de

determinada sociedade que relata o seu passado comum, que concernem arquitetura,

objetos, meios de transporte, obras de arte, documentos, etc. A partir da década de 1960,

no aprofundamento das discussões em torno dos bens a serem transmitidos como

patrimônio, em consonância com debates em outras disciplinas, chega-se ao termo

patrimônio cultural, ampliando tipologicamente, cronologicamente e geograficamente o que

preservar. Assim, além dos bens materiais ligados à história e à arte, evidentemente

aprisionados ao poder, agregam-se os bens imateriais – como saberes, festas, tradições,

entre outros –, e bens materiais até então desconsiderados – arquitetura vernácula, por

exemplo – de tempos mais recentes e de lugares pouco referenciados – Américas, África,

Ásia.

Recentemente, nos últimos anos da década de 1990, agregou-se outro conceito nas

discussões patrimoniais, o de paisagem cultural. Entende-se este conceito como uma

evolução que veio agregar maior valor na relação entre homem e meio natural. É a busca

pela compreensão entre materialidade e subjetividade entre os objetos considerados como

patrimônio. No Brasil, segundo o IPHAM (2011) a chancela do termo “Paisagem Cultural

Brasileira” foi instituída em 2009 e desde então foi criada a Coordenação de Paisagem

Cultural do IPHAN, funcionando como um instrumento de orientar estudos e fazer

proposições.

Dentro do que pode ser considerado bem cultural está inserido o que se denomina

patrimônio industrial (KUHL, 2013). Os debates sobre esse tipo de patrimônio iniciaram-se

na Inglaterra na década de 1950, abarcando os bens derivados da industrialização daquele

país, mas é somente nos anos 2000, na conferência realizada na Rússia, que o termo é

definido consensualmente:

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que

possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico.

Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e

locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros

de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e

todas as suas estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se

desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como

habitações, locais de culto ou de educação. (CARTA DE NIZHNY TAGIL,

2003, p.3).

Mesmo com a abrangência do conceito, ainda reconheciam-se algumas ausências. Em

2011, o princípio de Dublin, elaborado pelo TICCIH (The International Committe for the

Conservation of the Industrial Heritage) juntamente com o ICOMOS(International Council of

Monuments and Sites) amplia o conceito de patrimônio industrial para os seus aspectos

intangíveis como o know–how técnico, a organização de trabalho e dos trabalhadores, bem

como o complexo social e cultural de vida das comunidades (LINS, 2012).

O patrimônio vinculado às ferrovias, inserido na categoria industrial, passou a ser

considerado pelas instâncias de reconhecimento e preservação internacionais somente a

partir da década de 1990. No Brasil, na década de 1950, de acordo com Lins (2012), houve

o reconhecimento pelo então SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)

do trecho ferroviário Magé-Fragoso, no Rio de Janeiro, assim como da Estação Central, do

mesmo estado, nos anos de 1960. Contudo, ambos eram considerados patrimônios

históricos, sem menção ao industrial.

Em 2007, todos os bens móveis e imóveis, da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), de

valor artístico, histórico e cultural, são recebidos e administrados pelo IPHAN, responsáveis

por sua guarda e manutenção, como disposto no Art. 9º da Lei n.º 11.483/2007. Além disso,

registra-se ainda a responsabilidade do instituto pela preservação e difusão da memória

ferroviária. Diante dessa competência, o IPHAN inventariou os bens ferroviários – em torno

de 6000 itens – e em 2010, por meio da Portaria nº 407/2010, estabeleceu a criação de um

novo instrumento de proteção – a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário. Nessa lista

incluem-se estações, galpões, postos médicos, pontes, caixas d’água, entre outros (IPHAN,

2014).

Em Goiás, aparecem na lista citada acima a caixa d’água, a oficina, prédios do chamador,

oficina e estação da cidade de Pires do Rio, e estações de Caraíba e Ponte Funda no

município de Vianópolis. Existem outros bens que não foram inventariados e, entre eles,

encontra-se a estação ferroviária de Anápolis, objeto desse artigo.

Ainda que não conste na relação do Patrimônio Cultural Ferroviário, colocando-a sob a

proteção do IPHAN, a referida estação encontra-se protegida pelo município de Anápolis. A

Constituição Federal, no seu artigo 30, torna a proteção e preservação do Patrimônio

Histórico e Cultural uma prerrogativa do município com a observância da legislação e ação

fiscalizadora federal e estadual. Com isto, ficou definido que as ações de proteção e

preservação de bens que representem a memória histórica e identidade cultural de um

município, sejam eles, bens materiais ou imateriais, são de responsabilidade e competência

do município.

Na cidade de Anápolis, situada no estado de Goiás, existe o Conselho Municipal do

Patrimônio Histórico e Cultural de Anápolis (COMPHICA) criado em 2007, e ligado

diretamente a Secretaria de Municipal de Cultura. O conselho é o responsável pelos

procedimentos técnicos posteriores ao tombamento de bens imóveis da cidade. O

tombamento é feito através de lei ordinária encaminhada a câmara para aprovação dos

vereadores.

No caso da Estação Ferroviária José Fernandes Valente, o tombamento ocorreu em 1991,

através da Lei nº 1.824, tornando-se Patrimônio Histórico da cidade de Anápolis.

Atualmente, a Estação Ferroviária está localizada junto ao único terminal de integração do

transporte coletivo urbano de Anápolis, não estando disponível para o usufruto ou

percepção da população. Na verdade, a estação encontra-se abandonada e apenas

recentemente, motivados por discussões em torno da decisão judicial que determina a

liberação da frente da estação pelo terminal urbano de transporte coletivo, a sua

manutenção e restauração entraram em cena.

O debate em torno da questão de sua preservação é intenso, já que o edifício permanece no

centro da cidade, sem qualquer tipo de uso, mas indiscutivelmente um fato urbano. Porém,

afirma Rossi (1995, p.18),“o conceito que você tem de um fato urbano será diferente do tipo

de conhecimento de quem vive este mesmo fato” e este talvez seja o maior de todos os

desafios enfrentados pela da estação ferroviária de Anápolis. As gerações recentes não tem

qualquer conhecimento da importância que esta teve no desenvolvimento da cidade. Há

muito ela participa da paisagem cultural urbana.

Dessa forma, o presente artigo objetiva compreender o significado da estação ferroviária

para a cidade, já que as mudanças ocasionadas com a sua chegada, se fizeram marcantes

até a sua desativação. A estação, embora encoberta, permanece sendo, como afirma Lynch

(1980, p.113) “um elemento marcante” cuja singularidade é o seu “contraste com seu

contexto ou pano de fundo”.

Fig.1 – Localização do Terminal Urbano e da antiga Estação Ferroviária.

Fonte: Google Earth, 2014.

1. FERROVIA EM GOIÁS: A PAISAGEM SE MODERNIZANDO COM A

VINDA DOS TRILHOS

O transporte ferroviário teve sua inserção no mundo a partir da Inglaterra no início do século

XIX, e representou, à época, o principal modo de transporte de passageiros e de cargas, e

quiçá, a maior intervenção realizada pelas mãos do homem na paisagem urbana e também

na paisagem rural. As primeiras estações ferroviárias eram pequenas e se posicionavam de

forma isolada de modo a atender as indústrias primárias (LINS, 2012).

No Brasil, as ferrovias começaram a ser implantadas em meados do século XIX, por meio

de uma parceria entre o governo imperial e o capital privado, particularmente, inglês. Várias

empresas ferroviárias foram fundadas até princípios do século XX, entre elas: São Paulo

Railway Ltda, Companhia Paulista de Estradas de Ferro, E. F. Sorocabana, Mogiana, E. F.

Noroeste do Brasil, entre outras.

Para Langenbuch (1971) a criação das estações nas cidades e também no meio rural

trouxeram significativas alterações, fazendo com que a paisagem natural e paisagem urbana

experimentassem drásticas transformações.

As ferroviárias conferiram às faixas por elas servidas uma vocação

suburbana, por ora insipiente, e às estações ferroviárias uma vocação de

polarização da industrialização e do povoamento suburbano. Os “povoados-

estação” seriam os embriões de importantes núcleos suburbanos da

atualidade. [...] Por seguir por trajetos diferentes das antigas estradas

“ordinárias” provocou uma relativa desvalorização de áreas beneficiadas

[...]Valorizou as áreas que passou a servir. Os “povoados-estação” cresciam

enquanto aglomerados apartados da linha de modo geral estagnavam

(LANGENBUCH, 1971, p.129).

O passar do tempo e as sucessivas crises econômicas culminaram na redução de

investimentos privados no setor, tornando o Estado seu único investidor e mantenedor, com

a federalização na década de 1950. Posteriormente, nos anos de 1990, inicia-se o processo

de desestatização e a consequente privatização desses serviços, chegando até a

atualidade.

O caso goiano tem suas especificidades. O projeto para instalação da ferrovia, iniciado no

final império, tinha por objetivo a ligação de Goiás aos estados do Rio de Janeiro e São

Paulo. Através do Decreto nº 862 de 16 de outubro de 1890 é concedida à Estrada de Ferro

Mogiana, pertencente a Minas Gerais, o direito de prolongar os trilhos da Estação Jaraguá,

localizada no distrito de Jaraguá município de São Paulo, até a cidade de Catalão no estado

de Goiás.

Segundo Coelho (2011, p.75), a chegada do transporte ferroviário representou um momento

de considerável desenvolvimento econômico no estado de Goiás.

[...] foram inauguradas as primeiras estações da rede ferroviária na região

sudeste do estado. [...] Com a ferrovia chegaram o cinema, o telégrafo, o

telefone, a energia elétrica e a possibilidade de se fazer assinaturas de

jornais e revistas produzidos nos grandes centros, recebendo-se a

informação com uma rapidez até então desconhecida (COELHO, 2011,

p.75).

A ferrovia, cujo ponto de partida em Goiás, foi a estação de Anhanguera, na divisa com

Minas Gerais, chegou à Anápolis em 1935 e a Goiânia em 1952. De Anhanguera à Goiânia,

a estrada de ferro inaugurou algumas estações – Goiandira, Ipameri, Roncador, Pires do

Rio, Engenheiro Balduíno, Vianópolis, Leopoldo de Bulhões, Anápolis – que tiveram papel

primordial na consolidação e crescimento de algumas cidades. Chiarotti (2011) aponta que,

no recenseamento do IBGE (1949), fica claro que as cidades de Anápolis, Catalão, Ipameri

e Pires do Rio faziam parte das oito cidades mais populosas do estado de Goiás e foram as

que obtiveram mais benefícios com a ferrovia, pois concentravam o maior número de

pessoas.

O ramal da linha férrea que chegou a Anápolis veio de Leopoldo de Bulhões e deveria se

estender até o Rio Araguaia, mas nunca foi prolongado. Independente da continuidade da

ferrovia,

Anápolis foi duplamente beneficiada com a sua chegada. Primeiro, pela

própria implantação da estrada de ferro, contribuindo para dinamizar a

economia da região; segundo porque a cidade passou a ser ponto terminal

dos trilhos, servindo como entreposto comercial na troca de mercadorias de

vasta região do Estado de Goiás(POLONIAL, 2000, p.56).

A vocação comercial já era notada em Anápolis, pois a sua posição num entroncamento de

caminhos no território goiano a favorecia. Além disso, a significativa imigração sírio-libanesa,

voltada para atividades comerciais, já se tornava visível na cidade desde a década de 1920

(MACHADO, 2009). Os trilhos dos trens potencializaram o comércio regional, reforçando a

vocação agropecuária de grande parte do Estado.

A chegada da ferrovia alterou a rotina da cidade. Os túmulos do cemitério, que existiam em

frente à nova estação ferroviária, foram retirados e a Praça Americano do Brasil, localizada

no entorno, foi reformada. O Jornal O Anápolis de 1935 (apud MACHADO, 2009, p.53)

expõe as preocupações do poder municipal:

Muitos proprietários atendendo ao justo pedido da nossa prefeitura

começaram a reforma e pintura de seus prédios a fim de que os nossos

visitantes, por ocasião da inauguração [da estação ferroviária] encontrem

uma cidade digna do nome e progresso de Anápolis.

Era um novo tempo que se iniciava e a estação ferroviária e seus trilhos materializava-o. A

privilegiada posição comercial de Anápolis manteve-se por muito tempo. A construção da

nova capital federal nos anos de 1950 consolidou a sua posição, a meio caminho da capital

do Estado.

2. A ARQUITETURA E OS ELEMENTOS URBANOS DA PAISAGEM

DAFERROVIA EM GOIÁS

Segundo Milton Santos (1988) a paisagem depende de nosso referencial, ou seja, do lugar

onde estamos, e assim esta paisagem “toma escalas diferentes”, ampliando-se, reduzindo-

se à medida que nos aproximamos e nos afastamos dela, ou mesma a medida que

obstáculos atenuam nossa visão. A dimensão da paisagem é a percepção de cada um.

O exemplo disto, a linha férrea em Goiás não era extensa, porém contou com diversificado

acervo de construções ao longo de seu percurso que lhe ofereciam suporte. Cada uma

destas edificações, embora de arquitetura simples, trouxe um significado um diferente a

paisagem urbana local. Umas mais outras menos significativas, porém determinantes.

A maioria das estações ferroviárias de Goiás seguiu a tipologia encontrada na da cidade de

Goiandira, de 1913, em que a

[...] forma retangular disposta com o lado maior paralelo à linha,

apresentando a plataforma coberta, acontecendo tanto o embarque quanto

o desembarque de passageiros de um mesmo lado do edifício. O outro lado

é a fachada principal da cidade (COELHO, 2004, p.133-134).

Algumas estações como a de Anápolis, Ipameri e Pires do Rio são um pouco mais

complexas, com dois blocos e plataformas mais extensas. Todas são construídas em

alvenaria de tijolo e em algumas, como a de Goiandira e Catalão, tem cobertura da

plataforma e do alpendre da fachada em telhas de ardósia, com acentuada inclinação

(Fig.2). Aquelas que não tinham tais telhas possuíam as de cerâmica conhecidas como

francesas. Além disso, tinham piso de cimento queimado e ladrilhos hidráulicos em áreas

especiais de algumas estações. Esses materiais eram inéditos para os goianos à época.

Dessas estações mencionadas, aparece uma torre de relógio na estação anapolina, assim

como estrutura de ferro aparafusada em pilaretes de alvenaria para a cobertura da

plataforma, que aparece também em Cumari.

Das estações menores, Coelho (2004) diferencia aquelas com maior requinte decorativo –

Vianópolis, Ponte Funda e Cumari –, em que houve uso de grades de ferro fundido nas

aberturas de atendimento e relevos no contorno de portas e janelas; as muito simplificadas,

com a espera na plataforma, sem saguão, num corpo único, como as estações de Caraíba e

Egirineu Teixeira; as de única cobertura com prolongamento em mão francesa de madeira

como visto nas estações de Mestre Nogueira, Senador Paranhos, Bonfinópolis, Senador

Canedo e Santa Marta.

O autor considera que Goiânia, Catalão, Campinas e a segunda estação de Goiandira são

exemplares da arquitetura art déco, diferenciando-se das demais. A volumetria do edifício

principal era caraterizada pelo uso de platibandas ao contrário dos telhados aparentes das

anteriormente mencionadas e formas escalonadas e geometrizantes. O exemplo

paradigmático desse grupo é a estação da capital, que tem um elemento vertical aos moldes

dos odeons americanos e ingleses do início do século XX, garantindo-lhe a

monumentalidade necessária.

A estação ferroviária de Anápolis foi construída conforme a tipologia presente nas outras

estações de Goiás, mas com porte mais significativo, como dito. O edifício era formado por

dois blocos desencontrados de alvenaria, unidos por um prisma vazado, com uma cobertura

pontiaguda que seria a torre do relógio, e a cobertura da “gare”, com sofisticada estrutura de

madeira. Os telhados de telhas de barro industrializadas tinham inclinação acentuada,

reforçada pelos acabamentos nas empenas laterais. As aberturas eram contornadas por

molduras de massa em relevo, dando imponência à construção. (Fig.2)

Fig.2 – Estação Ferroviária de Anápolis (1934).

Fonte: Acervo iconográfico do Museu Histórico de Anápolis.

A estação era ícone da modernidade recém-aportada em Anápolis, pois trazia novidades e

esperança pelos trilhos. A estação trouxe também profundas transformações à paisagem

urbana da cidade. O local onde a estação foi construída era até então ermo e sem uma

utilização especifica. Posicionava-se em frente onde é hoje a Praça Americano do Brasil.

Segundo relatos do Jornal “O Contexto” no local da praça funcionava o cemitério São

Miguel. Relata Freitas (1994) que o cemitério São Miguel, primeiro cemitério de Anápolis foi

fundado em 1882. Com a chegada da estação, o cemitério foi removido para um local mais

distante. No local do cemitério foi construída uma praça e um parque de diversões.

O tempo passou e a decadência do transporte ferroviário desencadeou a estagnação

econômica que originou na decadência de um grande número de estações, pelo abandono

ou mesmo pela demolição pura e simples (COELHO, 2011), inclusive a de Anápolis.

A arquitetura ferroviária em Goiás transpôs a execução dos edifícios ligados ao transporte e

se estendeu pelas cidades, por meio da introdução de linguagens estilísticas, materiais e

técnicas de construção até então desconhecidas, criando alternativas à arquitetura

tradicional goiana. A arquitetura eclética, art nouveau, neocolonial e art déco começaram a

aparecer, em versões condizentes com a situação local, nas residências, edifícios

institucionais e comerciais. Goiás modernizava a sua arquitetura e alterava a sua paisagem

com a chegada dos trens.

Os projetos de restauração e requalificação, pelo governo do estado, em parceria ou não

com o IPHAN, têm tentado, há aproximadamente uma década, redefinir usos e recuperar a

história ferroviária em Goiás. Algumas estações já foram recuperadas como a de Silvânia,

Pires do Rio, Urutaí, entre outras. Infelizmente, a estação de Anápolis ainda não foi incluída

nessa empreitada, apesar de representar a inserção de Goiás num outro patamar

econômico, que levou a cidade a ser conhecida como a Manchester goiana (MACHADO,

2009), papel que ainda sustenta, apesar das inúmeras transformações.

3. ESTAÇÃO FERROVIÁRIA E PAISAGEM: DE ÍCONE MODERNO À

ENTRAVE URBANO

A estação ferroviária de Anápolis, situada na Praça Americano do Brasil, na região central

da cidade, foi inaugurada no ano de 1935, alterando a sua paisagem urbana. Paisagem

urbana, segundo Ferrari (2004), no seu sentido mais amplo é a impressão visual que a

cidade provoca através de sua arquitetura, seus logradouros públicos e mobiliário urbano.

Segundo Polonial (2011) teve participação importante no crescimento populacional,

alavancou o desenvolvimento urbano, dinamizou a economia e o desenvolvimento do setor

de serviços.

A típica cidade do interior brasileiro, com casas de adobe e pau-a-pique, ruas descalçadas e

sem mobiliário urbano, começou a se modificar com a chegada da ferrovia. Os trilhos eram

desejados e traziam com eles significativas alterações na morfologia da cidade: iluminação

pública, calçadas, praças, ruas urbanizadas, novas linguagens e tipologias arquitetônicas.

Enfim, transformava-se em uma nova cidade.

Em 1950 a cidade de Anápolis havia crescido bastante e a estrada de ferro, que percorria o

centro da cidade, em alguns trechos se tornou perigosa e inadequada. A insatisfação do

povo anapolino com a ferrovia chegou ao fim em 3 de maio de 1976 quando se deu a

retirada dos trilhos do centro da cidade. (Fig.3)

Fig.3 – Festa da remoção dos trilhos na cidade de Anápolis.

Fonte: Blog do Rhalf Giesbrecht (2009)

Na década de 1980, nas proximidades da estação, já sem os trilhos, em área pública

pertencente ao conjunto ferroviário, foi construído o Terminal Urbano. A justificativa para tal

foi a necessidade de meios eficientes de transporte público. O terminal de integração de

ônibus urbanos possibilitaria maior agilidade ao transporte público urbano.

Nos anos de1990, em virtude de sua saturação, o terminal urbano foi ampliado e um novo

edifício foi erigido na frente da estação, fazendo com que a esta ficasse posicionada entre

as duas edificações ligadas por uma passarela. Resultado: a estação ferroviária tornou-se

um entrave às pretensões de mobilidade urbana.

Completamente descaracterizada das suas funções originais, a estação ainda resistia. Por

algum motivo que assegurava a sua presença na memória anapolina, a estação estava de

pé. Em 1991, com a preocupação em preservar a memória histórica da cidade de Anápolis,

é realizado o tombamento de quatro edifícios públicos da cidade através da Lei nº 1.824 de

03 de janeiro de 1991, a saber: Estação Ferroviária José Fernandes Valente, Museu

Histórico “Alderico Borges de Carvalho”, Escola de Artes “Oswaldo Verano” (antigo prédio

da cadeia) e o Prédio do Antigo Fórum (atual Secretaria de Cultura) (CHIAROTTI, 2011). O

nome da estação foi uma homenagem ao Sr. José Fernandes Valente que foi prefeito de

Anápolis no período de 1936 a 1940.

O edifício passou apenas por um processo de pintura em 1986, e em 2000, porém nenhuma

recuperação ou restauração foram registrados. Em 1998 a Prefeitura autorizou a empresa

operadora do transporte coletivo a usar outro terminal que viesse a ser edificado e, ainda,

autorizou o uso do prédio da antiga Estação. O edifício se tornou refém da estrutura do

terminal urbano e ainda é objeto de constantes abalos em sua estrutura, devido ao intenso

fluxo de veículos do transporte coletivo, que circulam na via em frente a antiga estação (MP,

2008).

O Ministério Público propôs Ação Civil Pública com o objetivo de impedir a realização de

obras autorizadas pela prefeitura em frente ao prédio da antiga Estação Ferroviária de

Anápolis, bem como a disponibilização de uso do prédio histórico pela concessionária de

serviços de transporte coletivo da cidade. Em 2004 a Juíza de Direito da Vara das Fazendas

Públicas da época, julgou o processo extinto sem apreciação do mérito por falta de interesse

processual. O fato é que foi alegada falta de “efetivação do tombamento” da Estação

Ferroviária, pois não constava registro no Livro do Tombo e a transcrição no Registro de

imóveis (MP, 2008).

Conforme encontra-se descrito na Ação Civil Pública, em 2008, a 15ª Promotoria de Justiça

recebeu um abaixo-assinado de centenas de cidadãos, que incluía inúmeras autoridades e

ex-ferroviários, solicitando providências para proteger e recuperar a Estação Ferroviária de

Anápolis, que estaria “abandonada e com acesso e visibilidade impedidos a toda a

população”. A partir daí a Promotoria de Justiça instaurou inquérito civil público para

averiguar e constatou que o prédio da antiga Estação Ferroviária de Anápolis era realmente

bem público municipal tombado como patrimônio histórico da cidade por meio da Lei

Municipal nº 1.824, de 03 de janeiro de 1991 e requisitou ao Procurador-Geral do Município

de Anápolis a formalização deste por meio da inscrição no Livro Tombo.

Em 2008, o Ministério Público requisitou uma inspeção dos Órgãos de Cultura Estadual

(AGEPEL) e Federal (IPHAN) na Estação Ferroviária de Anápolis, os quais assinalaram o

seguinte respectivamente:

O edifício da Estação Ferroviária encontra-se 'ilhado' por uma construção

nova e gigantesca, o terminal rodoviário, obstruindo toda sua visibilidade.

[...] A melhor solução seria retirar o terminal daquele local transferindo-o

para que a visão da edificação se torne clara, fazendo uma restauração,

dando-lhe novo uso e trabalhar o paisagismo adequado no seu entorno. A

Estação recuperada nos seus moldes originais, mostrando toda sua

importância e seu valor histórico e estético que teve historicamente para a

comunidade Anapolina.

A partir da execução do inventário de varredura do Patrimônio Ferroviário

da Extinta Rede Ferroviária Federal – RFFSA, realizada por esta

Superintendência no ano de 2007 e vistoria técnica realizada

especificamente na referida estação, concluímos que a mesma encontra-se

obstruída pela presença de edificações construídas em suas imediações. A

visibilidade do bem, aspecto determinante para a fruição dos valores nele

intrínsecos, está seriamente comprometida, sendo de fato o Terminal

Rodoviário Urbano responsável pela maior parte da agressão visual ao bem

e questão.

A Ação Civil Pública determinou a retirada do terminal 2 e a transferência das linhas do

transporte coletivo para outro local, sob pena de multas diárias tanto para a prefeitura

quanto para a operadora do transporte coletivo.

Essa determinação foi uma vitória e representou um grande avanço para aqueles que

defendem a recuperação do patrimônio histórico, cultural, paisagístico e arquitetônico da

cidade de Anápolis. Embora todas as decisões do Ministério Público, através de Ação Civil

Pública, tenham ocorrido em 2008, só agora em 2014, a determinação está sendo

efetivamente cumprida segundo informações da Prefeitura de Anápolis.

Há que se destacar que na Lei Complementar nº 128 de 10 de outubro de 2006, lei que

institucionaliza o Plano Diretor de Anápolis, em seu artigo 32, ressalta a importância de

preservar algumas áreas de interesse urbanístico da cidade, dentre elas a Estação

Ferroviária de Anápolis.

Art.32 São consideradas áreas de interesse urbanístico o Centro Histórico

de Anápolis, a Estação Ferroviária Central, os armazéns, edificações

vazias, o complexo institucional formado pela Rodoviária, Ginásio Esportivo,

Prefeitura Municipal, Câmara Municipal, Museu e Fórum, bem como todos

os espaços públicos da cidade, compreendendo ruas, praças e parques.

(PD, 2006)

Percebe-se, pois, que as ações institucionais de salvaguarda do bem não garantiram a sua

preservação. A estação mantém-se como patrimônio da cidade, mas ainda há muito que

fazer para retorná-la como bem pertencente a mesma.

4. ESTAÇÃO PREFEITO JOSÉ FERNANDES VALENTE E A

MEMÓRIA ANAPOLINA.

A memória, segundo Le Goff (2003, p.469-471) é o que costumamos chamar de identidade

individual ou de um grupo.

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar de

identidade individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades

fundamentais dos indivíduos e da sociedade hoje [...]A memória, que

alimenta a história, procura salvar o passado para servir ao presente e ao

futuro.

A ideia de patrimonializar é a forma que existe de preservar uma memória, um espaço, uma

paisagem. Para Santos (1988) paisagem é “tudo aquilo que nós vemos”, aquilo que nossa

visão alcança. Por "lugares de memória" entende-se aquilo o que se observa o espaço físico

(material) e a formação da memória coletiva (imaterial) (ARÉVALO, 2004).

A Estação Ferroviária de Anápolis foi eleita para ocupar um lugar na memória coletiva dos

anapolinos, através do tombamento municipal. Contudo, devido à falta de medidas políticas

e culturais para a salvaguarda desse patrimônio histórico e cultural, a celebração do

centenário da cidade não pode contar com a liberação do principal patrimônio, vivia-se o

impasse entre o terminal urbano e o patrimônio.

Os lugares de memória são espaços onde a ritualização de uma memória-história pode

ressuscitar a lembrança, tradicional meio de acesso a esta. "Os lugares de memória nascem

e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos,

organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas,

porque estas operações não são naturais" (NORA, 1993, p.13).

Embora a estação continuasse lá, era como se ela não estivesse encoberta, escondida. Era

como se a cidade tivesse lhe virado as costas. Porém a cidade não esqueceu os benefícios

trazidos por ela à cidade. O fato é que existe uma necessidade de nos relacionarmos com o

objetivo para que ele não seja esquecido. Como afirma Jodelet (2001, p.17/18) as

representações sociais estão presentes nos discursos, “são trazidas pelas palavras e

veiculadas em mensagens e imagens cristalizadas em condutas e em organizações

materiais e espaciais”. E a força de tais representações advém também do seu valor

simbólico.

Em uma cidade relativamente jovem como Anápolis, os símbolos que representam a sua

história não são muitos, e nem sempre apresentam uma arquitetura representativa, porém

como afirma Ferrara (2000) “é necessário ver além da imagem urbana, discriminar suas

características para tentar chegar a uma generalização que a revele como outra face da

cidade enquanto objeto de conhecimento”.

Segundo Garzedin (2011, p.13),

A percepção das formas urbanas é um processo que inclui seleção,

memorização e atribuição de significados, não acontece de maneira igual

para todas as pessoas, depende de vários fatores, como repertório cultural,

frequência ao local, vínculos estabelecidos e, história de vida. [...]reforçam a

visão de paisagem como realidade percebida.

Para se compreender o presente, e buscar soluções para o futuro é preciso recorrer ao

passado histórico das sociedades, afirma Freitag (2012).

Fig. 4 – Estação Ferroviária de Anápolis em 2012 cercada por camelôs e pelo terminal urbano.

www.estacoesferroviarias.com.br/efgoiaz/mapas/anapolis.htm

A população de Anápolis buscou este passado. Pela sobrevivência da estação, segundo

relata o Ministério Público em ações como abaixo-assinado. Embora pertencente à

memória da cidade, a eleição como patrimônio não foi fácil. O tombamento municipal

ocorreu em 1991, nenhuma providência em relação ao restauro, ou a designação de um uso

que valorizasse o patrimônio, não ocorreu. (Fig.4)

Em 2014, no entanto, os objetivos foram finalmente alcançados. Por determinação do

Ministério Público, no mês de Abril tiveram início as obras de demolição do terminal 2 e

remanejamento das linhas do transporte coletivo para o terminal antigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estação ferroviária de Anápolis, memória e símbolo do desenvolvimento urbano da cidade

se encontra hoje abandonada e cercada pelo terminal urbano e pelos camelôs. Visualmente

poluída por edificações que encobrem a história da cidade. Urge a necessidade de ações

políticas que preservem e valorizem este espaço da cidade, que já significou o símbolo

maior do progresso Anápolis.

Para Rossi (1995, p.3) a paisagem urbana ou a arquitetura da cidade “[...] é cena fixa de

vicissitudes do homem, carregada de sentimentos de gerações, de acontecimentos públicos,

de tragédias privadas, de fatos novos e antigos.” E completa que a arquitetura de uma

cidade se compõe de traçados e volumes, de suas ruas, praças e edifícios. Estes elementos

é que possibilitam a leitura e a interpretação dos fatos urbanos, únicos de cada lugar e

remete ao debate de temas como a memória e a identidade do lugar e de seus habitantes.

Resultado de um processo de construção coletiva, a estação pertenceu à paisagem urbana,

acumulando manifestações da vida social da cidade. Como símbolo da modernidade, é,

uma edificação relevante da história da cidade, engloba a memória e a identificação das

pessoas locais, embora ao longo dos anos, e talvez pela segregação sofrida, foi distanciada

da população, a tentativa é que ela assuma seu papel de destaque na cidade, trazendo de

volta as referências simbólicas.

Anápolis é uma cidade com 106 anos de idade e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE, 2010), possui 334.613 habitantes. Portanto, enquadra-se no rol das

cidades médias brasileiras e possui apenas onze edifícios considerados patrimônios,

tombados pelo município. Um deles é a Estação Ferroviária José Fernandes Valente,

símbolo do desenvolvimento sócio econômico da cidade.

Segundo Silva (2010),

A construção de uma Estação Ferroviária em Anápolis também foi capaz de

comprovar que a cultura que une é, ainda, a cultura que separa, que

distingue, uma vez que esse patrimônio, como marco cultural, singularizou a

identificação e a memória Anapolina. Para a sociedade local, tem-se

naquele monumento um referencial de integração pela realização de um

sonho que ambiguamente era da modernização que nunca cessou de

chegar.

A história da estação determina a sua preservação, não há como negar as marcas sociais

deixadas para os antigos moradores da cidade. Solà-Morales (2002) afirma que:

A reconstrução de uma cidade significa que esta deve recobrar seus

espaços degradados, limpá-los das excrecências acumuladas ao longo de

gestões urbanísticas carentes de uma compreensão dos espaços

urbanos.[...] São lugares aparentemente esquecidos onde parece

predominar a memória do passado sobre o presente.

A estação embora sem uso encontra-se em bom estado de conservação. Liberá-la do

terminal urbano seria, como afirma Ferrara (2000), a "revelação de uma história escondida".

A geração atual não conhece a estação, portanto não tem consciência da representatividade

deste símbolo para a história da cidade. Dessa forma, percebe-se que somente a ação de

tombar não é suficiente para garantir a sua preservação e participação na memória

Anapolina. Faz-se necessário um trabalho de educação patrimonial para distinguir a sua

verdadeira relevância.

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