CLASSIFICAÇÃO DOS CAMPOS NATURAIS DO MUNICÍPIO DE
VIGIA DE NAZARÉ (PA)
Estêvão José da Silva Barbosa (a), Benedito Romulo Souza Favacho (b)
Suellen Auzier do Carmo (c), Dayane Rafaela Vidal de Moraes (c)
Juliane Raquel Silva Azevedo (c)
(a) Faculdade de Tecnologia em Geoprocessamento (FTG), Universidade Federal do Pará
(UFPA), Campus Ananindeua (CANAN), [email protected]
(b) Departamento de Geografia, Universidade do Estado do Pará (UEPA), Campus XVII – Vigia
de Nazaré, [email protected]
(b) Faculdade de Tecnologia em Geoprocessamento (FTG) - UFPA, CANAN,
s [email protected] [email protected] [email protected]
Eixo: Geotecnologias e modelagem aplicada aos estudos ambientais
Resumo/ A partir da utilização de produtos de sensoriamento remoto, fez-se a identificação e
a classificação dos campos naturais do Município de Vigia de Nazaré, no nordeste do Estado do Pará.
Especificamente, fez-se o mapeamento em um eixo ao redor da Rodovia PA-140, em diferentes
compartimentos de relevo. Os campos de Vigia, embora sejam conhecidos desde antes do século XX,
foram ainda pouco estudados, e se encontram intensamente degradados por ações antrópicas, sobretudo
a extração de areia, a agropecuária, a deposição de lixo e formação de povoados. São classificados em
“mistos”, de “várzea” e “firmes” conforme a litologia, relevo, solos e drenagem. A análise geossistêmica
dos campos naturais, de acordo com a proposta de Bertrand (2004), enfatizou os elementos do potencial
ecológico e exploração biológica, com breves considerações sobre a ação antrópica.
Palavras chave: geossistema, campos, Amazônia.
IBSN: 0000.0000.000 Página 1
1. Introdução
Os campos naturais na Amazônia constituem fisionomias abertas, muito diferentes
das florestas dominantes. Existem tanto no interior (core) como na transição da Amazônia
para outros biomas, revelando expressiva geodiversidade na sua origem, ecologia e paisagem
atual. São encontrados em ambientes muito distintos entre si, a exemplo de praias, bancos de
deposição recente, ilhas fluviais, brejos entre dunas e manguezais, paleocanais colmatados,
topos ou vertentes dos planaltos regionais.
Kuhlmann (1977) propôs uma classificação dos campos amazônicos em três tipos: os
“mistos” ou inundáveis, os de “várzea” e os “firmes”, dispostos de acordo com a litologia, a
topografia e o regime de inundação, fatores que condicionam os tipos de relevo e de solos, e
com isso as formações vegetais.
Tomando como parâmetro a taxonomia sistêmica de Bertrand (2004), os campos
naturais podem entendidos nos três níveis inferiores da paisagem, que são o geossistema, o
geofácies e o geótopo, dispersos pelo espaço regional na forma de manchas que variam de
poucos metros a algumas dezenas de quilômetros de extensão, em terrenos de areias marinhas,
aluviões, solos arenosos ou lateríticos.
A partir da utilização de produtos de sensoriamento remoto, fez-se a identificação e a
classificação dos campos naturais do município costeiro Vigia de Nazaré, ou simplesmente
Vigia, no nordeste do Estado do Pará.
Especificamente, fez-se o mapeamento em um eixo ao redor da Rodovia PA-140, em
diferentes compartimentos de relevo. Os campos de Vigia, embora sejam conhecidos desde
antes do século XX (RAIOL, 188[?] 1970), foram ainda pouco estudados, e na atualidade se
encontram intensamente degradados por ações antrópicas, sobretudo a extração de areia, a
agropecuária, a deposição de lixo e formação de povoados.
O estudo, inédito no conjunto da produção acadêmica sobre este Município, aborda
de maneira geral os campos, considerando-os como geossistemas e geofácies. Os resultados
fazem parte do Projeto intitulado “Formação territorial e práticas ambientais na Zona Costeira
IBSN: 0000.0000.000 Página 2
Amazônica: litoral Tauá-Colares-Vigia” (FTG-UFPA-CANAN); e de pesquisa de trabalho de
conclusão de curso (TCC) do curso de Geografia da Universidade do Estado do Pará (UEPA),
Campus XVII (Vigia de Nazaré).
Os geossistemas representam a interação de distintos elementos geográficos como o
relevo, o solo, o clima, a vegetação e a sociedade, em constante dinâmica e com fisionomias
próprias que os diferenciam uns dos outros. Tais fisionomias, associadas com a dinâmica
própria do geossistema, são um mote para a análise pela paisagem.
A análise dos campos naturais de Vigia enfatizou os elementos do seu potencial
ecológico e exploração biológica, com breves considerações sobre a ação antrópica.
2. Materiais e métodos
O Município de Vigia faz parte da zona costeira do Estado do Pará, localizando-se a
cerca de 100 km da capital, Belém, na região costeiro-estuarina da baía de Marajó ou rio Pará.
Limita-se a oeste com o Município de Colares e rio Guajará-Mirim; a norte com São Caetano
de Odivelas e rio Barreta; a leste com o mesmo município; a sudeste com Castanhal; e a sul
com Santo Antônio do Tauá (Fig. 1).
O ponto de partida para a identificação das fisionomias de campo natural foram pares
de fotografias aéreas do ano de 1976, executadas pelo Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) e Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), as quais mostram
uma cobertura da terra menos alterada, e os campos bem delimitados, apesar de pontualmente
já degradados pela ação humana. Originalmente na escala 1:250.000, formato analógico, as
fotografias foram digitalizadas em formato JPEG e georreferenciadas por meio do programa
QGIS 2.18.25, com 15 pontos de controle, chegando-se ao erro médio de 0,03 pixels e escala
de 1:9.800. Imagens do Bing Aerial, pontos de GPS e observações sistemáticas in locu, com
apoio de uma carta-imagem de cena do LANDSAT-OLI 8 (17/06/2017, órbita-ponto 223/61),
foram utilizados para auxiliar na identificação destas feições.
IBSN: 0000.0000.000 Página 3
Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo
A partir da interpretação visual dos produtos de sensoriamento remoto, fez-se uma
vetorização manual dos campos naturais, no QGIS, e por fim o mapa final, tendo por eixo
central a PA-140 (Fig. 1). A área de interesse tem por volta de 6,8 km x 34,66 km, e é nela
que aparecem a maior parte das feições de campo do Município, com exceção de geofácies de
campo em manguezais adjacentes à baía de Marajó e aos rios que desaguam nela, inclusive o
Guajará-Mirim e o Barreta.
A escala de mapeamento obedeceu à resolução das fotografias aéreas digitalizadas,
1:10.000, permitindo um mapa de 1:24.000. Por fim, fez-se uma nova etapa de observações in
locu e a comparação com as cenas do Bing Aerial (menu Web do QGIS), escala 1:2.000, para
verificar o estado atual da cobertura da terra nas áreas de campos naturais de Vigia. Dados
altimétricos médios foram obtidos do Google Earth – terreno.
IBSN: 0000.0000.000 Página 4
3. Classificação dos campos naturais de Vigia
Com base em Kuhlmann (1977), fez-se a classificação dos campos naturais de Vigia, a
qual mostrou a existência dos três tipos encontrados na Amazônia:
• Os “mistos”, também chamados de inundáveis, que se encontram em depressões
periodicamente inundadas pelas águas superficiais e/ou subterrâneas;
• Os de “várzea”, às margens dos cursos d’água, sendo por eles inundados de
acordo com os ciclos das cheias, e;
• Os “firmes”, que permanecem secos durante todo o ano.
A distribuição dos campos obedece à organização ecossistêmica sub-regional, sobre a
qual se desenvolveram os geossistemas (Fig. 2). O potencial ecológico condiciona uma certa
exploração biológica (BERTRAND, 2004). O relevo é o elemento primordial, bem mais que o
clima, do tipo Af em todo o Município, onde chove de 2.800 a 3.000 mm/ano.
São dois os arranjos principais de relevo em Vigia: um mais baixo topograficamente
(0-5 m), a planície costeira holocênica, tipicamente flúvio-marinha; e um mais elevado (~5-20
m), o baixo planalto costeiro sustentado pelos sedimentos Barreiras e Pós-Barreiras (Oligo-
Mioceno), com planícies fluviais em fundos de vale.
Barbosa (2007) fornece elementos para entender esta geodiversidade. Alguns tipos de
campos, encontrados na planície costeira, não são verificados no eixo da PA-140. Enquadram-
se como geofácies no interior dos manguezais, e podem ser classificados como campos de
“várzea”, embora o geossistema não seja o aluvial.
Na área mapeada (Fig. 3), os campos “mistos” são encontrados apenas na parte norte,
em “baixadas” que se localizam à retaguarda dos manguezais.
Ao que parece, são ecótonos entre os manguezais e várzeas, ocupando depressões que
recebem água dos cursos próximos – igarapés e furos. A mudança na vegetação, de mangue
para campo (“juncal”), pode se dar em virtude da redução de cloreto de sódio (sal) nas águas.
As cotas altimétricas variam de 4 a 9 m, aproximadamente, sabendo-se que localmente as
marés atingem por volta de 5 m nas épocas de sizígia (BARBOSA, 2007).
IBSN: 0000.0000.000 Página 5
Figura 2 - Perfil esquemático de feições físico-ambientais dos Municípios de Vigia (PA)
Notas da Fig. 3: ecossistemas: CE – canal estuarino; PD – praia/duna; M – manguezal; EC –
ecótono; CP – campo; AG – agroecossistema; EU – ecossistema urbano; V-I – várzea e/ou
igapó. Formas de relevo: PE – planície estuarina; PF – planície flúvio-marinha; BP – baixo
planalto costeiro; PC – planície de cordões arenosos; PA – planície aluvial.
Os campos “mistos” do norte de Vigia são “baixadas” ou “brejos” flúvio-marinhos,
situados no interior da planície costeira, com solos do tipo Gley, argilosos, e a sua ocorrência
no litoral amazônico encontra paralelo em vários municípios, conforme registrado por Lima,
Tourinho e Costa (1999).
Os campos mais para o interior da área estudada são os mais elevados, com médias
altimétricas de 10 a 30 m. As cotas altimétricas se elevam para o sul à medida que se afasta da
planície costeira. Situam-se no topo de baixos platôs sedimentares. São, porém, de mais difícil
classificação devido à existência de superfícies que permanecem alagadas durante o período
chuvoso (dez.-jun.), por efeito da elevação do lençol freático.
IBSN: 0000.0000.000 Página 6
Figura 3 – Mapa de localização da área de estudo
IBSN: 0000.0000.000 Página 7
Figura 4 – Campo “misto” com juncal no norte do Município de Vigia (PA)
Fonte: Google Earth
Nesta situação, parece lícito considerar os campos como “mistos”. O seu alagamento
forma uma lâmina d’água de alguns centímetros sobre a superfície plana do topo dos platôs, e
se deve a mecanismos complexos da natureza dos solos, nas classes dos Espodossolos e dos
Neossolos Quartzarênicos. Não se trata de fenômenos de inundação, mas sim de elevação do
lençol freático. Este nível do terreno é pouco drenado por rios (igarapés); ao contrário, eles
têm nesses locais suas nascentes, com um padrão de drenagem centrípeta. Os solos destes
campos são mal drenados, muito arenosos, e apresentam em sua base um horizonte argiloso
impermeável (RODRIGUES et al., 2004).
Favacho (2019), em estudo recente, denominou estas fisionomias de “campinas”, que
correspondem à fácies de vegetação gramíneo-lenhosa do geossistema campinarana, muitas
vezes com tufos de arbustos e palmeiras ou matas-galerias (Fig. 5). Rodrigues et al. (2001)
utilizam o termo “campo equatorial higrófilo ”.
IBSN: 0000.0000.000 Página 8
Existem, ainda, os campos “firmes” propriamente ditos, que na área mapeada são
manchas de savana parque (cerrado), em solos laterizados do tipo Latossolo e Argissolo (Fig.
6). Em Vigia, existe uma mancha de savana relativamente bem preservada em ramais entre a
localidade de Itapuá e o rio Barreta, não se descartando a possibilidade de ter havido outras no
passado, mas que foram degradadas pela ação humana.
Figura 5 – Campo “misto” com palmeira “caranã” no Município de Vigia (PA)
Foto: Estêvão J. S. Barbosa, nov. 2018
Valverde e Dias (1967) registraram duas fisionomias distintas de campos neste trecho
da PA-140 (antiga PA-16), os “mistos” e os “firmes”, denominando-os, respectivamente, de
campos de “Vigia” e de “São Caetano” (de Odivelas).
Considerando todas as manchas identificadas no mapeamento, para o a ano de 1976
predomina o tipo “misto”, enquanto o “firme” é o menos comum. Nas cenas de 2017 e 2018
IBSN: 0000.0000.000 Página 9
se percebeu que 2 manchas haviam desaparecido em função da mudança da cobertura da terra
para pastagem e/ou cultivo. Poder-se-ia, nestes casos, atribuir-lhes o designativo de campo
“antrópico”, significando um geofácies antropizado do geossistema original. A pesquisa no
seu atual estágio, porém, não chegou a considerar este aspecto temporal que diz respeito à
ação antrópica e suas consequências na paisagem.
Figura 6 – Campo “firme” com savana parque (cerrado) no Município de Vigia (PA)
Foto: Estêvão J. S. Barbosa, nov. 2018
4. Considerações finais
Os campos naturais do Município de Vigia de Nazaré, ao contrário do senso comum
e conclusões mais apressadas que os consideram como feições homogêneas de “campinas”,
apresentam uma expressiva geodiversidade. Constatou-se a existência de tipos de campos na
IBSN: 0000.0000.000 Página 10
condição de geofácies de manguezal (não presentes na área de estudo), ecótono manguezal/
várzea, geofácies de campinarana e geofácies de cerrado.
Enquadram-se em todos os tipos da classificação de Kuhlmann (1977), quais sejam,
os “mistos”, os de “várzea”, e os “firmes”.
O clima do Município, do tipo Af, isto é, tropical/equatorial megatérmico e úmido,
favorece o desenvolvimento da floresta; de outro modo, os fatores costeiros condicionam a
formação dos manguezais. Contudo, em pleno domínio amazônico surgem as manchas de
campos, muito descontínuas entre si, resultante de sutis variações litológicas e topográficas,
junto a alterações nos solos e no regime de drenagem. A própria fisionomia vegetal, isto é, a
exploração biológica resultante da interação destes elementos é variável, com os juncais, os
campos higrófilos com tufos de vegetação arbustiva e arbórea e matas galerias, e as savanas
parque, além dos campos antrópicos, não tratados na discussão.
Por sua relevância ecológica e geossistêmica, e o intenso processo de degradação na
área motivada pela agropecuária e extração de areia, recomenda-se que os campos naturais do
Município de Vigia sejam melhor estudados, propondo-se a apresentação de um projeto
visando à conservação e/ou preservação deles.
5. Referências
BARBOSA, Estêvão José da Silva. Unidades de relevo em zona costeira estuarina:municípios de Colares e Santo Antônio do Tauá (PA). 296f. 007. Dissertação (Mestrado emGeografia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2007.
BERTRAND, Georges. Paisagem e geografia física global. Esboço metodológico. R. RA´EGA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR
FAVACHO, Benedito Romulo Souza. Paisagem e ambiente: uma caracterização dogeossistema de canpinarana no Município de Vigia de Nazaré – PA. 66f. Trabalho de
IBSN: 0000.0000.000 Página 11
Conclusão de Curso (Licenciatura em Geografia). Vigia, PA: Universidade do Estado doPará/CCSE, 2019.
KUHLMANN, Edgar. Vegetação: In: IBGE. Geografia do Brasil: Região Norte. Rio deJaneiro: FIBGE, 1977, p.59-94.
LIMA, Rubens Rodrigues; TOURINHO, Manoel Malheiros; COSTA, José Paulo Chaves.Várzeas flúvio-marinhas da Amazônia brasileira: características e possibilidadesagropecuárias. Belém: FCAP, 1999.
RAIOL, Antônio Domingos. 1970. Motins Políticos ou História dos principaisacontecimentos políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835.Universidade Federal do Pará. Coleção Amazônia: série José Veríssimo. 2v.
RODRIGUES, Ewerton Rodrigues et al. Caracterização e classificação de solos doMunicípio de Santo Antônio do Tauá. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2004.
VALVERDE, Orlando; DIAS, Catharina Vergolino. A Rodovia Belém-Brasília: estudo degeografia regional. Rio de Janeiro: IBGE, 2017.
IBSN: 0000.0000.000 Página 12
Top Related