UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
Disciplina: SEMINÁRIOS APLICADOS
DETECÇÃO DE ADULTERAÇÃO EM LEITE: ANÁLISES DE
ROTINA E ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO
Thamara Venâncio de Almeida
Orientador: Edmar Soares Nicolau
GOIÂNIA
2013
ii
THAMARA VENÂNCIO DE ALMEIDA
DETECÇÃO DE ADULTERAÇÃO EM LEITE: ANÁLISES DE
ROTINA E ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO
Seminário apresentado ao Curso de Mestrado
em Ciência Animal da Escola de Veterinária e
Zootecnia da Universidade Federal de Goiás
Área de concentração:
Higiene e Tecnologia de Alimentos
Linha de Pesquisa:
Higiene, ciência, tecnologia e inspeção de alimentos
Orientador:
Prof. Dr. Edmar Soares Nicolau
Comitê de Orientação:
Prof. Dr. Cíntia Silva Minafra e Rezende
Prof. Dr. Antonio Nonato de Oliveira
GOIÂNIA
2013
iii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1
2. REVISÃO DE LITERATURA .............................................................................. 3
2.1 Controle diário de qualidade do leite cru refrigerado no estabelecimento
industrial ................................................................................................................. 4
2.1.1 Avaliação sensorial: aspecto e coloração...................................................... 4
2.1.2 Avaliação sensorial: odor .............................................................................. 5
2.1.3 Temperatura .................................................................................................. 5
2.1.4 Teste do alizarol ............................................................................................ 5
2.1.5 Pesquisa de resíduos de outros agentes inibidores do crescimento
microbiano: ............................................................................................................. 5
2.1.6 Pesquisa de reconstituinte da crioscopia: ..................................................... 6
2.1.7 Pesquisa de reconstituintes da densidade: ................................................... 7
2.1.8 Pesquisa de neutralizantes da acidez: .......................................................... 8
2.1.9 Pesquisa de fraude do leite por adição de soro ............................................ 9
2.2 Programa Nacional de Combate à Fraude no Leite (PCFL) ............................. 9
2.2.1 Espectroscopia de infravermelho ................................................................ 11
2.2.2 Aplicação da espectroscopia de infravermelho ........................................... 14
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 19
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 20
1. INTRODUÇÃO
O leite é um alimento natural, reconhecido pelo alto valor nutritivo. Ele
tem feito parte da alimentação humana desde os primeiros tempos da civilização,
contribuindo na saúde, vigor físico e mental de seus consumidores (OLIVEIRA et
al., 2004). O leite e seus derivados desempenham um papel nutricional importante
para o homem, particularmente nos primeiros anos de vida, uma vez que
fornecem proteínas, carboidratos, gorduras e sais minerais necessários ao
desenvolvimento do organismo (FRANCO & LANGRAF, 1996).
A produção de leite com qualidade vem se tornando cada vez mais
importante, devido aos consumidores estarem cada vez mais exigentes com esta
matéria-prima e seus derivados. Por isso, a higiene e o estado sanitário do
animal, do ordenhador e das instalações são ações necessárias para atingir este
objetivo (GOLLO, et al., 2003; RODRIGUES, et al., 2011).
A demanda por produtos lácteos com maior vida de prateleira e a
conservação das características sensoriais, nutritivas e de segurança são
requisitos cada vez mais importantes para o consumidor, para a indústria e
consequentemente para o produtor, visto que a qualidade do leite tem como ponto
de partida o local de produção. O principal conceito de qualidade é que não há
como melhorá-la depois que o leite deixa a fazenda (FONSECA & SANTOS,
2007).
No Brasil, a Instrução Normativa nº 62 (IN-62), de 29 de dezembro de
2011, estabelece os requistos de qualidade do leite cru bovino, sendo eles,
requisitos microbiológicos, físico-químicos, de contagem de células somáticas e
de resíduos químicos (BRASIL, 2011).
Seja devido às exigências estabelecidas pela IN-62 ou devido à
remuneração a partir de critérios de qualidade, os produtores de leite têm sido
pressionados a melhorarem a qualidade do leite produzido. Para isso muitos têm
buscado assistência técnica e realizado investimentos. Outros, por sua vez,
tentam mascarar a má qualidade ou aumentar o lucro por meio de adulterações.
Considera-se leite fraudado, adulterado ou falsificado quando este for
adicionado de água, tiver sofrido subtração de qualquer dos seus componentes
2
ou for adicionado de substâncias conservadoras ou de quaisquer elementos
estranhos à sua composição (BRASIL, 1997).
As primeiras adulterações foram por meio da adição de água para
aumento do volume e desnate para produção de creme de leite. Ao longo do
tempo novos tipos de adulterações foram surgindo, como adição de soro de
queijo, de substâncias conservantes (peróxido de hidrogênio), neutralizantes
(hidróxido de sódio, bicarbonato de sódio) e reconstituintes da densidade e
crioscopia (sal, açúcar, amido). Em 2007, uma operação que ficou conhecida
como “Ouro Branco”, investigou duas cooperativas de laticínios no estado de
Minas Gerais por adulteração de leite. Segundo as investigações as fraudes
ocorriam com a adição de soro de leite, peróxido de hidrogênio e hidróxido de
sódio. No início de 2013 foi desencadeada pelo Ministério Público a “Operação
Leite Compensado” com o objetivo de coibir a fraude em leite cru que era
realizada por um grupo de transportadores do interior do Rio Grande do Sul com
adição de água e ureia.
MOORE et al. (2012) criaram um banco de dados sobre fraudes em
alimentos entre 1980 e 2010. Dentre as adulterações relatadas em periódicos
acadêmicos, a adulteração em leite ocupou a segunda posição, atrás apenas da
adulteração em azeite.
A Instrução Normativa n° 68, de 12 de dezembro de 2006, contém os
métodos analíticos oficiais físico-químicos para controle de leite e produtos
lácteos (BRASIL, 2006). No entanto, à medida que novas técnicas de adulteração
foram surgindo novos métodos para detecção de adulterantes foram sendo
desenvolvidos, como por exemplo, a metodologia de Infravermelho com
Transformada de Fourier (IVTF), que tem demonstrado alto potencial para a
determinação da qualidade e/ou autenticidade do leite.
Diante disto, objetivou-se com esta revisão apresentar as análises que
devem ser realizadas para o controle diário de qualidade do leite cru refrigerado
no estabelecimento industrial, assim como o IVTF como nova técnica para
detecção de adulterações.
3
2. REVISÃO DE LITERATURA
O leite cru refrigerado na propriedade rural e transportado a granel,
deverá ser analisado pelo estabelecimento industrial beneficiador, no seu próprio
laboratório, para cada compartimento de cada tanque móvel utilizado no seu
transporte, em relação aos seguintes parâmetros de qualidade:
Avaliação sensorial: aspecto e coloração
Avaliação sensorial: odor
Matéria Gorda (g/100g)
Densidade relativa a 15°C
Acidez titulável (g ácido lático/100 ml)
Extrato seco desengordurado (g/100g)
Extrato seco total (g/100g)
Temperatura (°C)
Teste do alizarol
Índice crioscópico
Proteína Total (g/100g)
Pesquisa de resíduos de antibióticos
Pesquisa de resíduos de outros agentes inibidores do crescimento
microbiano
Peróxido de hidrogênio
Formaldeído
Sanitizantes (cloro e hipocloritos)
Pesquisa de reconstituintes da crioscopia
Álcool etílico
Pesquisa de reconstituintes da densidade
Sacarose
Cloretos
Amido
Pesquisa de neutralizantes da acidez
pH
Alcalinidade das cinzas
4
Hidróxido de sódio
Carbonatos e Bicarbonatos
Pesquisa da fraude do leite por adição de soro
2.1 Controle diário de qualidade do leite cru refrigerado no estabelecimento
industrial
Os requisitos físico-químicos estabelecidos pela IN-62 para o leite cru
refrigerado estão apresentados no Quadro 1.
QUADRO 1 – Requisitos físico-químicos para o leite cru refrigerado
Requisitos Limites
Matéria gorda (g/100g) Mínimo 3,0
Proteínas (g/100g) Mínimo 2,9
Extrato seco desengordurado (g/100g) Mínimo 8,4
Extrato seco total (g/100g) Mínimo 11,4
Índice Crioscópico - 0,512°C a - 0,531°C
Acidez titulável (g ácido lático/100 ml) 0,14 a 0,18
Densidade relativa a 15°C (g/ml) 1,028 a 1,034
Fonte: BRASIL (2011)
2.1.1 Avaliação sensorial: aspecto e coloração
Quanto ao aspecto e coloração o leite é um líquido branco, opalescente
e homogêneo. Alguns exemplos de alterações no aspecto do leite são: presença
de grumos, leite filamentoso, material estranho em suspensão e depósito de
material estranho no fundo do tanque (BRASIL, 2011).
5
2.1.2 Avaliação sensorial: odor
O leite cru refrigerado possui odor característico, deve apresentar-se
isento de odores estranhos (BRASIL, 2011).
2.1.3 Temperatura
A temperatura máxima de conservação do leite é de 7°C na
propriedade rural ou tanque coletivo e 10°C no estabelecimento processador
(BRASIL, 2011).
2.1.4 Teste do alizarol
Misturam-se partes iguais de solução de alizarol e de leite em um tubo
de ensaio, agita-se e observam-se a coloração e aspecto. O leite normal
apresenta coloração vermelho tijolo, sem grumos ou com uma ligeira precipitação,
com poucos grumos muito finos na parede do tubo de ensaio. O leite ácido
apresenta uma tonalidade entre o marrom claro e amarelo. Na acidez elevada a
coloração é amarela, com coagulação forte. O leite alcalino apresenta coloração
lilás a violeta (BRASIL, 2006).
2.1.5 Pesquisa de resíduos de outros agentes inibidores do crescimento
microbiano:
Peróxido de hidrogênio
Mistura-se 10 mL da amostra de leite com seis gotas de solução de
óxido de vanádio a 1% em solução de ácido sulfúrico a 6% em um tubo de ensaio
e agita-se. O resultado é positivo quando forma-se uma coloração rósea ou
vermelha, resultado da reação do óxido de vanádio com o peróxido de hidrogênio
6
em meio ácido formando o ácido ortoperoxivanádico, de coloração vermelha
(BRASIL, 2006).
Formaldeído
Coloca-se 100 mL de leite homogeneizado, 100 a 150 mL de água e 2
mL de ácido fosfórico em um balão de destilação, recolhendo-se cerca de 50 mL
de destilado. Em um tubo de ensaio mistura-se 1 mL do destilado com 5 mL de
solução de ácido cromotrópico a 0,5% em solução de ácido sulfúrico a 72% e
coloca-se em banho-maria por 15 minutos. O resultado é positivo quando forma-
se uma coloração violácea, pois o formaldeído aquecido com ácido cromotrópico
em presença de ácido sulfúrico origina um produto de condensação que oxidado
posteriormente transforma-se em um composto p-quinoidal de coloração violeta
(BRASIL, 2006).
Sanitizantes (cloro e hipocloritos)
Em um tubo de ensaio mistura-se 5 mL de leite com 0,5 mL de solução
de iodeto de potássio a 7,5% e agita-se. O aparecimento de coloração amarela
indica a presença de cloro livre. Se não houver mudança na coloração, pesquisa-
se a presença de hipocloritos adicionando ao mesmo tubo 4 mL de solução de
ácido acético ou ácido clorídrico, colocando em banho-maria a 80°C por 10
minutos, e posteriormente esfriando em água corrente. O aparecimento de
coloração amarela indica a presença de hipocloritos (BRASIL, 2006).
2.1.6 Pesquisa de reconstituinte da crioscopia:
Álcool etílico
7
Coloca-se 100 mL da amostra de leite e 10 mL de antiespumante em
um kitazato e 2 mL de solução sulfocrômica em um tubo de ensaio. Mergulha-se
nesta solução a extremidade de uma pipeta de Pasteur acoplada ao kitazato por
um tubo de silicone ou látex, de modo a formar um sistema fechado. Ferve-se a
amostra contida no kitazato por 5 minutos. Tem-se resultado negativo quando a
coloração da solução sulfocrômica permanece inalterada ou levemente amarelo-
acinzentada. Na presença de álcool etílico, resultado positivo, a solução
sulfocrômica adquire coloração verde (BRASIL, 2006).
2.1.7 Pesquisa de reconstituintes da densidade:
Sacarose
Transfere-se 15 mL de leite para um tubo de ensaio de 50 mL.
Adiciona-se 1 mL de ácido clorídrico e 0,1 g de resorcina. Agita-se e aquece-
se em banho-maria por 5 minutos. Na presença de sacarose aparecerá uma
coloração avermelhada.
Cloretos
Em um tubo de ensaio mistura-se 10 mL de leite, 0,5 mL de solução de
cromato de potássio a 5% e 4,5 mL de solução de nitrato de prata 0,1 N. Tem-se
resultado positivo quando a coloração ficar amarela, o que indica a presença de
cloretos em quantidades superiores à faixa normal (0,08 a 0,1%) (BRASIL, 2006).
Amido
Transfere-se 10 mL de leite para um tubo de ensaio, aquece-se em
banho-maria até ebulição por 5 minutos, posteriormente esfria-se em água
8
corrente e adiciona-se 2 gotas de solução de Lugol. Tem-se resultado positivo
quando produzida uma coloração azul (BRASIL, 2006).
2.1.8 Pesquisa de neutralizantes da acidez:
Determinação do pH
Coloca-se cerca de 50 mL de leite em um béquer de 100 mL e mede-
se o pH da amostra com um pHmetro previamente calibrado com soluções
tampão pH 4 e pH 7. O leite normal possui pH entre 6,6 e 6,8 (BRASIL, 2006).
Alcalinidade das cinzas
A adição de substâncias alcalinas ao leite aumenta a alcalinidade das
cinzas (obtidas na metodologia de resíduo mineral fixo). Esta alcalinidade é
determinada de forma indireta adicionando-se solução de ácido clorídrico às
cinzas e titulando-se o excesso de ácido clorídrico com uma solução de hidróxido
de sódio até se obter turvação e coloração rósea persistente. Posteriormente faz-
se o cálculo da alcalinidade das cinzas por meio de uma fórmula. Resultados com
valores entre 0,015% e 0,030% são normais. Valores superiores, sobretudo acima
de 0,040%, caracterizam adição de substâncias alcalinas (BRASIL, 2006).
Hidróxido de sódio
Transfere-se 5 mL de leite para um tubo de ensaio e adiciona-se 4
gotas de azul de bromotimol Tem-se resultado positivo quando formar-se
coloração esverdeada e resultado negativo com coloração amarelada.
9
Carbonato ou Bicarbonato de sódio
Transfere-se 11 mL da amostra de leite para béquer de 150 mL,
adiciona-se 5 gotas de solução alcoólica de fenolftaleína a 1% e titula-se com
solução de hidróxido de sódio 0,1 N até coloração rósea persistente. Reacidifica-
se com 1 mL de solução de ácido sulfúrico 0,025 N, aquece-se até ebulição,
esfria-se rapidamente em banho de gelo e adiciona-se 2 mL de solução alcoólica
de fenolftaleína a 1%. Tem-se resultado positivo quando apresentar coloração
rósea (BRASIL, 2006).
2.1.9 Pesquisa de fraude do leite por adição de soro
Índice de caseinomacropeptídeo (CMP)
Este método consiste na detecção e quantificação de CMP por meio de
cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) com separação em coluna de
filtração em gel e detecção em ultravioleta. O CMP é resultante da quebra da
molécula de caseína entre os aminoácidos 105 e 106 (fenilalanina e metionima)
pela ação de enzimas. Quando o índice de CMP for de até 30 mg/l o leite poderá
ser destinado ao abastecimento direto, quando estiver entre 30 mg/l e 75mg/l
poderá ser destinado à produção de derivados lácteos e acima de 75 mg/l à
alimentação animal ou indústria química em geral (BRASIL, 2006).
2.2 Programa Nacional de Combate à Fraude no Leite (PCFL)
Desde 2003, o Programa Nacional de Combate à Fraude no Leite
(PCFL), do Ministério da Agricultura, é responsável pela coleta amostras de leite
UAT, pasteurizado e em pó para análises com foco em verificação de indícios de
fraude. A quantidade de amostras analisadas e não conformes, entre os anos de
2009 e 2012, estão apresentadas nas Tabelas 1, 2 e 3 (MAPA, 2013).
10
No âmbito do PCFL empresas cujos resultados de análises indiquem
suspeita de fraudes ou descumprimento do regulamento técnico e empresas que
durante as inspeções de rotina, supervisões ou auditorias apresentem não
conformidades com referência ao atendimento dos padrões regulamentares são
submetidas ao Regime Especial de Fiscalização (REF). A adoção do REF implica
em suspensão da expedição de produtos ao comércio, imediato recall dos lotes
implicados, plano de medidas de controle e monitoramento da qualidade e
conformidade, avaliação do plano e coleta de amostras fiscais (MAPA, 2013)
TABELA 1 – Amostras de leite pasteurizado analisadas de 2009 a 2012
Ano 2009 2010 2011 2012
Amostras analisadas 1.071 1.652 1.453 1.296
Amostras fora dos padrões
regulamentares
213 239 225 162
Percentual de amostras fora dos padrões
regulamentares
19,9 14,5 15,5 12,5
Fonte: MAPA (2013)
TABELA 2 – Amostras de leite UAT analisadas de 2009 a 2012
Ano 2009 2010 2011 2012
Amostras analisadas 1.034 1.722 1.994 1.553
Amostras fora dos padrões
regulamentares
129 189 263 175
Percentual de amostras fora dos padrões
regulamentares
12,5 11 13,2 11,3
Fonte: MAPA (2013)
11
TABELA 3 – Amostras de leite em pó analisadas de 2009 a 2012
Ano 2009 2010 2011 2012
Amostras analisadas 617 850 582 483
Amostras fora dos padrões
regulamentares
87 123 103 38
Percentual de amostras fora dos padrões
regulamentares
14 14,5 17,7 7,9
Fonte: MAPA (2013)
2.2.1 Espectroscopia de infravermelho
Quase todos os compostos que tenham ligações covalentes, sejam
orgânicos ou inorgânicos, absorvem várias frequências de radiação
eletromagnética na região do infravermelho do espectro eletromagnético. A região
vibracional do infravermelho inclui radiação com comprimentos de ondas (λ) entre
2,5 μm e 25 μm (1 μm = 10-6 m). A Figura 1 ilustra a relação da região do
infravermelho com outras contidas no espectro eletromagnético (PAVIA et al.,
2010).
FIGURA 1 - Uma parte do espectro eletromagnético que mostra a relação do
infravermelho vibracional com outros tipos de radiação
Fonte: PAVIA et al. (2010)
12
A maior parte dos químicos refere-se à radiação na região do
infravermelho por meio de uma unidade chamada número de onda, em vez de
comprimento de onda. Números de onda são expressos em centímetros
recíprocos (cm-1), o infravermelho vibracional vai de 4.000 a 400 cm-1 (PAVIA et
al., 2010).
Os padrões de absorção no infravermelho, ou espectros
infravermelhos, de duas moléculas diferentes jamais serão idênticos. Assim, o
espectro infravermelho pode servir para moléculas da mesma forma que
impressões digitais servem para seres humanos. Quando se comparam os
espectros infravermelhos de duas substâncias que se acredita serem idênticas,
pode-se descobrir se elas são, de fato, idênticas (PAVIA et al., 2010).
O instrumento que obtém o espectro de absorção no infravermelho de
um composto é chamado de espectrômetro ou espectrofotômetro de
infravermelho, que pode ser de dois tipos, dispersivo ou de transformada de
Fourier. Ambos produzem espectros praticamente idênticos, porém
espectrômetros de infravermelho de transformada de Fourier têm maior
velocidade e maior sensibilidade do que os dispersivos (PAVIA et al., 2010).
A Figura 2 é um diagrama esquemático de um espectrômetro de
infravermelho de transformada de Fourier. A energia da fonte atravessa um
divisor de feixes, um espelho posicionado em um ângulo de 45° em relação à
radiação que entra, separando-a em dois feixes perpendiculares: um segue na
direção original e o outro é desviado por um ângulo de 90°. O feixe desviado por
90° vai para um espelho estacionário ou fixo, e é refletido de volta para o divisor
de feixes. O feixe que não sofreu desvio vai para um espelho que se move e
também é refletido para o divisor de feixes. O movimento do espelho faz variar a
trajetória do segundo feixe. Quando os dois feixes se encontram no divisor de
feixes, eles se recombinam, mas as diferenças de caminhos (diferentes extensões
da onda) dos dois feixes causam interferências tanto construtivas como
destrutivas. O feixe combinado contendo esses padrões de interferência dá
origem ao interferograma, o qual contém toda a energia radiativa que veio da
fonte, além de uma grande faixa de comprimentos de onda (PAVIA et al., 2010).
13
O feixe gerado pela combinação dos dois feixes produzidos pelo divisor
de feixes atravessa, então, a amostra. Quando faz isso, a amostra absorve de
forma simultânea todos os comprimentos de onda (frequências) normalmente
encontrados em seu espectro infravermelho. O sinal do interferograma modificado
que chega ao detector contém informações sobre a quantidade de energia
absorvida em cada comprimento de onda (frequência). O processo matemático
chamado transformada de Fourier deve ser realizado pelo computador para
extrair as frequências individuais que foram absorvidas e então reconstruir e
desenhar o gráfico que reconhecemos como um típico espectro infravermelho
(PAVIA et al., 2010).
Um espectrômetro de infravermelho determina as posições e
intensidades relativas de todas as absorções, ou picos, na região do
infravermelho e os registra graficamente. Esse gráfico de intensidade de absorção
versus número de onda é chamado espectro infravermelho do composto (PAVIA
et al., 2010). A variabilidade espectral de 100 amostras de leite é ilustrada na
Figura 3.
FIGURA 2 – Diagrama esquemático de espectrômetro de infravermelho de
transformada de Fourier
Fonte: PAVIA et al. (2010)
14
FIGURA 3 – Variabilidade espectral de 100 amostras de leite (linhas cinzas) e o
desvio padrão nos diferentes números de onda (linha preta)
Fonte: CASSOLI et al. (2011)
2.2.2 Aplicação da espectroscopia de infravermelho
A metodologia de infravermelho já é utilizada com sucesso em
equipamentos automatizados na determinação dos componentes principais do
leite, como gordura, proteína e lactose (LEIFIER et al., 1996).
OLIVEIRA (2010) aplicou a espectroscopia de infravermelho próximo
para a determinação de CMP em leite UAT (ultra-alta temperatura). Foram
utilizadas oito marcas diferentes de leite UAT, todas oriundas de laticínios sob
Inspeção Federal, sete destes localizados no estado de Goiás e um em Minas
Gerais. Em cada marca de leite foram obtidos oito tratamentos, com base na
adição de soro em pó reconstituído nas concentrações de 0%, 1%, 2%, 3%, 4%,
6%, 8% e 10%.
Números de onda
(cm-1)
15
As amostras de cada marca foram analisadas por CLAE, como análise
de referência. Os índices de CMP encontrados nas oito marcas foram: 33,64;
39,52; 65,58; 105,08; 152,22; 182,62; 202,38 e 398,78 mg de CMP por litro de
leite (OLIVEIRA, 2010). Portanto, todas as marcas apresentaram um índice de
CMP acima do permitido para destinação ao consumo direto (até 30 mg/L). Três
marcas deviam ter sido destinadas à produção de derivados lácteos (entre 30 e
75 mg/L). Cinco marcas deviam ter sido destinadas à alimentação animal ou
indústria química em geral (acima de 75 mg/L) (BRASIL, 2006b).
O modelo de calibração mais adequado para a determinação de CMP
em leite UAT foi desenvolvido com a utilização das seguintes ferramentas
quimiométricas: método de seleção de espectros máxima distância, pré-
tratamentos 2ª derivada e variável normal padronizada e método de regressão por
mínimos quadrados parciais. Foram selecionadas as regiões espectrais mais
correlacionadas com os movimentos vibracionais específicos da estrutura dos
aminoácidos do CMP (1100-1310; 1400-1430; 1490-1550; 1640-1680; 1780-1970;
2020-2100 e 2310-1350 nm). Este modelo apresentou Coeficiente de
Determinação (R2) de 0,8946, que representa a correlação com os valores da reta
obtida, como mostrado na Figura 4. Concluiu-se que a espectroscopia de
infravermelho próximo pode ser uma alternativa para a determinação de CMP em
leite UAT, sendo necessário haver um conjunto de calibração com amostras
representativas (OLIVEIRA, 2010).
16
FIGURA 4 – Relação entre os valores de referência obtidos por CLAE e os
valores determinados por espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS)
FONTE: OLIVEIRA (2010)
SANTOS et al. (2013) utilizaram a espectroscopia de infravermelho
médio e ferramentas quimiométricas para detecção de adulteração de leite.
Amostras de leite obtidas nos supermercados da cidade de Columbus, em Ohio,
nos Estados Unidos foram adulteradas com soro de leite, peróxido de hidrogênio,
urina sintética, ureia e leite sintético em diferentes concentrações. O leite sintético
é uma imitação do leite natural preparado pela emulsificação de óleos vegetais
com detergentes e ureia. As características dos espectros de absorção das
amostras controle (sem adulteração) e das amostras adulteradas com peróxido de
hidrogênio, leite sintético, soro e ureia estão ilustradas na Figura 5.
Por meio da espectroscopia de infravermelho médio foi possível
discriminar as amostras controle de leite de potenciais adulterantes, permitindo a
identificação de adulteração de leite com soro (> 7,5 g/L), leite sintético (>0,1 g/L),
urina sintética (>0,78 g/L), ureia (>0,78 g/L) e peróxido de hidrogênio (0,019 g/L),
cujos coeficientes de determinação (R2) foram, respectivamente, de 0,96; 0,94;
0,98; 0,98 e 0,90. Os altos valores de correlação demonstraram que as
calibrações tiveram desempenhos analíticos precisos e confiáveis (SANTOS et al.
(2013).
17
FIGURA 5 - Espectros de absorção no infravermelho médio de (a) amostras
controle (sem adulteração) e de amostras adulteradas com (b) peróxido de
hidrogênio (0,15 g/L), (c) leite sintético (0,8 g/L de ureia), (d) soro (30 g/L) e (e)
ureia (12,5 g/L)
Fonte: SANTOS et al. (2013)
Em 2008, repercutiu por todo o mundo a fraude alimentar ocorrida na
China pela adição de uma substância química chamada melamina, rica em
nitrogênio. A melamina era adicionada ao leite com o objetivo de mascarar a
adição de água e elevar falsamente o teor de proteína. O leite em pó infantil
contaminado com a substância resultou na morte de seis bebês e cerca de 300
mil crianças doentes (SHARMA & PARADAKAR, 2010).
Segundo BALABIN & SMIRNOV (2011) a espectroscopia de
infravermelho é uma ferramenta eficaz para detectar melamina em produtos
lácteos, como fórmulas infantis, leite em pó e líquido. Em seu trabalho alcançou-
se um limite de detecção de 0,76 ± 0,11 ppm (partes por milhão). Os autores
concluíram que a espectroscopia de infravermelho pode ser considerada como
um método rápido, sensível e de baixo custo para análises de produtos lácteos.
CASSOLI (2010) utilizou a metodologia de infravermelho com
transformada de Fourier (IVTF) na identificação de adulteração em leite cru. As
amostras foram adulteradas com bicarbonato de sódio (0,05%, 0,10% e 0,25%),
18
citrato de sódio (0,025%, 0,050% e 0,075%) e soro de queijo (5%, 10% e 15%).
Foram desenvolvidas calibrações para identificação de adulteração através da
comparação do espectro de leite adulterado com um espectro de referência para
leite cru. A sensibilidade e especificidade das diferentes calibrações estão
apresentadas na Tabela 4.
TABELA 4 – Sensibilidade e especificidade das calibrações
Fonte: CASSOLI (2010)
Também foram desenvolvidas calibrações para determinação da
concentração dos adulterantes. As calibrações para bicarbonato de sódio, citrato
de sódio e soro de queijo apresentaram coeficientes de determinação (R2) de
0,98; 0,92 e 0,91 e limite de detecção de 0,015%, 0,017% e 3,94%,
respectivamente. Portanto, por meio do IVTF pode-se realizar o monitoramento
destes adulterantes (CASSOLI, 2010).
19
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do aumento das descobertas de fraude no leite é importante
que os estabelecimentos de laticínios cumpram com sua obrigação de controlar
rigorosamente a qualidade da matéria-prima recebida diariamente na sua
indústria, nos termos da legislação em vigor, por meio de análises como as
apresentadas nesta revisão.
No entanto, muitas vezes as análises oficiais possuem baixo
rendimento analítico e necessidade de mão de obra especializada, o que dificulta
que estas sejam aplicadas a toda matéria-prima que chega à indústria.
Como uma nova ferramenta de controle da qualidade do leite e
garantia de sua autenticidade a metodologia de infravermelho com transformada
de Fourier (IVTF) tem apresentado bons resultados. Estudos recentes têm
demonstrado que o IVTF pode ser uma opção viável no monitoramento de
adulterantes. E por estar associado a equipamentos automatizados, o IVTF tem
como vantagens o baixo custo operacional e o alto desempenho analítico.
20
REFERÊNCIAS
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infrared (mir/nir) spectroscopy: a quick and sensitive method for dairy
products analysis including liquid milk, infant formula, and milk powder.
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o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Cru
Refrigerado, o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite
Pasteurizado e o Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado
e seu Transporte a Granel. Diário Oficial da União, Brasília, 30 dez. 2011.
Seção 1, p.1-24.
3 BRASIL. Instrução Normativa nº 68 de 12 de dezembro de 2006. Oficializa
os Métodos Analíticos Oficiais Físico-Químicos, para Controle de Leite e
Produtos Lácteos, em conformidade com o anexo desta Instrução
Normativa, determinando que sejam utilizados nos Laboratórios Nacionais
Agropecuários. Diário Oficial da União, Brasília, 14 dez. 2006. Seção 1, p.
8.
4 BRASIL. Instrução Normativa nº 69 de 13 de dezembro de 2006b. Institui
critério de avaliação da qualidade do leite in natura, concentrado e em pó,
reconstituídos, com base no método analítico oficial físico-químico
denominado Índice CMP. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez. 2006.
Seção 1, p. 1.
5 BRASIL. Ministério da Agricultura. Decreto nº 30.691 de 29 de março de
1952, alterado pelos Decretos nº 1255 de 25 de junho de 1962, nº 1236 de
2 de setembro de 1994, nº 1812 de 8 de fevereiro de 1996 e nº 2.244 de 4
21
de junho de 1997. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de
Produtos de Origem Animal - RIISPOA. Brasília, DF, 1997.
6 CASSOLI, L. D. Validação da metodologia de infravermelho com
transformada de Fourier para identificação de adulteração em leite
cru. 2010. 50 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz - Universidade de São Paulo, Piracicaba.
7 CASSOLI, L. D.; SARTORI, B.; MACHADO, P. F. The use of the Fourier
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8 FONSECA, L. F. L. & SANTOS, M. V. Estratégias de controle de mastite
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10 GOLLO, R.; CANSIAN, R. L.; VALDUGA, E. Identificação de alguns pontos
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