8/19/2019 Direito Penal I - Maria Fernanda Palma e Figueiredo Dias
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DIREITO PENAL IMaria Fernanda Palma |葡 的法律大学 |大象 堡
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A Sebenta está feita com base, no pensamento da Professora Regente,
nos fascículos que tinha publicados na AAFDL e que tive o trabalho de
atualizar.
A professora, entretanto, publicou um livro atualizando-o.
Se usarem a sebenta atentem criticamente às atualizações.
E LEIAM O PROFESSOR TAIPA DE CARVALHO SE NÃO CONSEGUIREM ACOMPANHAR APROFESSORA E O PROF. FIGUEIREDO DIAS nos seus livros (sendo excelentes, acabam por ser
muito densos).
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I – Definição do Direito Penal1
Definição do Direito penal: o problema nas suas vertentes: o Direito Penal é um conjuntode normas que se autonomizam no Ordenamento Jurídico por atribuírem a certos factosdescritos pormenorizadamente – os crimes – consequências jurídicas profundamente graves –
as penas e as medidas de segurança. Os elementos identificadores das normas penais são,
consequentemente, o crime, a pena e a medida de segurança. Os crimes constituem o conteúdo
da previsão da norma penal, as penas ou as medidas de segurança correspondem à sua
estatuição. Não poderemos reconhecer uma norma como penal apenas porque o legislador
designou os factos que previu como crimes e as sanções que estatuiu como penas. O crime e a
pena têm um conteúdo pré-legislativo indisponível. Essa indisponibilidade revela já uma relação
entre a definição material de Direito Penal e a temática da legitimidade constitucional. E essa
relação postula que o Direito Penal português não poderá ter qualquer conteúdo. O crime e a
pena são entidades produzidas por instâncias socias antes de serem moldadas pelo legislador
como tais. Há uma vinculação (embora não rígida) entre a noção de crime dos diversos grupos
sociais e a definição legislativa. Assim, as representações sociais comuns sobre o que é uma
atividade criminosa são normalmente reproduzidas pelo legislador. E a aceitação das decisões
legislativas depende da receção das representações sociais dominantes por aquelas decisões.
Por estas razões, não é correto afirmar que uma conduta é criminosa porque é punida, nem no
âmbito da ciência jurídica, nem num plano científico geral. Tal afirmação só seria correta à custa
da convicção errónea de que o Direito cria, absolutamente, o seu objeto – a realidade a regular.
A afirmação de que um comportamento constitui um crime porque é punido deve ser
substituída pelo reconhecimento de que só é criminoso o comportamento que mereça uma
pena. Este reconhecimento apela à legitimação constitucional do Direito Penal e remete para oestudo da realidade sócio-psicológica do crime. Pretende-se apenas que as representações
sociais sobre o crime, pré-juridicamente conformadas, constituem (como factos sócio-
psicológicos) pontos de referência do legislador penal na definição jurídica do crime. A teoria do
Direito Penal não poderá, por consequência, definir o crime só em função da atribuição de uma
pena – e por isso como um nada, intrinsecamente – mas terá de encontrar o sentido jurídico
último do crime e da pena, que perita não os confundir, enquanto manifestações de ilícito e de
sanção, com outras realidades. É uma expressão normal deste desiderato a consideração do
Direito Penal como ramo do Direito Público em que à lesão dos bens jurídicos essenciais para a
vida em sociedade são atribuídas as sanções mais graves do Ordenamento Jurídico (esta é uma
noção dominante desde o advento do pensamento liberal sobre a necessidade da pena,representado por Beccaria). Na noção de essencialidade dos bens está compreendida aquela
imagem social da pré-compreensão do crime que nos permite identificar materialmente o
Direito Penal. Uma outra forma de determinar o sentido último do Direito Penal consiste em
investigar as funções das penas, de modo a poder identificar as condutas e os agentes que
merecem sofrer a consequência jurídica da sua aplicação.
O problema da definição pré-jurídica de crime: sua importância para o Direito Penal :os estudos científicos não jurídicos sobre o crime como fenómeno social podem ser
genericamente definidos como Criminologia. Quando se procura uma definição operatória de
crime, recusa-se, naturalmente, uma formulação jurídico-formal e apela-se às forças não
1 Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.
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jurídicas do controlo social do comportamento humano, definindo-se, por exemplo, o crime
como comportamento antissocial (Mannheim). A característica da antissocialidade ou da
irregularidade social, porém, é sempre referida às valorações sociais dominantes, de modo que
uma das teorias criminológicas menos antigas, o label-approach, veio retirar ao conceito
estático de crime qualquer função de objeto científico para em seu lugar colocar os processossociais de criminalização de condutas. O crime e a criminalidade como factos sociológicos seriam
assim o resultado de um processo de seleção social, segundo a qual o legislador, a policia, os
tribunais, e todas as chamadas instâncias formais de controlo elegeriam umas e não outras
condutas como criminosas ou pessoas como delinquentes, e, finalmente, os grupos sociais,
como instâncias não formais de controlo, etiquetariam certas pessoas como potenciais ou
efetivas autoras de crimes. Encetando esta via, a sociologia criminal admitiria, contudo, o total
relativismo quanto ao que é designado socialmente como crime e renunciaria definitivamente
à explicação do sentido e função social da conduta delinquente e da sua génese, para se
preocupar fundamentalmente com os processos de seleção social. Através desta última
perspetiva, a tese de Durheim segundo a qual os crimes são « parte integrante da sociedade sã»,determinados pela própria estrutura social (e variáveis segundo ela) tornar-se-ia inoperante
para as ciências do crime. A aceitação de uma função social do crime está, todavia, associada a
desenvolvimentos importantes da Criminologia. Assim Merton, desenvolvendo o conceito de
Durheim, pelo qual exprimia a indiferença relativamente às regras vigentes numa certa
sociedade, explicá-lo-ia, enquanto fenómeno central da criminalidade, pelo desfasamento entre
as metas sociais gerais e os caminhos para as alcançar. Sellin, com a teoria dos conflitos de
cultura, ou Cohen, com o conceito de subcultura delinquente, radicariam o crime na eticidade
produzida, igualmente, pela estrutura social. E, numa outra perceção das coisas, Sutherland,
com a teoria da associação diferencial, tinha á, no princípio do século, definido a criminalidade
como aprendizagem de modelos de conduta, compreendendo tanto as técnicas como aorientação dos móbeis, racionalizações e conceções que enformam a conduta delinquente. Pese
embora a excessiva abstração dos modelos propostos por estes estudos, eles permitem
simultaneamente explicar as causas do crime e elaborar ações para o seu controlo pela
sociedade. A Criminologia, ao investigar os problemas do crime, terá, assim, de utilizar uma
noção pré-legal de crime, eventualmente crítica das soluções legais e capaz de debater as
questões de descriminalização e neo-criminalização. E as tentativas que tem empreendido para
atingir tal conceito material revelam que uma noção operatória de crime engloba: o
comportamento humano irregular por violar regras éticas ou jurídicas – o comportamento
desviado de Sutherland; o comportamento humano danoso socialmente por atingir bens
necessários à conservação ou ao desenvolvimento da sociedade – perspetiva de Mannheim.
O conceito material de crime no pensamento jurídico : o pensamento jurídico tempartilhado com a Criminologia a preocupação de definir materialmente o crime. A divergência
teórica que mais se repercute, hoje, no conceito material de crime é a que se configurou, a partir
do século XIX, relativamente ao objeto da infração criminal. As grandes alternativa que se
perfilharam foram, então, a definição do objeto da infração criminal como violação de certos
direitos subjetivos (Feuerbach) e como violação de determinados bens jurídicos (Birnbaum). O
confronto com estas duas perspetivas revela-nos uma diferença quanto ao elemento a que se
refere a legitimidade do Direito Penal. No primeiro caso, trata-se da estrutura liberal-
contratualista que somente justifica a intervenção penal onde os direitos humanos básicos que
o contrato social visa assegurar, e que o legitimam, foram violados. No segundo caso, areferência legitimadora é já uma estrutura estatal, não liberal, a comunidade e os seus valores..
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A perspetiva de Feuerbach dissolve a infração criminal na proteção da liberdade individual; a
perspetiva que se iniciou com o conceito de bem jurídico de Birnbaum define a infração pela
lesão objetiva de valores da comunidade. Segundo Birnbaum, o Direito vincula-se a elementos
objetivos, mas simultaneamente pré-positivos ou de direito natural. Apesar de acentuar a
objetividade, Birnbaum não deixa de procurar uma fundamentação da proteção jurídica quemerecem certos bens nos fins do Estado. Posteriormente, Binding viria a reduzir o bem jurídico
aos valores ou condições de vida da comunidade jurídica, tal como são definidos pelo legislador,
numa perspetiva de puro positivismo legalista. Estas duas visões objetivistas viveriam em
permanente tensão no seio do debate sobre o conceito material de crime, mas foi, sem dúvida,
a postura inicial que tornou mais profícuo o conceito de bem jurídico na ciência do Direito Penal.
Von Liszt desenvolveu esta última postura definindo o bem jurídico como interesse humano vital,
expressão das condições básicas da vida em comunidade. No seu entendimento, o bem jurídico
é um conceito legitimador do Direito Penal (e do Direito em geral), descomprometido com a
norma legal. Em Von Liszt, o conceito de bem jurídico ainda tem, no entanto, um conteúdo
individualista liberal. Na realidade, a consideração do bem jurídico pode permanecer no quadrode referência do modelo de Estado liberal ou ser transportada para uma conceção de Estado e
de Direito supra individualista ou mesmo transpersonalista. Esta última conceção, representada
pelo Estado hegeliano e mais recentemente pelas ideologias totalitárias, considera que os
valores da personalidade e do indivíduo estão necessariamente ao serviço dos valores coletivos.
Os bens jurídicos (mesmo como substrato individual) são protegidos pelo interesse que
representam para a comunidade. O bem jurídico em geral torna-se uma abstração
desontologizada e sem substância, designando fins do Estado e não as coisas de que os
indivíduos ou a sociedade carecem. Esta controvérsia entre diferentes conceções de bem
jurídico não é solucionável segundo critérios científicos, pois o pomo da discórdia é uma
determinada conceção do Estado e dos seus fins. Somente num plano ideológico é, por isso,possível encarar uma decisão sobre se o bem jurídico deve assumir uma ou outra natureza. Tem
sido, no entanto, constante no pensamento penal a preocupação de apoiar numa perspetiva
científica o conceito de bem jurídico. Procura-se, geralmente, situar na estrutura social,
independentemente da instância política ou da decisão política, os critérios que tornam
necessária a incriminação de determinadas condutas e a proteção de certos bens. A procura dos
fatores sociológicos constantes que erigem certas realidades em bens jurídicos – a delimitação
dos bens necessários à preservação das sociedades – não conduz à validade universal das
condições de existência. Por essa razão, o conceito de bem jurídico, enquanto elemento natural,
pré-jurídico, de validade absoluta, tende a ser absorvido pelos fins concretos que cada sociedade
deverá realizar, segundo a sua própria escolha. Os sistemas sociais são autoreferentes,
constroem a sua legitimidade através dos traços da sua identidade. E, por esta via, a teoria da
sociedade chega ao ponto de partida recusado, o de uma subordinação do conteúdo da norma
penal à pura escolha normativa. É esse, na realidade, o desfecho a que a metodologia sociológica,
incapaz de definir com universalidade condições de existência humanas e necessidades sociais,
conduz o pensamento penal. Expressão daquele desenlace é, como se verá, o funcionalismo. O
funcionalismo parte das conceções de Luhmann sobre a análise das sociedades humanas como
sistemas sociais. Em breves linhas, a teoria sistemática diz o seguinte: A sociedade não é um
fenómeno pura e simplesmente politico, a koinonia politique, como a entendia a tradição
aristotélica e a filosofia política europeia, cuja expressão máxima se traduziu na teoria do
contrato social. A sociedade é antes um sistema social. Isto é, a sociedade desempenha
determinadas funções, cuja análise permite caracterizá-la como um sistema. Essas funçõesconsistem na institucionalização da redução da complexidade. Redução da complexidade
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significa, aplicada às relações sociais, que o conjunto destas relações se organiza em diversos
níveis autónomos, de acordo com as respetivas funções, progressivamente diferenciadas. Todos
os níveis (subsistemas) se interrelacionam, gerando grande complexidade nas relações sociais.
Finalmente, a sociedade seria a ultima função social concebível, da qual resultaria que a enorme
complexidade da inter relação dos agentes sociais –
proveniente de as condutas humanas seprocessarem em diversos níeis – fosse reduzida, assegurando-se assim a própria interação social.
Torna-se claro o que seja esse fenómeno de redução de complexidade se se confrontar uma
sociedade arcaica, comportando formas tradicionais de interajuda dos seus membros para a
satisfação das respetivas necessidades, com uma sociedade moderna. Nas sociedades modernas,
aquelas formas são substituídas pelo crédito financeiro, assegurado juridicamente, através do
qual novas espécies de combinações com riscos e vantagens mais elevados são possíveis. A
função de auxílio social desvincula-se da interajuda familiar ou da vizinhança, passando a existir
um sistema diferenciado para cumprir essa função. Com uma tal diferenciação de funções,
tornam-se mais complexas as relações sociais e mais difícil a previsão pelos agentes dos
comportamentos dos outros agentes. É então necessário reduzir esta complexidade,institucionalizando condutas que podem ser geralmente aceitas e assegurando juridicamente a
sua prática. Com isto garante-se, afinal, a interação social. Se se considerar que a multiplicação
destes fenómenos de diferenciação de funções produz outros tantos sistemas diferenciados,
conclui-se que a inter relação social tem de tomar em conta, de um modo geral, todos os dados
provenientes dos diversos sistemas, pelo que se torna necessário um nível superior de redução
de complexidade: a sociedade através do seu Direito (Luhmann). O Direito é a estrutura da
sociedade que regula e assegura a institucionalização de relações de sentido constantes entre
ações. A sua função é, precisamente, selecionar entre as expectativas de ação aceitas com um
certo grau de generalidade aquelas cuja generalização deve ser institucionalizada. Assim, a partir
de uma nova conceção de sociedade chega-se a uma nova definição de Direito. O Direito não éum dever moral ou um imperativo político mas apenas a institucionalização de expectativas de
ação – o que o liga, certamente, à necessidade de estabilização dos possíveis conflitos interiores
ao sistema social e reduz o problema da legitimação do Direito à dimensão da funcionalidade.
Em face disto, toda a conduta desviada em relação à norma surge como uma frustração das
expectativas de comportamento asseguradas juridicamente. Mas esta frustração não é, em si,
disfuncional ou exterior ao sistema de interação social. Como conduta associal, ela é antes uma
consequência das decisões básicas variáveis do sistema social. Ela é produzida através dos
mesmos processos sociais que indicam a conduta conforme ao Direito – é, portanto, uma reação
normal. Além disso, a conduta desviada busca o seu sentido na ordem dominante, pois é
simplesmente impossível uma subcultura criminosa, como um contradireito, sem qualquer
referência à ordem dominante. E, finalmente, o que é mais significativo é que a conduta
divergente desempenha funções positivas e é útil como fator de afirmação da ordem vigente.
Esta conceção da função do Direito conduz à função simbólica da pena e do Direito Penal de
Jakobs. O ponto de vista de que o Direito Penal visa proteger bens jurídicos é substituído,
absolutamente, pela função de estabilização contrafática das expectativas geradas pela violação
de uma norma incriminadora. O crime esvai-se como problema real, dano social objetivo, para
se tornar pretexto da afirmação de modelos de ação. A aplicação da pena é vista como
oportunidade de controlar a interação social. Assim, o funcionalismo, na versão de Jakobs,
destrói a legitimação do Direito Penal num conceito material de crime. Mas será o conceito
material de crime uma ideia ancorada, metodologicamente, num direito natural universalista
que a teoria da sociedade ultrapassou definitivamente? A visão funcionalista baseia-se emdados objetivos irrecusáveis, quando reconhece que não há definição puramente naturalística
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das necessidades sociais ou individuais e que os sistemas são auto referentes. Mas esse
reconhecimento permite ainda discutir criticamente as decisões legislativas de incriminação de
condutas na ótica dos fins do sistema. E, por isso, viabiliza um controlo de legitimidade do Direito
Penal. Permanecem, por essa via, válidos o significado e a função classicamente conferidos ao
bem jurídico. A incriminação de condutas lesivas da moralidade social, como a pornografia nãoreflete uma necessidade do núcleo de condições essenciais de existência na nossa sociedade,
pois a coesão social não se define a partir da moral sexual, mas sim a partir da liberdade
individual. Quando a pornografia, porém, contribuir para diminuir a capacidade de decisão no
domínio sexual ameaça a auto determinação da pessoa e o seu pleno desenvolvimento. Nestas
hipóteses, já o Direito Penal poderá intervir. Em resumo: a visão funcionalista não anula a função
crítica do conceito material de crime, pela referência de toda a legitimidade da proteção
jurídico-penal aos fins sociais. E, na medida em que a definição destes fins não é produto de uma
arbitrária decisão normativa, mas surge apenas como efeito objetivo da ação dos indivíduos –
enquanto subsistemas, eles próprios, vocacionados para a auto realização –, o funcionalismo,
como teoria, não exclui a discussão crítica do objeto da infração criminal.
O conceito material de crime e a doutrina do bem jurídico: qualquer
limitaçãooudiretriz,paraolegislador,quantoaosfactosqueeledeve,ounãodeve,
sancionarpenalmentesópoderesultardeumconceitomaterialdecrimeanteriorao
DireitoPenalpositivoedoconceitodebemjurídicoquelheservedebase,osquais
estãoindissociavelmenteligadosàfunçãodoDireitoPenal(asseguraraproteção
subsidiária de bens jurídicos fundamentais à sobrevivência da sociedade). Essa
funçãodoDireitoPenalretira -sedaprópriafunçãodoEstadodeDireitodemocrático(dastarefasqueaConstituiçãolheassinala)que,nostermosdoartigo2.ºCRP,se
fundanorespeitopelosdireitosindividuais–osquais,segundooartigo18.º,n.º2
CRP,aleisópoderestringirnoscasosexpressamenteprevistosnaConstituição,
devendoessasrestriçõeslimitar-seaoestritamentenecessárioparasalvaguardar
outrosdireitosouinteressesconstitucionalmenteprotegidos.Éapartirdoconceito
materialdecrimequepodemosencontrarrespostaparaaquestãodesaberseo
legisladorestá,ou não,vinculadoarespeitardeterminadaslimitaçõesouexigências,
noque respeitaaoâmbito dosfactos puníveis. Porumlado importa saberseo
legisladorestáproibidodeestabelecerapunibilidadededeterminadosfactose,por
outro, há que averiguar se ele está obrigado a declarar puníveis alguns outros.
Apoiado no conceito material de crime, o movimento de descriminalização tem
conhecido um intenso desenvolvimento. No que respeita ao movimento de
descriminalizaçãoquetevecomocontrapartidaacriaçãooualargamentodoâmbito
ascontraordenações,podemreferir -se,comoreflexoouexpressãodessemovimento
nonossopaís,nomeadamente, acriaçãodoDireitodemeraordenaçãosocial.Afundamentação normalmente invocada para as exigências de descriminalização
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baseia-senumconceitomaterialdecrime,ouseja,umconceitodeinfraçãoque
congregueaindicaçãodascaracterísticasquedeveapresentarumcomportamento
humanoparaqueoEstadoestejalegitimadoadeclará-lopunível.Comoéevidente,
umtalconceitomaterialdecrimenãopodeextrair-sedaleiordinária,temqueser
transcendente ao ordenamento jurídico-penal. Terá que ser encontrado na
ordenaçãoaxiológico-constitucional,poissóaConstituiçãolimitaolegisladorpenal
ordinário. O conceito material de crime subjacente ao movimento de
descriminalização assente em determinado entendimento da doutrina do bem
jurídico,conjugadocomaexigênciadequeoEstadosósujeiteasançõespenais
condutassocialmentedanosas,paratutelarbensjurídicosindispensáveisaolivre
desenvolvimentodapersonalidadedecadahomemeaofuncionamentodosistema-socialglobal.Oconceitodebemjurídico,postuladopelaprimeiravez,em1834,por
Birnbaum,temsidoumaevoluçãohistórico -dogmáticaacidentada.Importaapenas
referir, para o afastar como base possível de um conceitomaterial de crime, o
conceitometódicodebemjurídico,propugnadoporHonig,queconsideravaobem
jurídicoapenasumaformaabreviadadeexprimirosentidoeafinalidadedeum
conceito legal,ouseja:umaexpressãosintéticadoespíritodalei,daratio legis .
Comoéevidente,oconceitometódicodebemjurídiconãopode,emcasoalgum,
servirdebaseàcensura,dirigidaaolegislador,portercominadosançõespenais
paracomportamentosquenãoofendembensjurídicos.Éque,entendendo-seobem
jurídico como expressão sintética da ratio legis , nunca poderá haver preceitos
incriminadoresque não protejam bens jurídicos, pois todo o preceito prossegue
sempreumdeterminadoobjetivo,temsempreumaratiolegis .Oconceitometódico
debemjurídicoé,emsuma,imanenteaoDireitoPenalpositivoeapenasútilcomo
instrumento da sua interpretação. Mas só um conceito de bem jurídico
transcendenteaoDireitoPenalpositivopodeservirdebaseaumaapreciaçãocríticadas soluções estabelecidas pelo legislador penal. Pois, como nota Roxin, se o
conceitomaterialdecrimevisaforneceraolegisladorumcritériopolítico-criminal
limitativodopoderdepunir,istoé,quelimiteopoderpunitivodoEstadoeovincule
quantoàscondutasapunir,entãooconceitomaterialdecrimeteráquepartirdeum
conceitodebemjurídico-penal(oubemjurídicocomdignidadepenal),dedutívelda
Constituição,queéaúnicalimitaçãoimpostaaolegisladornumEstadodeDireito,
assentenosprincípiosConstitucionais.Estaideiaéhojeabsolutamentedominante.
Comojáreferimos,omovimentodedescriminalizaçãodasúltimasdécadas,apoiado
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num conceitomaterial decrimedonde resulta que o Estado sópode incriminar
condutashumanasparatutelarbensjurídicosfundamentaisàconvivênciapacífica
entreoscidadãos,tem-sefeitosentir,nomeadamente,naexigênciadereduçãodo
âmbito dos crimes sexuais. A este respeito, há a assinalar o aparecimento na
literaturapenalista,háquasequatrodécadas,umacorrentedeopinião,quehoje
contanumerosíssimosdefensoresnoestrangeiroeemPortugal(FigueiredoDiase
TaipadeCarvalho),segundoaqualnãoélegítimoaoEstadodeclararpuníveisatos
comsignificadosexualque,pormuitoimoraisquesejam,nãoviolamaliberdade
sexualdeninguémnemsãopraticadosempúblicoounoutrascircunstânciasdeque
possa resultar qualquer ofensa de interesses atendíveis de terceiros, numa
sociedadepluralista.Aoutraexigênciaconsistenacriação eampliaçãodoâmbitodeaplicaçãodascontraordenações.OsprimeirosdestaexigênciaforamGoldschimdte
ErickWolf–assentavamnaideiadequeoDireitoPenalsódevepunircondutas
ético-socialmenterelevantesetutelarbensjurídicoscujaexistênciasejaanterior
aoscomandosestaduaisquevisamasuaproteção– comoacontececomavidaou
aintegridadefísicaeageneralidadedosbensquesãoobjetodosdireitosindividuais-
Jánãodeveriam,porém,serabrangidaspeloDireitoPenalcondutascujarelevância
ético-socialéconsequênciadasprópriasinjunçõesqueasproíbemenãoatingem
quaisquer bens que jáexistam anteriormente a essas injunções.Nesta linhade
orientação,surgiramnaAlemanha– jáem1949–diplomaslegaisquecriarame
regularamafiguradacontraordenação,queveioaserintroduzidaemPortugalpelo
Decreto-Lein.º232/79,24agosto.Está,porém,longedeserpacífica,naliteratura
penalistaatual,arespostaadaràquestãodesaberseoscrimessedistinguemdas
contraordenaçõesdeacordocomumcritérioqualitativo–comoodeGoldschmidte
ErickWolf,que,noessencial,éoquevemsendosustentadoentrenós,desde1969,
porFigueiredoDias–oucombasenumcritériopuramentequantitativo,estabelecidoemfunçãodagravidadedoilícitoe/oudasanção,ou,porúltimo,deumcritériomisto,
propugnado,emtermosdivergentesentresi,porJakobs,JescheckeRoxin.Estamos
inteiramentedeacordoquantoànecessidadedeseexcluíremdoâmbitodoDireito
Penalatoscomo,porexemplo,ahomossexualidadepraticadaentreadultos,delivre
vontadeesemofensadosinteressesatendíveisdeterceiro,ouqualquerconduta
imoralnãolesivadebensjurídicos.Arespostaterádeprocurar-senaConstituição,
àqualolegisladorpenal,comolegisladorordinário,estásujeito.ÉaConstituição
queforneceoquadrodevaloresfundamentaisdaordemjurídica,nomeadamente
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atravésdadefiniçãodosdireitos,liberdadesegarantias,norespeitodosquaisse
fundaoEstadoequesópodemserlimitadosnamedidadoestritamentenecessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Essesvaloresfundamentaissãoabasedosprincípiosdepolíticacriminalquehão -
deinspirar aatividadedo legisladorpenal e,aomesmotempo,servirdecritério
delimitadordoDireitoPenal.AsopçõesaxiológicasexpressasnaConstituiçãoterão
deserrespeitadaspelolegisladorquandodecide incriminarumconceitodebem
jurídicoemqueseapoieumconceitomaterialdecrimevinculativoparaolegislador.
Oconceitomaterialdecrimeteráderesultar,pois,deumconceitodebemjurídico
prévioaoDireitoPenalpositivo,masnãoprévioàConstituição.Ora,dosprincípios
acolhidosnanossaConstituiçãoedasvaloraçõesaelasubjacentes,poderetirar-seumconceitodebemjurídicocapazdeservirdesuporteaumconceitomaterialde
crimevinculativoparaolegisladorordinário.Esseconceitodebemjurídicopodeser
definidonosseguintestermos:bensjurídicossãoentes(individualizáveisnoplano
ônticoe/ounoplanoaxiológico)ouobjetivos(finalidades),úteisàlivreexpansãoda
personalidadedosindivíduos,noâmbitodeumsistemasocialglobalorientadopara
essalivreexpansão,ouaofuncionamentodoprópriosistema .Detaldefiniçãoretira-
sequeévedadoaolegisladorincriminarumcomportamento,quandoaincriminação,
àpartida,nãopossaserútilàlivreexpansãodapersonalidadedosindivíduosnem
aofuncionamentodeumsistemasocialemquealivreexpansãodapersonalidade
decadaumdevaco-existircomadapersonalidadedosoutros.Istoexclui,desde
logo,incriminaçõesarbitráriasouincriminaçõesqueprossigamobjetivosmeramente
ideológicos,ouincriminaçõesdeatosque,apesardeimoraisnãoafetamaliberdade
deninguém.
A subsidiariedade da tutela de bens jurídicos: a exigência de que a
incriminaçãodeumcomportamentosedestinea tutelarbensjurídicos,nosentido
apontado, é apenas uma das consequências do conceitomaterial de crimeque
podemextrair-sedaConstituição.A outraconsequência,queseinfere,sobretudodo
artigo18.º,n.º2CRP,correspondeaoprincípiodasubsidiariedadedoDireitoPenal,
tambémdenominadoprincípiodamínimaintervençãodoEstadoemmatériapenal
ou da máxima restrição das penas. Binding falava a este respeito no caráter
fragmentário do Direito Penal. Todas estas expressões têm como conteúdo a
asserçãodequeacominaçãodesançõespenaishá-deconstituirsempreaultimaratio dapolíticasocial.Sóélícitoaolegisladorincriminarumcompor tamentoquando
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atuteladobemoubensjurídicosqueeletememvistaprotegercomaincriminação
não puder ser conseguida através do recurso a outros meios menos gravosos,
nomeadamenteameiosprópriosdoDireitoPrivado,oudeDireitoAdministrativo,ou
doDireitodasContraordenações.ComodizFigueiredoDias,« odireitopenalsópode
intervir onde se verifique lesões insuportáveis das condições comunitárias
essenciaisdelivredesenvolvimentoerealizaçãodapersonalidadedecadahomem ».
ÉqueassançõespenaisconstituemamaisgraveintromissãodoEstadonaesfera
deliberdadedosindivíduosesãotambémaquelasquetêmefeitosestigmatizantes
maisintensos(atingindo,portanto,emregra,maismarcadamentedoquequaisquer
outrasformasdeintromissãoestadual,obomnomeeareputaçãodaspessoasa
quesãoaplicadas).Oartigo18.º,n.º2CRP,aoestabelecerqueasrestriçõesaosdireitos,liberdadesegarantias,devemlimitar- seaonecessárioparasalvaguardar
outros direitosou interesses constitucionalmenteprotegidos, consagra, implícita,
mas claramente, o caráter subsidiário da tutela jurídico-penal. Este princípio da
subsidiariedadedoDireitoPenalimplicaaindaquemesmoaquelesbensjurídicos
quedevemserprotegidospeloDireitoPenal,nãoodevemsercontraquaisquer
agressões,masapenascontraasformasmaisgravesdeagressão.Manifestação
disso,nonossoordenamentojurídico-penal,é,porexemplo,anãopuniçãododano
negligente (artigos 212.º e seguintes CP), ou a não punição do furto do uso de
quaisquerobjetos,masapenasveículosmotorizados,barcos,aeronavesebicicletas
(artigo 208.º CP). Além disso, o princípio da subsidiariedade determina que a
gravidadedapenasejaproporcionalàgravidadedaofensaeaosvaloresprotegidos
pelaincriminação.Implica,portanto,umprincípiodeproporcionalidade.Afloramento
desteprincípioencontramo-loemváriasdisposiçõesdonossoCódigoPenal.Éneste
requisitodoconceitomaterialdecrime,refletidonoprincípiodasubsidiariedadedo
DireitoPenal–enãoaideiadequeascontraordenaçõesnãoofendemqualquerbemjurídico–quesefunda,anossover,alegítimareivindicaçãodequesejamexcluídos
doâmbitodoDireitoPenaloscomportamentosilícitosquepuderemsereficazmente
combatidoscomocontraordenações(cujassançõesnuncapodemserprivativasda
liberdade,enãotêmefeitoestigmatizante).Claroqueamargemdeatuaçãolivredo
legislador, quanto a este segundo requisito do conceito material de crime, é
forçosamentemaiordoqueemrelaçãoaoprimeirorequisito,queimpõeaexistência
deumbemjurídicoatutelar.Issodeve -seaque,emregra,ébemmaisfácileseguro
detetar, porexemplo, uma incriminação arbitrária, ouuma incriminaçãode atos
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imoraisquenãoofendemqualquerbemjurídico,doqueafirmarcomsegurançaque
determinados comportamentos ilícitos, lesivos de bens jurídicos, poderiam ser
eficazmentecombatidospormeiosmenosseverosdoqueosdoDireitoPenal.Estará
olegisladorvinculadoapunirdeterminadoscomportamentos?Otemaultrapassao
DireitoPenale,comonotaRoxin,sópodesercabalmentetratadoemconexãocom
aproblemáticadosdeveresdeproteçãoconstitucionalmenteimpostosaoEstado
(artigo 9.º CRP). A questão de saber se o legislador está constitucionalmente
obrigadoaincriminardeterminadoscomportamentostemsidodiscutida,sobretudo,
apropósitodoaborto,maspode,evidentemente,colocar -serelativamenteaoutros
comportamentosgravementelesivosdebensjurídicosfundamentaisàsobrevivência
dasociedade.Emnossoentender – e tendo presente queoDireito Penal develimitar-seàproteçãosubsidiáriadebensjurídicosfundamentaisàsobrevivênciada
sociedade–podedizer-seque, deummodogeral, o legisladordeverá incriminar
aquelescomportamentos tãogravementelesivosdebens jurídicosfundamentais
queimpedemascondiçõesmínimasessenciaisdavidaemsociedade,desdeque
nãopossamsercombatidaseficazmenteatravésdorecursoameiosmenosgravosos
doqueosquesãoprópriosdoDireitoPenal.Seonãofizer,estaráaviolar(por
omissão)odeverdeasseguraracoexistênciapacíficadosindivíduosnacomunidade
estadual.Poderáafirmar-seentão,comBatistaMachado,«queaideiadeestadode
direitosedemitedasuafunçãoquandoseabstémdere correraosmeiospreventivos
erepressivosquesemostremindispensáveisàtuteladasegurança,osdireitose
liberdadesdoscidadãos ».
Fins das penas2: outra das grandes questões através das quais se indaga o sentido último doDireito Penal e do merecimento criminal (dignidade punitiva) das condutas humanas é a vexata
quaestio dos fins das penas. A pena tem uma conotação mágica ou sagrada que lhe foi conferida
pelo processo histórico e que ainda hoje persiste, revelando-se sempre como imposição de um
mal para a pessoa do criminoso e para a sua honra (e não apenas para o seu património). Trêsgrandes conceções se digladiaram: a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial. As
teorias retributivas foram, nas suas primeiras formulações, teorias absolutas, por justificarem a
pena pela compensação do mal do crime, independentemente de qualquer fim pragmático. Já
na antiguidade grega é relatada uma conversa entre Anaxágoras e Péricles em que se manifesta
a conceção retributiva. Durante a idade média, o pensamento retributivo desenvolveu-se com
a conceção cristã de responsabilidade ética individual e assume o auge da sua elaboração em
Kant ou Hegel. Kant assume o pensamento retributivo, justificando a pena independentemente
de quaisquer fins, no magnífico exemplo da punição do último condenado à morte numa ilha
em que o Estado se dissolveu. Hegel, por seu turno, considera a pena como um modo de honrar
2 Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.
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o criminoso e não como um instrumento o serviço da sociedade, através do qual a dignidade do
criminoso como pessoa possa ser prejudicada. Por outro lado, a pena é em Hegel uma
consequência lógica do crime, pois sendo a negação deste constitui a reafirmação dialética do
Direito. A ideia retributiva não abandonou o pensamento contemporâneo mas tende a justificar-
se hoje pela eficácia preventiva-geral do Direito Penal. Assim, a defesa da ideia retributiva faz-se, presentemente, sobretudo na perspetiva de que a retribuição é o único modo de demonstrar
a eficácia das penas e garantir as expectativas dos cidadãos relativamente à punição dos
criminosos. A teoria retributiva parte de uma ideia de responsabilidade individual baseada no
liberum arbitrium indiferentiae, que o conhecimento científico não permite comprovar.
Somente é aceitável presumir que as pessoas são livres na medida em que a sociedade e o
Direito reconhecem a responsabilidade individual (aceita-se a causa na medida em que se
assume a consequência). E mesmo que se reconhecesse, em abstrato, a liberdade da vontade,
ter-se-ia de nega-la na maior parte dos criminosos que chegam ao crime por um processo social
conhecido da criminologia. De qualquer modo, um pressuposto tão frágil não será suficiente
para legitimar uma teoria retributiva radical. Por outro lado, há uma segunda crítica decisiva,que provém do terreno jurídico-constitucional: a retribuição tem um pressuposto – a culpa ética
–, surgindo como sua consequência necessária. Ora a intervenção do Estado investido do seu
poder punitivo não pode servir para sancionar esta culpa. Na verdade, nem os meios do
processo penal podem atingir este nível profundo, nem a própria pena é adequada a uma
intervenção na personalidade de cada criminoso. Aliás, não cabe ao Estado promover a Ética ou
a Moral em si mesmas, mas apenas na medida indispensável à preservação das condições sociais
de existência. O chamado princípio da necessidade da pena, consagrado no artigo 18.º, n.º2 CRP,
postula que a pena só seja aplicada quando for necessária para a preservação da sociedade.
Uma outra perspetiva sobre os fins das penas é a da prevenção geral. A prevenção geral justifica
a pena pela intimidação dos cidadãos relativamente à violação da lei penal. É esta a linha depensamento que já se encontra em Platão (Protágoras) e que foi desenvolvida por Anselm Von
Feuerbach. Segundo este autor, a pena serviria para impedir (psicologicamente) quem tivesse
tendências contrárias ao Direito de se determinar por elas. A prevenção geral contém, apenas,
na sua lógica interna, um pensamento de intimidação, mas justifica-se, mais profundamente,
pelo fortalecimento dos juízos de valor social dos cidadãos, que depende da cominação e da
aplicação de penas. À prevenção geral negativa associa-se, assim, uma prevenção geral positiva,
que consiste no fortalecimento das expectativas sobre a eficácia da justiça penal. Também é
inegável que a pena preenche necessidades de retribuição, explicáveis num plano psicanalítico,
cuja não observação pode pôr em perigo a paz pública. A satisfação destas necessidades produz
um efeito apaziguador, constatável empiricamente, embora seja discutível se é a severidade ou
sobretudo a prontidão da aplicação das penas que gera o efeito inibidor e o fortalecimento da
crença na validade do Direito. As principais críticas contra a prevenção geral dirigem-se à sua
legitimidade, enquanto fundamento e medida exclusiva das sanções criminais. A primeira crítica
observa que o interesse público não pode justificar que se inflija ao indivíduo qualquer pena. A
pessoa humana não é, em caso algum, um meio ao serviço de fins sociais. O artigo 1.º CRP, ao
consagrar a essencial dignidade da pessoa humana, inibir-nos-ia de adotar esta posição sobre
os fins das penas. Uma outra crítica salienta que este pensamento não consegue justificar a
atribuição da pena ao criminoso por algo que ele tenha feito e com base na medida da gravidade
do facto – a pena deixaria de poder ser vista como consequência do crime. Finalmente, a
prevenção especial ou individual considera que o fim das penas é a intervenção sobre o cidadão
delinquente, através da coação psicológica, inibindo-o da prática de crimes ou eliminando nelea disposição para delinquir. O pensamento preventivo-especial sedia-se no entendimento
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filosófico de que a virtude se aprende e se ensina (Protágoras). Mas o desenvolvimento global e
coerente desta conceção só foi possível a partir do século XVII, com uma nova visão da pena
privativa de liberdade e com a fundamentação do Direito no contrato social, que levou a
procurar como sentido da pena a sua necessidade estrita (só a pena necessária é legítima – V.
Liszt). Von Liszt distingue, conforme a personalidade do agente, três funções preventivas-especiais da pena: a intimidação, o melhoramento e a eliminação do criminoso. Mas também a
prevenção especial é inaceitável como fim exclusivo das penas, por várias razões: ela conduz a
consequências difíceis de aceitar, tanto no plano ético como ao nível jurídico-constitucional.
Crimes muito graves poderiam ficar impunes se não existisse perigo de reincidência e crimes
menos graves poderiam justificar a prisão perpétua ou a morte. A investigação empírica não
permite apoiar em dados seguros a prognose sobre a delinquência futura. Por outro lado, a pena
é criminógena, de modo que as próprias condenações aumentam as probabilidades de
reincidência. A prevenção especial entra em conflito com o princípio da necessidade da pena
(artigo 18.º, n.º2 CRP), na medida em que é discutível que justifique a criminalização de condutas.
Se a recuperação ou a intimidação do delinquente são falíveis, será legítimo utiliza meios tãograves para a realização incerta desses fins?.
Fins das penas e princípios constitucionais do Direito Penal: nenhuma das teorias dos finsdas penas logra, pelas suas forças exclusivas, dar uma resposta satisfatória ao problema da
legitimidade da pena. As teorias sobre os fins das penas pretendem resolver um problema mal
colocado – o dos fins ideais das penas. A esses fins ideiais contrapõem-se a amarga necessidade
de punir, devendo toda a discussão sobre os fins das penas estar condicionada pelo seu
conteúdo histórico e pela sua função social. O ponto de partida da discussão é, deste modo, a
realidade da pena e não aquilo que ela idealmente deveria ser. Não terá cabimento,
consequentemente, proclamar que a pena não deve ser retributiva onde a primeira necessidade
humana que a pena pública satisfaz é a da substituição psicológica da vingança privada. Oproblema fundamental será, então, saber se a pena poderá cumprir aquele destino
racionalmente (e de forma eticamente aceitável) e ser instrumento de efeitos sociais uteis, para
além das razões ancestrais da sua instituição. Esta última análise não implica o apelo a uma pura
racionalidade de fins, mas a uma racionalidade ditada pelas razoes de organização social. Há,
assim, uma ligação visceral da reflexão sobre os fins das penas às teorias sobre o fundamento e
a legitimidade do Estado. Essa ligação tem sido estabelecida através da doutrina contratualista.
Tanto Beccaria como Von Liszt proclamaram como premissa de todo o pensamento sobre a pena
a ideia de que só a pena necessária é legítima. A legitimidade era, para estes autores, referida à
necessidade, na perspetiva da proteção da liberdade de cada cidadão – base racional do
contrato social. A existência da comunidade social tem, todavia, uma sedimentação maisprofunda do que a lógica contratualista supõe. As necessidades que justificam a comunidade
estatal não se reduzem à liberdade de cada um e não são livre e renovadamente discutíveis por
cada indivíduo, sempre e a todo o tempo, dependendo antes de consensos temporários ou de
maiorias contingentes. O contratualismo apela ao mito de um estado original anterior à
formação do Estado (mito e argumento racional apenas e não histórico), sonegando a integração
dos indivíduos na comunidade como facto histórico e o reconhecimento de que a máxima
realização individual pode ser realização de fins coletivos pelo indivíduo. Mesmo a eleição da
máxima realização individual como fim social não está vinculada a uma lógica contratualista. Ela
é, tão só, o produto da história que gerou comunidades igualitárias e democráticas que prezam
a sua identidade e os seus valores. As razões da organização social são, deste modo, ideiasculturais em que se baseia a comunidade social. Estas ideias são o cimento da validade do
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sistema jurídico e adquirem a sua expressão formal na Constituição. A substituição psicológica
da vingança privada que a pena assegura enquanto retribuição racionaliza-se através de dois
princípios constitucionais: o princípio da culpa, derivado da essencial dignidade da pessoa
humana (artigo 1.º CRP), e o princípio da necessidade da pena (artigo 18.º, n.º2 CRP). A
retribuição justifica-se racionalmente, na verdade, por basear a pena na dimensão ética do factopraticado. Mas a retribuição excederá a legitimidade do ius puniendi do Estado, quando
prosseguir como um fim em si a expiação moral do delinquente. Assim, a retribuição ancora-se
na necessidade social em dois planos: ao nível do controlo das emoções geradas pelo crime – da
pacificação social – e ao nível da proteção perante o delinquente. A pena retributiva só é, deste
modo, legítima se for necessária preventivamente. Por outro lado, quer a prevenção geral, quer
a prevenção especial apenas se legitimam, como fins das penas, através da pena da culpa. A
culpa funciona como limite da pena preventiva. Em suma, tanto a retribuição como a prevenção
se articulam, obrigatoriamente, com os princípios constitucionais (da culpa e da necessidade da
pena, nomeadamente), acabando por conduzir a soluções coincidentes quanto aos limites das
penas.
As antinomias entre os fins das penas e os modelos de política criminal: à controvérsia clássica
entre as teorias dos fins das penas sucedeu, contemporaneamente, o confronto entre os
modelos de política criminal. A política criminal é o conjunto das soluções normativas ou
puramente estratégicas tendentes a uma otimização do controlo do crime, na definição
compreensiva de Kaiser. A pena desapareceu como premissa do controlo do crime e a discussão
sobre os seus fins legítimos foi relativizada, por se reconhecer que a sua aplicação é
absolutamente necessária. A política criminal não é, no entanto, uma descoberta
contemporânea. A um modelo fundamentalmente retributivo, que Figueiredo Dias designa de
azul, em que a política criminal se ocultava sob a linguagem ética, sucedeu um modelo
preventivo-especial, o modelo vermelho, e a estes dois a própria crise, a descrença e adesorganização dos modelos de política criminal. Na realidade, contestada a conceção penal
retributiva, assente numa conceção metafísica da pena, por ser inadequada aos fins legítimos
da intervenção penal, e frustrada a via preventiva-especial, por ter sido simultaneamente
inoperante e atentatória da dignidade da pessoa humana, assoma na crise da política criminal o
que Figueiredo Dias designa como paradigma emergente, o modelo verde, que organiza o
controlo do crime a partir de uma teia de princípios constitucionais (legalidade, culpa,
necessidade da pena) e de uma estratégia de descriminalização, desjudiciarização, socialização
e diversificação (substituição da pena de prisão por sanções alternativas). Os modelos de política
criminal têm relações antinómicas entre si, pois as soluções que propugnam são, em certos
casos, necessariamente contraditórias. A ideia central a partir da qual se constroem permite, noentanto, que os diversos fins das penas sirvam a lógica uns dos outros. Mas, em todo o caso,
não haverá uma harmonia absoluta entre as soluções dos modelos, pois nem sempre a pena
retributiva é justificada pela prevenção e nem sempre a pena preventiva é justificada pela
retribuição. As antinomias entre os fins das penas permanecem, pois, nos modelos politico-
criminais. Ao modelo verde, fortemente apoiado na prevenção geral positiva, contrapõe-se a
própria renúncia à política criminal. O estado atual da discussão caracteriza-se por uma
contraposição fundamental entre o sem e o não á política criminal. Contra a política criminal
como conjunto de estratégias de controlo do crime funcionalizadoras do próprio Direito Penal,
pronunciam-se aqueles que rejeitam quaisquer soluções distintas da resposta ao crime pela
pena da culpa, quer em nome da ética e da dignidade da pessoa humana, quer em nome de ummodelo realista e operativo da própria prevenção geral. Consequentemente, a ideia de que só
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o modelo verde conseguirá realizar os princípios constitucionais da culpa e da necessidade da
pena e assegurar a racionalidade do poder punitivo do Estado democrático e social de direito
torna-se também discutível. Aliás, a um único paradigma emergente deve contrapor-se a
desconstrução dos velhos modelos à luz do estado atual da discussão. E, por outro lado, a
própria emergência de um novo paradigma só se verifica no confronto com a descrença globalna política criminal, como já se referiu. O modelo verde baseia-se, por outro lado, em premissas
que exigem discussão. Desde logo, a prevenção geral de integração utiliza, ao que parece, a
função psicanalítica da pena – a representação de estabilidade e segurança que ela gera –,
função meramente simbólica, como fundamento da pena, na perspetiva agora objetivista da
necessidade. Porém, a própria função psicanalítica da pena poderia justificar, através de uma
abordagem científica da mesma natureza (psicanalítica), a rejeição pura e simples do plano
tradicional da necessidade da pena. Onde a necessidade resultar apenas da procura de uma
terapia simbólica contra a insegurança gerada pelo crime, a pena surgirá como resposta a
carências várias que eticamente não devem ser satisfeitas por esse meio. E mesmo que se rejeite,
como Figueiredo Dias, uma fundamentação psicológica da prevenção geral de integração,contrapondo-se-lhe a ideia de que as expectativas geradas pelo crime não devem ser
praticamente conexionadas com o clamor social da pena mas normativamente implicadas com
a incolumidade da crença social na validade e na vigência da norma violada, nada nos diz que a
representação dessa mesma incolumidade exige apenas o funcionamento célere e eficaz da
justiça penal e já não a dureza do castigo exemplar. Ora, o que é essencialmente criticável é que
a privação de liberdade, embora confinada aos limites da culpa, se justifique pela manutenção
de uma crença. A prevenção geral só será critério racional de definição dos fins das penas se se
basear um efeito objetivo constatável, de alguma forma mensurável – a tradicional intimidação
–, mesmo que ele seja alcançado pelos mecanismos psicanalíticos da crença na validade da
norma violada. Na realidade, a prevenção geral positiva ou de integração, quando parece trilharos caminhos da renúncia à investigação empírica e à análise do efeito dissuasor das espécies
particulares de penas, é um discurso evasivo. A prevenção geral positiva só pode corresponder
a um meio de intimidação. E a possibilidade de esta se operar nos diversos grupos de cidadãos
é o único parâmetro objetivo e científico da necessidade de punir. Igualmente discutíveis são a
desjuridicização e a diversificação propostas pelo modelo verde. As dúvidas que tais soluções
suscitam são geradas pela duvidosa legitimidade de um modelo anti-processual e pela
substituição do poder dos juízes pelo poder dos grupos sociais. Se o fracasso dos modelos de
política criminal reintegradora, a cargo de instituições estatais, desembocou na anulação
organizada da pessoa do delinquente, a institucionalização do poder dos grupos não promoverá,
ainda em maior grau, tal anulação?
Conclusão sobre o sentido e a função do Direito Penal: argumentação sobre a
legitimidade da incriminação e da punição de condutas; os princípios no Direito Penal:a abertura da ciência jurídico penal a uma perspetiva específica de legitimação, historicamente
veiculada pelo conceito de bem jurídico, tem persistido, nos dias de hoje, através da aceitação
de uma pluralidade de pontos de vista. A seleção das condutas incriminadoras no Estado de
Direito democrático e social pressupõe não só a tradicional fundamentação na necessidade, de
raiz liberal, mas também uma fundamentação de oportunidade ou de estratégia política-
criminal. E a par destes dois topoi surge ainda uma relação do Direito Penal com a ética geral e
com a ética da democracia, através da ideia de um consenso amplo que impede a opressão das
minorias. Estes pontos de referência da discussão legitimadora apenas indicam uma perspetivasobre a seleção de condutas criminosas. Não são, na verdade, critérios, mas meros pontos de
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vista relevantes na lógica do Estado de Direito democrático e social. Alguns exemplos permitem
ilustrar legitimador que se orienta por esta via. A discussão sobre a necessidade de proteção do
bem jurídico surge a propósito da incriminação de condutas meramente contrárias à Moral,
segundo as representações sociais dominante. Como sustenta Roxin, a proteção de normas
éticas só se justificaria, no Estado de Direito, para evitar efeitos danosos para a sociedade. Oproblema da necessidade de proteção devido a importância para a sociedade do efeito visado
antecede, ou substitui mesmo, uma discussão ociosa sobre se as próprias normas éticas são
bens jurídicos. Há outras condutas que, embora possam afetar bens necessários à preservação
da sociedade, não carecem de cominação penal porque tais bens são protegidos eficazmente
(ou mais eficazmente) de outra forma. A exigência de relevo ético prévio das condutas impedirá
que condutas tidas como eticamente neutras e normalmente aceites, como fumar, sejam
incriminadas. A necessidade de amplo consenso deverá obstar a que o Direito Penal se torne
arma política da maioria e ignore as perspetivas de parte da população. A contradição axiológica
entre a incriminação de certas condutas e outras soluções do sistema jurídico revelar-se-á, por
exemplo, na incriminação de condutas contra a preservação das espécies animais, associada àirrelevância penal das condutas manipuladoras ou destrutivas da vida humana em formação
numa fase pré ou extra uterina (artigo 139.º CP). Estes exemplos não são, porém, expressão de
um programa de política criminal, mas simples modos de abordagem da legitimidade das
incriminações: o processo de legitimação do Direito Penal no Estado de Direito democrático e
social não exige um Código Penal com uma única espécie de tipos criminais, mas sim uma forma
de justificar racionalmente os tipos criminais consagrados pelo legislador. No entanto, não se
deve confundir a legitimação com a mera formulação de princípios. A legitimação tem de ser,
pela própria natureza das coisas, extra-sistemática, isto é, constituída por razões que explicam
a instituição histórica do sistema, a sua continuidade e a sua vigência no momento presente,
enquanto os princípios são mera expressão de uma racionalidade inerente a um conjunto denormas ou objetivos gerais do sistema. Deste modo, também em certo sentido os princípios
terão de ser legitimados, como é claramente visível, hoje em dia, quanto ao princípio da culpa.
Há, no entanto, uma vocação de cruzamento entre as temáticas da legitimação e dos princípios
que consiste na moldagem do conteúdo dos princípios do sistema, e portanto da racionalidade
interna do mesmo, por aquilo que torna compreensível que o princípio da culpa tenha adquirido
sentidos e funções não decorrentes direta e necessariamente do seu conteúdo original, ou que
o princípio da necessidade da pena tenha aumentado a sua importância orientadora nos
sistemas jurídico-penais de hoje. Deveremos então definir algumas perspetivas sobre os
princípios que presidem à realização prática das normas do Direito Penal, à sua interpretação e
à sua aplicação.
Colocaçãodaquestãotratadasob arubricafinsdaspenasedasmedidas
desegurança: identifica-se,porvezes,nomanuais,aquestãodesaberquala
funçãoqueoDireitoPenaldesempenha,oudevedesempenhar,emdeterminada
ordemjurídico-social,comaquestãodesabercomosejustificaquefimoufinssão
deatribuiràpenacominadaacadacrimeemparticular.Istoexplica -seporqueexiste
umaíntimaconexãoentreasduasquestões,umavezque,alegitimaçãoefinalidades
dapena,numDireitoPenalmoderno,nãopodeabstrairdafunçãoquedesempenha
oDireitoPenalnumEstadodeDireitodemocrático.Trata-se,noentanto,deduas
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questões distintas que convém tratar autonomamente, embora tendo sempre
presenteasuainterligação.AfunçãodoDireitoPenal,queseretiradosfinsquea
ConstituiçãoassinalaaoEstadodeDireitodemocráticoé,comovimos,aproteção
subsidiáriadebensjurídicose,dessemodo,dalivreexpansãodapersonalidadedo
indivíduo e da manutenção do sistema social global orientado para essa livre
expansão.Daquiinfere-searespostaàquestãodesaberquecomportamentosestá
o Estado legitimado aconsiderar crimee ameaçar com pena.É,portanto, uma
questãoquedizrespeitoàcriaçãodoscrimesemabstrato.Noâmbitodateoriado
finsdaspenasoquesetratadeaveriguarnãoéafunçãodoDireitoPenal,neméa
questãodesaberquecomportamentosdevemounãosercriminalizadosatendendo
àquelafunção;trata-se,sim,dedeterminardequemododeveatuarapenapararealizar a função do Direito Penal. É a resposta a esta questão que se procura
encontrarcomateoriadosfinsdaspenas.
Asteoriastradicionaissobreosfinsdaspenas:são,fundamentalmente,três
asconceçõessobreosfinsdaspenasquedesdeaantiguidadeclássicaseopõeme
queaindahoje,emdiversascombinações,determinamadiscussãonestamatériae
procuramapresentarumaexplicaçãoconvincenteparaaimposiçãoao homemdesse
malqueéapena:ateoriadaretribuição,ateoriadaprevençãoespecialeateoriadaprevençãogeral.
a. Ateoriadaretribuiçãooudaexpiação :segundoaqualapenavisaretribuir
ourepararomaldocrimeeémedidaporessemal,pelomal passado.Aideia
deretribuiçãosignificaqueseimpõeummalaalguémquepraticououtromal.
Oseusentidoestáligadoàideiadecastigo,expiação,oquetemavercoma
ideiareligiosadepuniçãoporumcertopecado.
b.
Teoriadaprevençãogeral:nostermosdoqualapenavisaevitaraprática
defuturoscrimesdageneralidadedaspessoas.
c. Ateoriadaprevençãoespecial :segundoaqualapenatemporfimevitara
práticadefuturoscrimespeloprópriodelinquentequeasofre.
Teoriasdaretribuição:segundoasteoriasretributivas,osentidooufimdapena
funda-seemqueomaldapenasecausaaocriminososurgecomoconsequência,
estabelecidapeloDireito,deumafaltaculposamenterealizada.Ajustificaçãopara
aimposiçãodessemalnãodependedequaisquerfinsaalcançarcomapena,mas,
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tãosó,darealizaçãodeumaideiadejustiça.Apenacontém,portanto,ofimemsi
mesma,justifica-seporsiprópria.É«umimperativocategóricodejustiça »(Kant),
ou«anegaçãodanegaçãodoDireito »(Hegel).Aideiadequeapenacontémofim
emsimesmo,dequeelaéexigidaparaalcançararealizaçãodajustiça,estábem
patentenaformulaçãodeKant.Paraesteautorapenaéalgoqueseimpõeao
homem,que é indiscutível e não necessita de fundamentação.Não visa realizar
quaisquerfinsutilitáriosexterioresaela;contém«ofimemsimesma »queéocastigo
doindivíduoporterpraticadoumfactoilícitoculposamente.Osentidodapenanão
está,portanto,naprossecuçãodequalquerfimsocialmenteútilmassim emqueela,
atravésdaimposiçãodeummalaodelinquente,expia,compensa,retribuidemodo
justo,aculpaqueoautorcarregasobresipeloseufacto.Aculpadoagentepelofactopraticado tem,portanto, queser compensadapela imposiçãodeumapena
justaquecorrespondanasuaduraçãoeseveridadeàgravidadedocrime.Éovelho
princípiotaliónico«olhoporolho,dentepordente »,quenapráticaéinexequível.A
formulaçãodeHegel,talcomoéapresentadahistoricamente,significaomesmoque
a de Kant. Para Hegel a pena justifica-se pela necessidade de restabelecer a
concordânciadavontadegeral,representadapelaOrdemJurídica,comavontade
especial do delinquente, concordância essa que foi quebrada pelo delito. Isso
consegue-se negando (com a pena) a negação da vontade geral pela vontade
especialdodelinquente, deacordo com ométodo dialético deHegel. A penaé,
portanto,aafirmaçãodoDireitonegadopelodelinquenteaopraticarocrime;éa
negação da negação do Direito. O crime é negado, expiando, destruído, pelo
sofrimento da pena imposta ao delinquente, restabelecendo-se assim o Direito
violado.Hegellevavaasuaconstruçãoaoextremo,apontodedefenderapenacomo
direitododelinquente,porquefoiatravésdeumatolivredasuavontadeq ueele
praticou o crime, que ele negouoDireito,e que, portanto, exigiu que lhe fosseaplicadaumapena,parareporoDireito.Hegeldistingue-sedeKant,namedidaem
quesubstituioprincípiodeTaliãopeloprincípiodaigualdadedovalordocrimeeda
pena.Mas,emplenaconcordância,tambémnãoreconheceàpenaquaisquerfins
preventivos,quergerais,querespeciais.
Críticaàteoriadaretribuição:Ateoriadaretribuiçãoéhojeinsustentável
dopontodevistacientífico.Pois,seéverdadequeafunçãodo Direito
Penalconsistenaproteçãosubsidiáriadebensjurídicos,entãooDireitoPenalnãopodeservir-se,pararealizarasuafunção,deumapenaque
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abstrai expressamentedetodososfinssociais.Alémdisso, a ideiade
retribuição também exige a pena quando ela é desnecessária para a
proteçãodebensjurídicos.Ora,dadoqueateoriadaretribuiçãoassenta
nacompensaçãodaculpadoagenteatravésdaimposiçãodomaldapena,
esta seria de exigir sempre que houvesse culpa para compensar ou
retribuir.Nesta perspetiva, a pena deixade servir a funçãodo Direito
Penaleperdeasualegitimaçãosocial.Acresceque,aideiadequese
podecompensarouanularummalcomoutromalé"umpuroatodefé
irracional",comodizRoxin.Diga-seaindaque,asuposiçãodeumaculpa
quedeveserretribuídanãopode,sóporsi,levaràaplicaçãodeumapena;
aculpaindividualestáligadaàexistênciadaliberdadedavontade(olivrearbítrio), que é indemonstrável, como, de resto, admitem os próprios
partidários da teoria da retribuição. Essa impossibilidade de
demonstraçãodaliberdadedavontadeimpedequeelapossafuncionar
como único fundamento da intervençãodoEstado. Contra a teoria da
retribuiçãofalam,porúltimo,assuasindesejáveisconsequênciaspolítico -
criminais.Umaexecuçãodapenaquepartadoprincípiodaimposiçãode
ummalnãopodeserterapêuticaadequadaparaafaltadeintegração
social, quemuitas vezes é a causadocrime, e, por isso, não émeio
apropriadoparaalutacontraocrime.Tam bémnãoéaceitávela"teoria
daexpiação",comoreformulaçãoda"teoria daretribuição”.Éevidente
queoconceitodaexpiaçãoéapenasumapalavradiferenteparadefinira
retribuição.Noentanto,muitas vezes, com apalavraexpiaçãoquer-se
significar que o autor aceita interiormente a pena como justa
compensação daculpa, assimilaespiritualmenteo seucomportamento
delituoso, purifica-se e recupera a sua integridade humana e socialatravés da expiação, através do castigo. Tudo isto é, naturalmente
desejável,masnãopodeservirparajustificarapenaretributiva,porque
emoçõesdessetipo,alémderaramenteacontecerem,constituematosda
personalidademoraldecadaumquenãose impõemàforçaeque,de
resto,tambémpodemverificar-sequandoapena,emvezderetributiva,
visefinsutilitários.Há,noentanto,quereconheceràsteoriasretributivas
ouabsolutasoméritodeteremerigidooprincípiodaculpa–oprincípio
dequetodaapenatemcomopressupostoaculpaeamedidadapena
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temcomolimiteamedidadaculpa-empedrabasilareinultrapassável
daaplicaçãodapena.Masnãopodemosesquecerque,setodaaculpa
pressupõeapena,nemtodaaculpaexigeaaplicaçãodeumapena.
Prevençãoespecial:Noextremoopostodateoriadaretribuiçãoestáateoriada
prevençãoespecial,segundoaqualofimdapenaéprevenirqueoautorcometa
novosdelitosnofuturo.Aocontráriodaconceçãoabsolutadateoriadaretribuição,
aprevençãoespecialéumateoriarelativa,porqueestáligadaaosfinsdeprevenção
decrime.Nasuamodernaformulação a teoria daprevençãoespecialremonta à
épocadoiluminismo.Expandiu-seentreosfinaisdoSéc.XVIeoSéc.XIX.Masno
Séc.XIXretrocedeuporinfluênciadoidealismoalemão,faceàteoriadaretribuição.
Nos finaisdoSéc.XIXVonLiszteasuaescolafazem-naressurgir. Aprevenção
especialpodeserrealizada,segundoosseusdefensores,portrêsformas:
a) Corrigindooqueécorrigível(ouseja,ressocializando);
b) Intimidandooqueéintimidável;
c) Inocuizando(tornandoinofensivo)medianteaprivaçãodaliberdade,osque
nemsãocorrigíveisnemintimidáveis.
Estaconceçãodeparacomdificuldadesdediversaordem.Asuamaiorfalhaestáno
factodenãofornecerqualquerprincípioparaamedidadapena,podendoleva raque
odelinquentesejacondenadonumapenadeduraçãoindeterminada,quedureaté
ele ser ressocializado. Isso levaria a que, a delitos de poucagravidade, quando
constituíssemsintomadeumaperturbaçãoprofundadapersonalidade,pudesseser
impostaumapenadeprisãopormuitosanos.Alémdisso,nostermosdestateoria
nada obstaria a que fosse aplicada uma pena ressocializadora quando alguém
mostrasseumaforteperigosidadecriminal,semqueseprovassequeapessoatinhacometidoumfactopunívelconcreto.Elapermitirialimitaraliberdadeindividualmuito
paraalémdoqueéadmissíveledesejávelnumEstadodeDireitodemocrático.Outra
objeçãoquetemsidocolocadaàteoriadaprevençãoespecialéque,nãosevêcom
quedireitopodeoEstadoeducarecorrigirhomensadultos.KanteHegelviamnisto
umaofensaàdignidadehumana.E,defacto,estateoriadeixaocidadãomaisao
arbítriodopoderEstataldoqueaprópriateoriadaretribuição.Acrescequeesta
teoria não dá explicação para a aplicação da pena a delinquentes que não
necessitamderessocialização
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Teoria da prevenção geral: É também uma teoria relativa que visa fins
preventivosmas,aocontráriodaanterior,nãovêofimdapenanasuainfluência
sobreodelinquentequecometeuocrime,massimnosseusefeitosintimidatórios
sobreageneralidadedaspessoas.Apenatemporfimintimidaraspessoasparaque
elasnãocometamcrimes .Modernamenteateoriadaprevençãogeralencontrouo
seugrandeprecursoremFeuerbach,paraoqualofimdapena"naleiéaintimidação
detodos….Ofimdaaplicaçãodamesmaéfundamentaraeficáciadaameaçapenal.
NaDoutrinaactualdistinguem-seduasvertentesdaprevençãogeral-aprevenção
geralnegativaoudeintimidaçãoeaprevençãogeralpositivaoudeintegração.3.5.1
Aprevençãogeralnegativaoudeintimidaçãovêofimdapenanaintimidaçãodos
cidadãosqueestãoemperigodecometercrimesidênticos.Apenafuncionaparaevitar a repetição de crimes, protegendo-se, desse modo, os bens jurídicos. A
prevençãogeralpositivaoudeintegraçãoentendequeofimdapenaémantere
reforçaraconfiançadosindivíduosnoDireito,evitando-se,dessemodo,apráticade
crimese,portanto,alesãodebensjurídicos.Apenatem,assim,afunçãodemostrar
a solidez da Ordem Jurídica face à comunidade e, dessemodo, de fortalecer a
confiançajurídicadapopulação,ou,comodizFigueiredoDias,apenaéaformade
queoEstadoseserveparamanterereforçaraconfiançadacomunidadenavalidade
enaforçadevigênciadassuasnormasdetuteladebensjurídicose,assim,no
ordenamentojurídico-penal.Aestepontodevistapositivoéatribuídohojemuito
maiorimportânciadoqueaodospurosefeitosintimidatórios.Naprevençãogeral
positivacompreendem-setrêsfinseefeitosprincipais:
umefeitopedagógico-social,oexercíciodefidelidadeaoDireitoqueé
provocadonapopulaçãopelofuncionamentodajustiçapenal;
umefeitodeconfiança,queseverificaquandoocidadãovêqueoDireitoseimpõe;
umefeitodesatisfação,queseproduzquandoaconsciênciajurídicageral
setranquilizacombasenasançãopelaviolaçãodoDireitoevêresolvido
oconflitocomoautor.
Adoutrinadefendehoje,maioritariamente,aprevençãogeralpositiva.
Crítica:KanteHegeldiziamcontraestateoriaque,seofimdaprevenção
geraléintimidarosoutros,entãoutiliza -seodelinquentecomoexemplo
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paraosoutros;transforma-seapessoaemobjetoparasealcançarum
fim, o que é incompatível com a dignidade humana. Esta é a crítica
tradicionalàteoriadaprevençãogeral.Outracríticadequetemsidoalvo
aprevençãogeraléadequeela,talcomoaprevençãoespecial,não
apresentaqualquercritériodelimitaçãodaduraçãodapena,podendo,no
casoconcreto,serultrapassadaamedidadapenadesejávelepermitida
numEstadodeDireitodemocrático.Portanto,haveriasempreoperigode
aprevençãogeralsetransformaremterrorestatal,poisaspenasmais
gravessãomaisintimidativas.Poroutrolado,nãoseconseguiuprovaraté
agoraosresultadospráticosdaprevençãogeral.Ohomemmédio,em
situaçõesnormaispoderá deixar-seinfluenciarpelaameaçadapena,masosdelinquentesprofissionais,ouosdelinquentesimpulsivosocasionais,
nãosãomotiváveispelaameaçadapena.Acrescequeaprevençãogeral
partilhaodefeitodateoriadaretribuiçãodenãopoderatribuiràexecução
dapenaqualquersignificadonosentidodarecuperaçãododelinquente.
Istovaleparaasduasformasdeprevençãogeralnamedidaemqueela
se dirige à generalidade das pessoas e não ao autor. Mas atinge
particularmente a prevenção geral negativa, porque uma execução da
pena que vise a simples intimidação dos cidadãos mais promove a
reincidênciadoqueaimpedee,portanto,maisprejudicadoquebeneficia
ocombatecontraacriminalidade.Écertoqueaprevençãogeralpositiva
apresentaevidentesvantagensemrelaçãoàprevençãogeralnegativa.
MaselasóésustentávelnumEstadodeDireitodemocráticoseserecorrer,
comofaz,entrenós,porexemplo,FigueiredoDias,aprincípiosdegarantia
doEstadodeDireitoparalherestringirosefeitosfunestos.Pois,senão,a
sualógicapuralevaaconsiderarosistemasocialcomobemsupremoeoscidadãoscomoobjetodeprevenção,comodestinatáriosdeum aação
doEstadoqueserveparaexercitarasegurançaeaconfiançanoDireito.
ParaoProf.FigueiredoDias,«apenasópodeterfinalidadesrelativasde
prevençãogerale especial, não finalidades absolutas de retribuição e
expiação"ea"prevençãogeral positivaoudeintegração,istoé,dereforço
daconsciênciajurídica comunitáriaedoseusentimentodesegurança
face à violação da norma ocorrida », assume o primeiro lugar como
finalidade da pena. A culpa funciona como limite da pena, é um
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pressuposto daaplicaçãodapenae umlimite inultrapassáveldesta.É
pressupostoindispensável«porrazõesdelimitaçãoaopoderpunitivodo
Estado ligadas à necessidade de garantia dos direitos individuais e
liberdades »,impostapeloEstadodeDireitodemocrático.
As teorias ecléticas ou unificadoras retributivas: Estas teorias consistem
numa combinação das conceções até agora expostas. Veem a retribuição, a
prevençãogeraleespecialcomofinsqueapenadeveprosseguirsimultaneamente.
Aindahojeseacentua,frequentemente,quesósepodefalardeumaverdadeira
teoriaunificadora,nosentidotradicional,quandoosfinspreventivosnãoatinjamo
carácterretributivodapenaesejamprosseguidosconjuntamente,apenasnoâmbito
traçadopelaretribuição.
Crítica:Esta teoria éderejeitarporque,comosimplesmodificaçãoda
teoriadaretribuição,estáexpostaatodasasobjeçõescontraelaaduzidas
e,porisso,talcomoela,tambémnãopodehojeserseguida.
Ateoriadialéticaunificadoradaprevenção:Estateoriarecusaaretribuição
comofimdapena.Segundoela,apenasótemfinspreventivosgeraiseespeciais.O
seuprecursorfoiRoxin,segundooqualateoriaprocuraafastaraposiçãoabsolutade qualquer dos critérios preventivos, através de um sistema de mútua
complementaridade e limitação de modo a obter uma conceção preventiva
abrangentequeincluaosaspetospositivosdasteoriaspreventivaseaeliminaros
aspetosnegativosdasmesmas.Roxinsustentaque«opontodepartidadetodasas
teoriasdapenatemqueestarnoreconhecimentodequeofimdapenasópodeser
umfimdeprevenção ».Pois,comoasnormaspenaissósão justificadassevisarem
a proteção da liberdade individual ou de umaordem social que a sirva, a pena
concretasópodeservirpararealizaressafunçãoseprosseguirfinspreventivos.Daí
resultaqueaprevençãogeraleespecialtêmdepermanecerumaaoladodaoutra
comofinsdapena.Pois,comoosfactospuníveistantopodemserimpedidospela
atuaçãosobreodelinquentecomosobreageneralidadedas pessoas,ambosos
meios de atuação são igualmente legítimos e devem ser ordenados num fim
abrangente.Aprossecuçãosimultâneadosfinsdeprevençãogeraleespecialnãoé
problemáticaquandoapenaaplicadana condenaçãoemconcretoé adequadaa
atingirambososfins.Aconceçãotambémnãodeparacomdificuldades,quando,nocasoconcreto,apenasacomponentedeprevençãogeralfundamentaasanção ,dado
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que, o fim preventivo da pena se mantém mesmo que não seja necessária a
prevençãosimultaneamenteemtodososseusaspetos.Mas estepensamento é
importante, antes de mais, quando o delinquente se recusa a aceitar uma
colaboraçãonaexecuçãodeumapenaressocializadora.Umapenaquepretenda
eliminar a associalização do autor só pode ter êxito pedagógico quando é
estabelecida uma relação de cooperação com o delinquente. Uma "socialização
forçada"nãoéadmissívelfaceaosartigos.1º,2º,18º,nº1e2,25º,nº.2,entreoutros,
daCRP.s.Seodelinquenterecusaasuacolaboraçãonaressocialização,deve,é
certo,serdespertadaasuadisposiçãoparaisso,namedidadopossível,masnãolhe
podeser impostaàforça.Apenatemqueser,naturalmente, tambémexecutada
nesses casos, mas então bastarão as necessidades de prevenção geral para ajustificar. Quando ambos os objetivos (de prevenção geral e especial) exigem
medidasdapenadiferentespodesurgirumconflitoentreosdoistiposdeprevenção.
m tais casos é necessário ponderar os fins de prevenção geral e especial e
estabelecer uma ordemde prioridades. Por outro lado, devedar-se primazia às
necessidades de prevenção especial apenas na medida em que ainda sejam
satisfeitasasnecessidadesmínimasdeprevençãogeral.Apenanãodeve,portanto,
porcausadosefeitosdeprevençãoespecial,sertãoreduzidaquejánãosejalevada
asériopelapopulação,umavezqueissoabalariaaconfiançanaordemjurídicae
impeliriaàimitação.Emmuitoscasos,(emboranemsempre),olimitemínimoda
medida legaldapena cuida jádaobservânciadomínimo deprevenção geral.O
significadodaprevençãogeraledaprevençãoespecialétambémdiferentemente
acentuadoduranteoprocessodeimposiçãodoDireitoPenal.Ofimdaameaçapenal
é,numprimeiromomentodepuraprevençãogeral(incriminação).Nomomentoda
imposiçãodapenanasentença,pelocontrário,sãodeconsiderardomesmomodo
as necessidades de prevenção geral e especial. Finalmente, no momento daexecuçãodapena,aprevençãoespecial toma lugarproeminente. Istonãodeve,
contudo, ser entendido no sentido de que os fins da pena se repartem, numa
separaçãorigorosa,pelosdiversosestádiosderealizaçãodoDireitoPenal.Nãose
tratadeumaestratificação,massimdeumadiferenteimportânciarelativadesses
fins ao longo do processo de imposição do Direito Penal. A "teoria dialética
unificadoradaprevenção"chama,portanto,paraprimeiroplano,oraum,oraoutro
dospontosdevista.Écertoqueavançaparaprimeirolugarofimpreventivoespecial
deressocializaçãoquandoambososfinsestãoemconflito;mas,emcompensação,
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aprevençãogeraldominaascominaçõespenaisejustifica,sóporsi,apenaquando
faltemoufalhemosfinsdeprevençãoespecial,enquantoque,nãopodehaveruma
pena preventiva especial sem qualquer objetivo de prevenção geral, apesar da
dominânciaabsolutadosfinsressocializadoresduranteafasedaexecuçãodapena .
Ateoriaunificadoradaprevenção,talcomoédefendidaporRoxin,enquadraambos
os fins num sistema cuidadosamenteponderado que sóno entrelaçar dos seus
elementosdáfundamentoteóricoàpuniçãoestatal.Masrecusa,emabsoluto,ofim
deretribuição .Masarecusadaretribuiçãocomofimdapenanãoimplicaqueaculpa
nãotenhaqualquerpapeladesempenharnateoriaunificadoradaprevenção.Ao
contrário,oprincípiodaculpadesempenhaumpapeldecisivonalimitaçãodapena.
Apenanãopodeultrapassar,nasuaduração,amedidadaculpa,mesmoquetalsejadesejávelparasatisfaçãodosinteressesdeprevençãogeralouespecial.Oprincípio
da culpa temuma função liberal, totalmente independentedequalquer ideiade
retribuiçãoeessafunçãotemdesemanterintactanumDireitoPenalmoderno.Tal
princípioconstituiumlimiteaopoderdepunirdoEstado,namedidaemque,seja
qualforapenaexigidapornecessidadesdeprevenção,asuamedidanãopoderáser
superioràmedidadaculpa.Estaconstituiolimitemáximoatéaoqualpodeira
privação da liberdade do delinquente, sem violação da dignidade humana. Esta
exigênciadequeapenaemcasoalgumpoderásersuperioràculpadoautoréhoje
geralmente aceite, tal como é, em geral, reconhecido que este princípio tem
consagração Constitucional, nomeadamente nos artigos. 1º e 25º, nº 1.Mas se
nenhumapenapodeirparaalémdaculpadoagente,nadaimpedequeap enapossa
ficaraquémdoslimitesdaculpa,namedidaemqueosfinspreventivosoadmitam .
Esta teoria permiteainda eliminar as objeções que, emgeral, são levantadas à
utilizaçãodoconceitodeculpaemDireitoPenal,combaseemqueelapressupõeo
livrearbítrioqueéindemonstrável .Naverdadeaculpapressupõea liberdadedohomemparasepodercomportardeoutromodo.Masseaculpanãoévistacomo
fundamentodopoderdepunirdoEstado,masapenascomoummeiodeolimitarna
utilizaçãodapenacomfinspreventivos,alegitimidadedoseureconhecimentocomo
meiodepreservaraliberdadedoscidadãos,nãodependedasuacomprovabilidade
empírica.Asuasuposiçãoéumpressupostonormativo,uma"regradejogosocial",
quesenãopronunciasobreaquestãodesabercomoéconfiguradaaliberdade
humana.SimplesmenteprescrevequeohomemdevesertratadopeloEstado,em
princípio,comolivreecapazderesponsabilidade.Aquestãodaexistênciarealde
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uma liberdade da vontade pode e deve sermantida entre parenteses porque é
objetivamente indemonstrável. E como o princípio da culpa só serve como
instrumentodelimitaçãodaprevenção,issonãoofendeoindivíduo,antesoprotege .
O problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, nomeadamente à luz da sua
evolução em Portugal
3: se o problema das finalidades das penas se conexiona diretamente com
a questão da legitimação do direito de punir estatal, então é seguro toda esta questão se encontra
co-naturalmente ligada à própria doutrina do Estado e à sua evolução. O caso português é, a este
propósito, exemplar a vários títulos. Presente embora desde sempre na discussão teórica, bem
se compreende que o problema dos fins das penas só se tenha ganho um explícito
relacionamento com a doutrina do Estado desde que se iniciou a história da codificação em
sentido moderno; quando precisamente começou também a questionar-se, em termos racionais
secularizados, a própria fundamentação e legitimação do poder punitivo estatal. Bem podendo
afirmar-se que até aí se procurava compreender teoricamente a pena como instrumento de justiça divida delegada, enquanto praticamente ela se assumia como instrumento destinado a
cumprir – quantas vezes pelo terror – a vontade e os propósitos políticos do soberano. Assim
aconteceu também em Portugal, sem prejuízo de dever assinalar-se que uma certa tradição de
compilação das leis penais – no sentido permitido pelas conceções jurídicas medievais – se
instaurou praticamente desde os primeiros tempos da nacionalidade. Já na Espanha visigótica o
chamado Codex Legum Visigothorum, que chegou a exercer influência direta nos primeiros
tempos também do reino de Portugal, continha inúmeras disposições jurídico-penais, tendentes
sobretudo a combater as formas privadas de reação criminal. É verdade que cedo este conjunto
de disposições foi subvertido, na sai aplicação prática, pelo Direito consuetudinário, com o
recrudescimento inevitável dos instituto da vingança privada e da perda de paz. Com o
fortalecimento do poder público e o renascimento do Direito Canónico e Romano, no entanto,
desde 1221 que se restaurou a tendência para a publicização do iuspuniendi , à qual correspondeu
um esforço de elaboração legal, embora casuística, de todo o Direito Penal. As Ordenações
Afonsinas (1446) compilaram, reformaram e complementaram esta legislação extravagante,
contendo no seu Livro V (o chamado Liber Terribilis) aquilo que bem pode considerar-se o
primeiro Código Penal e Processual Civil Português. A estas Ordenações se seguiram as
Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações F
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