UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO
MESTRADO EM HISTRIA
DYSSON TELES ALVES
Urbanizao e Cultura na Amaznia do sculo XVIII: ndios e
brancos em Barcelos
MANAUS
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO
MESTRADO EM HISTRIA
Urbanizao e Cultura na Amaznia do sculo XVIII: ndios e
brancos em Barcelos
Dysson Teles Alves
MANAUS
2010
Dissertao apresentada ao Programa de Ps
Graduao em Histria Social da Universidade
Federal do Amazonas como exigncia parcial para
obteno do ttulo de MESTRE em Histria
Social.
Orientador: Prof. Dr. Almir Diniz de Carvalho Jr.
Banca Examinadora
Dr. Almir Diniz de Carvalho Jr. Presidente
Dr. Mauro Cezar Coelho Membro
Dr. Maria Luiza Ugarte Pinheiro Membro
Dedicatria
Ao meu saudoso pai, pela dedicao.
minha querida me, que mesmo na dor ainda sorri.
Ao Gabriel por ser to grande em to pouco tempo.
Agradecimentos
So inmeros, at aqueles que estiveram distantes durante a produo deste trabalho
contriburam, pois, me proporcionaram alguns momentos de desprendimento. Porm, outros
permaneceram muito perto e a estes meu reconhecimento obrigatoriamente maior.
Deus por permitir este momento em minha vida.
Aos demais membros de minha famlia, em particular minhas irms, Elizeth e Elizabeth que
mesmo indiretamente contriburam ao me dar tranqilidade para prosseguir nesta tarefa.
Aos mestres do Departamento de Histria da UFAM, que continuamente me incentivam a
prosseguir na vida acadmica, especialmente, Francisco Jorge, Auxiliomar Ugarte, Luiz Balkar,
Luza Pinheiro e Patrcia Sampaio.
companheira Rosngela da Biblioteca do Museu Amaznico, que prestativa e sensvel a
minha angustia, sempre me socorria.
Aos amigos do Museu Amaznico, que muito me ajudaram na confeco deste trabalho.
Helen, pela compreenso e superao dos meus traumas.
Ao amigo e orientador Almir Diniz de Carvalho Jnior, que desde meu ingresso no Programa se
prontificou a me conduzir e a decifrar os enigmas que a pesquisa me proporcionava e o fez com
muita competncia.
O melhor Historiador seria aquele que
mais e melhor constatar o que seus olhos
vissem, no o que uma distante e fria
lgica elaborasse. (Baeta Neves).
Resumo
Este trabalho tem por objetivo analisar a colonizao portuguesa na Amaznia no contexto das
Demarcaes de Limites, durante a segunda metade do sculo XVIII, tendo como foco de
apreciao a vila de Barcelos na Capitania do Rio Negro. Como desdobramento, entender a
criao dos espaos urbanos como elemento dinmico de um plano de civilizao. Perceber
ainda, como os ndios concebiam as interaes estabelecidas com os colonos, as estratgias
construdas por ambas as partes e as perspectivas de obterem certos benefcios.
Palavras chaves: Barcelos, Amaznia colonial, Poltica indigenista, Vilas pombalinas.
Abstract
This work aims to analyze the Portuguese Colonization in the Amazonia about the delimitation
context during the second half of the 18th century, having as the focus of analysis Barcelos
Village in Capitania do Rio Negro. As well as to understand the creation of the urban spaces
like a civilization part plan, the Indians perceived the established interactions with the colonizers,
the strategies built by both and perspectives of they obtain certain benefits.
Keys-words: Barcelos, Colonial Amazonia, Indians Politics, Pombalinas Villages.
Sumrio
Introduo..................................................................................01
Captulo I..A constituio da Amaznia portuguesa................08
1- A Amaznia no mundo portugus..........................................08
2- O Tratado de Madri: a oficializao da posse territorial.........15
3- Estratgias de defesa: .............................................................25
3.1- As fortificaes....................................................................25
3.2- Alianas com ndios, a salvao da terra.............................39
Captulo II..O urbanismo como artifcio civilizador................48
1- A experincia urbanstica portuguesa.....................................48
2- O Marqus de Pombal e o Imprio Ultramarino portugus....65
3- A expanso urbana na Amaznia portuguesa........................74
Captulo III..Barcelos, uma arena cultural..............................100
1- Mariu, uma aldeia carmelita.................................................100
2- De Mariu a Barcelos.............................................................115
3- Dilogo entre culturas. ..........................................................127
Consideraes Finais.................................................................138
Fontes e Bibliografia..................................................................143
1
Introduo
Da mesma forma que a imensido da Amaznia depositria do maior rio do planeta,
de uma diversidade de fauna e flora imensurvel, em meados do sculo XVIII abrigava, na
mesma proporo, um contingente populacional indgena. O interesse expansionista europeu
promoveu um encontro entre a extica e misteriosa regio e um mundo tido como moderno.
Esse encontro perturbou uma ordem que j se encontrava estabelecida e a continuidade dessa
relao aprofundou o conhecimento de ambas as partes. Faz parte de nosso objetivo
apresentar as estratgias utilizadas tanto por missionrios e colonos quanto por ndios com
vistas a superar obstculos, principalmente o de comunicao, produzir espaos que
proporcionassem uma interao e a criar novas identidades indgenas como resposta ao
projeto colonizador portugus.
Interessa-nos tambm, avaliar o processo de instalao das vilas urbanizadas durante a
segunda metade do sculo XVIII, mais precisamente ao norte da Amrica portuguesa. Neste
sentido, observaremos mais detalhadamente a forma de ocupao e povoamento que teve uma
caracterstica diferenciada do restante da Colnia, a proporcionarem conjunes de interesses,
tanto pelo lado colonizador como pelo lado colonizado, inaugurando novas formas de
organizao social. Analisaremos tambm as provveis alteraes sofridas nas referncias
culturais de ambas as partes, como reflexo de um intenso processo de criao de uma rede
urbana que deveria funcionar como um elemento facilitador de interao cultural.
A concepo de um espao urbano como lugar de relaes de convvio e troca de
experincias, no se constitui em um conjunto de dados aleatrios, parte integrante de um
programa poltico amplo, pensado, que exige o conhecimento do sistema social gerado pela
poltica urbanizadora implementada naquele espao1. Estas idias incentivaram historiadores
a desenvolverem pesquisas sobre formao urbana, suscitando debates procura de respostas
para os fenmenos sociais ocorridos a partir da criao de uma rede urbana. Atualmente, na
historiografia, a cidade se apresenta como um objeto de estudo cujas possibilidades vo alm
de seus limites geogrficos e que no deve ser vista como um agente isolado de mudanas
histricas, mas sim como um componente dinmico conectado a outros elementos
participantes de uma cadeia de comunicaes que proporcionaram as possveis modificaes.
1 Teixeira, Manuel Carlos. Os modelos urbanos portugueses da cidade brasileira. Comunicao apresentada no
Colquio A construo do Brasil urbano, Convento da Arrbida Lisboa. In Revista urbanismo de origem portuguesa n 03 Lisboa, 2000.
2
A tradio marxista influenciou o trabalho de muitos historiadores de cidades ao
comparar o crescimento urbano com o desenvolvimento econmico e industrial e o
aparecimento de uma camada social: a burguesia. Entretanto, seria um demasiado
reducionismo considerar que a industrializao por si s foi determinante para o fato. Estas
idias podem ser vistas em Max Weber, que relaciona a origem da cidade com as suas funes
econmicas, caracterizada como um aglomerado urbano realizando trocas comerciais
regulares para a manuteno de seus habitantes. Weber recorre ao mtodo comparativo entre
cidades antigas, em busca de um tipo ideal de cidade. Sua preocupao era identificar e
relacionar as funes econmicas e administrativas das cidades em tempos e espaos
diversos2. Da mesma forma, Henry Pirenne analisa a cidade como uma concentrao urbana
com personalidade jurdica vivendo do comrcio e da indstria, enquanto os seus momentos
de declnio estiveram ligados a guerras e crises econmicas. Pirenne relaciona o feudalismo
decadncia da vida urbana, e o capitalismo ao renascimento das cidades. A cidade para
Pirenne vinculada a causas econmicas e sociais3.
Ainda a respeito da formao de cidades conforme suas funes oportuno lembrar a
anlise feita por Maria Stella Brescianni4 sobre a teoria de cidades. No sculo XVIII, tais
teorias falavam da cidade ideal como elemento de progresso, funcional e utilitria. Para as
cidades do sculo XIX, o discurso enfatizava os efeitos materiais e intelectuais do
crescimento urbano para a populao, ou seja, os problemas causados pelo impacto do
desenvolvimento das atividades urbanas. No caso brasileiro, o tratamento dado s vilas e
cidades do sculo XVIII, recebeu uma caracterizao dada por Richard Morse de cidades
artificiais. Para Morse, estas cidades seriam aquelas que surgiram movidas apenas por
interesses econmicos (como reas de extrao, por exemplo) e, na maioria dos casos, as
cidades pertencentes a essa classificao no teriam uma relao de continuidade em seu
desenvolvimento. A causa dessa descontinuidade, ainda segundo Morse, seria a ausncia de
um intercmbio econmico com outras praas internas que viessem a promover uma
integrao entre as mesmas. 5
2 Weber, Max. Conceitos e categorias de cidades. In Velho, Otavio G. (org). O fenmeno urbano. 4 ed. R.J.
Zahar. 1979.
3 Pirenne, Henry. As cidades da idade mdia. Ensaios de Histria econmica e social. Trad. Carlos Montenegro
Miguel, 2 ed.Lisboa. ed. Europa-Amrica.1964.
4 Brescianni, Maria stella. Histria e historiografia das cidades, um percurso. In Historiografia brasileira em
perspectiva, Marcos Cezar de Freitas (org) S.P. Contexto. 2005. 6 ed.
5 Morse, Richard. Ensaio sobre cidades latino americanas.1973
3
Maria Stella Brescianni observa, atravs de uma anlise da produo historiogrfica
brasileira, o fortalecimento das teorias sobre cidades do sculo XVIII, afirmando que daquela
cidade racional, utilitria, foram eliminados os vestgios de lendas ou mitos de fundao. Dos
marcos da fundao, restaram as datas e os fatos bem estabelecidos, caracterizando a perda da
contextualidade de origem da cidade. No encontro com o moderno transparece a necessidade
de apagar a memria do passado em nome da civilidade6. Outra vertente da discusso sobre a
formao das cidades coloniais brasileiras a questo do planejamento urbano portugus feito
por Ana Lcia Lana. Ela afirma que, a partir da administrao do marqus de Pombal as
cidades passaram a levar consigo as caractersticas de funcionalidade e influncia da
disciplina militar, atravs da organizao e racionalizao da produo, impostas pela
conjuntura perversa da qual Portugal foi vtima em 1755. 7
Faz parte de nossa investigao analisar um ncleo urbano do sculo XVIII a partir de
seu plano urbanstico e de suas funes definidas. Ver tambm como este ncleo ir
proporcionar a criao de novos papeis para seus habitantes, uma vez que, em um centro
urbano que vo se estabelecer as possveis relaes de trocas de experincias culturais, tanto
pelo lado colonizador como pelo lado colonizado. No faz parte deste trabalho se aprofundar
em teses que discutem a validade ou no de conceitos como cultura e aculturao. Porm,
necessrio se faz abraar um principio para seguir em frente na pesquisa. Assim, concordamos
com o entendimento de Geertz sobre cultura, uma definio simples e abrangente, que a v
como uma teia de signos intercambiveis e decifrveis pelo homem. Entretanto, questes
levantadas por Gerald Sider8 sobre cultura, iluminam ainda mais as perspectivas de traduo
do encontro entre brancos e ndios, revelando a existncia de um processo de integrao, o
que permite pensar que a perda de traos culturais no se resume apenas aos grupos
minoritrios ou conquistados, nem implica em perda de identidade tnica.
Determinadas preocupaes acerca da existncia de uma provvel relao entre
urbanismo e civilizao, nos motivaram a prosseguir na busca por respostas aos seguintes
questionamentos: a urbanizao facilitou a implementao do projeto poltico pensado pela
Metrpole para o Norte da Amrica portuguesa? De que forma as populaes indgenas
recepcionaram a chegada dessa modernidade e de que maneira foram se integrando a esse 6 Brescianni, Maria Stella. Op cit pg 242
7 Lanna, Ana Lcia Duarte. Uma cidade na transio: Santos 1870 1913, Santos, 1998.
8 Para Sider, esta teia de significados criada pelo homem, comporta dois tipos de criaturas com diferentes
destinos, a aranha e sua presa, os dois lutando e partilhando significados, no por que querem, mas sim, porque
habitam a mesma teia. Apud, Carvalho Jnior, Almir Diniz de. ndios Cristos: a converso dos gentios na
Amaznia portuguesa (1653-1769). Tese de Doutorado. Campinas. So Paulo. 2005, pg 06.
4
plano? Quais estratgias foram utilizadas por colonos e ndios para conviverem dentro de um
espao limitado e artificial? Na perspectiva de encontrar respostas, elegemos um espao
geogrfico para servir como palco desse encontro. Assim, escolhemos a Vila de Barcelos, no
rio Negro, como objeto de estudo com a finalidade de esclarecer a hiptese de que ela
funcionou como um espao de redimensionamento do papel dos povos indgenas no projeto
de colonizao portuguesa para a Amaznia.
Este trabalho, por se tratar de um processo, no marca limite temporal para seu fim,
porm, delimita como ponto de partida o ano de 1750 com a ascenso de D. Jos I ao trono
portugus. Perodo marcado pelo incio da aplicao de uma poltica mais agressiva voltada
para a Amrica portuguesa com vistas a garantir sua anexao ao Estado portugus. Como
limite poltico, procuramos enfatizar o governo de Francisco Xavier de Mendona Furtado no
Estado do Gro Par (1751 1759), pela implementao das reformas pombalinas na
Amaznia. Desta forma, a vila de Barcelos serviu para visualizar esse fenmeno de uma
forma mais concisa, pelo fato de que, durante esse perodo Barcelos funcionou como centro
administrativo (sede do governo da Capitania do Rio Negro), local da reunio das Comisses
Demarcatrias de Limites, base distribuidora de mo-de-obra, alm de tornar-se um centro de
irradiao da poltica de colonizao para o vale amaznico.
As fontes a serem aqui utilizadas compreendem o espao temporal do sculo XVIII.
Utilizamos aquelas relativas ao processo de colonizao da Amaznia a partir da ascenso do
Marqus de Pombal ao governo (iremos trat-lo assim at o fim do trabalho) e a elaborao
das leis a serem aplicadas na Colnia. A partir de uma leitura crtica da bibliografia, tomamos
como base as fontes relacionadas ao universo pombalino indicadas por autores como Joo
Lcio de Azevedo, Kenneth Maxwell, Manuel Nunes Dias e outros que fizeram uma
descrio da trajetria poltica do Marqus. Em seguida, para entendermos a aplicabilidade e a
efetividade dessas leis na Amaznia, recorremos aos relatos de viajantes, como Alexandre
Rodrigues Ferreira, dirios de ouvidores, crnicas jesuticas, correspondncias entre
governadores de capitanias e a Metrpole e a legislao pertinente ao assunto, alm das
produes historiogrficas recentes.
Em relao Amaznia, dentre as produes contemporneas destacamos o trabalho
de Renata Malcher de Arajo9, que faz uma analogia entre os ncleos urbanos de Belm,
Macap e Mazago no sculo XVIII, enquadrando-as no modelo pombalino de criao de
9 Arajo, Renata Malcher de. As cidades da Amaznia no sculo XVIII: Belm Macap e Mazago, srie I.
Ensaios dissertao de mestrado, FCSH. UNL. 1992
5
cidades. Encontramos tambm, o no menos interessante trabalho de Jussara Derenji da
Silveira10
, que faz uma abordagem diferente de Renata Malcher sobre o papel no s dos
ncleos citados, mas tambm de outros criados no mesmo perodo, como Santarm, bidos,
Barcelos e Borba, formando uma rede de defesa externa e interna da Amaznia. O trabalho de
Arthur Vianna11
sobre as fortificaes da Amaznia e suas funes, fornece uma grande
contribuio para entender as estratgias de defesa dos portugueses. A utilizao da
historiografia citada justifica-se pela importncia em se conhecer as idias que nortearam a
produo de uma poltica colonizadora para a Amaznia, tornando-a assim, diferente do
restante da Colnia.
Para o caso das relaes entre brancos e ndios nas aldeias e vilas, j possvel se
identificar alguns trabalhos importantes. Dentre esses, destacamos o de Izabelle Braz
Peixoto12
que trata da transformao dos aldeamentos jesuticos em Vilas, na Capitania do
Cear Grande no perodo considerado pombalino, e a insero dos ndios no mundo colonial.
Outro trabalho o de Cristianne Finizola Sarmento13
que apresenta a criao e a evoluo
urbana das vilas de Pombal e Souza na Paraba colonial (1697-1800). Destacamos tambm a
vigorosa produo de Ftima Martins Lopes14
que faz um estudo sobre a populao indgena
inserida nas vilas pombalinas durante a vigncia do Diretrio de 1757, observando o efeito da
criao desse espao urbano nessas populaes e em que medida os objetivos contidos no
Diretrio relacionados a: proteo aos ndios e garantia de propriedade e liberdade, se
fizeram efetivar.
10
Derenji, Jussara da Silveira. As cidades da Rede de Defesa interna da Amaznia. bidos, Santarm e Manaus.
In Actas do colquio internacional universo urbanstico portugus 1415 1822. CNCDP. Coord. Renata Arajo, Hlder Carita e Walter Rossa. Lisboa 2001.
11 Vianna, Arthur. As fortificaes da Amaznia I As fortificaes do Par. In Annaes da Bibliotecha e
Archivo Pblico do Par. Tomo quarto. 1905. Pg. 229-232
12
Silva, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de ndios no Cear Grande: dinmicas locais sob o Diretrio Pombalino, Campinas, So Paulo: Pontes Editores, 2005.
13
Sarmento, Cristiane Finizola. Povoaes, freguesias e vilas na Paraba colonial. Pombal e Souza 1697-1800. Tese de Doutorado. UFRN. 2007.
14 Lopes, Ftima Martins. Em nome da Liberdade. As vilas de ndios do Rio Grande do Norte sob o Diretrio Pombalino no sculo XVIII. Tese de Doutorado. Recife, 2005.
6
Mauro Cezar Coelho15
tambm nos fornece um trabalho significativo sobre as
relaes e os conflitos sociais que ocorreram na Amaznia colonial entre os representantes
metropolitanos, colonos e populaes indgenas, a partir da instalao do Diretrio dos ndios
de 1757. Outra referncia importante o trabalho de Almir Diniz de Carvalho Junior16
, que
apresenta um combate entre religiosos e ndios pela converso dos segundos e suas
respectivas estratgias de convivncia com um universo cosmolgico diferente. Outra
produo a de Patrcia Melo Sampaio17
que apresenta um trabalho de flego acerca da
aplicabilidade da legislao, (Diretrio de 1757), as negociaes e os conflitos existente no
Estado do Gro-Par entre 1755 e 1823.
Tais contribuies foram de significativa importncia para se pensar a respeito do
processo complexo que foi a materializao do contato entre os povos indgenas da Amaznia
e os colonizadores portugueses, que estabeleceram diferentes formas de relaes culturais.
Isto nos revela que as formas distintas de conquista do homem nativo pelos europeus,
provavelmente tiveram sua origem em um processo tambm diferenciado de adaptaes ao
meio ambiente ao qual estas populaes se submeteram. reas de floresta tropical ou vastas
paisagens de plancies com vegetao rasteira, provavelmente deram origem a sociedades
com caractersticas sociais prprias.
Com esta dissertao, buscamos compreender no contexto das Demarcaes de
Limites, a importncia dos ncleos urbanos implantados nas colnias do Norte da Amrica
portuguesa, no perodo de 1750 a 1757, como instrumentos de converso dos ndios a um
diferente modelo social, bem como, suas motivaes e suas estratgias de adaptao a um
processo surgido a partir da criao de novos espaos de convivncia para brancos e ndios.
Como desdobramento, objetivamos perceber de que forma os diversos grupos indgenas se
incorporaram a este projeto e as conseqncias geradas, pelas tenses provocadas pelo
encontro de duas culturas diferentes. Neste sentido, o trabalho est constitudo de trs
captulos assim distribudos.
15
Coelho, Mauro Cezar. Do serto para o mar: um estudo sobre a experincia portuguesa na Amrica, a partir da colnia: o caso do diretrio dos ndios 1750 1798. Fac. Fil. Letras e Cincias Humanas. USP. Tese de doutorado. 2005. 16
Carvalho Jnior, Almir Diniz de. ndios Cristos: a converso dos gentios na Amaznia portuguesa (1653-1769). Tese de Doutorado. Campinas. So Paulo. 2005. 17
Sampaio, Patrcia Maria Melo. Espelhos partidos: etnia, legislao e desigualdade na colnia serto do Gro Par c. 1755-c. 1823.
7
No primeiro capitulo, descrevemos de que maneira os viajantes descreviam a
Amaznia portuguesa para a autoridade Real, como caracterizavam a populao indgena e
catalogavam o potencial econmico da regio. Em um segundo momento, mostramos a
importncia do Tratado de Madri como um diploma legal que oficializou Portugal a posse
territorial. Paralelamente, analisamos as estratgias de controle e defesa da regio, atravs da
instalao das fortificaes e, fundamentalmente, as alianas com as populaes indgenas
atravs da catequese, bem como, os recrutamentos ao trabalho forado e as tentativas de
subjugao desses povos como forma de garantir o controle efetivo da regio. Assim, nesta
conjuntura inicial de representao e controle, discutiremos as bases do processo de
integrao dos ndios sociedade colonial.
No segundo captulo, apresentamos a experincia portuguesa de urbanizao nas suas
Colnias da frica e sia e seu ingresso na Amrica portuguesa, a partir de 1750, no governo
de D. Jos I, em Portugal. Em conseqncia, a introduo de uma agressiva poltica
reformadora nos trpicos que tinha como objetivo principal inserir os povos indgenas no
projeto colonial. Alm disso, analisamos ainda a aplicabilidade do pensamento urbanstico
pombalino, concentrado no binmio cidade/civilizao, baseado nos dois eixos norteadores da
poltica metropolitana: proteo e produo, atravs da construo de um sistema fortificado
de defesa interna e a intensificao do controle da populao indgena aldeada, por meio da
criao das vilas e cidades pombalinas na Amaznia portuguesa.
No terceiro e ltimo captulo, recuperamos a trajetria da Vila de Barcelos a partir da
instalao da Aldeia de Mariu pelos padres Carmelitas, suas estratgias de catequizao e
conseqente recrutamento dos ndios s misses religiosas. Observamos tambm, as
intervenes urbansticas, sobrepostas a antiga aldeia, feitas pelo governador Mendona
Furtado, redimensionando seu espao e mostrando que, a construo de uma vila urbanizada,
proporcionou um conflito entre espao urbano e espao cultural, provocando significativas
mudanas culturais, tanto para os colonos quanto para os ndios, efetivando certas prticas no
meio social da vila criando novos comportamentos.
8
CAPTULO I: A constituio da Amaznia portuguesa
1 A Amaznia no mundo portugus
O interesse pela Amaznia seja pelo aspecto mitolgico, seja pelas suas considerveis
riquezas naturais, nunca deixou de povoar os sonhos dos viajantes, que se intensificaram a
partir das modificaes ocorridas no contexto econmico europeu, que acelerou a busca por
riquezas em outros mares. No caso amaznico, as viagens de Orellana, entre 1541-42, rsua e
Aguirre, entre 1560-61, foram expedies de reconhecimento que revelaram as primeiras
imagens da regio, buscando a principio identificar suas riquezas. Entretanto, nos sculos
subseqentes, embora com a presena do imaginrio bastante ativo, os viajantes procuraram
registrar a natureza e o homem de uma forma cientfica18
. Assim, em se tratando de
Amaznia, torna-se imperativo esboar um processo que teve origem no Quinhentos, e se
estendeu at o sculo XVIII, delineando o terreno para o desenvolvimento de uma relao
dinmica que envolveu a regio, colonizadores e os povos indgenas que nela habitavam.
Com a intensificao das viagens de explorao durante os sculos XVII e XVIII, os
exploradores foram modificando seu olhar para aquele diferente mundo, demonstrando
interesse no s pela possibilidade de descobrir riquezas, mas tambm para a descrio do
relevo e das paisagens e para as primeiras comunicaes com os distintos povos, os quais
influenciaram fortemente a viso e forma de raciocinar daqueles homens. fato que no se
pode deixar de contextualizar a influncia que o meio natural exerceu para a confeco dessas
narrativas. O desejo de conhecer o mundo, o trabalho de catalogao das novas espcies
trazidas pelos viajantes naturalistas, impulsionou o desenvolvimento da Historia Natural.
Diante disto, e atravs das palavras de Mary Louise Pratt, possvel observar a influncia da
natureza no olhar dos viajantes:
18
Para efeito de ilustrao note-se a viagem do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, uma expedio
cientfica realizada entre 1783 e 1792, abrangendo as capitanias do Par, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiab. O
naturalista efetuou estudos sistemticos sobre a regio incluindo a o viver dos numerosos povos indgenas que
habitavam a regio. Ver tambm Mary Louise Pratt. Os olhos do Imprio relatos de viagem e transculturao.
9
A histria natural mapeia no a estreita faixa de uma determinada rota, no as linhas onde terra e gua se encontram, mas os contedos internos daquelas massas de terra e gua cuja
extenso constitui a superfcie do planeta. Estes vastos contedos seriam conhecidos no por meio de
linhas finas sobre um papel em branco, mas por representaes verbais que por sua vez so
condensadas em nomenclaturas ou por meio de grades rotuladas nas quais as entidades so
inseridas19
Diante daquele mundo extico onde tudo ou quase tudo era estranho, para descrev-lo
s seria possvel atravs da criao de uma nova imagem que tornasse possvel seu
entendimento. Ao lembrar as palavras de Jacques Le Goff em que as pessoas da Idade Mdia
no sabiam olhar, mas estavam sempre prontas a escutar e a acreditar em tudo o que se lhes
dizia20
, possvel notar esta realidade atravs da cartografia que um tpico exemplo da
representao que os observadores registravam. Nela possvel decifrar uma estria atravs
do ponto de vista de quem a projetou. A imagem um meio de comunicao mais palpvel
que o texto escrito e mais, ela, a imagem, instantnea facilitando o conhecimento do
invisvel, tornando familiar o extico. Porm, para melhor compreenso e posteriormente
leitura dos registros iconogrficos feitos por esses homens, preciso compreender o contexto
em que estavam inseridos e, portanto, reproduzindo as palavras de Almir Diniz de Carvalho
Jr.
...estas imagens devem sempre ser vistas como documentos histricos, como cones que correspondem a um conjunto de signos que traduzem mensagens. Mensagens essas que so
conscientemente ou inconscientemente construdas pelos seus produtores21.
A necessidade de criar uma representao das terras conquistadas a ser repassada
Metrpole objetivava fortalecer e firmar o controle territorial portugus frente aos
estrangeiros. No caso da Amaznia portuguesa, as Comisses Demarcadoras de Limites22
19
Pratt, Mary Louise. Os olhos do Imprio relatos de viagem e transculturao. 2. ed. Bauru- S.P.: Editora da Universidade do Sagrado Corao, 1999. Pg.64.
20 Le Goff, Jacques. O ocidente medieval e o oceano ndico. Um horizonte Onrico. In Para um novo conceito
de Idade Mdia, Lisboa. Editorial Estampa. 1980. pg. 266.
21 Sobre a questo da anlise do contedo das imagens, principalmente para o perodo citado ver. Carvalho
Junior, Almir Diniz de. Do ndio imaginado ao ndio inexistente: a construo da imagem do ndio na viagem
filosfica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Dissertao de Mestrado. Campinas, S.P. 2000.
22 Foram comisses criadas como resultado do Tratado de Madri, assinado em 1750, que dividia as terras
brasileiras entre portugueses e espanhis. Estas comisses eram constitudas por representantes da Coroa
portuguesa e espanhola. Suas funes eram a de marcar os pontos extremos das fronteiras que separavam as
respectivas possesses, substituindo a linha imaginria criada pelo Tratado de Tordesilhas.
10
tiveram um papel fundamental na produo dessas imagens, pois com elas, vinham
especialistas como engenheiros, astrnomos, cartgrafos e naturalistas, entre outros. Suas
funes, alm de identificar o potencial econmico, era tambm a de reconhecer e descrever
uma imagem que fosse inteligvel Metrpole. Essa representao produzida deveria refletir
duas coisas: a imaginao do europeu e a realidade vivida. Por conseguinte, uma realidade
adaptada a imaginao era levada ao conhecimento da Corte. Ou seja, uma imagem
deformada, ou ainda, como nas palavras de Jussara Derenji da Silveira, trata-se de uma
imagem deformada de uma realidade criada e adaptada para refletir a imagem esperada23
.
De acordo com as palavras de Mauro Cezar Coelho, durante os sculos XVII e XVIII,
os relatos dos viajantes enfatizaram menos o lado mtico e se fixaram numa viso mais
utilitria acerca daqueles novos espaos fsicos e sociais. Esta viso utilitarista fomentou as
pesquisas cientificas, pois, as novas terras precisavam ter suas riquezas inventariadas. Por
outro lado, o conhecimento profundo dessas possesses forneceria uma demonstrao de
poder a Portugal e um caminho seguro para a explorao de riquezas. Desde ento, o
conhecimento sobre a Amaznia se ampliou, revelando um potencial que possibilitou aos
europeus, particularmente portugueses, iniciarem sua experincia colonial na regio, menos
como aventura e mais como conquista e ocupao ordenada24
. Entretanto, bom lembrar que,
tais experincias conviveram com sangrentas disputas entre conquistadores e povos nativos da
regio. com estes ltimos, cuja importncia histrica os coloca no epicentro de toda a
dramatizao da conquista, que vai ser montado o cenrio no qual ser representada a
trajetria colonizadora portuguesa.
Pelo interesse em prestar uma informao mais objetiva de como foi esta conflituosa
convivncia, no enveredamos junto com os viajantes na forma como foram produzidas as
imagens tanto da fauna como da flora, alm dos habitantes do novo mundo. Deixando este
trabalho para os leitores e pesquisadores da Amaznia que constantemente esto debruados
sobre esta temtica. Assim, preferimos enfatizar o processo de integrao ocorrido entre
colonos e ndios durante a colonizao da Amaznia portuguesa. Tal integrao, motivada por
diversos fatores, especialmente o econmico, permitiu o estabelecimento administrativo dos
portugueses nas suas colnias do Norte. Como desdobramento, procuramos ainda, enfocar a
23
Derenji, Jussara da Silveira, As cidades da rede de defesa interna da Amaznia. bidos, Santarm e Manaus.
In Actas do Colquio Internacional Universo Urbanstico Portugus 1415-1822 Coord. Renata Arajo, Hlder
Carita e Walter Rossa. C. N.P.C.D.P. 2001.
24 Coelho, Mauro Cezar. Dirios sobre o Cabo Norte: interesse de Estado e relatos de viajantes. In Queiroz, Jonas
Maral de e Coelho, Mauro Cezar: Amaznia: Modernizao e conflito. Sculos XVII e XIX. Belm:
UFPA/NAEA; Macap: UNIFAP. 2001. pg 23.
11
criao dos espaos urbanizados nas reas conquistadas pela Metrpole, como parte de um
plano de integrao e ocupao e que para sua consecuo tornava-se necessrio inserir as
comunidades indgenas no ento mundo civilizado.
Podemos considerar o sculo XVIII, como um perodo em que ocorreram
significativas mudanas, geradas por todo um clima cultural e ideolgico que envolveu a
Europa, somado ao interesse dos Reinos europeus em explorar novas terras, que mobilizou
alm de cientistas e filsofos, os meios polticos. Os modelos sociais e econmicos de outros
Estados serviam de inspirao s mudanas em Portugal e um dos principais fatores
responsveis para esta revoluo, foi o crescimento comercial europeu, que estava
diretamente ligado a um momento de transio econmica entre o capital comercial e o
industrial. Tal fenmeno atingiu todos os campos da atividade humana, criando novos
modelos, inclusive de homem - o homem iluminado do sculo XVIII - e ainda por uma srie
de acontecimentos no menos relevantes que influenciaram de uma forma determinante o
processo de formao da Amrica portuguesa25
.
Recuperar os momentos iniciais de uma interveno mais intensa de Portugal sobre
sua Colnia na Amrica portuguesa uma forma de iluminar os caminhos pelos quais iremos
penetrar nesta complexa rede de relaes entre culturas diferentes, criada pelos colonizadores
portugueses para tornar o sonho da conquista e da colonizao realizvel. O resultado deste
elenco de aes impetradas pela Coroa fez surgir uma nova Amaznia um novo Eldorado
no cenrio histrico da Amrica portuguesa, se considerarmos como marco inicial dessa
trajetria a ascenso de D. Jos I ao trono portugus em setembro de 1750, substituindo a D.
Joo V e recebido como herana o ltimo ato de relevncia para o Brasil: o Tratado de Madri,
assinado em 175026
.
Na seqncia de sua entronizao, D. Jos I nomeou Sebastio Jos de Carvalho e
Melo (futuro Marqus de Pombal) Secretrio dos Negcios Estrangeiros e da Guerra, ficando
como responsvel pela implementao do citado tratado aprovado no governo anterior. Neste
25
As guerras: Mascates (1710 - 1711) em Pernambuco, Emboabas (1707 1709) nos sertes mineiros. Tratado de Utrecht (1713 1715), descoberta dos campos aurferos de Cuiab, Gois e Mato Grosso, execuo do Tratado de limites no Brasil, declarao de liberdade dos ndios da Amrica, estabelecimento da Companhia de
Comrcio do Gro-Par. As construes das fortalezas de Gurup, Macap, So Jos do Rio Negro, So
Joaquim, So Gabriel, So Jos das Marabitanas, Tabatinga, Bragana e Prncipe da Beira, que delinearam o
mapa de defesa das terras conquistadas. In Nizza da Silva, Beatriz. (Coord). Dicionrio da Histria da
Colonizao Portuguesa no Brasil, C.N.P.C.D.P. ed. verbo 1994.
26 Sobre o Tratado de Madri, ver Reis, Arthur Czar Ferreira. Histria do Amazonas. 2 ed. B.H. Itatiaia
[Manaus]: Superintendncia Cultural do Amazonas, 1989, (coleo Reconquista do Brasil 2 srie v.145). Cortezo, Jaime Zuzarte. O Tratado de Madri. Braslia: Senado federal. 2001
12
perodo, a parte norte da Amrica portuguesa j mostrava a sua importncia como rea
estratgica e possuidora de riquezas naturais, sendo sua conquista motivada tambm pela
preocupao com sua defesa. Proteo e produo nortearam a ocupao do vale amaznico
pelos portugueses, elementos fundantes para a criao do urbanismo colonial portugus,
iniciado com a criao de uma rede de fortificaes para proteger a regio das investidas
estrangeiras e auxiliados pela utilizao dos rios como vias de comunicao interna. Essas
intervenes permitiram um controle maior sobre a navegao entre as localidades com o
objetivo de evitar o contrabando.
Durante a Unio Ibrica (1580 1640) incorporao da Coroa portuguesa pela
espanhola , os portugueses no se preocupavam em avanar para alm dos limites territoriais
estabelecidos para as possesses americanas das duas metrpoles, visto que a Espanha
respeitava o direito de administrao das terras conquistadas e as que viessem a ser pelos
portugueses. Para tanto, o Conselho das ndias27
, em 1615, deliberou o imediato avano sobre
a regio norte da Colnia, feito praticado pelo capito Francisco Caldeira de Castelo Branco
que levou a incumbncia da construo de um estabelecimento fortificado, materializado em
1616, com a fundao do Forte do Prespio princpio da cidade de Belm comeando o
povoamento portugus do lugar e construindo condies de permanncia conquista que se
iniciava como descreve Leandro Tocantins:
...era uma posio flexvel e estratgica para as armas portuguesas expulsarem britnicos e holandeses estabelecidos no esturio do Amazonas, o domnio da foz resultaria
(como resultou) na formao do Imprium luso ao longo do curso do grande rio e seus
afluentes. Era a espinha dorsal da penetrao lusitana. 28
A marcha em direo Amaznia, neste perodo, representou para os portugueses a
possibilidade concreta da transgresso dos limites acordados com a Espanha, que ampliou as
fronteiras da Colnia, permitindo o domnio efetivo sobre a regio. Pela sua posio
27
O Conselho Ultramarino veio substituir o antigo Conselho das ndias criado por Felipe II durante a unio das
duas coroas ibricas que funcionava como rgo responsvel pelos negcios ultramarinos da Coroa. Com a
Restaurao, foi renomeado como Conselho Ultramarino por D. Joo IV (1643), levado pela crescente
importncia assumida pelo Brasil em relao a ndia. Ao Conselho competia decidir sobre todas as matrias e
negcios respeitantes de todas as partes ultramarinas e lugares da frica, antes de chegarem a presena do Rei.
Com a transferncia da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, as atribuies deste Conselho foram transferidas
para o Tribunal do Desembargo do Pao, instalado no Brasil em 1808. In Nizza da Silva. Maria Beatriz.
(Coord.) Op cit. Pg 204.
28 Tocantins, Leandro, prefcio in. Matos, Meira. Uma geo - poltica pan-amaznica. R.J. Jos Olympio. 1980.
13
estratgica e ao mesmo tempo frgil - proximidade das fronteiras -, suas riquezas naturais e o
tamanho do territrio, a regio passou a ser administrada diretamente pela Metrpole, sem a
interferncia do Governo Geral do Brasil. Uma prova indiscutvel desta disposio foi a
criao do Estado do Maranho, em 1621, que permaneceu independente do Estado do Brasil
at 1652, quando foi incorporado. Porm, dois anos depois, a autonomia foi restabelecida
atravs da criao do Estado do Gro-Par e Maranho, que serviu para assegurar o controle
da regio, juntamente com a criao, pelos portugueses, de duas capitanias hereditrias em
terreno indiscutivelmente espanhol pelo esprito e pela letra de Tordesilhas: a de Camet, na
margem direita do Amazonas, e a do Cabo Norte, na margem esquerda.
Note-se que, at ento, os conflitos ainda no tinham assumido as dimenses que
estariam por vir, a partir do momento que os exploradores se defrontassem com os ndios
Tupinambs que habitavam a regio da Amaznia portuguesa durante os sculos XVII e
XVIII. O contato com os Tupinambs facilitou em grande parte o progresso da colonizao,
pelo fato de que os mesmos eram a maioria em toda a costa, do nordeste ao norte da Colnia e
a sua lngua, tupi, tornara-se familiar aos colonos. Entretanto, esses mesmos colonos
precisavam dos ndios tanto pelo conhecimento que tinham da regio a ser explorada, como
pela possibilidade de ter mo-de-obra disponvel para a coleta e transporte de produtos. Neste
caso, a utilizao dos Tupinambs para este servio foi inevitvel e trouxe como conseqncia
os primeiros conflitos contra os portugueses29
.
Embora o choque com os Tupinambs fosse um elemento complicador s intenes
lusitanas, o fator determinante seria o enfrentamento com os estrangeiros, como assevera
Arthur Cezar Ferreira Reis: de sua retirada que realmente poderia resultar a conquista
menos perigosa e o conseqente estabelecimento do domnio poltico na Amaznia30.
Observa-se ainda que, para o sucesso da empreitada portuguesa, o papel desempenhado pelas
ordens religiosas em particular a dos jesutas, facilitou a obra de expanso e domnio
montando aldeias, demarcando territrios e utilizando os povos indgenas na tarefa de defesa
da regio. certo que no foi de forma totalmente pacfica a insero dos ndios nos planos
29
De acordo com Almir Diniz, existe uma utilizao indevida do termo tupi para designar apenas a lngua tupinamb, pois, o tupi corresponde a um tronco lingstico que engloba cerca de 41 lnguas que foram se
expandindo durante milnios por todo o leste da Amrica do sul. Deste tronco, destacam-se as lnguas guarani e
tupinamb, quando da chegada dos europeus na Amrica. Alm disso, Diniz levanta uma discusso pertinente
sobre a origem e a dinmica de expanso da etnia tupinamb no atual Estado brasileiro. In. Almir Diniz de
Carvalho Jnior. ndios Cristos: a converso dos gentios na Amaznia portuguesa (1653-1769). Tese de
Doutorado. Campinas. So Paulo. 2005. pg. 124. 30
Reis, Arthur Czar Ferreira. Limites e demarcaes na Amaznia brasileira, 2 ed. Belm, SECULT. 1993. Vol
2 (coleo Lendo o Par) pg 43.
14
lusitanos; houve vrios conflitos entre missionrios e ndios, missionrios e colonos e entre os
prprios missionrios, na disputa pelo controle e distribuio da fora de trabalho indgena,
que j se apresentava como o elemento principal no processo de acumulao de riqueza.
Em 1686, foi decretado o Regimento das Misses, que passou a conduzir a ao
missionria, o qual entregava aos mesmos no s o governo espiritual, mas tambm o
temporal, dos ndios e muito mais, abolia o privilgio da Companhia de Jesus, garantido pelo
Regimento de 1680, que exclua as outras ordens religiosas das misses e entradas no serto.
Esse momento (1680-1757) foi caracterizado como o perodo empresarial da misso
jesutica, segundo a classificao atribuda por Carlos de Arajo Moreira Neto, pois
significava a passagem dos jesutas de uma posio de defesa das liberdades indgenas
insero em uma poltica concessiva aos interesses coloniais, favorvel aos cativeiros31
. Essa
abertura econmica para as empresas missionrias atuarem, ampliou o espao de explorao,
criando uma nova fronteira, distante da fixada em Tordesilhas. Como grande parte da
Amaznia era uma rea estratgica e de amplo interesse portugus, isto tranformou-a em uma
barreira fsica e poltica, pela metrpole portuguesa.
O avano portugus para o norte e sul da Amrica portuguesa, ocupando reas que
Espanha e Frana reivindicavam para si, foi determinante para o incio dos entendimentos
formais sobre a fixao de limites entre os domnios coloniais dos Estados interessados.
Assim, em Utrecht foram celebrados, em 1713 e 1715, dois acordos: o primeiro entre Portugal
e Frana pelo qual esta desistia de suas pretenses, do Cabo Norte at o Amazonas e se
fixando na fronteira do Oiapoc. O segundo entre Portugal e Espanha, pelo qual foi dado a
Portugal o direito da posse sobre a Colnia do Sacramento na regio sul. Sobre este tratado,
convm fazer duas observaes importantes. A primeira que o reconhecimento e a
legitimao da expanso lusitana tornaram sem efeito, na prtica, o estipulado em
Tordesilhas. A segunda que em Utrecht nada fora apontado acerca da fronteira oeste para
onde convergiam ininterruptamente sertanistas de todos os recantos da colnia lusitana.
A ocupao deliberada das reas do norte da Colnia tornou-se um dos primeiros
problemas a serem resolvidos pelo governo de D. Jos I, que consistia em estabelecer relaes
diplomticas com a Espanha a fim de evitar possveis confrontos blicos. Era necessrio
delimitar as possesses sul-americanas em substituio ao traado imaginrio acordado
anteriormente entre as duas Coroas, como observa Heloisa Liberalli Bellotto:
31
Moreira Neto, Carlos de Arajo. ndios da Amaznia: da maioria a minoria 1750 -1850. Petrpolis. Vozes.
1988.
15
O problema geopoltico crucial na segunda metade do sculo XVIII no fosse a poca justamente aquela em que ambas as colonizaes chegaram ao limite mximo das suas
dilataes, fazendo-se necessrio a definio de soberanias32.
A reviso do Tratado de Tordesilhas tornara-se inevitvel, principalmente quando os
portugueses avanaram sobre a Colnia do Sacramento, em 1680, colocando em xeque o
domnio espanhol na rea, dando inicio a uma discrdia entre os Estados ibricos que se
estendeu at 1750, e que propiciou as discusses para a confeco de um novo Tratado.
2 O Tratado de Madri: a oficializao da posse territorial
Durante o perodo inicial da colonizao portuguesa na Amrica - sculo XVI a
ocupao deu-se em pontos isolados do litoral leste a fim de proceder ao reconhecimento e
registro das provveis riquezas existentes. No sculo XVII, a ocupao tornou-se mais intensa
atravs das aes das Bandeiras paulistas que rasgaram o Centro-Oeste da Colnia. Ao
mesmo tempo, a presena religiosa no rio Amazonas e seus afluentes serviu tambm para
atrair colonos aventureiros. Em finais do sculo XVII e primeira metade do XVIII, os
movimentos de povoao no interior da Colnia j haviam se multiplicado. Os centros
mineradores do Mato-Grosso e Cuiab intensificaram o avano ocupacional entre o norte e o
sudeste da Colnia. De acordo com Synsio Sampaio Ges, devido crescente circulao de
32
Bellotto, Helosa Liberalli. O Estado portugus no Brasil: sistema administrativo e fiscal. In Silva, Maria
Beatriz Nizza da. (coord.) O imprio luso-brasileiro 1750 1822. Lisboa. Editorial Estampa. 1986. pg 271.
16
diferentes grupos estrangeiros nas reas descobertas, a preocupao com a proteo dessas
reas pelos portugueses fortaleceu-se. 33
.
No objetivo deste trabalho se aprofundar nas questes que foram determinantes
para a materializao do Tratado de Madri, porm, para um melhor entendimento acerca dos
desdobramentos que ocorreram aps a sua consolidao conveniente fazer algumas
consideraes. Um detalhe importante que o acordo teria favorecido bastante as pretenses
portuguesas, o que no deixa de ser verdade, como lembra Synsio Ges, em Madri, houve
uma compensao pelo que ocorreu quando da partilha das terras do Oriente entre as mesmas
Cortes. L, a Espanha foi responsvel pela legalizao da posse de regies que pertenceriam a
Portugal como as ilhas Molucas e Filipinas. Para Sampaio, tratou-se de um acerto mundial de
contas e que estava assentado no prprio texto do aludido Tratado, atravs do qual, Portugal
alega a violao da linha de Tordesilhas na sia pela Espanha, enquanto a mesma declara que
Portugal a violou na Amrica34
.
Outra caracterstica do Tratado a de sua curta durao (1750-1761), para as
dimenses de um tipo de acordo que tem por objetivo fornecer solues permanentes para
questes deste tipo. Entretanto, foi atravs deste Tratado que ocorreu a fixao das fronteiras
territoriais do Estado do Brasil e que garantiu a legalizao da posse do Rio Grande do Sul,
Mato Grosso e Amaznia, regies que estavam a Oeste da linha de Tordesilhas. Porm, o
efeito mais significativo do Tratado foi o de garantir juridicamente essas reas aos
portugueses. Neste contexto, foi de fundamental importncia a participao de Alexandre de
Gusmo nas discusses sobre os pontos fundamentais do acordo formalizado entre as duas
Cortes. Gusmo defendia a tese de que para garantir a soberania de D. Joo V era preciso
defender a nova colnia americana e territrios circunvizinhos.
possvel que a grande dificuldade existente, quando ocorreram as discusses sobre
as possesses das duas Coroas ibricas, fosse a de defender perante aos espanhis, a
legitimidade do avano portugus em terras consideradas espanholas e, para isto, Portugal
contou com a inteligncia e habilidade de Alexandre de Gusmo na defesa do Tratado e no
sentido de garantir a Coroa portuguesa enormes vantagens, como as revela Jaime Corteso:
33
Ges, Synsio Sampaio. Alexandre de Gusmo e o Tratado de Madri. In Revista Oceanos n. 40 outubro-
dezembro 1999. pg. 45-66.
34 Ges, Synsio Sampaio, op cit,pg. 47.
17
1 O equilbrio das soberanias portuguesa e espanhola, pela partilha das bacias
do Amazonas e do Prata, atribuindo na sua maior parte a primeira a Portugal e a
segunda Espanha;
2 reservar soberania portuguesa o grande planalto central aurfero e
diamantfero, corao da ilha-continente, e as suas vias fluviais de acesso;
3 dar fundo competente ao Brasil austral para proteger a estrada mineira de
Camapuan e assegurar s regies das Minas os recursos pecurios do Rio Grande do
Sul;
4 arredondar e segurar o pas, ou seja, realizar a ilha-continente e dar-lhe
viabilidade orgnica;
5 finalmente, estabilisar a soberania dando-lhe uma nova sano jurdica a
do uti possidetis35.
Os benefcios que Portugal obteve com o Tratado foram to evidentes que Alexandre
de Gusmo, em seu relato, pede a Deus que os espanhis no percebam o quo favorecido
foi36
. Conforme Mauro Cezar Coelho, o Tratado de Madri imps uma nova agenda
administrao portuguesa em relao as suas colnias na Amrica, promovendo um conjunto
de transformaes que modificaram profundamente a sociedade colonial do vale amaznico: o
redimensionamento do poder dos missionrios, e a intensificao da explorao dos recursos
naturais com vistas a inserir, ainda mais, a regio no mercado internacional37
.
35
Jaime Corteso, segunda conferncia sobre Alexandre de Gusmo e o Tratado de 1750. Apud. Reis, Arthur
Cezar Ferreira, Limites e Demarcaes na Amaznia Brasileira. 2 ed. V. 2 Coleo Lendo o Par, SECULT.
1993. pg 60.
36 dem, Pg 129 e ss.
37 Coelho, Mauro Cezar. Do serto para o mar: um estudo sobre a experincia portuguesa na Amrica, a partir da
colnia: o caso do diretrio dos ndios 1750 1798. Fac. Fil. Letras e cincias humanas. USP. Tese de doutorado, pg. 95. 2005.
18
Extrado de Meira Matos. Uma geo - poltica pan amaznica. R.J. Jos Olympio. 1980.
O Tratado de Madri, um estatuto diplomtico que intermediou a disputa pela
repartio das possesses americanas entre Portugal e Espanha, deixou como legado um
espao fsico no qual se assentaria o Estado do Brasil. Este Tratado que compeliu as duas
Coroas a concentrarem sua ateno na defesa das fronteiras, veio retificar o que no mais era
possvel ser respeitado pelo Tratado de Tordesilhas. Foi uma conseqncia do contnuo
progresso realizado pelas expedies de expanso que garantiram Portugal grandes reas,
muito alm das definidas no acordo anterior, prolongando suas fronteiras sobre as ocupaes
19
espanholas. Tanto portugueses quanto espanhis reconheceram neste documento terem
violado a linha de Tordesilhas. Desta forma, Madri reconhece legitimamente o Estado do
Brasil como possesso portuguesa, conforme as palavras de Arthur Reis:
O Brasil reconhecido pela Espanha era o Brasil realizado geograficamente pelos bandeirantes paulistas, pelos sertanistas do norte, pelos religiosos a servio do Estado, pelos
contingentes militares que haviam ocupado as reas interiores distantes do litoral do primeiro
sculo do domnio38.
Uma conseqncia poltica importante deste acordo foi o de tornar visveis os
princpios bsicos que nortearam a ocupao da Amaznia, definindo os limites territoriais
das duas Coroas que recorreram ao princpio do uti possidetis, - garantia da posse atravs da
ocupao com um detalhe: os portugueses utilizaram o ndio como povoador, j que a
administrao colonial logo percebeu a dependncia que teria dos mesmos para a defesa do
territrio e, concomitantemente, tornar a apropriao legtima sobre a rea em litgio. Como
resultado, a Metrpole teve que reorientar sua poltica para com as colnias do Norte, lugar
em que os ganhos portugueses foram maiores que no Sul, da a importncia de promover o
desenvolvimento econmico e social da Amaznia que foi iniciado com a criao da
Companhia Geral do Gro-Par e Maranho (1755-1778) 39
.
Embora o norte da Amrica portuguesa j fizesse parte do conhecimento lusitano,
desde o sculo XVII, o interesse pela regio vai se intensificar a partir de 1750. Cabe lembrar
que o contexto que propiciou o ingresso das colnias do Norte neste cenrio era desfavorvel
Portugal, pois, durante a primeira metade do sculo XVIII, o mesmo estava envolvido em
um clima de tenso juntamente com Frana e Inglaterra, por um lado, sendo esta ltima sua
aliada e por outro os franceses que tinham os espanhis como aliados na luta pela hegemonia
do comrcio no Atlntico. Eram questes que refletiam na Amrica portuguesa e que tiveram
como resultante a definio dos limites territoriais entre portugueses e espanhis. Todavia, um
dos primeiros problemas a serem resolvidos sob o governo de D. Jos I em relao ocupao
38
Reis, Arthur Cezar Ferreira. Histria do Amazonas. 2 ed. B.H. Itatiaia. Manaus S.C.A. SUFRAMA, 1982. pg.
38.
39 Companhia monopolista de comrcio, com o objetivo de estimular o desenvolvimento econmico no Norte da
colnia, atravs da introduo de produtos e escravos, e diversificar as exportaes do Maranho. Perdeu seu
privilgio de monoplio depois da queda do Marqus de Pombal. In. Silva, Maria Beatriz Nizza da. (Coord).
Dicionrio da Histria da Colonizao Portuguesa no Brasil, C.N.P.C.D.P. ed. verbo 1994.
20
das reas do norte da Colnia, seria a questo da manuteno do territrio atravs da
organizao de sua defesa.
Para viabilizar a proteo da regio, a aproximao com os grupos indgenas era de
fundamental importncia, pois, eles, os ndios, deveriam ser utilizados como elementos de
defesa e manuteno do territrio alm de substituir o escravo africano. At porque, os custos
para aquisio desses escravos eram bastante altos. Auxiliando os portugueses nas guerras
contra outros estrangeiros e na captura de ndios de tribos inimigas, tanto dos portugueses
quanto dos prprios ndios, esta dupla funo do ndio, aliado e escravo, gerou diferentes
atitudes por parte dos administradores metropolitanos. possvel observar essas diferenas
atravs das palavras de Mauro Cezar Coelho, dizendo que durante longo espao de tempo,
...assistiu-se a convivncia de duas posturas polticas em relao ao ndio. Uma que sustentava a represso ao ndio como garantia de mo de obra; e outra que defendia sua
preservao como necessria a defesa e ocupao do vale40.
Conduzidos pelos propsitos iniciais, de povoar e desenvolver a atividade econmica,
os portugueses viram-se diante de uma questo crucial: a necessidade de integrar colonos e
ndios. bem verdade que o Marqus de Pombal, ao por em prtica o povoamento, defrontou-
se com um problema de soluo conflituosa, qual seja, o controle da maior parte da populao
indgena aldeada pelos missionrios, condio esta incompatvel com os objetivos do plano.
Para sua concretizao seria de fundamental importncia que os Jesutas perdessem o governo
que exerciam sobre as populaes indgenas aldeadas41
. Para executar o plano de ocupao, o
Marqus de Pombal nomeou, em 1751, Francisco Xavier de Mendona Furtado, seu irmo,
para governador do recm criado Estado do Gro-Par e Maranho e transferindo a
administrao de So Luiz para Belm42
.
40
Coelho, Mauro Cezar, op cit. pg. 96
41 Existia uma contradio entre os interesses da Metrpole e os dos missionrios. Se por um lado, a necessidade
de fortalecer o poder real e a racionalizao da administrao colonial, a consolidao da soberania portuguesa
nas reas conquistadas alm de Tordesilhas e a aliana e controle da populao indgena significava ter o
controle do territrio. Por outro, com o aumento das atividades extrativas para o comrcio, cada vez mais os
missionrios aumentavam o controle sobre a populao indgena concentrando grande parte desse contingente na
lavoura extrativa, nas roas e na criao.
42 O Estado do Gro-Par e Maranho foi criado em 1751como desdobramento do Tratado de Madri, pois, pelo
tamanho da regio, era preciso ter uma administrao mais prxima das reas do norte amaznico, inclusive para
suprir o trabalho das Comisses Demarcatrias de Limites. Alm disso, a supremacia econmica com a extrao
de drogas do serto, pela colnia paraense e a nomeao de Mendona Furtado para o governo do Estado, foram
fundamentais para a transferncia do governo para a capital paraense. O Estado compreendia as capitanias do
21
Ao assumir o governo, Mendona Furtado, em sua primeira correspondncia com
Pombal datada de novembro de 1751, j observava a integrao entre brancos e ndios e, ao
mesmo tempo, alertava ao irmo da necessidade de tornar mais firme sua ao contra os
jesutas:
...tem o sistema presente produzido to contrrios efeitos, que com grande mgoa assento e provo que no s se no tem convertido o gentio da terra , mas que contrariamente,
muitos cristos tem no s tomado os costumes do gentio, mas ainda tem seguido os seus ritos,
sendo maior lstima que at tenham entrado neste nmero muitos eclesisticos. 43
.
Suas consideraes acerca das atividades irregulares dos jesutas no param por a.
Informa ainda que os mesmos apanhavam os ndios nas aldeias e lhes ensinavam uma gria
chamada lngua geral, que s era nas aldeias, servindo apenas para entendimento dos
grupos indgenas. Furtado compara essas aes com o que estava determinado pelo
Regimento das Misses, que dava poder absoluto aos jesutas sobre os ndios, se colocando
frontalmente contra a autoridade dos padres da Companhia44
. Para Mendona Furtado, os atos
praticados pelos religiosos, soldados e colonos contra os gentios, eram to nocivos que se
constituam na razo da runa do Estado, que se apresentava como um espao de muitos
recursos naturais e escassos recursos humanos45
. Assim, possvel detectar que as
experincias anteriores de Mendona Furtado com os Jesutas, resultaram em um sentimento
de hostilidade, aumentado quando participou nos trabalhos das Comisses Demarcadoras ao
norte da Colnia. Alm do que, a poltica Real, tinha por princpio racionalizar a
administrao colonial e as Misses seriam um obstculo a ser ultrapassado46
.
Maranho, Par e Cear e pela facilidade de comunicao era subordinado diretamente a Metrpole. In. Silva,
Maria Beatriz Nizza da. (Coord). Dicionrio da Histria da Colonizao Portuguesa no Brasil, C.N.P.C.D.P. ed.
verbo 1994.
43 Seguindo instrues rgias, Mendona Furtado faz um panorama da regio tratando dos limites e da extenso
do Estado do Gro-Par e Maranho; do Regimento das Misses; das comunidades religiosas ali existentes; e das
relaes entre missionrios da Companhia de Jesus com os ndios; com os colonos e com o prprio Estado. In.
Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, carta 1 pg 63. Correspondncia
indita do Governador e Capito General do Estado do Gro-Par e Maranho. Francisco Xavier de Mendona
Furtado, 1751-1759. Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro 1963.
44 Idem Pg. 63
45 Coelho, Mauro Cezar. op. cit. pg. 116.
46 Mendona Furtado conheceu as prticas jesuticas no perodo em que era oficial da Marinha, quando
ocorreram os conflitos entre portugueses e espanhis pela posse da Colnia do Sacramento em 1736. Neste
conflito, os jesutas espanhis tiveram uma participao direta influenciando os ndios guaranis na resistncia,
para no devolver as reas ocupadas naquela regio. A expanso econmica portuguesa atravs da criao de
gado intensificou a produo e comercio do couro, alem do aumento do contrabando. Por outro lado, o
22
As acusaes contra os missionrios enfatizavam que eles detinham o monoplio da
mo-de-obra aldeada e no necessitavam de licena para utilizar os ndios no servio de
coleta, condio exigida aos colonos, alm de serem isentos da pesada taxao qual estavam
obrigados os colonos47
. Em correspondncia ao irmo, Furtado denuncia a prtica corrosiva
dos missionrios para com o Estado e que no enxerga neles nenhum sinal de cristandade,
uma vez que, a religio tornara-se apenas um pretexto para usufrurem de seus benefcios:
...Os Capuchos que no nosso Portugal conservam aquelas aparncias de penitentes,
aqui mudam completamente: vejo-os com botas, espingardas e pistolas utilizam o pesqueiro
real para venderem peixe a preos exorbitantes durante a carncia. O das Mercs tem aougue
pblico, os do Carmo fazem comrcio com os Castelhanos... 48
Mendona Furtado conclui suas acusaes dizendo que, aps os missionrios terem
obtido poder absoluto, tudo se arruinou e se reduziu a nada porque o comrcio que se
restringira s Ordens Religiosas servia apenas para enriquecer aqueles homens.
O cumprimento das instrues recebidas49
daria subsdios para que Francisco Xavier
de Mendona Furtado chegasse a algumas concluses definitivas acerca da regio que ento
governava. Mendona Furtado colheu informaes de homens experientes e profundos
conhecedores do serto amaznico, que o levou a deduzir que os espanhis estavam
avanando em territrio pertencente a Portugal, pelo fato de ter se deparado com a fluncia da
lngua espanhola entre os ndios da regio das minas. E mais, observava que os ditos ndios
possuam muito mais liberdade que os nossos50. Dentre suas concluses, Mendona Furtado
sugeria Coroa o povoamento das reas do Mato Grosso, visando garantir a segurana das
minas, alm do que, obteve notcias de comrcio entre ndios e espanhis, e ao mesmo tempo
crescimento populacional naquela regio provocou a abertura de caminhos por onde comearam a passar
milhares de cabeas de gado, ampliando a expanso portuguesa causando a reao espanhola que levou a guerra
do prata (1735-1737). In Nizza da Silva, Beatriz. (Coord). Dicionrio da Histria da Colonizao Portuguesa no
Brasil, C.N.P.C.D.P. ed. verbo 1994.
47 Farage, Ndia. As muralhas dos sertes: os povos indgenas do Rio Branco e a colonizao. Dissertao de
Mestrado, Instituto de filosofia Cincias Humanas e Letras da Universidade Estadual de Campinas. Campinas.
1986.
48 Carta de Mendona Furtado para o Marqus de Pombal. In. Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na
Era Pombalina 1 Tomo. Correspondncia indita do Governador e Capito General do Estado do Gro-Par e
Maranho. Francisco Xavier de Mendona Furtado, 1751-1759. Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro 1963.
Pg. 144-145.
49 Instrues Rgias pblicas e secretas para Francisco Xavier de Mendona Furtado, capito general do Estado
do Gro-Par e Maranho. In. Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo. pg. 26
50 Reis, Arthur Cezar Ferreira, op. Cit. pg 160.
23
se prevenir de uma provvel invaso espanhola naquela rea51
. Como exemplo, sugere em
correspondncia ao Rei datada de 1751, a criao de povoaes no rio Tacutu52
.
Focado em seu projeto, Pombal nomeou seu irmo Francisco Xavier de Mendona
Furtado (Governador do Estado do Gro-Par) em 1753, primeiro comissrio para tratar
juntamente com o representante espanhol da questo demarcatria de limites. Ao mesmo
tempo, encarregado de destruir politicamente os missionrios, posto que, as misses no mais
se enquadravam no projeto de reformas, a despeito de terem sido os missionrios responsveis
pela ampliao das fronteiras lusitanas atravs da instalao de misses. Porm, essas misses
precisavam ser substitudas por ncleos de povoamento que protegessem a regio e
desenvolvessem a agricultura53
, alm de exercer uma ao sobre os ndios com a finalidade
de modificar valores e comportamentos, os quais foram introduzidos pela colonizao atravs
das aes missionrias.
Com a definio dos limites portugueses e espanhis assentados juridicamente no
Tratado de Madri, Mendona Furtado, o representante portugus para o servio de
demarcaes, seguiu disciplinadamente a poltica planejada pelo irmo deslocando-se ao rio
Negro, mais precisamente para a aldeia de Mariu54
. Ali, Francisco Xavier Furtado aplicaria a
segunda parte de seu plano, que era a de potencializar a explorao atravs do povoamento e a
urbanizao da Colnia, metas perseguidas durante o governo do Marqus de Pombal. A
substituio das aldeias por vilas, retirando delas a administrao dos jesutas, alm de
potencializar a autoridade da Coroa solucionaria o problema indgena, tanto no norte quanto
no sul da Amrica portuguesa. A criao de vilas teve tambm uma funo importante, fez
diminuir a fora dos donos de terras nos sertes e promoveu um maior controle poltico e
administrativo pelas autoridades portuguesas ali instaladas.
51
Reis, Arthur Cezar Ferreira, op. Cit. pg. 160 e ss.
52 Local em que foi construda a fortaleza de S. Joaquim com o objetivo de barrar a entrada de holandeses pelo
Orinoco, que vinham negociar com os ndios daquela regio e resgatar escravos. In Mendona, Marcos Carneiro
de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, 1963 pg. 114.
53 Almeida, Maria Regina Celestino de. Os vassalos Del Rey nos confins da Amaznia a colonizao da
Amaznia Ocidental 1750 1798 pg 63 85. In Anais da Biblioteca Nacional vol. 112, R. J. 1992.
54 A viagem de Mendona Furtado de Belm a Mariu em 1754, serviu para uma tomada de conscincia da
salvaguarda da terra e defesa do processo colonizador no Norte da Colnia, fazendo observaes importantes
sobre a ao dos religiosos, o estado ds fortificaes e a falta de povoamento na regio. A aldeia de Mariu
(futura Barcelos) seria o local onde se reuniria o comissariado portugus e espanhol, para as conferencias de
demarcao das fronteiras e para tanto era necessrio adequar o local para o evento. Mendona Furtado, nos dois
anos de estadia, promoveu grandes modificaes estruturais naquela aldeia, como veremos no captulo III.
24
Entre 1755 e 1759, Mendona Furtado implementou na Amaznia, na Capitania do
Par, cerca de 60 vilas e lugares; nmero considervel para um curto espao de tempo55
. A
transformao das aldeias em vilas e lugares como locais de residncias de ndios e colonos
provocou grandes modificaes na distribuio da populao. Colonos e ndios deveriam se
estabelecer no mesmo espao geogrfico, integrando-se no universo colonial. As vilas e
lugares seguiam aos propsitos de povoamento, de irradiao da cultura portuguesa e de
ordenao de ndios e colonos segundo os ditames metropolitanos56
. Uma conseqncia
importante, na viso de ngela Domingues, desta nova situao que esses ncleos urbanos
surgiam como locais adequados para destribalizar e aculturar ndios, to eficaz como a
miscigenao na adoo dos hbitos luso-brasileiros57. Esses novos ncleos urbanos
deveriam refletir o modelo de urbanizao do Reino, adaptado realidade amaznica,
tornando-se tambm uma forma eficiente da Coroa avaliar o nvel de seu controle nesses
centros urbanos.
55
Arajo, Renata Malcher de. As cidades da Amaznia no sculo XVIII: Belm Macap e Mazago, srie I.
ensaios dissertao de mestrado, FCSH. UNL. 1992. pg.17
56 Arajo, Renata Malcher de. A razo na selva: pombal e a reforma urbana da Amaznia. In Coelho, Mauro
Cezar. Do serto para o mar: um estudo sobre a experincia portuguesa na Amrica, a partir da colnia: o caso
do diretrio dos ndios 1750 1798. Fac. Fil. Letras e cincias humanas. USP. Tese de doutorado . 2005 pg. 198.
57 Domingues, ngela. Quando os ndios eram vassalos. Colonizao e relaes de poder no Norte do Brasil na
segunda metade do sculo XVIII. Lisboa. C.N.P.C.D.P. 2000. preciso frisar que as noes de destribalizao e
aculturao contidas nesta passagem da autora, so ferramentas que j no garantem segurana na compreenso
do universo histrico colonial. A ampliao do conceito de resistncia, celebrada pela historiografia recente,
garante-nos esta compreenso. Para aprofundamento nesta discusso, ver: Almeida, Maria Regina Celestino de.
Metamorfoses indgenas: Identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 2003.
Perrone-Moiss, Beatriz. ndios livres e ndios escravos: os princpios da legislao indigenista do perodo
colonial (sculos XVI a XVIII). In: Cunha, Manuela Carneiro da. Histria dos ndios no Brasil. S. Paulo:
Companhia das Letras. Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP. 1992. pg. 115-132. Sampaio, Patrcia Maria
Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislao e desigualdade na colnia. Sertes do Gro-Par. c. 1755 c. 1823. Tese de doutorado. Niteri: Universidade Federal Fluminense, 2001.
25
3 Estratgias de defesa:
3.1 As fortificaes
O problema da defesa dos domnios territoriais j era motivo de preocupao do
governo portugus antes do Gabinete Pombal por em prtica as aes de ocupao58
, levado
pelo fato de que a Colnia estava em expanso e valorizao, principalmente ao final do
sculo XVII com a descoberta das minas de ouro em Mato Grosso. A freqncia de
exploradores naquela regio aumentara, utilizando os caminhos abertos pelos bandeirantes
paulistas e pelas expedies militares. Nas palavras de Jussara Derenji da Silveira, a rota
Mato Grosso - Par assumiu extrema importncia para o transporte do ouro, porque percorria
um trajeto mais seguro atravs dos rios Guapor e Madeira at o seu destino, a metrpole
portuguesa. Esta rota exigiu a ampliao do espao ocupado e a criao de estabelecimentos
fortificados naquela regio, juntamente com a instalao de novos ncleos de povoamento,
iniciado pelas misses religiosas, para proteger a entrada do rio Madeira59
.
Os colonizadores portugueses buscaram utilizar todo o potencial da terra, inclusive
seus habitantes, a fim de procederem ocupao fsica do espao, e integr-lo sua rea de
soberania. No entender de ngela Domingues, esta forma de ocupao, est relacionada com
as prioridades ocupao, povoamento, defesa e desenvolvimento econmico que
norteavam a fixao luso-brasileira no Norte, regio onde a interveno portuguesa foi mais
sentida60
. As comunicaes entre a regio amaznica e a mato-grossense estavam proibidas
por D. Joo V, que, abertas, poderiam levar a um possvel despovoamento do Gro-Par e
58
Instrues dadas pela rainha D. Mariana Dustria, mulher de D. Joo V, ao governador da nova capitania do Mato Grosso, D. Antonio Rolim de Moura. Nestas instrues, a rainha mostra preocupao com a vigilncia no
Mato Grosso por causa da vizinhana que tem e determinando que ali se estabelecesse o governo, solicitando o
possvel para facilitar a navegao no Guapor, bem como as comunicaes entre Mato Grosso e Par como
forma de evitar ou intimidar os espanhis. E por ser uma rea fronteiria com o Peru, ordena a fundao de uma
vila (Vila Bela) que seja defensvel e vizinha a algum rio navegvel, alm de garantir a segurana militar dos
moradores que para ali fossem. In. Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, pg.
16, Correspondncia indita do Governador e Capito General do Estado do Gro-Par e Maranho. Francisco
Xavier de Mendona Furtado, 1751-1759. Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro 1963.
59 Derenji, Jussara da Silveira, As cidades da rede de defesa interna da Amaznia. bidos, Santarm e Manaus.
In Actas do Colquio Internacional Universo Urbanstico Portugus 1415-1822 Coord. Renata Arajo, Hlder
Carita e Walter Rossa. C. N.P.C.D.P. 2001.
60 Domingues, ngela. Quando os ndios eram vassalos. Colonizao e relaes de poder no Norte do Brasil na
segunda metade do sculo XVIII. Lisboa. C.N.P.C.D.P. 2000. pg.78-79.
26
Maranho, alm das armadilhas que as cachoeiras do rio Madeira armavam aos desbravadores
afetariam tambm o contingente populacional. Entretanto, havia outro obstculo natural, o
perigo das febres, que era maior e mais temido que as prprias cachoeiras. Por fim, o rio
Madeira era um trecho estratgico, de fronteira, e suas guas eram percorridas constantemente
por sertanistas mato-grossenses, mas tambm por jesutas espanhis, apesar das ordens reais
proibirem sua utilizao61
.
Em correspondncia datada de 1748 enviada pelo Secretrio de Estado, Marco
Antonio Azevedo Coutinho a Francisco Pedro de Mendona Gurjo (Governador do Estado
do Maranho e Gro-Par), relata o perigo em no utilizar e povoar o caminho do Mato
Grosso via rio Amazonas, pelo fato de o rio que desemboca no Amazonas com o nome de
Madeira, ser o mesmo que passa pelas misses espanholas com o nome de Moxo, em cujo
leito os jesutas castelhanos, incomodados com a presena macia de sertanistas do Mato
Grosso, criaram a misso de Santa Rosa62
. Tinham por inteno apropriar-se da regio e,
posteriormente, com a possibilidade de descobrirem minas de ouro, proibir a navegao no
mesmo rio. Entretanto, tornava-se necessrio estabelecer condies de manuteno das
comunicaes entre a Capitania do Mato Grosso e Gro-Par e Maranho pela via fluvial, que
foi efetivada pela ao de Mendona Furtado63
.
A preocupao do Secretrio, em relao abertura e ao controle da navegao nos
rios do Mato-Grosso, foi compartilhada mais tarde pelo governo de D. Jos que, juntamente
com o Marqus de Pombal, perceberam a necessidade de liberar a navegao nos rios
Guapor e Madeira. D. Jos tambm levou em considerao as impresses passadas por
Mendona Furtado, em que alertava Sua Majestade para o problema que viria causar a
manuteno daquela proibio, juntamente com o mapeamento feito pela primeira turma da
Comisso Demarcadora de Limites que levantou a carta do Madeira64
. Desde ento, foram
61
Mendona, Marcos Carneiro de. O caminho de Mato Grosso e as fortificaes pombalinas da Amaznia. In
Revista do I.H.G.B. vol. 251. Abril-Junho. Departamento de Imprensa Nacional. 1962
62Apud, Reis, Arthur Cezar Ferreira, Limites e Demarcaes na Amaznia Brasileira. 2ed. V. 2 . pg 113. Coleo
Lendo o Par, SECULT. 1993.
63 O caminho do Mato Grosso via rios Amazonas, Madeira e Guapor, comeava em Belm e terminava em Vila
Bela, capital da Capitania de Mato Grosso (ver mapa na pgina seguinte) sendo um percurso seguro e mais
rpido para o transporte do ouro das regies aurferas de Mato Grosso e Cuiab, e da para a Metrpole, diferente
do caminho anterior onde as expedies partiam do Rio de Janeiro indo So Paulo para da subir o rio Tiet
at o rio Paran para encontrar o rio Paraguai que os levaria at Cuiab. Alm de levar meses, a viagem era
repleta de perigos desde as grandes cachoeiras at pelas ameaas de ataque dos ndios Paiagus, aliados dos
espanhis. Mendona, Marcos Carneiro de. Op cit. pg. 3-5. 1962.
64Apud, Reis, Arthur Cezar Ferreira. Op cit. 1993. pg. 68.
27
implementadas vrias e importantes leis para aquela regio, que refletiam a preocupao em
reforar as fronteiras da regio mato-grossense as quais era preciso garantir65
.
Mendona, Marcos Carneiro de. O caminho de Mato Grosso e as fortificaes pombalinas da Amaznia. In Revista do
I.H.G.B. vol. 251. Abril-Junho. Departamento de Imprensa Nacional. 1962
A poltica de preservao territorial fomentada pelo Tratado de Madri proporcionou
uma nova estratgia de colonizao para o norte da Colnia, atravs da presena efetiva da
metrpole portuguesa. Neste sentido, o papel desempenhado por Mendona Furtado foi
importante para dissipar a preocupao da autoridade real sobre os provveis prejuzos que a
65
Mendona, Marcos Carneiro de. Op. cit. 1 Tomo, 1963. Carta 42, pgs. 359, 382, 404.
28
abertura das comunicaes entre o Mato Grosso e o Par viesse causar66
. Mendona Furtado
convenceu Sua Majestade de que a presena portuguesa ao longo daquele caminho era
necessria para conter os espanhis e, ao mesmo tempo, impor a autoridade portuguesa.
Furtado argumentava que, mesmo no ocupando as vias dessa comunicao como conteno
de despesas para a Coroa, seria inevitvel que se fortalecesse o Par com grande cuidado. Na
viso de Francisco Xavier de Mendona Furtado, pela extenso e localizao estratgica, a
costa paraense tornar-se-ia uma porta de entrada para os estrangeiros atingirem a regio do
Mato-Grosso, alm do que ...se os espanhis quiserem invadir por esta parte e acham a
cidade sem fortificao como est, e o caminho livre, no h mais do que entrar sem risco
nenhum embarcar nas canoas e ir logo fazendo viagem rio acima67.
A metrpole portuguesa, preocupada cada vez mais com as fronteiras do norte da
Amaznia portuguesa, intensificou o processo de ocupao e povoamento criando novas
aldeias juntamente com as construes de fortalezas. Recomendando constantemente aos
governadores, o reparo e conservao das j existentes68
, cujo objetivo em um primeiro
momento era o de combater ndios e estrangeiros, uma vez que, antes do estabelecimento das
fortificaes portuguesas na Amaznia, j existiam feitorias e postos fortificados holandeses
que precisavam ser reprimidos. Porm, nem todas as fortalezas possuam estrutura slida o
suficiente para vencer o tempo e, em alguns casos com o movimento de subida dos rios, essas
fortalezas eram facilmente destrudas pela fora das guas. Somente com a descoberta e os
caminhos do ouro que as fortificaes tornaram-se determinantes para a posse e defesa do
territrio69
.
Arthur Vianna, em seu trabalho sobre as fortificaes na Amaznia, faz um
mapeamento das mesmas, tanto s portuguesas quanto as holandesas e francesas, lembrando
que, por razes naturais e/ou de conflitos blicos algumas desapareceram e outras se
66
O 30 das Instrues Rgias, recomendava a proibio total das comunicaes entre o Gro-Par e o Mato
Grosso, e manter o controle total sobre os moradores para evitar o contrabando. In Mendona, Marcos Carneiro
de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, pg. 26. 1963.
67 Mendona, Marcos Carneiro de. O caminho de Mato Grosso e as fortificaes pombalinas da Amaznia. In
Revista do I.H.G.B. pg. 13, vol. 251. Abril-Junho. Departamento de Imprensa Nacional. 1962
68 Em carta do rei D.Joo V. ao Governador do Estado do Maranho, Alexandre de Souza Freire, ordena que se
reparem as fortificaes tanto de S. Luiz quanto a de Belm, se iniciando pelas que forem mais necessrias para
a defensa delas, e que se construa na cidade do Par uma casa para plvora, ficando entendido que suspenda-se
qualquer remessa desta at a concluso do referido depsito. Vianna, Arthur. As fortificaes da Amaznia I As
fortificaes do Par. In Annaes da Biblioteca e Archivo Pblico do Par. Tomo Quarto pg. 55- 58 1905.
69 Derenji, Jussara. As cidades da rede de defesa interna. In Actas do Colquio Internacional Universo
Urbanstico Portugus 1415-1822. C.N.P.C.D.P. Coord. Renata Arajo, Hlder Carita e Walter Rossa. Lisboa,
2001.
29
mantiveram. Mas o fato dos holandeses possurem postos fortificados na margem esquerda do
Amazonas entre o Jary e Macap regio denominada de Tucujus que os portugueses
almejavam e a criao de mais um em 1615 na margem direita do mesmo rio denominado
de Gurup, eram fontes de preocupaes portuguesas, o suficiente para que, em 1616,
Francisco Caldeira Castelo Branco erguesse o forte do Prespio, que favoreceria proteo
segura e permitiria uma resistncia eficiente contra ataque dos ndios, alm de facilitar a
Bento Maciel Parente a destruio completa dos fortes pertencentes aos holandeses70
.
Desde os momentos iniciais da colonizao lusa no vale amaznico, ficou claro que a
ocupao do territrio era uma das prioridades da poltica colonial portuguesa, bem como o
trabalho de pacificao dos povos indgenas a fim de tornar-los teis Coroa e tambm em
funo da escassez populacional (colonizadores) nesta parte da Amrica portuguesa, com
amplos vazios demogrficos, fato que a tornava vulnervel e passvel de uma ameaa
soberania portuguesa, pelo fato da possesso fazer fronteira com setores pertencentes
Frana, Espanha, Holanda e Inglaterra. Para evitar uma situao desfavorvel Portugal, a
Coroa incentivou a imigrao concedendo facilidades para a fixao de colonos tanto no norte
quanto no sul da Colnia. Porm nem a imigrao, tampouco a importao de escravos, foi
suficiente para suprir as necessidades Rgias de guarnecer aquelas fronteiras71
.
A maneira encontrada pelos portugueses para defender seus domnios foi atravs da
construo de fortificaes onde as mesmas simbolizavam a conquista e a posse. Alm do
mais foram utilizadas para apoiar os enfrentamentos contra holandeses e ingleses que se
encontravam estabelecidos na regio quando da chegada dos portugueses. Em seu trabalho de
registro das fortificaes, Arthur Vianna indica a presena dos fortes holandeses desde 1610,
na margem esquerda do Amazonas na regio dos Tucujus para defesa contra tribos indgenas.
Em 1615, os mesmos holandeses, ocupavam a margem direita do rio Amazonas, no lugar
denominado de Mariocay, com a funo de defesa e explorao de riquezas. Em 1626, os
holandeses perderam a margem direita do rio Amazonas para os portugueses que fundaram o
Forte do Gurup, no mesmo local das fortificaes holandesas, e funcionava como base de
operaes de ataque e defesa contra estrangeiros72
.
70
Vianna, Arthur. As fortificaes da Amaznia I As fortificaes do Par. In Annaes da Bibliotecha e Archivo Pblico do Par. Tomo quarto. 1905. Pg. 229-232.
71 Couto, Jorge. O Brasil pombalino, In. Cames Revista de Letras e Culturas Lusfonas, nr. 15/16 Jan/Jul,
2003. Pg. 53-74. 72
Vianna, Arthur. Op. Cit. pg. 230-232.
30
Pelas palavras de Arthur Vianna, o forte do Gurup, no dispunha de muitos cuidados
por parte dos governadores devido a sua inutilidade estratgica. Porm, teve como funo
evitar o contrabando de produtos naturais e escravos. O referido forte servia tambm para
auxiliar as obras de construo da fortaleza de Macap, com o envio de vveres para aquela
praa. Em 1639, foi criada a Vila de Gurup, um pequeno povoado. Com o passar do tempo,
as fortificaes facilitaram a continuao do plano portugus de povoamento, pois,
comearam a se desenvolver ao seu redor, ncleos de povoamento que seriam os primeiros
marcos de criao das futuras vilas que viriam a surgir. A importncia dos fortes para o
povoamento da regio foi mais eficaz do que para a defesa, refletindo a clara inteno
portuguesa de se estabelecer na regio de uma forma mais duradoura, atravs do assentamento
de ncleos populacionais.
Projeto da Fortaleza de Gurup e sua povoao. In. Marcos C. Mendona. Tomo II. Pg 618-b
Para Arthur Reis, Fortins como o de So Gabriel da Cachoeira, So Jos das
Marabitanas, So Joaquim e So Francisco Xavier de Tabatinga, ofereciam pouca ou quase
nenhuma eficincia no combate a estrangeiros, que desciam ou subiam os rios Negro,
Solimes e Branco. Em alguns casos, como o Forte de Tabatinga, reduziu-se a um posto fiscal
de identificao de estrangeiros que atravessavam a fronteira. Somente as vsperas da
repblica que comeou a sofrer as primeiras intervenes no sentido de torn-lo mais
eficiente. Mesmo a Casa Forte de So Jos do Rio Negro, foi levantada com a funo de
servir de posto de abastecimento para as expedies que subiam o rio Negro em direo as
31
fronteiras. Porm, em 1719, j no atendia mais aos interesses de soberania da metrpole
portuguesa, pois, a mesma, no conseguia impedir a entrada de estrangeiros no Solimes73
.
A criao da Capitania de So Jose do Rio Negro em 1755 foi resultado das resolues
tomadas no Tratado de Madri, que apontava para a proteo das fronteiras amaznicas. Tanto
que o local pensado para sua capital, a principio foi a aldeia de So Jos do Javari, nas
fronteiras da Amaznia peruana. Porm, por questes de acessibilidade e proteo interna, a
Top Related